MEMÓRIAS, COTIDIANOS E ESCRITAS ÀS MARGENS DOS …³rias, cotidianos e... · Valéria: minha...

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA MEMÓRIAS, COTIDIANOS E ESCRITAS ÀS MARGENS DOS MARAJÓS: NAVEGANDO ENTRE O SABER E O PODER Belém Pará 2012

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA

PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA

MEMÓRIAS, COTIDIANOS E ESCRITAS ÀS MARGENS

DOS MARAJÓS: NAVEGANDO ENTRE O SABER E O

PODER

Belém – Pará

2012

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SÔNIA MARIA PEREIRA DO AMARAL

MEMÓRIAS, COTIDIANOS E ESCRITAS ÀS MARGENS DOS

MARAJÓS: NAVEGANDO ENTRE O SABER E O PODER

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da

Universidade da Amazônia – UNAMA, para obtenção do Título de

Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura.

Orientadora: Profª Dra. Ivânia dos Santos Neves

Belém - Pará

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________

Profª Dra. Ivânia dos Santos Neves – UNAMA

Orientadora

______________________________________________________

Prof. Dr. Agenor Sarraf Pacheco – UFPA

Examinador

______________________________________________________

Prof. Dr. Marcos André Dantas da Cunha - UFPA

Examinador

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A minha querida irmã SUANY AMARAL, in memorian. Voltar para

Deus é tudo o que precisamos depois de cumprir nossa missão na

terra, por isso, jamais esquecerei a tua humildade e o teu belo sorriso

sempre a nos acolher. Por mais que o tempo passe, a vida passe, o

nosso amor ficará para sempre em nossos corações.

A todos(as) que dedicam parte de sua vida trabalhando nas “escolas

das águas” no desafio de formar cidadãos, homens e mulheres

sensíveis a vida humana.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, a Ele, toda honra e toda glória, agora e para sempre!

A Enil, meu amor, companheiro, amigo. Sem a tua compreensão, difícil seria ter chegado até

aqui. Obrigada pelo incentivo, pelas contribuições e pelo amor que sempre estava a me

esperar. Pela companhia nas viagens rumo ao conhecimento e pelas fotos maravilhosas, que

mais que ilustração, representam a realidade deste povo marajoara.

Aos meus filhos: Valéria, Nayara e Bruno. Tenho consciência de que em alguns momentos

precisei me distanciar de vocês, para enfim poder retornar com o coração cheio de amor e

conhecimentos sobre o nosso povo. Saibam que em nossas vidas, nada deve ser pensado de

forma individual, por menor que seja a nossa ação, que seja realizada com o propósito de

ajudar; afinal, de que valeria tanto sacrifício, se não servir para a melhoria de nossa condição

de cidadãos? Obrigada minhas filhas e meu filho, tudo o que eu disser não abarcará o amor

que sinto por vocês.

Bruno, meu primogênito, meu amor, meu amigo. Você me auxiliou muito nesta jornada. Sua

parceria foi fundamental.

Nayara: Estes são os caminhos quando se quer seguir a profissão de ensinar e você me

ajudou a construir o meu.

Valéria: minha caçula. Mesmo com sua idade, você não deixou de contribuir, sempre esteve a

me encher de beijos e de carinhos.

A meus pais, Carlos e Fátima. Esta caminhada, só foi possível porque um dia vocês me

mostraram o caminho, mesmo que ele tenha ficado muito distante de vocês. Saibam que o

maior conhecimento que aprendi veio de vocês que me ensinaram a amar, por isso sou feliz e

eternamente agradecida a vocês pelo que sou.

A secretaria Municipal de Educação de Breves, na pessoa do prof. Benedito Viana, que

mostrou ao povo de Breves o quanto é possível fazer quando se tem a intenção de trabalhar

com e para o povo. Obrigada meu amigo pelo apoio e pelo que estás proporcionando a

população educacional deste município. A profª Lucy Jane Diretora de Ensino, Olenilson,

pela disponibilidade em me atender e a equipe de coordenadores da educação do campo pelas

relevantes informações prestadas.

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A minha orientadora Profª Dra. Ivânia Neves, mulher de atitudes, de coragem e acima de

tudo, de ousadia. Nesta caminhada as pedras são muitas, mas o grande desafio é fazer delas o

nosso rochedo. A você, o meu respeito e o meu carinho.

Ao Prof. Dr. Agenor Sarraf, intelectual, que não se envergonha de dizer que é marajoara.

Uma grande competência que só nos faz cada vez mais ter orgulho do nosso povo. Obrigada

pelas orientações e pelo carinho, com o teu exemplo, outros estão tentando trilhar neste

caminho de saberes e de sabedoria.

Ao professor Marcos André Dantas, pela grande contribuição na qualificação e pelo olhar

criterioso e didático que teve ao examinar esta dissertação.

Aos meus irmãos, Silney, Sid, Sheila, Shirlene, Suany, Carla, Débora e Simone. Quanto

maior a família, maior o amor que recebemos. Mesmo à distância vocês contribuíram com

este trabalho.

Ao meu amigo Carlos Veras, parceiro na travessia, sem o teu auxílio, provavelmente minha

estada nas aulas, teria sido muito mais difícil, afinal, as caronas sempre foram benvindas. A

minha amiga Fátima, colega de trabalhos e das boas conversas. Vocês são tão importantes

nesta caminhada, coincidência ou não, seus nomes são iguais aos dos meus pais.

A Professora Dra. Cenira Sampaio – a mais carinhosa professora que encontrei nesta vida.

Vou tê-la sempre em meu coração.

Aos professores(as) do Mestrado: Agenor, Ana Laura, Amarilis, Erasmo, Ivânia, José

Guilherme, Marisa, Paulo Nunes. A cada um o meu respeito e a minha gratidão, por mais que

tentem nos ofuscar e fazer do magistério uma profissão de riscos, para mim ainda é uma

profissão abençoada, pois nos aproxima de vidas... felizes, amarguradas, mas que indireta e

diretamente precisam do nosso apoio para seu desenvolvimento.

Aos meus colegas de turma: Carlos, Benedita, Daniele, Fátima, Helen, Zema, Zoca, Liliane,

Maura, Marcos Valério, Tânia, Waldir, Orlando, Valquiria e Welton. Vocês são especiais para

mim. Saibam que jamais serão esquecidos, mesmo sabendo que a partir de agora nossos

caminhos voltam a ter outros rumos. Em especial ao Jaime e Vera que também contribuíram

com este trabalho na tradução do resumo. Muito obrigada queridos(as)!

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Aos meus amigos Elvio e Etiene, como foi bom ter a companhia de vocês, compartilhar as

alegrias e angústias deste processo. Que possamos manter o sorriso no rosto e o Caruaca para

renovar as nossas vidas e as nossas amizades.

Aos professores(as), alunos(as), pais, mães, que foram a fonte deste trabalho. Minha

admiração pelo desafio que enfrentam no dia-a-dia, mas nem por isso deixam de demonstrar o

quanto são felizes no lugar aonde vivem.

A Regiane pela companhia nas longas viagens que fizemos em busca de respostas, pelo apoio

e pelo carinho demonstrado.

Aqueles que eu não os conheci, mas que de forma indireta me ajudaram a conduzir este

estudo. Sempre há alguém que deixamos de agradecer e que merecem o nosso agradecimento,

afinal, não há saber maior ou menor, há diferentes saberes e ambos se constroem na

coletividade.

A TODOS(AS), MUITO OBRIGADA!

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Mas ler, no entanto, é essencial.

E não apenas para aqueles que almejam participar da produção

cultural mais sofisticada, dos requintes da ciência e da técnica, da

filosofia e da arte literária.[...] enfim, para todos aqueles que

participam, mesmo que à revelia, dos circuitos da sociedade moderna,

que fez da escrita seu código oficial.

(...) lê-se para entender o mundo, para viver melhor. Em nossa cultura,

quanto mais abrangente a concepção de mundo e de vida, mais

intensamente se lê, num espiral quase sem fim, que pode e deve

começar pela escola, mas não pode (nem costuma) encerrar-se nela.

Mariza Lajolo

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RESUMO

A presente dissertação denominada Memórias, Cotidianos e Escritas às margens dos Marajós:

navegando entre o saber e o poder tem como objetivo apresentar a pesquisa realizada em

quatro escolas multisseriadas do município de Breves, Marajó, Pará. O objetivo maior deste

estudo foi analisar os discursos sobre as classes multisseriadas, sua infra-estrutura e as

práticas de leitura da palavra escrita desenvolvidas nestas escolas. A inquietação pelas

temáticas vem da minha relação com essa realidade educacional, já que faço parte de uma

instituição pública de ensino superior que trabalha formação de professores. A preocupação

com a formação leitora da palavra escrita pauta-se no direito da leitura como instrumento de

cidadania. A metodologia de análise baseou-se na análise do discurso com os estudos de

Michel Foucault (2010, 2009, 1979,1970) para quem o discurso é uma prática social e como

tal investida de relações históricas e práticas concretas que sempre se produzirão em razão das

relações de poder. Os estudos de Paulo Freire (2009, 1996, 1988, 1980) também deram

suporte às análises que estão no campo educacional. Outros estudiosos como Chartier, Magda

Soares e Lajolo & Zilberman, fundamentaram este trabalho no âmbito da leitura, além das

Legislações Educacionais vigentes que nos ajudaram a interpretar as consistências e

inconsistências da política educacional voltada a educação do campo, aqui denominada como

educação para “escolas das águas”. O estudo foi desenvolvido no período de março a

dezembro de 2011, em escolas multisseriadas localizadas entre rios e florestas. Os sujeitos da

pesquisa foram alunos, professores, pais das comunidades escolares e técnicos da Secretaria

de Educação do município. Utilizei como instrumentos para coleta de dados entrevistas

semiestruturadas e observação participante. Os resultados nos indicaram que mesmo com os

avanços na educação brasileira nos últimos anos, ainda é possível encontrar grandes

divergências entre a oferta à educação das escolas urbanas e do meio rural. Estas últimas

continuam, em sua maioria, sendo gestadas pelos poderes públicos sem planejamentos e/ou

sem conhecimento da realidade local, que as alimentam com parcos recursos. Concluiu-se que

as práticas de leituras implementadas pelas “escolas das águas”, são plurais, envolvem

histórias que obedecem tempos, lugares e dividem-se a partir de seus regimes de verdades.

Podendo ser afirmado que não há tantas contradições entre os discursos dos professores e as

suas práticas, autorizadas pelo discurso escolar e qualificadas como permitidas. A formação

do leitor da palavra escrita não é um objetivo central neste processo de escolarização, mas não

está ausente das atividades diárias desenvolvidas pelas escolas. Para os sujeitos envolvidos na

pesquisa, a organização do ensino em classes multisseriadas não é sinônimo de fracasso, tem

positividades e desafios conforme as demais escolas seriadas. Precisa de mais investimentos,

na parte estrutural e na composição do quadro pedagógico. Objetivamente posso dizer que

esta pesquisa contribuirá para estudos posteriores sobre as práticas de leitura que se faz nas

“escolas das águas”, além de contribuir na reflexão e proposição de políticas públicas para

esta organização de ensino.

Palavras Chave: escolas das águas, classes multisseriadas, práticas de leitura

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ABSTRACT

This research called Memories, Routines and Writings on the boarders of Marajós: navigating

between knowledge and power, presents a survey of four multigrade schools in Breves,

Marajó Island, in State of Pará. The main objective of this study was to analyze the discourses

on multigrade classes, its infrastructure and practices of reading the written word developed in

these schools. The theme was based in my relationship with this educational reality, since I

am part of a public institution of higher education training for teachers, working in

Marajó. The concern with the formation of the written word reader is guided in the right

reading as a tool of citizenship. The methodology was based on the analysis of discourse with

the Michel Foucault „s studies(2010, 2009, 1979.1970) for whom the speech is a social

practice and as such invested with historical relations and concrete practices that always

produce a result of power relations. Studies of Paulo Freire (2009, 1996, 1988, 1980) also

gave support to the analyzes that are in the educational field. Other scholars such as Chartier,

Magda Soares & Lajolo and Zilberman, substantiate this work in the context of reading,

besides the Educational Legislation in force that helped us to interpret the consistencies and

inconsistencies of educational policy focused on rural education, here termed as education

"schools of water. " The study was conducted from March to December 2011 in multigrade

schools located between rivers and forests. The subjects were students, teachers, parents,

school communities and the Department of Technical Education of the City. It was used as

instruments for data collection semi-structured interviews and participant observation. The

results showed us that even with advances in education in Brazil in recent years, it is still

possible to find large differences between the supply of education in urban schools and rural

areas. The latter continue, mostly being gestated by the government without plans and / or

without local knowledge, that feed on scarce resources. It was concluded that the practices

implemented by reading "schools of the waters" are plural, stories that involve obey times,

places and divided from their regimes of truth. It can be argued that there are so many

contradictions between the discourses of teachers and their practices as authorized by the

school discourse and qualified as permitted. The formation of the reader of the written word is

not a central objective of this educational process, but is not absent from the daily activities

carried out by schools. For the subjects involved in research, organization of teaching in

multigrade classes is not synonymous with failure, has positive aspects and challenges as

other schools graded. It needs more investment, both in the structure and composition of the

teaching framework. I can objectively say that this research will contribute to further studies

on the practices of reading that is done in the "schools of the waters", and contribute to the

reflection and propose public policies for the organization of teaching.

Keywords: schools of waters, multigrade classes, reading practices

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RESUMEN

Esta tesis doctoral se llama Recuerdos, Cotidianos y Escritos sobre los bordes de Marajós:

navegando entre saber y poder, se presenta un estudio en cuatro escuelas multigrado en el

municipio de Breves, Marajó, Pará. El objetivo principal de este estudio fue analizar los

discursos sobre las clases multigrado, su infraestructura y las prácticas de lectura de la palabra

escrita desarrolladas en estas escuelas. El malestar viene al tema de mi relación con esta

realidad educativa, ya que soy parte de una institución pública de educación superior de

formación para maestros que trabajan en Marajó. La preocupación por la formación del lector

de la palabra escrita se guía en la lectura de derecha como una herramienta de la

ciudadanía. La metodología se basó en el análisis del discurso con los estudios de Michel

Foucault (2010, 2009, 1979,1970) para quien el discurso es una práctica social y como tal,

investido de las relaciones históricas y prácticas concretas que siempre produce un

resultado de relaciones de poder. Los estudios de Paulo Freire (2009, 1996, 1988, 1980)

también dieron su apoyo a las análisis que se encuentran en el campo educativo. Otros

estudiosos, como Chartier, Magda Soares y Lajolo y Zilberman, que avalen este trabajo en el

contexto de la lectura, además de la legislación educativa vigente que nos ayudó a interpretar

las coherencias e incoherencias de la política educativa se centró en la educación rural, aquí

denominado como "escuelas de educación de agua". El estudio se realizó entre marzo y

diciembre de 2011, las escuelas multigrado ubicadas entre los ríos y los bosques. Los sujetos

fueron estudiantes, maestros, padres de familia, las comunidades escolares y el Departamento

de Educación Técnica de la Ciudad. Se utiliza como instrumentos para la recolección de datos

de entrevistas semiestructuradas y observación participante. Los resultados nos mostraron que

a pesar de los avances en educación en Brasil en los últimos años, todavía es posible encontrar

grandes diferencias entre la oferta de educación en las escuelas urbanas y zonas rurales. Las

últimas continúan, en su mayoría, en estado embrionario por el gobierno, sin planes y / o sin

el conocimiento local, que se alimentan de los escasos recursos. Se concluyó que las prácticas

llevadas a cabo por la lectura de "las escuelas de las aguas" son plurales, las historias que

involucran a obedecer a tiempos, lugares y está separado de sus regímenes de verdad. Se

puede argumentar que no hay tantas contradicciones entre los discursos de los docentes y sus

prácticas, autorizadas por el discurso escolar y cualificada como permitidas. La formación del

lector de la palabra escrita no es un objetivo central de este proceso educativo, pero no está

ausente de las actividades diarias llevadas a cabo por las escuelas. Para los sujetos

involucrados en la investigación, la organización de la enseñanza en las clases multigrado no

es sinónimo de fracaso, tiene aspectos positivos y desafíos como otras escuelas

graduadas. Necesita más investimientos, tanto en la estructura y la composición del marco de

enseñanza. Que objetivamente se puede decir que esta investigación contribuirá a nuevos

estudios sobre las prácticas de lectura que se hace en las escuelas "de las aguas", y contribuir

a la reflexión y proponer políticas públicas para la organización de la enseñanza.

Palabras clave: escuelas de las águas, clases multigrado, prácticas de lectura.

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 01: crianças em canoas chegando à escola 18

Figura 02: moradores da comunidade São João da Galiléia 18

Figura 03: vista aérea da cidade de Breves 24

Figura 04: mapa do Estado do Pará 24

Figura 05: mapa do arquipélago marajoara 24

Figura 06: lancha usada pela pesquisadora 28

Figura 07: lancha usada pela pesquisadora 28

Figura 08: Escola M.E.F. Emerentina Moreira de Souza 32

Figura 09: vista aérea da Escola M.E.F. Rossilda Ferreira 34

Figura 10: Escola M. E. F. Alípio Caramês, rio Pracaxi 36

Figura 11: sala de leitura da Escola Alípio Caramês 36

Figura 12: sala de informática da Escola Alípio Caramês 36

Figura 13: sala de aula da Escola Alípio Caramês 36

Figura 14: Escola M. E. F Maria Freitas dos Santos 42

Figura 15: alunos da Escola Maria Freitas dos Santos em atividade em sala de aula 46

Figura 16: alunas da Escola Maria Freitas dos Santos em atividade em sala de aula 46

Figura 17: transporte escolar da Escola Maria Freitas dos Santos 47

Figura 18: transporte escolar da Escola Maria Freitas dos Santos 48

Figura 19: Escola M. E. F. Santo Antonio 49

Figura 20: sala de aula da Escola Santo Antonio 50

Figura 21: transporte escolar dos alunos da E. Santo Antonio 52

Figura 22: Escola M. E. F. Cel. Evangelista Medeiros 53

Figura 23: balsa com carregamento de madeira no Rio Tajapurú 54

Figura 24: balsa com carregamento de veículos no Rio Tajapurú 54

Figura 25: sala de aula da Escola Cel. Evangelista Medeiros 55

Figura 26: sala de aula da Escola Cel. Evangelista Medeiros 55

Figura 27: transporte escolar da Escola Cel. Evangelista Medeiros 58

Figura 28: Vila Liverpool localização da Escola Cel. Evangelista Medeiros 59

Figura 29: Escola M. E. F. São João da Galiléia no rio Furo da Ilha Comprida 60

Figura 30: sala de aula da Escola Santo Antonio 62

Figura 31: sala de aula da Escola Santo Antonio 62

Figura 32: canoas: transporte dos alunos da Escola São João da Galiléia 63

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Figura 33: vila onde está localizada a Escola Cel. Evangelista Medeiros 75

Figura 34 - Igreja, escola e residências da vila Liverpool, rio Tajapurú 78

Figura 35: desenho de aluno da Escola Maria Freitas dos Santos 83

Figura 36: espaço interno da Escola São João da Galiléia 85

Figura 37: sala de aula da Escola Cel. Evangelista Medeiros 86

Figura 38: alunos da Escola São João da Galiléia 87

Figura 39: atividade de cópia – ditado no quadro verde 92

Figura 40: atividade de leitura, construída pelos alunos 94

Figura 41: alunos da Escola Maria Freitas dos Santos em atividades em sala de aula 95

Figura 42: quadro verde com atividades escritas 99

Figura 43: alunos em atividade de leitura na Escola Maria Freitas dos Santos 99

Figura 44: escrita de um aluno da 4ª série 100

Figura 45: alunos em horário de aula na Escola São João da Galiléia 101

Figura 46: sala de aula e atividades de leitura 103

Figura 47: cantinho da leitura Escola São João da Galiléia 109

Figura 48: cantinho da leitura da Escola São João da Galiléia 109

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LISTA DE SIGLAS

ACS – Agente Comunitário de Saúde

CF - Constituição Federal

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

PARFOR – Plano Nacional de Formação Docente

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios

PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNE - Plano Nacional de Educação

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático

PPP – Projeto Político Pedagógico

SEMED – Secretaria Municipal de Educação

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SUMÁRIO

INICIANDO A VIAGEM 17

CAPÍTULO I 30

Escolas no Marajó: educação do campo ou das águas? 30

1.1 Escolas na cidade: uma leitura polifônica 31

1.2 “Escolas das águas”, no ritmo da maresia 35

1.3 Escolas do Campo para quem vive nas águas? 38

CAPÍTULO II 41

“Escolas das águas”: uma leitura enviesada 41

2.1 Escola M.E.F. Maria Freitas dos Santos 42

2.2 Escola M.E.F. Santo Antonio 49

2.3 Escola M.E.F. Cel. Evangelista Medeiros 53

2.4 Escola M.E.F. São João da Galiléia 60

CAPÍTULO III 65

Entre Rios e Letras: práticas de leitura, discurso polifônico e contradições ideológicas 65

3.1 – Percepções e sentidos da leitura 68

3.1.1 – O discurso dos professores 68

3.1.2 – Pais: autonomia e ascensão social 75

3.1.3 – Alunos: lê para quê? 80

CAPÍTULO IV 85

4.1 - Leitura nas “escolas das águas”: (des)construções de uma prática cultural 85

4.2 - A leitura como mediadora da formação cidadã: interação entre escola e família na

construção de uma prática social

106

CONSIDERAÇÕES FINAIS 112

No cotidiano das águas: o saber e o poder para além dos índices de desenvolvimento

da educação

112

REFERÊNCIAS 116

APÊNDICES

ANEXOS

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INICIANDO A VIAGEM

Na linha da ribanceira, entre o rio e a floresta,

estão os arquivos da vida amazônica. É uma

verdadeira escola do olhar. Uma pedagogia da

contemplação. Um aprender a aprender a olhar.

O olhar que experimenta a vertigem de uma

alma errante. Na margem do rio e da floresta

irrompe a vida, em duplo.

Paes Loureiro

Ser brasileiro para os que podem desfrutar de uma vida digna é motivo de orgulho e

envaidecimento, por fazer parte de uma nação republicana de regime democrático, além de

poder usufruir das belezas naturais e culturais tão singulares que este país apresenta. Para

outros, principalmente os que estão distantes dos grandes centros urbanos, vivem-se contínuos

desafios, em virtude da grande desigualdade social existente entre as diferentes regiões da

nação brasileira, especialmente no que tange aos direitos de exercer a cidadania.

No âmbito da educação, a situação não é diferente. No cenário nacional,

pesquisadores, gestores e legisladores da educação, produzem e põem em circulação discursos

que se referem a avanços nas diferentes áreas do conhecimento. Deste modo, descobertas

realizadas, leis aprovadas, complementados pelo discurso - político ideológico, de que tudo

estaria em benefício de toda população, parecem indicar não apenas avanços, mas também

novos dispositivos de controle.

Nas palavras de Foucault, a produção de discursos construídos a partir de uma ordem,

de um lugar, de um mundo social, que se revela:

[a]o mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por

certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e

perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível

materialidade. (FOUCAULT 1996, p.8-9)

À margem deste discurso oficial, que faz propagandas de estatísticas positivas no

cenário educacional, há outros “Brasis”, silenciados, interditados, desconhecidos ou

(re)conhecidos apenas pela corrupção, miséria e pela precária educação que oferece a seus

cidadãos, mas que precisam ser pesquisados e publicados para que este país seja de fato

reconhecido em sua diversidade e interculturalidade.

Historicamente, no Brasil, há um discurso estabilizado em relação às práticas de

leitura como responsabilidade da escola. É fato recorrente percebermos pais e mães ansiosos

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em matricular seus filhos na educação formal – desde a Educação Infantil - para que, com

brevidade, possam inserir-se nesta prática cultural.

Ratificando este discurso, instauram-se grandes debates nacionais, inspirados em

desafios internacionais sobre o papel da escola na formação de alunos leitores da palavra

escrita, uma exigência que se apresenta por meio de avaliações, conforme pode ser vista no

Brasil por meio do Índice de desenvolvimento da Educação Básica – IDEB1 e externamente

com o Programa Internacional de Avaliação dos alunos – PISA2.

Com a escolarização, é possível inserir a criança, o jovem ou o adulto no processo de

alfabetização – entendido aqui como movimento em que o sujeito é capaz de ler e escrever.

Entretanto, com o avanço das novas tecnologias e a constituição de uma nova realidade social,

conforme assinala Magda Soares (2006, p. 20), “não basta apenas ler e escrever, é preciso

também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de

escrita que a sociedade faz continuamente”.

O objetivo de estudo desta pesquisa, centra-se na análise dos discursos formulados por

professores, alunos e pais sobre a realidade das escolas multisseriadas do município de Breves

e as práticas de leitura da palavra escrita. Procuro interpretar o território da investigação como

“Escolas das Águas” pela forte presença que esse elemento natural desempenha na vida das

populações rurais marajoaras.

1 O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado em 2007 para medir a qualidade de cada escola e de

cada rede de ensino. O indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do INEP e em taxas de

aprovação. O índice é medido a cada dois anos e o objetivo é que o país, a partir do alcance das metas municipais e estaduais, tenha nota 6 em 2022. Correspondente à qualidade do ensino em países desenvolvidos. (www.portalmec.gov.br) 2 PISA significa Programme for International Student Assessment. É como o próprio nome indica um programa para

avaliação internacional de estudantes, padronizada, que foi desenvolvida em conjunto pelas economias participantes e

dirigida a alunos com a idade de 15 anos. (portais.ws.com)

Figura 01- crianças chegando à escola

Foto: Enil Pureza

Figura 02 - moradores deslocando-se da

comunidade São João da Galiléia, rio Macacos.

Foto: Enil Pureza

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É pelas águas que homens, mulheres e crianças fazem e veem suas vidas acontecer,

por meio delas chega a saúde, a educação, os professores, os alimentos que os sustentam.

Nesse percurso, se faz o tempo das viagens para o trabalho, para a escola, para as festas,

procissões, enterramentos.

Ninguém se transporta de um sitio a outros do encantado meandro, por mais

perto que seja, senão no banco das montarias esguias, asseadas, ligeiras.

Rema-se a proa, rema-se à meia-nau, rema-se à ré... O rio é a rua. Floresta

adentro, mesmo no verão, a terra úmida, plástica, como se estivesse nos

primeiros dias moles de gêneses (MORAIS In: PACHECO 2009, p. 60).

Em meio a este ambiente, atravessado por tantas águas, manter as escolas, mediante a

baixa densidade demográfica, leva à constituição de classes multisseriadas. Para a formação

de uma turma de alunos, com registro no Censo Escolar e garantia de que esses cidadãos

tenham acesso à escola, juntam-se várias crianças de diferentes faixas-etárias em uma mesma

turma, com um único professor. É a maneira pela qual se escolariza nos meios rurais da

Amazônia.

Discutindo a temática das identidades culturais na Amazônia Marajoara, este espaço

que compreende o arquipélago do Marajó, com seus 16 municípios, marcados por suas

singularidades históricas, afirma Pacheco:

Não esquecer que pesquisas sobre identidades locais, atualmente, têm

ensinado ser preciso apropriar-se das próprias representações construídas

pelos amazônidas e valorizar a riqueza de suas vozes e sabedorias para

podermos produzir a escrita de uma história democrática capaz de dialogar

com a diferença e respeitar as diversas culturas (PACHECO 2011, p. 41).

Pensando nestas identidades locais, lancei-me ao desafio de utilizar um novo termo –

“Escola das Águas” – para pensar a realidade da educação rural no município de Breves. Em

diálogo ainda com Pacheco, problematizo, nesta dissertação, convenções como “Educação

Rural” e “Educação do Campo”, por entender que essas nomenclaturas não alcançam os

sentidos atribuídos pelos moradores da região ou desqualificam seus modos viver e fazer

educação entre águas e florestas.

O foco deste estudo, na leitura da palavra escrita, justifica-se pela importância que ela

carrega na sociedade atual, indo além dos textos escritos – pois também está presente nos

meios visuais e digitais. Nas informações e nas formas de comunicação, o impresso ainda é

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predominante, além de ser a leitura da palavra escrita um direito de todo cidadão expresso na

Constituição Federal – CF (1988) em seu Art. 2053.

O lugar de onde falo faz parte de um desses ambientes esquecidos pelos poderes

oficiais na implementação de políticas públicas. Hoje, na condição de cidadã marajoara,

reconheço que aprendi a conviver com o regime das marés e com a força natural que elas

discretamente nos impõem. Sou filha de uma realidade paradoxal, um Marajó de lutas e

resistências, mas também de dependências e subordinações.

Na condição de moradora e pesquisadora deste espaço, não poderia deixar de registrar

parte de minhas memórias que se encontram atravessadas por paisagens de rios e florestas,

semelhante a dos demais sujeitos desta pesquisa. Não se trata de uma biografia, mas de um

estudo que resiste à imposição das fronteiras rígidas da academia, que por vezes teima em

enquadrar os discursos e não aceitar que o pesquisador fale de seu lugar social.

A posição que defendo é a de que não podemos continuar sendo “objeto” de estudos

de outros. Silenciados, na angústia de não ter o direito de falar de nós mesmos, de nossa

gente. Somos sujeitos da história, por isso, capazes de mudá-la. Nesta condição, autorizamo-

nos a sair do anonimato e explicitar as nossas vivências e experiências.

A posição aqui enunciada, de forma alguma traz o sentido de pureza, por compartilhar

da premissa de que todo discurso está atravessado no discurso de outrem. Na esteira de

Bakhtin compreendemos que

[a]quele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado

da palavra, mas ao contrário, um ser cheio de palavras interiores, toda a sua

atividade mental, o que se pode chamar o ―fundo perceptivo‖, é

mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção

com o discurso apreendido do exterior. A palavra vai à palavra (BAKHTIN

1999, p. 147).

As intensas interações, por certo, não deixam de imprimir diferentes relações de poder

que se estabelecem, de acordo com as resistências e subordinações a que a pessoa é

submetida, envolvida. Desta forma, situarei a minha trajetória pessoal e profissional para

melhor entendimento dos meus interesses pela presente pesquisa.

3 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a

colaboração da sociedade, visando o pleno domínio da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho.

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Ao contarmos nossa vida, em geral tentamos estabelecer uma certa coerência

por meio de laços lógicos entre acontecimentos chaves e de uma

continuidade, resultante da ordenação cronológica. Através desse trabalho de

reconstrução de si mesmo o indivíduo tende a definir seu lugar social e suas

relações com os outros (POLLAK 1989, p. 13).

Nasci na cidade de Curralinho, situada na Ilha de Marajó/Pará, no final dos anos de

1960, período em que o Brasil vivia o regime militar. No campo educacional, as escolas

seguiam currículos que tinham como base a educação moral e cívica, além do modelo

tecnicista e desenvolvimentista da educação, preconizado e orientado pela Lei Federal

Complementar de Diretrizes e Bases da Educação - 5692/71 em vigor naquele contexto

histórico.

Até a 4ª série do ensino fundamental, estudei com professoras que tinham a

responsabilidade de instruir o que estava previsto nas “grades” curriculares. Mesmo com essa

oferta de ensino constituída pela educação oficial para a época, a escola era muito cobiçada

pelos pais, até por aqueles que não tendo a possibilidade de frequentá-la, não abriram mão de

buscá-la para que seus filhos a ela tivessem acesso. Para a maioria deles, estar na escola

representava a possibilidade de uma vida melhor.

Neste universo, mergulhei numa grande viagem rumo à escolarização. Meus pais

dispuseram-se a sair de seu lugar, fizeram travessias de um rio a outro para que eu pudesse

continuar minha formação escolar e “ter sucesso na vida”. Sucesso pensado inicialmente para

mim e certamente depois para os mais oito irmãos que vieram compor o retrato da minha

família. Para arcar com as despesas por esta opção, partiram contratados por extrativistas para

morar às margens dos rios, trabalhar nas florestas, na extração do palmito do açaizeiro, a fim

de manter os meus estudos na cidade.

Certamente, esta não é uma história isolada. Se minha intenção fosse pesquisar as

memórias individuais e coletivas, por certo teríamos muitos relatos de moradores da região,

falando da vida a que são submetidos, das incontáveis travessias que fazem a fim de

proporcionar melhores condições de vida a seus filhos. É a forma de fazer a vida acontecer,

não apenas esperar, mas buscar alternativas diante das dificuldades compartilhadas. Para Hall

(2003, p. 28) “a pobreza, o subdesenvolvimento, a falta de oportunidades – os legados do

Império em toda parte – podem forçar as pessoas a migrar, o que causa o espalhamento – a

dispersão. Mas cada disseminação carrega consigo a promessa do retorno redentor”.

Provavelmente, neste fluxo de idas e vindas destes moradores, a escola seria um dos

caminhos para se chegar à “terra prometida”. Entretanto, como se percebe, a escola ainda não

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é pública e gratuita – mesmo que a legislação faça circular esse discurso, uma vez que nem

todos os que a procuram tem acesso garantido e muitos dos que conseguem adentrá-la, não

conseguem permanecer e obter bons resultados por falta de condições materiais para

manterem-se. Assim, ou voltam a seu local de origem, ou submetem-se a viver na

vulnerabilidade social fora do seu lugar.

Nessa travessia, não pude deixar de também passar por essa experiência de sair de

meu lugar em busca de uma vida melhor. Na condição de mulher, filha, mãe, esposa, aluna e

profissional da educação experimentei desafios, derrotas e superações. Quando

criança/adolescente, aluna do 1º grau - atualmente ensino fundamental, era difícil entender por

que deveria sair de meu lugar, separar-me dos meus pais e viver em outros espaços e com

outras pessoas.

No antigo 2º grau – atualmente ensino médio, havia opção de cursar agropecuária, mas

além de ser um curso com predominância masculina, não apresentava oportunidade imediata

para trabalho. Optei pelo Magistério, pois com essa formação profissional era possível

contribuir com a educação da região, além da garantia de trabalho antes mesmo do término do

curso.

No ensino superior, acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia, pude analisar

as discrepâncias sociais que vivemos. O reconhecimento da diversidade cultural e muitas

vezes o silêncio das populações pobres, excluídas do direito de serem escutadas.

A inquietação em conhecer melhor, para intervir na realidade é de quem vive em um

dos espaços marajoaras mais representativos no lado ocidental, muitas vezes esquecido pelos

poderes legitimados. Este desejo tornou-se mais pulsante no momento em que iniciei minha

trajetória de educadora no ensino superior na Universidade Federal do Pará – Campus

Universitário do Marajó Breves, num tempo-espaço em que as condições de vida,

sobrevivência, educação eram e são resultantes de lutas, sacrifícios, denúncias, reivindicações

em torno das políticas públicas. Estas parecem não fazer parte da vida dos brasileiros que

vivem distantes dos centros urbanos.

Em 2010, quando ingressei no Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e

Cultura da Universidade da Amazônia (UNAMA), as discussões relacionadas à análise do

discurso e às teorias contemporâneas de cultura me fizeram ampliar uma pouco mais o meu

olhar em relação à realidade do município de Breves.

Neste programa, duas pesquisas de dissertações problematizaram as relações de poder

que atravessam a denominação “ribeirinhos”, dentre elas a de Ferreira (2012) que tem como

título: Entre o Rio e a Ponte: letras e identidades às margens do rio Acará na Amazônia

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Paraense. E, ainda que tal designação seja usada nos documentos oficiais ou na fala cotidiana

dos moradores da região amazônica, não existe neutralidade em sua utilização, ela carrega um

forte apelo ao discurso colonial, que implantou uma hierarquia de direitos em relação aos

moradores da região.

Minha intenção, no entanto, não é fazer uma analítica do poder, a partir da palavra

ribeirinho, embora a legislação atual e sua aplicação esteja bastante relacionada a forma como

o Estado brasileiro age de forma diferenciada em relação aos moradores que vivem às

margens dos rios. As políticas públicas presentes nos meios urbanos, nem sempre chegam a

essa região e quando chegam, sempre em forma de “benefícios” que atende menos a quem foi

destinada e mais aos seus gestores que as utilizam, muitas vezes para manter o povo na

submissão.

Embora a legislação preveja uma categoria mais generalista em relação às escolas que

estão longe dos centros urbanos, me detive a analisar especificamente a categoria escola do

campo e mostrar como ela não dá conta da realidade do município de Breves. Entretanto,

neste estudo utilizarei o termo “escolas das águas” para caracterizá-las.

Meu recorte de pesquisa ficou circunscrito às práticas de leitura da palavra escrita,

nestas escolas. Para isso, realizei minha pesquisa em quatro escolas que fazem parte do

sistema de educação do município de Breves, um dos 144 municípios que compõem o Estado

do Pará.

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O município de Breves está localizado no arquipélago marajoara – região de rios,

furos e igarapés, conhecida como “estreitos de Breves”, conforme localização no mapa nas

figuras 4 e 5. Sua população, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios –

PNAD/IBGE 2009, aproxima-se de 100.000 (cem mil) habitantes. Neste universo encontra-se

a população mais distante do meio urbano, em localidades rurais que estão em via fluvial, a

mais de 48 (quarenta e oito) horas distantes da sede do município.

Conforme dados do INEP de 2010, dessa população 30% encontra-se no ensino

fundamental. Da totalidade do ensino fundamental 50% estudam nas escolas das águas em

Figura 05 - Arquipélago Marajoara/Breves

http://harenaldebrasil.org/wordpress/

Figura 04 - Estado do Pará/ Breves

http://moneeneco.blogspot.com/2010/08/interestadual

Figura 03 - Vista aérea da cidade de Breves

Foto: Flávio Fotógrafo – Breves, outubro de 2011.

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classes multisseriadas. De acordo com Hage, coordenador e pesquisador do Grupo de Estudos

e Pesquisas em Educação do Campo na Amazônia – GEPERUAZ

As escolas multisseriadas oportunizam aos sujeitos o acesso à escolarização

em sua própria comunidade, fator que poderia contribuir significativamente

para a permanência dos sujeitos no campo, com o fortalecimento dos laços

de pertencimentos e a afirmação de suas identidades culturais, não fossem

todas as mazelas que envolvem sua dinâmica educativa (HAGE 2005, p.5).

Segundo o Censo de 2010, aproximadamente 17.000 (dezessete) mil alunos brevenses

estão inseridos neste modelo de ensino, aspecto que por si só justifica a necessidade de

estudá-lo. No que tange à oferta de ensino à população, Breves assumiu a municipalização4 do

Ensino Fundamental – 1ª a 8ª séries no ano de 1998. O último Censo Escolar somou

aproximadamente 34.000 (trinta e quatro) mil alunos em todo município, distribuídos em 317

(trezentos e dezessete) escolas municipais, destas, aproximadamente 300 (trezentas) estão no

meio rural.

O corpus da pesquisa compõe-se de narrativas ouvidas por meio de entrevista semi-

estruturadas. As entrevistas foram realizadas com professores, alunos, pais, técnicos da

Secretaria Municipal de Educação (SEMED), subsidiada pelos ensinamentos de Trivinos

(2008, p. 146), para quem a entrevista semi-estruturada “ao mesmo tempo que valoriza a

presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante

alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação”.

Utilizo também fotografias, capturadas no decorrer da pesquisa, uma vez que diante da

fotografia não há como ficarmos passivos, pois elas produzem sentidos, nos comovem,

emocionam, nos incomodam e em especial, nos remetem aos fatos, a memória social.

Colabora para o conhecimento, nos informa e contribui para o imaginário de uma sociedade.

De acordo com Kossoy (2000, p. 45):

A fotografia estabelece em nossa memória um arquivo visual de referência

insubstituível para o conhecimento do mundo. Essas imagens, entretanto,

uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de ser estáticas; tornam-se

dinâmicas e fluidas e mesclam-se ao que somos, pensamos e de acordo com

4A partir da LDB 9394/96, o município passou a ser gestor do ensino fundamental, cabendo a ele oferecer a

educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental. A atuação em outros níveis

de ensino é permitida somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de

competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção

e desenvolvimento do ensino.

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as nossas concepções de vida, situação sócio-econômica, ideologia,

conceitos e pré-conceitos.

São recursos que enriquecem este trabalho, nos remetem a imagens de espaços,

pessoas, instituições por muitos desconhecidas, podem servir como fontes de análises

discursivas e como memórias de um cotidiano.

A metodologia de análise baseou-se na análise do discurso com os estudos de Michel

Foucault (2010, 2009, 1979, 1996) para quem o discurso é uma prática social e como tal

investida de relações históricas e práticas concretas que sempre se produzirão em razão das

relações de poder. Os estudos de Paulo Freire (2009, 1996, 1988, 1980, 1983) também deram

suporte às análises que estão no campo educacional. Outros estudiosos como Chartier, Soares

e Lajolo & Zilberman, fundamentaram este trabalho no âmbito da leitura, além das

Legislações Educacionais vigentes que nos ajudaram a interpretar as consistências e

inconsistências da política educacional voltada a educação do campo, aqui denominada como

educação para “escolas das águas”.

A escolha dos sujeitos da pesquisa foi realizada respeitando as particularidades do

local. Três das escolas pesquisadas possuem apenas um professor – Escola São João da

Galiléia– ESJG; Escola Santo Antonio – ESA; Escola Cel. Evangelista Medeiros – ECEM,

fato que já era conhecido por mim desde o momento da seleção das escolas. A única que

possuía duas professoras, Escola Maria Freitas dos Santos – EMFS, e neste caso, a escolha foi

pela professora que trabalhava como os alunos da 3ª e 4ª séries.

Com o intuito de preservar o nome dos informantes desta pesquisa, os professores aqui

serão chamados de Maria, Antonia, João e Manoel. A professora Maria é acadêmica do Curso

de Pedagogia em Universidade pública. O professor João é acadêmico do curso de

Licenciatura em Língua Inglesa. Os professores Manoel e Antonia tem formação no

Magistério, nível médio.

A opção pelos alunos ficou entre os que cursavam 3ª e 4ª séries e que se dispuseram a

conversar. Após autorização da SEMED e dos professores, pude entrar na sala de aula,

apresentar-me e falar a eles do objetivo deste trabalho, perguntando se alguém gostaria de

participar falando um pouco da sua escola e das práticas de leitura que ela realiza.

Os alunos entrevistados são: 2 (dois) do sexo masculino e 2 (duas) do sexo feminino,

com idade de 11, 12 e 26 anos. Estão em média 4 (quatro) anos na escola. Depois do aceite

dos alunos em contribuir com o trabalho, nenhum deles, ao ser convidado a conversar, ficou

envergonhado, pelo contrário, todos demonstraram interesse em falar sobre o que fazem na

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escola, mesmo se atendo a responder em poucas palavras. Na última escola pesquisada -

ECEM, vários alunos juntaram-se a mim, para ouvir o que eu tinha a dizer, por vezes

concordando com minhas compreensões, discordando ou ampliando percepções da realidade

de viver à margem de rios e florestas.

Para entrevistar os pais, recorri aos que moravam na vila, onde a escola está situada,

por sua proximidade e participação mais efetiva do cotidiano da escola. Por tratar-se de um

espaço em que as ruas são os rios, é mais difícil encontrar outros pais na escola que não seja

no dia de reunião de pais e mestres, ou de encontros comunitários.

Apenas um pai não mora mais no lugarejo, entretanto, ainda continua muito próximo à

escola por ser o transportador escolar dos alunos no horário noturno. O motivo de ser apenas

um pai e três mães foi pela dificuldade de encontrar os homens na comunidade, estavam

sempre trabalhando fora da vila, como eles dizem “trabalhando no mato” e as mulheres

permaneciam em casa, o que facilitou o acesso a elas.

As mães entrevistadas têm em média 30 anos. São moradoras da comunidade onde a

escola está localizada, estudaram até a 4ª série do ensino fundamental, com exceção de uma

que estudou até a 2ª série. São mulheres que cuidam da casa e dos filhos; tem de 2 (dois) a 4

(quatro) filhos estudando nas escolas pesquisadas. Informaram que também foram alunas da

escola e acreditam que é muito importante manter seus filhos estudando.

Segundo uma delas, mãe de um dos alunos da ESA, quando criança, não teve essa

oportunidade de continuar estudando, pois precisou trabalhar em fábrica de palmito com o

pai. Na avaliação desta mãe, ficar sem estudar não é bom, por isso quer que seus filhos

tenham escola e aprendam a ler, para que sejam “alguém na vida”.

Já o pai entrevistado está na faixa etária de 60 anos. A opção por esse informante deu-

se por ter sido esse senhor o responsável em trazer a EMFS para a comunidade, portanto com

muitas informações a contribuir. Atualmente, ele não mora mais na vila onde está localizada a

escola, mas continua sendo líder comunitário e um dos responsáveis pelo transporte escolar

dos alunos, além de ainda ter filhos e netos na escola.

As escolas participantes da pesquisa foram selecionadas uma por distrito5, observando

as distâncias entre elas e a sede do município. Nesta pesquisa a escola é discutida em seu

sentido social, por ser uma instituição onde as relações de poder emergem desde o seu

nascimento e continuam por meio dos discursos, da disciplina, do controle dos corpos,

conforme será visto nos capítulos posteriores deste trabalho.

5O município de Breves organiza-se em quatro Distritos no meio rural: Sede rural, São Miguel dos Macacos,

Antonio Lemos e Curumú.

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O percurso que fiz para chegar às localidades foi de lancha-motor (as que estão nas

figuras 6 e 7, saindo da cidade pela manhã e retornando no final da tarde, levando de 3 (três) a

6 (seis) horas, por longos estirões rumo as “escolas das águas‟. A pesquisa foi realizada entre

os meses de março a dezembro de 2011.

As entrevistas aconteceram nas escolas, na casa de professores, na casa de pais, locais

adequados para os entrevistados sentirem-se à vontade para conversar. Até mesmo à beira do

rio, em frente à igreja da comunidade. Foram perguntas semi-estruturadas e que tinham como

propósito conhecer os discursos daqueles sujeitos sobre as práticas de leitura e a rotina da

escola em relação a essa prática.

Além das entrevistas, realizei visitas à comunidade para conhecer um pouco melhor

suas vivências. Participei das atividades em sala de aula, acompanhei o trabalho dos

professores, numa observação participante, por considerar que no trabalho de campo a

participação do pesquisador é de suma importância para melhor entender à realidade, os

costumes e as convenções culturais.

À SEMED, encaminhei documento à equipe técnica responsável pelas escolas das

águas (conhecida na instituição como Coordenação da Educação do Campo), solicitando

contribuição à pesquisa por meio de entrevista. A data agendada foi mantida, tendo

participado do ato 4 (quatro) técnicos que falaram sobre o papel da Secretaria na construção

do currículo da escola e na formação continuada dos professores.

A estrutura desta dissertação está organizada em quatro capítulos. O primeiro,

denominado Educação do Campo ou das Águas? Faço uma apresentação do contexto da

pesquisa, reflito as condições estruturais de oferta da educação brevense, numa relação

comparativa entre escolas urbanas e as escolas das águas. Trago ainda uma breve discussão

Figura 06 - Lancha usada na pesquisa

Foto: Enil Pureza, setembro 2011

Figura 07 - Porto da ESJ

Foto: Enil Pureza, setembro 2011

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sobre o termo “campo”, instituído pelo Ministério da Educação (MEC) a todas as escolas

rurais.

O segundo capítulo - Escolas do Campo uma Leitura Enviesada – apresento as quatro

escolas objeto desta pesquisa, suas localizações, criação e condições de funcionamento. Por

tratar-se de escolas com turmas multisseriadas, analiso a partir das vivências da comunidade

escolar, as vantagens e desvantagens dessa forma de organização do ensino.

Na sequencia, o terceiro capítulo – Leitura nas Escolas das Águas: (des)construção de

uma prática cultural – discuto e analiso as falas dos sujeitos da pesquisa em relação às

percepções e sentidos que a leitura da palavra escrita tem para alunos, professores e pais das

escolas em questão.

E no último capítulo examino as práticas de leitura trabalhadas pela escola, os

instrumentos presentes para sua efetivação e a preocupação dos educadores, alunos e pais com

a formação leitora.

Encerro o trabalho fazendo considerações a respeito dos resultados apresentados pela

pesquisa. Não são conclusões, por tratar-se de um estudo em que os seres humanos estão

envolvidos, certamente o que foi explicitado não poderá ser considerado como verdade

universal, considerando os estudos de Foucault (1979, p. 12), para quem “cada sociedade tem

seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discursos que ela

acolhe e faz funcionar como verdadeiros”. Entretanto, não deixo de fazer uma síntese dos

estudos e mostrar a sua relevância.

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CAPITULO I

Escolas no Marajó: educação do campo ou das águas?

Falar no Marajó é pensar num arquipélago, num complexo de ilhas com cerca de

42.000Km² e extensão geopolítica marcada por 16 municípios paraenses que se dividem entre

os povos dos campos, das águas e das florestas. De um lado o “Marajó dos Campos”:

Cachoeira do Arari, Chaves, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, Muaná, Ponta de Pedras e

Soure. De outro, o “Marajó das águas e florestas”: Afuá, Anajás, Breves, Curralinho, Portel,

Melgaço, Bagre, Gurupá e São Sebastião da Boa Vista. Uma divisão não extremada, pois em

muitos desses municípios, pode predominar o campo ou a floresta, mas, com a riqueza natural

deste lugar é possível encontrar, ao mesmo tempo, os dois cenários.

Diante desta diversidade, comungo das ideias de Pacheco (2006, p. 23) para quem a

expressão “Marajós” representa melhor essa região, pois é preciso “dar ênfase à ideia de que

essa região é plural em suas práticas sociais, expressando riquezas e pobrezas diversas e

diferenciadas”, por isso não pode ser traduzida no singular como se não houvesse complexas

redes de relações de exploração, esquecimento e incipientes políticas públicas para os seus

municípios.

Nesse emaranhado de ilhas, rios furos e igarapés, que se abrem como estradas para

todos os lados, podem ser encontrados milhares de brasileiros que vivem sob o regime das

águas, numa relação direta com os rios. São pessoas em diferentes condições de vida - sujeitos

humanos, mas nem sempre cidadãos, pois a sua maioria encontra-se entre aqueles para quem

o acesso às políticas públicas ainda é precário, dentre elas a dificuldade de acesso e

continuidade à educação formal.

Este capítulo traz reflexões sobre as condições estruturais de oferta da educação na

realidade brevense, fazendo uma relação entre a chamada “Educação da Cidade” e

especificamente à “Educação nas Escolas das Águas” ofertada em quatro escolas do

município que faz parte deste polifônico6 Marajó. Pretende apresentar e discutir tais escolas,

sua constituição e seu sentido educacional e social, tendo como parâmetros o que estabelece

as Diretrizes Curriculares Gerais Nacionais para a Educação Básica e as Diretrizes

6Polifonia – termo usado por Mikail Bakhtin referindo-se a textos e contextos em que as múltiplas vozes e

significados permanecem em interação, ao mesmo tempo que podem continuar a ser distinguidas, identificadas.

In: Fleuri, 2003.

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complementares normas e princípios para o desenvolvimento de Políticas Públicas de

atendimento a Educação Básica do Campo.

Tem como aporte teórico os fundamentos de Paulo Freire, para quem educação é uma

prática para a liberdade. Para esse filósofo, não se aprende só na escola, mas considera esta

instituição pública indispensável por ser da maioria, além de ser na sociedade, o local

destinado à educação intencional, formal e sistemática.

Por entender a escola como um espaço de relações pedagógicas e sociais, de

encontros, diálogos e resistências que trazem em si diferentes leituras de mundo, que

convergem nas mais variadas formas de poder, optei pelos trabalhos de Michel Foucault como

base teórica para análise das relações entre escola e sociedade. Para este estudioso (2010,

p.231) “na sociedade, há milhares e milhares de relações de poder e, por conseguinte, relações

de forças de pequenos enfrentamentos, microlutas, de algum modo”.

Para melhor apresentação dos resultados alcançados com este estudo, inicio fazendo

uma breve apresentação da educação brevense. Procuro dar visibilidade à estrutura física das

escolas urbanas e rurais. Essa escolha fez-me comungar do pensamento de Meneses (2007, p.

67), ao problematizar o lugar do aluno na escola, assim ele esclarece: “Pode parecer que o

prédio escolar pouco ou nada tem a ver com o aluno na escola, mas é preciso atentar que a

planta do edifício conta muito mais sobre a política de Educação e sobre a pedagogia do que

sobre o arquiteto que a projetou”.

Situo as escolas pesquisadas no contexto das escolas com classes multisseriadas,

denominadas como sendo as classes que possuem um único professor para atender

conjuntamente duas ou mais séries. É por meio delas que se dá a maioria da escolarização das

crianças paraenses que pertencem ao meio rural.

Concluo o capítulo com uma discussão do conceito escola do campo, definido pelo

MEC para todas as escolas que se encontram no meio rural, conceito este que não se adequa

às escolas marajoaras, especialmente aquelas situadas no Marajó das florestas, localizadas a

beira dos rios, furos e igarapés, com características peculiares a esse meio.

1.1 - Escolas na cidade: uma leitura polifônica

A educação no município de Breves, no ano de 2011, esteve organizada em 310

(trezentos e dez) escolas de ensino fundamental, distribuídas no meio urbano e rural. Segundo

a Divisão de Estatísticas da Secretaria Municipal de Educação, 27 (vinte e sete) escolas

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encontram-se na cidade e 283 (duzentas e oitenta e três), no meio rural, atendendo um total de

34 (trinta e quatro) mil alunos.

As escolas da cidade são consideradas de médio porte, por trabalharem com

aproximadamente 1.000 (um mil) alunos. A maioria funciona em prédios públicos próprios.

São escolas que aos poucos vão se adaptando às normas e às exigências da LDB 9394/96 e

das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica7. A Escola M.E.F. Profª

Emerentina Moreira de Souza (figura 8), faz parte desta realidade. É uma das mais

importantes e antiga escola da cidade, com mais de quarenta anos de funcionamento, localiza-

se no centro da cidade e recebe alunos de todos os bairros.

Como as demais escolas, apresenta salas amplas, com boa ventilação e iluminação,

banheiros adequados para ambos os sexos e adaptados para pessoas com deficiências. Possui

laboratório de informática que tem como propósito trabalhar a inclusão digital dos alunos.

7Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010. Art. 1º A presente Resolução define Diretrizes Curriculares Nacionais

Gerais para o conjunto orgânico, sequencial e articulado das etapas e modalidades da Educação Básica,

baseando-se no direito de toda pessoa ao seu pleno desenvolvimento, à preparação para o exercício da cidadania

e à qualificação para o trabalho, na vivência e convivência em ambiente educativo, e tendo como fundamento a

responsabilidade que o Estado brasileiro, a família e a sociedade, têm de garantir a democratização do acesso,a

inclusão, a permanência e a conclusão com sucesso das crianças, dos jovens e dos adultos na instituição

educacional, a aprendizagem para a continuidade dos estudos e a extensão da obrigatoriedade e da gratuidade da

Educação Básica.

Figura 08: Escola M.E.F. Emerentina M. de Souza – bairro centro

Foto: Sônia Amaral / dezembro 2011

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Embora com uma conexão ainda lenta e com muitas falhas na rede, não deixa de atender aos

alunos e pessoas da comunidade. Possui ainda uma pequena sala que serve como biblioteca e

como sala de leitura. Para o desenvolvimento das atividades administrativas e pedagógicas,

conta com um quadro de profissionais habilitados para a área em que estão no exercício.

Atende alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, turmas da Educação de Jovens

e Adultos – 1ª e 2ª etapa. Por tratar-se de uma instituição pública, cede seu espaço para outras

atividades: concursos públicos, vestibulares, cursos preparatórios para processos seletivos,

aniversários e outras atividades solicitadas pela comunidade.

Desde o ano de 2010, nos períodos de férias e recesso escolar, fica cedida para a

Universidade Federal do Pará – UFPA, Campus Universitário do Marajó – Breves, a fim de

atender aos professores-alunos do Plano Nacional de Formação Docente – PARFOR, que

oferece os cursos de Licenciatura em Biologia, Ciências Naturais, Letras: Português e inglês,

Geografia, História, Matemática, Pedagogia e Sociologia.

Além das escolas que são próprias do município, na cidade de Breves existem outras

em regime de convênio e que foram construídas por católicos, evangélicos, adventistas, dentre

outros grupos que atendem à população, tendo a secretaria de educação como mantenedora.

Diante destas informações, é possível inferir que o município ainda não consegue dar

conta da demanda que é de sua responsabilidade conforme preconiza a LDB 9394/96. Há

necessidade de novos prédios escolares para a população. O sistema municipal de ensino

mesmo com o número de escolas que possui, no início de cada ano letivo, em seu período de

matrículas, apresenta pessoas aguardando vagas em grandes filas.

Os espaços pedagógicos das escolas da cidade, aos poucos, vão se adaptando às

necessidades educacionais. Não há como afirmar que as escolas estão dentro das condições

ideais para o atendimento ao aluno, pois está longe de ser, mas já contam com espaços que

podem melhor atender os objetivos educacionais propostos pela legislação vigente.

A infraestrutura que garante as condições para que as propostas pedagógicas das

escolas sejam trabalhadas está presente de maneira diferenciada, algumas obedecem aos

padrões exigidos pelo MEC com biblioteca ou sala para leituras, laboratório de informática,

quadra de esporte, sala de Atendimento Educacional Especializado, sala de multimeios,

espaço para recreios e outros.

Outras escolas passaram por reforma e ampliação com o intuito de garantir melhores

condições de atendimento aos alunos, com diferentes espaços de aprendizagem, como

exemplo a E.M.E.F. Profª Rossilda Ferreira (figura 9). Localizada em bairro afastado do

centro da cidade, com mais de 25 anos de existência, a partir do ano de 2011 conta com boa

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estrutura, desde quadra poliesportiva a sala de Atendimento Educacional Especializado –

AEE.

No espaço da gestão, a partir do ano de 2009, a SEMED adotou a eleição direta para

os gestores escolares. Desta forma, a própria comunidade passou a participar desta decisão,

seja por meio do voto ou com representação no Conselho Escolar. A equipe gestora é formada

por diretor(a), vice-diretor(a), secretário(a), coordenadores pedagógicos e auxiliares que

ajudam a garantir que a escola funcione em todos os setores, de acordo com as políticas

educacionais do Estado.

A alimentação dos alunos é garantida por meio do Programa Nacional de Alimentação

Escolar – PNAE e mais a contrapartida do município, que oferece uma refeição por período

de estudos. O cardápio ainda não se adequou ao que diz à legislação que prevê a utilização de

alimentos regionais. Oferece sucos, biscoitos, carne bovina, frango e massas, comprados em

fornecedores locais e na capital do estado. Nestas escolas, a cozinha é bem equipada e não há

problemas em relação ao armazenamento e à refrigeração dos alimentos. Também conta com

as merendeiras responsáveis pela manipulação, fabricação e distribuição da alimentação

escolar.

Partindo desta descrição, a percepção é de que as escolas urbanas não estão fora dos

padrões de uma instituição que tem como propósito ser a agência que o Estado cria para

Figura 09 – Vista aérea da Escola M.E.F. Rossilda Ferreira – bairro Castanheira

Foto: Flávio Fotógrafo/ novembro 2011

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transmitir e desenvolver conhecimentos. Porém há inúmeras dificuldades para garantir todos

os direitos educacionais de seus alunos, como acontece com a maioria das escolas públicas no

Brasil, mas pode contar com um quadro de profissionais qualificados – pedagogos,

historiadores, geógrafos, matemáticos, dentre outros profissionais que atuam na escola e que

lutam para construir seus projetos em prol da melhoria de condições de trabalho e da

educação, o que não pode ser visto com regularidade nas escolas das águas, conforme pode

ser analisado a seguir.

1.2 – “Escolas das águas”, no ritmo da maresia

As escolas das águas do município de Breves, por meio de muitas lutas daqueles que

fazem e vivem essa educação, começa a sofrer mudanças, pequenas, porém significativas para

quem há tanto tempo esperou por elas. É apenas um começo, mas que, se levadas adiante,

certamente farão a diferença nesse cenário de abandono presente não só neste município

marajoara, mas nas escolas brasileiras que ficam afastadas e isoladas de suas cidades.

De 2009 a 2011, aproximadamente 40 (quarenta) escolas do meio rural de Breves,

passaram a ser (re)construídas obedecendo ao mínimo de condições na sua infraestrutura. As

imagens das figuras 10 a 13 na página seguinte permitem visualizar essas mudanças. A Escola

Alípio Caramês, recém-construída já dispõe de salas de aula adequadas ao ensino, com

carteiras apropriadas a faixa etária de seus alunos, quadros verdes, mesa para professor(a),

sala para atividades de leitura, sala de informática adaptadas para receber internet, copa,

banheiros internos separados para homens e mulheres, secretaria, casa de força de energia,

água encanada.

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Além da infraestrutura para o trabalho pedagógico, conta com alojamento para

professores, já que uma das dificuldades de manter o professor no meio rural é a falta de um

lugar próprio para sua residência, enquanto permanece na comunidade. No serviço de apoio, a

escola recebeu um vigilante e, de acordo com o número de salas de aula, servidores para

secretaria e para os serviços gerais, desonerando os professores dessas atribuições que

também foram suas.

Sem deixar de considerar esses avanços, as melhorias alcançam pouco mais de 13%

das escolas, aproximadamente 40 (quarenta) foram reconstruídas ou ampliadas, ou seja,

receberam um tratamento melhor, num universo de aproximadamente 300 (trezentas) escolas.

Desta forma, se o poder público fez, precisará fazer muito mais para ajustar-se ao mínimo

necessário para o desenvolvimento educacional da sua jurisdição e garantir a todos os seus

alunos, as mesmas condições de ensino, sejam eles das águas ou da cidade; afinal, os recursos

financeiros são distribuídos de acordo com o número de alunos.

Figura 10, 11, 12 e 13 – Escola Alípio Caramês – Rio Pracaxi: sala de leitura, de informática e de aulas.

Foto: Secretaria Municipal de Educação de Breves – fevereiro 2012

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Diante dessa realidade vulnerável, não deixar de considerar o que disse Freire (1993),

quando falava no contexto concreto da relação da escola com os educandos. A esse respeito o

pensador referindo-se aos alunos da periferia das cidades, ajuda a problematizar a realidade

dos alunos que vivem em espaços rurais da região, quando diz que é preciso levar em

consideração na oferta da educação “a precariedade de suas habitações, a deficiência de sua

alimentação, a falta em seu cotidiano de atividades de leitura da palavra, de estudo escolar”.

É uma reflexão que precisa estar muito viva para quem gesta a educação no cotidiano

rural e deve ser percebida não como responsabilidade apenas de quem vive naquele espaço,

mas como condições geradas pelas estruturas sociais vigentes. Portanto governo, escola,

família, comunidade precisam assumir esta demanda. Não cabe a escola sozinha suprir todas

as carências sociais que tem os alunos e suas famílias, mas ter as devidas condições para

cumprir propósitos das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo. Conforme

este documento orientador

O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho

compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da

educação escolar com qualidade social, constituir-se-á num espaço público

de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o

mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social,

economicamente justo e ecologicamente sustentável (Art. 4º - Resolução

CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002).

O propósito é a universalização da educação escolar com qualidade social, não sendo

concebível que aconteça em qualquer espaço, de qualquer maneira, apenas para garantir as

estatísticas governamentais, ou sustentar os discursos que os governos produzem como

verdades. A responsabilidade do poder público é garantir parâmetros na oferta do ensino,

oferecer condições para tornar esses espaços de ensino-aprendizagem em articulação de

experiências culturais e territoriais.

A criação, construção e instalação de uma escola, não acontece em uma comunidade

urbana ou rural, sem estar contaminada de ideologias e relações de poder: do governo em

garantir permanência ao sistema educacional. Segundo Foucault (1996, p.44), “todo sistema

de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos,

com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”, ou como disse esse mesmo autor

quando discutia a governamentalidade no curso do Collége de France, “a população aparece

como sujeito de necessidades, de aspirações, mas também como objeto nas mãos do governo,

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como consciente, frente ao governo, daquilo que ele quer e inconsciente em relação àquilo

que se quer que ele faça” (1979, p.289)

Por outro lado, o poder também se instaura entre a comunidade que tenta garantir a

educação formal a seus filhos, o líder comunitário que aspira permanecer como aliado do

governo, o interesse do professor em ser contratado e ter uma turma para trabalhar, enfim, são

inúmeras relações que podem ser analisadas a partir do que afirma Foucault:

Na sociedade há milhares e milhares de relações de poder e, por conseguinte,

relações de forças de pequenos enfrentamentos, microlutas, de algum modo.

Se é verdade que essas pequenas relações de poder são com frequência

comandadas, induzidas do alto pelos grandes poderes do Estado, ou pelas

grandes dominações de classes, é preciso ainda dizer que, ainda em sentido

inverso, uma dominação de classe ou uma estrutura de Estado só podem bem

funcionar se há, na base, essas pequenas relações de poder ( FOUCAULT

2010, p. 231).

Se por um lado o poder estatal se apresenta como movedor de forças, controlador dos

discursos, por outro, nesta mesma perspectiva encontra-se o povo, no seu cotidiano, também

selecionando procedimentos que os excluem, criando as suas vontades de verdades, que por

vezes unem, atam, mas nem sempre conjugadas com as verdades do governo. Ora aparecem

como interdições, ora como resistências e vontades de saber.

1.3 – Escola do Campo para quem vive nas águas?

A reflexão que me proponho a fazer, no final deste capítulo, está relacionada à forma

como o Ministério da Educação - MEC se posiciona frente às diversidades deste país. Não é

possível pensar que concretamente haverá leis que atendam a cada particularidade existente

entre as regiões brasileiras, mas também não dá para aceitar que o MEC, órgão responsável

pela educação nacional, não tenha percebido que a definição Escola do Campo ao generalizar

as diversas formas de vida, exclui riquezas e problemáticas específicas regionais.

O tom dado a esta discussão não está no sentido de pensar em identidades fechadas,

culturalmente tradicionais e intocadas, já que comungamos dos estudos de Hall (2006 p. 12),

quando aponta que “o sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e

estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma, mas de várias identidades,

algumas vezes contraditórias e não resolvidas”. Por isso mesmo, é necessário o respeito às

particularidades, vivências e experiências deste povo que está aberto a novas construções

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culturais, novas identificações. Um povo que não vive num isolamento, recebe influências de

um mundo globalizado, nem por isso devem ser pensados como iguais.

Ao buscar no dicionário o termo campo, dentre as acepções, a que mais se destaca está

relacionada ao sentido de extensão de terra, terreno, poucas árvores, destinado às pastagens,

plantações, o que está longe de ser uma identidade de quem mora em meio a águas e

florestas. Esta definição está longe de identificá-los, dificilmente um aluno que estuda no

meio rural no “Marajó das Águas”, dirá que é aluno do campo, já que a palavra campo, para

ele, traz outro significado. Mesmo um professor, conhecedor da legislação, não utilizará esse

conceito, pois é difícil utilizar um termo quando não há uma identificação com ele.

Se o problema ficasse apenas na nomenclatura, a situação provavelmente poderia ser

resolvida, entretanto, este termo traz grandes consequências para quem vive à beira dos rios,

seja no que tange ao atendimento da parte estrutural da escola, que na maioria das vezes seu

espaço físico está dentro da água, ficando em desacordo as condições estabelecidas pelo MEC

para atendimento a construções.

Seja pelo material de apoio que chega aos alunos, como é o caso do livro didático. De

acordo com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) os livros devem ter uma duração

de três anos, mas para quem convive com os rios e sem transporte escolar de qualidade,

certamente é um material que por ser fabricado em papel, ao final de um ano não terá mais

condições de uso.

Outro agravante é a alimentação escolar, que com o valor aluno, oriundo do Programa

Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) não é suficiente para garantir um alimento nutritivo

para estudantes que estão distantes entre duas a vinte e quatro horas da Secretaria de

Educação. Este órgão, por sua vez, não tendo outra alternativa para garantir que a alimentação

chegue aos alunos, utiliza-se de alimentos industrializados de pouco valor nutricional.

O transporte escolar também é uma discussão que precisa ser efetivada. Desde 1988,

com a Constituição Federal, esse direito foi assegurado no seu artigo 208 que trata do dever

do estado com a educação. No seu inciso VII, nomeia as formas de atendimento, explicitando

“atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de

material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”.

No Marajó das Águas e Florestas, por suas singularidades, a realidade demanda que se

comprem centenas de barcos, o que, segundo os técnicos do MEC em visita ao município de

Breves, disseram que pela localização e especificidade, tem dificuldades. Comprar barcos é

mais difícil que comprar uma frota de ônibus, assim afirmou um técnico da SEMED.

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São direitos que, por conta da falta de conhecimento das diferentes realidades do país,

são negados a milhões de brasileiros, como esses que estão entre os rios e as florestas. São

algumas diferenças que justificam que a denominação campo não identifica as escolas que

estão “nos Marajós”, especialmente em seu lado ocidental.

É uma realidade peculiar, que há séculos vem sendo esquecida, ficando mais fácil

legislar, como se todos vivessem uma realidade urbana ou de beira de estradas. Os discursos

governamentais precisam ser revistos, considerando quem são e onde estão os povos deste

país: homens, mulheres e crianças, que não podem ser tidos como números, mas como

cidadãos de direitos e, como tal, devem ser tratados a partir do que constituem como sendo a

sua(s) identidade(s) e modos de vida.

Estas reflexões não descartam os avanços alcançados nas políticas educacionais nas

duas últimas décadas. O Brasil, aos poucos, apresenta melhorias na qualidade do ensino, seja

por meio da reorganização das estruturas físicas das escolas, no combate ao analfabetismo, na

formação de professores. Entretanto, ainda demonstra fragilidades, quando estas políticas são

pensadas em desacordo com as regiões mais distantes dos seus grandes centros. Acentua-se

especialmente, entre os menores municípios, em particular os que estão localizados nos meios

rurais, com suas escolas com classes multisseriadas.

Sem ter a pretensão de fazer uma conclusão, apenas reafirmo o que ficou evidente em

todo texto, que a educação ainda não é tratada de forma equânime entre os povos da cidade e

do meio rural, a igualdade está entre os deveres, os direitos estão sempre do lado de quem está

mais próximo do poder estatal. Tal retrato de realidade faz recuperarmos posição de Foucault

(2010, p. 268) quando afirma, “se queremos mudar o poder de Estado, é preciso mudar as

diversas relações de poder que funcionam na sociedade. Senão a sociedade não muda”. Para

mudar é preciso agir como sujeitos desta história e não seu objeto, como bem enfatizou Freire

(1996, p.77), ao dizer que “no mundo da História, da cultura, da política, constato, não para

me adaptar, mas para mudar”. Esse é o papel que cabe a cada um dos cidadãos deste país.

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CAPÍTULO II

“Escolas das águas”: uma leitura enviesada

A realidade das “escolas das Águas” no município de Breves tem suas

particularidades, mas certamente assemelha-se com outras realidades educacionais brasileiras.

Apresenta um cenário completamente diferente das escolas que se encontram na cidade.

Primeiro, porque na cidade são apenas 27 e no meio rural esse número é bem mais elevado,

chegando a aproximadamente 300 (trezentas) escolas. Neste universo, de acordo com dados

da equipe técnica da SEMED, no ano de 2011, apenas 99 (noventa e nove) são consideradas

pelo município como escola padrão, isto é, construídas, tendo como base o mínimo de

condições de funcionamento – uma sala, uma mesa para o professor, carteiras, quadro.

As demais escolas, embora sejam mantidas pelo município, não passam por uma

avaliação estrutural a fim de verificar se há condições adequadas para instalação. Funcionam

em espaços particulares, como residências, salões de festas, centro comunitários, barracões,

igrejas, dentre outros. O uso destes espaços improvisados tem se constituído em alternativa

encontrada pelo município e pelas comunidades para garantir que as crianças, os jovens e

adultos não ficassem fora da escolarização.

As escolas objeto desta pesquisa, todas possuem classes multisseriadas que são as

características mais marcantes nesta modalidade de ensino. É por meio delas que

aproximadamente 18.000 alunos recebem a escolarização, o que corresponde mais da metade

do total de alunos matriculados no município de Breves. Dessa forma, é inegável a afirmação

que faz Hage (2005, s/p) quando diz que as escolas multisseriadas “devem sair do anonimato

e ser incluídas nas agendas das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, do Ministério

da Educação, das Universidades, dos Centros de Pesquisas e dos Movimentos Sociais do

Campo”.

Em meio a tantas dificuldades, inclusive pelas enormes distâncias, algumas destas

escolas funcionam em condições precárias, diria, mesmo, até sem condições de

funcionamento. Incluídas entre as escolas que oscilam entre as que se encontram em

condições de funcionamento e aquelas que estão no contexto de precarização, apresento as

escolas em que realizei minha pesquisa.

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2.1 – Escola M.E.F. Maria Freitas dos Santos

Ao olhar a imagem acima, com as características que de imediato ela apresenta -

situada à beira do rio e em meio à floresta, além da escritura na fachada e na parede externa,

com diversos textos escritos, logo percebemos que se trata de uma escola.

Uma escola situada no meio rural, identificada pelo Ministério da Educação como

escola do campo8, portanto, construída para atender aos sujeitos que vivem em diferentes

ambientes, sejam nos acampamentos, nos assentamentos, nas colônias e até às margens dos

rios, os ribeirinhos, conforme prevê a Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE).

O intuito de dar visibilidade às populações rurais acaba por colocá-las num sistema de

homogeneização, desconsiderando os diferentes espaços de suas vivências.

A Escola Maria Freitas dos Santos, identificada por EMFS, está localizada no distrito

Sede Rural, às margens do rio Jupatituba, numa pequena vila formada pela escola, uma

pequena fábrica de serragem de madeira e quatro residências. Funciona em espaço próprio e é

considerada pela SEMED escola padrão.

8Resolução nº 2, de 28/04/2008 estabelece diretrizes complementares normas e princípios para o

desenvolvimento de políticas públicas de atendimento a Educação Básica do Campo. Art. 1º (...) destina-se ao

atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida – agricultores familiares,

extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas,

caiçaras, indígenas e outros.

Figura 14 – Escola Maria Freitas no rio Jupatituba, distrito Sede, município de Breves.

Foto: Enil Pureza – março 2011

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Minha opção em pesquisá-la, foi por estar entre as escolas que mantém turmas

multisseriadas. Localiza-se no distrito sede rural, entre duas escolas no mesmo rio e próxima a

sede do município, o que permite estabelecer um parâmetro na análise entre as escolas que

estão mais próximas à supervisão da SEMED e as mais distantes, que pouco tem acesso à

orientação técnica pedagógica.

Iniciou suas atividades no ano de 2007, por iniciativa de uma família que por

problemas particulares com a comunidade onde havia uma escola, solicitou ao prefeito

municipal da época que viabilizasse um professor para dar continuidade à escolarização das

crianças que não tinham condições de sair da vila por falta de transporte escolar no município.

O pedido foi atendido, mesmo com a presença de outras duas escolas nas proximidades,

inclusive a proprietária da vila foi homenageada com o nome da escola e seu filho nomeado

de imediato para ser o professor.

A criação de uma escola, ou de um espaço para o seu funcionamento, não deixa de

estar envolto em relações de poder. A descrição acima pode ser analisada por meio do que

Foucault (2010) chamou de modelagem da conduta das pessoas. Embora pareça uma atitude

despretensiosa de alguém que queira garantir o direito à educação à sua comunidade, está

carregada de intenções. Quem a faz tem o desejo de comandar os demais e quem autoriza,

certamente revela o interesse de manter o controle.

Ao atender ao pedido, o gestor municipal passa a ter domínio sobre aquela família que

se tornará sua aliada política. Com esse poder, a comunidade passa a ser vigiada, sobre suas

ações, tendo o governo o controle sobre o discurso da escola e da comunidade, o que Foucault

(1996, p. 9) chamou de interdição: “Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que

não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar

de qualquer coisa”.

São interdições, aprisionamento dos sujeitos do discurso. Entretanto, como discute o

próprio estudioso, por meio delas, há possibilidades para construções de resistências com

outros discursos, que para essa comunidade podem passar a ser vontade de verdades. Se irão

tornar-se dispositivos de controle ou não, vai depender também das vontades de verdades de

quem as recebe.

Após a autorização para funcionamento, a SEMED construiu na localidade um prédio

com apenas uma sala de aula, uma pequena copa, onde era feita e distribuída a merenda

escolar e um banheiro de uso coletivo – meninos, meninas, professoras e demais pessoas que

visitassem a escola.

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No ano de 2009, o prédio foi substituído por outro que possui duas salas de aula, uma

sala para secretaria, onde são guardados os documentos e acervo bibliográfico e uma copa. O

banheiro continua sendo o do prédio anterior. Não há sistema de abastecimento de água

encanada e energia elétrica, que só funciona no horário noturno para atender aos alunos da

Educação de Jovens e Adultos – EJA.

A escola não tem professores fixos, anualmente ou semestralmente eles pedem

remoção ou são remanejados do local, por diversos motivos, dentre eles por pedido da

comunidade, principalmente quando os professores faltam muito às aulas. O prédio, que antes

abrigava os alunos, passou a servir de alojamento para professores que são encaminhados para

trabalhar na comunidade, permanecendo no local de 2ª a 6ª feira ou no sábado, quando este é

letivo.

No período desta pesquisa, in loco – março a dezembro de 2011, encontravam-se na

escola duas professoras com formação no nível médio – Ensino Normal. Uma delas é

estudante do ensino superior e foi colaboradora desta pesquisa.

A professora doravante Maria9 é acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia

pelo Plano Nacional de Formação Docente – PARFOR. Tem residência fixa na cidade de

Breves, onde estão seus familiares. Sua formação é feita em períodos intensivos, momento de

férias e recesso dos alunos.

Trabalha há quase três anos no Magistério, todos dedicados à educação das escolas das

águas e às classes multisseriadas, o que segundo ela não foi uma escolha, mas uma

necessidade, pois precisava de trabalho e tinha formação para exercê-lo. Já o município

também tinha necessidades de profissionais da área para o meio rural, uma vez que as vagas

ofertadas para essa modalidade de educação, abertas em concursos públicos, quase sempre

não eram preenchidas, ficando a cargo da SEMED contratar professores que foram

reprovados para as vagas do meio urbano, ou que não participaram do certame.

Para a professora Maria, trabalhar com classes multisseriadas tem vantagens e

desvantagens, como em qualquer outra classe:

As vantagens são que os alunos da série maior, ajudam os da série menor.

Eles fazem muito isso, interagem entre si e as desvantagens é a dificuldade

de trabalhar com alguns assuntos, como por exemplo, o corpo humano,

aparelho reprodutor. Os menores ficam com vergonha e não participam das

aulas. Tem medo de falar, não dá pra trabalhar um tema só.

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As vantagens apontadas por Maria são princípios de uma escola interativa, onde uns

aprendem com os outros e devem estar presentes em todas as modalidades de ensino,

inclusive entre professores e alunos. As desvantagens podem estar vinculadas às regras

culturais familiares, onde assuntos como o exemplo da professora, por estarem relacionados à

vida e à saúde, ligados diretamente à sexualidade das pessoas, ainda é um tabu entre eles, por

isso demonstram vergonha quando a professora traz as informações e a dificuldade que ela

tem de trabalhar com todos eles.

Na percepção dos pais dos alunos, as dificuldades do professor para lidar com as

turmas multisseriadas ganha representação familiar.

Não sei, mas pode ser uma dificuldade para as professoras que tem que

trabalhar com duas séries numa sala só. Um pai pra administrar seis filhos é

uma travanca, agora imagine um professor com 30 alunos de séries

diferentes? É um trabalho que eu acho difícil. (pai da EMFS)

Já na ótica de um aluno que vive essa experiência, provavelmente por ser o mais velho

da turma, disse que não acha dificuldade e ratifica a fala da professora, quando afirma que é

uma forma de todos aprenderem juntos.

Segundo a professora, a sua experiência com as classes multisseriadas vem da

vivência com as turmas com as quais trabalhou. Ela assinala que nem o ensino médio, nem o

superior fazem uma formação voltada à realidade do campo conforme preveem as Diretrizes

Curriculares Gerais Nacionais para a Educação Básica. Neste documento constata-se:

Art. 35. Na modalidade de Educação Básica do Campo, a educação para a

população rural está prevista com adequações necessárias às peculiaridades

da vida do campo e de cada região, definindo-se orientações para três

aspectos essenciais à organização da ação pedagógica:

I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades

e interesses dos estudantes da zona rural (Res. Nº 4 CNE/CEB de 13 de julho

de 2010).

A consistência do diálogo entre as leis educacionais e os programas curriculares dos

cursos de formação de professores pode ser questionada, quando ouvimos a afirmação da

professora Maria. Ainda se faz formação sem a devida identificação para quem se forma, com

modelos urbanocêntricos, que desconhecem os interesses de quem está além dos asfaltos, nos

emaranhados de rios que tecem a cartografia, em especial da região marajoara.

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O currículo trabalhado pela escola ainda é disperso aos saberes da vida da população

rural, vinculado aos conhecimentos gerais, produzidos para atender a todos – campo e cidade.

A professora Maria procura aproximar as atividades aos interesses dos alunos com

metodologias socializantes. Segundo ela, uma forma de fazer com que os alunos interajam uns

com os outros e a garantia de participação de todos nas atividades, já que tem dificuldades em

atender a duas séries ao mesmo tempo.

Embora o sentido das atividades em grupo seja garantir que todos os alunos participem

das atividades, ou seja, estejam com ocupação na escola, não deixa de ser uma forma de

reconhecer o aluno como sujeito da sua aprendizagem, com possibilidades de trazer para o

grupo a sua experiência pessoal e com os demais aprender a dialogar, mediar, ouvir e

silenciar. A prática de ensino de Maria deixa ver que a construção do conhecimento não se dá

apenas entre o aluno e o professor, mas na interação entre os sujeitos e o objeto cognoscível,

característica de uma escola onde a educação tem um sentido social.

No ano de 2011, a EMFS trabalhou com 98 (noventa e oito) alunos matriculados –

além dos alunos “encostados”, que são aqueles que vêm acompanhando os irmãos por

diversos motivos: não tem idade ainda para se matricular no ensino fundamental, mas querem

vir à escola, ou os que chegaram à localidade e não tem documentos para comprovar a série

ou ano de escolarização e para não ficar fora da escola. A professora, como é a única que

pode aprovar ou não a permanência da criança, dificilmente faz objeções, integrando-a na

turma.

Esta escola funciona no turno matutino com o 1º e 2º anos, no vespertino com 3º ano,

3ª e 4ª séries e no noturno com a Educação de Jovens e Adultos – EJA.

Figura 16 – alunas da EMFS em atividade na sala de aula

Foto: Enil Pureza – março 2011

Figura 15 – alunos da EMFS em atividade na sala de

aula

Foto: Enil Pureza – março 2011

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A comunidade onde a escola está localizada tem como ocupação econômica uma

pequena serraria que trabalha na serragem de toras de madeiras para a fabricação de tábuas e

outros derivados. Entretanto, essa ocupação não é de todos, ficando restrita aos “donos” da

vila e aqueles que mantêm algum parentesco com eles. Os demais vivem de rendas oriundas

do governo federal – aposentadorias, benefícios e bolsa família.

A maioria das crianças matriculadas vem do rio Jupatituba, o mesmo onde está

localizada a escola. Por ser um rio de grande extensão, a oferta de ensino está dividida em três

escolas. A distância entre a EMFS e a residência dos estudantes, em média, é de uma hora e

meia de viagem.

O transporte escolar é feito num pequeno barco alugado pela SEMED, conforme

mostra a figura 17, uma canoa, sem estruturas adequadas para o transporte de crianças, além

de pequena para a quantidade de alunos que a utilizam. Mesmo com a veiculação de

propagandas de transporte escolar pelo governo federal, as lanchas divulgadas ainda não

chegaram a todas as escolas deste município e as crianças, para não perder o direito que tem à

educação, arriscam suas vidas para chegar até a escola.

Figura 17 – transporte escolar da EMFS

Foto: Enil Pureza – março 2011

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No início da pesquisa, o transporte, embora precário, ainda tinha cobertura que

impedia os alunos de virem expostos ao sol e à chuva, conforme mostrou a figura 17. Com o

passar dos meses, percebemos que esta proteção foi retirada da canoa e as crianças protegem-

se como podem (figura 18). Por serem resistentes, não medem esforços para vir à escola,

fazem da dificuldade um momento de superação. Segundo a professora, quando falta esse

transporte, há uma queda significativa na frequência escolar.

O responsável pelo transporte escolar, também é aluno, diariamente conduz as

crianças para a escola. É estudante da 4ª série do vespertino e colaborador desta pesquisa. Foi

escolhido entre os alunos por ser o mais velho dentre eles e por ser bastante extrovertido. Pela

maturidade, era possível que fizesse uma leitura ampliada da sua realidade educacional.

Afirmou que sempre teve vontade de voltar a estudar, mas não tinha tempo, com a ocupação

de barqueiro, pode conciliar trabalho e estudo.

O horário das aulas na EMFS é de 7 às 11h, das 14 às 18h e das 18 às 21h. Entretanto,

como para funcionar a escola depende dos alunos, as aulas sempre começam à medida que o

transporte chega - o que depende muito do regime da maré. Se o barco vem contra, a aula

atrasa, a favor, começa no horário previsto. No horário noturno, quando funciona a Educação

de Jovens e Adultos (EJA), a situação torna-se mais difícil, porque não há disponibilidade de

Figura 18 – transporte escolar da EMFS

Foto: Enil Pureza – setembro 2011

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transporte escolar, neste caso, cada aluno vem como pode, em canoa própria ou na carona de

colegas.

Dando continuidade ao processo de pesquisa das práticas de leituras nas escolas

multisseriadas no município de Breves, segui em direção à escola Santo Antonio que será

apresentada a seguir.

2.2 - Escola M.E. F. Santo Antonio

A Escola Santo Antonio (ESA), está localizada no Distrito de Antonio Lemos, no rio

Curupira, numa distância de oito horas/barco da sede do município. Sua escolha para esta

pesquisa se deu por ficar num distrito que tem uma distância considerável em relação à cidade

e pelo tempo que a escola atua no município de Breves.

A ESA foi criada há mais de 20 anos, por iniciativa da proprietária da vila Santo

Antonio, que por ocasião de uma visita da equipe da SEMED às comunidades do interior,

solicitou professor para trabalhar na comunidade. Nesta localidade funcionava uma empresa

de pequeno porte – fábrica de palmito e, por conta de ser a residência dos trabalhadores,

congregava um grande número de crianças que estavam sem estudar por falta de escola nas

Figura 19 - Escola M.E. F. Santo Antonio no rio Curupira, distrito de Antonio Lemos

Foto: Nayara Amaral – setembro/2011

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proximidades. Os moradores desta localidade poderiam ser atendidos por dois municípios,

Breves e Melgaço, já que estão na fronteira, neste caso sofrem o abandono, pois não há

atendimento de qualidade nem de um, nem de outro município.

Esta escola também nasceu a partir do poder da comunidade. Aquilo que deveria ser

um trabalho do município, recensear todos os seus cidadãos e garantir a eles os direitos

educacionais, vem do povo que, rebelando-se contra o descaso, o isolamento, impõem ao

governo sua resistência contra o abandono. Por outro lado o governo, tentando mostrar que

reconhece os direitos da população, autoriza a abertura de escolas, mesmo de forma

improvisada e sem condições adequadas de funcionamento.

Nas reflexões de Arroyo (2004, p. 71), esse abandono estrutural vem dos discursos

historicamente construídos pela nossa sociedade onde a imagem que se tem é a de que a

“escola do campo tem que ser apenas a escolinha rural das primeiras letras. A escolinha cai

não cai”. Condição que para muitos traz o sentido de verdade de se ter uma escola e ratificada

por aqueles que têm o encargo de convencer esta verdade estabelecida. É o que Foucault

(1996) problematiza como sendo regimes de verdades.

Dessa forma, embora tenha conseguido garantir professores, no decorrer desses anos,

não foi igualmente possível conseguir um local próprio para funcionamento da escola. Ora

funcionou em casa da comunidade, ora em igreja, salão de festa e, atualmente, encontra-se

nos fundos de uma casa, onde era um depósito e que por muito tempo estava abandonado.

A foto ao lado ilustra o local de

funcionamento da escola, não existe

outra área que possa dar condições para

o desenvolvimento das atividades

pedagógicas. O que a comunidade tem

como escola é esse o espaço onde foram

instalados dois quadros verdes, carteiras

e uma mesa para a professora. Não há

banheiros e nem local para fazer a

alimentação escolar.

A merenda deveria ser garantida

pela parceria do governo federal com a contrapartida do município, mas diante da

insuficiência de recursos dos entes e a distância da localização das escolas, ela não atende

todos os dias letivos. Na ESA quando há disponibilidade deste alimento, o mesmo é feito na

residência da senhora que trabalha no apoio escolar.

Figura 20 – parte interna da E. Santo Antonio

Foto: Nayara Amaral – setembro/2011

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Com a descrição desta escola, posso dizer que já encontramos diferenças extremas na

infraestrutura da educação ofertada ao meio urbano e ao meio rural. Nas palavras da

professora Antonia, o fato de não ter um local próprio para o funcionamento da escola, torna-

se difícil administrá-la, já que não oportuniza que as atividades construídas pelos alunos

permaneçam fixados como referência do trabalho realizado, além de deste espaço não

apresentar nenhuma característica estética de uma escola.

Com a escola em um local exclusivo, a professora teve oportunidade de arrumar os

livros em uma prateleira para que os alunos possam ter acesso a eles no decorrer das

atividades, pode deixar em exposição os trabalhos produzidos nas aulas e organizar o espaço

de acordo com o que tem e pensa ser uma sala de aula. A figura 20 ilustra essa organização:

colagens, cartazes e o alfabeto móvel pendurado no centro da sala de aula.

Outra questão levantada pela professora é a organização da escola em classe

multisseriada, esta escola trabalha com alunos do 1º, 2º, 3º anos e 3ª e 4ª séries, para ela ainda

é um desafio, afirma que não sabe dizer se é bom ou não trabalhar nesta classe, porque nunca

trabalhou na seriada, mas aponta as vantagens e desvantagens.

A vantagem que eu vejo é trabalhar com crianças de várias idades, cada

criança com um conhecimento. Quando trabalho um tema todos participam,

já a desvantagem fica por conta do tempo, o que eu poderia trabalhar mais

tempo com os alunos se fosse seriado, acabo não trabalhando e, muitas

vezes, não alcanço os meus objetivos. (Professora Antônia)

A desvantagem do trabalho apresentado pela professora é bastante pertinente. Está

atrelada ao tempo que o professor tem para dar conta das atividades curriculares de todas as

séries conjuntamente. As quatro horas que seriam destinadas a uma série, são divididas entre

todas. Esta professora não trabalhou com turmas seriadas, mas comparou dizendo que se

tivesse mais tempo para cada série, poderia trabalhar melhor e alcançar os seus objetivos. Tal

afirmativa não deixa de ser uma forma de dizer que é melhor trabalhar com uma única série.

Isso, contudo, não nega a vantagem de trabalhar com diferentes níveis de idades e a

participação da turma diante do conhecimento apresentado.

Para a mãe entrevistada e que faz parte da escola como funcionária de apoio, a classe

multisseriada ajuda, já que todos estudam juntos. Igualmente respondeu o aluno, que disse

que não sabe falar sobre isso, mas acha que ajuda, pois todos estudam juntos e aprendem as

mesmas coisas.

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A discussão sobre classes multisseridas e seus desafios, ainda não foi realizada entre a

comunidade escolar, os professores, pais, alunos, sujeitos destas experiências. Há décadas

vivenciam esta realidade, mas não são chamados a refletir as estratégias deste fazer

pedagógico. Anos após anos, as escolas funcionam, sem ter um diagnóstico preciso do que

elas representam na vida dessas pessoas.

Desconsiderando a sua precariedade estrutural, a ESA, funciona no horário matutino

com dezoito alunos matriculados, na faixa etária de 6 (seis) a 16 (dezesseis) anos. O acesso

dos alunos à escola é feito por meio de transporte escolar, conforme mostra a figura 21. Um

pequeno barco alugado pela SEMED, que tenta garantir que os discentes cheguem à escola.

A viagem dura aproximadamente 45 minutos de suas residências à escola. Quando

falta combustível, os alunos não comparecem à escola, pois sem o transporte, não tem como

chegar. De canoa a remo, a distância é de aproximadamente 2h, isso se utilizarem os atalhos

que geralmente é feito pelos furos, do contrário o tempo é bem maior.

De acordo com a narrativa da professora Antonia, a situação econômica da região é

muito difícil. Na localidade, não há geração de renda, onde era espaço de trabalhos, restam

apenas às memórias dos tempos áureos da madeira, quando a vila era muito bem equipada

com madeireira, comércio, fábrica de palmito, escola, igreja, salão de festas. Passados esses

anos, restou à comunidade apenas a escola e uma igreja como referência do local.

Não há nenhuma ocupação econômica que garanta salários a seus moradores, muitos

são extrativistas do palmito e do fruto do açaí, ou pescam para garantir a alimentação.

Figura 21 - Transporte dos alunos da Escola S. Antonio

Foto: Nayara Amaral – setembro/2011

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Semelhante aos moradores dos demais distritos, eles também recebem benefícios do governo

federal para manter a sua sobrevivência.

A oferta da educação básica em todo país é um fato que não pode ser negado;

entretanto, quando temos a possibilidade de adentrar nesses micros espaços, percebemos que

o discurso não se materializa na realidade apresentada. A materialidade que se tem de escola é

qualquer local que agregue um professor e alunos, sem considerar os meios necessários para a

construção da sua finalidade, e sua manutenção para continuar a existir com qualidade.

Arroyo (2004, p. 71), problematiza essa concepção simplista de educação e diz que “a

imagem que sempre temos na academia, na política, nos governos é que para a escolinha

rural, qualquer coisa serve”. Por vezes, até constroem prédios próprios, mas depois não

acompanham as necessidades emergentes e, sem elas os problemas continuam, conforme

veremos na próxima escola pesquisada.

2.3 – Escola Cel. Evangelista Medeiros

Outra escola pesquisada e que se encontra nesta condição de precarização, conforme

mostra a figura abaixo, é a Escola Cel. Evangelista Medeiros. Construída na década de 70 e

mesmo com todas as dificuldades que vem sofrendo ainda está em funcionamento.

Figura 22- Escola Cel. Evangelista Medeiros

Foto: Sônia Amaral – setembro/2011

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Está localizada no distrito do Curumú, no rio Tajapuru a uma distância de 12

horas/barco da sede do município.

A figura 22 ilustra muito bem as condições estruturais deste espaço, começando pela

ponte que dá acesso à escola, completamente destruída, com arranjos feitos pelos moradores

para que possam transitar na vila. Os ambientes internos estão sem utilização pelos mesmos

motivos, exceto a sala de aula, que continua sendo usada por conta e risco do professor e

alunos, que por não terem outro espaço para trabalhar/estudar, vão “tapando” os buracos que

aparecem no assoalho.

O acesso da cidade à escola é por meio de transporte marítimo: pequeno, médio e

grande porte.

Dos quatro distritos, o Curumú é o que possui escolas que ficam mais distantes da

cidade. A escolha desta escola foi por sua localização, num dos rios mais importantes da

região, onde riqueza e pobreza marcam o cenário do cotidiano. As margens dos rios, nos furos

e igarapés podem ser encontradas pessoas vivendo na extrema pobreza. Contrastando a essa

realidade, no meio do rio, como num desfile, majestosamente passam as riquezas produzidas

na região amazônica.

Centenas de balsas fazem o escoamento de produtos de um estado a outro – Pará,

Amapá e Amazonas; desde gêneros alimentícios, eletrodomésticos, eletrônicos, matérias de

construções, combustíveis, até bovinos para abate. Madeira que, por mais que haja

fiscalização visando à preservação da flora amazônica, continua sendo comercializada,

conforme pode ser visualizado na figura 23 que mostra uma balsa carregada de madeiras em

toras. Além do escoamento de veículos de pequenos, médio e grande porte feito pelo

Tajapuru, que não deixa de ser a “estrada” principal para os moradores desta região cercada

por águas.

Figura 23 – balsa carregada de madeira/rio Tajapurú

Foto: Enil Pureza – setembro/2011

Figura 24 – balsa transp. veículos/ Tajapurú

Foto: Enil Pureza – setembro/2011

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Além do transporte de cargas, há um intenso fluxo de transporte de passageiros, feito

em navios, barcos de todos os tamanhos, usados de acordo com as condições econômicas da

população ou do transporte local. É possível também encontrar transatlânticos carregados de

turistas, que ao olhar para os nativos - quase sempre crianças em uma canoa no meio do rio a

espera de uma doação, ou, simplesmente brincando com a maresia do navio, jogam roupas,

biscoitos, como oferenda aos “exóticos”, que só serão lembrados como parte de um cenário

nas narrativas da viagem.

Desde a sua fundação, há mais de 30 anos, a ECEM funciona em prédio próprio,

entretanto, há anos não recebe nenhum tipo de reforma, seja da parte governamental ou da

própria comunidade. Encontra-se em precárias condições de funcionamento.

As figuras 25 e 26 ilustram as condições das paredes e assoalho, cheios de buracos,

deixando visível o descaso do poder público com essa população. A partir desta realidade,

podemos inferir que quanto mais distante dos olhos de quem governa, mais excluídos ficam

das políticas públicas e de seus direitos básicos.

Na sala de aula, há um quadro verde e carteiras de acordo com o número de alunos.

Inadequados para o tamanho dos que cursam o 1º e 2º anos, que por serem pequenos não

conseguem colocar os pés no chão, ficando em posição desconfortável.

Há também um espaço que seria destinado à secretaria e/ou depósito e uma pequena

sala para armazenar a merenda escolar, todos, com exceção da sala de aula, sem utilização por

falta de condições adequadas para uso. A solicitação de reforma sempre foi feita a SEMED,

mas ainda não foi atendida, assim explicou a “dona” da vila – matriarca da família que

mantém a comunidade, responsável pela escola e igreja.

Figura 25 – sala de aula da Escola Cel. Evangelista

Medeiros

Foto Sônia Amaral - setembro de 2011

Figura 26 – sala de aula da Escola Cel. Evangelista

Medeiros

Foto Sônia Amaral - março 2011

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Estas condições não coadunam ao prescrito na Resolução nº 2 de 28 de abril de 2008,

do CNE/CEB que estabelece as Diretrizes complementares, normas e princípios para o

desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo, aqui

interpretada como Escola das Águas. De acordo com esta legislação

§ 2º As escolas multisseriadas, para atingirem o padrão de qualidade

definido em nível nacional, necessitam de formação pedagógica, inicial e

continuada, instalações físicas e equipamentos adequados, materiais

didáticos apropriados e supervisão pedagógica permanente.

O conteúdo da legislação explicita que as leis existem, são esclarecedoras e

necessárias, mas para fazer sentido, devem sair do papel, indo ao encontro dos interesses e

condições de vida das populações, do contrário, não mudarão a história da educação neste

país que ainda está voltada para poucos, já que a maioria, principalmente os moradores do

meio rural, dificilmente atingirá o padrão de qualidade, se continuar nas condições de

precarização em que se encontram.

A ECEM funciona no turno matutino com 27 alunos na faixa-etária de 6 (seis) a 14

(quatorze) anos. Uma turma multisseriada formada por alunos do1º, 2º, 3º ano, 3ª e 4ª séries.

Para o professor Manoel, na classe multisseriada há mais desvantagens do que vantagens, “Os

alunos podem ajudar uns aos outros, mas às vezes, eles não ajudam, fazem as atividades para

os outros, isso atrapalha”. Segundo este professor, o desnível dos alunos é o fator complicador

para o seu trabalho.

Na entrevista feita com uma aluna desta escola, ela diz que a dificuldade está no

barulho, na “bagunça” feita pelos alunos em sala de aula, diz que não vê vantagens, talvez

confirmando a dificuldade que o professor Manoel demonstrou quando falou do desnível dos

alunos, já que trabalha com essa turma.

Estudar nessa classe dificulta por causa de muito barulho. O professor pede

pra ficar sentado e em menos de um minuto tem muita bagunça, barulho,

briga. (aluna)

Para uma mãe da ECEM, seria melhor que a classe fosse separada em duas turmas,

dessa forma “não facilita em nada, pois os alunos ficam amontoados, ai sim, fica

complicado”. O termo complicado refere-se a dificuldade de atender adequadamente aos

alunos. O professor enfrenta dificuldades em garantir que todos os seus alunos sejam

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atendidos no decorrer do horário das aulas, como não há condições de fazer, os alunos, como

disse a mãe, amontoam-se, ou como disse a aluna, dispersam e fazem os barulhos que são

peculiares em sua faixa etária.

A criação da ECEM data do início da década de 70, quando o proprietário da vila

preocupado com a educação dos seus comunitários, falou com o prefeito da época que

autorizou a construção da escola e a contratação do professor para trabalhar na comunidade.

Inicialmente, o professor contratado tinha como formação o ensino fundamental, antigo 1º

grau, atuava como professor leigo, mas com a oferta de formação inicial em nível médio para

os professores da rede, concluiu o Curso de Magistério na década de 90.

Passados mais de três décadas da criação da escola, permanece o mesmo professor que

iniciou os trabalhos, alfabetizou os avós, os pais e atualmente, filhos e netos. Segundo este

professor, sua perspectiva é a chegada da sua aposentadoria, não vislumbra mais uma

formação superior, mas também não pensa em antes disso deixar a escola, já que sua

residência está na comunidade, além de professor é um dos dirigentes da igreja.

Por ser considerado um lugar de difícil acesso e de longa distância da cidade, há

resistência dos professores em ir para comunidades como esta. Por outro lado, apoiando-se

nessa justificativa, há pais que não aceitam a troca do professor, dizem que ele os educou e

por isso deve educar os seus filhos.

Já alguns alunos afirmam que gostariam de ter um(a) outro(a) professor(a), que

pudesse fazer atividades diferentes, dentre esses alunos, uma aluna foi enfática ao dizer que

gostaria de fazer cartazes, pregar nas paredes da escola, pintar, desenhar, atividades que nunca

fez, inclusive, apontando para a parede da sala de aula para mostrar que, além dos buracos, só

há marcas dos rabiscos feitos a lápis.

No âmbito da legislação, é possível analisar a questão como falta de acompanhamento

pedagógico permanente e de formação inicial e continuada para os professores, o que está

explicito na resolução vigente como dever do estado. A morosidade na aplicabilidade da

legislação a torna letra “morta” da educação.

Semelhante às outras escolas pesquisadas, os alunos utilizam um pequeno barco-

alugado pela SEMED e que serve como transporte escolar. O transporte não apresenta

nenhuma segurança aos alunos, pois não possui cadeiras ou bancos para acomodá-los na

viagem.

Como estão acostumados com as águas, vem de qualquer maneira, (figura 27):

sentados no toldo do barco, na proa, na janela, onde acharem melhor, já que o transporte conta

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apenas com um barqueiro, responsável pelo barco e pelas crianças. O percurso médio da

viagem é de aproximadamente uma hora/barco entre as residências dos alunos.

Mesmo diante dos perigos, sem esse transporte as crianças teriam dificuldades de

acesso. A escola localiza-se em um rio de grande porte, com passagens de navios e balsas

cargueiras, que deixam os alunos em situação de perigo, seja pela extensão e profundidade do

rio, seja por conta de assaltos realizados pelos “piratas do mar10”, ou pela exposição à

exploração sexual de jovens e adolescentes, presente nesta região.

O local onde funciona a escola é uma vila denominada Liverpool, formada por

famílias que tem parentescos de primeiro grau e por isso ainda permanecem na localidade.

Tem como referência a escola e a igreja, que congregam os moradores e formam a

comunidade.

10

Pessoas que tomam de assalto às balsas e os barcos. Rendem os tripulantes e desviam as cargas, algumas

fazem vítimas fatais.

Figura 27 – transporte escolar da ECEM

Foto: Enil Pureza/ setembro 2011

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A ocupação econômica dos moradores da vila vem de um estaleiro, conforme mostra a

figura 28, onde são construídos barcos de pequeno e médio porte. A prática de fazer barcos

vem sendo ensinada de pai para filhos. Segundo o filho mais velho da matriarca da família,

nenhum deles passou por formação superior para trabalhar nesta profissão, adquiriu esses

saberes na convivência com o pai desde a sua infância. Continuam o trabalho que esperam

manter por muitas gerações, mas nem por isso deixaram de estudar. Este informante concluiu

o ensino médio e seus demais irmãos, todos homens, continuam estudando. Como sabem

fazer barco, tem transporte próprio, saem do município de Breves no horário noturno e vão a

uma escola do município de Melgaço cursar o ensino médio.

Ainda nas palavras do entrevistado os recursos financeiros oriundos do estaleiro

beneficiam apenas as famílias com parentesco, que com essa renda vivem no local. Os demais

moradores de acordo com a época, sobrevivem da colheita do açaí e da pesca artesanal feita

como economia de subsistência.

A ação governamental chega à comunidade por meio de recursos oriundos dos

programas sociais, além de outros benefícios e aposentadorias recebidos pelos idosos. As

necessidades dos moradores em relação à documentação e outros bens e serviços, são supridas

na cidade, sede do município ou no estado do Amapá, onde é comum fazerem compras ou

procurar por serviços médicos especializados, já que a distância é menor para Macapá do que

para Breves. Para os casos mais urgentes de serviços básicos da saúde, há atendimento num

Figura 28 – Estaleiro na vila Liverpoll onde está localizada a ECEM.

Foto Enil Pureza - março/2011

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pequeno posto médico, que conta com Agentes Comunitários de Saúde – ACS, em alguns

casos, com um técnico em enfermagem.

Para completar o círculo desta pesquisa, cheguei a Escola São João da Galiléia. Como

as demais escolas, faz parte da história da educação brevense e também contribuiu com este

trabalho.

2.4 – Escola São João da Galiléia

A Escola São João da Galiléia (ESJG) está localizada no rio Macacos, furo da Ilha

Comprida, no distrito de São Miguel dos Macacos. A escolha da ESJG está relacionada à sua

localização. Das quatro escolas pesquisadas é a única situada em um furo11, o que caracteriza

uma realidade diferenciada, com estudantes que não residem só no furo, mas em outros rios

que se comunicam com ele.

Trabalha regularmente com 48 alunos matriculados nos turnos matutino e vespertino.

Nos dois turnos atende as classes multisseriadas do 1º ao 3º ano, 3ª e 4ª séries. A faixa etária

dos alunos atendidos vai dos 6 (seis) aos 55 (cinqüenta e cinco) anos.

Para o professor João, trabalhar com as classes multisseriadas tem como vantagem ver

a diferença no conhecimento dos alunos e o crescimento de cada um deles. A maior

11

Dicionário Houaiss (2005) Regionalismo: Amazônia. Trecho de água passível de ser navegado, pelo qual

rios, ou rios e lagos, se comunicam.

Figura 29 – Escola São João da Galiléia

Foto: Enil Pureza – setembro 2011

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dificuldade é a falta de interesse dos pais que só se preocupam em saber se tem merenda na

escola e com a frequência dos alunos por conta do bolsa família que faz parte da política do

governo, na assistência aos alunos que estão na escola e para a sua permanência nela. Nas

palavras de Freire, (1980, p.57):

O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidiálogo,

que, impondo ao homem mutismo e passividade, não lhe oferece condições

especiais para o desenvolvimento ou a “abertura” de sua consciência que,

nas democracias autênticas, há de ser cada vez mais crítica.

A discussão feita por Freire centra-se na necessidade do diálogo aberto entre os

beneficiários e o governo ou seu representante, no sentido de afirmar que os programas

sociais ou de assistência, não são meras benevolências estatais, mas direitos constituídos pelos

cidadãos, o que não pode acontecer sem o diálogo e a criticidade, do contrário trará prejuízos

em outros setores da vida. Nesse caso, a educação que deixa de ser vista por muitos pais como

uma prática de formação humana, assumindo caráter de complemento ou principal

vencimento da renda familiar.

Os pais como responsáveis em prover a formação de seus filhos, também foram

instigados a se posicionar em relação a vantagens e desvantagens que atingem as classes

multisseriadas.

Uma das mães disse acreditar que “às vezes ajuda, às vezes não. No bem que está

ajudando uns, outros estão conversando”. Em desacordo com o que disse o prof. João, essa

mãe mostrou-se muito atenta ao que acontece na escola, percebe a dificuldade do professor

em manter a classe em atividades, por isso afirma que quando o professor atende uns, outros

ficam ociosos, por isso acabam conversando e isso é uma das dificuldades apresentada por

ela. Uma aluna também se posicionou dizendo que é bom porque ficam todos juntos, mas que

nem todo mundo estuda, “o professor é só um para dar conta de todos”.

A avaliação dos professores, alunos e pais precisam ser levadas em consideração pelos

órgãos competentes. O fato de ter escola e ser multisseriada é um motivo a mais para que haja

presença mais viva por parte da SEMED nestes espaços. O acompanhamento pedagógico dos

professores deve ser instrumento de gestão dos governos que tem o dever de garantir

condições dignas de trabalho aos profissionais e consequentemente uma melhor educação a

sua população.

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Somente no ano de 2011, a ESJG conseguiu local próprio para funcionamento.

Funciona em prédio próprio, contudo, continua em condições precárias para receber seus

alunos, não mantém o mínimo de condições estruturais conforme pode ser visualizado nas

figuras 30 e 31.

A mobília da sala de aula é composta por carteiras e dois pequenos quadros verdes que

auxiliam o trabalho do professor. Não há sequer uma mesa onde o professor possa organizar o

seu material pedagógico ou dar assistência individual a um aluno, entretanto, é um espaço que

a comunidade tem como referência, em outras palavras, uma forma desta comunidade manter

o poder de escolarizar seus filhos, herdeiros da história deste povo.

No mês de março quando estive na escola, a situação era ainda mais precária, nem as

carteiras eram suficientes para o número de alunos. Em setembro quando retornei, a escola

tinha recebido pintura, novas carteiras para todos os alunos e telhas para uma nova cobertura

da escola. Para o professor Manoel, a reforma da escola estava acontecendo. Para os alunos,

era mais que isso, viam como “uma nova escola”.

No espaço destinado á escola, não há energia elétrica ou água encanada, nem espaços

para outros departamentos que poderiam dar suporte à escola, como biblioteca ou sala de

leitura, secretaria, copa, banheiros, dentre outros. Há um pequeno depósito ao lado da sala de

aula onde ficam guardados os utensílios para a preparação e distribuição da merenda escolar

que quando servida é feita por uma mãe voluntária.

O professor é acadêmico do curso de licenciatura em língua inglesa, trabalha no ensino

fundamental pela sua habilitação no magistério, nível médio. Vem da cidade para trabalhar,

hospeda-se na casa do “dono da vila” e com eles divide alimentação e estadia. Como os

Figura 30- sala de aula da Escola SJG

Foto: Enil Pureza – setembro de 2011

Figura 31 - sala de aula da Escola SJG

Foto: Enil Pureza – março de 2011

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demais professores que prestam serviços no meio rural, vai à cidade mensalmente receber

seus vencimentos, prestar contas das atividades realizadas na escola e participar dos cursos de

formação continuada.

A iniciativa de criação da escola não foi informada pelos entrevistados por não

saberem responder, sabem apenas que à medida que líderes da comunidade vão ausentando-

se, os filhos assumem a responsabilidade em manter a igreja – evangélica e a escola que são

suas referências.

A distância entre a escola e a sede do município é de três horas/barco. A escola presta

serviços à comunidade há mais de dez anos, embora não tenha sido considerada, em nenhum

momento, escola padrão, pois sempre funcionou em espaços cedidos pela comunidade.

O tempo de locomoção dos alunos de suas residências até a escola é em média 45

minutos - dependendo do ritmo da maré, podendo ser mais ou menos. O transporte é feito em

canoa a remo, conforme mostra a figura 32. Os próprios alunos são responsáveis por seu

transporte, os mais velhos cuidam dos mais novos e fazem a travessia de um rio para o outro,

sem nenhuma segurança, transportando inclusive os que não sabem nadar.

A falta de transporte escolar é um dos impeditivos para que os alunos estudem com

regularidade, por vezes tem que dividir o transporte com os pais que precisam do mesmo para

Figura 32 – Canoas: transporte usado pelos alunos da E.S.J da Galiléia

Foto: Enil Pureza - setembro 2011

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pescar, caçar, ou chegar ao local de trabalho. Quando isso acontece, há ausência dos alunos na

escola.

No inverno, a situação acirra-se, causando o esvaziamento da sala de aula, já que eles

não têm como sair de casa e os que saem por vezes chegam a escola sem condições de

permanecer, por estarem completamente molhados, uma vez que a canoa ou casco, como é

chamado na região, não tem cobertura.

Outra preocupação relativa à falta de transporte escolar é a travessia que esses alunos

fazem da escola para suas residências. Eles saem do furo onde fica a escola e atravessam o rio

Macacos (principal), para chegar as suas casas. Esse último é de grande extensão e muitos dos

alunos com apenas 6 anos de idade, alunos do 1º ano, ainda não sabem nadar e como o

transporte é pessoal, não tem nenhuma segurança.

É mais uma das dificuldades que tem o estudante das escolas das águas que além de

não contar com uma escola que garanta o mínimo de seus direitos básicos de estudante, ainda

há dificuldades de acesso a ela, já que nesse caso, mesmo com a nomenclatura campo,

instituída pelo MEC, estão localizadas a beira do rio, o que não dá possibilidade para que

façam a opção em vir a pés.

A comunidade da ESJG tem como fonte de renda a agricultura, de onde vem à

produção de farinha de mandioca, a extração e serragem da madeira em toras e do palmito do

açaí, mesmo que em pequena quantidade. Há aqueles que sobrevivem da pesca artesanal e

outros que recebem benefícios do governo como aposentadorias e bolsas famílias.

É a diversidade na unidade. Uma nação, mas diferentes formas de garantia dos direitos

dos cidadãos. De acordo com o apresentado neste capítulo, ficou evidente que são situações

que exigem maior investimento e comprometimento dos que fazem e gestam as políticas

educacionais deste país. Em comparação ao que se tem nas escolas da cidade, pode-se afirmar

que as escolas das águas encontram-se excluídas das condições básicas de trabalho e ensino.

O fato de continuarem funcionando está imersa em relações de poder, que segundo Foucault

(2010, p. 277), “abrem um espaço no sei do qual as lutas se desenvolvem”.

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CAPITULO III

Entre rios e letras: práticas de leitura, discurso polifônico e contradições ideológicas

Diante de um cenário educacional marcado por contradições, embora com certas

limitações, a escola ainda é o local de onde se espera uma formação integral12, construída num

processo dialógico e de respeito à cidadania. É um espaço de diálogos, interlocuções, de

constituição de significados, de identidades, de homens e mulheres que, ao adentrar nesta

instituição, o fazem com a expectativa de construir novas leituras. Um processo que não se faz

sem interdições, sem procedimentos que envolvam desejos e relações de poder dos sujeitos

envolvidos.

O papel da escola na formação do ser humano é de grande relevância, entretanto, é

ingênuo esperar que apenas com a garantia de acesso à escolarização, as potencialidades dos

seus partícipes sejam amplamente exploradas. Neste espaço, há necessidade de práticas que

valorizem a cultura do aluno, que promovam o diálogo entre os conhecimentos escolares e a

realidade vivida. Trata-se da formação de homens e mulheres leitores(as), que concebam a

leitura como prática criadora, seja da palavra escrita ou da leitura que fazem do mundo.

Neste capítulo pretendo discutir e analisar as falas dos sujeitos da pesquisa em relação

às percepções e sentidos que a leitura da palavra escrita tem para alunos, professores e pais

das escolas pesquisadas. Inicio refletindo o papel da escola na formação de alunos leitores,

suas condições pedagógicas e a importância da implementação de práticas que invistam nos

diferentes tipos de leitores. Na sequencia, trago os discursos dos professores, alunos e pais

sobre a finalidade da aprendizagem da leitura, analisando-os com base nos estudos de Freire e

Foucault.

Ao discutir a leitura e a formação de leitores, bem como o papel da escola na

sociedade atual, podemos fazer questionamentos em relação ao que deve fazer a escola:

ensinar a ler ou educar para a leitura? Nesse sentido afirma Maria (2008, p.41)

Se pretendemos inserir a criança no mundo permeado pela escrita, mediar o

seu contato com as informações que lhe permitam situar-se na realidade e

atuar criticamente no sentido de alterar estruturas injustas, sem dúvida a

escola deve transformar cada criança em um leitor.

12

Segundo a LDB – 9394/96 entende-se por formação integral a que trabalha o desenvolvimento físico,

emocional, cognitivo e social.

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De acordo com a pesquisadora, a responsabilidade da escola na formação de leitores

da palavra escrita não se faz isolada da realidade social e das práticas culturais dos educandos.

É uma perspectiva de trabalho que reconhece a leitura como diálogo entre os homens e a sua

realidade, portanto, um processo de construção de identidades. Ampliando essa discussão

podemos inserir as palavras de Arroyo (2004, p. 75), quando diz que “o homem, a mulher, a

criança no campo tem seu rosto, seu nome, sua história, sua diversidade de gênero, raça,

idade, formação. Também eles são sujeitos em construção”.

Se não forem induzidos, provocados a engajar-se nas práticas culturais de sua

sociedade, é pouco provável que se reconheçam como sujeitos em construção, no e para o

mundo, e para tal reconhecimento, precisam fazer a leitura de quem são e o que precisam ser.

No espaço escolar, tem-se o encontro de diferentes sujeitos, com diferentes

identidades, cada um apropriando-se da leitura por diversas maneiras e finalidades: idade,

sexo, formação, imposição social. Desta forma, a escola torna-se responsável em pensar a

leitura a partir de seus sujeitos, reconhecer quem é o seu leitor, independente do que e do

quanto lê. Para Chartier (2001, p.240), estudioso da história e práticas de leitura.

Entre as leis sociais que modelam a necessidade ou a capacidade de leitura,

as da escola estão entre as mais importantes, o que coloca o problema, ao

mesmo tempo histórico e contemporâneo, do lugar da aprendizagem escolar

numa aprendizagem da leitura, nos dois sentidos da palavra, isto é, a

aprendizagem da decifração e do saber ler em seu nível elementar e, de outro

lado, esta outra coisa de que falamos, a capacidade de uma leitura hábil, que

pode ser apropriar de diferentes textos.

A necessidade de uma aprendizagem da leitura torna-se cada vez mais importante

nesta sociedade, com a multiplicidade de textos e com os diferentes significados que são

produzidos diariamente. É premente que a escola não se furte deste processo, uma dívida

histórica com os brasileiros, considerando o número de cidadãos que ainda não tem acesso ao

mundo da leitura da palavra escrita.

Se a escola existe na condição de instituição promotora do ensino da leitura, é seu

papel trabalhar para que seus alunos tornem-se hábeis leitores. Ainda segundo Chartier

(2001), entre o texto e o sujeito que lê, há uma teoria da leitura capaz de compreender a

apropriação dos discursos, a maneira como estes afetam o leitor e o conduzem a uma nova

forma de compreensão de si e do próprio mundo. Esta é uma das principais razões que

justificam este trabalho.

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A preocupação com a implementação de práticas de leituras nas escolas aparece

frequentemente nas discussões educacionais, nas próprias escolas entre os professores, em

conferências, congressos, seminários que tratam da educação dos brasileiros. Entretanto,

poucas são as políticas de estado voltadas à formação do leitor. As poucas que se apresentam,

ficam no âmbito da distribuição de livros - Literatura em minha casa, biblioteca escolar,

biblioteca do professor, dentre outros que contribuem para a aquisição do livro, mas que ainda

precisam ser exploradas, como prática de formação, seja pelo governo, sociedade ou pela

escola como um todo.

De forma isolada, algumas escolas, por meio de projetos ou de pequenos grupos de

docentes avançam imprimindo esforços para garantir que essa prática seja construída no meio

escolar. São ações que nem sempre contam com as condições adequadas para o

desenvolvimento do trabalho, desde ambiente favorável, diversidade de gêneros no acervo

bibliográfico, disponibilidade de carga horária para os professores investirem em seus

projetos, ações integrada e interdisciplinar na escola, dentre outros. O que de certa maneira

caracterizam impeditivos, mas que podem ser superados para que se realizem diferentes

práticas, pois como afirma Chartier (1998, p. 13):

Há contrastes, igualmente, entre as normas e as convenções de leitura que

definem, para cada comunidade de leitores, os usos legítimos dos livros, as

maneiras de ler, os instrumentos e procedimentos da interpretação.

Contrastes, enfim, encontramos entre os diversos interesses e expectativas

com os quais os diferentes grupos de leitores investem a prática da leitura.

Independente do comportamento do leitor, a escola deve considerar que a leitura será

sempre apropriação e produção de significados constituídos por cada comunidade que, ao

posicionar-se diante da leitura, terão maneiras e instrumentos próprios – livros, jornais,

revistas, com poderes de expressão de diferentes pontos de vista, lugares, tempo, ideologias,

marcando seus interesses e horizontes de expectativas. Não há como a escola trabalhar com

uma característica hegemônica de leitor, haja vista sua pluralidade.

Nas escolas estudadas, a escola representa um grande papel significativo na vida desta

população. É por meio dela que homens, mulheres e crianças têm a oportunidade de conhecer

as letras, reafirmar seus saberes e conhecimentos, dessa forma torna-se pertinente voltar aos

estudos de Chartier (2001, p. 241) ao afirmar que:

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[...] quando o sistema escolar representa o papel que representa em nossas

sociedades, isto é, quando se torna a via principal ou exclusiva do acesso à

leitura, e a leitura torna-se acessível praticamente a todo mundo, penso que

ele produz um efeito inesperado.

Os espaços de localização desta instituição, embora distante dos centros urbanos, não

está restrita aos conhecimentos do meio rural, está cercada de conhecimentos vindos dos mais

diversos meios de comunicação, rádio, televisão, telefones móveis, alguns até com internet.

Entretanto, a escola ainda é a via principal de acesso à leitura da palavra escrita, campo de

diálogos, difusora de conhecimentos.

Quando investe nos seus diferentes grupos de leitores, não abrindo mão da

possibilidade de democratizar o livro e a leitura, torna-se capaz de suprir as expectativas que

causa aos jovens que, com diferentes interesses, entram nesse espaço não só para receberem

as leituras escolares, mas também para fazerem as suas e garantir que seus modos de pensar e

viver sejam respeitados e transformados por e para eles, provavelmente este seria o efeito

inesperado apontado por Chartier.

3.1 – PERCEPÇÕES E SENTIDOS DA LEITURA

3.1.1 – Discurso dos professores

Por que ler? Para que ler? São importantes indagações feitas diante de um estudo que

tem como propósito analisar os discursos sobre as práticas de leitura na escola. Formar

leitores perpassa por questões de interesses, opções, já que se trata de um ato político –

posicionamento, escolha, querer e poder fazer. Requer acima de tudo responsabilidade e

disponibilidade dos envolvidos, ou seja, perpassa pelas relações de poder - do grande poder

estatal aos micropoderes constituídos no cotidiano das escolas. O poder pensado como uma

relação de forças, que permeia, produz sentidos e materialidades. Para Foucault:

Se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas pelo meio da

censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um

grande super-ego, se apenas se exercesse de modo negativo, ele seria muito

frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do desejo –

como se começa a conhecer – e também a nível de saber. O poder, longe de

impedir o saber, o produz (FOUCAULT 1979, P.148).

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Aprender a ler a palavra escrita, conviver com a leitura de diferentes textos no

cotidiano da escola, principalmente para aqueles que se encontram afastados da produção e

circulação dos impressos ou das mídias digital, não deixa de ser uma forma de resistência ao

poder de um sistema escolar excludente, de afirmação e produção de novos saberes e novos

poderes.

Como vivemos em uma sociedade grafocêntrica, para além do direito constitucional à

educação, cabe à escola como executora desse direito, a responsabilidade de garantir aos

alunos o desenvolvimento da capacidade de compreender o texto escrito, ou seja,

proporcionar a leitura enquanto prática social, necessidade básica do ser humano. Nesse

sentido, a prática de leitura deve estar presente em todas as situações escolares, já que da

produção do saber nasce o poder, o que induz a escola a posicionar-se diante das forças

contrárias, que por vezes imperam no sentido de negar à população o direito de conhecer, de

apoderar-se do saber.

Eu falo pros meus alunos, você é cego, até ao momento que você não sabe

ler, porque a partir do momento que você aprende você tem a visão mais

ampla, até porque você não tem que ficar pedindo pra alguém, lê aqui, você

sabendo, você lê, não fica ocupando aqueles que sabem. (Professora Maria)

O depoimento da professora Maria vem ao encontro desta perspectiva de produção do

saber, da indução ao poder quando diz que ler é abrir os olhos para um novo mundo, é ampliar

os horizontes, tornar-se autônomo, emancipado. Interpretação da leitura como possibilidades

de formação do sujeito letrado com poderes para transitar nas diversas práticas sociais. Com

conhecimento das funções da escrita, tem acesso ao saber acumulado pelas sociedades.

Ao enveredar pelos rios e estreitos da pesquisa, primeiro pesquisei a percepção dos

sujeitos em relação à leitura da palavra, se esta é tida como uma prática cultural, já que ler ou

não ler, não se trata de uma conduta certa ou errada, mas da compreensão e das finalidades

que a cultura erudita estabelece para essa prática. Segundo Lajolo & Zilberman (1998, p. 14),

“ser leitor, papel que, enquanto pessoa física, exercemos, é função social, para a qual se

canalizam ações individuais, esforços coletivos e necessidades econômicas”.

Diante da afirmação de Lajolo e Zilberman, estudiosas do campo da leitura, entendo

que é preciso ir além da expressão para que não fiquemos idealizando que todas as pessoas

canalizam esforços para o desenvolvimento desta prática, que imprimem esforços para

constituir-se em leitores, ou que por ser uma função social, a leitura da palavra escrita esteja

presente em toda sociedade.

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Para melhor compreender esse processo nas escolas entrevistadas, busquei analisar os

discursos dos professores, alunos, pais e mães – sujeitos responsáveis em promover,

acompanhar e apropriar-se da leitura e como definem sua finalidade.

É muito importante ensinar o aluno a ler. Como falo na sala de aula, quem

não lê é uma pessoa cega. Pra tudo o aluno precisa da leitura. O aluno só lê o

mundo, quando consegue ler a palavra escrita. Através da leitura é que ele

vai saber o que está fazendo. (Professora Maria)

O reconhecimento da importância da leitura na ótica da professora Maria, nos induz a

dizer que a professora reconhece o papel que essa prática tem na vida de seus alunos,

reconhece que na sociedade letrada, quem não lê a palavra escrita possui limitações na

interação com as demandas da sociedade contemporânea que exigem mais do que o

conhecimento do alfabeto, envolve também conhecimentos pessoais, sociais, políticos,

digitais, dentre outros.

Para a professora Maria a consciência do ser, perpassa também pela competência de

ler a sua vida, a sua realidade a partir de seus próprios olhos, que vem constituindo-se cultural

e socialmente. Uma leitura que não pode desvincular-se das relações de poder e dominação de

classes ou pelas estruturas do Estado. Segundo ela as práticas realizadas na EMFS vêm a esse

encontro, no sentido de desenvolver o aluno para o conhecimento de si e do mundo.

A compreensão da leitura como prática social, envolve a comunicação escrita, na

forma impressa por meio de livros, revistas, jornais e outros textos pelos quais o leitor

constrói diferentes significados a partir dos seus interesses e objetivos. Entretanto, essa

variedade de gêneros textuais nem sempre está presente nas escolas pesquisadas o que

dificulta a diversificação das leituras realizadas pelos alunos e mediada pelos professores que

reconhecem o papel da escola no desenvolvimento desta prática para além de meras

atividades memorizadoras.

A concepção de leitura apontada parte das ideais de Freire (1996, p. 27) quando

destaca que a leitura a ser trabalhada na escola não pode ser do “intelectual memorizador”,

que lê o texto horas a fio, mas que teme falar dele e quando fala é quase uma recitação do

memorizado. Para ele “a leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a

mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental vou me tornando sujeito”.

Para o professor Manoel da ECEM a finalidade da leitura da palavra escrita para o

aluno “vai favorecer tanto no aprendizado dele, como futuramente, é quando o aluno vai

concluir um texto”. O conceito alarga-se para além da leitura como atividade pedagógica da

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escola. O professor entende que uma criança que lê, deve compreender o que está escrito, do

contrário, qual seria o significado do ler? Na perspectiva de leitura para a vida futura está

implícita a formação do profissional, do sujeito letrado, que reconhece o seu papel na

sociedade.

Para a professora Antonia da ESA é necessário aprender a ler para continuar os

estudos, aprender os conteúdos curriculares, mas acrescenta como finalidade, o uso da leitura

para a vida social.

Então a finalidade é essa, da visão maior do mundo, até porque a leitura não

se dá só através da escrita. Através de figuras, de tantas coisas como eu

sempre falo pra eles, aconselho eles, porque tem alunos também que é dose

aqui, a gente tem que está trabalhando principalmente a conscientização, do

porque estudar. Não é só brincar, tem que ter o interesse de aprender mesmo.

(Professora Antônia)

Ao relacionar leitura e vida, a professora não deixa de analisar o papel que lhe cabe

enquanto mediadora da aprendizagem. Ela demonstra a preocupação com o que os alunos

estão desenvolvendo na sala de aula, por isso faz o alerta a fim de que haja reconhecimento da

importância da escola em suas vidas. Segundo ela, é preciso estar atenta junto aos alunos,

uma vez que muitos desconhecem o valor da escola na sua vida, a diferença entre os

momentos de brincar e os de estudar, por isso preocupa-se em aconselhar, chamar a

responsabilidade deles para a construção do futuro.

A relação entre poder e verdade está muito presente na fala da professora, por um lado,

a verdade constituída sobre o papel que a escola deve exercer na vida das crianças, jovens e

adultos – formá-los para a sociedade; por outro lado, a autoridade constituída da professora, a

quem compete zelar para que os alunos aprendam as verdades que a escola transmite por meio

dos discursos produzidos e enunciados, muito embora as verdades defendidas pela escola nem

sempre sejam as vividas pelos alunos. Nas palavras de Foucault (1979, p. 12):

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade:

isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros;

os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados

verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas

e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o

estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como

verdadeiro.

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A fala da professora Antonia está conectada também com a sua preocupação em

atingir os objetivos da escola, auxiliar para que essas pessoas que estão sob sua

responsabilidade, possam futuramente usufruir dos benefícios de um sujeito letrado – se

apropriar da escrita e utilizá-la nas diferentes situações de sua vivência. A leitura pode ser

vista para além do contexto escolar, do texto escrito, nas experiências do e entre os

indivíduos. Compartilhando destas ideias, o professor Manoel da ECEM, assim afirma:

A leitura é o complemento do ensino. É fundamental para o conhecimento

não só do aluno, mas, de todo o indivíduo. Através da leitura, ele amplia o

seu conhecimento. Quanto mais você lê, mais você amplia o seu

vocabulário, seu conhecimento. Então, a leitura, ela é muito importante, ela é

fundamental, ela abre o conhecimento, eu não diria só do aluno, mas do

indivíduo como ser social. (professor Manoel)

Nos discursos dos professores a leitura apresentou-se como fundamental, no sentido de

situar os sujeitos no mundo. Ficou explícita a sua importância como função social, que não se

esgota apenas pelo processo escolar, mas vai além, quando dizem que não é importante só

para o aluno, mas para todos os sujeitos. O exercício da leitura na escola é uma escolha

política por parte do professor, pois está em suas mãos a forma como quer e pode trabalhar.

Na condição de sujeito mediador entre o diálogo do aluno com diferentes tipos de textos no

espaço escolar, sua ação abre horizontes para se desvendar outras realidades e conhecê-las.

O eixo norteador de toda essa discussão recai na possibilidade da construção de um

novo cidadão, de homens e mulheres que saiam da passividade e à medida que experimentam

novas formas de letramento, passem a descobrir novos espaços e posturas sociais, interagindo

no mundo por meio de experiências que surgem na confluência entre as mediações e conflitos,

por tratar-se de sujeitos plurais e de identidades singulares.

Podemos dizer que homens e mulheres com o domínio da leitura da palavra escrita,

abrem possibilidades de se rebelarem em relação à desigualdade de oportunidades a que estão

submetidos historicamente e a produzirem novos saberes, no enfrentamento entre os regimes

de verdades que consideram a escola rural como escola de primeiras letras.

Quando se referem à leitura de mundo, uma característica semelhante importante

diante dos discursos colocados em circulação pelas falas dos professores é a afirmação de que

nesta leitura está explícito o reconhecimento que fazem da história dos sujeitos viventes

naquela localidade. Assim diz a professora Maria: “É importante sim trabalhar a leitura de

mundo do aluno, porque pra gente viver em um lugar é preciso se adaptar com as pessoas,

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saber o que é que a gente quer. Pra ler o mundo, é preciso se adaptar a realidade das pessoas”.

O professor Manoel completa a afirmação assinalando que “principalmente porque ali está

incluída a nossa própria história, história do aluno e das pessoas que já viveram na

comunidade”.

Freire (1996, p. 123), quando discute os saberes da docência diz que “o educador que

respeita a leitura de mundo do educando, reconhece a historicidade do saber, o caráter

histórico da curiosidade... assume a humildade crítica, própria da posição verdadeiramente

científica”.

Nos discursos dos professores, a leitura de mundo inclui a história dos alunos e das

pessoas que vivem em sua comunidade e para viver em um espaço é preciso se adaptar a essas

pessoas, saber seus anseios, sonhos, interesses individuais e coletivos. Este tipo de leitura,

segundo eles, deve ser trabalhado tanto dentro, como fora da escola. É uma forma de conhecer

as pessoas com as quais se trabalha e a comunidade onde vivem. Para explicar a importância

dessa finalidade, assim diz a professora Antonia da ESA

Sempre que a gente faz a formação, tem professor que coloca a situação

assim. Não porque você tem material didático que não tem nada a ver com a

realidade do aluno da zona rural, mas só que se a gente for trabalhar só a

questão da zona rural, o aluno fica desconhecido com outros lugares,

principalmente com o mundo lá fora. Então a gente tem que trabalhar a

realidade do aluno e também a realidade de lá fora. Eu acredito que tem que

ter esse conjunto de trabalhar lá fora, sim de conhecer, está certo que ela – a

criança, não sai daqui pra conhecer outras coisas assim pessoalmente, mas

tem os livros que mostram muitas coisas e o professor pode ser ponte

através de explicações, mostrando, através do jornal. Sempre eu coloco no

meu trabalho com os alunos, pra eles assistirem o jornal, porque no jornal a

gente conhece muitas coisas que acontece lá fora, as notícias. Eu procuro

trabalhar essa realidade com eles, não só daqui mesmo, a fantasia. A criança

hoje em dia é muito fantasiada, muitas coisas de ficção, principalmente

filmes, essas coisas e eu procuro trazer eles pra realidade do mundo, da

vivência, como deve ser, porque a criança é criança, é limitada só no mundo

dela, mas depois que ela começa a amadurecer ela precisa aprender a

conhecer outras coisas (Professora Antônia).

A importância dada à leitura na ESA, segundo a professora Antonia, também parte da

finalidade que ela tem na vida das pessoas na sua comunidade. A preocupação está em

garantir que futuramente essas crianças possam compreender o mundo em que vivem, seja por

meio da leitura dos livros, das noticiais televisivas ou outros meios de comunicação dos quais

dispõem, deixando claro que o seu papel é de mediadora destas leituras proporcionadas ou

direcionadas aos alunos. Esta professora ainda destaca também a impressão que tem sobre a

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infância, dizendo que a criança neste período é limitada ao seu mundo, precisando de alguém,

neste caso da professora, para conhecer outras coisas.

A fala da professora é a reprodução do discurso da academia que produz a sua

verdade referente ao que e como ensinar. Quando a professora afirma que é preciso trabalhar

a realidade do aluno e a realidade lá fora, provavelmente traz um discurso formulado pelos

cursos de formação de professores. Entretanto, nem sempre esses discursos são materializados

nas atividades do cotidiano da sala de aula. Se considerarmos o professor como um

intelectual, podemos usar as palavras de Deleuze In: Foucault (1979, p. 71), falando do papel

do intelectual e o poder, afirmando que “uma teoria é como uma caixa de ferramentas... É

preciso que sirva, é preciso que funcione”.

É um estágio de grande complexidade na aplicação destes conhecimentos, já que o

caminho perpassa pelo compromisso e pela responsabilidade que não está apenas no âmbito

de quem ensina. É um trabalho que requer sensibilidade e compreensão das formas de poder

que emanam de uma estrutura social.

A visão da professora em trabalhar diversas formas e tipos de leitura, independente se

essas crianças têm a oportunidade de sair desse espaço para conhecer outros lugares, não

deixa de ser uma luta contra o poder que lhes impede e imobiliza de conhecer outras

realidades. Reflexões de Soares (2008, p. 33), mostram que a percepção da professora está

sintonizada com compreensões mais amplas de leitura e formação de leitores.

É função e obrigação da escola dar amplo e irrestrito acesso ao mundo da

leitura, e isto inclui a leitura informativa, mas também a leitura literária; a

leitura para fins pragmáticos, mas também a leitura de fruição; a leitura que

situações da vida real exigem, mas também a leitura que nos permita escapar

por alguns momentos da vida real.

A autora ao espraiar a leitura como um mundo de possibilidades abre um leque para a

escola, deixa claro que há tipos de leituras para todos os leitores e que a escola tem a função

de dar condições para que a prática aconteça. Os instrumentos e procedimentos usados no ato

de ler estão vinculados aos interesses e expectativas que a comunidade leitora tem e pelo

trabalho desenvolvido pela escola.

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3.1.2 - PAIS: autonomia e ascensão social

A leitura se fez para todo mundo, mas todos não se fez para ela, porque ela é

difícil. (pai da EMFS)

O pai e as mães que fizeram parte desta

pesquisa vêm de famílias tradicionais que

construíram suas vidas entre rios e florestas,

formadas quase sempre por irmãos que vão

constituindo famílias, ampliando a população e

erigindo as diversas vilas existentes às

margens dos rios, como a vila Liverpool

(figura 33).

Esta população, inúmeras vezes

desprovida dos direitos sociais, dentre eles o

direito a educação, são filhos de pais que

sempre estiveram voltados à vida no meio

rural, por vezes muito distantes das políticas

públicas de inclusão social.

Não tiveram a oportunidade de ter a escola próxima a eles. Por falta da garantia desse

direito à educação, não lhes foi proporcionado alfabetizar-se, o que não deixou de ser para

eles uma luta para que seus filhos não ficassem também nessa condição, por isso, mesmo com

muitas dificuldades, mantém seus filhos na escola.

Discutir a importância da leitura junto aos pais das crianças e jovens sujeitos desta

pesquisa, não deixou de ser uma forma de apropriação de discursos ideológicos por muito

tempo disseminados entre as populações mais carentes e distantes do domínio da produção

escrita. Podem ser considerados como o discurso da “verdade”, que nas palavras de Foucault

(1979, p. 12) é “produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de

alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos”.

Esses discursos foram assimilados como a verdade de seu tempo e reproduzidos por

aqueles a quem o direito a leitura deveria fazer-se presente nas mais diferentes situações da

vida. Para o pai entrevistado, muitas pessoas tem na memória a leitura enquanto uma prática

seletiva e excludente, incapaz de chegar a todos. Para ele nem todos tem a possibilidade de

aprender a ler, embora a escola seja importante mediadora, por isso a leitura é uma prática de

difícil aprendizagem que só alguns podem beneficiar-se dela.

Figura 33 - vila Liverpool onde está

localizada a ECEM

Foto: Enil Pureza – setembro 2011

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É uma hipótese que a princípio não pode ser descartada na sua totalidade, uma vez que

ninguém nasce sabendo ler. Se o sujeito não for despertado, sensibilizado para a importância

da leitura, por certo não desenvolverá habilidades para sua condição de leitor. Não estamos

caracterizando leitor como aquele que vive sempre em silêncio e com o livro aberto nas

mãos, mas o que faz a confluência entre o que lê o e o que vive, principalmente se em seu

meio essa prática ficar restrita ao espaço escolar, ou se estiver desvinculada da sua vivência.

É preciso lembrar nesse contexto, que o ocidente só tardiamente, passou a ter em sua

cultura impressa e com ela, novas categorias de leitores, trabalhadores, mulheres e crianças,

que até então não faziam parte deste grupo.

No Brasil, a restrição à leitura vem sendo marcada pela raridade dos livros, que por

muito tempo vieram de outros países, com alto valor financeiro e destinados a uma pequena

parcela da população, os que detinham melhores condições econômicas, além do alto número

de analfabetismo que assolava e ainda assola este país. Sendo assim, a epígrafe que retrata a

fala do pai entrevistado, não pode ser desconsiderada, segundo ele, a leitura não se fez para

todos, uma vez que para a formação do leitor, são necessários além de livros e outros

impressos, condições sociais, educacionais e técnicas para a prática.

Muito embora a sociedade brasileira tenha evoluído econômica e educacionalmente,

não é difícil encontrar pessoas que convivem em espaços onde é comum os pais não serem

alfabetizados e a grande maioria não ter acesso aos impressos. Para Lerner (2002, p. 17)

“participar da cultura escrita supõe apropriar-se de uma tradição de leitura e escrita, supõe

assumir uma herança cultural que envolve o exercício de diversas operações com os textos e a

colocação em ação de conhecimentos sobre as relações entre os textos”. Condição ainda

negada a muitos brasileiros que não dispõem desse recurso cultural.

A leitura também tem a finalidade de ascensão social, conforme acompanhamos na

resposta do pai, informante desta pesquisa, quando perguntado para que serve a leitura e ele

respondeu que é para os filhos não ficarem no caminho em que eles estão. “Eles precisam

aprender a ler para desenvolver o lado deles”. Esta resposta nos indica uma finalidade prática.

O que o pai deseja, é não ver seus filhos na mesma condição social em que se

encontra, sem escolaridade, o que lhe impede de conseguir um emprego capaz de melhorar as

condições sociais da vida que leva, pois a grande angústia que os assola, é não ter recursos

financeiros suficientes para garantir uma vida digna a seus filhos, já que muitos, mesmo sendo

crianças, saem da escola para trabalhar. Para Almeida (2010, p. 43)

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A leitura talvez seja a mais forte ferramenta do cidadão para adentrar no

processo de participação social. É a leitura que vai garantir que a criança, o

jovem e, ainda, o adulto possam acessar, participar, interferir e, portanto,

modificar realidades existentes, sejam elas boas ou ruins em função do

processo de letramento.

Embora acreditando que sozinha a leitura não é redentora, que milagrosamente dará

conta das mazelas que se estendem no campo educacional e no país, podemos inferir que sem

ela, mais difícil seria escrever uma nova história, criar novas possibilidades, já que a partir

dela desencadeiam-se leituras de mundo das mais diversas experiências e vivências humanas.

A participação social só é garantida, quando somos capazes de ler e intervir na nossa

realidade.

Segundo uma das mães entrevistadas, para se ter um bom leitor, vai depender muito

da escola, mas também daquilo que a criança quer alcançar na vida e se não tiver a leitura,

não vai aprender “nada”, quando crescer continuará dependendo dos pais para sobreviver.

Os pais não querem seus filhos distantes da cultura escrita, nem dependentes da

situação econômica vivida por eles, querem vê-los com uma vida melhor daquela que têm,

dizem que somente aprendendo a ler é que as crianças serão alguém na vida. Esse alguém está

relacionado a posses, no sentido intelectual, mas é, principalmente, no aspecto material,

devido às condições de vulnerabilidade social em que vivem.

O que os pais almejam com a aprendizagem da leitura é ver seus filhos tendo uma

profissão, sendo comerciantes, professores, dirigentes de comunidades, agentes de saúde;

profissões ou funções que estão voltadas ao seu meio de vida. Para uma das mães entrevistada

a leitura está no patamar de equidade social, de ação afirmativa dentro da própria escola. Se a

escola alcançar esses objetivos, as crianças serão conduzidas a mobilidade social, a sonhar

com mundos diferentes e com horizontes melhores daqueles em que vivem. Para Almeida

(2010, p. 43) “ler tornou-se uma condição para que o cidadão possa entrar no mundo, viajar

por ele e fazer dele a parte do processo de constituição da cidadania”.

Um leitor da palavra escrita, certamente tem bases sólidas para ler o mundo, não se

trata apenas de um leitor de literatura erudita, da leitura acadêmica, mas de um leitor que é

capaz de transitar entre os diferentes textos presentes na sua cultura e a sua capacidade de,

através deles, mediar à transformação da sua realidade. Quando a mãe refere-se à leitura, fica

implícito o desejo de que seu filho seja autônomo na sua vivência, que possa emancipar-se,

seja financeira ou intelectualmente.

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A leitura de textos religiosos entre as comunidades reafirma a tradição do Brasil em

ser um país religioso, o que pode ser constatada mais acentuadamente no meio rural, onde a

igreja é referência. A figura 34 traz uma representação desta tradição. No centro da vila estão

instaladas a escola e a igreja, dois espaços de referência para a comunidade.

As aulas de catecismo ou as escolinhas dominicais são meios de levar a criança a ouvir

e a ler as histórias bíblicas. Nas comunidades no meio rural é comum à presença de

catequistas e pastores lendo a bíblia para as crianças, assim como, vê-las com o livro nas

mãos, por tratar-se de um livro sagrado para os cristãos.

As crianças devem ler para se tornar um dirigente de comunidade religiosa, um leitor

na igreja – seja ela católica ou evangélica. É uma das finalidades apresentada pelos pais, à

evangelização, muito comum nas comunidades rurais e que vem desde a época da

colonização. Para Foucault (2010, p. 37), são procedimentos disciplinares que controlam a

produção dos discursos “ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas

exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo”.

Tal finalidade pode ser encontrada nesse contexto em depoimento de uma mãe que

diz: “eles precisam ler porque a gente vai ao culto – católico, chega lá, tem o leitor um e o

leitor dois e se eles não souberem ler, quem vai ler pra nós?”.

O horizonte de expectativa das populações das águas não leitoras alcança o desejo de

manter sua tradição religiosa e acompanhar as mudanças nos rituais das celebrações. Dessa

Figura 34 - Igreja, escola e residências da vila Liverpool, rio Tajapurú

Foto: Enil Pureza – setembro 2011

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forma, o sujeito leitor se insere e interage numa conjuntura social e religiosa obedecendo a

objetivos e necessidades de cada comunidade.

Para muitos, a bíblia é o livro de iniciação à leitura. Nas comunidades pesquisadas, a

presença da escola e das igrejas, católicas e evangélicas são as referências da comunidade,

assim os livros ou outros impressos religiosos estão presentes para dar suporte aos cultos

dominicais, onde as leituras são feitas em voz alta pelos leitores, como num discurso

entusiasmado, com o propósito de levar a compreensão do significado da palavra e atrair

novos adeptos à religião.

A maneira como o pai refere-se à leitura, dizendo que ela é para todas as pessoas, mas

que nem todas podem aprendê-la, provavelmente é um discurso de quem não teve

possibilidades de desfrutar do ensino da leitura como algo prazeroso, sem traumas e

imposições. É uma concepção que precisa ser desconstruída pela escola, uma vez que como

humanos cheios de possibilidades, todos têm capacidades de tornarem-se grandes leitores.

Portanto, se a escola se apossar da ideia de que nem todos podem aprender a leitura da palavra

escrita, certamente teremos problemas na compreensão das potencialidades do ser humano.

O que a população precisa é de condições para que essa prática se efetive, dentre essas

Soares (2006, p. 58), enfatiza a: “escolarização real e efetiva da população e disponibilidade

de material de leitura”.

A escolarização efetiva, tomada como a que garante as condições necessárias ao

aprendizado e a continuidade da escolarização dos indivíduos, pode ser considerada condição

essencial para a construção dessa prática; mesmo, diante da localização geográfica dessas

comunidades, não há como negar que a escolarização aos poucos está chegando – como é o

caso das escolas com classes multisseriadas e que funcionam em diferentes espaços, igrejas,

refeitórios, residências, salões de festas, depósitos, centros comunitários, entre outros.

Torná-la real e efetiva, com todos os instrumentos necessários a sua constituição, é

uma meta que o Brasil precisa alcançar, uma vez que a região amazônica, ainda não foi

pensada pelos poderes públicos, a partir da sua especificidade, ou seja, ainda é tratada de

forma homogênea, para uma população que é diferente.

A consequência deste fato é o grande número de escolas sem o mínimo de condições

de funcionamento, mas que engrossam as estatísticas com número de alunos escolarizados,

mesmos que sem recursos para atender aos objetivos e metas traçados pelo Plano Nacional de

Educação – PNE.

Para os pais, a leitura nas escolas pesquisadas, toma diferentes sentidos, não se

constitui apenas como atividade pedagógica, mas cumpre a sua função social. Nestes termos

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ao perpassar pelo cotidiano das famílias as atividades escolares são ressignificadas,

demarcando expectativas futuras sem necessariamente apontar dimensões de que leitores se

formarão.

3.1.3 - ALUNOS: ler para quê?

Ao escutar os alunos sobre as práticas de leitura trabalhadas em suas escolas, tive a

preocupação em ficar atenta para o que ali estava sendo pronunciado por eles. São crianças e

adolescentes acessíveis, mas pouco comunicativos quando se trata de desconhecidos, não

estreitam um diálogo, preferem concordar, ouvir.

Como para o pesquisador o ato de ouvir é mágico e o silêncio reflete significados,

fomos exercitando e respeitando os limites de cada um que ali constituíam-se como sujeitos

de uma história em construção – a história de suas leituras.

Quando perguntados sobre a finalidade da leitura, ficou evidente que para eles ainda

não há uma definição, o que pode ser clarificado com as respostas dos alunos que disseram

não saber responder por que devem ler, disseram que é apenas para aprender, mas não

souberam responder qual seria a finalidade desta aprendizagem.

Neste aspecto é importante considerar a valoração do aprendizado da leitura,

certamente se não houver um sentido para essa produção, dificilmente haverá engajamento e

conhecimento das finalidades. Para Orlandi (1999, p. 9), “a leitura não é uma questão de tudo

ou nada, é uma questão de natureza, de condições, de modos de relação, de trabalho, de

produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade”.

As considerações elaboradas por Orlandi precisam ser avaliadas em cada palavra dita,

nas entrelinhas e nos silenciamentos. Não podemos exigir elucidações a questões que não

foram problematizadas. Provavelmente para entendermos a história de leitura desses jovens,

precisemos conhecer os sentidos dados a essa prática no contexto escolar e nas suas vidas; não

temos como tirar deles respostas prontas, mas analisar as diferentes construções que fazem a

partir de seu contexto.

Para um dos estudantes, o aprendizado da leitura é uma forma de sair da condição de

trabalhador “dos serviços pesados”, para gozar uma vida melhor sem ter que ir pra roça, para

as serrarias e no final da semana ou do mês, seu dinheiro ser insuficiente para comprar o que

precisa para sustentar sua família. “eu quero aprender a ler bem, porque não quero continuar

no serviço pesado, tirando madeira, quero dar uma vida melhor para os meus filhos”.

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Este aluno almeja com o aprendizado da leitura dar uma vida menos sofrida a seus

filhos. Como membro da Assembléia de Deus, com o domínio da leitura deseja chegar à

condição de pastor da sua igreja.

Entretanto, esses não são discursos homogêneos, nas relações travadas entre os

sujeitos cada um responde de acordo com os seus objetivos de vida e entre essa categoria,

uma aluna mostrou que para ela ler traz grandes significados.

Porque aprendo. O texto ensina muita coisa que eu não tinha aprendido.

Serve para criar juízo, pra quando tiver os filhos, você ensinar. Vai

aconselhar. Não é só pra isso, mas eu não sei falar. Eu quero ler pra saber o

que está escrito na televisão. Tá passando coisas e poder compreender. A

gente vai na igreja, pega um legionário e se a gente não sabe ler? (aluna 4ª

série)

A aluna apresenta diferentes finalidades para a leitura na sua vida, desde o

conhecimento do mundo, seja por meio da leitura da palavra realizada nos textos impressos a

que tem acesso ou pelos meios midiáticos. De seu depoimento ainda emergem situações do

cotidiano, como ensinar os filhos e o cumprimento de seu ritual religioso, que é participar

como leitora nos cultos realizados na comunidade.

Trata-se de uma leitora que produz significado para o ato de ler, estabelecendo

relações entre o lido e sua vida em sociedade. O sentido dado a ela está voltado a sua vida, o

seu contexto e à sua participação na sociedade, o que não deixa de estar relacionado às

relações entre saber e poder, pois como afirma Foucault (2010, p. 262) “o poder não opera em

um único lugar, mas em lugares múltiplos... todas essas relações são relações políticas”.

A concepção de leitura para esta aluna vai além da mera decodificação de sinais, o

posicionamento adotado por ela é de quem não somente alfabetizou-se, mas de quem acredita

que o uso da leitura transforma o indivíduo. Este torna-se capaz de analisar o que os meios de

comunicação apresentam, desconstruindo verdades e atitudes. São competências ligadas não

só ao cognitivo, mas ao cultural, social, religioso e político.

Com base nesse depoimento, certificamo-nos da necessidade de que a escola deveria

ter em possibilitar aos alunos a leitura de todos os gêneros, para que assim eles possam criar

condições cada vez mais criteriosas e elaboradas, com autonomia para suas escolhas, que vão

desde o gosto pessoal, às necessidades de informação e conhecimento.

Se compreendermos que a leitura é uma necessidade básica do ser humano e um

direito cultural, perpassando por todas as áreas do conhecimento, há que se questionar: estará

a escola cumprindo o seu papel na formação de alunos leitores? Estarão os professores

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incentivando práticas de leitura? Que leituras são oferecidas pela escola? São

questionamentos que cabem a esse espaço por estar legitimado institucionalmente para a

formação educacional. O sujeito leitor pode nascer em qualquer situação, entretanto, a escola

é oficialmente local para esta formação.

Segundo Lajolo & Zilberman (1998), a história da formação de uma sociedade leitora

no Brasil, data de 1840, quando se percebeu alguns traços para o fortalecimento dessa

sociedade, mesmo que nesse período a escolarização fosse precária. Passados um século e

meio, a história da escola repete-se dia após dia, com as mesmas dificuldades – falta de

livrarias e bibliotecas, além do alto custo do livro para a população, sem falar da precariedade

ainda existente. São questões que não podem ser deixadas sem uma reflexão e com grande

relevância por vincularem as condições sociais ao acesso ou não a leitura como bem cultural.

As condições sociais de acesso à leitura, em nossa sociedade capitalista, são

diferenciadas... na verdade, as relações de produção, de distribuição e de

consumo da leitura como bem cultural repetem as condições discriminativas

de produção, distribuição e consumo dos bens materiais. (SOARES, In:

ZILBERMAN e SILVA, 2004, p. 24)

Não prover a escola de acervos, com distribuição regular ou frequente de diferentes

literaturas é um descaso e, por vezes, exclusão das escolas que estão nas periferias ou nos

meios rurais deste país; entretanto, mesmo diante das precariedades, a escola não está isenta

de cumprir o seu papel, de auxiliar o aluno na percepção e nos sentidos que tem a leitura em

sua vida, principalmente em relação à distribuição desigual desse objeto cultural que é o livro,

desmistificando a ideia de que somente a classe dominante pode tornar a leitura uma forma de

prazer, de aquisição de conhecimentos e de enriquecimento cultural.

Não há como a sociedade civil assumir o papel do Estado no sentido de prover a

escola na distribuição dos livros, dos bens necessários a uma política de leitura, mas há

possibilidades próprias do fazer pedagógico, do professor numa trama coletiva com seus

alunos e garantindo o acesso a diferentes textos escritos, mesmo para aqueles que estão na

vulnerabilidade social e educacional.

A leitura da palavra escrita embora inicialmente tenha sido uma imposição

eurocêntrica, capitalista e de necessidades técnicas, atualmente, mesmo onde muitos pensam

que a escrita esteja distante, como no meio rural, pode se perceber como objetivo de vida e

desejo de muitos alunos, conforme nos mostra a figura 35, no desenho do aluno de 10 anos da

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EMFS ao assinalar que o mais importante para sua vida é “estudar e aprender muito, porque

eu gosto de ler bastante”.

O depoimento deste aluno, nos mostra que independente do lugar onde estamos,

sempre haverá desejos e desnivelamento em relação aos discursos. Se para uns, morar no

meio rural é sinônimo de exclusão, para outros é seu meio natural, por isso com desejos e

anseios como em qualquer outro lugar.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1997, p. 41), os

objetivos de língua portuguesa para o ensino fundamental, no que tange a leitura são:

Compreender os textos escritos e orais com os quais se defrontam em

diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e

inferindo as intenções de quem os produz.

Valorizar a leitura como fonte de informação, via de acesso aos

mundos criados pela literatura e possibilidades de fruição estética, sendo

capazes de recorrer aos materiais escritos em função de diferentes objetivos.

Partindo de tais objetivos, podemos inferir que à escola caberia o papel de formar e

informar os alunos para a compreensão das finalidades da leitura, tendo como base a

diversidade de objetivos e modalidades de texto. Por certo, não há como exigir que

compreendam textos escritos, sem que entendam a sua finalidade, seja na vida escolar ou e

principalmente na vida social.

Figura 35 - Desenho do aluno falando sobre o seu gosto pela leitura

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A valorização da leitura não será feita apenas com a presença de muitos livros ou

outros textos escritos, mas trabalhando significados e finalidades, o que certamente, com diz

Freire (2001, p. 261), requer esforços, já que:

Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante. Ninguém

lê ou estuda autenticamente se não assume, diante do texto ou do objeto da

curiosidade a forma crítica de ser ou de estar sendo sujeito da curiosidade,

sujeito da leitura, sujeito do processo de conhecer em que se acha. Ler é

procurar buscar criar a compreensão do lido.

Para este autor a leitura é a busca de significados que estão imersos no texto e que

serão desvelados com a compreensão do lido, uma situação nada fácil de lidar. Neste

contexto, cabe a escola como agencia formadora, o comprometimento com a formação de

bons leitores para a vida e não apenas meros decodificadores de textos. Do contrário, não

atingirá os objetivos do ensino da língua portuguesa que visam à compreensão dos textos que

se apresentam em diferentes situações da vida social.

Deste modo, o que vimos no decorrer do capítulo, nos incentiva a pensar que mesmo

com as condições mínimas de trabalho, os professores tem clareza do porque incentivar a

leitura aos seus alunos, numa concepção que se alarga para além dos objetivos educacionais.

No depoimento dos pais, não há como desvincular leitura da condição social, por isso,

não abrem mão da escolarização de seus filhos, pois segundo eles é na escola que eles

poderão aprender melhor a lidar com o mundo da escrita.

Para os alunos, as finalidades apresentadas foram as mais diversas possíveis, desde o

uso para resolver as atividades da escola a educar os filhos. Ou seja, independente das

condições sociais, econômicas e geográficas, onde há pessoas, escola, compromisso, há

desejos a serem realizados. Essas considerações nos fazem compreender que a leitura

realizada nas escolas das águas, também cumpre seu papel na construção da cidadania desses

jovens.

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CAPITULO IV

4.1 – Leitura nas escolas “das águas”: (des)construções de uma prática cultural

Atualmente, a leitura ideal do professor está amarrada àquilo que é fornecido

pelo livro didático. Ou seja, o professor orienta-se por aquilo que é

fornecido, pronto-a-mão, no livro de respostas do livro didático.

(ORLANDI, 1999, p. 43)

Quando me propus a falar de práticas de leitura e da formação de leitores, não tive a

pretensão de pensar que estaria trazendo uma temática inédita ou estudar um tema

massificado e saturado, o fiz por acreditar que por mais que haja inúmeros escritos na área e

debates nacionais sobre o papel da leitura na formação dos alunos, ainda é incipiente a

pesquisa que se faz sobre as práticas na sala de aula, especificamente, quando falamos da

educação do meio rural, onde as condições de produção da educação formal, nem sempre

estão de acordo com os discursos produzidos na sociedade.

Neste capítulo me proponho a examinar as práticas de leitura trabalhadas pela escola,

os instrumentos presentes para sua efetivação e a preocupação dos educadores, alunos e pais

com a formação leitora.

A formação de leitores não resulta apenas na obrigatoriedade vinda por meio de

resoluções e decretos, ou pelo simples fato do aluno estar na escola. Para que essa formação

aconteça é preciso considerar as condições de produção desse leitor dentro do processo

educativo, no seu espaço nuclear - a escola.

A fim de conhecer se esta ação é uma prática nas escolas das águas, primeiramente

pesquisei a infraestrutura ofertada às

escolas, conforme discutido no primeiro

capítulo deste trabalho. Por tratar-se de

um dos critérios necessários para que

esta prática cultural aconteça, outros

resultados serão analisados aqui.

A constatação a partir da pesquisa

in loco foi que nenhuma das escolas

pesquisadas possui biblioteca, nem

qualquer outro espaço que possa abrigar

os alunos em atividades livres ou

Figura 36 - Espaço interno da ESJG

Foto da pesquisa: Sônia Amaral – setembro 2011

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orientadas para a leitura. A figura 36 apresenta um dos espaços de onde estamos falando.

Composto por carteiras e quadros verdes como únicos mobiliários. Não há mesa para os

professores, nem lugar para guardar o acervo que, embora pequeno e sempre didático, ainda

chega às escolas.

Apenas a EMFS possui, além da sala de aula, uma pequena sala que serve para

guardar os livros e outros materiais de apoio escolar. A partir desta constatação podemos

deduzir que o único espaço para a leitura na escola é a sala de aula. Uma deficiência que

persiste e precisa ser sanada na escola pública, um caminho a ser trilhado até que se tenha as

condições mínimas e adequadas para as práticas de leituras e seus diferentes propósitos.

Se considerarmos a premissa de

Foucault de que o poder induz o saber e o

produz, eis ai a prova de que os executores

do poder estatal, responsáveis pela

manutenção das escolas, não reconhecem

que a apropriação do poder só se faz com

instrumentais que facilitem o domínio do

saber. Neste caso, a figura 37 descortina

esta realidade. Um espaço inadequado

para a produção do saber por encontrar-se

com o mínimo de condições estruturais

para o desenvolvimento de práticas pedagógicas.

Os alunos são expropriados de um dos seus direitos mais elementares – a educação

e com ela, conforme diz a LDB 9394/96, ter uma formação integral, voltada aos

conhecimentos gerais numa conjugação entre os conhecimentos técnicos e políticos que vão

formar um ser de competências mais humanas. O Estado produz discursos que falam de

qualidade, mas não materializa esse sentido na ação direta com os alunos matriculados nas

escolas distantes do centro urbano.

Outra constatação é a ausência de livros dos diversos gêneros textuais. Segundo os

alunos, pais e professores, os livros existentes na escola são praticamente os didáticos, que

anualmente são distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do Ministério

da Educação (MEC). O alcance desta discussão, não atinge todas as séries/anos que a escola

trabalha. No ano de 2011, por exemplo, não chegou a todas as escolas pesquisadas e os que

chegaram não atenderam a todas as disciplinas, apenas uma ou duas do currículo.

Figura 37 - Sala de aula da ECEM

Foto da pesquisa: Enil Pureza – setembro 2011

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No decorrer da pesquisa, momento em que estive acompanhando as atividades

pedagógicas nas escolas, presenciei a dificuldade dos professores em trabalhar as práticas de

leitura sem que todos os alunos tivessem acesso ao livro, fazendo com que por, muitas vezes,

os alunos ficassem sem ter o que estudar, já que na metodologia dos professores dar livro aos

alunos é uma maneira de deixa-los com atividades enquanto atendem as mais diferentes séries

com as quais trabalham, o que também pode ser uma forma disciplinar de controle dos corpos,

nas palavras de Foucault (2009, p. 133) “que vela sobre os processos da atividade, mais que

sobre seus resultados”.

Por estes alunos viverem em uma realidade peculiar, moradores das ilhas, entre o rio e

a floresta, conforme descrito no capítulo I desta dissertação, os livros encaminhados pelo

PNLD aos alunos, que serviria para que acompanhassem as atividades curriculares no

decorrer do ano letivo, tem pouca vida útil, devido à forma como são transportados. A figura

38 ilustra a forma de transporte dos alunos da ESJG entre a escola e suas residências.

Para chegar à escola, vem em nessas embarcações que não apresentam condições

adequadas para o transporte dos livros, cadernos e outros materiais produzidos em papel. O

caminho é feito por meio das águas, e como o material vem na mão dos estudantes ou no

banco da canoa – já que nem todos dispõem de bolsas ou mochilas para guardá-los, pouco

tempo duram, tornando-se descartável.

Figura 38 - Alunos da ESJG retornando da escola para suas residências

Foto da pesquisa: Sônia Amaral – setembro 2011

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A política gestada para o livro didático desconsidera esta realidade, pois a mesma

regra aplicada às demais regiões do país aplica-se aos estudantes das escolas das águas. Se

para o governo o livro deve ser consumido em três anos, para esses alunos ele tem validade de

um ano. A efemeridade desse material traz como consequência a sua não oferta a escola por

pelo menos dois anos, deixando outros alunos sem o direito de utilizá-lo, o que precisa ser

levado em consideração pelo Ministério da Educação na política de distribuição do livro para

esta população.

Por tratar-se de um instrumento de grande importância no meio educacional a ausência

do livro, caracteriza-se como ausência de condições de ensino, pois para muitos professores

do meio rural, embora enfrentando limitações e dificuldades de explorá-lo em suas

possibilidades, este suporte impresso é o que auxilia no processo de ensino da leitura e da

escrita.

Os alunos transcrevem os conteúdos curriculares do livro para o caderno, ou tem o

livro como fonte de aprendizado da leitura. Realizam leituras em voz alta, na mesa do

professor, sozinhos em sua carteira na resolução das atividades. Esse material pode não

despertar maiores curiosidades, entretanto, em muitas décadas vem sendo um instrumento

presente nas escolas, no dizer de Lajolo & Zilberman (1998, p. 120).

O livro didático interessa igualmente a uma história da leitura porque ele,

talvez mais ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode

não ser tão sedutor quanto as publicações destinadas à infância (livros e

histórias em quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado

em todas as etapas da escolarização de um indivíduo.

A história do livro didático no Brasil pode ser considerada a história de leitura para

muitos brasileiros, para os quais o didático sempre foi o único impresso presente na sua vida,

seja escolar ou particular. É certo que nessas publicações não é fácil encontrar elementos que

conjuguem a finalidade da leitura, com a vida social do leitor, principalmente se não houver o

olhar crítico do professor para discutir e debater os conteúdos que estão em forma de currículo

e que expressam relações de poder.

Quando dizemos que muitos conteúdos dos livros didáticos não conjugam com a vida

social dos alunos, o fazemos a partir das respostas dos alunos sobre a finalidade do livro,

quando responderam que os mesmos na escola servem para resolver o “dever” e nas suas

casas para fazer embrulhos, cigarros e levar ao banheiro.

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Os significados mostram-se sem vinculação com o contexto em que esses sujeitos

estão inseridos. A ideia de um currículo nacional, onde todos os alunos devem ter acesso aos

conhecimentos numa produção construída de forma “homogênea”, não condiz com a

realidade de um país de regime democrático e que afirma educar pela diversidade.

A formação do leitor da palavra escrita implica o contato com o texto, com o impresso

– que tanto pode ser livros religiosos, técnicos, didáticos, paradidáticos, literatura, dicionários,

revistas, manuais, calendários, guias, enciclopédias, dentre tantos presentes numa sociedade

marcada pela cultura escrita.

Todo esse material deveriam fazer parte do acervo bibliográfico da escola. Para quem

vive longe dos centros urbanos, esse material dificilmente será encontrado com facilidade nas

suas residências, apesar de não estarem afastados das produções escritas, nem sempre

encontram esse bem cultural a sua disposição.

De uma forma ou de outra, o livro didático ainda é para as escolas rurais, a garantia de

seu funcionamento, muito embora Lajolo & Zilberman, (1998, p. 120), o apontem como: “o

primo-pobre da literatura, texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico: ou ele

fica superado dado os progressos da ciência a que se refere ou o estudante o abandona, por

avançar na sua educação”.

O fato é que, mesmo com as suas limitações, esses são os livros ainda presentes nas

escolas pesquisadas, instrumentos pelos quais muitos professores direcionam suas práticas,

cumprem seu programa curricular, algumas vezes, sem considerar que a informação ali

contida requer não só a transmissão, mas a sua reflexão antes a inserção no universo de

vivências dos alunos. Segundo Rangel (2005, p.33), observa-se:

O apego excessivo ao livro didático que, de certa forma, substitui a bíblia e

demais livros ligados aos ensinamentos cristãos, o cumprimento fiel do

programa curricular, sem levar em conta as especificidades do leitor, a

seleção prévia dos livros sem a participação do aluno e a mistificação da

leitura que, em conjunto, convergem para a leitura “decodificada” e passiva.

A prática apontada pela estudiosa é uma constatação que pode ser comprovada ainda

nas escolas do meio rural marajoara. Para muitos professores, por conta da falta de formação

de metodologias para atender aos alunos nas classes multisséries, o livro didático emerge

como uma forma de solução à execução de seu trabalho, pois a partir dele é possível passar o

“dever” a todos os alunos, distribuindo-os e deixando que os mesmos façam cópias das

páginas por eles indicadas.

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Se pensada nesta perspectiva, a leitura torna-se uma atividade passiva e maçante. A

leitura deve gerar no estudante a capacidade de buscar o sentido das palavras, caracterizando

um dos seus papéis que é o de questionamento, investigação para a construção de uma nova

visão de mundo. A falta de ousadia da escola no que tange a elaboração de um currículo e de

projetos que deem a leitura da palavra escrita um lugar de prioridade para a construção de

conhecimentos, implica em perdas significativas para a formação dos estudantes.

O desejo de quem quer se apropriar da leitura da palavra escrita, ou de quem pretende

promover essa formação, merece discussão, reflexão e tomada de atitudes, pois tal ação

depende de fatores fundamentais, dentre eles a opção de querer formar e tornar-se leitor. É

preciso empreendimento de inúmeros esforços para essa implementação, desde a construção

de espaços apropriados para leitura, diversidade de acervos e professores com formação

adequada para atuar no desenvolvimento das competências leitoras de seus alunos.

Com o propósito de não entrar na mera especulação ou simplesmente voltar à

discussão de que “os brasileiros não gostam de ler”, entrevistei os alunos e perguntei o que

eles gostam de ler.

Um aluno da ESA respondeu que gosta dos gêneros da literatura infantil, tais como,

contos de fadas, histórias infantis, revistas em quadrinhos, mas só pode ler quando esses

livros são adquiridos em casa:“ só leio quando a mamãe vai pra Breves13 e compra, mas só

compra quando tem dinheiro e ela pode comprar, mas ela só compra se eu pedir”.

É uma indicação de que não existe o simples fato de não gostar de ler, o que está por

traz de todo esse discurso é a ausência de uma política mais eficaz no campo do aprendizado

da leitura, não apenas da decodificação, necessária para a compreensão, mas na busca de

sentidos do que se lê.

A compra ou não de livros realizada pelos pais não deixa de ser uma prática cultural.

Ela implica na importância dada por eles a esse objeto cultural, igualmente faz refletir as

condições financeiras para a aquisição que, às vezes, não fica no âmbito de simplesmente não

querer, mas do não poder comprar.

Nas últimas décadas o governo tem investido na compra de livros para as bibliotecas

das escolas, professores e alunos por meio do Programa Nacional do Livro Didático( PNLD) e

do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), Literatura em minha casa, entre outros

que fizeram e/ou fazem parte da política educacional e são encaminhados as escolas

anualmente.

13

Cidade sede do município.

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São livros de diferentes gêneros e áreas do conhecimento. Alguns usados por

professores como auxiliar no processo pedagógico, por outros como a única ferramenta para

sua prática de ensino.

Segundo a professora da ESA, a escola que trabalha possuía literatura infanto-juvenil,

literatura geral e livros religiosos, entretanto, por falta de espaço próprio e adequado para

funcionar a escola, desfez-se do acervo doando aos moradores da comunidade. Disse ela que

todos os livros que chegam à escola são entregues aos alunos e outros guardados na casa do

professor ou do responsável pela comunidade.

O nosso espaço não tem condições para guardar livros, se você observar tem cupim

e os cupins gostam de comer esse tipo de material, ai eu conversei com eles –

SEMED, e eles disseram que não tinha condição de ficar com esses livros porque

era da escola e me disseram, você faz o seguinte, esse livro é pra doar pra

comunidade. Adquiri os livros poucas pessoas quiseram, eu tive que oferecer: você

quer livro? a nossa escola não tem condições de guardar, de organizar esse livro na

escola. Eles ficavam assim, quer dizer que, por isso a gente vê o desinteresse. Os

que vêm direcionados para eles – alunos, eu distribuo entre eles e o que vem para o

professor, eu fico.

A situação apresentada pela professora Antonia chama a atenção para entender o

significado que tem o livro para essas pessoas. A que textos tiveram acesso na escola e na

comunidade quando alunos? Foram submetidos a que práticas de leitura? Por que a distância

entre a palavra escrita e a escola? Que discursos circularam na escola sobre leitura? Se em

todas as comunidades a escola é um espaço desejado para o ensinamento da leitura e da

escrita, por que o livro parece não ser bem-vindo?

São questões que precisam ser investigadas para que se entenda a falta de interesse

pelos livros, ou, pela leitura. Os objetivos e interesses do leitor o conduzirão a procura da

leitura – informação, prazer, trabalhos escolares, consulta e a busca pelo conhecimento, mas

se a leitura da palavra escrita não for uma prática vivida pela comunidade não há como fazer

esta cobrança.

Não basta apenas saber que obras a escola possui para formar o leitor, mas igualmente

importante é saber como se desenvolvem as práticas de leitura da palavra escrita. Para

compreender esta ação vejamos o que disseram os professores:

Eu trabalho com eles muito a questão de textos, porque tem aluno que tá na

4ª série e não sabe ler, ele tem uma dificuldade e assim, quando ele não

consegue, eu procuro jogar para o ditado, pra ver se ele consegue porque ele

tem dificuldade em sílabas, nos sons, fonemas. Ele tem dificuldades, porque

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quando é pra formar uma sílaba, ele sabe a junção das vogais, mas as

consoantes ele tem dificuldades. Eu procuro trabalhar texto pequeno e

quando ele não dá conta eu jogo para o ditado, palavra por palavra no caso, é

assim que eu procuro trabalhar. Não procuro forçar muito porque o aluno

que não é acostumado com leitura ele se acha cansado, ele cansa logo, ai já

não quer estudar, perde ali totalmente o interesse, eu estou procurando

trabalhar assim com eles, não sei se estou fazendo certo, mas é um

diagnóstico que tive com relação ao tempo que já estou trabalhando aqui.

Ortografia também que eles tem muita dificuldade de ortografia, eles tem

muita dificuldade, na escrita, em escrever mesmo, procuro trabalhar um

texto assim com eles, procuro jogar pra realidade deles, pra eles fazerem

uma auto-avaliação, escrever, como se eles fossem o autor daquele texto, ai

eles sentem dificuldades. Olho o que eles tiverem dificuldade de palavras,

peço que venham perguntar, porque você só vai saber se você perguntar. Ai

graças a Deus a gente está tendo esse contato mais próximo. Antes eles não

vinham perguntar pra mim, eu tinha que ir assim de cadeira em cadeira, pra

mim saber, conhecer. Através dos cadernos também que eu acompanho,

todos os cadernos deles eu corrijo, acompanho, tento fazer o máximo pra

ajudar eles, eu converso muito também com eles.

A prática descrita pela professora Maria da EMFS caracteriza a leitura como uma

prática de ensino centrada na leitura de textos com a finalidade de ensinar o indivíduo a ler e a

escrever. O uso contínuo do ditado para trabalhar a ortografia, como exercício para o

aprendizado da escrita das palavras, torna evidente que o seu desempenho centra-se no ato de

ensinar a leitura com a finalidade de obter eficácia no desenvolvimento de exercícios

gramaticais, na compreensão de textos trabalhados na escola.

Ao descrever assuntos ensinados a professora demonstrou seu método de alfabetização

e formação de leitores.

O exemplo desta constatação tem-se na

fala da professora quando afirma que a

prática do ditado é feita com a

professora inicialmente oralizando a

palavra, os alunos escrevem e depois ela

passa as palavras no quadro para que os

alunos possam corrigir ou confirmar o

que escreveram. Assim a prática vai

acontecendo, desde palavras “soltas”

como eles dizem, como com outros

Figura 39 - Atividade de cópia - ditado, realizada pelos

alunos

Foto: Sônia Amaral – setembro/2011

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textos que eles precisam para resolver as atividades pedagógicas, conforme descrito na figura

acima, capturada para ilustrar esta prática.

Outra preocupação demonstrada por ela é a de não cansar os alunos com leituras de

textos mais densos, o que podemos chamar de mais longos e demandam mais tempo para

leitura, tornando-se enfadonho para quem não está habituado a ler. Esta situação poderia

causar estranheza num processo de escolarização e de formação de leitores, haja vista a

necessidade da escola em introduzir o aluno no mundo da leitura e da escrita, por meio de

diferentes gêneros textuais.

Entretanto, se culturalmente os estudantes não foram acostumados a ler, esta forma de

ensino foi a estratégia encontrada pela professora para inserir os alunos nas práticas de leitura

e no universo da cultura letrada.

A humildade da professora em falar da sua prática e afirmar que não sabe se está

fazendo certo e mesmo assim fazer é muito importante, pois demonstra a sua preocupação

com a turma. Pelo seu depoimento, ela não trabalha sem ter um planejamento, sem pesquisar

sobre o que os alunos sabem e o que eles precisam saber. Assim como não desperdiça a

oportunidade de diálogo, questionamentos, interação, nem sempre presentes nas práticas

pedagógicas.

Ganha destaque no depoimento da professora a forma como procura envolver o aluno

em sua realidade. Ao trabalhar um texto, procura trazer a discussão para a realidade dos

alunos com o objetivo de fazerem uma auto-avaliação do estudado e do vivido. É

significativo, demonstra que a preocupação da docente com a leitura não fica apenas como

atividade interpretativa ou gramatical.

A inserção do aluno no mundo da leitura não se faz apenas na escola, dependendo de

sua condição social uns poderão entrar com mais conhecimento das funções da escrita que

outros. Para muitos, a dificuldade com os códigos se faz pela sua não utilização como função

social, mas como ato mecanizado de aprender o alfabeto. Esse é um dos principais

conhecimentos que deve ter o professor; conhecer de onde vem os seus alunos, que

necessidades eles tem e o que a escola poderá lhes oferecer para garantir o equacionamento

dessa necessidade.

Nas escolas pesquisadas, as práticas de iniciação do aluno a leitura da palavra escrita,

ainda centra-se na cartilha de alfabetização, conforme pode ser observado na fala da

professora da EMFS quando perguntada sobre o material que usa para introduzir o aluno no

campo da leitura.

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Tem um livro de leitura com desde o A, E, I, O, U, encontros vocálicos,

sílabas, frases, até chegar nos textos. Assim eu vou verificando se eles estão

evoluindo. Uso uma pequena apostila. Passo textos bem grandes no quadro,

dou tempo para eles lerem sozinhos e depois eles lêem pra mim. Eu passo

histórias, textos para eles escreverem e peço também pra eles escreverem

fatos marcantes que aconteceram aqui no rio (professora Maria).

A prática de ensino apresentada pela professora Maria é bastante diversificada,

introduz diferentes textos para a leitura. Na ótica da professora para se tornar um aluno leitor

é um processo evolutivo e paulatino. Inicia-se com o uso da cartilha de alfabetização,

passando por cópias até a escrita de narrativas produzidas pelos alunos que, ao mesmo tempo

em que aprendem a leitura, também exercitam a escrita.

O trabalho com cartilhas por muitos anos foi o modelo de alfabetização vigente. O

professor desenvolvia as suas atividades pedagógicas, explorando esse importante suporte de

inserção da criança no mundo das primeiras letras, palavras e pequenos textos. Algumas

dessas cartilhas foram criadas pelo próprio professor a partir de suas experiências, outras, por

especialistas de Secretarias de Educação que após publicarem seus trabalhos, encaminhavam

as escolas como forma de contribuição ao trabalho do professor - alfabetizador.

Nesses livros continham

manuais que ensinavam os alunos as

unidades silábicas até chegar as

palavras, usando quase sempre o

método do ba-be-bi-bo-bu. Segundo

Cagliari (1998, p. 81), nas cartilhas,

“todas as lições têm a mesma

estrutura: partem de uma palavra

chave, ilustrada com um desenho, e

destacam a sílaba geradora, que é,

quase sempre a primeira sílaba da palavra. Em seguida, apresenta-se a família silábica daquela

sílaba destacada”.

A narrativa da professora revela um tradicional método de alfabetização que ainda

persiste nas escolas das águas do lado ocidental marajoara a qual tive a possibilidade de

presenciar no momento desta pesquisa. O professor da ECEM escreveu várias palavras no

quadro verde, pediu aos alunos do 3º ano para copiarem e depois iniciou o processo de leitura

das palavras. A leitura feita por meio da decodificação de sinais, caracterizado como método

Figura 40 - Atividade de leitura realizada pelos alunos da

EMFS

Foto da pesquisa: Sônia Amaral – março/2011

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silábico. Os alunos falavam mecanicamente, pois essa era a situação proporcionada pelo

professor, que oralizava as sílabas para a formação das palavras: “pe/é/pe, te/é/te, c/a/ca,

peteca”.

Além das palavras não ganharem sentido na proposta apresentada pelo professor,

ainda havia o fato de que os alunos não estavam motivados a conhecer as letras, a trabalhar

com elas, por isso poucos ficavam atentos ao que ele pronunciava, os demais falavam de

outras coisas que nada tinha a ver com o trabalho.

Como resposta a situação, havia processos de resistência àquela forma de ensino;

mesmo sem relação pedagógica, os alunos buscavam sentidos para que a palavra fosse

entendida em sua vivência. Se a leitura ativa sentidos, sua prática deve dar condições para que

a interação aconteça.

Os modelos tradicionais de leitura e escrita da palavra são muito comuns na escola.

Em seu bojo a cópia destaca-se como uma das atividades mais presentes nas práticas dos

professores para garantir a leitura do aluno. Nesta pesquisa, todos disseram utilizar-se da

cópia, seja da cartilha, do livro didático ou de textos escritos no quadro pelo professor e

transcrito para o caderno pelos alunos.

Diante destes procedimentos cabem algumas indagações, como cobrar do aluno a

criatividade e a produção de conhecimentos se a ele está reservado apenas o ato de copiar?

Como apreciar ou criar o prazer de ler, se a leitura apresentada não corresponde aos seus

anseios? Ensinar a ler e a escrever ainda está sendo um caminho inverso em algumas escolas.

A pesquisa também mostrou que

há outras formas de inserção dos alunos

no mundo da leitura, conforme pode ser

analisado na figura 41 e na fala feita pela

professora Antonia. “Trabalho a leitura

através dos jogos, jogos pedagógicos,

leitura individual, em grupos, texto,

produção de textos, através de colagens,

pinturas e através de histórias, fatos que já

aconteceram na comunidade, que

aconteceram na vida do próprio aluno”. A

atividade em tela, proposta pela professora Maria na aula de ciências, apresenta uma leitura

dos alunos sobre o que fazem na sua comunidade em relação ao meio ambiente. Segundo eles,

após a pintura vão escrever sobre o tema e ler para os colegas.

Figura 41 - Alunos realizando atividade em sala de

aula

Foto da pesquisa: Sônia Amaral – setembro/2011

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É uma das formas que certamente pode contribuir para a inserção das crianças nos

diferentes modos de ler: ler para informar-se, pelo simples prazer de viajar em suas narrativas,

a outros mundos com as histórias de ficção, emocionar-se com as poesias, ler as cores, as

formas, o cheiro, ler o mundo, vivenciar os diferentes níveis da leitura.

Esta não é tarefa fácil para os estudantes que vivem distante dos instrumentos

necessários para o desenvolvimento dessa prática. O professor da ECEM nos faz refletir nesse

contexto.

Olha, com todo esse tempo de trabalho que eu tenho, mas é uma das tarefas

que eu ainda encontro dificuldade no meu trabalho é o problema da leitura

na classe. Eu ainda não descobri assim um método, uma maneira de tornar

mais fácil o problema da aprendizagem para com a minha turma. Eu procuro

de toda maneira, eu não tenho assim um método central, que eu procuro de

toda maneira fazer com que a leitura se torne uma questão fácil, que fosse

mais fácil assim para que eles pudessem entender e ler mais facilmente. Eu

tenho dificuldade nesse item aí: leitura (Professor).

Depoimentos como o do professor Manoel problematizam a necessidade de formar

professores mediadores da leitura. Não basta ser professor para estar apto a trabalhar práticas

de leitura que desencadeiem na ativação do lugar social do leitor. Um professor formado com

essas competências, por certo não terá dúvidas quanto ao papel que a leitura tem na vida das

pessoas que vivem numa sociedade letrada. Não procurará um método, mas criará métodos

apropriados a seus alunos, sempre encontrará estratégias para garantir maior aprendizado

entre eles. Antes de formar o leitor é imprescindível que o professor seja um leitor proficiente.

Certamente, este não é um problema isolado, não é este professor o único a dizer que

sente dificuldades em trabalhar a leitura. Antes de responsabilizá-lo, nos caberia analisar a sua

inserção no letramento e nas práticas de leitura e escrita, seja na escola ou na sua formação

profissional, o que não é objetivo deste estudo.

Quase sempre o que se vê nos cursos de formação de professores, são pedidos de

“receitas”, de como ensinar o aluno a ler, a formar um bom leitor. Muitos professores e

acadêmicos sempre esperam uma resposta, um modelo para se apegar. Entretanto, nenhuma

resposta seria adequada se produzida como um “método central” conforme disse o professor,

pois assim não haveria como atender aos diferentes interesses e níveis de leitura dos alunos.

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Por outro lado, não podemos deixar de responsabilizar os currículos dos cursos de

formação de professores ou seus construtores, pois é por meio deles que teremos a formação

profissional, (in)adequada a esta ação. Segundo Foucault (1996, p.43):

sabe-se que a educação, embora seja direito, o instrumento graças ao qual

todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer

tipo de discurso, segue em sua distribuição, no que permite e no que impede,

as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e lutas sociais.

Quando perguntamos aos professores se no sistema municipal de educação havia

formação continuada dos professores para o trabalho com a formação leitora dos alunos, três

deles responderam que sim, sendo que destes, apenas um participou de uma formação, os

demais disseram não poder participar por conta do trabalho e um deles disse que não há e que

nunca ouviu falar de formação para essa área do ensino.

Para compreender melhor a fala dos professores, entrevistei na Secretaria Municipal

de Educação a coordenação pedagógica destas escolas, para saber se há e quando são

realizadas essas formações. Verifiquei ainda se as escolas do campo possuem projetos

pedagógicos e se há ações voltadas à formação leitora dos alunos.

A resposta obtida dos coordenadores foi que existem formações, mas que não há

atividades específicas para o desenvolvimento da temática. Segundo os coordenadores os

encontros de formação são realizados mensalmente quando os professores vem à cidade

prestar contas do trabalho desenvolvido e receber seus vencimentos. Cada encontro traz uma

temática: avaliação, currículo, planejamento, organização do trabalho pedagógico e nas

orientações estão implícitas as ações direcionadas a formação de leitores, já que essa é uma

preocupação da SEMED.

Para os coordenadores, é um trabalho de difícil acompanhamento devido à distância

entre as escolas e a coordenação pelo fato de serem muitas e o número de coordenadores

insuficientes para atender de forma mais específica cada escola. Estes profissionais da área

técnico-pedagógica, disseram ainda que atualmente não há um Projeto Pedagógico aprovado

para as escolas do campo (a coordenação utiliza-se do termo empregado pela legislação), pois

o mesmo encontra-se em fase de elaboração desde o ano de 2006.

Ainda em seus depoimentos disseram tratar-se de uma proposta que gera muitos

conflitos por conta das peculiaridades de cada escola. A secretaria está atenta à problemática,

tem projetos que desenvolve em parceria com a Universidade Federal do Pará – UFPA, como

o “Projeto Vaga-Lume” de São Paulo e projeto próprio como “O livro é uma casa de ouro”,

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que premia todos os anos no mês de novembro as ações de incentivo a leitura, da Educação

Infantil ao Ensino Fundamental. Também é parceira de outros projetos desenvolvidos nas

escolas públicas.

De acordo com os coordenadores, o projeto pedagógico das escolas do campo teve

início com os encontros realizados nas sedes dos distritos. Esses encontros foram

denominados de Fóruns Pedagógicos e tiveram como objetivos diagnosticar a educação. Com

a ida dos coordenadores a campo para construção do diagnóstico e do marco operacional foi

possível perceber as muitas dificuldades que os professores tinham em ler e escrever.

Segundo eles essa constatação ficou explícita no momento dos círculos de leitura

realizados nos fóruns, quando a metodologia exigia dos participantes momentos de leitura

coletiva e em voz alta. A dificuldade de muitos era grande, tanto no que diz respeito a

entender os sinais de pontuação, quanto na própria compreensão do texto, evidenciando que

para muitos professores, a leitura ainda não é uma prática social.

Com os resultados obtidos pelo Fórum esperava-se que os professores pudessem

desconstruir verdades, produzir saberes e apropriar-se de poderes para a construção de um

projeto de educação voltado as suas especificidades, contudo, percebeu-se a necessidade de

uma política voltada à formação do professor leitor, começando por cursos de formação

continuada e de aperfeiçoamento na área da alfabetização e letramento.

Ainda segundo a entrevista realizada com os coordenadores pedagógicos, com a troca

de gestores (2009), inicialmente a preocupação da nova gestão estava em dar melhores

condições estruturais às escolas para que assim professores e alunos tivessem uma escola

adequada, por isso por um longo período a discussão do PPP foi retardada. Em 2011, a

SEMED contava com uma equipe de articulação técnico-pedagógica que tinha retomado as

discussões, fazendo a leitura do documento anterior. Concluído, porém não executado.

A equipe de articulação técnico-pedagógica acredita que as escolas mais estruturadas e

que contam com coordenadores pedagógicos devem construir, juntamente com a comunidade

seus projetos, já que cada escola tem as suas particularidades. Para os coordenadores

pedagógicos, o papel da equipe será a de mediar, assessorar e auxiliar na construção desse

documento, mas tem ciência de que ainda levará muito tempo para cada escola possuir o seu

projeto.

Por parte dos professores entrevistados nenhum deles tem conhecimento da construção

de um, ou de Projetos Pedagógicos para as escolas do campo, por isso não souberam

responder se há alguma ação voltada para a formação de alunos leitores. É um desafio para

todos, já que o PPP é um caminho para se chegar a resultados planejados coletivamente.

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Diante do exposto, podemos inferir que tanto a Secretaria Municipal de Educação, por

meio de sua coordenação pedagógica, quanto os professores, não dispõem de um

planejamento ou de projetos que estejam voltados para a construção de práticas de leitura na

escola com o objetivo de formar o aluno leitor.

Cada escola, professor, segue direcionamentos distintos, de acordo com a concepção

política e pedagógica que possui. Entretanto, em meio a essa diversidade, encontramos

práticas como a da professora Maria que se volta a trabalhar a leitura de textos escritos, num

contraponto com a realidade vivida pelo aluno.

Outra constatação na pesquisa realizada entre os professores foi que o livro, esse

objeto cultural, nem sempre está presente nas práticas de leitura. Percebemos que muito se

trabalha com a leitura da palavra escrita no quadro verde da sala de aula de onde se inicia o

processo de alfabetização, ou de textos escritos no quadro e transcrito para os cadernos dos

alunos, de onde irão fazer as suas leituras, conforme mostram as figuras 42 e 43, em que o

texto foi escrito no quadro pelo professor. Do outro lado, alunos copiando o texto para depois

fazer as suas leituras.

Segundo os professores, as práticas são desenvolvidas de acordo com o tempo escolar

e a sua distribuição são as mais diversas, desde a leitura individual, leitura coletiva, leitura de

imagens; entretanto, enfrentam dificuldade de trabalhar com a classe que é única, mas atende

conjuntamente várias séries.

Para o professor Manoel da ECEM, cada vez mais está difícil dar conta do

desenvolvimento da prática pedagógica, começando pela organização do trabalho. “Até o

preenchimento de diários de classe é difícil, pois são três, um para o 1º ano, outro para 2º e 3º

Figura 43 - Alunos em momento de leitura na sala de aula

Foto da pesquisa: Sônia Amaral – setembro 2011

Figura 42 – quadro verde com escritas

Foto da pesquisa: Sônia Amaral – setembro 2011

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ano e outro para 3ª e 4ª série”. A nomenclatura ano e série tratados paralelamente, justifica-se

pela existência dessas duas formas de atendimento do ensino fundamental. O município ainda

oferta o ensino fundamental de 8 anos e está consolidando seu sistema para os 9 anos do

ensino fundamental.

A diversidade de séries e anos conjuntamente dificulta o atendimento aos alunos, que

por muitas vezes ficam sem a orientação do professor; para eles é difícil saber ou escolher

quem atender primeiro, ou como atender a todos.

As consequências são visíveis neste processo. Muitos alunos ficam ociosos

praticamente todo o tempo de aula, outros transcrevem textos dos livros didáticos, sem

nenhum tipo de orientação, apenas fazem uma cópia, conforme deixa ver a figura 44. A cópia

fica no caderno como comprovação de que estiveram na escola. Perguntados sobre a

finalidade dessa atividade, a resposta foi que eles fazem porque não tem outra coisa a fazer.

Segundo uma aluna da ECEM, ao chegar a sala de aula o professor escreve no quadro

a identificação da escola, depois senta-se em uma cadeira e aos poucos vai chamando as

crianças 1º, 2º e 3º ano para passar atividades de reprodução no caderno, não diz a eles – 3ª e

4ª série o que devem fazer, por isso não fazem nada ou se tiverem livro didático fazem cópia

Figura 44 - Escrita de aluno da 4ª série

Foto: Sônia Amaral – setembro 2011

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dos textos. Outras vezes, faz atividades no quadro para os maiores e as crianças ficam

entrando e saindo da sala de aula, sem nenhum tipo de direcionamento pedagógico.

No depoimento dos professores e nas observações in loco, ficou evidente a

constatação de que, nas classes pesquisadas, a maioria dos alunos sempre fica desassistida

pelos professores que não consegue atender a todos. Quando uns estão em atividade, outros

entram e saem da sala, enquanto outros brincam.

É uma realidade que ainda

persiste e pode ser comprovada,

conforme pode ser visto na figura 45 que

retrata esta situação na ESJG. Enquanto

o professor trabalhava com os alunos das

séries finais do fundamental menor, os

alunos dos anos iniciais aguardavam as

orientações e assim ficavam por muito

tempo sem atendimento.

Com esta observação é perceptível que a

organização do trabalho pedagógico está fragilizada, precisando de melhor acompanhamento

tanto do professor que precisa “aprender” a organizar e conduzir um trabalho coletivo, quanto

para os alunos. Do contrário, sempre teremos crianças indo à escola, mas sem desenvolver as

suas habilidades, já que sem a ajuda do professor dificilmente chegará a um nível padrão de

leitura.

Trabalhar práticas de leituras requer formação e não meramente tempo de serviço. A

afirmativa ficou clara na fala do professor Manoel quando revelou que, mesmo com todo o

seu tempo de serviço, a leitura ainda é um desafio para ele administrar, tanto na forma de

alfabetização, quanto no processo de letramento de seus alunos.

Este professor trouxe à tona a dificuldade de encontrar um método que lhe auxilie no

ensino da leitura. Por outro lado, quando falou em leitura, não demonstrou a preocupação em

formar leitores, mas de cumprir a sua função de ensinar o aluno a ler e a escrever, ou seja, a

cultura escrita faz parte da vida desses sujeitos, entretanto, seu uso não converge diretamente

em sua vida social.

Ainda em relação à formação leitora dos alunos vista pelos professores, cabe

preocupações e reflexões, à medida que nos discursos dos professores fala-se muito em

dificuldades de aprendizagens pelos alunos, seja na escrita ou na leitura, o que seria mais um

estudo a ser realizado, uma vez que tais dificuldades precisam ser compreendidas para que o

Figura 45 - Alunos em horário de aula

Foto da pesquisa: Sônia Amaral – março/2011

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processo ensino-aprendizagem ocorra de forma que, tanto professores, como alunos saiam

com seus objetivos atingidos. Neste estudo não podemos aprofundar esta questão, mas é

pertinente a reflexão já que de uma forma ou de outra ela causa impacto na formação dos

sujeitos leitores.

Por tratar-se de um estudo que analisa discursos sobre as práticas de leitura na escola,

tive a preocupação de ouvir os diferentes sujeitos que estão envolvidos, mesmo que

indiretamente nesta prática, por isso a presença dos pais neste estudo.

Para uma mãe da ESJG, que está muito próxima à escola, por morar ao lado e

acompanhar o que acontece, quando perguntada sobre a maneira pela qual seus filhos

formam-se leitores ela respondeu que esse processo começa na alfabetização, depois os alunos

vão desenvolvendo, “até tirar do quadro”. Para ela a leitura inicia na vida das crianças por

meio do processo de alfabetização que a escola proporciona.

Esta afirmação converge com o posicionamento da professora da EMFS, quando disse

que começa a ensinar a leitura desta forma: “tem um livro de leitura com desde o A, E, I, O,

U, encontros vocálicos, sílabas, frases, até chegar nos textos”, ou seja, as práticas não são

isoladas, elas estão conjugadas, mesmo que de diferentes maneiras, mas igualmente nos

processos de ensino nas escolas.

A mãe da ESJG amplia a sua fala dizendo que “a leitura na escola está “muito pouca”,

quando eles chegam em casa eu ensino ainda mais. Pra mim, era pra eles estarem lendo mais.

A sala tem muitos alunos e não dá pra ensinar a leitura para todos, além disso nem biblioteca

tem na escola”. Segundo essa mãe, a formação leitora de seus filhos não é melhor por motivos

de condições materiais, falta de biblioteca e pelo número de alunos na sala de aula. É um

olhar mais estrutural frente ao papel que a escola representa para essas crianças.

A falta de biblioteca pode ser considerada um entrave para a execução de práticas de

leitura na escola, por ser um espaço de condições do aluno em posicionar-se diante de tantos

conhecimentos produzidos, optar pelo que lhe agrada ou lhe dá prazer em ler. Entretanto,

nesses jogos de poder, entre a escola, os alunos e as políticas governamentais, a sala de aula

torna-se um núcleo de inclusão do aluno num processo, onde o professor é o agente mediador

no mundo da leitura.

Para o pai da EMFS, se há espaço para práticas de leitura na escola, ele não soube

informar, mas disse que seus filhos formam-se leitores quando os professores mostram os

livros a eles, quando os alunos são chamados à frente do quadro verde para lerem para os

colegas. Assim disse ele: “Quando o professor passa o “dever” e ai eles vão tentando aprender

a ler”.

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A mãe da ESA informou que a professora da sua escola faz a hora da leitura com os

alunos, mas não tem conhecimento como isso acontece.

As respostas dos pais entrevistados apontam as práticas de leitura sempre mediada

pelo trabalho dos professores, os quais

solicitam aos alunos que leiam um trecho de

um texto do livro didático para eles, ou por

meio da narração que escreveram para

contar um acontecimento, ou até mesmo

uma cópia de um texto que fizeram como

atividade pedagógica. No geral, os pais não

têm conhecimento de como esse processo se

dá em sua forma plena. Confirmam esse

desconhecimento por falta de acompanhamento dos filhos na escola e por não serem

informados pelos professores.

Quando perguntados sobre a existência de biblioteca na escola todos disseram que não

há. O pai da EMFS confirmou a existência de uma sala de leitura – lugar de guardar os livros.

Quanto à escola ter como prática a hora da leitura, também não souberam responder. Uma

mãe da ECEM foi enfática em responder que na sua escola tinha tudo, mas que agora devido

às condições precárias da escola – estrutura física, não há livros, nem biblioteca, pois a que

tinha fora devorada pelos cupins.

O papel que o professor representa neste processo é imprescindível. Nas falas dos pais

a relação existente entre professor, leitura e alunos é indissociável, não deixam de mostrar

também que é um estabelecimento de relações de apropriações de discursos de um sistema de

ensino. Foucault (1996, p. 44) em seus estudos assim o caracteriza:

O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra;

senão uma qualificação e uma fixação dos papeis para os sujeitos que falam;

senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma

distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?

Para os alunos, os recursos disponibilizados para sua formação leitora e as práticas de

leitura realizadas na escola ficam muito a desejar, conforme comenta a aluna da ESJG:

Figura 46 - Sala de aula e atividades de leitura

Foto da pesquisa: Sônia Amaral – março 2011

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Aqui não tem biblioteca, demora um pouco pra nós lê, as vezes é que o

professor tira um tempo pra lê pra nós; as vezes ele pede pra nós “lê”, mas

aqui na sala só eu e o meu colega é que sabemos lê, o resto não sabe nada de

leitura (aluna).

Diante deste depoimento, não podemos esquecer que trata-se de turmas com

multissérie, o que no geral, poderíamos pensar que no mínimo a metade da turma deveria

estar apta a ler a palavra escrita, já que estamos trabalhando com crianças do 1º ao 3º ano e 3ª

e 4ª séries; entretanto, a realidade apresentada nos mostra um caminho inverso ao que se

poderia ter.

É possível considerar neste contexto, que mesmo na dificuldade as práticas de leitura

acontecem, no dizer dos alunos “demora um pouco”, mas acontecem. Por outro lado, também

está o esforço do professor em administrar o tempo para fazer leituras com os alunos, como

eles dizem “às vezes ele lê para nós”.

São situações que podem ser consideradas como positivas neste processo, entretanto, é

preciso não esquecer as difíceis condições de produção encontradas tanto para o trabalho do

professor, como para o aprendizado dos alunos.

A maioria dos alunos entrevistados disse que realizam atividades de leitura quando o

professor solicita que venham na frente do quadro, incentiva procurar texto em casa, ler e

trazer para ler junto com os colegas. A aluna da ESJG disse que seu professor faz atividades

no caderno para eles responderem. Pede que tirem cópia de livros. “a gente tira, leva prá lá

para o professor e a gente começa a soletrar e assim a gente aprende a ler. Ele manda a gente

lê lá no quadro e às vezes empresta livros pra gente.”

Os discursos dos alunos permitem também analisar que a leitura feita na escola ainda

traz resquícios de uma prática pedagógica que não deixou de trabalhar a decodificação,

memorização, pois segundo eles a leitura realizada pouco gera discussão do conteúdo da

leitura.

Para os professores pesquisados, o importante é que os alunos saibam as letras e as

palavras que estão no texto. Segundo eles, mesmo com a orientação dadas aos alunos para

procurar textos em casa para ler, nem todos têm a possibilidade de mostrar a sua produção.

Uma constatação de que os impressos nestes espaços não estão tão disponíveis, conforme

pode ser pensado em uma sociedade da escrita, além da falta de conhecimento dos alunos para

os objetivos da escola.

A aluna da ECEM quando perguntada se traziam as atividades proposta pelo

professor, respondeu que apenas poucos, pois acha que muitos dos colegas vão para escola

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apenas merendar, brincar com os outros colegas. Não fazem as atividades, conversam o tempo

todo, fazem barulhos e por vezes até brigam na sala de aula.

Foi enfática quando disse que na sua turma do 1º ano a 4ª série, apenas ela e mais um

colega sabiam ler, por isso o professor lia tudo o que escrevia no quadro para os alunos, que

ficam apenas com a incumbência de transcrever para seus cadernos o que fora escrito pelo

professor, de acordo com as condições de cada um, o que não era possível a todos, já que

muitos ainda não têm o domínio da escrita das letras. Disse ela: “Eles não dão conta de

escrever, porque agora que tão começando, uns nesse ano, outros noutro ano”.

O fato dos alunos terem a leitura da palavra escrita pelo professor e dela retirar o

“necessário” para cumprir o seu ritual pedagógico, implica numa não entrada no mundo da

leitura enquanto prática social, para formação de cidadãos autônomos. Falamos de um mundo,

onde a leitura ainda não chegou a ser a mediação entre o homem e o seu conhecimento, entre

o homem e a construção de sua realidade cultural e social. Assim diz Lerner (2002, p. 95):

Para que a instituição escolar cumpra com sua missão de comunicar a leitura

como prática social, parece imprescindível uma vez mais atenuar a linha

divisória que separa as funções dos participantes na situação didática.

Realmente, para comunicar às crianças os comportamentos que são típicos

do leitor, é necessário que o professor os encarne na sala de aula, que

proporcione a oportunidade a seus alunos de participar em atos de leitura que

ele mesmo está realizando, que trave com eles uma relação “de leitor para

leitor”.

Quanto aos recursos disponibilizados à escola para a prática da leitura, todos os alunos

informaram que na escola não há nenhum projeto específico para trabalhar a leitura com eles,

assim como confirmam a não existência de biblioteca nas escolas. Disseram não haver

qualquer atividade específica para a leitura na sua escola, tal como hora da leitura, cantinho da

leitura, sala de leitura, dentre outros.

A aluna da ECEM enfatizou que na sua escola, não tem se quer atividades que deem a

eles a possibilidade de fazer um cartaz e pregar nas paredes. As paredes da sala de aula estão

vazias. Segundo ela, seu professor não traz mensagens, imagens ou outra forma de escrita que

possa ficar na parede da sala como uma forma de letramento. Desabafa, “o professor lê tudo o

que ele escreve para não ter trabalho de ensinar nós ler”.

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4.2 - A leitura como mediadora da formação cidadã: interação entre escola e família na

construção de uma prática social.

Em uma sociedade letrada como a nossa, não podemos ignorar a importância da

palavra escrita em nossas vidas. É fato que para muitos, a escolarização e a distribuição do

objeto cultural livro ainda está distante de ser garantido como direito social, mesmo assim, é

importante considerar o que pensam os pais sobre o papel dos professores na formação de

alunos leitores; assim como, a visão dos alunos sobre seus professores e a preocupação que

eles demonstram com essa formação, fazendo um contraponto com o pensamento dos

professores a respeito da maneira pela qual os alunos veem esse processo para a sua formação

cidadã.

Iniciamos nossa pesquisa perguntando aos pais sobre como veem a preocupação dos

professores na formação de alunos leitores. Para o pai da EMFS, o fato do professor sair da

cidade e aceitar vir trabalhar no interior, enfrentando inúmeras dificuldades, já é uma

demonstração de interesse pela formação do aluno. Segundo ele, até porque, muitos dos

professores que vieram trabalhar na comunidade, se o aluno não comparecia a escola, eles iam

até a residência dele saber o motivo da ausência.

A resposta dada pelo pai não deixa de ser genérica, uma vez que a preocupação que ele

aponta para o professor está relacionada com a presença dele na comunidade e com a presença

do aluno na sala de aula, não especificamente com o trabalho que o professor vai desenvolver

para a formação leitora. A leitura deve estar voltada às necessidades do cidadão, a ser usada

no seu dia-a-dia, seja ela científica, literária, didática, ou mesmo para o puro prazer de ler e se

entreter em meio aos romances, ação e ficção.

A mãe da ESJG disse que percebe a preocupação do professor, quando ele coloca os

alunos para ler e fala da importância da leitura para eles. Disse que o professor conversa com

os alunos, pede pra eles prestarem atenção nas aulas, para que possam aprender a ler e a

escrever, portanto, há uma preocupação do âmbito do didático - pedagógico, do aprender a ler

e a escrever para dar continuidade aos estudos e para outras situações do cotidiano.

Esta discussão pode ser problematizada Por Freire (2001, p. 260) quando diz:

O ato de estudar implica sempre o ato de ler, mesmo que neste não se esgote.

De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo

anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento nem tão pouco um

exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto.

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Se para este autor estudar implica o ato de ler, a escola está promovendo a leitura, a

formação do leitor, desenvolvendo habilidades não só na compreensão do texto, mas também

competências no uso das informações de acordo com as necessidades do cotidiano.

A mãe da ESJG também destacou a preocupação dos professores em formar o aluno

leitor quando eles incentivam, solicitam aos alunos que leiam. Quando organizam cada aluno

em um canto da sala de aula. Também percebe que não há um ambiente propício para a

leitura, pois muitas vezes o ambiente fica muito barulhento, os alunos não prestam atenção e

não há como fazer a leitura.

Para os alunos os professores se preocupam com a sua formação leitora e se estão

atentos se eles prestam atenção nas aulas, o que nem sempre é possível alcançar. Apenas a

aluna da ECEM divergiu da posição da maioria a respeito da preocupação do professor na

formação de seus alunos, dizendo que seu professor “Não se preocupa. Tem dia que ele quer

ensinar, mas tem dia que ele não quer. Às vezes ele escreve no quadro e ele mesmo responde

pra não ficar falando com „nós‟. Se os alunos quiserem sair e ir embora, pra ele é melhor que

vai ficar despreocupado”.

Os professores entrevistados demonstraram ter preocupação em formar alunos leitores,

pois mesmo com dificuldades desenvolvem seus trabalhos visando atender esse objetivo da

escola. A prática mais utilizada por eles é a hora da leitura, que acontece para uns nas aulas de

português, para outros nas aulas de história e geografia, só não descreveram como elas

acontecem.

Cada um tem a sua metodologia para essa prática. O professor da ESJG disse que faz a

hora da leitura. Organiza os alunos em uma grande roda onde cada um vai lendo um pouco. Já

a professora da ESA disse que na hora da leitura pede aos alunos que leiam o texto que passou

no quadro ou que pediu para trazerem de casa.

Outra metodologia utilizada é a leitura feita por meio de colagens. O aluno produz

uma narrativa com recortes de livros, jornais, o que encontrar de impresso em casa, faz a

colagem das palavras e depois traz para apresentar a sua turma. Para a professora da EMFS,

em alguns momentos os alunos produzem as suas leituras e em outros eles procuram leituras

de outros livros orientados por ela. A partir das leituras produzidas pelos alunos, ou mesmo

das leituras pesquisadas, a professora pede que eles interpretem.

É importante destacar que as metodologias usadas pelos professores são de grande

importância para a formação de leitores, entretanto, as palavras de Freire (2001, p.265),

ajudam melhor a compreender este processo:

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A compreensão do que se está lendo, estudando, não estala assim, de

repente, como se fosse um milagre. A compreensão é trabalhada, é forjada,

por quem lê, por quem estuda que, sendo sujeito dela, se deve instrumentar

para melhor fazê-la. Por isso mesmo, ler, estudar, é um trabalho paciente,

desafiador, persistente.

O professor da ESJG descreve como faz a hora da leitura com seus alunos:

Quando é aula de português e também quando tem aula de história e

geografia a gente faz leitura, eu peço pra eles fazerem uma leitura pra gente

ter uma explicação. Primeiro tem a conversa informal, diante da conversa

tem algumas perguntas, ai eu peço pra eles fazerem a leitura e diante da

leitura eu faço a explicação pra eles. Eu explico, quando não, eu mesmo faço

a pergunta pra eles, porque eles se calam ficam calados, ai eu faço as

perguntas eles ficam calados e eu procuro trazê-los para participar.

(Professor)

Nas metodologias apresentadas, cada professor demonstra a sua intencionalidade em

relação à leitura; entretanto, é perceptível que há um forte viés nessa formação – a de ler

como uma necessidade didática, para dar conta de um conteúdo programático. Uma leitura

muito voltada para cumprir um programa de uma determinada série, de um determinado

currículo.

A maioria dos professores confirma essa carência quando dizem que dos poucos

livros que tem, fazem empréstimo aos alunos para que eles possam ler e se aprofundar nos

conteúdos ensinados na sala de aula, sendo que depois da pesquisa é preciso devolver para

que outros utilizem esse recurso.

A vontade de ter uma biblioteca fica explícita na fala dos professores de três escolas

pesquisadas. Disseram que se na escola houvesse espaço, fariam um local para desenvolverem

atividades de leituras com seus alunos, mas como o espaço destinado a eles é apenas uma

sala, não há condições de fazê-lo.

Em meio às inúmeras situações de dificuldades, no decorrer da pesquisa, presenciei

uma ação diferenciada que visava proporcionar aos alunos o acesso aos livros e a leitura. Ao

chegar a ESA, que funciona em espaço cedido pela comunidade, num antigo depósito, em

precárias condições estruturais, fomos surpreendidos pela organização dos poucos livros que

lá havia; um espaço, denominado “cantinho da leitura”, conforme mostram as figuras 47 e 48.

Na fala de uma aluna da escola, a organização daquele espaço estava chamando a atenção de

todos eles para a leitura das revistas que lá se encontravam.

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A professora desta escola afirmou que organiza o espaço para proporcionar outras

leituras aos seus alunos, além das que realiza no momento das aulas e para que haja utilização

dos livros que vem da Secretaria de Educação do município. Esta ação descontrói a ideia de

que só se produz condições, quando se tem todos os recursos necessários. Afirmamos que

também não houve nenhum tipo de intervenção da parte da pesquisa, já que a autorização com

dia e horários para chegar a escola vinha da SEMED, sem que os professores tivessem esse

controle antecipado.

Segundo os professores entrevistados nem todos os alunos percebem a importância da

leitura na vida deles, para alguns alunos, é importante ler porque ajuda a passar de ano e na

próxima série precisarão ler mais. É como se fosse uma engrenagem que começa a funcionar

e aos poucos vai acelerando. Para eles tem aqueles alunos que demonstram preocupação em

procurar coisas novas para ler e chegam a mostrar para o professor o que leram e descobriram

na leitura, além de outros que criam suas próprias histórias, escrevem e contam aos colegas.

Esses últimos são casos isolados, pois a grande maioria acha que a leitura é repetitiva,

cansativa e por isso não participam das atividades. É preciso que os professores estejam

atentos, se não ficarem diretamente com eles, não farão suas atividades, tão pouco estarão

dispostos a ler qualquer que seja a proposta do professor.

A discussão pode girar em torno do objetivo da leitura na vida destes alunos. Segundo

o aluno da ESA, ele não sabe pra que serve ler, diz que a professora os manda realizar leitura,

pois se não lerem, um dia vão se arrepender, pois não vão saber o que estão escrevendo. Para

a professora da mesma escola, esta situação do aluno escrever e não saber o que está

escrevendo, já está acontecendo na escola. Dai a preocupação para que todos os alunos leiam.

Figura 47 - Cantinho da Leitura

Foto: Sônia Amaral – setembro 2011

Figura 48 - Cantinho da Leitura

Foto: Sônia Amaral – setembro 2011

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Nas escolas pesquisadas, também percebemos que existem diferentes maneiras

encontradas pelos professores para incentivar a leitura de seus alunos, como a metodologia da

professora da EMFS que pede aos alunos que no caminho para chegar à escola, leiam o que

está escrito nas fachadas das casas, comércios, igrejas, etc. Ao chegarem devem contar aos

colegas o que encontraram de leitura às margens dos rios.

Outros, como o professor da ESJG, ele lê para seus alunos, pede pesquisas de causos,

histórias que acontecem na comunidade, no trabalho e no dia-a-dia de cada um deles e a partir

dessas narrativas incentiva a leitura e mostra a importância da educação na vida deles.

Também tem professores que trabalham a leitura com o material fornecido pela

SEMED, conforme disse uma professora da ESA.

Olha, agora trabalho com o material que eles prepararam (pessoal da

coordenação da educação do campo - SEMED) tem o momento da história.

Eles prepararam o material para trabalhar o 1º e 2º ano, enfim, todas as séries

participam, porque tem que fazer o silêncio pra leitura, então, é ilustrada essa

história, toda ilustrada. Eu procuro ler pra eles pausadamente, pra eles

entenderem e peço pra eles fazerem ilustrações daquela história, ai eles tem

aquele cuidado de prestar atenção, alguns também ficam na bagunça, ai eu

falo alto, pra pedir a atenção deles. Foi bom esse momento da história pra

eles. (Professora)

Por meio dessas metodologias de leituras os professores ajudam o aluno a conhecer o

mundo, a respeitar as pessoas com quem elas se relacionam, sejam de suas famílias, da

comunidade, da escola. Segundo esses professores, lendo, os alunos buscam informações que

vão contribuir para a vida deles. Não só realizam a leitura dos livros, mas fazem leituras com

dinâmicas de interação, já que os alunos não estão acostumados ao trabalho em grupos e por

isso precisam ser incentivados a experimentar esta prática.

A partir destes depoimentos, constatamos que muitas são as práticas apontadas pelos

professores, mesmo para aqueles que expuseram ter dificuldades para trabalhar a leitura,

disseram não deixar de incentivar seus alunos, a exemplo do professor: “O meu incentivo é

através da minha palavra. Eu sempre estou pedindo, todo dia a eles, dizendo que o nosso

desafio, é aprender a ler. Então, eu peço a eles que leiam em casa, que não se limitem a ler só

o livro escolar, mas, que leiam revistas, jornais, livros infantis, religiosos, a bíblia, etc.”

O que se tem enquanto práticas de leitura nestas escolas pesquisadas, não estão

determinadas por um sistema, mas pelas ações empreendidas por cada professor que as

conduz a partir de suas competências profissionais. Para Freire (2001, p. 259), a construção

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desta prática não se dá sem a abertura do ensinar e do aprender a ambos, aluno e professor.

Assim ele afirma:

O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica a medida em que o

ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o

pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a

curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz

percorrer.

Partindo da reflexão que faz Freire, pode-se pensar que a formação do leitor, não é um

caminho de uma única via, dependerá também da disponibilidade do professor em planejar e

avaliar a sua prática, envolvido com o conhecimento que disponibiliza aos alunos e na

humildade em rever seus posicionamentos diante dos resultados. Por outro lado, cabe ao

Estado garantir políticas de formação continuada a esses profissionais que gestam a sala de

aula, mas que sozinhos não mudarão a realidade que os cerca.

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Considerações Finais

No cotidiano das águas: o saber e o poder para além dos índices de desenvolvimento da

educação

Realizar um estudo em escolas rurais com a organização do ensino em classes

multisseriadas é um desafio ao pesquisador. Embora as escolas carreguem semelhanças e o

pesquisador passe meses neste contexto cultural, ao final da pesquisa, não poderá fazer

grandes generalizações, haja vista que na realidade histórica destas escolas, há regularidades

nos discursos sobre a importância das práticas de leituras, mas há também muitas dispersões e

interdições entre o que circula entre os professores, os alunos e seu entorno.

Ao analisar os discursos sobre as classes multisseriadas, sua condição estrutural,

conforme objetivei nesta dissertação, vinculando-a a práticas de leitura que acontecem nestes

espaços, posso dizer que muito aprendi, com a forma de viver e fazer educação deste povo.

Por outro lado, pela riqueza de saberes produzidos por eles, ainda há um vasto mundo a ser

desmistificado.

Com este estudo, foi-me permitido ratificar a partir do que apresentei no capítulo I a

sobreposição da escola urbana em relação às “escolas das águas”, no que se refere à

infraestrutura e na composição do quadro pedagógico, embora as estatísticas comprovem que

a maioria dos alunos do ensino fundamental do município de Breves esteja matriculado nestas

últimas escolas. Esta comprovação retoma uma discussão histórica de que para o povo que

mora fora dos centros urbanos a educação que se faz é sempre com menor qualidade, o que

provavelmente não é uma prerrogativa das “escolas das Águas”.

Também foi possível detectar que nos últimos anos houve investimentos visando

melhorar a qualidade da oferta de ensino, com a construção, ampliação e reforma de algumas

escolas, além da qualificação do trabalho docente por meio de planos governamentais que

proporcionaram professores a cursar uma licenciatura. Mesmo assim, ainda há uma grande

dívida deste país com o povo que mora nas águas, o que se fez é insuficiente para o

quantitativo populacional e o número de escolas espalhadas entre rios e florestas.

Quando o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

(INEP) divulga os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),

sempre há perspectivas de mudanças significativas no cenário educacional brasileiro. É uma

afirmativa que não deixa de ser comprovada por meio das estatísticas. De acordo com o IDEB

de 2011, o Brasil (escolas públicas 4ª série ou 5º ano), atingiu a média de 4.7. O estado do

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Pará chegou a 3.6 e o município de Breves, obteve a média 2.7, 10% a menos do esperado em

sua meta.

Ao fazer a leitura destes dados e depois do trabalho realizado nesta dissertação,

confirmo meu posicionamento inicial, de que existem vários “Brasis”. Quando se medem os

índices da educação, os indicadores pouco ou quase nada levam em consideração a realidade

dos estudantes que estão nas “escolas das águas”, dos campos ou outra qualquer que não

esteja dentro de parâmetros urbanos. Portanto, chega-se a resultados insatisfatórios,

corroborados pelos parcos investimentos dotados a elas, ou seja, são relatórios e estatísticas

que mascaram a realidade educacional brasileira, mas que ganham poder com a ritualização

das palavras qualificadas pelos poderes estatais.

No âmbito desta pesquisa, de acordo com os discursos enunciados, a construção ou

abertura de escolas partiram de interesses particulares das comunidades, cada uma fazendo a

sua solicitação conforme o número de pessoas a serem escolarizadas e as motivações externas

para se ter uma escola na localidade. Nenhuma das escolas pesquisadas foi construída ou

criada por meio de diagnóstico realizado pelo órgão competente, conforme institui a LDB

9394/96.

No tema central do trabalho, recorrendo às memórias sobre práticas de leitura, a partir

dos discursos dos sujeitos envolvidos, professores, alunos e pais, ficou evidente que não há

um modelo a ser seguido para a formação de alunos leitores. Embora haja formação

continuada aos professores por parte da Secretaria Municipal de Educação, cada escola

produz de acordo com o mediador, professor, a sua própria metodologia e suas estratégias.

Entretanto, usando os estudos de Foucault (1996), sabe-se que todo discurso tem uma ordem

que o produz e a escola trabalha o que lhe é referendado, seguindo um ordenamento prévio.

Ficou evidente nas falas dos professores que as práticas trabalhadas nestas escolas

estão vinculadas as suas formações, como alunos e professores. A história de leitura de cada

um foi construída por práticas discursivas escolares e contribuiu para a produção de seus

fazeres pedagógicos. Há diferentes metodologias, pois as histórias são plurais, obedecem a

tempos e lugares que dividem-se por meio de seus regimes de verdade.

As considerações aqui apresentadas demonstraram que para os professores, alunos e

pais das quatro escolas do município de Breves, a classe multisseriada não é sinônimo de

fracassos, há vantagens e desvantagens latentes nesta proposta de ensino, como em qualquer

outra forma de organização. É uma realidade que pode ser pensada positivamente, desde que

haja condições para o atendimento dos diferentes níveis de conhecimento, em especial,

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formação profissional voltada à organização do trabalho pedagógico, que por sua própria

dinâmica é heterogênea.

Os diferentes níveis de conhecimentos apresentados pelos alunos podem ser fatores de

dificuldades, mas ao mesmo tempo podem promover uma melhor formação, no sentido de

valorizar as experiências e saberes entre eles. Na interação, poderão produzir saberes

compartilhados e voltados as suas especificidades de alunos cidadãos.

No campo metodológico, o tempo que me coloquei à disposição desta pesquisa, foi um

tempo de travessias, de busca de memórias, de entendimentos do viver e do fazer do povo que

vive nas águas. Travessias em todos os sentidos, literal e metafórico, pois sair da cidade em

uma pequena lancha e aventurar-se em meio as águas, por vezes serenas, outras revoltas, faz-

me pensar o quanto este estudo é e foi significativo para mim na condição de quem faz parte

da política de formação de professores para esta região.

A minha inserção, como alguém que muitos anos esteve envolvida com o sistema

educacional desta região, neste cotidiano de saberes e poderes, respeitando os saberes locais e

os poderes ali constituídos, foi-me favorável. Eu tive a possibilidade de adentrar em espaços,

que provavelmente pesquisadores que não são da região teriam mais dificuldades em ser

aceitos, falariam de um outro lugar e, certamente, enxergariam outras nuances do que está

posto na condição de verdades daquele povo.

Ao chegar às localidades e me apresentar antes como professora do município e depois

pesquisadora, foi uma estratégia que deu certo, abriu caminhos e me deixou à vontade para

conversar com as pessoas. Quando você chega nestes locais, a tradição é, antes de tudo

conviver com os olhares assustados dos moradores da comunidade, depois o “chefe” da

comunidade vai até os “estrangeiros” perguntar quem são e o que querem da comunidade.

Provavelmente uma forma de representar o poder da comunidade, por outro lado, como a

violência não é exclusividade das capitais, não deixa de ser uma atitude de proteção.

Um dos momentos mais relevantes deste trabalho foi quando na ECEM, no rio

Tajapurú, pedi a uma aluna para conversarmos sobre as práticas de leitura trabalhadas pela

escola. Ao aceitar, ela chamou vários colegas para irem conosco, como se quisesse

testemunhas para o que ali pronunciaria. Despertou curiosidades e trouxe conhecimentos

sobre como esses alunos se organizam, pois a partir da fala da aluna, os outros também

queriam contribuir. Talvez sua atitude seja uma tradução das práticas vividas na sala de aula

desta escola. Este é um caso pontual, que chamou mais atenção, pois os entrevistados nas

outras escolas, mais respondiam, do que dialogavam.

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Outro momento significativo foi chegar a ESA, que fica no rio Curupira e encontrar

um espaço completamente deteriorado, sem condições de funcionamento para ser considerado

uma escola e ali presenciar a prática da professora que, mesmo nas dificuldades enfrentadas,

construiu um cantinho da leitura para seus alunos. Segundo ela, era a sua forma de contribuir

na formação leitora. Com as poucas obras, mas com espaço específico para elas, não deixa de

ser um convite à leitura.

Estas considerações não podem ser pensadas como conclusões ou final de uma

dissertação, pois deixo-as em aberto, já que tudo o que dissemos partiu de um tempo e de um

lugar, autorizados por uma história e um regime de poder que está implícito em cada um de

nós. Portanto, sintetizo este estudo, amarro minha canoa para que eu, ou outros estudiosos

possamos continuar a navegar às “margens dos Marajós” e dar continuidade ao que ainda

precisa ser analisado, já que há mais saberes e poderes para além do que indicam os índices da

educação.

Para finalizar, o poema de Fernando Pessoa, ilustra muito bem o que senti neste

momento de construção desta dissertação.

"De tudo, ficaram três coisas:

A certeza de que estamos sempre começando...

A certeza de que precisamos continuar...

A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar....

Portanto devemos:

Fazer da interrupção um caminho novo ...

Da queda um passo de dança...

Do medo, uma escada...

Do sonho, uma ponte...

Da procura, um encontro..."

Fernando Pessoa

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA

Comunicação, Identidades e Cidadania: uma análise sobre a

formação de leitores em escolas multisseriadas ribeirinhas em Breves,

Marajó/Pará.

MESTRANDA: Sônia Maria Pereira do Amaral

INFORMANTE: PROFESSOR(A)

FORMAÇÃO:_____________________________________________SEXO ( )

( __) TEMPO DE MAG. (___) TEMPO MULT. (____) IDADE SIT. TRAB. ( )C ( )T

SÉRIES QUE TRABALHA: ______________ FAIXA ETÁRIA:____________________

Nº DE ALUNOS(AS): ______ TURNO DE FUNCIONAMENTO:____________________

LOCALIZAÇÃO: RIO_________________DISTRITO: _________________________

FUNCIONAMENTO: LOCAL PRÓPRIO ( ) IGREJA ( ) SEDE ( ) CASA ( )

OUTROS:_________

TEMPO DE DISTÂNCIA DA SEDE DO MUNICÍPIO:___________________

FORMA DE ACESSO A ESCOLA: ( ) PRÓPRIO:_______________( )ESCOLAR

( )OUTROS: _______________________ TEMPO MÉDIO:__________________

TEMPO DE EXISTÊNCIA DA ESCOLA: ______________ COMO SURGIU?________________

1- Que finalidade tem a leitura da palavra escrita para a formação dos alunos(as)?

2- E a leitura de mundo?

3- Como você desenvolve as práticas de leitura da palavra escrita com alunos?

4- E a leitura de mundo, a seu ver, como devem ser desenvolvidas?

5- Que recursos são disponibilizados pelas escolas ribeirinhas aos professores para utilizarem na

prática de leitura do aluno multisseriado?

( ) biblioteca ( ) sala de leitura ( ) hora da leitura ( ) cantinho da leitura ( )

empréstimo de livros avulsos ( ) projetos de leitura, qual a finalidade?__________

6- Há formação continuada para os professores, tendo em vista a formação de alunos(as)

leitores(as)? ( )sim ( ) não ( ) as vezes

7- A escola possui que tipo de livros?

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( ) didáticos ( ) religiosos ( ) revistas e jornais ( ) literatura geral ( ) literatura infanto-

juvenil ( )________________________________________

8- De que maneira os alunos(as) demonstram a importância ou não da leitura da palavra escrita

para a sua formação de cidadãos?

9- Como estão organizados os livros que chegam à escola?

10- De que maneira a escola incentiva os (as) alunos(as) à leitura do mundo e da palavra escrita?

11- No projeto pedagógico da escola existe ações voltadas à formação de alunos(as) leitores?

Quais? ( )sim ( )não

12- Quais ações estão voltadas a formação de leitores em sua escola?

13- Os pais apresentam a escola a sua preocupação com a formação leitora – leitura do mundo e da

palavra escrita de seus filhos? Como? Quando?

14- A leitura da palavra escrita influencia na formação das identidades dos alunos(as)? De que

maneira?

15- A escola por ser multisseriada, tem influencia na formação leitora dos alunos(as)? Em que

sentido?( )sim ( )não

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA

Comunicação, Identidades e Cidadania: uma análise sobre a

formação de leitores em escolas multisseriadas ribeirinhas em Breves,

Marajó/Pará.

MESTRANDA: Sônia Maria Pereira do Amaral

INFORMANTE: ALUNO(A)

(_____) SEXO (____) IDADE (___) SÉRIE (_____) TEMPO NA ESCOLA

1- Você gosta de ler?

2- O que você gosta de ler?

3- quando você lê?

4- Que finalidade tem a leitura da palavra escrita e a leitura de mundo para a sua formação? ou

Por que e pra que você quer aprender a ler?

5- Como a sua escola desenvolve as práticas de leitura da palavra escrita e a leitura de mundo

com vocês?

6- Que recursos a sua escola disponibiliza a seu professor(a) para utilizar na prática de leituras?

( ) biblioteca ( ) sala de leitura ( ) hora da leitura ( ) cantinho da leitura ( )

empréstimo de livros avulsos ( ) projetos de leitura, qual a finalidade?__________

7- De que maneira você percebe ou não a preocupação do seu professor com a formação de

alunos(as) leitores(as)?

8- A escola possui que tipo de livros?

( ) didáticos ( ) religiosos ( ) revistas e jornais ( ) literatura geral ( ) literatura infanto-

juvenil ( )________________________________________

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9- O aprendizado da leitura da palavra escrita e da leitura do mundo é importante para a

formação de cidadãos? Em que sentido?

10- Como estão organizados os livros que chegam à sua escola?

11- De que maneira a escola incentiva os (as) alunos(as) à leitura do mundo e da palavra escrita?

12- Nas aulas existe atividades que estão voltadas à formação de alunos(as) leitores? Quais?

13- Os seus pais se preocupam com a sua formação leitora? – leitura do mundo e da palavra

Como? Quando?

14- A escola por ser multisseriada, ajuda ou dificulta na sua formação leitora? Em que sentido?

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA

Comunicação, Identidades e Cidadania: uma análise sobre a

formação de leitores em escolas multisseriadas ribeirinhas em Breves,

Marajó/Pará.

MESTRANDA: Sônia Maria Pereira do Amaral

INFORMANTE: PAIS

(_____) SEXO (____) IDADE (___) SÉRIE Nº DE FILHOS NA ESCOLA (____)

1- Que finalidade tem a leitura da palavra escrita e a leitura de mundo para a formação de seus

filhos(as)? Ou, Por que e pra que você quer que eles aprendam a ler?

2- Seu filho(a), gosta de ler? O que ele(a) lê?

3- Como a escola desenvolve as práticas de leitura da palavra escrita e a leitura de mundo com os

alunos(as)?

4- Que recursos a sua escola disponibiliza a seu professor(a) para utilizar na prática de leituras?

( ) biblioteca ( ) sala de leitura ( ) hora da leitura ( ) cantinho da leitura ( )

empréstimo de livros avulsos ( ) projetos de leitura, qual a finalidade?__________

5- De que maneira você percebe ou não a preocupação do seu professor com a formação de

alunos(as) leitores(as)?

6- A escola possui que tipo de livros?

( ) didáticos ( ) religiosos ( ) revistas e jornais ( ) literatura geral ( ) literatura infanto-

juvenil ( )________________________________________

7- O aprendizado da leitura da palavra escrita e da leitura do mundo é importante para a

formação de cidadãos? Em que sentido?

8- Como estão organizados os livros que chegam à sua escola?

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9- De que maneira a escola incentiva os (as) alunos(as) à leitura do mundo e da palavra escrita?

10- Nas aulas existe atividades que estão voltadas à formação de alunos(as) leitores? Quais?

11- Você se preocupa com a formação leitora de seus filhos? – leitura do mundo e da palavra

Como? Quando?

12- A escola por ser multisseriada, ajuda ou dificulta na formação leitora dos alunos? Em que

sentido?

13- Na sua comunidade, a leitura é vista como importante? Para quê?

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ATIVIDADE REALIZADA NA ESCOLA MARIA FREITAS DOS SANTOS

OBJETIVO: conhecer o que os alunos veem como importante para suas vidas.

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ATIVIDADE REALIZADA NA ESCOLA MARIA FREITAS DOS SANTOS

OBJETIVO: conhecer o que os alunos veem como importante para suas vidas.

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ATIVIDADE REALIZADA NA ESCOLA MARIA FREITAS DOS SANTOS

OBJETIVO: verificar se os alunos conseguem se localizar geograficamente como paraenses e

marajoaras