Memória Nacional..Agostinho Dos Santos

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Agostinho dos Santos ficou conhecido em 1962, depois de gravar Manhã de carnaval, tema do filme Orfeu do carnaval DISCOS » Memória nacional Morto prematuramente aos 41 anos, cantor e compositor paulistano Agostinho dos Santos deixou obra que merece ser conhecida, agora relançada pelo selo Discobertas Ailton Magioli Publicação: 30/05/2014 04:00 Ele trouxe à tona o talento então nascente de Milton Nascimento. Inscreveu, à revelia do cantor e compositor, três composições de autoria dele no 2º Festival Internacional da Canção (FIC), de 1967. Milton saiu vencedor como melhor intérprete por Travessia. Agostinho dos Santos (19321973) acabou partindo prematuramente, aos 41 anos. Deixou pequena porém expressiva obra, ainda a ser descoberta. O selo carioca Discobertas, de Marcelo Froes, reúne os primeiros álbuns da discografia oficial do artista nascido em São Paulo, no box Agostinho dos Santos – Bossa Nova – Vol. 1 (19581961), com os quatro primeiros álbuns do cantor: Agostinho espetacular, de 1958; Inimitável Agostinho dos Santos, de 1959; Agostinho sempre Agostinho, de 1960, e Agostinho canta sucessos, de 1961. O Volume 2, com os discos restantes gravados pelo cantor na extinta RGE, virá a seguir, segundo a gravadora. Com capas originais e áudio remasterizado, além de fichas técnicas e ilustrações, os discos trazem faixas bônus, revelando às novas gerações um intérprete muitas vezes ignorado pelas anteriores. Representante da primeira geração da bossa nova, Agostinho dos Santos estouraria internacionalmente em 1962, ao participar do célebre concerto de bossa nova do Carnegie Hall, de Nova York (EUA), com o Conjunto de Oscar Castro Neves, depois de gravar Manhã de carnaval, tema do protagonista do filme Orfeu do carnaval, de Marcel Camus, com trilha de Tom Jobim, Luiz Bonfá e Vinicius de Morais. O longametragem, que conquistou a Palma de Ouro do Festival de Cannes (1959) e o Oscar (1960) de melhor filme estrangeiro, é produção ítalofrancobrasileira que rendeu dois grandes sucessos a Agostinho. Além da músicatema de Orfeu, Manhã de carnaval, o cantor estourou com A felicidade. Revolucionário Neto de Agostinho, o multiinstrumentista Thiago dos Santos, de 29 anos, diz que a obra do avô chegou a ele por meio do pai, que estava sempre com os discos em casa. “Escuto a obra de Agostinho desde os 10 anos”, conta Thiago, que classifica a obra do avô de revolucionária. “A voz aveludada, aquele falsete, os picos de cantar grave e agudo ao mesmo tempo”, recorda, emocionado, o neto, saudando a iniciativa de Marcelo Froes de trazer a música de Agostinho dos Santos de volta, graças à parceria do pesquisador e produtor com a família. O segundo box a ser lançado pelo selo Discobertas vai reunir cinco discos do cantor, de 1957 a 1973. O sambacanção foi um dos principais gêneros defendidos pelo intérprete, incluído entre os intérpretes prébossa nova. “Na época, havia quem ficasse de cara virada para os cantores de rádio, só que meu avô e Elizeth Cardoso explodiram com a bossa”, recorda Thiago dos Santos. A divulgação e promoção da bossa nova no exterior foi a principal contribuição de Agostinho Santos para a música brasileira, segundo Thiago. “Manhã de carnaval fez sucesso no mundo inteiro”, recorda o neto do cantor, lamentando o esquecimento da obra de Agostinho e de tantos outros da mesma época, tais como Johnny Alf, Elizeth Cardoso, Leni Andrade e outros que ainda estão em atividade. Apesar de ele ter gravado inclusive no exterior (Venezuela, Chile, Portugal, África do Sul e Estados Unidos), Thiago dos Santos desconhece o pagamento à família de direitos autorais de outros países. Preconceito racial

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Agostinho dos Santos ficou conhecidoem 1962, depois de gravar Manhã decarnaval, tema do filme Orfeu docarnaval

DISCOS »

Memória nacionalMorto prematuramente aos 41 anos, cantor e compositor paulistano Agostinho dosSantos deixou obra que merece ser conhecida, agora relançada pelo seloDiscobertas

Ailton MagioliPublicação: 30/05/2014 04:00

Ele trouxe à tona o talento então nascente de MiltonNascimento. Inscreveu, à revelia do cantor ecompositor, três composições de autoria dele no 2ºFestival Internacional da Canção (FIC), de 1967.Milton saiu vencedor como melhor intérprete porTravessia. Agostinho dos Santos (1932­1973) acaboupartindo prematuramente, aos 41 anos. Deixoupequena porém expressiva obra, ainda a serdescoberta.

O selo carioca Discobertas, de Marcelo Froes, reúneos primeiros álbuns da discografia oficial do artistanascido em São Paulo, no box Agostinho dos Santos– Bossa Nova – Vol. 1 (1958­1961), com os quatroprimeiros álbuns do cantor: Agostinho espetacular, de1958; Inimitável Agostinho dos Santos, de 1959;Agostinho sempre Agostinho, de 1960, e Agostinhocanta sucessos, de 1961. O Volume 2, com osdiscos restantes gravados pelo cantor na extintaRGE, virá a seguir, segundo a gravadora.

Com capas originais e áudio remasterizado, além defichas técnicas e ilustrações, os discos trazem faixasbônus, revelando às novas gerações um intérpretemuitas vezes ignorado pelas anteriores.Representante da primeira geração da bossa nova,Agostinho dos Santos estouraria internacionalmenteem 1962, ao participar do célebre concerto de bossanova do Carnegie Hall, de Nova York (EUA), com oConjunto de Oscar Castro Neves, depois de gravarManhã de carnaval, tema do protagonista do filmeOrfeu do carnaval, de Marcel Camus, com trilha de Tom Jobim, Luiz Bonfá e Vinicius de Morais.

O longa­metragem, que conquistou a Palma de Ouro do Festival de Cannes (1959) e o Oscar (1960) demelhor filme estrangeiro, é produção ítalo­franco­brasileira que rendeu dois grandes sucessos a Agostinho.Além da música­tema de Orfeu, Manhã de carnaval, o cantor estourou com A felicidade.

RevolucionárioNeto de Agostinho, o multiinstrumentistaThiago dos Santos, de 29 anos, diz que aobra do avô chegou a ele por meio do pai,que estava sempre com os discos emcasa. “Escuto a obra de Agostinho desdeos 10 anos”, conta Thiago, que classificaa obra do avô de revolucionária. “A vozaveludada, aquele falsete, os picos decantar grave e agudo ao mesmo tempo”,recorda, emocionado, o neto, saudando ainiciativa de Marcelo Froes de trazer amúsica de Agostinho dos Santos de volta,graças à parceria do pesquisador eprodutor com a família.

O segundo box a ser lançado pelo seloDiscobertas vai reunir cinco discos docantor, de 1957 a 1973. O samba­cançãofoi um dos principais gêneros defendidospelo intérprete, incluído entre osintérpretes pré­bossa nova. “Na época,havia quem ficasse de cara virada para oscantores de rádio, só que meu avô eElizeth Cardoso explodiram com a bossa”,recorda Thiago dos Santos.

A divulgação e promoção da bossa novano exterior foi a principal contribuição deAgostinho Santos para a músicabrasileira, segundo Thiago. “Manhã decarnaval fez sucesso no mundo inteiro”,recorda o neto do cantor, lamentando oesquecimento da obra de Agostinho e detantos outros da mesma época, tais comoJohnny Alf, Elizeth Cardoso, Leni Andradee outros que ainda estão em atividade.Apesar de ele ter gravado inclusive noexterior (Venezuela, Chile, Portugal, Áfricado Sul e Estados Unidos), Thiago dos Santos desconhece o pagamento à família de direitos autorais deoutros países.

Preconceito racial

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Sob os cuidados da filha Nancy dos Santos, o acervo do cantor reúne rolos de filmes, fotografias, roupas,troféus e reportagens. Morto vítima de acidente aéreo, Agostinho dos Santos se preparava para participarde um festival de música na Grécia, no qual defenderia Paz sem cor, da parceria com Nancy, na qualabordavam o preconceito racial. “Segundo consta, ele sofreu preconceito ao frequentar clubes e outrosespaços”, lamenta Thiago, que planeja criar um espaço dedicado à memória do avô na região de Pinheiros,em São Paulo, onde reside.

Nos anos 1950­60, Agostinho dos Santos ganhou prêmios e atuou como compositor, além de cantor. Eletambém participou do lendário Festival de Bossa Nova do Carnegie Hall, em Nova York, em 1962, com oconjunto de Oscar Castro Neves. O cantor teve rápida passagem pelo rock'n'roll, nos anos 1950, gravandoAté logo, jacaré, versão de Julio Nagib para See you later, alligator, de Bill Halley & His Comets.

Na opinião de Marcelo Froes, Agostinho é um cantor singular, com sua voz e divisões, que não deixoudiscípulos. “É fácil reconhecer a voz dele, da mesma forma que é fácil reconhecer Miltinho”, compara opesquisador, lembrando que Agostinho gravou oito álbuns entre 1958 e 1964, o que totaliza mais de umlançamento por ano, reflexo do sucesso de então.

Ele tinha a voz aveludada, aquele falsete, os picos de cantar grave e agudo ao mesmo tempo ­Thiago dos Santos, músico e neto de Agostinho