Medidas jurídicas tentam se adequar ao Marco Civil da internet

10
Medidas jurídicas tentam se adequar ao Marco Civil da internet

description

Medidas jurídicas tentam se adequar ao Marco Civil da internet

Transcript of Medidas jurídicas tentam se adequar ao Marco Civil da internet

Medidas jurídicas tentam se adequar ao

Marco Civil da internet

Em 24 de agosto de 2011, o Marco Civil da Internet foi apresentado ao Congresso Na-

cional, com o intuito de regulamentar as práticas na web sem ferir o direito à liberdade

de expressão. A iniciativa trouxe elementos que lidam diretamente com os direitos e de-

veres dos usuários e servidores. O texto descrito pelo Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto,

tramita pela Câmara dos Deputados e propõe alterações nos termos do PL 84/99, chamado de

“AI-5 Digital” por internautas, críticos e ativistas.

O Deputado Federal Eduardo Azeredo (PSDB/MG) conseguiu a aprovação de seu projeto de

Projeto de Lei nº 84/99, em julho de 2008, quando ocupava o cargo de senador. No projeto,

estavam aspectos de combate a crimes virtuais - que também permitiam uma forte vigilância

aos usuários da rede – e prolongamento do período de acesso a dados gerados durante a na-

vegação.

Neste instante, profissionais da área jurídica, como a Doutora Gisele Truzzi, advogada especia-

lista em Direito Digital e Direito Criminal, têm papel fundamental no desenvolvimento de uma

legislação para a web e manutenção das leis que já compõem a Constituição. “A web permite

que qualquer internauta passe da categoria de ‘receptor” para “emissor’, quando falamos de

informação. Tal característica intrínseca da web pode facilitar a prática de alguns incidentes, se

o ‘emissor’ daquela informação não for consciente quanto aos seus atos”, explica. Veja a seguir

a entrevista na íntegra.

Você acredita que o Projeto de Lei

84/99 - também chamado de "AI-5 Digi-

tal" - fere, constitucionalmente, o direi-

to à liberdade de expressão na internet?

GT: Não, o PL 84/99 não fere a liberda-

de de expressão na Internet. Tal direito é

constitucional e inerente a todo e qual-

quer cidadão. O indivíduo é livre para dizer

o que pensa; desde que tal expressão

não configure um ilícito ou prejudique ter-

ceiros. Se, por exemplo, uma difamação

(crime contra a honra) ocorre no “mundo

real”, em uma praça pública, o ofendido

poderá buscar a tutela judicial para repre-

ender aquele que o ofendeu. A mesma

situação poderá ocorrer na internet, rece-

bendo o mesmo tratamento jurídico.

Buscar uma regulamentação e também

Não há tecnologia 100% segura, da mesma forma que não há lei 100% eficaz na prática.”

leis para a utilização da web garante o

bom uso da mesma e a segurança quan-

to aos dados pessoais dos usuários?

GT: Nós já possuímos todo um ordena-

mento jurídico que é capaz de regular a

maioria das situações que ocorrem na

web: Código Civil, Código de Defesa do

Consumidor, Código Penal, Constituição

Federal, e todos os outros diplomas le-

gais são aplicáveis às relações que ocor-

rem no “mundo virtual”. As relações so-

ciais e jurídicas são as mesmas, somente

tratadas em novo meio, que é a internet.

Quanto à questão da segurança e ao

bom uso da internet, estes dependem

muito mais dos usuários em si, do que

de leis ou de tecnologia. Não há tecnolo-

gia 100% segura, da mesma forma que

não há lei 100% eficaz na prática. O risco

é inerente ao uso da ferramenta.

Quanto à questão penal, há somente

uma pequena porcentagem de crimes

que ainda não são tutelados pelo nosso

Código Penal, e é esta a motivação do

Projeto de Lei sobre Crimes Informáticos.

Há delitos puramente informáticos, que

utilizam o ambiente tecnológico como

fim, e não como meio; e para conse-

guirmos a efetiva punição de tais ilícitos

é necessário que tenhamos uma legis-

lação específica. Isso porque em nosso

ordenamento jurídico temos o “princípio

da reserva legal”: não há fato que possa

ser considerado crime se não existir uma

lei anterior que o defina.

Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital

O Marco Civil da Internet surge para

tentar “amenizar” certos impactos que

o PL 84/99 poderia trazer, como pena

para blogs e sites que intermediarem o

compartilhamento de dados e também o

período em que servidores e provedores

têm para armazenar informações sobre

usuários. Esta tentativa de garantir a se-

gurança durante a navegação por meio

de controle de informações mantém os

direitos básicos de livre acesso à cultu-

ra no meio digital?

GT: O PL 84/99 já passou por várias mo-

dificações, tendo inclusive boa parte de

seu texto suprimido e alterado, excluin-

do-se os aspectos mais polêmicos, o

que resultou numa versão mais “enxuta”,

atual e dentro da razoabilidade, que é o

PL 587/2011. O Marco Civil não possui

relação com o PL sobre Crimes Informáti-

cos, tendo em vista que o primeiro é uma

regulação de âmbito civil, e o segundo,

de aspectos penais. Ambos são inde-

pendentes. A funcionalidade da internet

permite aos chamados “intermediários da

web” (provedores, blogueiros, produtores

de conteúdo, etc) maior liberdade do que

outro tipo de mídia (ex: jornais ou revis-

tas impressos). Nos veículos tradicionais

de imprensa, o controle do conteúdo é

prévio à publicação; e na internet, este

controle pode ser instantâneo, posterior

ou até mesmo não existir. A web permite

que qualquer internauta passe da cate-

goria de “receptor” para “emissor”, quan-

do falamos de informação. Tal caracte-

rística intrínseca da web pode facilitar a

prática de alguns incidentes, se o “emis-

sor” daquela informação não for cons-

ciente quanto aos seus atos. A iniciativa

do Marco Civil em impor determinadas

regras para os intermediários da web visa

exatamente a padronização no forneci-

mento dessas informações, bem como

proteger não só a vítima ofendida, mas

também o intermediário, o blogueiro, que

deverá fornecer dados dos usuários atra-

vés de ordem judicial, e deverá ser capaz

de armazenar os registros dos indivíduos

que publicam comentários, para que na

hipótese de requisição dessas informa-

ções em uma ação judicial, ele possa se

eximir da responsabilidade. É importante

diferenciarmos LOGS DE ACESSO (ou

“dados de conexão”) e DADOS CADAS-

TRAIS: os logs de acesso se referem ao

número de I.P. (Internet Protocol), data

e horário da postagem, com referência

GMT – fuso horário (Greenwich Meridian

Time); e por seu teor, não identificam

uma pessoa. Os DADOS CADASTRAIS

permitem eventualmente a identificação

do usuário, e consistem em: nome com-

pleto, RG, CPF, telefone, endereço. Tais

dados são fornecidos pelo provedor de

acesso à web somente via ordem judi-

cial, e possibilitam que identifiquemos o

responsável por uma conta de acesso à

internet.

Se o Marco Civil ainda está tramitan-

do pela Câmara dos Deputados, como

agir em casos de /cibercrimes /ou de

veiculação de conteúdo não autorizado?

GT: Conforme já dito anteriormente, a

legislação vigente é perfeitamente apli-

cável às situações ocorridas na inter-

net; portanto, conseguimos enquadrar

a maioria dos ilícitos em nosso Código

Penal, ou atrelarmos à responsabilida-

des vinculadas ao nosso Código Civil,

por exemplo. Havendo a veiculação

não autorizada de algum material na

internet, a pessoa deverá informar ime-

diatamente o site ou o responsável pela

publicação, solicitando a remoção do

conteúdo. Essa primeira comunicação

poderá ser feita por e-mail, pelo próprio

indivíduo que foi lesado. Caso este pri-

meiro contato não surta efeitos, o indi-

víduo poderá contratar um advogado,

que elaborará uma Notificação Extraju-

dicial a ser encaminhada para o respon-

sável pela publicação indevida. A Noti-

ficação Extrajudicial é um documento

formal, que por ser elaborada por advo-

gado, possui todo o embasamento jurí-

dico adequado à questão, e cientificará

o responsável das irregularidades prati-

cadas e solicitará as providências neces-

sárias. Se mesmo com o recebimento da

Notificação Extrajudicial, a publicação

indevida persistir, o advogado poderá

analisar a viabilidade de uma

ação judicial na esfera

cível, para obrigar

o responsável a

remover o ma-

terial. Depen-

dendo do tipo

de publicação,

é possível que

algum crime tam-

bém tenha sido prati-

cado. Neste caso, o advo-

gado também verificará se uma

ação criminal seria viável, a fim de punir

o responsável pelo ilícito praticado (o

que é comum nas situações que envol-

vem crimes contra a honra). Havendo a

prática de algum crime, a vítima tam-

bém poderá registrar um Boletim de

Ocorrência na Delegacia de Policia mais

próxima de sua residência. Importante

lembrar que é essencial a guarda de to-

das as provas eletrônicas relacionadas

ao caso: e-mails e mensagens originais,

“prints” de tela de sites, etc. Além dis-

so, a fim de preservar as provas, a víti-

ma poderá dirigir-se a um

Cartório de Notas com

todo o conteúdo

eletrônico origi-

nal armazena-

do em uma

mídia, e solici-

tar ao Tabelião

que lavre uma

Ata Notarial so-

bre este material. O

Tabelião acessará sites,

links e o material original forneci-

do, registrando tudo nesta Ata Notarial.

A Ata Notarial é um documento lavra-

do pelo Oficial do Tabelionato de Notas,

que tem fé pública e, portanto, é plena-

mente aceito pelo Judiciário.

Você acredita que é possível aplicar

estes modelos normativos dentro da

internet, uma vez que é característico

desta a troca de informações e dados?

GT: Entendo que modelos normativos

mínimos são necessários, para definir-

mos responsabilidades e tipificarmos

os crimes que ainda são uma lacuna

legal. Mas é importante não “engessar-

mos” a internet, dada sua característica

dinâmica, em constante atualização.

Para saber mais acesse: www.culturadigital.br/marcocivil

Texto: Vinicius SantosDiagramação: Anderson Meneses

www.catracalivre.com.br