Medida em Física 2008 FCT UNL

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1 A medida em Física, versão 2008 F. Parente Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa facp@ fct.unl.pt Objectivos 1. Aprender a exprimir estimativas de grandezas físicas; 2. Tornar-se familiar com alguns aparelhos de medida e sua incerteza; 3. Aprender métodos de tratar incertezas experimentais e algarismos significativos; 4. Praticar alguns cálculos matemáticos simples sem calculadora. Estimativas Num laboratório de Física devemos ser capazes de fornecer estimativas tanto quanto possível correctas das grandezas físicas dos objectos com que trabalhamos (o comprimento de um pêndulo, a massa de um corpo, etc.). Esta capacidade, que à primeira vista poderá parecer desnecessária, permite, no entanto, detectar um erro grosseiro efectuado numa medida. Deverá ser sempre aplicada a 1.ª Regra de Medida (RM 1): RM 1 – Antes de registar qualquer resultado de uma medida, faça sempre a seguinte pergunta a si próprio: “Este valor faz algum sentido?” Exercícios 1.1 1. Estima o comprimento e largura desta página em cm. 2. Estima o valor da aresta do cubo abaixo em cm. Calcule (sem calculadora) o volume desse cubo em cm 3 , a partir da sua estimativa. 3. Faz a estimativa do valor da massa de água em gramas necessária para encher o cubo referido em 2. Quando estimamos uma grandeza, como nos exemplos anteriores, estamos apenas interessados numa ordem de grandeza do seu valor. Se o valor que estimamos estiver

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A medida em Física, versão 2008 F. Parente

Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa

facp@ fct.unl.pt

Objectivos 1. Aprender a exprimir estimativas de grandezas físicas; 2. Tornar-se familiar com alguns aparelhos de medida e sua incerteza;

3. Aprender métodos de tratar incertezas experimentais e algarismos significativos; 4. Praticar alguns cálculos matemáticos simples sem calculadora.

Estimativas Num laboratório de Física devemos ser capazes de fornecer estimativas tanto

quanto possível correctas das grandezas físicas dos objectos com que trabalhamos (o comprimento de um pêndulo, a massa de um corpo, etc.). Esta capacidade, que à primeira vista poderá parecer desnecessária, permite, no entanto, detectar um erro grosseiro efectuado numa medida. Deverá ser sempre aplicada a 1.ª Regra de Medida (RM 1):

RM 1 – Antes de registar qualquer resultado de uma medida, faça sempre a seguinte pergunta a si próprio: “Este valor faz algum sentido?”

Exercícios 1.1 1. Estima o comprimento e largura desta página em cm.

2. Estima o valor da aresta do cubo abaixo em cm. Calcule (sem calculadora) o volume desse cubo em cm3

, a partir da sua estimativa.

3. Faz a estimativa do valor da massa de água em gramas necessária para encher o cubo referido em 2.

Quando estimamos uma grandeza, como nos exemplos anteriores, estamos apenas interessados numa ordem de grandeza do seu valor. Se o valor que estimamos estiver

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incerto em 25%, por exemplo, não tem qualquer importância. Felizmente, na maioria dos trabalhos experimentais das aulas práticas conseguiremos medir grandezas com muito menor incerteza.

É frequente em estudantes que iniciam trabalhos práticos de Física a existência de preconceitos que se não forem atacados de início, constituirão um obstáculo à aprendizagem.

Preconceito n.º 1: O objectivo de uma experiência realizada numa aula prática é a obtenção da resposta exacta.

Em geral não existe resposta "exacta", visto que qualquer resultado experimental

depende das condições em que a experiência é efectuada. Um bom exemplo é o dos consumos de combustível anunciados para os automóveis. Esses consumos são determinados experimentalmente em laboratório. Mas muitos de nós também já medimos experimentalmente os consumos dos nossos carros em "litros de gasolina por cada 100 km" e obtivemos, conceteza, valores diferentes.

Temos tendência a pensar que como nos laboratórios existe certamente equipamento sofisticado, os números anunciados devem estar "certos". No entanto, é frequente ouvir-se: "o meu carro é anunciado como consumindo 5 litros aos 100 km mas eu nunca consegui melhor do que 7 litros aos 100". A diferença resulta das condições experimentais diferentes. No laboratório as determinações são efectuadas utilizando uma espécie de tapete rolante, enquanto as nossas são efectuadas na estrada. O processo experimental no laboratório não leva em linha de conta adequadamente a resistência do ar e também o facto de os carros, mesmo que da mesma marca e modelo, serem diferentes uns dos outros. Não é de certeza uma boa aproximação das condições reais - ou seja conduzir o automóvel em estradas verdadeiras.

Preconceito n.º 2: É possível medir qualquer coisa exactamente.

Mesmo que as condições experimentais sejam as melhores possíveis, há sempre um limite para a resolução com que uma grandeza pode ser medida.

Ao determinar o consumo de um carro, temos consciência que muito raramente o depósito de gasolina é enchido até cima, e mesmo quando o é, é muito possível que algum combustível se derrame pela pintura do carro e acabe no chão. Mesmo se nós próprios enchermos cuidadosamente o depósito ficam sempre bolhas de ar e espaços vazios no depósito. Poderemos saber quantos litros de gasolina estão no depósito com uma resolução superior a 0,5 L?

E a bomba de gasolina? Estará bem graduada? Mesmo que o esteja, devido às inspecções oficiais periódicas, qual é a incerteza das leituras? Podemos perguntar o mesmo em relação ao conta-quilómetros do carro. Ambos têm uma resolução limitada, sendo difícil estimar para além dos décimos de litro ou km.

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Como resultado destas considerações, se calcularmos que o carro consumiu 18 L de gasolina num percurso de 300 km, ele pode efectivamente ter consumido 18,5 L ou apenas 17 L - há sempre uma incerteza na nossa medida.

Instintivamente podemos concluir outras coisas sobre esta medida. Primeiro, se repetirmos a medição muitas vezes, o número total de litros de gasolina utilizada dividido pelo número total de quilómetros percorridos dará uma estimativa melhor do consumo do carro. Isto faz sentido, porque as incertezas no enchimento do depósito diminuirão, se enchermos em estações de serviço diferentes. Contudo, se o conta-quilómetros do carro estiver errado consistentemente, o resultado final estará também sempre errado. Em segundo lugar, ficamos com a certeza de que o resultado que obtemos não é tão baixo como o anunciado pelo fabricante - eu sei que as incertezas na minha experiência não ultrapassam os 0,5 L aos 100 km! Consequentemente os dois resultados não estão de acordo e alguma coisa está evidentemente errada.

Qualquer medida que efectuamos - e não apenas as que efectuarmos nos trabalhos práticos - tem alguma incerteza a ela associada. Devido a este facto, um resultado é absolutamente inútil se não soubermos qual o seu grau de incerteza. É razoável pretendermos saber o grau de incerteza. Se compramos na praça um peixe que "pesa cerca de um quilograma" gostaremos de saber se "cerca de um quilograma" significa para o vendedor 0,9 kg ou 0,5 kg.

Preconceito n.º 3: A análise das experiências requer horas de aritmética aborrecida e matemática obscura.

Dada a importância do conhecimento das incertezas nos resultados, teremos de controlar as incertezas nas determinações experimentais. Este processo envolve alguns cálculos. Vamos aprender alguns processos de o fazermos rapidamente. Se procurarmos apreender correctamente estas ideias, pouparemos tempo a longo prazo. Assim poderemos prestar mais atenção aos aspectos físicos da experiência, que são os mais interessantes.

Incertezas experimentais Como vimos atrás, mesmo que o modelo experimental seja muito bom, a medida

experimental tem sempre um grau de incerteza associado. Naturalmente, tentaremos que as incertezas sejam tão pequenas quanto possível, mas, em qualquer caso, é necessário saber o valor dessas incertezas.

Se considerarmos a graduação de uma régua graduada em milímetros, podemos obter muita informação sobre fontes de incerteza em medidas de comprimentos. Ao tentar medir comprimentos com esta régua, seremos confrontados com a pergunta : "O que acontecerá se o objecto não corresponde exactamente a uma divisão da escala?". No caso de o objecto ter contornos bem definidos, como ao medir o comprimento desta folha de papel, a pergunta será "até onde poderei fazer uma estimativa?". Como a menor divisão da régua é l mm, será suficiente dizer que o comprimento da página é, por exemplo, 29,6 cm? Na realidade não é, porque nós somos capazes de estimar divisões até 2 ou mesmo 1 décimo de mm. O comprimento do papel pode ser 29,63 cm. Seria incorrecto dar o valor de 29,6 cm se sabemos que podemos ler a escala estimando mais

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uma figura - mesmo que a nossa estimativa seja incerta. Isto corresponde à segunda regra de medida (RM2):

RM 2 – Em aparelhos de medida analógicos (como a régua) leia sempre o com a maior resolução possível. Isto significa estimar até uma fracção da menor divisão da escala do instrumento.

Em aparelhos de medida digital (e.g. um cronómetro digital) onde a indicação da grandeza é fornecida de uma forma numérica e que varia por saltos discretos, a resolução corresponde a uma unidade do algarismo da direita (menos significativo).

Sabemos, no entanto, que a nossa capacidade de fazer uma estimativa é limitada. Quando estimamos 1/3 da menor divisão, poderia facilmente ser 1/2 ou mesmo 1/10. Dizendo de outra forma, quando estimamos o algarismo menos significativo como sendo 3, poderia ser 5 ou mesmo 1. Indicaríamos este facto escrevendo 02,063,29 ± cm. O termo ± 0,02 especifica a gama de incerteza. Significa que, de acordo com a nossa determinação, o comprimento da folha é muito provavelmente 29,63 cm, mas, devido à nossa capacidade limitada de o estimar, ele pode ter qualquer valor entre 29,61 cm e 29,65 cm. Note-se que o valor 29,63 cm tem a mesma probabilidade de ser demasiado grande ou demasiado pequeno. Isto é característico das incertezas aleatórias nas medidas. Se medirmos a página várias vezes muito provavelmente obteremos valores dentro da mesma gama, mas que estarão espalhados em torno de 29,63 cm.

Nesta medição estamos com sorte - podemos colocar a escala e o papel em cima um do outro e assim minimizar a incerteza. Quando isto não acontece, surge uma incerteza adicional devida à paralaxe. A paralaxe está ilustrada na figura abaixo.

Como a escala e o objecto estão separados, a nossa leitura pode variar numa gama de 10 divisões dependendo de a nossa vista estar colocada em A, B ou C.

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Evidentemente que deveremos colocar a escala tão perto quanto possível do objecto a medir, mas por muito esforço que façamos, restará sempre alguma incerteza.

É preciso ter em mente o aspecto importante de que não existe valor correcto para o comprimento porque a medida não pode ser perfeita. Se ficarmos influenciados pela primeira medida, continuaremos a obter sempre o mesmo valor. Mas assim estaríamos a supor que existe um valor correcto e a ignorar a incerteza e dispersão que ocorrem sempre numa operação de medida.

RM 3 - Em medições repetidas devemos sempre tentar ser imparciais. Não existe valor correcto porque haverá sempre alguma dispersão (ainda que em alguns casos possa ser muito pequena).

Há muitas causas para as incertezas aleatórias e não faz sentido indicarmos aqui

todas (alguns exemplos foram referidos quando do exemplo do consumo do automóvel). Contudo, falta referir um ponto importante. Suponhamos que a calibração da escala está errada. Como pode isso acontecer? Na pior das hipóteses, alguém poderá ter cortado os primeiros 3 cm da escala. Muito provavelmente este facto detectar-se-ia facilmente! Se não, todas as nossas medidas estarão demasiado grandes de 3 cm. Mais frequentemente, o topo da régua estará gasto de 1 mm. De novo todas as medidas estarão erradas desta quantidade. Ou a calibração pode ter sido efectuada sem cuidado. Ou, se a calibração foi efectuada a uma temperatura inferior à do laboratório, a régua pode ter-se dilatado. Então, todos os resultados estarão demasiado baixos.

Terá certamente notado a diferença entre estes exemplos e as incertezas aleatórias. Nos exemplos acima, todos os resultados estão desviadas da mesma quantidade e na mesma direcção. Estes são na realidade erros nas medidas, provocados por alguma falta de cuidado. Denominam-se erros sistemáticos e são muito diferentes dos erros ou incertezas aleatórios. Os erros sistemáticos podem em geral ser corrigidos (utilizando uma régua melhor, por exemplo) ou os valores obtidos podem ser corrigidos pela aplicação do mesmo factor de correcção a todos.

RM 4 - Detecte e corrija o maior número possível de erros sistemáticos. Em geral, esta regra significa observar cuidadosamente o aparelho de medida. Tem

3 cm cortados? O voltímetro já mostra um valor não nulo, mesmo sem estar ligado a um circuito? O micrómetro indica 0,015 mm quando as duas pontas estão encostadas? Em qualquer dos casos, substitua o instrumento ou corrija o erro de zero ou some (ou subtraia) o erro de zero a todos os resultados da medida.

Exercícios 1.2

1. Indique os valores máximos e mínimos possíveis para os seguintes resultados experimentais: 8,94 ± 0,06 cm, 0,00534 ± 0,00003 g.

2. Verificou-se que os primeiros 2 mm de uma régua graduada estão gastos. Dê o valor experimental correcto para o obtido com essa régua: 2,530 m.

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Algarismos significativos.

RM 5a – Um dos conceitos mais simples em aulas práticas de introdução à Física Experimental é o conceito de algarismo significativo.

RM 5b - Um dos conceitos menos compeendidos em aulas práticas de introdução à Física Experimental é o conceito de algarismo significativo.

Parece contraditório? A experiência mostra que muitos estudantes têm dificuldade no que respeita aos algarismos significativos. Na realidade é um conceito muito fácil se ler o que se segue com muito cuidado e efectuar os exercícios propostos.

Resulta tudo da RM 2. Como estimamos sempre o último algarismo significativo numa medida experimental, haverá sempre alguma incerteza associada a esse algarismo. Algarismos significativos são os que têm significado. Se medirmos o comprimento desta folha com uma régua graduada em mm, e indicarmos o resultado como sendo 29,633 cm, estaremos incorrectos. A menor divisão é 1 mm ou 0,1 cm e podemos estimar até 0,01 cm. Mas não temos absolutamente nenhuma informação sobre milésimos de cm, ou seja, nesta medição, a centésima de mm tem alguma incerteza mas a milésima é completamente incerta - não tem significado experimental. O valor obtido poderia, assim, ser 29,63 cm mas não 29,633 cm ou 29,6 cm.

RM 6 - Valores experimentais - tanto os obtidos directamente a partir de medidas como os calculados a partir destes - devem ser sempre apresentados apenas com um algarismo ao qual esteja associada alguma incerteza.

Esta é a regra básica dos algarismos significativos. Tudo seria simples se não existisse a calculadora. Se os seus cálculos fossem efectuados com uma régua de cálculo (calculadora manual antiquada conhecida apenas de pessoas nascidas antes de 1950), estaria limitado a 3 algarismos. Mas, devido ao facto de, ao carregarmos numa tecla, termos nove dígitos à frente dos olhos, teremos dificuldade em utilizar esta regra simples. A calculadora torna as coisas difíceis porque teremos de decidir quais destes nove algarismos não têm significado e eliminar todos eles, deixando apenas um com alguma incerteza. Felizmente existem métodos simples para implementar a RM 6.

Consideremos alguns exemplos. Para termos controle sobre os algarismos em

relação aos quais não temos certeza absoluta, vamos sublinhá-los. No dia a dia não é necessário fazer assim – é apenas para ilustrar o nosso raciocínio. Suponhamos o objecto da figura, constituído por três sólidos de latão – uma esfera, um cilindro e um paralelepípedo.

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Utilizando uma balança analítica, medimos as massas para a esfera e o cilindro e uma balança-dinamómetro para o paralelepípedo. As massas são 0,282 g, 79,545 g e 422,23 g, respectivamente.

A massa total será

esfera 0,282 cilindro 79,545

paralelepípedo 422,23

total 502,057 g

O resultado está escrito de forma incorrecta. Viola a RM 6 porque tem agora dois algarismos com incerteza. Para nos pormos de acordo com a RM 6 o resultado deve ser arredondado para cima (ver RM 7), sendo dado correctamente por 502,06 g. Quando escrevemos um resultado experimental, está implícito pela RM 6 que apenas o último algarismo do resultado está afectado de alguma incerteza (esta afirmação não tem nada de especial, estamos só a dizer neste exemplo que se apenas podemos medir a massa de uma parte do objecto até à centésima grama, não podemos obviamente conhecer a massa do objecto composto até à milésima do grama). A regra geral para a adição (ou subtracção) é a seguinte:

RM 6a. Quando se calcula um resultado experimental, adicionando ou subtraindo dados experimentais, arredonda-se de modo que o resultado final tenha a resolução da parcela com pior resolução.

Exercícios 1.3 Exprima os resultados dos seguintes cálculos com o número apropriado de

algarismos significativos: 1. 23,934 + 1,21 + 10,8521 = 2. 9,3 + 3,1412 + 113 =

3. 25,786 + 3,43 - 11,2 = Suponhamos agora que pretendemos obter a área de um rectângulo. O

comprimento, medido com uma régua, é 11,23 cm e para a largura obtem-se, com uma craveira, o valor 0,332 cm. A área é dada por

A = 11,23 × 0,332 cm2

.

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Vamos efectuar a multiplicação por extenso e sublinhar os algarismos com incerteza. Um algarismo está afectado de incerteza se resulta do produto de dois algarismos com incerteza ou de um conhecido com segurança por outro afectado de incerteza.

11,23 cm

× 0,332 cm

2246 3369

3369

3,72836 cm2

De acordo com a RM 6, o resultado correcto é 3,73 cm2. Apesar de o cálculo dar

3,72836 cm2

Chamamos a esta regra - que também funciona para a divisão - RM 6b.

, esta resposta é incorrecta. Os algarismos à direita do 2 não têm significado, de modo que devem ser arredondados. Repare que o resultado tem três algarismos significativos (o mesmo número de algarismos significativos que a largura). Este resultado ilustra uma regra que diz que o número de algarismos significativos no resultado de uma multiplicação é igual ao do factor com menor número de algarismos significativos.

RM 6b - Quando se calcula um resultado experimental por multiplicação ou divisão de dados experimentais, arredonda-se o resultado de modo que ele tenha tantos algarismos significativos como o do factor com menor número de algarismos significativos.

Nota importante - Veremos mais adiante (página 15, RM 10) que a RM 6b é

apenas uma orientação, deixando de ser obedecida quando conduza a resultados que violem a RM 6 que, esta sim, deve ser sempre obedecida.

Exercícios 1. 4 Exprima os resultados dos seguintes cálculos com número adequado de algarismos

significativos, de acordo com a RM 6b:

1. 2,934 × 1,31 =

2. 35,321 × 2,2 = 3. 645 : 31, 25 =

Nota: Como, segundo a RM 6, o último dígito apresentado é o único afectado de

incerteza, como fazer no caso seguinte? O comprimento 35,9 m pode também ser escrito na forma 3590 cm. Contudo, estes dois resultados têm significados muito

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diferentes. O primeiro indica que o 9 é incerto enquanto que o segundo implica que apenas o 0 está afectado de incerteza. Se é o 9 que é incerto como deveremos escrever o resultado correctamente em cm? A resposta é 3,59 × 103

Exercícios l.5

cm, escrito de uma forma denominada notação científica. Só surgem três algarismos significativos e a potência de 10 dá o valor correcto.

Escreva os seguintes números em notação científica, com o número correcto de algarismos significativos:

1. 9350000 2. 2, l0350000

3. 0,07560

Determinação de incertezas Todas as vezes que efectuar uma medida no laboratório deverá registar também

uma incerteza associada a essa medida. Há várias maneiras de proceder: 1. Em alguns casos efectuará apenas uma medida e deverá estimar a incerteza

máxima razoável na leitura do instrumento de medida. Ao fazer isso terá de responder à pergunta: "A que distância deste valor poderá estar o valor real devido às minhas limitações em alinhar e ler a escala do aparelho?". Em geral é possível estimar-se uma fracção da menor divisão da escala, de modo que a incerteza da medida poderá ser ± 0,1, ± 0,3 ou, por exemplo, ± 0,5 da menor divisão. Lembre-se que, em qualquer caso, deverá estabelecer a gama máxima de incerteza para a medida. (uma regra empírica será utilizar como incerteza ou erro de leitura metade de menor valor que conseguir ler na escala, directamente ou por estimativa).

Deverá ainda adicionar quaisquer incertezas na calibração (especificadas pelo fabricante do aparelho de medida) para estimar a incerteza máxima de leitura, e, evidentemente, deverá procurar todos os erros sistemáticos e efectuar as correcções que forem necessárias.

Este método de medida é, evidentemente, um método muito simplificado.

2. No exemplo que vimos do consumo de um automóvel, parece evidente que a

média de um grande número de determinações dará uma melhor estimativa do valor real do que apenas uma medida. Pode ser demonstrado estatisticamente que esta afirmação é verdadeira. Consequentemente, o segundo método de medida consiste em efectuar-se uma série de medidas - normalmente pelo menos 5 - e utilizar a média como o resultado experimental.

Se os resultados se representam por Nxxxx ,,,, 321 e efectuarmos um total de N medidas, então o valor médio x define-se do seguinte modo:

( ).121 Nxxx

Nx +++=

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Como poderemos determinar a incerteza? A maioria dos resultados será diferente da média. Podemos definir desvio, di

.xxd ii −=

, de um resultado em relação à média como

Após termos calculado a média, podemos fazer uma tabela de todos os desvios em relação a esse valor. Destes, escolhemos o maior desvio em relação à média, dmax. Aplicando as leis da estatística, verificar-se-ia que a melhor estimativa da incerteza num valor experimental calculado como a média de um número de medidas é uma quantidade denominada desvio padrão da média. Para já, no entanto, vamos tomar |dmax

maxdx ±

| como estimativa muito conservadora da incerteza. O resultado experimental deverá, assim, ser apresentado na forma

O valor absoluto assegura que o valor da incerteza é sempre um número positivo. O ± indica que a média tem igual probabilidade de se encontrar abaixo ou acima do valor real. Evidentemente, se o erro de leitura (obtido como se indica em 1.), for superior a |dmax

|, esse erro é que deverá ser utilizado para indicar a incerteza experimental. Os valores das incertezas deverão ser sempre apresentados com um único algarismo significativo.

RM 7 - Arredondamentos. Arredonda-se para cima (por excesso) se o primeiro algarismo a desprezar for 5 ou superior a 5 e para baixo (por defeito) se é 4 ou inferior a 4. No entanto, quando estiver em causa arredondar o valor de uma incerteza deve-se arredondar por excesso.

Exemplo

Os dados seguintes foram obtidos medindo a tensão de uma tomada de parede, utilizando um voltímetro, com uma escala de 250 V, com uma resolução indicada pelo fabricante de 0,5% do total da escala.

220,5 - 0,2 221,6 +0,9 220,1 -0,6 220,4 -0,3 221,6 +0,9 220,2 -0,5 219,9 -0,8 221,1 +0,4 221,4 +0,7 220,0 -0,7 ∑ =iV

2206,8

V = 220,68 dmax =

0,9

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Obtendo V9,07,220 ±=V . Contudo, a incerteza na calibração é de ±0,5% de 250 V, ou seja, ±1,3 V. Como |dmax

Exercícios 1.6

| < 1,3 V escolhemos para a incerteza ±1,3 V. No entanto, como a incerteza é dada com um único algarismo significativo teremos que arredondar para ±2 V e o resultado, de acordo com a RM 6, é 221 ± 2 V, supondo que não existem erros sistemáticos. Note que o arredondamento da incerteza é por excesso, seguindo a RM 7, porque o arredondamento para baixo (±1 V) implicaria desprezar cerca de 20% do valor original (0.3/1.3 ≈ 0.2).

1. Dispõe de uma régua graduada cuja escala é indicada como sendo precisa até 0,1% da leitura. O resultado que obtém para o comprimento de um objecto é 33,25 cm e a sua estimativa é de que pode ler a escala até ± 0,3 mm. Indique o resultado experimental correcto e a incerteza.

2 A medição efectuada em 1. é repetida mais 9 vezes, com a mesma régua, sendo obtidos os valores, 33,27, 33,21, 33,25, 33,25, 33,23, 33,24, 33,25, 33,28, 33,25. Calcule o valor médio e o desvio máximo, e apresente o resultado experimental na forma correcta.

Incertezas numéricas e relativas. Precisão relativa Até agora falámos apenas de valores numéricos ou absolutos das incertezas.

Quando estas são expressas como percentagem de um resultado experimental, denominam-se incertezas relativas. Suponhamos que obtemos para resultado da medida do comprimento de um bocado de arame com uma régua o valor 1,00 ± 0,02 m enquanto que para o diâmetro, medido com uma craveira (que é um instrumento de medida mais preciso, em geral), se obtém o valor 0,20 ± 0,01 cm. Qual destes valores é o mais preciso? A incerteza numérica no comprimento é ± 2 cm, enquanto que no diâmetro é ± 0,01 cm. Mas a primeira representa apenas ± 2% do comprimento enquanto que a última é ± 5% do diâmetro. O comprimento foi medido com maior precisão (relativa). Ao falar de precisão é importante examinar as incertezas em comparação com o valor medido, e é isso que a incerteza percentual indica.

Estas considerações chamam também a atenção para a importância da escolha do instrumento apropriado para uma medida. Supondo que podemos ler a escala de uma régua até ± 0,5 mm, obtemos uma precisão relativa de ± 0,05% quando medimos um comprimento da ordem de 1 m (1000 mm) . Mas se a utilizarmos para medir o diâmetro acima, ± 0,5 mm comparados com um valor de 2 mm faz descer a precisão relativa para ± 25%! Enquanto que a craveira permitiu uma precisão de ± 5%, um palmer ou micrómetro (outro instrumento apropriado para medir espessuras) permitiria provavelmente atingir uma precisão absoluta de ± 0,003 mm, ou seja, uma precisão relativa de ± 0,15 %.

Aritmética simplificada Estamos na idade do computador. Muitos estudantes estão convencidos de que

basta pôr os números num computador ou numa calculadora e está tudo resolvido. A calculadora tem o seu papel nas aulas práticas, mas muitas vezes necessitamos de fazer cálculos apenas com um algarismo significativo. Nestes casos, a cabeça funciona melhor (aliás será o único recurso quando as pilhas falham) .

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Devemos adquirir a capacidade de converter rapidamente incertezas absolutas para relativas. Com alguma prática, não será difícil manipular estes números, com a precisão de um algarismo, de cabeça ou com uma ou duas contas no papel. Mesmo se insistir em utilizar a calculadora, pratique estes exemplos de cabeça para o ajudarem a arredondar com um pequeno número de algarismos significativos. É sempre, aliás, uma boa ideia estimar de cabeça o resultado antes de efectuar os cálculos, mesmo se utilizar a calculadora.

Exemplos :

1. 6,33 ± 0,03. Queremos exprimir 0,03 como percentagem de 6,33. É fácil de ver que 0,03/6,33 é o mesmo que 3/633, muito próximo de 3/600. Mas 6/600 é 0,01 ou 1%, portanto 3/600 deve ser cerca de 0,5%. Resultado: 6,33 ± 0,5% (A calculadora dará o resultado 0,47393365% - mas este resultado terá de ser arredondado para 0,5% de qualquer modo!).

2. 9054 ± 4. 4/100 é 4%, e portanto 4/1000 é 0,4%, 4/10000 é 0,04% que deve estar muito perto de 4/9054 (A calculadora dará 0,04417937%). Resultado: 9054 ± 0,04%.

3. 127 ± 3%. 1% de 127 é 1,27 Três vezes este valor é 3 mais alguma coisa acima de 0,5, portanto arredondamos para 4. O resultado é 127 ± 4.

Como se vê é fácil. Poupe as pilhas da sua calculadora!!!

Exercícios 1.7 1. Preencha os espaços abaixo com resultados com a precisão de um algarismo

obtidos de cabeça - sem utilização de calculadora e sem efectuar os cálculos no papel (Tente, pelo menos).

Incerteza absoluta Incerteza relativa

6,75 ± 0,02

0,0079 ± 0,0001

2,81 ± 2%

2,995 × 10 8 ± 0,1%

1,60 × 10 ± 0,09 × 10-19 -19

2573 ± 0,3%

14,53 ± 0,02

14,53 ± 0,01

Propagação de incertezas Eis um exemplo do tipo de problemas que enfrentaremos na maior parte das

experiências. Mediu-se o comprimento e o diâmetro de um cilindro, obtendo-se o valor

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L = 10,31 ± 0,03 cm e D = 2,53 ± 0,01 cm, respectivamente. Pretendemos obter o volume do cilindro e a incerteza a ele associada, utilizando a fórmula

4

2 LDV π= ,

utilizando 1416.3=π . O resultado obtido é V = 51,8 cm3 (seguindo RM 6b). E quanto à incerteza associada a V? Podemos calcular os valores extremos. De acordo com as incertezas, L pode ter um valor máximo de 10,34 cm e D pode ter um valor máximo de 2,54 cm, obtendo-se V = 52,4 cm3. No outro extremo, o valor mínimo de L é 10,28 cm e de D é 2,52 cm, o que dá V = 51,3 cm3. Vemos assim que os resultados se encontram na gama de valores V = 51,8 ± 0,6 cm3

Se estes cálculos fossem sempre necessários, a análise das experiências nas aulas práticas tornar-se-ia exasperante. Na prática, existem métodos mais simples de lidar com este problema, que aprenderá mais tarde.

.

Este exemplo é ainda apropriado para notar o seguinte. Aqui utilizou-se um número de algarismos significativos de π apropriado, de acordo com o número de algarismos significativos dos valores utilizados das outras grandezas (π pode ser utilizado com o número de algarismos significativos que se desejar, mandando o bom senso que utilizemos o número necessário para que o resultado não tenha menos algarismos significativos que o que resultaria dos valores das restantes grandezas). Analogamente, a constante 4 que surge na expressão é equivalente a 4,000000 ... e por isso não tem influência no número de algarismos significativos do resultado.

Dedução simplificada das regras da propagação de incertezas Suponhamos que o cálculo do resultado R envolve várias grandezas independentes

medidas experimentalmente ),δ(),(δ),(δ zzyyxx ±±± etc. O resultado é uma função destas variáveis

( ).,,, zyxfR =

Obtemos a incerteza associada a R, utilizando a expressão que exprime a derivada de R em termos das derivadas das grandezas independentes, x, y, z, etc.;

...+∂∂

+∂∂

+∂∂

= dzzfdy

yfdx

xfdR

Vamos agora substituir os incrementos diferenciais dR, dx, dy, dz, ...por, ),...δ(),(δ),(δ zyx , isto é, estamos a assumir que

...)δ()(δ)(δ)δ( +∂∂

+∂∂

+∂∂

≅ zzfy

yfx

xfR

Como as incertezas em cada uma das variáveis independentes não dependem umas das outras, o limite superior da incerteza em R obtém-se substituindo o valor das derivadas parciais pelo módulo destas variáveis, isto é,

...)δ()(δ)(δ)δ( +∂∂

+∂∂

+∂∂

≅ zzfy

yfx

xfR

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Vamos aplicar este método a casos específicos.

A medida indirecta depende da soma ou subtracção dos resultados de duas medidas indirectas

Suponhamos

yxR +=

Então

)δ()δ()δ( yxR +=

Seja agora

yxR −=

O resultado será, de novo

)δ()δ()δ( yxR += .

e obtemos o resultado geral

Se yxR ±= , então )δ()δ()δ( yxR +=

RM 8 - Numa adição ou subtracção, a incerteza absoluta do resultado é igual à soma das incertezas absolutas das parcelas.

A medida indirecta depende do produto dos resultados de duas medidas directas Suponhamos agora

.xyR =

Então

),(δ )δ( )δ( yxxyR +=

em que utilizámos os módulos de x e y porque nos queremos colocar na situação mais conservadora possível.

Dividindo este resultado por xyR = , vem

yy

xx

RR )δ()δ()δ(

+=

Multiplicando por 100%,

( ) ( ) ( ))δ(%)δ(%)δ(% yxR += , i.e. a incerteza relativa de R é igual à somas das incertezas relativas de x e y.

Seja, agora, yxR =

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Obtemos ).δ()δ()δ( 2 yyx

yxR +=

Dividindo agora por yxR = , chegamos ao resultado

yy

xx

RR )δ()δ()δ(

+= como no caso da multiplicação.

RM 9 - num produto ou divisão, a incerteza relativa do resultado é igual à soma das incertezas relativas.

Exemplos 1. Suponhamos que queremos calcular a área de um rectângulo com lados

5,95 ± 0,06 cm (± 1%) e 1,09 ± 0,03 cm (± 3%). O produto é 6,49 cm2 ± 4%, ou 6,49 ± 0,26 cm2. Ainda que a RM 6b afirme que devemos conservar três algarismos significativos (porque cada um dos factores tem três algarismos significativos) a RM 6 diria que devemos arredondar para 6,5 ± 0,3 cm2

2. O seno de um ângulo é dado por

. Esta última é a correcta.

ha /sen =θ , em que a = 2,043 ± 0,001 cm (± 0,05%) e h = 1,8134 ± 0,0002 cm ( ± 0,01%). Obtemos o quociente a/h = 1,1266 ± 0,06% ou 1,1266 ± 0,0007. Ainda que a RM 6b afirme que devemos arredondar até quatro algarismos significativos (1,127), a RM 6 diz que o resultado correcto é 1,1266 ± 0,0007.

Estes exemplos conduzem à última regra (muito importante):

RM 10 - Nunca esquecer que as RM 6a e 6b são uma orientação que apenas deve ser utilizada quando a incerteza no resultado não é conhecida. Se calculamos a incerteza do resultado, então deve ser utilizada a RM 6 e o resultado deve ser arredondado de modo a conservar apenas um dígito com alguma incerteza.

Exercícios 1. 9 1. Uma fita métrica é fabricada juntando três fitas mais pequenas com comprimentos

1,543 ± 0,002 m, 30,34 ± 0,02 cm e 53 ± 1 mm. Qual é o comprimento da fita resultante e a incerteza absoluta a ele associada?

2. O volume de uma esfera sólida é ( ) 334 RV π= , em que R é o raio. Obtenha o volume e a incerteza absoluta a ele associada, se R = 10 ,3 ± 0,2 cm.

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3. Suponha uma esfera oca obtida escavando uma cavidade de raio r na esfera do exercício 2. Obtenha o volume V' da parte sólida e a incerteza absoluta a ele associada, se r = 5,2 ± 0,2 cm.

4. A corrente eléctrica num circuito de corrente contínua é dada por I = V/R. Se V = 117,3 ± 0,5% e R = 50,23 ± 0,6%, qual o valor de I?

5. Se x = 57, 3° ± 1%, obtenha o valor de cos x, bem como a incerteza a ele associada.

6. A amplitude de um pêndulo é dada por ateAA −= 0 . Se A0

= 5,44 ± 1%, a = 0,0215 ± 2% e t = 10,3 ± 2%, qual é o valor experimental de A e a sua incerteza?

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Traçado e Interpretação de Gráficos

Objectivo Aprendizagem de técnicas de apresentação de dados de forma gráfica e obtenção

de informação qualitativa e quantitativa a partir de um gráfico.

Relações entre variáveis Na maioria das experiências o objectivo é descobrir as relações entre variáveis

físicas. Regressando ao exemplo já utilizado – o consumo de gasolina de um automóvel – sabemos que o número de litros de gasolina consumidos por cada 100 km depende de um determinado número de factores: velocidade, peso transportado, pressão dos pneus, tipo de pneus, tipo de gasolina, afinação do sistema de ignição, afinação do carburador, etc. Dizemos que o consumo depende destes factores. Modificando uma ou mais destas variáveis, podemos provocar uma modificação do consumo de gasolina. Seria ridículo afirmar que “o peso transportado depende do consumo” ou “o tipo de pneus depende do consumo”. É evidente que não podemos conseguir uma modificação de qualquer das outras variáveis modificando o consumo. Se conseguirmos ver a diferença entre o consumo e as outras variáveis apresentadas acima, então, em termos matemáticos, conseguimos compreender a diferença entre variáveis dependentes e independentes. Variáveis independentes são aquelas que podemos modificar numa situação experimental e, se existe uma relação, essas modificações provocam modificações na(s) variável(eis) dependente(s).

Exercício 2.1 Em cada um dos grupos seguintes, indique a variável dependente. 1. Posição do termostato, número de janelas abertas, temperatura exterior,

temperatura interior. 2. Velocidade do vento, peso do barco à vela, velocidade do barco, ângulo entre a

direcção do vento e a vela. Este exemplo contem muito mais informação óbvia, se o examinarmos com atenção. Suponhamos que queremos determinar de que modo o consumo depende da velocidade. Poderíamos facilmente conceber uma experiência em que todas as variáveis, com excepção da velocidade, se conservassem constantes. É evidente que se fizéssemos testes a 60 km/h e a 75 km/h com dois passageiros no carro e depois a 90 km/h e a 105 km/h sem passageiros, não conseguiríamos tirar conclusões quanto à dependência do consumo em relação à velocidade.

Isto também é verdade nos nossos trabalhos experimentais. Tentaremos manter constantes todas as variáveis - com excepção de uma - de forma a podermos examinar de que forma a variável dependente depende dessa variável apenas. Muitas vezes é necessário engenho e grande precaução e, por vezes, é impossível. Por exemplo, na experiência da dependência do consumo em relação à velocidade, se o teste a uma velocidade constante for muito longo, podemos queimar uma quantidade tal de combustível que provoque um decréscimo significativo do peso, introduzindo assim uma modificação numa segunda variável dependente.

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Há evidentemente algumas variáveis que não terão qualquer efeito no consumo; por exemplo a cor do carro. Curiosamente, e por estranho que pareça, é normalmente mais difícil mostrar que uma coisa não depende de outra. Por exemplo, a nossa compreensão actual da electricidade e magnetismo depende da invariância da carga eléctrica - o princípio de que a carga eléctrica de uma partícula não varia, seja qual for a velocidade da partícula. Este facto foi testado até à precisão de uma parte em 1020, mas o que podemos afirmar com certeza é apenas que a invariância da carga eléctrica está correcta até uma parte em 1020

.

Representação gráfica de dados É em geral muito mais fácil visualizar uma relação entre variáveis através de um

gráfico do que a partir de tabelas de dados. É também muito mais fácil determinar graficamente relações empíricas quantitativas a partir de um conjunto de dados.

A tabela abaixo e o gráfico da figura seguinte representam dados obtidos numa experiência de queda livre de uma esfera metálica, resultante da atracção gravítica da Terra. A esfera cai a partir do repouso e a tabela mostra valores medidos da velocidade da bola em vários instantes após ser largada.

Tempo (s) (± 0,0003)

Velocidade (cm s-1

(± 10) )

0,0250 20,

0,0750 80, 0,1250 120,

0,1750 170, 0,2250 220,

0,2750 270, 0,3250 320,

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Repare nas seguintes características do gráfico, que deverão ser encontradas em todos os gráficos que traçar (e que nunca deverá esquecer no futuro):

1. O gráfico tem um título que, de forma clara mas breve, identifica as grandezas que descreve e a experiência a que se refere.

2. A variável independente é traçada no eixo dos x (abcissa) enquanto que a variável dependente é traçada no eixo dos y (ordenada).

3. Cada um dos eixos está claramente identificado com o símbolo da grandeza a que corresponde e a respectiva unidade.

4. Como neste caso todos os valores de ambas as variáveis são positivos, apenas é necessário um quadrante, com a origem no canto inferior esquerdo do gráfico. Se existem valores negativos em qualquer das variáveis poderiam ser necessários quadrantes adicionais, e a origem poderia ser movida para o centro do papel de gráfico (as escalas dos eixos não têm de começar sempre em zero).

5. As dimensões do gráfico são determinadas pelo número de algarismos significativos e pela incerteza associada aos dados. Numa folha de papel milimétrico existem 180 por 280 divisões de 1 mm. As escalas devem ser escolhidas de modo que a incerteza nos dados corresponda a várias divisões, sempre que possível. Repare que no gráfico apresentado uma divisão da escala da velocidade (ordenada) corresponde a 5 cm s-1

O erro mais comum consiste em condensar um gráfico num canto do papel. O comentário que podemos fazer é que, afinal de contas, o papel de gráfico não é assim tão caro. Utilize a porção da folha que seja apropriada para os seus dados (mas também não exagere!).

, e a incerteza corresponde a duas divisões. Escolhendo as escalas deste modo, qualquer divisão aleatória é visível no gráfico. Se se escolhesse uma escala em que uma divisão correspondesse a um valor menor do que este, o gráfico ocuparia uma porção maior da folha, mas a dispersão dos pontos traçados seria tão grande que se tornaria difícil fazer passar por eles uma linha. Por outro lado, uma escala menor, dar-nos-ia uma falsa segurança sobre a precisão dos dados, visto que a dispersão apareceria muito menor. Após termos enunciado esta regra, poderemos perguntar a nós próprios por que é que a incerteza no tempo é apenas 1/10 de uma divisão na escala das abcissas. O que se passa aqui é que a precisão das medidas do tempo é muito melhor do que a das velocidades, de modo que a maior parte da dispersão do gráfico resulta das incertezas na velocidade (como em tudo na vida, devemos utilizar o bom senso para escolher as escalas!).

6. As divisões da escala são escolhidas de modo a serem 1, 2, 5 ou 10 unidades da

grandeza representada, ou ainda, por vezes, 2,5 ou 4. A ideia é traçar um gráfico que possa ser lido facilmente. Utilizar divisões de 3, 7 ou 9 unidades torna a leitura difícil. No nosso gráfico, as divisões da velocidade correspondem a 5 cm s-1

7. Os pontos correspondentes aos dados devem ser traçados (com um círculo, um quadrado, ou outro símbolo) de modo a serem facilmente localizáveis, mesmo após ser traçada uma linha através deles. Se vários conjuntos de dados são

, enquanto as divisões do tempo são 0,0025 - um múltiplo de 2,5. Note que não é necessário escolher a mesma escala nas duas direcções (as unidades até são diferentes, em muito casos).

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traçados no mesmo gráfico, utilize uma cor diferente ou um símbolo diferente para cada conjunto de dados.

8. Sobre os pontos correspondentes devem ser desenhadas barras de incerteza (também chamadas barras de erro) indicando o grau de incerteza associado a cada ponto traçado. No nosso gráfico foram desenhadas barras verticais duas divisões acima e abaixo de cada ponto. Correspondem a ±10 cm s-1

9. Ao traçar-se a curva que melhor se ajusta aos dados é necessário recordar que, se há uma relação matemática entre as duas variáveis que medimos, esta deve ser representada por uma curva suave. Os pontos dos dados podem não se encontrar todos sobre esta curva devido á dispersão aleatória resultante das incertezas da medida. O objectivo é escolher a melhor curva que representa a relação.

, a incerteza na velocidade. Como a incerteza no tempo é apenas ±1/10 de divisão, não foram traçadas as barras que lhe corresponderiam. Quando os pontos são muitos não é necessário traçar as barras de incerteza em todos eles porque isso constituiria uma perda de tempo. Devem ser desenhadas em alguns pontos e, ao traçar a curva que melhor se ajusta aos pontos experimentais deve ser tido em conta que a todos eles estão associadas incertezas.

A linha a cheio no nosso gráfico foi escolhida como sendo a melhor curva. O critério para a escolha da melhor curva é sempre que os pontos correspondentes aos dados estejam distribuídos aleatoriamente acima e abaixo da curva, e que os desvios médios de cada lado da curva sejam aproximadamente iguais. De novo o bom senso deve ser utilizado aqui. Mais abaixo veremos como determinar a incerteza associada a esta escolha.

Obtenção de relações matemáticas a partir do gráfico O nosso gráfico mostra uma relação linear (uma linha recta) entre a velocidade e o

tempo. Uma relação linear exprime-se matematicamente na forma

bmxy +=

ou, no nosso caso,

bmtv +=

em que m representa o declive da recta e b representa a “ordenada na origem”, ou seja, a intersecção da recta com o eixo da variável independente (ordenada) quando a variável independente é igual a zero (no nosso caso, o valor de v quando t = 0 s, ou seja, a velocidade inicial). Para obter a relação que representa os dados, necessitamos apenas de obter m e b.

O declive é obtido a partir de quaisquer dois pontos pertencentes à linha, (x1,y1) e (x2,y2

.12

12xxyym

−−

=

), utilizando

Após termos traçado os pontos e obtido a melhor curva, devemos sempre escolher estes dois pontos de forma que (1) estejam sobre a linha, (2) não correspondam a pontos de dados e (3) estejam o mais separado possível. As duas primeiras características provêem do facto de que, uma vez traçada a linha, esta é uma representação média dos dados. Se utilizássemos pontos correspondentes a dados para obter o declive, estaríamos

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a desprezar o esforço efectuado para obtenção desta média. A terceira destina-se a minimizar as incertezas na leitura do gráfico.

Os dois pontos utilizados para obter o declive estão indicados por X no gráfico e o cálculo do declive encontra-se também na folha do gráfico. O declive é 980 cm s-2 (ou 9,80 m s-2

Na maior parte das experiências o declive possui significado físico e é tudo o que queremos obter do gráfico. Neste caso, o declive corresponde à aceleração da esfera.

). Repare que o declive físico que medimos tem unidades e portanto é diferente do declive geométrico (este é igual à tangente do ângulo que a recta faz com o eixo dos x).

Se a ordenada na origem for também necessária, pode ser obtida por extrapolação da recta até ao ponto de intersecção com o eixo dos y. Pelo gráfico, determina-se o valor 5 cm s-1

A questão seguinte consiste na determinação das incertezas associadas a m e b. Para as obter, temos de desenhar uma segunda linha – a tracejado no gráfico – que é a pior linha que se consegue ainda ajustar aos dados. As barras de incerteza podem guiar-nos neste caso. Devemos assegurar-nos que esta segunda recta não deixa de fora nenhum dos pontos dos dados mas que difere o mais possível da melhor recta. O declive e a ordenada na origem desta recta determinam-se do mesmo modo que vimos acima. Estes valores dar-nos-ão os piores valores absolutos que poderão ainda corresponder aos nossos dados. No nosso caso são m = 1060 cm s

. Este é o valor da velocidade inicial da esfera.

-2 e b = -10 cm s-1. Podemos desenhar também uma segunda pior linha com declive inferior ao da melhor linha, mas em geral basta duas rectas e as diferenças entre os valores de m e b delas são tomadas como incertezas. Assim, a partir do nosso gráfico, obtemos (atendendo a que o declive da recta corresponde à aceleração a da esfera e a ordenada da origem nos dá a velocidade inicial v0

-2scm10)898( ×±=a

desta):

ou -2sm8,08,9 ±=a -1

0 scm10)21( ×±=v ou ( ) -110 sm1021 −×±=v

Para saber mais - John R. Taylor, Error Analysis, (2nd

- Clifford N. Wall, Raphael B. Levine e Fritjof E. Christensen, Physics Laboratory Manual (3

Edition), University Science Books, Sausalito California, 1997.

rd

- W. J. Youden, Experimentation and Measurement, NIST Special Publication 672, US Department of Commerce,1972.

Edition), Prentice-Hall, Inc., Englewood Cliffs, New Jersey, 1972.