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Mediação de conflitos coletivos: uma alternativa para a comunicação regional* Regina Rosari Mugayar Guedes** Resumo Este artigo tem como objetivo ressaltar e explanar sobre a mediação como uma metodologia adequada para conflitos coletivos que envolvem atores de diferentes nacionalidades, contribuindo, sobretudo, para o desenvolvimento e melhoria da comunicação regional. Muito extensas e peculiares são as fronteiras geográficas entre os países que integram o MERCOSUL, oportunizando situações e impasses enfrentados por diversos entes coletivos. Parece imperioso o protagonismo de todos os atores dos diferentes segmentos e comunidades para administrar tais conflitos e caminhar rumo a soluções eficazes que contemplem as necessidades e interesses de todos os envolvidos. Palavras-chave: conflitos coletivos; mediação; diálogo. Abstract This article aims to highlight and explain about mediation as an appropriate methodology for collective conflicts involving actors of different nationalities, contributing, above all, to the development and improvement of regional communication. Very extensive and peculiar are the geographical boundaries between the countries that make up MERCOSUR, giving rise to situations and impasses faced by various collective entities. It seems imperative that all actors from different segments and communities play a leading role in managing such conflicts and moving towards effective solutions that address the needs and interests of all involved. Keywords: Collective conflicts; mediation; dialogue. ______________________________________________ * Artigo apresentado no XVII Congresso do FOMERCO Fórum Universitário Mercosul, Foz do Iguaçu, 2019.

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Mediação de conflitos coletivos: uma alternativa para a comunicação

regional*

Regina Rosari Mugayar Guedes**

Resumo

Este artigo tem como objetivo ressaltar e explanar sobre a mediação como uma

metodologia adequada para conflitos coletivos que envolvem atores de diferentes

nacionalidades, contribuindo, sobretudo, para o desenvolvimento e melhoria da

comunicação regional. Muito extensas e peculiares são as fronteiras geográficas entre

os países que integram o MERCOSUL, oportunizando situações e impasses

enfrentados por diversos entes coletivos. Parece imperioso o protagonismo de todos os

atores dos diferentes segmentos e comunidades para administrar tais conflitos e

caminhar rumo a soluções eficazes que contemplem as necessidades e interesses de

todos os envolvidos.

Palavras-chave: conflitos coletivos; mediação; diálogo.

Abstract

This article aims to highlight and explain about mediation as an appropriate methodology

for collective conflicts involving actors of different nationalities, contributing, above all, to

the development and improvement of regional communication. Very extensive and

peculiar are the geographical boundaries between the countries that make up

MERCOSUR, giving rise to situations and impasses faced by various collective entities.

It seems imperative that all actors from different segments and communities play a

leading role in managing such conflicts and moving towards effective solutions that

address the needs and interests of all involved.

Keywords: Collective conflicts; mediation; dialogue.

______________________________________________

* Artigo apresentado no XVII Congresso do FOMERCO Fórum Universitário Mercosul, Foz do

Iguaçu, 2019.

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* *Doutoranda em Psicologia Social pela UK (Universidad Argentina John F. Kennedy– Buenos

Aires); mediadora judicial do TJRJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro).

1. Introdução

Indubitavelmente, as questões ambientais vêm atingindo um patamar de

grave problema global, sobretudo nos últimos anos em que temos assistido

catastróficos acidentes com consequências ainda imensuráveis. Esses eventos

vêm mobilizando a sociedade civil organizada, os meios de comunicação e as

administrações governamentais em todos os continentes.

Os mecanismos de disseminação global de práticas e a adoção de

instituições que visam a proteção ambiental estão correlacionados com a difusão

de concepções e conhecimentos desenvolvidos por ONGs e organizações

científicas vinculadas à perspectiva ambientalista. No entanto, nem a ampla

propagação das preocupações de governos e setores da sociedade civil com as

questões ambientais nem a exaustiva programação de debates, em fóruns

regionais e internacionais, conseguiram ainda atingir um consenso no tocante a

soluções para a extensa pauta.

Muitas dessas questões e seus desdobramentos acabam por resultar em

inúmeros conflitos, em diversos embates decorrentes das incompatibilidades de

interesses dos diversos atores envolvidos. Encontram-se nesse cenário várias

entidades com acentuada discrepância, tanto de poder decisório quanto de

vulnerabilidade decorrente dos riscos a que estão expostos: desde as

comunidades do entorno das regiões afetadas, até as autoridades

governamentais nacionais e regionais. Nesse embate são travados conflitos

coletivos envolvendo as políticas públicas.

Como efeito colateral, temos assistido o acirramento de conflitos

decorrentes dos debates que vêm se intensificando. E como agravante, os

problemas têm se avolumado e se complicado com o passar do tempo, exigindo

novos reexames e soluções cada vez mais complexas. Ainda por cima, as

práticas que visam a prevenção primária nem têm sido cogitadas. Interesses e

medidas de ordem puramente econômicas têm prevalecido em detrimento do

bem-estar e da qualidade de vida de todos os reinos biológicos.

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Paradoxalmente, o proporcional êxito dos movimentos ambientalistas

redundou em um enfraquecimento da expressão utópica e revolucionária, que

era justamente aquilo que mobilizava os ativistas dos anos 60 e 70. Esse fato

parece ter decorrido da inserção da temática ambiental no âmbito das políticas

públicas governamentais. Por outro lado, a inclusão dos problemas ambientais

colaborou para a introdução e a expansão do espaço participativo da sociedade

civil nos mecanismos de decisão política de uma forma geral.

Nos últimos anos temos presenciado uma crescente institucionalização

da questão ambiental, resultante dos impactos ocorridos sobre o discurso e as

propostas ambientalistas. Dessa forma, as temáticas ambientais passam a se

subordinar às restrições impostas pela racionalidade administrativa, onde

predominam as saídas pragmáticas, politicamente admissíveis e

economicamente exequíveis consonante uma sociedade capitalista. Portanto,

mesmo que as demandas sejam legítimas no prisma ambiental, econômico ou

social, prevalecem outros interesses, aqueles organizados e representados na

esfera pública.

As modificações no eixo do movimento ambientalista foram bem

significativas, inclusive no tocante às abordagens na área acadêmica,

fragmentando, profissionalizando e especializando o movimento social. São

construídas as ciências ambientais, com forte status intelectual, adentrando e

assessorando as diversas esferas de decisão governamental relativas às

questões do meio-ambiente.

A posição destacada do meio acadêmico recebeu acentuado foco da

mídia, provocando um mecanismo de crescente distinção entre as esferas

científica e política, o que levou a novas metodologias de pesquisa e de

instrumentos para medir e avaliar os “riscos ambientais”. Foram também

desenvolvidas diversas abordagens sociológicas que buscam analisar a

complexidade da problemática ambiental, examinando os limites do discurso

“utópico-revolucionário” do incipiente movimento ambiental.

Em relação ao tema, parece existir uma significativa defasagem entre a

ação e o discurso das organizações sociais ambientalistas, a produção científica

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oriunda das ciências ambientais e a reflexão construída pelas ciências sociais.

O discurso ambientalista nas ciências sociais ainda resiste a mudanças,

havendo um forte elo entre ativismo ambientalista e a pesquisa acadêmica

orientada para a formação de uma “sociologia ambiental”.

Os problemas ambientais têm mobilizado uma grande variedade de

atores, sendo que as clivagens sociais, econômicas e políticas podem sofrer

alterações de acordo com a natureza dos problemas, abrangendo diferentes

atores coletivos em diversas configurações conflituosas. Desta forma, não

cabe tratar as questões ambientais como mera versão das relações de

trabalho, mas em considerar em conjunto aspectos estruturais, grupais e

individuais que concorrem para o cenário em questão. Portanto, torna-se

viável administrar conflitos de interesse quanto de dimensões culturais. O

foco analítico se volta para a esfera pública, espaço de conflito e de

negociação entre atores.

Quando as questões ambientais abrangem áreas geográficas situadas em

fronteiras entre diferentes nações nos deparamos com uma maior diversidade e

acentuada heterogeneidade de atores oriundos de várias origens, com diferentes

culturas, línguas, crenças e valores, leis nacionais, poderes públicos, inserções

políticas dentre outras.

As fronteiras dos países que integram o Mercosul possuem a mesma

dinâmica. Ainda que em alguns casos de forma mais atenuada por conta das

semelhanças culturais, são fronteiras que precisam ser compreendidas até

dentro do paradigma da integração como espaços do convívio com a

heterogeneidade de seus atores e recursos. Além disso, em muitas regiões

essas fronteiras deixam de ser físicas, tendo se transformado em espaços de

interseções em que as diferenças culturais conseguem conviver de formas bem

peculiares.

A grande complexidade dos conflitos coletivos requer a utilização de

dispositivos de prevenção e medidas apropriadas para a efetivação de novos

rumos para a resolução das questões enfrentadas, visto que tanto a excessiva

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judicialização como o insuficiente desempenho do processo adversarial não vêm

produzindo soluções viáveis, eficazes nem imparciais.

Esses conflitos têm provocado grande repercussão social e isso acaba

por exigir inadiáveis medidas eficazes para cumprir essas demandas, visto os

enormes impactos e a grande relevância na sociedade atual. Metodologias

baseadas no diálogo e no consenso podem minimizar o espiral de conflitos

quando aplicadas no momento em que políticas públicas contestáveis estão

sendo implementadas. Ademais, contribui para a legitimidade da democracia e

protagonismo do cidadão.

2. Perspectivas dos Conflitos

Considerando que todos os organismos vivos visam atingir uma

homeostase dinâmica, própria dos seus ciclos vitais, podemos entender que os

conflitos são inerentes à vida, geradores das transformações naturais. Conflito

significa vida. Não há vida sem conflitos. Cada fase do desenvolvimento vital traz

seus próprios e necessários conflitos, os quais representam a antítese da

estagnação e possibilitam que a humanidade enfrente os desafios apresentados

pelo planeta.

Não há conflitos sem mudança e as mudanças, ou suas perspectivas,

conduzem necessariamente a conflitos. A homeostase absoluta, a estagnação,

elimina o conflito, no entanto, paralisa a vida. A partir desta perspectiva, já se

pode conceber o conflito como necessário, útil, inevitável e transformador. Todas

as sociedades, organizações, grupos sociais e familiares, relacionamentos

interpessoais e internacionais, invariavelmente, experimentam conflitos em

algum momento ou no próprio processo cotidiano de interação. Isso endossa a

concepção de que o conflito não é necessariamente negativo, anormal ou

disfuncional. Em suma: o conflito faz parte da vida.

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Portanto, o conflito ou dissenso é fenômeno inerente às relações

humanas. É fruto de percepções e posições divergentes quanto a fatos

e condutas que envolvem expectativas, valores ou interesses comuns.

O conflito não é algo que deva ser encarado negativamente. É

impossível uma relação interpessoal plenamente consensual. Cada

pessoa é dotada de uma originalidade única, com experiências e

circunstâncias existenciais personalíssimas. Por mais afinidade e afeto

que exista em determinada relação interpessoal, algum dissenso, algum

conflito, estará presente. (VASCONCELOS: 2012, p. 19)

No campo das ciências sociais, encontramos diferentes conceitos de

conflito que atribuem sua causalidade à ocorrência de atividades incompatíveis.

No entanto, podemos ampliar o conceito, entendendo como um processo ou

estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses

ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis.

Podemos estender a definição de conflitos nos estudos sobre grupos,

onde os conflitos decorrem de ações ou crenças de um ou mais membros que

não são aceitas, desencadeando em resistências dos membros do grupo. Vale

ressaltar que as primeiras manifestações de sentimentos dentro de um grupo

geralmente possuem uma conotação negativa, tais como antipatia, hostilidade,

inveja, ressentimento, crítica etc.

O conflito também pode ser entendido como uma incompatibilidade de

comportamentos, cognições, objetivos e afetos entre pessoas ou grupos que

poderão, ou não, levar a expressões agressivas. A conduta, as cognições e

afetos consistem em fatores importantes porque as escaladas de um conflito

entre os indivíduos possuem uma correlação direta com o comportamento

destes, cada um reage em função da conduta do outro. O sentir, o pensar e o

agir estão sempre presentes nos conflitos. E em todas as interações estão

contidos o sentir, pensar e o agir. Desconsiderar estas variáveis implica em um

empobrecimento na compreensão do fenômeno do conflito e uma simplificação

do ser humano com uma divisão cartesiana entre corpo e mente.

Morton Deutsch (2004) contribuiu intensamente para a moderna teoria do

conflito com suas pesquisas e estudos sobre processos competitivos e

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colaborativos, elaborando importantes reflexões sobre as funções do conflito

para indivíduos e grupos. Em larga escala, os estudos modernos sobre o conflito,

suas causas e formas de administração e resolução recorrem aos conceitos de

Deutsch, cuja abordagem sociopsicológica ressalta os potenciais

transformadores do conflito.

A ideia central que norteia os estudos de Deutsch diz respeito às

condições que determinam se a solução de um conflito terá consequências

positivas ou negativas, supondo que o conflito é de valor social e pessoal.

Possuindo variadas funções positivas, o conflito pode evitar estagnações,

incentivar interesses e curiosidades. Deutsch acredita que o conflito representa

o caminho pelo qual os problemas podem se manifestar e ser resolvidos,

promovendo mudanças pessoais e sociais. O conflito, ainda, demarca os grupos

e auxilia na formação de uma identidade coletiva e individual. O autor destaca:

As dinâmicas do conflito interpessoal, intercoletivo e

internacional aparentam ter características similares e parecem

depender de alguns processos subjacentes comuns, como a “profecia

da auto-execução”, percepção e julgamento equivocados, e

“compromisso inconsciente”. Por exemplo, parece bem provável que,

tanto para grupos quanto para indivíduos, a profecia da auto-execução

opera no sentido de produzir hostilidade na parte de um disputante do

outro. Similarmente, coletividades e indivíduos geralmente enxergam

suas próprias ações para com o outro como mais legítimas e bem-

intencionadas do que as do outro perante si. (DEUTSCH: 2004, pag 32)

No arcabouço teórico de Deutsch, a forma como as pessoas interagem

será determinante para o desenho do conflito. Cada elemento de uma interação

social tende a responder ao outro de acordo com suas percepções e cognições

que muitas vezes não correspondem à realidade desse outro. Tomando ciência

da capacidade de percepção do outro, cada elemento se influencia pelas

próprias expectativas referentes às ações do outro.

As interações sociais são iniciadas por determinados motivos e também

geram novos motivos, podendo, ainda, modificar aqueles já existentes. Ou seja,

as interações são determinadas e determinantes. Novo valores e novos motivos

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vão surgindo à medida em que os atos praticados e os efeitos surtidos vão sendo

elaborados pelos elementos.

3. Mediação de Conflitos Coletivos

A mediação consiste em uma forma de negociação assistida, com a

intervenção de um terceiro neutro, baseada nos princípios da voluntariedade dos

participantes, da neutralidade, da confidencialidade e da imparcialidade do

mediador, a fim de que as pessoas envolvidas em conflitos possam encontrar

soluções mutuamente interessantes.

Enquanto um meio construtivo de resolução de conflitos, a mediação

oferece um espaço apropriado para desenvolver - quer naqueles que

desempenham o papel de mediadores, quer naqueles que como mediados

trabalham em conjunto para a resolução do seu problema - a capacidade de

respeito mútuo, comunicação assertiva e eficaz, compreensão da visão do outro

e aceitação da diferente percepção da realidade. Tratando-se de um meio de

resolução de conflitos, baseado no consenso, torna-se propício ao

desenvolvimento de soluções criativas, preservando a relação entre os

indivíduos em conflito, já que a cooperação, o respeito, a identidade e o

reconhecimento do outro enquanto pessoa são itens primordiais na prática da

mediação.

Importante ressaltar que a participação de um terceiro elemento neutral -

que não impõe nem sugere soluções, não julga nem emite opiniões acerca das

questões discutidas - confere ao processo um caráter eminentemente

pedagógico, dado que os participantes mantêm as próprias capacidades de

atuação e aprendizagem, com vista à obtenção de um consenso.

Independentemente do tipo de mediação ou do papel do mediador em

questão, todo desenvolvimento do processo de mediação deve pautar-se em

uma série de princípios de atuação, dos quais já foi comentado anteriormente: a

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voluntariedade, em que a intervenção do mediador deve ser aceite pelos

envolvidos, os quais têm ato livre e voluntário de participar e retirar-se a qualquer

momento; a confidencialidade, em que as partes se comprometem em manter

tudo que se passa em nos encontros em segredo, garantindo que as pessoas se

sintam mais disponíveis para se manifestarem e se expressarem; a

imparcialidade, em que o mediador deve manter-se independente, tanto das

partes como de qualquer outra instância, evitando as possíveis estratégias de

sedução ou cumplicidade das partes e mantendo quanto possível a sua

identidade ao evitando tomar partido.

O mediador argentino Luis Alberto Warat levanta profundas reflexões

sobre a tarefa do mediador e sobre a arte de mediar, enfatizando a essência do

afeto e do encontro com o outro como eixos norteadores de uma nova forma de

administrar conflitos humanos.

Os caminhos da Mediação podem ajudar a recuperar os sentimentos que

fazem o que somos; a desfazermos das camadas superficiais para

sermos muito mais íntegros nos confrontos com o outro (...) A Mediação,

em uma primeira aproximação, não seria outra coisa do que a realização

com o outro dos próprios sentimentos (...) Juntando todos esses

sentidos, poderíamos dizer que a Mediação é uma possibilidade de

poder ter o direito a dizer o que nos passa, ou uma procura do próprio

ponto de equilíbrio e do ponto de equilíbrio com os outros (...) Os conflitos

reais, profundos, vitais, encontram-se no coração, no interior das

pessoas. Por isto preciso procurar acordos interiorizados. (WARAT:

2004, p. 28-29)

Essas colocações apontam para o caráter essencialmente transformador

dos conflitos em prol do aprofundamento dos indivíduos e das relações

interpessoais. Desta forma, o conflito pode consistir em matéria-prima

fundamental para o desenvolvimento humano visto que está sempre presente na

subjetividade dos indivíduos e nos processos interpessoais. A mediação pode

representar um importante papel nessa engrenagem ao atuar junto aos seres

humanos pois está relacionada com uma forte dimensão emocional, buscando

transformar uma relação conflituosa em uma relação saudável e cooperativa.

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O nível de relacionamento entre partes em conflitos apresenta significativa

importância na eficácia da mediação, apresentando efeitos consideráveis

quando existe um relacionamento continuado entre as mesmas. Esse aspecto

deve ser levado em conta quando se elege um método apropriado de resolução

de conflitos, sobretudo quando há uma pauta envolvendo variadas questões.

Quando se reporta aos conflitos em torno do Poder Público, em uma

perspectiva que considere a relação democrática entre Estado e sociedade,

onde os cidadãos encontram possibilidades de decidir as atuações de seu

Estado que se legitima à proporção em que respeita seus cidadãos, não se pode

ignorar que cada ser privado, empresarial ou não, tem uma relação perene com

o Estado, do nascimento até a morte.

Este relacionamento se rompe apenas em casos muito pontuais e

atípicos, como por exemplo, a naturalização de outro país, sendo interesse do

Estado e do cidadão manter uma relação forte e producente, já que ambos são

interdependentes e se retroalimentam continuamente.

Esse mesmo processo ocorre quando se trata de conflitos que atingem

diferentes entidades públicas, cujas competências se complementam para

atender as necessidades e interesses gerais.

Considerando os aspectos expostos, cabe apontar para a mediação como

um método de resolução de conflitos mais apropriado para aas querela que

abrangem o Poder Público em todas as suas manifestações, ressaltando as

grandes vantagens em se adotar um caminho que pode proporcionar ganhos

mútuos, transformação nos relacionamentos e com grande potencial

transformador além da dimensão pedagógica, dentre outros. Essa prática pode

proporcionar oportunidades para todos aprenderem a administrar os conflitos de

forma positiva, prospectiva e peculiar, trabalhando de forma cooperativa e

criativa, com mais capacidade para lidar com as novas questões que vão

surgindo na dinâmica social.

Parece importante reafirmar o fato da grande complexidade que

singulariza os conflitos coletivos que envolvem políticas públicas, os quais se

desenrolam tanto na esfera administrativa quanto naqueles que foram

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judicializados. Esses conflitos podem ter origem em processos de licenciamento

ambiental, em demarcação de terras, desastres ambientais, disputa por recursos

naturais em fronteira entre outros.

A referida complexidade pode decorrer do fato de que esses conflitos

atingem uma diversidade de titulares de direitos no polo ativo e no polo ativo,

podendo atingir vários órgãos públicos. Pode também resultar do fato de que

esses conflitos derem multifacetados, atingindo direitos fundamentais que vão

de encontro a outros direitos igualmente fundamentais.

Parece evidente que situações de conflitos coletivos envolvendo entes

públicos apresente acentuada desigualdade de poder entre as partes. Já que a

solução conta com o protagonismo de todos, o mediador precisa levar em conta

esse desequilíbrio de forças e adotar abordagem adequada a cada tipo de

conflito, atuando de forma a neutralizar as desigualdades de forças que estão

em jogo e empoderando as partes mais frágeis.

Considerando o exposto, se faz necessário balizar a dinâmica do

procedimento da mediação de forma a garantir que todas as informações sejam

compartilhadas irrestritamente a todos os envolvidos, de modo que consigam

compreender com clareza e prever as possíveis consequências de cada fato

informado, equalizando o grau de conhecimento entre as partes.

Os mediadores deverão desenvolver suas atividades criando e

preservando oportunidades para que cada ator possa expor suas ideias,

percepções, necessidades e interesses para que as discrepâncias de poder não

interfiram nessa expressão. Devem, ainda, garantir que seja construído um

diálogo em que todos os envolvidos possuam consciência dos interesses em

jogo e de seus caminhos em prol da solução consensual.

Nesse contexto. as diretrizes que norteiam a postura dos mediadores

deverão ser calcadas em competência técnica e atitudes éticas de forma

diferenciada, pois a dinâmica e as especificidades dos conflitos coletivos são

peculiares, distintas dos conflitos particulares e interpessoais. Apesar disso,

existem princípios fundamentais que regulam o trabalho dos mediadores que

constam no Código de Ética da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de

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Justiça, que são: a confidencialidade, a competência, a imparcialidade, a

neutralidade, a independência e a autonomia.

No âmbito dos conflitos coletivos, sejam estes nacionais ou internacionais,

muitos dos países que adotam o procedimento da mediação indicam dois

mediadores ou mais para a tarefa, sobretudo quando envolve um número alto de

envolvidos. Ou, ainda, quando as questões a serem tratadas demandam alguns

pontos que poderão ser melhor compreendidas com mediadores de distintas

formações acadêmicas, já que na esfera dos conflitos coletivos é de extrema

importância o conhecimento dos mediadores acerca dos fenômenos geradores

de disputas, que podem atingir várias áreas de conhecimentos científicos.

Transcendendo a conduta técnica e ética, existem habilidades

indispensáveis a serem desenvolvidas pelos mediadores independentemente do

âmbito dos conflitos. Assim, pode-se apontar a capacidade de escuta; a

percepção aguçada às nuances das condutas das partes; flexibilização e

criatividade; paciência; capacidade para entender os conteúdos latentes dos

conflitos; empatia e aceitação positiva incondicional do outro; confiabilidade e

credibilidade.

Em suma, a simples presença do mediador tem o alcance de afetar a

condutas das partes. Ao longo do procedimento de mediação se desenrola uma

relação entre todos os envolvidos de forma que as características individuais das

partes podem afetar o mediador, assim como os traços particulares do mediador

podem também influenciar as partes. Daí a premência da atitude integradora dos

mediadores, devendo estar centrado e conectado com valores humanitários,

com a imprescindível atitude empática.

Faz-se dever do mediador assegurar às partes o ensejo de compreender

e analisar as implicações e o desdobramento de cada passo executado durante

o desenrolar da mediação, descrevendo e explicando todos os procedimentos a

serem realizados. Essa conduta pode contribuir para o empoderamento das

partes, as quais tomam consciência do processo com transparência e

autonomia. Enfim, na esfera dos conflitos coletivos que envolvem entes públicos,

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é condição imprescindível e essencial a clareza e objetividade do processo como

um todo, em cada etapa e em cada técnica utilizada durante a mediação.

Uma das tarefas essenciais dos mediadores se refere ao cuidado de

verificar se os termos do acordo firmado poderão ser realmente cumpridos,

prezando a sustentabilidade e esclarecendo as eventuais penalidades

decorrentes no caso de descumprimento. O acordo deve ser claro no que tange

as obrigações que competem a cada parte, estabelecendo um monitoramento

para acompanhar seu cumprimento.

4. Conclusão:

A finalidade do presente artigo consiste na introdução da mediação como

um caminho eficaz e producente para a resolução de conflitos coletivos

envolvendo políticas públicas e para a melhoria da comunicação regional dos

países que integram o MERCOSUL.

Foi destacado o quanto as questões ambientais vêm atingindo um

patamar de grave problema global, sobretudo nos últimos anos em que temos

assistido catastróficos acidentes com consequências ainda imensuráveis.

Muitas dessas questões e seus desdobramentos acabam por resultar em

inúmeros conflitos, em diversos embates decorrentes das incompatibilidades de

interesses dos diversos atores envolvidos. Encontram-se nesse cenário várias

entidades com acentuada discrepância, tanto de poder decisório quanto de

vulnerabilidade decorrente dos riscos a que estão expostos: desde as

comunidades do entorno das regiões afetadas, até as autoridades

governamentais nacionais e regionais. Nesse embate são travados conflitos

coletivos envolvendo as políticas públicas.

Considerando que a grande complexidade dos conflitos coletivos requer

a utilização de dispositivos de prevenção e medidas apropriadas para a

efetivação de novos rumos para a resolução das questões enfrentadas, foi

apontada a mediação como um método apropriado para tratar de tais impasses.

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Para contextualizar o escopo da mediação, foi abordado a compreensão

das perspectivas do conflito, ressaltando os seus aspectos positivos que podem

se desdobrar em caminhos muito proveitosos quando são bem administrados e

utilizados para o bem geral de todos os envolvidos.

Possuindo suas especificidades, os conflitos coletivos demandarão

formas peculiares para serem tratadas no procedimento de mediação. Desta

forma, os mediadores deverão ter condutas diferenciadas, considerando a

complexidade dos conflitos e, sobretudo, as desigualdades culturais e as

discrepâncias de poder entre as partes envolvidas.

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