MEC2373 - Escoamento em Dutosmultifasico.usuarios.rdc.puc-rio.br/CHP07.pdf · Created Date:...
Transcript of MEC2373 - Escoamento em Dutosmultifasico.usuarios.rdc.puc-rio.br/CHP07.pdf · Created Date:...
7 Padrões de Escoamento
7.1 Introdução
Uma das dificuldades no tratamento do escoamento multifásico está associado ao fato de que a
transferência de massa, quantidade de movimento e energia pode ser especialmente sensível à
distribuição dos componentes no escoamento. Por exemplo, a geometria pode ter uma influência
significativa na área de troca de massa, quantidade de movimento e energia entre as fases,
gerando uma dependência do escoamento na distribuição dessas no interior do duto. Portanto,
existe um acoplamento bidirecional entre o escoamento das fases e sua geometria, tornando a
complexidade deste acoplamento um enorme desafio para os estudos de escoamentos
multifásicos. O tópico permanece um vasto campo aberto à investigação científica. Um ponto
de partida para esses trabalhos é a descrição das distribuições geométricas, ou padrões de
escoamento, observados nos escoamentos bifásicos.
A despeito das dificuldades, um significativo avanço na modelagem de escoamentos
multifásicos aconteceu quando mapas de arranjos de fases foram introduzidos, uma vez que esses
permitiram a compreensão da física do processo, em particular nos escoamentos bifásicos. A
introdução de leis de fechamento baseadas nos arranjos de fases tornou possível descrever a
transferência de massa, quantidade de movimento e de energia nas interfaces gás-líquido. Numa
situação ideal seria desejável termos:
• Uma descrição do regime de escoamento e a compreensão de como eles evoluem de
um arranjo para outro;
• Modelos baseados em situações físicas reais para cada regime de escoamento que
considerem os efeitos de geometria, escala, propriedades variáveis e condições de fluxo;
• Leis de fechamento obtidas de descrições analíticas do escoamento, também
denominados modelos mecanicistas;
• Conhecimento claro das limitações de cada modelagem, especialmente das situações
em que esses não representam adequadamente situações reais.
Infelizmente os arranjos geométricos dos escoamentos bifásicos são extremamente
complexos e encontram-se longe de serem bem compreendidos. Neste, e nos capítulos
subseqüentes, procuraremos descrever a situação atual do conhecimento de alguns arranjos e
7.1
destacar as complexidades e limitações de alguns modelos utilizados em escoamentos gás-
líquido.
Nomenclatura
Uma limitação que encontramos na nossa língua é a ausência de uma nomenclatura consolidada
na área. O problema deve-se ao reduzido desenvolvimento do setor, em particular, na falta de
consenso para a definição dos arranjos de fases. É comum entre os profissionais da área a
utilização da nomenclatura inglesa, amplamente adotada em todo o mundo. A Tabela 7.1.1
apresenta as expressões utilizadas neste texto, vis-à-vis os respectivos termos da literatura
inglesa.
Tabela 7.1.1 Expressões para padrões de escoamento
Inglês Português
Gas Gás
Mist Névoa
Disperse Disperso
Stratified Estratificado
Separated Separado
Annular Anular
Plug Pistonado
Slug Golfada
Churn Caótico ou Agitante
Froth Espumado
Bubbly Bolha dispersa
Elongated bubble Bolha alongada
Wavy Ondulado
Smooth Suave
Homogeneous Homogêneo
Liquid Líquido
7.2 Topologia de Escoamento Bifásico
7.2.1 Padrões de Escoamento
Uma distribuição particular da geometria das fases é denominada regime de escoamento, padrão
geométrico de escoamento ou, simplesmente, padrão de escoamento. Via de regra o padrão de
escoamento é identificado visualmente, embora outros meios sejam também utilizados, sobretudo
com o emprego de instrumentos especiais.
7.2
A Fig. 7.2.1 mostra arranjos de fase num duto circular horizontal para escoamento no
sentido esquerda-direita, enquanto a Fig. 7.2.2. ilustra arranjos típicos para escoamento vertical
ascendente.
Para o escoamento horizontal podemos classificar os seguintes arranjos:
• Estratificado. O arranjo acontece para velocidades de gás e líquido relativamente
baixas. As duas fases são separadas devido a ação da gravidade. O líquido fica na parte inferior
enquanto o gás localiza-se acima daquele. O escoamento pode ser subdividido em outros arranjos
como estratificado suave e estratificado ondulado.
• Intermitente. Caracterizado pelo escoamento alternado de líquido e gás. Pistões ou
golfadas de líquido que preenchem a seção do duto são separados por bolsas de gás que contêm
uma camada estratificada de líquido que escoa na parte inferior do duto. O mecanismo do
escoamento caracteriza-se por uma golfada de líquido deslocando-se a uma velocidade alta que
sobrepuja o filme líquido. O líquido no corpo da golfada pode conter bolhas de gás que se
concentram na parte frontal e superior desta. De uma maneira geral o escoamento intermitente
pode ser subdividido em bolha alongada e golfada. O escoamento em bolha alongada pode ser
considerado como caso limite do escoamento em golfada quando esta não contém bolhas.
• Anular. Esta situação ocorre para velocidades de gás elevadas. A fase gasosa concentra-
se na parte central do duto, que pode conter gotículas em suspensão. O líquido escoa num filme
líquido fino na parede do duto. A interface tende a ter um perfil ondulatório que produz tensões
cisalhantes elevadas. Devido ao efeito da gravidade a espessura do filme na parte inferior tende
a ser maior do que no topo, dependendo das vazões relativas de gás e de líquido. Para baixas
razões de vazão gás-líquido a maior parte do líquido concentra-se na parte inferior do duto,
enquanto ondas instáveis de líquido cobrem a superfície restante do duto, eventualmente
molhando a parte superior. Este escoamento acontece na transição entre ondulado-estratificado
e golfada e anular. Não é simplesmente anular, uma vez que o filme líquido não ocorre
completamente na periferia do duto. Também não é ondulado-estratificado, pois o líquido não
se mantém totalmente estratificado, mas cobre a parte superior do duto. De acordo com a
definição e os mecanismos que caracterizam os escoamentos em golfada e anular, este regime
é denominado de ondulado-anular.
• Bolha Dispersa. Nas velocidades elevadas de líquido a fase líquida caracteriza-se
como contínua contendo bolhas de gás dispersas, ou simplesmente bolhas discretas. A transição
para este arranjo é definida pela condição em que as bolhas estão em suspensão no líquido, ou
quando bolsas de gás são destruídas quando essas tocam a parte superior do duto. Quando isto
ocorre, a maioria das bolhas encontram-se na parte superior. Para velocidades elevadas de líquido
as bolhas tendem a se distribuir de forma mais uniforme na seção transversal. Na condição de
7.3
7.4
escoamento em bolha-dispersa resultante de velocidades elevadas de líquido, as duas fases
tendem a se deslocar na mesma velocidade, constituindo um escoamento homogêneo.
Para o escoamento vertical ascendente podemos classificar os seguintes arranjos:
• Bolha Dispersa. Semelhante ao escoamento horizontal, esta condição acontece quando
a velocidade do líquido é relativamente alta, para a qual a fase gasosa é dispersa na fase líquida
contínua. Neste caso, o líquido transporta as bolhas de gás à mesma velocidade. Portanto, o
escoamento é também homogêneo, sem deslizamento.
• Bolha. A fase gasosa encontra-se distribuída dispersamente em pequenas bolhas,
deslocando-se em trajetórias em zig-zag na fase líquida contínua. Nesta configuração (vertical)
a distribuição das bolhas é aproximadamente homogênea na seção transversal do duto. O
escoamento em bolha acontece para velocidades de líquido relativamente baixas, com baixa
turbulência, caracterizando-se pelo deslizamento entre as fases gasosa e líquida, resultando em
altas concentrações de líquido; i.e., em elevadas frações volumétricas de líquido.
• Golfada. O escoamento vertical ascendente em golfada é simétrico com relação ao eixo
do duto. A maior parte do gás concentra-se em bolsas de gás de tamanho expressivo,
denominadas “bolhas de Taylor”, com diâmetro quase igual ao diâmetro do duto. O escoamento
consiste de uma sucessão de bolhas de Taylor e golfadas líquidas que cobrem toda a seção
transversal. Um pequeno filme líquido escoa entre a bolha de Taylor e a parede do duto. O filme
penetra na golfada subseqüente, criando uma zona de bolhas de gás nesta.
• Caótico. Este arranjo se caracteriza pelo movimento oscilatório da fase líquida, sendo
similar ao escoamento em golfada, exceto pelo fato de ser muito mais caótico, sem uma definição
clara da interface gás-líquido. O escoamento ocorre nas velocidades mais elevadas do gás,
quando as golfadas líquidas se quebram, tornando-se pequenas e nevadas. A quebra das golfadas
no gás tende a provocar a queda do líquido, fazendo com que este se junte à golfada seguinte.
Como resultado, o formato de bala das bolhas de Taylor, típico nos escoamentos em golfada,
tende a ser distorcido, provocando uma mistura caótica.
• Anular. Como na situação horizontal, este escoamento se caracteriza por um núcleo
gasoso (contendo gotículas de líquido) que se desloca a velocidade elevada e um filme líquido
escoando junto à parede do duto. A interface gás-líquido é caracterizada por uma superfície de
forma ondulatória que provoca tensões cisalhantes altas. No caso vertical, a espessura do filme
líquido tende a ser uniforme ao longo do perímetro do duto.
Escoamento Inclinado Descendente
O arranjo dominante para escoamento inclinado descendente é o ondulado-estratificado que
ocorre numa ampla faixa de ângulos de inclinação; ou seja, entre a horizontal e -80º com a
horizontal, no sentido descendente. Como observado nos escoamentos horizontal e ascendentes
7.5
inclinado e vertical, escoamentos em bolha-dispersa e anular ocorrem para altas taxas de vazão
de líquido e de gás, respectivamente. Para escoamento vertical descendente o arranjo estratificado
não existe, enquanto o escoamento anular ocorre, mesmo para baixas velocidades de gás, sob a
forma de um filme líquido descendente. O escoamento vertical descendente em golfada é
semelhante ao escoamento ascendente, exceto pelo fato da bolha de Taylor ser instável e
excêntrica com relação ao eixo do duto. A bolha de Taylor poderá descer ou subir, dependendo
da vazão relativa das fases gasosa e líquida.
Qualquer tentativa de obter uma solução única para todos os arranjos nos escoamentos
bifásicos representa um enorme desafio. O procedimento geral de abordagem do problema é
começar pela identificação do arranjo de fase. Uma vez determinado, um modelo separado para
cada arranjo deve ser desenvolvido de tal forma que as características do escoamento possam ser
encontradas, como o gradiente de pressão, a fração volumétrica e os coeficientes de troca de
calor.
7.2.2 Mapas de Arranjo de Fase
Para escoamento vertical e horizontal em dutos a vasta maioria das investigações foram (e são)
realizadas procurando determinar a dependência do padrão com alguns parâmetros do
escoamento, como fluxos volumétricos (jG, jL), frações volumétricas (áG,áL) e propriedades dos
fluidos, como massas específicas, viscosidades e tensão superficial. Os resultados são geralmente
mostrados em mapas de arranjo de fase que mostram o regime de escoamento acontecendo em
diversas regiões em função dos fluxos das fases. Os fluxos podem ser especificados como
volumétricos, de massa, de quantidade de movimento ou outro qualquer, de acordo com a
preferência do autor. Baker 1 é considerado pioneiro na área. Seu mapa, mostrado na Fig. 7.2.3,
utiliza coordenadas dimensionais e adimensionais onde GG e GL representam os fluxos de massa
de gás e líquido, respectivamente, e ë=[(ñG/ñAr)(ñL/ñAgua]1/2 e ê=(óAgua/ó)[(ìL/ìAgua )(ñAgua/ñL)
2]1/3
são fatores de correção para as propriedades dos fluidos para unidades de campo. Sumários
desses mapas são comuns em textos clássicos sobre escoamento bifásico como, por exemplo,
Wallis2 e Govier e Aziz3.
Os contornos entre os arranjos de fase ocorrem uma vez que o regime se torna instável
à medida que se aproxima desses, enquanto o crescimento da instabilidade provoca a transição
1 Baker,O. Design of pipelines for simultaneous flow of oil and gas, Oil&Gas J.,53, 1954.2 Wallis, G.B., One-Dimensional Two-Phase Flow, McGraw-Hill, 1969.3 Govier, G.W., Aziz, K., The Flow of Complex Mixtures in Pipes. Robert Krieger Publishing
Co., 1982.
7.6
Figura 7.2.3 Mapa de arranjo de fase de Baker para escoamento bifásico horizontal em duto.
Ref. Govier e Aziz 3.
para outro arranjo. Como na transição laminar-turbulento no escoamento , as transições podem
ocorrer de forma um tanto imprevisível, uma vez que podem depender de outras características
do escoamento como rugosidade da parede, condições de entrada, vibração, transientes etc.
Portanto, os contornos de transição não são linhas bem definidas, mas zonas de transição mal
caracterizadas.
Existem outras dificuldades na área. Uma delas está associada ao fato de que as
coordenadas dos mapas são freqüentemente apresentadas na forma dimensional, resultando que
os escoamentos se aplicam somente para dutos com dimensões específicas e para as condições
particulares utilizadas na investigação. A despeito de tentativas de universalização de resultados
por parte de muitos pesquisadores, ainda não existe, mesmo para geometrias simples, mapas de
arranjo de fase adimensionais que incorporem a dependência paramétrica completa das
características dos escoamentos. Outras questões sérias ainda permanecem, como incertezas
associadas aos comprimentos necessários para atingir escoamento totalmente desenvolvido a
partir da entrada ou de componentes, como curvas e válvulas, por exemplo. Em certos casos, a
mera igualdade de parâmetros adimensionais, como os números de Reynolds e de Froude, não
é garantia de reprodução de situações similares a partir de um dado mapa. Em certas
circunstâncias, condições aparentemente similares produzem arranjos distintos.
Por constituírem situações de grande interesse industrial, vamos considerar alguns
exemplos clássicos de mapas de arranjo de fase para escoamentos bifásicos vertical e horizontal
em dutos. Destaque-se, todavia, que outros mapas poderiam ser escolhidos, alguns dos quais
serão analisados posteriormente neste texto.
7.7
Mandhane et al. sugeriu que as regiões que definem os diversos regimes de escoamento
deveriam ser mais adequadamente definidas pelas velocidades superficiais. Todavia, deve-se
destacar que a maior parte dos experimentos de Mandhane ficaram restritos a escoamentos de
ar e água sob condições atmosféricas. A Fig. 7.2.4 mostra os resultados para diversos regimes
de escoamento num tubo de 25 mm de diâmetro de acordo com os trabalhos de Taitel & Dukler
e Mandhane et al. As previsões semiteóricas de Taitel & Dukler coincidem razoavelmente com
os dados experimentais de Mandhane. Por outro lado, essas correlações parecem ser mais
adequadas para extrapolação para uma faixa maior de diâmetros de tubos e de propriedades
físicas dos fluidos. Os autores mostraram que esses parâmetros têm efeitos consideráveis sobre
os resultados. Todavia, estudos mais recentes mostraram que as correlações de Taitel & Dukler
apresentam deficiências também; cf., Hetsroni4 .
Figura 7.2.4. Comparação entre fronteiras de arranjos de fases para escoamento ar-água em um tubo
horizontal de 25 mm de diâmetro utilizando os métodos de Taitel & Dukler (1976) e de Mandhane et al.
(1974). Linhas sólidas representam limites para dados experimentais enquanto zonas sombreadas os
limites teóricos de Taitel & Dukler. Ref. Hetsroni 4.
A Fig. 7.2.5 mostra os efeitos da variação de diâmetros para situações similares àquelas
indicadas na Fig. 7.2.4; ou seja, para tubos com 12,5, 25, 50 e 300 mm de diâmetro. Observe que,
embora a configuração geral dos mapas seja mantida, há um efeito não desprezível do diâmetro
sobre a definição das fronteiras dos diversos regimes.
4 Hetsroni, G., Handbook of Multiphase Systems, Hemisphere Publishing Corp., Cap.2, 1982.
7.8
Figura 7.2.5. Mesmo que Figura 7.2.4 mas mostrando mudanças para os arranjos de fases para vários
diâmetros: 12,5 mm, 25 mm, 50 mm, 300 mm. Ref. Brennen 5 .
Conforme já destacado, coordenadas universais para os mapas de regime de escoamento
talvez nunca sejam conseguidas uma vez que, para cada transição, parâmetros relevantes tendem
a ser distintos uns dos outros. Assim, por exemplo, para escoamentos verticais Hewitt & Roberts
recomendam mapas conforme indicado na Fig. 7.2.6. Nesses mapas as coordenadas são os fluxos
de quantidade de movimento superficial das respectivas fases, i.e. ñGjG2 e ñLjL
2. Esses mapas são
razoavelmente precisos, podendo ser utilizados para uma gama razoável de propriedades físicas
de fluidos.
Para escoamento vertical descendente os regimes são diferentes daqueles para escoamento
ascendente. A característica principal desse escoamento é o domínio do regime anular. Deve-se
destacar que o escoamento anular pode ocorrer, mesmo sob condição de vazão nula de gás, sob
a forma de um filme líquido em queda. Resultados para um sistema de ar e água são mostrados
na Fig. 7.2.7.
5 Brennen, C.E., Fundamentals of Multiphase Flow, Cambridge U. Press., Cap. 7, 2005.
7.9
Figura 7.2.6. Mapa de arranjo de fase de Hewitt & Roberts (1969) para escoamento vertical ascendente.
Ref. Hetsroni, op. cit.
Figura 7.2.7. Mapa de arranjo de fase para escoamento vertical descendente, Golan & Stenning (1969).
Ref. Hetsroni, op. cit.
7.10