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    Msica, Comunicao e Experincia Esttica / Eduardo Seincman

    Primeiro Semestre / 2014

    Aluno: Eduardo Guerra Patrezze / nUSP: 6795395

    Pequeno Ensaio Apressado

    Uma das lies mais importantes que retiro da disciplina de Msica,

    Comunicao e Experincia Esttica no diz respeito apenas a seu contedo,

    muito bem ilustrado com imagens de quadros, trechos de poemas, textos

    acadmicos de anlise esttica, trechos de filmes e msicas dos mais variados

    estilos de composio, mas principalmente do modo com que esses objetos

    foram apresentados. De incio um quadro, seu contexto histrico, a tcnica

    empregada em sua feitura, seguido por um exerccio de leitura, um texto

    preciso de anlise da pintura e de repente a sinfonia 25 em Sol menor de

    Mozart. O efeito de tal apresentao me remeteu ao aforismo 69 do texto

    Dialtica Negativa(1966) de T. Adorno intitulado Constelao.

    Por constelao, discorre Adorno, entende-se o gesto analtico em que

    (...) o pensamento terico cerca o objeto que quer abrir, esperando que este

    salte mais ou menos como fechaduras de cofres-fortes bem protegidos: no apenas

    por meio de uma s chave ou um s nmero, mas de uma combinao de nmeros.

    Ora, temos a baguna da pintura de Fragonard, cujos enigmas parecem

    adquirir consistncia fsica na luminosidade oleosa da porta trancafiada pelo

    objeto intitulador da obra, O Ferrolho. Podemos pensar a funo de

    opacidade dessa porta como anloga a de um espelho que pe em evidncia a

    dualidade metafsica sujeito/objeto. Ao mesmo tempo em que a porta esconde

    a sua verdade, o seu em-si metafsico, ela reflete, para ns observadores,nossa prpria posio de sujeito. Assim, supomos ver o objeto porque desse

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    modo que nos situamos enquanto sujeito, mas no vemos o que est para

    alm dessa metafsica do olhar. Da mesma forma que no vemos o espelho,

    apenas o que dele refletido, no somos capazes de ver a porta, apenas o que

    dela nos revela de nosso prprio olhar.

    Apenas enquanto exerccio de ilustrao e para fugir dessa problemtica

    e abrir novas constelaes de significao, podemos, por exemplo, pensar em

    termos estruturais. Por exemplo, a partir do mtodo utilizado por Lvi-Strauss

    para pensar o mito, ou seja, contido em um eixo sincrnico e outro diacrnico

    onde uma histria das combinatrias de elementos fundamentais dirigiria a

    produo de sentido, sem, no entanto, nunca atingir a exausto de suas

    possibilidades em razo das condies da prpria linguagem enquantoestrutura base.

    Pensemos pela metafsica do olhar. Ao priorizar a porta como centro de

    produo de sentido, subtramos do ferrolho a sua titularidade. Afinal, para que

    serve essa pequena tranca se a porta j est fechada, negando para ns o seu

    alm? E o que para esse alm negado em relao a ns?

    Cem anos depois da pintura de Fragonard, Nietzsche ir criticar a

    metafsica clssica ressaltando outra experincia que no a do trabalho do

    esprito positivo. a partir do olhar para as profundezas do abismo da

    dualidade sujeito/objeto que a opacidade apolnea se encolhe, permitindo a

    transparncia necessria para que a luz do olhar abissal retorne a quem olha.

    O ferrolho a pea fundamental justamente porque fornece as

    condies de abertura e fechamento e conecta a mo, o ato, o gesto do

    personagem porta. O que interessa a ele em nossa leitura o movimento detrancar/destrancar, de ser capaz de fazer essa escolha. Se o que est por trs

    da porta deve permanecer para sempre na posio de objeto, trancando e

    enraizando a dualidade metafsica como condio primordial de

    reconhecimento humano, ou, ento, destrancar e permitir que o objeto abra a

    porta e olhe para dentro do olhar do sujeito-objeto, dissolvendo a dualidade e

    reconhecendo a loucura como parte da experincia humana.

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    Com um crivo terico semelhante, podemos pensar, de maneira ampla e

    sem levar em conta as inmeras diferenas contidas em cada uma dessas

    categorias, a msica tonal e atonal como sendo a diferena entre duas escutas.

    No primeiro caso, temos uma msica onde h um reconhecimento imediato do

    objeto e nesse processo um sujeito que se reconhecesse enquanto escuta. No

    segundo caso temos algo enigmtico, que pretende se apresentar como objeto,

    mas que, como no abismo de Nietzsche, retorna a percepo ao invs de

    deixar ser percebido e falha o reconhecimento de si no sujeito. A nova msica,

    segundo Adorno, aposta nessa no-identidade como potncia esttica.