MARY KUBICA - topseller.pt · dentro do armário de qualquer ... Tudo se transforma em pesadelo...

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Romance NUMA FAMÍLIA PERFEITA, NADA É O QUE PARECE.

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«— Para que é que fizeste isso? — questiono-a,

pegando-lhe nas mãos para ver melhor. Ela esteve

ali sentada o dia inteiro a tentar libertar-se da

corda.

A rapariga empurra-me com todas as forças. Não

tem muitas. Arrebato-a pelo braço, obrigando-a

a parar.

— Achas que eu ia mesmo deixar-te ficar aqui?

A tua cara está em todas as televisões. Não podias

vir comigo.

— Da última vez, fui.

— Agora, és famosa.

— E tu?

— Ninguém se interessa em saber onde eu estou.

— Estás a mentir. Onde foste?

— Buscar esta merda toda. — Falo com rudeza.

Estou a passar-me. Atiro as latas de comida para

dentro do armário de qualquer maneira, fecho

as portas com força. — Se quisesse matar-te, já

tinhas morrido. Há um lago aqui perto quase a

ficar gelado. Só iriam encontrar-te na primavera.

Dirijo-me ao armário e tiro a arma. Ela dá meia-

-volta para fugir. Agarro-a pelo braço e meto-lhe a

arma à força nas mãos.

— Pega nela — insisto. Ela recusa-se. — Pega na

arma! — grito-lhe. A rapariga segura-a nas mãos

trémulas e quase a deixa cair. Agarro-lhe nas mãos

e moldo-as à arma. Coloco-lhe o dedo no gatilho.

— Aqui. Estás a sentir? É assim que a disparas.

Apontas para mim e disparas. Achas que estou

a mentir-te? Achas que quero fazer-te mal? Ela

está carregada. Só tens de apontar para mim e

disparar.

Os olhos dela estão irrequietos, as mãos inseguras

em volta da arma.

Ficamos assim parados, vinte segundos, trinta

segundos, talvez mais, antes de ela a pousar à sua

frente e sair da sala.»

22 mm

9 789898 626547

ISBN 978-989-8626-54-7

Ficção/Thriller

ISBN 978-989-8626-54-7

www.topseller.pt

Veja o vídeo de apresentação deste livro.

Romance

Tenho andado a segui-la nos últimos dias. Sei onde faz

as compras de supermercado, a que lavandaria vai,

onde trabalha. Nunca falei com ela. Não lhe reconheceria

o tom de voz. Não sei a cor dos olhos dela ou como

eles ficam quando está assustada.

Mas vou saber.

Filha de um juiz de sucesso e de uma figura do jet set reprimida,

Mia Dennett sempre lutou contra a vida privilegiada dos pais, e tem

um trabalho simples como professora de artes visuais numa escola

secundária.

Certa noite, Mia decide, inadvertidamente, sair com um estranho que

acabou de conhecer num bar. À primeira vista, Colin Thatcher parece

ser um homem modesto e inofensivo. Mas acompanhá-lo acabará

por se tornar o pior erro da vida de Mia.

Tudo se transforma em pesadelo quando Colin rapta Mia e esta

descobre que está a ser vítima de uma trama de extorsão contra a sua

família. Mas o plano inicial toma um rumo inesperado e Colin acaba

por se ver obrigado a manter Mia reclusa numa cabana isolada do

Minnesota, escondendo-a, e a si próprio, da polícia e dos criminosos

que o contrataram.

UM THRILLER PSICOLÓGICO INTENSOE DE LEITURA COMPULSIVA,

NÃO DIGAS NADA REVELA COMO,MESMO NUMA FAMÍLIA PERFEITA,

NADA É O QUE PARECE.

« A p o d e r o s a e st r e i a d e M a r y K u b i c a e n co ra j a rá co m p a ra çõ e s co m E m P a r t e I n c e r t a ,

d e G i l l i a n F l y n n . »

PUBLISHERS WEEKLY

« O t h r i l l e r d e e st r e i a d e M a r y K u b i c a co n st r ó i o s u s p e n s e d e fo r m a co n s i ste n te e o b r i g a

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LIBRARY JOURNAL

MARY KUBICA tem um Bacharelato em

História e Literatura Americana pela Universidade de

Miami (Ohio).

Vive nos arredores de Chicago com o marido e os

dois filhos e gosta de fotografia, de jardinagem e de

cuidar de animais abandonados num abrigo local.

Não Digas Nada é a estreia enérgica e vigorosa desta

autora incrivelmente promissora, que a Topseller se

orgulha de dar a conhecer aos seus leitores.

Saiba mais em: www.marykubica.com

NUMA FAMÍLIA PERFEITA, NADA É O QUE PARECE.

140718 Capa Nao Digas Nada V1.indd 1 29/07/14 19:15

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EVE

ANT SE

Estou sentada no cantinho das refeições, a bebericar uma cháve-na de chocolate quente, quando o telefone toca. Estava perdida em pensamentos, a olhar fixamente pela janela das traseiras para o relvado que agora está coberto de folhas, sob o efeito das convul-sões de um outono prematuro. Na sua maior parte, folhas mortas, algumas ainda inertes e suspensas nas árvores. É o final da tarde. O céu encheu -se de nuvens, com a temperatura a descer em voo picado para os dez e os cinco graus. Penso que não estou prepara-da para isto, perguntando -me para onde diabo partiu o bom tem-po. Parece que ainda ontem dávamos as boas -vindas à primavera e, pouco tempo depois, ao verão.

O toque do telefone sobressalta -me, e só pode ser uma cha-mada de telemarketing, pelo que não me dou logo ao trabalho de sair do meu pouso de descanso. Desfruto das poucas horas de silêncio que me restam antes de o James irromper como um furacão pela porta da rua, invadindo o meu mundo, e a última coisa que desejo é desperdiçar uns minutos preciosos com um vendedor a tentar impingir -me qualquer coisa que vou recusar, de certeza.

O barulho irritante do telefone para e depois recomeça. Só o atendo mesmo porque desejo fazê -lo parar.

— Estou? — respondo em tom de enfado, agora já de pé, no centro da cozinha, com a anca encostada à ilha.

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— Senhora Dennett? — inquire a mulher. Por um segundo, penso em dizer -lhe que se enganou no número ou atalhar já o discurso com um simples não estou interessada.

— É a própria.— Fala Ayanna Jackson, senhora Dennett. — Já tinha ouvi-

do falar dela. Nunca a encontrei, mas há um ano que ela é uma constante na vida da Mia. Não imagino as vezes que ouvi a Mia a dizer o nome dela: a Ayanna e eu isto… a Ayanna e eu aquilo… Ela explica -me como conhece a Mia, que as duas dão aulas na escola de educação especial no centro da cidade.

— Espero não estar a incomodar — diz ela.Sustenho a respiração.— Ah, não, Ayanna. Acabei de chegar — minto.A Mia faz vinte e cinco anos já daqui a um mês: no dia 31 de ou-

tubro. Nasceu no Dia das Bruxas, pelo que presumo que será por isso que a Ayanna telefonou. Quer organizar uma festa — uma festa surpresa? — para a minha filha.

— A Mia não veio trabalhar hoje, senhora Dennett — informa--me ela.

Não era o que eu esperava ouvir. Demoro um segundo a reagir.— Bem, é capaz de estar doente — sugiro. A primeira coisa

que me vem à cabeça é arranjar uma desculpa para a minha filha: ela terá uma razão plausível para não ir trabalhar ou não telefonar a avisar que faltava. A minha filha tem um espírito livre, é certo, mas também é responsável.

— Ela não lhe disse nada?— Não — respondo, mas isso é normal. Passamos dias, por

vezes semanas, sem falar. Desde a invenção do correio eletrónico, a nossa melhor forma de comunicação passou a ser reencaminhar as mensagens irrelevantes que circulam por aí.

— Tentei ligar -lhe para casa, mas ela não atendeu.— Deixou ficar uma mensagem?— Várias.— E ela não retribuiu a chamada?— Não.Escuto a mulher do outro lado da linha, meio absorta. Olho

através da janela, vendo os miúdos da vizinhança a abanar uma árvore frágil, até as folhas que ainda restam caírem em cima de-les. As crianças são o meu relógio; quando aparecem no pátio das

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Não Digas Nada

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traseiras, sei que a tarde chegou ao fim e que as aulas acabaram. Quando voltam a desaparecer para o interior, está na altura de começar a preparar o jantar.

— E o telemóvel?— Vai logo para a caixa de correio.— E…— Deixei ficar uma mensagem.— Tem a certeza de que ela não telefonou hoje a avisar?— O conselho executivo não sabe nada dela.Preocupa -me que a Mia possa meter -se em sarilhos. Preocupa-

-me que ela possa ser despedida. Mas ainda não me passou pela cabeça que ela possa já estar metida em sarilhos.

— Espero que isso não tenha causado muitos problemas.A Ayanna conta -me que os alunos da primeira aula não tinham

avisado ninguém sobre a ausência da professora e que só na se-gunda aula é que a notícia acabara por se espalhar: a professora Dennett tinha faltado e não havia professor substituto. O diretor fora até lá para manter a ordem até arranjarem alguém; deparara com grafítis rabiscados nas paredes com o material de desenho de valor exorbitante da Mia, aquele que ela tinha comprado do próprio bolso depois de a administração o recusar.

— Não acha estranho, senhora Dennett? — questiona a Ayan-na. — Isto não é nada típico da Mia.

— Oh, Ayanna, tenho a certeza de que ela tem uma boa razão.— E qual será? — insiste.— Vou ligar para os hospitais. Há um número na zona dela…— Já fiz isso.— Então, os amigos — sugiro, só que não conheço nenhum

dos amigos da Mia. Tenho ouvido os nomes por alto, tal como os de Ayanna e Lauren, e sei que há um zimbabuense com um visto de estudante que está prestes a ser mandado embora, o que a Mia considera uma grande injustiça. No entanto, não os conheço, e é difícil descobrir os apelidos e dados de contacto.

— Já fiz isso.— Ela vai aparecer, Ayanna. Trata -se apenas de um mal-

-entendido. Deve haver inúmeras razões para isto.— Senhora Dennett — profere a Ayanna, e é então que eu

o sinto: há qualquer coisa errada. Sinto -o no ventre e a primei-ra coisa em que penso é em mim própria, grávida aos sete ou

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oito meses, com a Mia e os seus membros robustos a dar murros e pontapés com tanto vigor, que os pés e as mãos minúsculos se destacam na minha pele. Puxo um banco alto e sento -me à ilha da cozinha e penso que, antes que eu dê por isso, a Mia vai ter vinte e cinco anos e nem sequer me lembrei de uma prenda. Não me lembrei de uma festa nem sugeri que todos, o James, a Grace, a Mia e eu, reservássemos uma mesa num restaurante elegante da cidade.

— Então o que lhe parece que façamos? — pergunto.Do outro lado da linha vem um suspiro.— Eu tinha a esperança de que me dissesse que a Mia estava

consigo — diz ela.

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ANT SE

GABE

Já está escuro quando estaciono junto à casa. Das janelas do edi-fício em estilo Tudor, a luz jorra sobre a rua ladeada de árvores. Avisto um grupo de pessoas a deambular no interior, as quais es-peram por mim. Está ali o juiz a andar de um lado para o outro, e a senhora Dennett sentada na beira de uma cadeira estofada, a beber aos golinhos qualquer coisa de um copo que me parece uma bebida alcoólica. Estão ali agentes da polícia fardados e outra mulher, uma morena, que dá uma espreitadela pela janela quando eu travo lentamente na rua, protelando a minha entrada grandiosa.

Os Dennetts são semelhantes a qualquer outra família da Costa Norte de Chicago, uma fiada de subúrbios que se estende pelas margens do lago Michigan a norte da cidade. São podres de ricos. Não é de admirar que eu esteja a fazer tempo no banco do carro, em vez de me dirigir para a casa majestosa com o poder que me fizeram acreditar que eu tinha.

Recordo as palavras do comissário antes de me depositar o caso nas mãos: Não me lixes este.

Observo a casa imponente a partir da segurança e aconchego do meu carro em mau estado. Do exterior, ela não me parece tão colossal como imagino que será por dentro. Apresenta todo o en-canto do velho mundo que o estilo Tudor tem para oferecer: vigas de madeira nas fachadas, janelas estreitas, e um telhado inclinado e abrupto. Lembra -me um castelo medieval.

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Embora tenha sido severamente avisado para mantê -lo em segredo, acho que queriam que me sentisse privilegiado por o comissário me atribuir este caso de monta. E, no entanto, por alguma razão, não me sinto.

Encaminho -me para a porta, atalhando pelo relvado para che-gar à calçada que me conduz a dois degraus, e bato à porta. Está frio. Enfio as mãos nos bolsos para as manter quentes enquanto espero. Sinto -me ridiculamente desajustado na minha roupa do dia a dia — calças de caqui e um polo que escondi sob um casaco de cabedal — ao ser saudado por um dos juízes de paz mais in-fluentes do distrito.

— Juiz Dennett — cumprimento -o, entrando sem esperar pelo convite. Comporto -me com mais autoridade do que a que consigo sentir, exibindo sinais de autoconfiança que devo armazenar al-gures bem escondida, para momentos como este. O juiz Dennett é um homem imponente em tamanho e poder. Se isto me correr mal, sou despedido, na melhor das hipóteses. A senhora Dennett levanta -se da cadeira. — Por favor, sente -se — peço -lhe no meu tom de voz mais cortês, e a outra mulher, Grace Dennett, presu-mo eu com base numa pesquisa anterior, uma mulher mais nova, provavelmente na casa dos vinte anos ou pouco mais de trinta, junta -se ao juiz Dennett e a mim no ponto onde o átrio termina e a sala de estar começa.

— Inspetor Gabe Hoffman — digo, sem a jovialidade que seria de esperar numa apresentação. Não sorrio; não faço menção de estender a mão. A rapariga diz que se chama Grace, de facto, e eu sei, com base no meu trabalho de bastidores, que é uma das prin-cipais associadas do escritório de advogados Dalton & Meyers. Contudo, basta -me a intuição para saber logo à partida que não gosto dela; há um ar de superioridade à sua volta, um olhar depre-ciativo para a minha roupa de simples trabalhador e um cinismo na voz que me deixam arrepiado.

A senhora Dennett fala, com a voz ainda carregada de um forte sotaque britânico, embora a minha investigação anterior me reve-le que ela vive nos Estados Unidos desde os dezoito anos. Parece estar em pânico. É a minha primeira impressão. A voz é estridente e os dedos remexem em qualquer coisa que esteja ao seu alcance.

— A minha filha desapareceu, inspetor — diz -me preci-pitadamente. — Os amigos não a viram. Eu não falei com ela.

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Tenho estado a ligar -lhe para o telemóvel, a deixar mensagens. — Engasga -se nas palavras, lutando em desespero para não chorar. — Fui ao apartamento dela para ver se a encontrava lá — refere, e depois confessa: — Fiz aquele caminho todo e o senhorio não me deixou entrar.

A senhora Dennett é uma mulher deslumbrante. O meu olhar fixa -se involuntariamente na forma como o cabelo louro e com-prido tomba com displicência, uma brevíssima sugestão dos seios por baixo do decote, o último botão desapertado. Já tinha visto fotografias da senhora Dennett ao lado do marido nas escadas do tribunal, mas as imagens em nada se comparam com a visão de Eve Dennett em pessoa.

— Quando falou com ela pela última vez? — pergunto.— A semana passada — diz o juiz.— Não foi a semana passada, James — corrige a Eve. Detém-

-se, consciente do olhar irritado do marido devido à interrupção, antes de prosseguir. — Na semana anterior. Talvez até na semana antes dessa. A nossa relação com a Mia funciona assim: passamos semanas sem falar, às vezes.

— Portanto, não é pouco habitual? — inquiro. — Não ter notí-cias dela durante algum tempo?

— Não — reconhece a senhora Dennett.— E quanto a si, Grace?— Falámos na semana passada. Apenas um telefonema breve.

Na quarta -feira, creio eu. Talvez na quinta -feira. Sim, foi na quinta, porque ela me ligou quando eu ia a caminho do tribunal para a au-diência de um pedido de exclusão de provas. — Ela atira com isto só para eu saber que é advogada, como se o blazer às risquinhas e a mala de cabedal aos seus pés não o tivessem já denunciado.

— Alguma coisa fora do normal?— Apenas a Mia a ser ela própria.— E o que significa isso?— Gabe… — interrompe o juiz.— Inspetor Hoffman — refiro com autoridade. Se tenho de

o tratar por juiz, ele pode obviamente tratar -me por inspetor.— A Mia é muito independente. Gosta de fazer as coisas à sua

maneira, por assim dizer.— Portanto, de uma forma hipotética, a vossa filha não dá si-

nais de vida desde quinta -feira?

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— Uma amiga falou com ela ontem; viu -a no emprego.— A que horas?— Não sei… às três da tarde.Dou uma olhadela ao relógio.— Nesse caso, ela está desaparecida há vinte e sete horas?— É verdade que ela só é dada como desaparecida depois de

uma ausência de quarenta e oito horas? — inquire a senhora Den-nett.

— Claro que não, Eve — replica o marido num tom de desdém.— Não, minha senhora — digo eu. Tento usar a máxima cor-

dialidade. Desagrada -me o modo como o marido a rebaixa. — De facto, no caso de uma pessoa desaparecida, as primeiras quarenta e oito horas costumam ser as mais críticas.

O juiz intervém.— A minha filha não é uma pessoa desaparecida. Ela está inco‑

municável. A fazer qualquer coisa imprudente e descuidada, algo de irresponsável. Mas não está desaparecida.

— Senhor doutor, quem foi a última pessoa a ver a vossa filha, antes de ela ficar… — sou um indivíduo matreiro, pelo que tenho de o dizer — … incomunicável?

É a senhora Dennett quem responde.— Uma pessoa chamada Ayanna Jackson. Ela e a Mia são co-

legas de trabalho.— Tem o telefone dela?— Numa folha de papel. Está na cozinha. — Aceno com a ca-

beça a um dos agentes, que se dirige à cozinha para o ir buscar.— A Mia já tinha feito algo assim antes?— Não, claro que não.Mas a linguagem corporal do juiz e da Grace Dennett dizem

o contrário.— Mãe, isso não é verdade — censura a Grace. Fico a olhar para

ela na expetativa. Os advogados adoram ouvir -se falar. — Houve cinco ou seis ocasiões diferentes em que a Mia desapareceu de casa. Para passar a noite sabe Deus onde e sabe Deus com quem.

Sim, digo para mim próprio, a Grace Dennett é uma cabra. Tem o cabelo escuro como o pai. Herdou a altura da mãe e a figura do pai. Não é uma boa mistura. Algumas pessoas diriam que ela é boazona; é provável que eu também o dissesse, se gostasse dela. Mas prefiro chamar -lhe compacta.

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— Isso é completamente diferente. Ela estava na escola secun-dária. Era um pouco ingénua e rebelde, mas…

— Eve, não dês a isto um significado maior do que o que tem — interrompe o juiz Dennett.

— A Mia bebe? — pergunto.— Não muito — afirma a senhora Dennett.— Como é que sabes o que a Mia faz, Eve? Vocês raramente

conversam.Ela leva a mão ao rosto para limpar o nariz a pingar e, por

momentos, eu fico tão impressionado com o tamanho da pedra que tem no dedo que não escuto o James Dennett a divagar sobre o facto de a mulher ter telefonado ao Eddie — de notar que aqui fico siderado porque o juiz não só trata o meu chefe pelo nome como por um diminutivo — antes de chegar a casa. O juiz Dennett parece estar convencido de que a filha se ausentou apenas para ter uns momentos de diversão e que não há necessidade de envolver a polícia.

— Não considera que este seja um caso para a polícia?— Com certeza que não. Este é um assunto para a família re-

solver.— Como é a ética de trabalho da Mia?— Desculpe? — replica o juiz, com algumas rugas a formarem-

-se na testa que ele alisa com um gesto irritado da mão.— A ética de trabalho. Ela tem um bom historial no emprego?

Já tinha faltado antes? Costuma ligar a pretexto de estar doente quando não está?

— Desconheço. Ela tem um emprego. Recebe um ordenado. Basta -se a si própria. Eu não faço perguntas.

— Senhora Dennett?— Ela adora o seu trabalho. Adora -o, simplesmente. Sempre

quis ensinar.A Mia é professora de artes visuais. Ensino secundário. Registo-

-o rapidamente nas minhas notas, para não me esquecer.O juiz pretende saber se eu considero isso importante.— Pode ser — respondo.— E porquê?— Senhor doutor, estou apenas a tentar compreender a sua

filha. Entender quem ela é. Só isso.Neste momento, a senhora Dennett está à beira das lágrimas.

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Os seus olhos azuis começam a inchar e a ficar vermelhos, en-quanto ela tenta pateticamente conter as gotas minúsculas.

— Acha que aconteceu alguma coisa à Mia?Digo para mim próprio: Não foi por isso que me chamou aqui?

A senhora é que acha que aconteceu alguma coisa à Mia. Mas, em vez disso, respondo -lhe:

— Parece -me que devemos agir agora e agradecer a Deus mais tarde quando tudo isto se revelar um grande equívoco. Tenho a certeza de que ela está bem, mas não gostaria de deixar passar muito tempo sem fazer uma investigação, pelo menos.

Não me perdoaria a mim próprio se — se — viesse a saber que nem tudo estava bem.

— A Mia vive sozinha há quanto tempo? — pergunto.— Vai fazer sete anos daqui a trinta dias.Fico perplexo.— Faz a contagem? Até ao dia?— Foi quando ela fez dezoito anos. Estava impaciente para sair

daqui.— Não pretendo ser indiscreto — replico, mas a verdade é que

a compreendo. Também eu estou impaciente para sair daqui. — Onde vive ela agora?

O juiz responde:— Num apartamento no centro da cidade.— Eu arranjo -lhe a morada — prontifica -se a senhora Dennett.— Gostava de lhe dar uma vista de olhos, se não se importam.

Ver se há janelas partidas, vestígios de entrada forçada.A senhora Dennett tem a voz trémula quando me pergunta:— Parece -lhe que alguém forçou a entrada do apartamento da

Mia?Procuro tranquilizá -la.— Só quero certificar -me. O prédio tem porteiro, senhora Den-

nett?— Não.— Sistema de segurança, câmaras de vídeo?— Como quer que saibamos tal coisa? — rosna o juiz.— Não fazem visitas? — questiono -o, antes de me conseguir

conter. Espero pela resposta, mas ela não vem.

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EVE

Corro -lhe o fecho do casaco, cubro -lhe a cabeça com um gorro e saímos as duas ao encontro do vento inexorável de Chicago.

— Agora, temos de nos apressar — recomendo, e ela acena com a cabeça, embora não me questione o motivo. As rajadas qua-se nos deitam ao chão quando nos dirigimos para o todo -o -terreno do James, estacionado a cerca de dois metros, e, ao segurá -la pelo cotovelo, a única coisa de que tenho a certeza é que vamos cair as duas se uma de nós for derrubada. O parque de estacionamento está uma placa de gelo, quatro dias a seguir ao Natal. Faço o que posso para a proteger do frio e do vento constante, puxando -a para mim e passando -lhe o braço pela cintura para a manter quente, ainda que ela ultrapasse em muito a minha estatura baixa e eu tenha a certeza de falhar miseravelmente na tarefa.

— Voltamos na próxima semana — digo à Mia, enquanto ela se senta no banco, elevando a voz para a sobrepor ao ruído das portas a bater e do apertar dos cintos. O rádio grita para nós e o motor do carro está prestes a sucumbir neste dia gélido. A Mia estremece, e eu peço ao James o favor de desligar o rádio. No banco traseiro, a Mia está em silêncio, a olhar fixamente pela janela e a fitar os car-ros, três deles, à medida que estes nos cercam como um cardume de tubarões famintos, com os condutores intrusivos e vorazes. Um deles ergue uma máquina fotográfica à altura dos olhos e o clarão quase nos encandeia.

D POISE

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Mary Kubica

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— Onde diabo está a polícia quando precisamos dela? — per-gunta o James para ninguém em particular, e depois toca a buzina até as mãos da Mia se erguerem a proteger os ouvidos do som estridente. As máquinas voltam a disparar. Os carros deambulam pelo parque de estacionamento, com os motores a funcionar e os tubos de escape a descarregar o fumo denso para o dia pardacento.

A Mia ergue a cabeça e vê -me a olhar para ela.— Ouviste o que eu disse, Mia? — pergunto -lhe num tom afá-

vel. Ela abana a cabeça e eu quase consigo escutar o pensamento incómodo que lhe percorre a mente: Chloe. Eu chamo ‑me Chloe. Os seus olhos azuis estão colados aos meus, os quais estão verme-lhos e aguados de tentar conter as lágrimas, algo que se tornou um lugar -comum desde que a Mia regressou, embora, como sempre, o James esteja lá a lembrar -me para manter a serenidade. Esforço--me ao máximo para dar um sentido a tudo isto, colando um sorriso aos lábios, forçado mas que, no entanto, é completamente sincero, e as palavras por dizer vagueiam na minha mente: Mal posso acreditar que estás em casa. Tenho o cuidado de dar à Mia o espaço suficiente, sem saber ao certo de quanto ela precisa, mas com a convicção ab-soluta de que não desejo ultrapassar os limites. Distingo -lhe a enfer-midade em cada gesto e expressão, e na forma como ela se aguenta de pé, já sem transbordar de autoconfiança como a Mia que sei que ela costumava ser. Compreendo que algo de terrível lhe aconteceu.

No entanto, pergunto -me se ela também sente que algo me aconteceu a mim.

A Mia desvia o olhar.— Vamos voltar na próxima semana para ver a Dra. Rhodes —

digo -lhe, e ela acena com a cabeça em resposta. — Na terça -feira.— A que horas? — pergunta o James.— À uma da tarde.Ele consulta o smartphone só com uma mão, informando -me

a seguir que vou ter de levar a Mia sozinha à consulta. Diz -me que há um julgamento ao qual não pode faltar. E além disso, continua, tem a certeza de que consigo tratar disto sozinha. Replico -lhe que é claro que consigo tratar disto, mas inclino -me para lhe segredar ao ouvido:

— Ela precisa de ti neste momento. Tu és o pai dela.Recordo -lhe que isto é algo que nós debatemos, em que acor-

dámos, e que ele tinha prometido. O James diz que vai ver o que

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Não Digas Nada

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pode fazer, mas a dúvida é um fardo que pesa sobre a minha cabe-ça. É óbvio que ele acredita que a sua agenda de trabalho inflexível não lhe dá tempo para uma crise familiar como a nossa.

No banco traseiro, a Mia fita a janela, vendo o mundo a desfi-lar vertiginosamente por nós, à medida que disparamos pela I -94 e para a saída da cidade. São quase três e meia de uma tarde de sexta -feira, o fim de semana do Ano Novo, pelo que o trânsito está numa confusão infernal. Paramos num sinal de stop e, a se-guir, avançamos lentamente para a autoestrada a passo de caracol, a cinquenta quilómetros à hora no máximo. O James não tem pa-ciência para isto. Mantém os olhos no espelho retrovisor à espera que os paparazzi voltem a aparecer.

— Então, Mia? — começa ele, tentando passar o tempo. — A médica da cabeça diz que tens uma amnésia.

— Oh, James — suplico. — Agora não, por favor.O meu marido não se dispõe a esperar. Quer ir ao fundo da

questão. Mal se passou uma semana desde que a Mia está em casa, a viver com o James e comigo, já que não tem capacidade de viver sozinha. Recordo o dia de Natal, quando o velho carro castanho -avermelhado virou devagar para o caminho de acesso à casa, trazendo a Mia lá dentro. Recordo como o James, quase sempre distante, quase sempre indiferente, se obrigou a sair pela porta da rua e foi o primeiro a recebê -la na entrada coberta de neve, a aconchegar nos braços a rapariga pálida, como se tives-se sido ele, e não eu, a aguentar aqueles meses de pesar, longos e aterradores.

No entanto, desde então, eu observo como aquele alívio mo-mentâneo foi diminuindo até desaparecer, e como a Mia, na sua alienação, se tornou cansativa para o James, passando somente a ser mais um do seu número sempre crescente de processos, em vez da nossa filha.

— Quando é que será uma boa altura, nesse caso?— Mais tarde, peço -te. E, além do mais, ela é uma profissio-

nal, James — sublinho. — Uma psiquiatra. Não é uma médica da cabeça.

— Então, muito bem, Mia, a psiquiatra diz que tens amnésia — repete ele, mas a Mia não reage. O James observa -a pelo espelho retrovisor, uns olhos castanho -escuros que a aprisionam. Por um breve instante, ela faz o possível para retribuir o olhar, mas depois

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os seus olhos descobrem o caminho para as mãos, onde passam a concentrar -se numa pequena crosta. — Tens alguma coisa a di-zer? — insiste ele.

— Também foi isso que ela me disse — confirma a Mia, e vêm -me à ideia as palavras da médica ao sentar -se em frente ao James e a mim no gabinete desolador — a Mia a ser dispensada e remetida à sala de espera para folhear revistas de moda desa-tualizadas — e a dar -nos a definição científica e integral do stress pós -traumático agudo, e eu só conseguia lembrar -me dos desgra-çados dos veteranos do Vietname.

O James suspira. Vejo que ele considera isso pouco plausível, que a memória dela tenha desaparecido sem deixar rasto.

— Então, como é que isso funciona? Tu lembras -te que eu sou o teu pai e que esta é a tua mãe, mas pensas que te chamas Chloe. Sabes a tua idade e onde vives, e que tens uma irmã, mas não fa-zes a mínima ideia de quem é o Colin Thatcher? A sério que não sabes onde estiveste nos últimos três meses?

Acorro em defesa da Mia, e refiro:— É o que se designa por amnésia seletiva, James.— Estás a dizer que ela seleciona as coisas que pretende recordar?— Não é ela que faz isso; é o seu subconsciente, ou inconscien-

te, ou algo do género que o faz. Coloca os pensamentos dolorosos onde ela não os pode encontrar. Não se trata de algo que ela decida fazer. É a maneira de o corpo dela a ajudar a enfrentar.

— A enfrentar o quê?— Tudo, James, tudo o que aconteceu.Ele quer saber qual a maneira de o resolver. Algo que eu tenho

a certeza que não sei, sugerindo apesar de tudo:— Será o tempo, julgo eu. A terapia. Os medicamentos. A hip-

nose.Ele escarnece, tão crente na hipnose como na amnésia.— Que espécie de medicamentos?— Antidepressivos, James — respondo. Viro -me para trás

e concluo, dando uma palmadinha na mão da Mia: — Talvez a memória dela nunca mais volte e tudo estará bem na mesma. — Admiro -a por momentos, quase um reflexo da minha imagem, embora mais alta e mais jovem, e, ao contrário de mim, a anos e anos de distância das rugas e das madeixas de cabelos brancos que começam a invadir o meu cabelo louro escuro.

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Não Digas Nada

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— Como é que os antidepressivos a ajudam a lembrar -se?— Vão levá -la a sentir -se melhor.O James manifesta quase sempre uma franqueza absoluta.

Esse é um dos seus defeitos.— Mas que diabo, Eve! Se ela não consegue lembrar -se, com

que é que se pode sentir mal? — questiona -me, e os nossos olha-res dispersam -se no tráfego do outro lado das janelas, com a con-versa a dar -se por terminada.

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ANT SE

GABE

A escola onde a Mia dá aulas fica no lado ocidental de Chicago, uma zona conhecida por Centro Norte. O bairro é relativamen-te bom, próximo da casa dela, e a população é branca na sua grande maioria, com uma média de rendas acima de mil dó-lares. Tudo isto representa um bom auspício para ela. Se tra-balhasse em Englewood, já teria algumas dúvidas. O objetivo da escola é proporcionar uma educação a quem desertou do ensino secundário. Oferece formação profissional, treino em computadores, ferramentas para a vida, etc., em pequenas do-ses. Entra em cena a Mia Dennett, a professora de artes visuais, para acrescentar aquela ferramenta não convencional que está banida das escolas secundárias tradicionais, as quais precisam de mais tempo para a matemática e ciências, e para chatear de morte miúdos rebeldes de dezasseis anos que não querem sa-ber de nada disso.

A Ayanna Jackson encontra -se comigo no trabalho. Está a meio de uma aula e vou ter de esperar cerca de um quarto de hora, pelo que me comprimo numa daquelas pequenas cadeiras de plástico castradoras das escolas, e aguardo. A administrativa não tira os olhos de mim um segundo, como se eu fosse um estudante que enviaram para aqui para ter uma conversinha com o diretor. Uma cena que me é tristemente familiar, com muitos dos meus dias da secundária passados em apuros semelhantes.

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— Anda à procura da Mia? — sugere a Ayanna, quando eu me apresento como o inspetor Gabe Hoffman. Confirmo -lhe que assim é. Decorreram quase quatro dias desde que alguém viu ou falou com a rapariga, pelo que o seu desaparecimento se tornou oficial, para grande contrariedade do juiz. O caso é referido pelos jornais, nos noticiários, e, quando me levanto da cama em cada manhã, digo a mim próprio que esse é o dia em que vou encontrar a Mia Dennett e tornar -me um herói.

— Quando foi que viu a Mia pela última vez?— Na terça -feira.— Onde?— Aqui.Dirigimo -nos para a sala de aula, e a Ayanna — ela pede -me in-

sistentemente que não a trate por professora Jackson — convida--me a sentar -me numa das cadeiras de plástico ligada a uma carteira partida e coberta de grafítis.

— Há quanto tempo conhece a Mia?Ela instala -se na secretária, numa cadeira de cabedal confor-

tável, e eu sinto -me um miúdo, ainda que na realidade a ultra-passe uns bons trinta centímetros à vontade. A Ayanna cruza as pernas compridas, com a racha da saia a resvalar e a deixar a pele exposta.

— Três anos. Desde que a Mia começou a dar aulas.— A Mia dá -se bem com toda a gente? Com os estudantes?

Com o pessoal auxiliar?— Não há ninguém com quem a Mia não se dê bem.De seguida, a Ayanna começa a falar -me da Mia. De como

na sua chegada à escola de ensino especial havia nela um en-canto natural, de como ela se tinha identificado com os alunos, comportando -se como se também ela tivesse crescido nas ruas de Chicago. De como a Mia organizava angariações de fundos para a escola pagar materiais a alunos necessitados.

— Nunca iria desconfiar que ela era um Dennett.Segundo a professora Jackson, a maior parte dos novos profes-

sores não dura muito tempo neste contexto educativo. Nas condi-ções atuais do mercado, uma escola de ensino especial é o único local onde há vagas, pelo que os licenciados aceitam o lugar até aparecer outra coisa. Mas a Mia não.

— Era aqui que ela queria estar.

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A Ayanna prossegue, retirando uma pilha de papéis da bande-ja de arquivo sobre a secretária.

— Deixe -me mostrar -lhe uma coisa.Aproxima -se de mim e senta -se numa das carteiras ao meu

lado. Deposita o monte de papéis à minha frente e a primeira coisa que me salta à vista são uns rabiscos numa escrita irregular, pior que a minha.

— Esta manhã, os estudantes estiveram a fazer a dissertação semanal nos seus diários — explica ela, e, à medida que passo os olhos pelo trabalho, encontro as palavras Prof.a Dennett mais vezes do que as que consigo contar.

— Fazemos dissertações nos diários todas as semanas. O tema desta semana — refere a Ayanna — era dizerem o que queriam fazer da sua vida a seguir à escola secundária. — Digiro isto du-rante momentos, vendo as palavras Prof.a Dennett espalhadas por quase todas as folhas de papel. — Contudo, noventa e nove por cento dos alunos não pensam noutra coisa senão na Mia — con-clui, e eu deduzo, pelo tom da sua voz, que a Ayanna também quase só pensa na Mia.

— A Mia tinha problemas com algum dos alunos? — averiguo, só para ter a certeza. No entanto, já sei qual é a resposta, antes de ela abanar a cabeça.

— Há algum namorado? — pergunto.— Talvez — diz ela —, se é que se pode chamar -lhe isso. Ja-

son qualquer coisa. Não sei qual é o apelido. Nada de sério. An-dam juntos há poucas semanas apenas, talvez um mês, não mais. — Registo o facto. Os Dennetts não mencionaram nenhum na-morado. É possível que não soubessem? Claro que sim. Começo a perceber que tudo é possível com a família Dennett.

— Sabe como posso falar com ele?— O Jason é arquiteto — informa a Ayanna. — Num gabinete

para os lados da Wabash. A Mia encontra -se com ele ali quase todas as sextas -feiras, para beber um copo ao final da tarde. Entre a Wabash e a… não sei, será a Wacker? Num sítio qualquer, ao pé do rio. — Parece -me uma caça aos gambozinos, mas estou pronto para ela. Anoto a informação no bloco.

O facto de a Mia Dennett ter um namorado evasivo é um dado importante. Em casos como este, é sempre o namorado. Se encon-trar o Jason, então também vou encontrar a Mia, ou o que restar

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dela. Tendo em conta que ela já desapareceu há quatro dias, co-meço a pensar que esta história pode acabar mal. O Jason trabalha próximo do rio Chicago: mau sinal. Só Deus sabe quantos corpos são atirados àquele rio em cada ano. É arquiteto, pelo que deve ser esperto, bom a resolver problemas, como o de se desembaraçar de um corpo de cinquenta e cinco quilos sem ninguém dar por isso.

— Se a Mia e o Jason andavam juntos — pergunto —, não é estranho que ele não ande à procura dela?

— Acha que o Jason pode estar envolvido?Encolho os ombros.— Acho que se eu tivesse uma namorada e não falasse com ela

há quatro dias, ficava ligeiramente preocupado.— Pode ser — condescende a Ayanna. Levanta -se da carteira

e começa a apagar o quadro. Pequenos resquícios do pó de giz agarram -se -lhe à saia preta. — Ele não telefonou aos Dennetts?

— O senhor e a senhora Dennett não têm a mínima ideia so-bre a existência de um namorado. Tanto quanto sabem, a Mia não está comprometida.

— A Mia e os pais não são muito chegados. Têm algumas… divergências ideológicas.

— Eu reparei.— Não me parece que lhes conte esse tipo de coisas.A conversa começa a divergir, pelo que tento trazer a Ayanna

de regresso ao tema.— No entanto, a Ayanna e a Mia têm uma relação próxima. —

Ela confirma que assim é. — Acha que a Mia lhe conta tudo?— Tanto quanto eu sei.— O que é que ela lhe contou acerca do Jason?A Ayanna volta a sentar -se, desta vez na borda da sua secre-

tária. Dá uma espreitadela ao relógio de parede e limpa o pó das mãos. Reflete sobre a minha questão.

— Aquilo não ia durar — declara, procurando as palavras certas para explicar. — A Mia não costuma ficar envolvida, não deixa que as coisas se tornem sérias. Ela não gosta de se prender. Não gosta de compromissos. É marcadamente independente, talvez em extremo.

— E o Jason é… pegajoso? Dependente?A Ayanna abana a cabeça.— Não, não é isso, só que ele não é a pessoa certa. A Mia não res-

plandecia ao falar dele. Nem entrava naquele tipo de confidências

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que as raparigas fazem quando encontram o tal. Eu tinha de obrigá -la constantemente a falar -me sobre ele e, nessas alturas, parecia que ouvia um relato: fomos jantar, vimos um filme… E sei que ele faltava aos compromissos, o que deixava a Mia irritada: o Jason estava sempre a esquecer -se de datas ou a chegar atrasado. Ela odiava depender dos horários dele. Com todos estes contratem‑pos no primeiro mês, as coisas nunca podem durar.

— Nesse caso, é provável que a Mia tencionasse acabar com ele?— Ignoro.— Contudo, a Mia não era completamente feliz.— Eu não diria que a Mia não era feliz — contrapõe a Ayanna.

— Só me parece que, para ela, tanto lhe fazia.— Daquilo que sabe, o Jason sentia o mesmo?A Ayanna não me sabe responder. A Mia era reservada quan-

do falava sobre o Jason. As conversas não eram conclusivas: uma lista de coisas que eles faziam diariamente, pormenores sobre as caraterísticas do homem — altura, peso, cabelo e a cor dos olhos —, embora, o que era estranho, nenhum apelido. Contudo, a Mia nunca contava que se tinham beijado, nem havia referências àquele arrepio na espinha — palavras da Ayanna e não minhas — quando se encontra o homem de sonho. Parecia ficar aborrecida quando o Jason faltava a um encontro — o que, de acordo com a Ayanna, acontecia com frequência —, embora, por outro lado, não parecesse muito entusiasmada nas noites em que combina-vam encontrar -se mais tarde nas proximidades do rio Chicago.

— E carateriza isso como desinteresse? — inquiro. — No Jason? Na relação? Em tudo?

— A Mia estava a passar o tempo até aparecer algo melhor.— Eles discutiam?— Que eu saiba, não.— No entanto, se houvesse um problema, a Mia ter -lhe -ia con-

tado — sugiro.— Gostava de pensar que ela o teria feito — responde a mu-

lher, com um brilho de tristeza a despontar -lhe nos olhos escuros.Uma campainha soa à distância, seguida pelo tropel dos passos

no corredor. A Ayanna Jackson põe -se de pé, o que depreendo ser a minha deixa. Digo -lhe que estarei contactável e deixo -lhe o meu cartão, pedindo -lhe que me telefone se lhe ocorrer alguma coisa.

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EVE

Vou a meio das escadas quando os vejo, a equipa de reportagem no passeio em frente à nossa casa. Estão ali, a tiritar, com as câ-maras de filmar e os microfones; em cima do meu relvado, a re-pórter Tammy Palmer, do noticiário local, com um impermeável castanho -claro e botas de cano alto. Está virada de costas, um ho-mem faz a contagem decrescente com os dedos — três… dois… — e, quando aponta para a Tammy, quase consigo ouvi -la a começar a reportagem. Encontro ‑me aqui, junto à casa de Mia Dennett…

Não é a primeira vez que estão aqui. Neste momento, a fre-quência começa a ser menor, com os repórteres a avançarem para outras histórias: as leis do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o estado deplorável da economia. Porém, nos dias a seguir ao regresso da Mia, eles acampavam lá fora, ávidos de uma ima-gem fugaz da rapariga debilitada, de qualquer fragmento de in-formação que pudesse dar para uma manchete. Seguiam -nos pela cidade nos carros, até praticamente fecharmos a Mia cá dentro.

Na rua, costumam estacionar carros misteriosos, fotógrafos para aquelas revistas desprezíveis, a espiar pelas janelas com as teleobjetivas, procurando transformar a Mia numa máquina de fazer dinheiro. Corro as cortinas da janela.

Descubro a Mia sentada à mesa da cozinha. Desço as escadas em silêncio, para observar a minha filha no seu próprio mundo antes de o invadir. Ela veste umas calças de ganga rasgadas e uma

D POISE

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Mary Kubica

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camisola de gola alta confortável em azul -marinho que lhe torna os olhos simplesmente espantosos, aposto. O cabelo está húmido do duche matutino e seca -lhe em ondas pelas costas. As meias gros-sas de lã a envolver -lhe os pés deixam -me perplexa, isso e a caneca de café que segura nas mãos juntas.

Ela sente a minha aproximação e volta -se para olhar. Sim, digo para mim própria, a camisola de gola alta torna ‑lhe os olhos espan‑tosos.

— Estás a beber café? — comento, e a expressão de estranheza no rosto dela faz -me perceber que não o devia ter dito.

— Eu não bebo café?Faz agora uma semana que avanço com cuidado, sempre

a procurar dizer o mais conveniente, a esforçar -me ao máximo — a ponto de me tornar ridícula — para a fazer sentir -se em casa. Ando sob imensa pressão a tentar compensar a apatia do James e o desnorteamento da Mia. E, depois, quando menos o espero, há uma conversa que parecia inócua, e cometo uma gafe.

A Mia não bebe café. Ela não é grande consumidora de cafeína. Isso deixa -a nervosa. No entanto, vejo -a a dar golinhos na caneca, completamente letárgica e inerte, e penso — desejo — que talvez um pouco de cafeína faça algum efeito. Interrogo -me sobre quem é esta rapariga frágil que tenho à minha frente, reconhecendo o rosto, mas desconhecendo a sua linguagem corporal, ou o tom da voz, ou o silêncio perturbador que a envolve como uma bolha.

Há um milhão de coisas que gostava de lhe perguntar. Mas não o faço. Jurei que me limitava a deixá -la estar. O James já se intrometeu mais do que o suficiente pelos dois. Deixo as questões aos profissionais, à Dra. Rhodes e ao inspetor Hoffman, e a quem nunca sabe quando é a altura de desistir — o James. Ela é a minha filha, mas não é a minha filha. É a Mia, mas não é a Mia. Parece -se com ela, mas calça meias e bebe café, e acorda a soluçar no meio da noite. Responde mais depressa se a chamar por Chloe do que quando a trato pelo nome de batismo. Parece vazia, parece dormir quando está acordada, fica acordada quando devia estar a dormir. Saltou quase um metro da cadeira, quando acionei o triturador de lixo na noite passada, refugiando -se no quarto a seguir. Passaram--se horas sem a vermos, e quando lhe perguntei o que tinha esta-do a fazer, tudo o que conseguiu dizer foi: Não sei. A Mia que eu conheço não consegue estar parada tanto tempo.

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Não Digas Nada

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— O dia parece bonito — observo, mas ela não reage. Parece mesmo um dia bonito; está sol. Mas o sol de janeiro é geralmente enganador, e tenho a certeza de que não vai aquecer mais do que os seis graus negativos.

— Quero mostrar -te uma coisa — digo, e levo -a da cozinha para a sala de refeições contígua, onde substituí uma litografia de edição limitada por uma das pinturas da Mia, no mês de novem-bro, quando tinha a certeza de que ela estava morta. O trabalho da Mia está feito a pastel de óleo, uma aldeia toscana pitoresca que ela pintou a partir de uma fotografia, depois de a termos visitado há alguns anos. Ela aplicou o pastel em camadas, criando uma repre-sentação dramática da aldeia, um momento no tempo aprisionado atrás de uma lâmina de vidro. Vejo a Mia a observar a peça e digo para mim própria: Se ao menos tudo pudesse ser assim preservado.

— Foste tu que a pintaste — refiro.Ela sabe. Disso, não se esqueceu. Lembra -se do dia em que se

instalou na mesa da sala de jantar com os pastéis de óleo e a foto-grafia. Tinha implorado ao pai que lhe comprasse a prancheta de cartão, e ele concordara, mesmo com a certeza de que essa recente paixão pela pintura não passaria de uma fase temporária. Depois de a Mia a acabar, houve um coro de exclamações, e a seguir a pin-tura foi recambiada para um sítio qualquer, ao lado das máscaras do Dia das Bruxas e dos patins de rodas, sendo apenas encontrada mais tarde por acaso, na nossa caça ao tesouro para reunir as foto-grafias da Mia pedidas pelo inspetor.

— Lembras -te da nossa viagem à Toscana? — pergunto.Ela avança um pouco para passar os dedos adoráveis pela obra

de arte. Ultrapassa -me vários centímetros em altura, mas na sala de jantar ela é uma criança — um passarinho que começou a voar, ainda hesitante em aguentar -se sozinho.

— Chovia — replica a Mia, sem desviar os olhos da pintura.Aceno com a cabeça.— É verdade. Estava a chover — confirmo, feliz por ela se lem-

brar. Mas só tinha chovido um dia, e todos os outros tinham sido uma verdadeira bênção.

Sinto o desejo de lhe dizer que pendurei o quadro por me sentir tão aflita por causa dela. Aterrorizada. Noite após noite, meses a fio, ficava acordada, interrogando -me apenas. E se? E se ela não estivesse bem? E se ela estivesse bem, mas nunca mais

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Mary Kubica

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a encontrássemos? E se ela estivesse morta e nunca o soubésse-mos? E se ela estivesse morta, nós o soubéssemos, e o inspetor nos pedisse que identificássemos um corpo em decomposição?

Sinto o desejo de dizer à Mia que pendurei a meia de Natal dela, por via das dúvidas, que lhe tinha comprado presentes, os embrulhara e colocara debaixo da árvore. Quero que ela saiba que deixei a luz da entrada acesa todas as noites e que lhe devo ter ligado para o telemóvel um milhar de vezes, por via das dúvidas. Só para o caso de uma das vezes não ir diretamente para a caixa de correio. Mas eu ouvia a mensagem, repetidamente, as mesmas palavras, a mesma entoação — Olá, daqui fala a Mia. Por favor, deixe mensagem — a permitir -me saborear o som da sua voz por um momento. A seguir, interrogava -me: E se aquelas fossem as últimas palavras que escutava da minha filha? E se?

Os olhos dela estão cavados, a expressão é vaga. A tez tem a tonalidade de pêssego e nata mais perfeita que alguma vez vi, mas parece que o tom de pêssego desapareceu e ela é toda cor de nata, branca como um fantasma. Não olha para mim quando fala-mos; olha para além de mim, ou através de mim, mas nunca para mim. Grande parte do tempo, baixa o olhar, para os pés, para as mãos, para qualquer coisa que a poupe de outro olhar.

E, neste momento, aqui na sala de jantar, o rosto dela perde as últimas partículas de cor que ainda restam. Isso acontece de repente, com a luz que se infiltra pelas cortinas a realçar a forma como o corpo da Mia se ergue numa guinada, e os ombros desfa-lecem a seguir, com a mão a descer da imagem da Toscana para o ventre num movimento súbito. O queixo descai -lhe sobre o pei-to, a respiração torna -se áspera. Pouso -lhe a mão nas costas ma-gras — demasiado magras, só lhe sinto os ossos — e fico à espera. Mas não demasiado tempo; estou ansiosa.

— Mia, minha querida — começo, mas ela já está a dizer que se encontra bem, que está ótima, e eu tenho a certeza de que é o café.

— O que aconteceu?Ela encolhe os ombros. A mão está colada ao ventre, e eu sei

que ela não se sente bem. O corpo dela começou a afastar -se da sala de jantar.

— Estou cansada, apenas isso. Só preciso de me ir deitar — diz -me, e eu registo que tenho de livrar a casa de todos os vestígios de cafeína antes de ela acordar da sesta.

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«— Para que é que fizeste isso? — questiono-a,

pegando-lhe nas mãos para ver melhor. Ela esteve

ali sentada o dia inteiro a tentar libertar-se da

corda.

A rapariga empurra-me com todas as forças. Não

tem muitas. Arrebato-a pelo braço, obrigando-a

a parar.

— Achas que eu ia mesmo deixar-te ficar aqui?

A tua cara está em todas as televisões. Não podias

vir comigo.

— Da última vez, fui.

— Agora, és famosa.

— E tu?

— Ninguém se interessa em saber onde eu estou.

— Estás a mentir. Onde foste?

— Buscar esta merda toda. — Falo com rudeza.

Estou a passar-me. Atiro as latas de comida para

dentro do armário de qualquer maneira, fecho

as portas com força. — Se quisesse matar-te, já

tinhas morrido. Há um lago aqui perto quase a

ficar gelado. Só iriam encontrar-te na primavera.

Dirijo-me ao armário e tiro a arma. Ela dá meia-

-volta para fugir. Agarro-a pelo braço e meto-lhe a

arma à força nas mãos.

— Pega nela — insisto. Ela recusa-se. — Pega na

arma! — grito-lhe. A rapariga segura-a nas mãos

trémulas e quase a deixa cair. Agarro-lhe nas mãos

e moldo-as à arma. Coloco-lhe o dedo no gatilho.

— Aqui. Estás a sentir? É assim que a disparas.

Apontas para mim e disparas. Achas que estou

a mentir-te? Achas que quero fazer-te mal? Ela

está carregada. Só tens de apontar para mim e

disparar.

Os olhos dela estão irrequietos, as mãos inseguras

em volta da arma.

Ficamos assim parados, vinte segundos, trinta

segundos, talvez mais, antes de ela a pousar à sua

frente e sair da sala.»

22 mm

9 789898 626547

ISBN 978-989-8626-54-7

Ficção/Thriller

ISBN 978-989-8626-54-7

www.topseller.pt

Veja o vídeo de apresentação deste livro.

Romance

Tenho andado a segui-la nos últimos dias. Sei onde faz

as compras de supermercado, a que lavandaria vai,

onde trabalha. Nunca falei com ela. Não lhe reconheceria

o tom de voz. Não sei a cor dos olhos dela ou como

eles ficam quando está assustada.

Mas vou saber.

Filha de um juiz de sucesso e de uma figura do jet set reprimida,

Mia Dennett sempre lutou contra a vida privilegiada dos pais, e tem

um trabalho simples como professora de artes visuais numa escola

secundária.

Certa noite, Mia decide, inadvertidamente, sair com um estranho que

acabou de conhecer num bar. À primeira vista, Colin Thatcher parece

ser um homem modesto e inofensivo. Mas acompanhá-lo acabará

por se tornar o pior erro da vida de Mia.

Tudo se transforma em pesadelo quando Colin rapta Mia e esta

descobre que está a ser vítima de uma trama de extorsão contra a sua

família. Mas o plano inicial toma um rumo inesperado e Colin acaba

por se ver obrigado a manter Mia reclusa numa cabana isolada do

Minnesota, escondendo-a, e a si próprio, da polícia e dos criminosos

que o contrataram.

UM THRILLER PSICOLÓGICO INTENSOE DE LEITURA COMPULSIVA,

NÃO DIGAS NADA REVELA COMO,MESMO NUMA FAMÍLIA PERFEITA,

NADA É O QUE PARECE.

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MARY KUBICA tem um Bacharelato em

História e Literatura Americana pela Universidade de

Miami (Ohio).

Vive nos arredores de Chicago com o marido e os

dois filhos e gosta de fotografia, de jardinagem e de

cuidar de animais abandonados num abrigo local.

Não Digas Nada é a estreia enérgica e vigorosa desta

autora incrivelmente promissora, que a Topseller se

orgulha de dar a conhecer aos seus leitores.

Saiba mais em: www.marykubica.com

NUMA FAMÍLIA PERFEITA, NADA É O QUE PARECE.

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