Martino, Lu¡s Mauro Sa Mídia, Linguagem e Secularização Como o Uso Dos Meios De
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MÍDIA, LINGUAGEM E SECULARIZAÇÃO: COMO O USO DOS MEIOS DECOMUNICAÇÃO INTERFERE NA MENSAGEM RELIGIOSA.
MARTINO, Luís Mauro Sá (Faculdade Cásper Libero)
As relações entre mídia e religião se pautam atualmente por uma tentativa
sempre crescente de indicar ao indivíduo o que fazer em determinadas situações. O
poder simbólico religioso, veiculado na imprensa institucional, transforma a mensagem
religiosa tradicional com a roupagem moderna dos meios de comunicação com o
objetivo de transmitir sua ética e valores ao indivíduo em uma linguagem acessível e
contundente. Nesse sentido, a relação ganha um aspecto político. Como a religião
trabalha com os meios de comunicação? É possível revestir a mensagem religiosa
tradicional com a linguagem pós-moderna da mídia? E, nesse caso, quais as
implicações no conhecimento religioso tradicional?
Se não é possível oferecer respostas definitivas à essas questões, é possível
delinear alguns aspectos para a melhor compreensão do assunto. O objetivo deste
trabalho é delinear algumas das maneiras como uso dos meios de comunicação –
impressos e eletrônicos – altera a linguagem da mensagem religiosa. O uso dos meios
de comunicação pelas religiões não é novidade. No entanto, ao longo dos últimos anos,
esse uso se intensificou. Várias denominações religiosas dependem em grande parte
da mídia para existir. Enquanto isso, a Igreja Católica reage, usando rádio, cinema e
televisão.
Parece existir um paradoxo entre a velocidade pós-moderna dos meios
utilizados e a resistência de uma mensagem carregada de valores religiosos
tradicionais. Embora a televisão e o rádio sejam as mídias mais utilizadas pelas
instituições, é apenas nas publicações impressas que o elenco de temas doutrinários é
tratado com mais ênfase e profundidade. Além disso, trata-se de uma abordagem maisdireta, vinculada ao leitor já familiarizado com a linguagem da instituição religiosa,
enquanto os programas de televisão tendem a procurar um público geral.
(A) Os símbolos religiosos nos meios de comunicação
“A modernidade vem fazendo com o cristianismo aquilo que Nero, Dioclecianoe outros tentaram fazer através da violência e perseguição e não conseguiram.
A modernidade vem lentamente estrangulando a fé e o espírito cristão sem quea cristandade se dê conta do abraço da jibólia e apresente qualquerresistência”. A inversão da conversão , Revista Eclésia (Evangélica),Março/2002, p. 76.
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A idéia de pós-modernidade, em suas variáveis, complexidades e discussões,
poderia ser representada por uma tela eletrônica em branco. Dos instrumentos
contemporâneos, poucos representam melhor a velocidade do tempo e a efemeridade
dos acontecimentos do que a tela – seja a da televisão, do computador ou dos mp3
players . A existência na tela é a garantia de presença – uma presença veloz, sem
espaço. A presença sem espaço é o paradoxo da tela.
Nesse espaço de lugar nenhum, as instituições humanas recortam caminhos,
procurando se localizar, se compreender e, muitas vezes, chegando mesmo a notar
que isso talvez não aconteça. E, nesse fluxo continuo, encontram espaço para tornar
atual estruturas simbólicas que persistem em se mostrar importantes. Como lembra
Gilles Deleuze (1997), na pós-modernidade a identidade é o corpo sem órgãos. E sem
espaço, é possível acrescentar.
Uma das respostas da religião foi adaptar sua estrutura simbólica aos
veículos da modernidade, criando um novo espaço no qual a tecnologia da
modernidade, racional, é o campo de atuação dos símbolos religiosos. Como aponta
Camargo (1973:10), essa adaptação à modernidade é um passo no processo de
secularização. A instituição religiosa, em sua maior parte, vale-se de símbolos que
representam elementos do imaginário. Símbolos, em uma análise primeira podem ser
definidos como elementos que representam outros.
Conforme lembra Susanne K. Langer (1967), os símbolos desempenham papel
importante na vida imaginativa. Eles revelam os segredos do inconscientes, conduzem
a ação por caminhos que não são perfeitamente claros. Os símbolos, pois, além de
representarem uma idéia abstrata, transcendem a dimensão puramente cognitiva. O
‘significado’ de um símbolo transborda as fronteiras do racional, pois atinge camadas
mais profundas da psique humana (Epstein, 1995: 12).
Símbolos são elementos recorrentes, que transmitem a idéia, a forma e imagem
de outro objeto. O símbolo não tem valor semântico próprio, senão quando está ligado
ao objeto real que o sustenta. Membros expoentes podem representar a instituição ou
o grupo no imaginário do fiel.
Os meios de comunicação têm na notícia um tipo ideal, capaz de refletir uma
realidade exterior aos seres humanos, livre de toda e qualquer interpretação subjetiva
(Weber, 1991:12). Isso gera um novo “campo limitado de significação” não mais em
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sua seqüência intencional subjetiva, mas retrabalhada como um simples acontecimento
tecido em uma colcha de retalhos cotidiana (Berger & Luckmann, 1991: 43).
O processo de legitimação está ligado ao símbolo na medida em que este,
muitas vezes, é a representação do elemento legítimo, “certo”, dentro do contexto
institucional. Este processo ocorre mesmo quando os objetos materiais usados dentro
da instituição religiosa ganham conotações espirituais, divinas e sagradas. Os objetos
inanimados passam a ser sinais da presença de Deus no mundo dos homens.
Divulgada pela mídia institucional, a importância simbólica transcende a matéria, que
passa a ser um elemento secundário na relação de troca entre o fiel e a instituição
representante da divindade. A água e a farinha são a presença sacramental de Deus
junto ao freqüentador, que depende desse símbolo para representar a conquista de sua
fé.
Dessa forma, o uso dos meios de comunicação para a veiculação de discursos
religiosos representa a combinação de instâncias de socialização, de construção de
universos simbólicos que pautarão a ótica que terá o "fiel-receptor" da realidade – a
ponto de participar da religião “real” após assistir a uma apresentação pela TV
(Gouveia, 1998). Ambas lidam com o imaginário, criando mitos - santos e heróis de
novela, na medida em que estes personagens mostram-se como ideais - difundindo
conceitos e perspectivas de comportamento.
O apóstolo é um símbolo manifesto da instituição. Sua conduta, suas regras,
suas normas são os preceitos institucionais aplicados. Sua agenda pessoal é em
grande parte a agenda da instituição. Ele é simultaneamente a realização das
expectativas institucionais e ponto de contato entre as normas institucionais e o fiel. É
um ser humano, próximo ao público, ao mesmo tempo em que é um ser a parte, por já
haver atingido e realizado plenamente as expectativas de comportamento da
instituição.A comunicação simbólica, nesse caso, não se limita às mídias de massa, mas o
próprio ambiente e mesmo as pessoas se convertem em mensagens. Na igreja Bola de
Neve, por exemplo, o altar é uma prancha de surf. A denominação tem como público-
alvo os jovens, e procura encontrar uma forma – visual, sonora, icônica – que
contemple esse consumidor da mensagem.
A linguagem ocupa todos os espaços, e cada pessoa/agente se torna um nó
nessa rede. A tarefa do sacerdote enquanto símbolo é de representar “ao vivo e acores” a instituição religiosa. A iconografia permite ao fiel distinguir uma série de
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signos que o indicam como representante de entidades divinas, superiores aos demais
fiéis, todavia a eles ligados por fazer parte de um espaço comum da instituição. Alguns
programas religiosos, na fronteira entre o espetáculo e a celebração, não deixam de se
aproximar perigosamente das fronteiras do “infotainment” (Brants, 2005).
A indumentária apostolar é uma característica de quase todas as instituições
estudadas, reforçando-se a imagem do apóstolo-símbolo. Tanto a batina do padre
quanto a camisa social e gravata do pastor, este último exaustivamente retratado em
todas a mídia institucional, refletem a expectativa de confiança que deve ser
transmitida a partir de um simples ícone representativo da força da instituição religiosa.
O fiel, consumidor de signos, se vê tranqüilizado pela identidade espetacular de um
significado e uma vocação, não duvidando de uma por conhecer a outra. Os símbolos
são as armas utilizadas pelas instituições religiosas para a conquista do campo
religioso. Todavia, esses símbolos precisam ser divulgados. E, nesse sentido, a
tradição simbólica se adapta à velocidade da mídia para encontrar seu receptor.
É preciso notar, todavia, que o discurso utilizado pelos agentes de divulgação
religiosa não é, de modo algum, assimilado pela audiência pela imposição categórica.
A atribuição de significados, isto é, a decodificação, por parte dos fiéis, do repertório
ministrado pelos apóstolos, pressupõe a cumplicidade dos receptores no que se refere
à sua compreensão. Tal reconhecimento permite ao fiel identificar os ícones, atribuir-
lhes sentido e interiorizar a representação do poder nele contida.
A fragmentação religiosa confirma o desgaste religioso na sociedade, na medida
em que nenhuma religião consegue, unicamente com o discurso religioso, afirmar sua
hegemonia na gestão de bens sagrados.
(B) A tradição religiosa e linguagem da mídia
“Na caravana milenar da história, milhares de formadores de opiniãodesfilaram, marcando época, arrastando seguidores. Lembro alguns.Veio Darwin e disse:-O homem descende do macacoVeio Karl Marx e disse:-O homem é um estômago que deve ser alimentado.Veio Freud e disse:-O homem é libido que deve ser satisfeita.Veio Sartre e disse:-O homem é náusea que a gente vomita.Veio Nietzsche e disse:
-Quebrei as tábuas da Lei. Deus está morto. Nós, homens, terminamos comele…Mais recentemente, o neoliberalismo feroz, opressor e globalizante vem
clamando aos quatro ventos: homem é um animal racional faminto de dinheiro,
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de lucros e de bens materiais. O resto é paisagem, periferia. Dinheiro no bolsoe conta bancária na praça é felicidade a borto, realização humana conquistada!
Mas antes veio Cristo e anunciou do púlpito pobre de uma mangedoura, emBelém: homem é objeto fundamental de meu nascimento, vida, paixão, morte eressurreição. Eu sou a verdade e a vida, o caminho da salvação. Se fôssemosapenas estômago, libido, matéria, descendentes do macaco, Cristo não teria
vindo ao mundo para nos redimir e nos resgatar” – Editorial, Mensageiro doCoração de Jesus (católico), outubro/2002, p.1.
Esse trecho é típico da relação de conflito/cooperação entre a religião e as
linguagens da mídia. A crítica aos fundadores da modernidade (Marx, Freud, Darwin, e,
curiosamente, a um precursor do pós-moderno, Nietzsche) é feita em um jornal,
elemento típico da racionalidade moderna.
O uso dos meios de comunicação para a veiculação de discursos específicos
representa a combinação de instâncias de socialização e de construção de universossimbólicos que pautariam a ótica que terá o "leitor-receptor" da realidade. Ambas lidam
com o imaginário, criando mitos - santos e heróis de novela, na medida em que estes
personagens mostram-se como ideais - difundindo conceitos e perspectivas de
comportamento.
Nesse particular, Niklas Luhmann (1995: 74) estabelece que os meios de
comunicação, como instituições sociais, impõem aos outros a obrigatoriedade de
acatar as escolhas alheias como critério de ação social. Assim, para que o agente
social possa compreender o que o circunda, é preciso que se opere uma seleção e
organização dos símbolos do mundo real e uma redução da complexidade social.
Sua principal estratégia para a consolidação de sua representação como um
dado científico, portanto digno de reconhecimento social, foi adotar um dos conceitos
mais caros aos pesquisadores de todas as áreas, a idéia, típica da modernidade, da
objetividade do conhecimento. Operando com o maquinário tecnológico da
modernidade, as religiões se revestem de uma linguagem moderna na forma e
tradicional no conteúdo. As pirotecnias de certos eventos evangélicos, assim como o
apelo dos padres-cantores não é senão uma nova forma de apresentação de uma
mensagem milenar (Vahanien, 1998).
A leveza da forma não pode ser associada, na maioria dos casos, a desleixo no
conteúdo. Ao contrário, trata-se de encontrar uma fórmula para passar a mensagem da
maneira mais clara e direta possível, utilizando-se da velocidade da mídia como uma
aliada. “O discurso tradicional, com seu mundo de representações, é a repetição
incessante das idéias e dos temas que recebemos tal como, por seu turno, aqueles que
no-los transmitem receberam. Mas, em todas estas tradições, há algumas que se
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caracterizam por uma tradição especial: as que afirmam ter uma origem divina. São as
religiões” (Hatzfeld, s.d.: 46).
A aparente objetividade dos meios de comunicação, sua imparcialidade, a
neutralidade das informações veiculadas e a independência do repórter são rituais
estratégicos provedores das garantias de que o produto midiático é um espelho da
realidade (Park, 1968:43). “A realidade da vida cotidiana é admitida como sendo ‘a’
realidade. Não requer maior verificação que se estenda além de sua simples
presença”, lembram Berger e Luckmann (Berger & Luckmann, 1991:41).
No entanto, na mídia a realidade passa por processos vários de reconstrução,
seleção, adaptação e edição, que distanciam o produto final da realidade objetiva,
criando um efeito de distanciamento entre as instâncias arbitrárias de decisão e sua
objetivação no poder simbólico exercido. A objetividade aparente da informação é, por
si só, um instrumento de legitimação de todo o processo de codificação. Ao assistir um
telejornal, por exemplo, o público pode imaginar-se face a um retrato da realidade, sem
distorções ou manipulações (Street, 2001: 45).
A realidade é editada e transformada, carregada de sentidos e significados.
Esse processo é inerente à qualquer comunicação. Nos meios religiosos, isso fica mais
evidente quando se nota a adoção de linguagens tipicamente televisivas – o vídeo-clip,
a lógica da telenovela – para a exaltação dos conteúdos religiosos. Alguns programas
mostram conversões e milagres ao vivo – a “Sessão de Descarrego”, da TV Record – e
se aproximam do estilo dos reality shows. A tradição, seja ela religiosa, política ou
artística, não se opõe necessariamente à mudança ou, em outros termos, à
modernidade. Ao contrário, a tradição pressupõe uma contínua reelaboração de suas
práticas e valores, uma encenação constante de sua origem ou de seus principais
acontecimentos dramáticos, sob pena de ser esquecida.
“Ouvindo os pastores pela TV anunciando que tiveram uma revelação de Deus,
podemos ser céticos, mas poderíamos preferir sinceramente que eles estiveram em
comunhão com o divino. (…) Ainda assim, sabemos que o sagrado pode ser realmente
criado” (Wuthnow, 1994:1). A tradição, transformada em mercadoria simbólica, aparece
não apenas com um alto valor de troca mas, arriscaríamos dizer, como uma
mercadoria cuja posse não tem valor social calculável – daí o esforço desses
movimentos em destruir a tradição católica e seu medo em relação à tradição islâmica,
fontes reconhecidas da tradição.
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A multiplicidade de escolhas religiosas, com poucos critérios visíveis de
oposição entre elas, retira o significado fundamental da religião, apresentando-a como
uma forma de estruturar o mundo entre outras, sem nada que a destingia (Bauman,
1998). Sua principal estratégia para a consolidação de sua representação como um
dado científico, portanto digno de reconhecimento social, foi adotar um dos conceitos
mais caros aos pesquisadores de todas as áreas, a idéia, típica da modernidade, da
objetividade do conhecimento. A pluralidade religiosa, “longe de confirmar a
continuidade da tradição, expõe um quadro de diversidade, no qual a autoridade
religiosa se fragmenta” (Ortiz, 1998:185).
Considerações finais
As ciências do homem, desligadas de todo componente metafísico e simbólico,
mostravam que o homem não era tão racional quanto gostaria de ser. Freud, ao
estabelecer os aspectos do funcionamento do insconsciente, mostrou em que medida a
pretensa racionalidade do homem simplesmente não existia. A ciência, desde Popper,
não pode mais afirmar nada, trabalhando muito mais com hipóteses e conclusões
provisórias do que com a construção de grandes teorias (Lyotard, 1998:72). E mesmo
Wittgenstein, ao esbarrar na Religião, mostra-a como “o místico, o indizível”, ou seja,
fora do universo de compreensões da linguagem. E, mesmo sob a perspectiva
exclusiva da análise de linguagem, pode-se concluir, com Habermas (2001:55), que “a
força retórica da fala religiosa continua exercendo o seu direito enquanto não tivermos
encontrado uma linguagem mais convincente para as experiências e inovações nela
conservadas”.
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