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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
FACULDADE FEDERAL DE RIO DAS OSTRAS
INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE
DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
MARINNA BRANDÃO BASTOS
El Dourado, Favelização e Institucionalização: As Faces do Acolhimento
Institucional de Crianças e Adolescentes em Rio Das Ostras.
Rio das Ostras – RJ
Dezembro de 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
FACULDADE FEDERAL DE RIO DAS OSTRAS
INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE
DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
MARINNA BRANDÃO BASTOS
EL DOURADO, FAVELIZAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO: AS FACES DO
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
RIO DAS OSTRAS.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial para a obtenção de título de
Bacharel em Serviço Social.
ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Raimunda Penha Soares
Rio das Ostras – RJ
Dezembro de 2014
MARINNA BRANDÃO BASTOS
El Dourado, Favelização e Institucionalização: As Faces do Acolhimento
Institucional de Crianças e Adolescentes em Rio Das Ostras.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial para a obtenção de título de
Bacharel em Serviço Social.
Aprovado em 9 de dezembro de 2014.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________________
Profa. Dra. Maria Raimunda Penha Soares (Orientadora)
UFF
___________________________________________________
Prof. Dr. Juan Retana Jimenez
UFF
___________________________________________________
Profa. Ma. Antoniana Dias Defilippo Bigogno
UFF
Rio das Ostras – RJ
Maio de 2014
Dedica-se este trabalho a todas as crianças
e adolescentes que estão em abrigos e,
apesar das adversidades, ainda sonham por
uma vida melhor e, a todos aqueles que, de
alguma forma, contribuem para que esse
sonho se torne realidade. Como também, a
aqueles que lutam pela construção de uma
sociedade para todos.
AGRADECIMENTOS
Nessa trajetória acadêmica e de vida muito tenho que agradecer a todos que de
alguma forma contribuíram para que o meu sonho de formação profissional em Serviço
Social se concretiza-se. É com muita emoção, que busquei agradecer a todos que
permitiram a realização deste trabalho. De forma sucinta, tentarei abarcar todos que me
são caros nesta conquista e que me deixam muito honrada por terem feito parte da
minha caminhada.
À Cida e Reginaldo, meus queridos e amados pais, por estarem sempre do meu
lado me apoiando de todas as formas possíveis. Vocês são o exemplo de amor e
afetividade que busco reproduzir na minha vida. Obrigado pela admiração, respeito e
companheirismo.
À Mainha minha tia/madrinha/avó, por ser o porto seguro da minha existência e
por não medir esforços em me fazer feliz.
À toda família Bastos, Brandão e qual sobrenome que seja ( a família é tão
grande que se complexificou) que, com muito carinho e apoio, me permitiram chegar
até esta etapa de minha vida. Tios, tias, primos, primas, avôs e avós (in memorian) amo
vocês.
Ao meu companheiro Leonardo, que como a palavra sugere está presente em
todos os momentos da minha vida e me apoia acima de tudo. Obrigado por embelezar
os meus dias. Te amo.
Á família do meu companheiro, por me acolher com tanto carinho e me fazer
sentir parte de vocês. Gleisi obrigado pelos conhecimentos de inglês.
À amiga/irmã Elaine, por ser a mais pura representação da palavra amizade. A
Leon e Rafaela, a quem amo muito.
Aos amigos queridos e amados, que não pretendo citar para não esquecer
nenhum, por me aturarem nesse período, pelo incentivo, apoio e carinho sempre.
Aos amigos que a faculdade trouxe, e que na minha história se inseriram, sem a
força e alegria de vocês não teria ido até o segundo período. Vocês são 10.
À turma 11064, que é “muito amor” e jamais pretendo perder contato. Levarei
sempre na memória.
Aos companheiros e amigos de luta da LSR, que preenchem minha vida de
sentido e como eu acreditam que outro mundo é possível.
À querida amiga e supervisora de estágio Mirella, que com tanta generosidade
compartilhou seus conhecimentos comigo e fomentou o interesse pelo tema de
acolhimento institucional de crianças e adolescentes.
À equipe do Abrigo Municipal de Rio das Ostras, Tiago, Queila, Érica, Juliana,
Eliara, Edilene, Cida, Dona Jô e muitos outros, obrigado por me fazerem sentir tão bem
recebida, pelo apoio e pelos ensinamentos. À Fernanda, colega de curso que fez estágio
junto comigo e que sempre foi companheira.
Às crianças e adolescentes acolhidas em Rio das Ostras, que muito me
ensinaram.
Aos queridos professores da UFF Rio das Ostras, que na vivência cotidiana
propiciaram as ferramentas necessárias para realização deste tcc, em especial a minha
orientadora Raimunda, pela paciência na orientação, generosidade e incentivo que
tornaram possível a conclusão deste trabalho.
Á Juan e Antoniana, por terem aceitado participar desta fase da minha vida.
Obrigado pelo tempo.
À Deus e Meishu Sama, por acreditar numa existência de luz de infinito amor,
que nos ampara, guia e almeja um mundo de felicidade para todos.
“Garantir o direito à sobrevivência é
fundamental, mas é só o primeiro passo.
Ninguém quer apenas sobreviver.”
(Pedro Demo)
RESUMO
Este trabalho tem o intuito de expor elementos para a problematização da
política de acolhimento institucional de crianças e adolescentes em Rio das Ostras. Ao
analisar tal cenário, por meio de pesquisa bibliográfica, documental e de campo,
buscou-se apreender os motivos que contribuíram para a criação de um ambiente
favorável a institucionalização de crianças e adolescentes em Rio das Ostras. Através de
uma análise social e histórica, à luz de uma concepção crítica, aborda a discussão da
instituição família e sua configuração na sociedade burguesa e a transformação de
crianças e adolescentes em sujeitos de direitos. Também realiza uma correlação entre
infância e adolescência e questão social no Brasil, na busca para entender o que foi
mudando na prática de abandonar e de institucionalizar crianças no país, privilegiando a
política institucional de acolhimento de crianças e adolescentes em Abrigos, com foco
no cenário da política de acolhimento em Rio das Ostras. Conclui que, em termos
neoliberais, com a precarização da vida dos trabalhadores e de ataques aos direitos
sociais, a intersetorialidade entre as políticas públicas é comprometida, o que gera cada
vez mais um ambiente favorável à institucionalização de crianças e adolescestes em
abrigos. No município de Rio das Ostras, tal realidade se confirma, apontando algumas
particularidades. Desta forma, os profissionais que trabalham com as políticas sociais,
devem estar sempre lutando e criando estratégias para enfrentamento destas questões.
Palavras-chave: Criança e adolescente; família; direitos; questão social; acolhimento
institucional.
ABSTRACT
This study aims to explain the elements of the political problematic around the
children and adolescent sheltering in the city of Rio das Ostras. Analyzing this scenario
as per herewith bibliography, documental and field researches, it was intended to
understand the reasons that contributes to originate a favorable environment for the
institutionalization of children and adolescent in the district of Rio das Ostras. Through
a social and historical analysis, within a critical concept reflection, this study
approaches a discussion of the family constitution and its aspects in the burgess society
and also the modification of children and adolescents into citizen people. This study
also make a correlation between childhood and adolescence and the social issue in
Brazil, with the aim to understand what has changed in terms of abandonment and
practices of institutionalization of children in the country, favored by the institutional
politics of sheltering children and adolescents and focused on the politics scenario in the
district of Rio das Ostras. It can be conclude that in terms neoliberal, with the life
precariousness of the laborers and the attack of the social rights, the intersectoral
approach of the public politics is compromised, what creates much more an
environment favored for the institutionalization of children and adolescents in shelters.
In the district of Rio das Ostras this reality is confirmed, appointing some singularities.
Therefore, the professionals that work with social politics, must be always chasing and
creating strategies to face these issues.
Key words: children and adolescents; family; rights; social issue; institutional
sheltering.
LISTA DE SIGLAS
CF – Constituição Federal
CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CRAS – Centro de Referencia de Assistência Social
CREAS – Centro de Referencia Especializada de Assistência Social
CT – Conselho Tutelar
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor
FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor
IDHAD – Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
MCA – Módulo da Criança e do Adolescente
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
NOB – Norma Operacional Básica
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Menor
PNCFC – Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária
SAM – Serviço de Assistência do Menor
SEMBES – Secretaria Municipal de Bem-Estar Social
SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SIPIA – Sistema de Informações para a Infância e a Adolescência
SIS - Síntese de Indicadores Sociais
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................14
I A FAMÍLIA NA SOCIEDADE BURGUESA E A TRANSFORMAÇÃO DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SUJEITOS DE
DIREITOS......................................................................................................................17
1.1 Algumas considerações históricas sobre a origem da
família..............................................................................................................................17
1.2 Família na sociedade burguesa..................................................................................23
1.3 A inserção da criança e do adolescente no contexto familiar e sua transformação em
sujeitos de direitos/mudanças de paradigmas na visão da infância e adolescência com a
Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente........................38
II INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E QUESTÃO SOCIAL NO
BRASIL..........................................................................................................................44
2.1 Considerações sobre a prática de abandonar crianças no
Brasil................................................................................................................................44
2.2 Expressões da questão social que atravessam o abandono de crianças e adolescência
no Brasil contemporâneo/o papel do Estado na intervenção junto a infância e
adolescência no Brasil das instituições totais aos
Abrigos............................................................................................................................50
2.3 A política de acolhimento institucional de crianças e adolescentes em abrigos.......56
III ANÁLISE DO CENÁRIO ATUAL DA POLÍTICA DE ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ABRIGO
MUNICIPAL DE RIO DAS
OSTRAS.........................................................................................................................67
3.1 Expressões da questão social ligadas ao abandono de crianças e adolescentes em Rio
das Ostras.........................................................................................................................67
3.2 Desafios para assegurar os direitos das crianças e adolescentes a convivência
familiar e comunitária no município de Rio das Ostras..................................................94
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................100
REFERÊNCIAS............................................................................................................105
MATERIAIS OBTIDOS POR MEIOS ELETRÔNICOS.............................................110
ANEXO A.....................................................................................................................115
ANEXO B......................................................................................................................116
ANEXO C......................................................................................................................117
14
INTRODUÇÃO
Esse trabalho surgiu com o intuito de problematizar a institucionalização de
crianças e adolescentes no Abrigo Municipal de Rio das Ostras. Para assim entender os
motivos que contribuem para a criação de um ambiente favorável a institucionalização
de crianças e adolescentes no município. O interesse no tema surgiu através da inserção
no estágio curricular no Abrigo Municipal de Rio das Ostras, no período de setembro de
2011 a agosto de 2013, sob a supervisão de campo da assistente social Mirella Barreto
Sampaio. Através da experiência de estágio várias problemáticas transpareceram: O que
leva a institucionalização de crianças e adolescentes em Rio das Ostras? Como se
desenvolve a política pública de acolhimento institucional no país, especialmente no
município?
O período de estágio realizado no Abrigo, foi um motivo particular para o
aprofundamento teórico sobre o tema da institucionalização de crianças e adolescentes
no Brasil. A historiografia brasileira evidencia que as questões relacionadas à criança e
ao adolescente foram tratadas no âmbito da caridade, principalmente por parte da igreja
católica. Mais tarde, no início do século XX, com o aprofundamento das relações
capitalistas no Brasil e por isso da questão social, o “menor” foi visto como ameaça
sendo tratado e internado em instituições de caráter disciplinador, que não se
preocupavam em restabelecer vínculos familiares. Somente com a promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em 1990, graças a uma série de mudanças
na organização social, política e econômica do país e a partir das reivindicações dos
movimentos sociais organizados as crianças e adolescentes passaram a ser concebidos
como sujeito de direitos: à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à
convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à
profissionalização e à proteção no trabalho. Quando os direitos das crianças e
adolescentes são violados, há medidas específicas de proteção a serem aplicadas, a VII
delas (art. 101 do ECA) é o acolhimento institucional (em abrigos). Acolhimento este
que não se constitui em um castigo – privação de liberdade – e tem caráter provisório,
entre a transição para reintegração familiar ou não, sendo esta possível integração em
família substituta – adoção. Uma tarefa de suma importância social, prática e acadêmica
15
é transformar a conotação repressiva que os abrigos herdaram, operando para que se
tornem locais privilegiados para se trabalhar qualitativamente no fortalecimento dos
vínculos familiares e da convivência comunitária.
Tendo por base uma concepção crítica, partindo do método histórico dialético,
articulando a categoria mediação1, se objetivou desvendar a mera aparência do
fenômeno da violação de direitos das crianças e adolescentes e sua consequente
institucionalização. O marco teórico é demarcado no sentido de deixar claro para o
leitor, que não se parte de uma perspectiva que se esgota na aparência dos fenômenos
sociais, naturalizando-os, e sim busca compreender a essência do movimento do real.
Dessa forma, esse trabalho de conclusão de curso visa a construção de conhecimento
científico crítico sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes em Rio
das Ostras. Buscando analisar tal política e os fatores que incidem no(s) motivo(s) de
crianças e adolescentes serem acolhidos. É sempre importante a discussão, em âmbito
acadêmico, sobre políticas públicas de qualquer natureza, sobretudo no que diz respeito
à política que atende a violação de direitos da infância e juventude, pois tal expressão da
questão social é a face mais dura das contradições postas pelo sistema capitalista.
Para construção do presente estudo: foi efetuada pesquisa bibliográfica, com
apropriação da literatura específica ao assunto; pesquisa documental através do acesso
aos documentos do Abrigo Municipal de Rio das Ostras por meio de pesquisa de
campo, e de sites da internet; aplicação de entrevista aos profissionais da equipe técnica
e coordenação da instituição.
Pela pesquisa bibliográfica (livros, teses, monografias, artigos), de autores da
vertente crítica que serão apresentados ao longo do trabalho, tivemos a possibilidade de
enriquecer o conhecimento sobre família, infância e adolescência no mundo e no Brasil,
bem como as formas de tratamento e proteção destinadas a essa fase de
desenvolvimento dos sujeitos. Também foi possível iluminar, carregar de sentido e
embasamento os dados e informações colhidos na pesquisa documental e entrevistas.
Realizando uma leitura não neutra, que pode realmente contribuir para o desvelamento,
1 A captura pela razão dos sistemas de mediações (ocultos sob os fatos sociais) permite por aproximações
sucessivas ir-se negando à factualidade/imediaticidade, e desvelar-se as forças e processos que
determinam a gênese(nascimento) e o modo de ser (funcionamento) dos complexos e fenômenos que
existem em uma determinada sociedade. (Pontes, 2000 p.42).
16
a essência, do cenário atual do acolhimento institucional de crianças e adolescentes em
Rio das Ostras.
O trabalho foi estruturado em três capítulos: No capítulo 1 – A família na
sociedade burguesa e a transformação de crianças e adolescentes em sujeitos de direitos
– Foram discutidas algumas considerações históricas sobre a origem da família e suas
diferentes configurações, a família na sociedade burguesa e a inserção da criança e do
adolescente no contexto familiar e sua transformação em sujeitos de direitos.
No Capítulo 2 – Infância, Adolescência e Questão Social no Brasil – Foram
tecidas breves considerações sobre a prática de abandonar crianças no Brasil e logo após
as expressões da questão social que atravessam o abandono de crianças e adolescentes
no Brasil contemporâneo. Apontando o papel do Estado na intervenção junto à infância
e adolescência no Brasil ao longo do tempo.
No Capítulo 3 – Análise do cenário atual da política de Acolhimento
Institucional de Crianças e Adolescente no Abrigo Municipal de Rio das Ostras –
Apresenta-se a análise das expressões da questão social ligadas ao abandono de crianças
e adolescentes em Rio das Ostras, bem como os desafios para assegurar os direitos das
crianças e adolescentes a convivência familiar e comunitária no município.
A título de uma análise final foram tecidas algumas considerações sobre o tema
debatido. Pontuando, que a intersetorialidade entre as políticas públicas deve ser
priorizada pelo Estado. Porque em tempos de acirramento da vida se cria cada vez mais
um ambiente favorável ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes em
abrigos, gerando grandes desafios para os profissionais que lidam com a aplicação das
políticas.
17
CAPÍTULO 1- A FAMÍLIA NA SOCIEDADE BURGUESA E A
TRANSFORMAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SUJEITOS DE
DIREITOS
1.1 Algumas considerações históricas sobre a origem da família
Problematizar os motivos que contribuíram para a criação de um ambiente
favorável a institucionalização de crianças e adolescentes em Rio das Ostras constitui
um desafio, no sentido que estimula uma multiplicidade de reflexões. Antes de se
analisar a política de Acolhimento Institucional2 de Crianças e Adolescente no Abrigo
Municipal de Rio das Ostras se faz necessário resgatar algumas discussões importantes,
como a origem e o estado atual da instituição família na sociedade burguesa.
Somente nos últimos anos o campo historiográfico rompeu com as rígidas regras
da investigação tradicional, institucional e política, para abordar temas e problemas
vinculados à história social da infância (Ariès, 1981). Tendo por base uma concepção
crítica de análise, partindo do método histórico dialético se buscou didaticamente
entender a evolução da família e as formas de intervenção do Estado para se chegar à
compreensão de como as crianças e adolescentes se transformaram em sujeitos de
direitos.
Não há um consenso na reflexão científica sobre o conceito de família, onde
cada área do conhecimento agrega uma contribuição para sua caracterização e
conceituação. Isso porque uma única disciplina não daria conta de abarcar suas
múltiplas dimensões.
Uma perspectiva crítica de análise entende a família como uma totalidade e
inserida em processos históricos, portanto sua estrutura não é fixa e nem pode ser
naturalizada. A contribuição da Antropologia é que ao relativizar os diferentes arranjos
familiares, nas diferentes sociedades, mostra a diferenciação dos mesmos. Indo contra a
ideia de família como uma estrutura fixa, atestando sua mutabilidade.
2 A Lei 12.010, promulgada em 3 de agosto de 2009, conhecida como a ‘Lei da Adoção’ trata, por
exemplo, de alguns pontos relacionados ao abrigamento de crianças e adolescentes, que passa a ser
chamado de Acolhimento Institucional. A lei altera o nome da medida de “abrigo em entidade”, para
“acolhimento institucional”. Isso reflete em um desafio, para os abrigos, em buscar formas mais
acolhedoras e individualizadas de atendimento.
18
Mioto (1997) aponta que a família não se constitui a priori como um “lugar de
felicidade” e sim deve-se entendê-la como um fato cultural e historicamente
determinado. A Engels (2005) traz uma importante contribuição para a reflexão sobre a
evolução da família, pois através da teoria crítica politiza o debate; articulando a
discussão de família como o modelo de organização social (macro societário), o sistema
de produção, e os rebatimentos desse processo no âmbito familiar.
Segundo Ariés (1981), na Idade média as crianças se misturavam aos adultos
aproximadamente aos sete anos de idade, não possuindo noção de passagem para o
mundo adulto. “A família cumpria uma função – assegurava transmissão da vida, dos
bens e dos nomes – mas não penetrava muito longe na sensibilidade” (Ariés, 1981,
p.193).
Segundo Engels (2005) a sociedade teria passado não de forma linear da
promiscuidade, para o casamento grupal, depois para o matriarcado e, com o advento da
propriedade privada, surge o patriarcado e a família monogâmica com fins de assegurar
os direitos de linhagem (herança) e a não-divisão do patrimônio. Por isso, tinha que se
reprimir a sexualidade feminina do grupo.
Engels (2005) acredita que foi com o declínio da sociedade primitiva, segundo a
qual se vivia em um comunismo primitivo e regida por normas maternais, que se deu o
avanço dos grupos e a criação da sociedade contemporânea. A obra de Engels tem como
fonte principal os escritos do historiador Lewis Henry Morgan3. Engels (idem) analisou
os grupos primitivos, conforme comportamentos encontrados nas civilizações da pré-
história da humanidade divididas em três épocas principais: estado selvagem, onde o
matrimônio por grupos era a forma de família; barbárie, relacionado à família
sindiásmica; civilização, relacionado à família monogâmica.4
3 Ancient Society, or Researches In The Lines of Human Progress From Savagery Trought Barbarism to
civilization por Lewis H. Morgan. Londres. Mac Millan and Co. 1877. 4 Quando Engles (2005) descreve o estágio selvagem, barbárie e civilização refere-se a processos de
civilização. Versa sobre o quadro de desenvolvimento da humanidade, de acordo com os progressos
obtidos na produção dos meios de existência. Cada progresso delimita um período histórico.
Resumidamente pode-se esquematizar: Estado Selvagem — Período em que predomina a apropriação de
produtos da natureza, prontos para ser utilizados; as produções artificiais do homem são, sobretudo,
destinadas a facilitar essa apropriação; Barbárie — Período em que aparecem a criação de gado e a
agricultura, e se aprende a incrementar a produção da natureza por meio do trabalho humano; Civilização
— Período em que o homem continua aprendendo a elaborar os produtos naturais, período da indústria
propriamente dita e da arte. O desenvolvimento da família ocorre paralelamente, mas não oferece critérios
19
O que cabe destacar é que com tais transformações sociais o homem progrediu
também no que tange a organização familiar, assim houve transições nas formas de
constituição de matrimonio, gerando laços de parentescos essenciais para a
sobrevivência dos grupos. A forma primórdia de matrimonio foi aquela onde não havia
limites para as relações sexuais, onde não existiam restrições impostas pelo costume.
Com os avanços na sociedade surgiu, primeiramente, um sistema de consanguinidade.
A família consanguínea consistiu a primeira etapa da família, nela os grupos conjugais
se classificam por gerações em que apenas os ascendentes e descendes estavam
excluídos do matrimônio. Esse modelo de família desapareceu, cedendo lugar a família
Punaluana (Engels, idem, p.39), onde passa a ser condenável socialmente o incesto
excluindo também os irmãos e irmãs. O impedimento das relações sexuais entre os
irmãos da mesma família foi uma difícil mudança de costumes, esse já muito difundido
em diferentes tipos de sociedades analisadas por Engels (Morgan). Essa restrição de
relações se estendeu até os primos de terceiro grau, a explicação para essa manutenção
do costume era de que as famílias mais tradicionais queriam preservar suas riquezas e
consequentemente faziam com que seus filhos casassem e deixasse a linhagem
preservada.
Ainda segundo Engels (2005) nessa forma de família existia o casamento por
grupos, nos lugares em que imperava a descendência só podia ser estabelecida pelo lado
materno. Então, só se reconhecia a linhagem feminina. Como eram proibidas as relações
sexuais entre os irmãos, o grupo formado pela linhagem materna se tornava uma gens:
[...] constituí-se num círculo fechado de parentes consanguíneos por
linha feminina, que não se podem casar uns com os outros; e, a partir
de então, este círculo se consolida cada vez mais por meio de
instituições comuns, de ordem social e religiosa, que o distingue das
outras gens da mesma tribo. (Engels,2005, p.44).
O autor aponta que entre o estágio selvagem e a barbárie5 o grupo familiar vai se
reduzindo dando origem a família Sindiásmica desenvolvendo-se, sobretudo, na
América. Engels (2005) traz um extenso panorama para exemplificar suas concepções
tão conclusivos, quanto os progressos na forma de gerir a existência, para determinar os períodos
históricos.
5 Quando Engles (2005) descreve o estágio selvagem, barbárie e civilização refere-se a processos de
civilização explicados resumidamente anteriormente. Barbárie, para os marxistas, normalmente, significa
a etapa entre o comunismo primitivo e a primeira sociedade de classes, quando começaram a se formar as
classes e, com elas, o Estado. A barbárie é uma fase de transição, quando a velha comuna se encontra em
estado de decadência e quando as classes e o Estado estão em processo de formação. (Woods, 2002).
20
acerca da família Sindiásmica, com suas ramificações e evoluções. O que pode ser
concluído é que ao longo dos anos onde perdurou esse tipo de organização familiar,
foram postas inúmeras restrições aos costumes do homem antigo. O costume que recebe
maior atenção do autor é a poligamia por parte do homem, e no final de suas
explicações acerca do tema entra na discussão a Poliandria, que é quando a mulher
possui ligação com diversos maridos. Lembrando que, com a Poliandria a mulher ainda
não consegue o mesmo papel social do homem que praticava a poligamia, o homem
ainda continuava no centro do clã familiar6.
O Estudo da história primitiva revela-nos, ao invés disso, um estado
de coisas em que os homens praticam a poligamia e suas mulheres a
poliandria, e em que, por consequência, os filhos de uns e outros
tinham que ser considerados comuns. É esse estado de coisas, por seu
lado, que passando por uma série de transformações resulta na
monogamia. (Engels,2005, p.31).
Com efeito, o desenvolvimento das famílias na história considerada não
civilizada7 incidiu no estreitamento inflexível do círculo. Pois o matrimonio por grupos
foi lesado, tendo em vista a ordem social que surgia impulsionada pela necessidade de
se assegurar o comércio e o acúmulo de riquezas.
Com a evolução das forças produtivas (agricultura, criação de rebanhos dentre
outros) pode-se ter um excedente que passava a propriedade particular das famílias
agora reduzidas. O matrimônio Sindiásmico introduz na família um elemento que põe
fim ao matriarcado, pois com apenas um homem e uma mulher principal se tinha a
referência certa do pai e da mãe dos filhos. Tem-se início a protoforma da divisão
sexual do trabalho8. Segundo Engels (2005, p. 58-66), como na família cabia ao homem
6 Tal processo ocorre no estágio da barbárie. Engels(2005) ressalta que, provavelmente, foi durante o
período do matrimônio sindiásmico que se localiza a origem da propriedade privada. Com o advento da
domesticação de animais e da criação de gado, formam-se muitas riquezas. Toda essa nova riqueza
pertencia, a priori, à gens. Sucessivamente, indicam-se os chefes de família como prováveis proprietários.
Com o surgimento da propriedade privada, o homem não teria para quem deixar seus bens, pois os filhos
continuavam a pertencer, de forma exclusiva, à mãe. Para isso a ordem de herança, baseada no direito
materno, é substituía pela filiação masculina. 7 Segundo Wood ( 2002) as raízes da civilização se encontram precisamente na barbárie e, ainda mais, na
escravidão. As sociedades do período bárbaro foram o embrião de onde cresceram as aldeias e as cidades,
a escrita, a indústria e tudo o mais que serve de base para o que chamamos civilização. Marx assinalou,
em seus escritos, duas possibilidades para a espécie humana: socialismo ou barbárie. Atualmente sob o
véu de cultura e civilização são cometidas as piores barbáries. A vida na civilização de hoje é uma luta
diária e cruel, tanto nos países do mundo subdesenvolvido e dos de capitalismo desenvolvido. Segundo
Woods (idem) somente com uma revolução da produção, pela primeira vez os seres humanos livres serão
os donos de seu destino. Pela primeira vez, serão realmente humanos. Somente então começará a história
real da raça humana. 8 Sem esmiuçar suas modalidades a divisão sexual do trabalho pode ser conceituada: “A divisão sexual do
trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do
21
procurar a alimentação e a mulher o âmbito doméstico, em caso de separação o homem
ficava com os meios de produção e os instrumentos de trabalho (dentre eles a mão de
obra escrava que surgia) e a mulher com os utensílios domésticos.
A lei de herança com base no direito materno versava que os bens passariam aos
parentes da gens mais próximos por linhagem consanguínea materna, portanto, não
eram passados aos filhos do homem falecido, pois a gens do pai não era a mesma da
mãe. Segundo Engels (idem, p.59) com o aumento das riquezas proporcionalmente foi
sendo agregado ao homem mais poder na família, e foi se gerando o desejo de lançar
mão dessa vantagem para modificar o direito de herança para seus filhos.
Tal revolução – uma das mais profundas que a humanidade já
conheceu – não teve necessidade de tocar em nenhum dos membros
vivos da gens. Todos os membros da gens puderam continuar sendo o
que até então haviam sido. Bastou decidir simplesmente que, de
futuro, os descendentes de um membro masculino permaneceriam na
gens, mas os descendentes de um membro feminino sairiam dela,
passando a gens de seu pai. Assim, foram abolidos a filiação feminina
e o direito hereditário materno, sendo substituídos pela filiação
masculina e o direito hereditário paterno. (Engels, 2005, p.9-60).
Todo esse processo histórico resultou no patriarcado, o homem acabou se
apoderando inclusive da direção da casa, o que ocasionou o surgimento de relações de
submissão da mulher em relação ao homem. A função principal da mulher passou a ser
a reprodução da família.
A comunidade familiar patriarcal (Engels, idem, p.64) foi uma transição para a
família monogâmica. Esta que surge no tempo médio de evolução da família
Sindiásmica, com um propósito de promover a passagem a um total domínio do homem,
da figura paterna na sociedade, e a partir desse ponto, o homem apenas poderia ter uma
única esposa, e não aquela gama com uma esposa principal. Junto com esses novos
pontos, surgem às leis acerca da infidelidade feminina, pois os filhos destas eram os
herdeiros diretos dos pais. O marido ainda continuava com um intenso controle de sua
esposa, enquanto mesmo com os novos costumes que permeavam a sociedade, o
homem ainda continuava com outras mulheres. Enquanto existiam leis para coibir a
infidelidade feminina e a valorização da castidade e fidelidade, a masculina acabava por
que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é
modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera
produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das
funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.).” (Hirata, 2007, p. 599).
22
ser aceitável pela sociedade. Na nascente fase da civilização e da família monogâmica
como forma de família, a mulher não podia se separar do homem este, por outro lado,
poderia repudiar a mulher quando quisesse.
Dessa forma pode-se perceber que a família monogâmica foi a primeira a se
formar por questões puramente econômicas, fundada na propriedade primitiva privada.
Segundo Engels (idem, p70) a monogamia surge como a escravização de um sexo pelo
outro e não como a reconciliação entre o homem e a mulher. Se essa crítica do
progresso, originariamente fundado na propriedade privada das mulheres, já era
arrasadora para as condições dos séculos passados, seu realismo é ainda mais flagrante
para a atualidade.
Chega-se, enfim, à civilização, onde a produção mercantil atinge o seu pleno
desenvolvimento e apogeu, tendo como suporte a propriedade privada dos meios de
produção, a família monogâmica e, consequentemente, o Estado. A civilização cria uma
classe que se ocupa, exclusivamente, da troca dos produtos: os comerciantes. A
civilização atingiu patamares jamais imaginados. Contudo, realizou tudo isso sob um
custo social extremamente absurdo, onde, segundo Engels (2005), foi determinada
apenas pela vil ambição à riqueza da sociedade, impondo a cada estágio, uma nova
forma de exploração entre seres humanos.
Segundo Lessa (2012) a monogamia não se contrapõe a poligamia, na família
primitiva as tarefas tinham caráter social e coletivo e a relação entre os homens era de
outra qualidade diferente da exploração do homem sobre o homem fundada na
propriedade privada.
Mas o fundamental, que é velado, é que tanto a “monogamia” como a
“poligamia” expressam o mesmo patriarcalismo. Se, no harém e entre
os mórmons, a monogamia é expressamente apenas feminina, ao
homem sendo legítimo várias esposas, na família tradicional cristã,
ocidental, o casamento é complementado pela prostituição. A regra
monogâmica aplica-se apenas às mulheres: a monogamia é a
expressão, por todos os lugares, do patriarcalismo. (Lessa, 2012, p.
42).
Pode-se aferir que se a família foi assumindo diversas formas no percurso
histórico, num futuro sob a égide de novas diretrizes civilizatórias igualitárias se molde
uma estrutura familiar libertária com igualdade entre os gêneros. A própria ideia de
23
família, nos moldes da sociedade burguesa, pode até não caber numa sociedade fundada
em bases de igualdade e liberdade.
1.2 Família na sociedade burguesa
Do século XVI ao XVII não havia a separação rigorosa entre espaço público-
privado e nem a noção de intimidade, as famílias eram unidades de proteção onde todos
os membros (inclusive as crianças) participavam das atividades relativas à
sobrevivência da mesma. A família, portanto, não tinha função afetiva e nem
socializadora (educativa), os filhos eram socializados enquanto auxiliavam os adultos
no trabalho. Nesse período se opera também a perda de poderes da mulher, inclusive
direitos legais. No século XVIII a burguesia chega ao poder através das revoluções
burguesas e com estas a industrialização e a urbanização e se opera a distinção entre o
público e o privado e a família passa a ter a função socializadora. No lar burguês se
enfatiza a intimidade familiar, onde até a arquitetura das casas é pensada para garantir a
privacidade.
No Estado capitalista a positivação do direito a propriedade privada serve a
manutenção da exploração de uma classe sobre a outra, o Direito Burguês materializado
em leis, normas, estatutos e etc. opera a conservação das desigualdades sociais,
permitindo que os sujeitos nunca tenham cidadania plena. A pobreza existia antes do
capitalismo, mas no atual sistema ela se torna a essência das relações sociais. O estado
capitalista retira a possibilidade dos trabalhadores terem acesso aos meios de produção,
pois são apropriados pela burguesia, e a pobreza e a desigualdade se torna expressão
disso. À medida que os meios de produção se tornam privados aumenta o grau de
empobrecimento da classe trabalhadora. Quando se garante a propriedade privada, se
estabelece que o que é socialmente produzido não vai ser apropriado por todos.
Montaño (2012) aponta que, nas sociedades pré-capitalistas, a pobreza além da má
redistribuição de recursos era fruto da escassez de produtos. Montaño (2012) diz que
nas sociedades capitalistas:
Quanto mais riqueza produz o trabalhador, maior é a exploração, mais
riqueza é expropriada (do trabalhador) e apropriada (pelo capital).
Assim, não é a escassez que gera a pobreza, mas a abundância
(concentrada a riqueza em poucas mãos) que gera desigualdade e
pauperização absoluta e relativa. (Idem, p.279).
24
Ou seja, nas sociedades capitalistas quanto mais se desenvolve e se acumula
capital mais se gera desigualdade. A pobreza tem gênese no lugar que os sujeitos
ocupam no processo produtivo, não por escassez de produtos e sim pela acumulação
privada de capital. Logo, a apropriação privada de uns poucos gera miséria e
desigualdades para a maioria da população.
O sentimento de valorização da infância vem se instaurando desde o século
XVII. No século XVIII a saúde e educação de todos os filhos (não só os primogênitos)
passam a ganhar a preocupação dos pais, a família deixa de se tornar apenas uma
unidade econômica (de sobrevivência) para um lugar de refúgio e afetividade.
O cuidado dispensado às crianças passou a inspirar sentimentos novos,
uma afetividade novo que a iconografia do século XVII exprimiu com
insistência e gosto: o sentimento moderno da família. Os pais não se
contentavam mais em pôr os filhos no mundo, em estabelecer apenas
alguns deles, desinteressando-se dos outros. A moral da época lhes
impunha proporcionar a todos os filhos, e não apenas ao mais velho –
e no fim do século XVII até mesmo as meninas – uma preparação para
a vida. Ficou convencionada que essa preparação fosse assegurada
pela escola. (Áries, 1981, p. 195).
Tais mudanças elencadas geram o início do processo de modernização da
família, formando o modelo burguês da mesma, que a partir do século XVIII, segundo
Ariés (1981), se massifica das elites para as demais camadas sociais.
A divisão sexual do trabalho9, que aloca o mundo externo (da produção) para
ser de responsabilidade exclusiva do pai (chefe da família), e o mundo interno (focado
na reprodução dos entes da família) se torna encargo da mãe (unidade doméstica). Então
a função da mulher seria cuidar dos assuntos relacionados à casa e a educação dos
filhos, e sem remuneração diferente do marido, divisão essa ideologicamente
naturalizada.
No século XIX o modelo capitalista industrial se firma (revolução industrial no
seu ápice) e a acumulação burguesa se consolida. O Estado Liberal baseado na
democracia representativa se expande e, apesar do discurso, intervém na economia
sempre no sentido de facilitar os interesses do desenvolvimento do capital.
9 Iniciou-se na passagem da chamada barbárie a civilização. Com a crescente geração de riquezas e o
advento da propriedade privada, o direito de herança passa a ser em razão da filiação masculina, tudo isso
em detrimento do direito materno. O modelo capitalista só ampliou a desigualdade e opressão dessa
relação.
25
Desde a metade final do século XVIII a família vem se firmando como unidade
de consumo, que precisa consumir no mercado o necessário para sobrevivência. O
responsável por isso, como visto, é o homem, a mulher cuida da reprodução dessa força
de trabalho, não só do marido, mas dos futuros trabalhadores que são os filhos. Tais
traços se perpetuaram pelo século XX e até hoje. Porém, o casamento baseado pela
escolha do parceiro não meramente por questões econômicas começa a se desenvolver,
dando inicio a família conjugal moderna, cuja divisão sexual no casamento começa a ser
questionada, isto também, devido à luta do movimento feminista pelos direitos das
mulheres. Os modelos patriarcal e conjugal10
, como mostra a pesquisa sobre a família
brasileira realizada por Gueiros (2002), existem até hoje, tendo traços predominantes de
um ou outro dependendo da camada social. As camadas mais baixas tenderiam ao
modelo patriarcal e as médias e altas ao conjugal. Logo os dois modelos coexistem na
realidade das famílias brasileiras, com diferentes graus de apreensão dependendo do
lugar da família na estratificação da classe social.
Para Sarti:
A família, para os pobres, associa-se aqueles em quem se pode
confiar. (...) Como não há status ou poder a ser transmitido, o que
define a extensão da família entre os pobres é a rede de relações que
se estabelece: são da família aqueles com quem se pode contar, isto
quer dizer, aqueles que retribuem ao que se dá, aqueles, portanto, para
com que se tem obrigações. São essas redes de obrigações que
delimitam os vínculos, fazendo com que as relações de afeto se
desenvolvam dentro da dinâmica das relações descritas neste capítulo.
(Sarti, 1996, p.63).
Dessa forma a relação de parentesco se estabelece entre os membros nessa rede
de solidariedade, de obrigações morais. Diferentemente nas famílias de classes mais
abastadas que tem maior ligação com a relação de parentesco, isso pela importância do
parentesco na divisão dos bens materiais.
Do século XX até a contemporaneidade ocorre o processo de modernização da
família11
. Neste trabalho foi feita a opção por focar nos impactos que a estrutura
10
Explicitando que foi retratado no ponto 1: genericamente a família patriarcal pode ser compreendida
pelo modelo, onde os papéis de homem e mulher e as fronteiras entre público e privado estão definidas
rigidamente. Ao homem é atribuído à função de chefe da família, seu adultério podendo ser tolerado
socialmente. A mulher mantém relação de submissão e opressão nessa relação. No caso do modelo
conjugal esse modelo passa a ser questionado e a escolha do parceiro não é meramente econômica. 11
Segundo Gueiros (2002, p.106), a família moderna, genericamente, pressupunha a separação entre
público e privado; ênfase na intimidade familiar; e privacidade dos indivíduos na própria família,
separando-se, inclusive os cômodos na casa visando assegurar tal privacidade.
26
socioeconômica tem no constructo social e consequentemente nas famílias,
privilegiando a conjuntura a partir dos anos de 1970. Buscando inserir a família nas
contradições da relação capital versus trabalho na sociedade vigente.
Nos anos de 1970 o sistema capitalista entra em crise de superprodução (com
queda tendencial da taxa de lucro, diminuição da produtividade e produção que reflete
em desemprego), o sistema precisa recompor seu ciclo de produção e as formas de
gerenciar o Estado, para garantir e ampliar a acumulação de capital, processo que afeta
não só a esfera da produção mais as relações sociais.
Tal crise do capital evidenciou que o padrão de organização do trabalho
taylorista/fordista não era mais capaz de garantir os altos lucros que as empresas
monopolistas tiveram no seu auge. Emergiu um modelo flexível de acumulação
capitalista, onde capitais foram retirados e estendidos do setor produtivo para o
financeiro – capitais se expandiram do capital produtivo para o financeiro, houve uma
fusão entre eles o que resultou no setor financeiro ditando as regra da economia. Ao
mesmo tempo houve uma redefinição do fazer produtivo (modelo japonês ou toyotista),
onde se teve também uma diminuição dos postos de trabalho (que também se deve as
inovações tecnológicas).
Para sair da crise o sistema é repensado na sua forma de produzir, organizar o
Estado e estabelecer o controle social. O processo de reestruturação produtiva se deu
sob o advento do neoliberalismo, este que foi uma contrarreforma do Estado que veio na
contramão das reformas produzidas pelos Welfare States. Nos Estados de Bem-Estar
Social as políticas públicas eram universais (pleno emprego, saúde, educação,
previdência...), apesar de terem ocorrido diversas configurações desse modelo,
especialmente na Europa12
.
Todo o processo de transformações de ordem econômica e social que se instaura,
como visto, a partir dos anos de 1970 pode ser nomeado a partir de uma perspectiva
ampla de reestruturação produtiva. O termo refere-se aos sucessivos processos de
transformação nas empresas e indústrias, caracterizados pela desregulamentação e
12
Não houve Welfare State no Brasil, pelo contrário, foi um período permeado por ditaduras (Varguista e
civil-militar). Com a redemocratização do país e a conquista da Constituição Cidadã de 1988,que avança
no campo da seguridade social, o Brasil vai na contramão dos avanços legais e instaura governos
neoliberais de ataque aos direitos dos trabalhadores.
27
flexibilização do trabalho, fruto da acumulação flexível e das novas tecnologias da
Terceira Revolução Industrial.
No Brasil, essa reestruturação produtiva não se deu apenas na mudança de
processos técnicos, mas por meio da privatização de empresas estatais, terceirização,
demissões de trabalhadores em busca de se aumentar até 100% a produtividade, o que
fez crescer o número de trabalhadores sem carteira assinada (excluídos do mercado
formal de trabalho). Pinto (2010) aponta as consequências da reestruturação produtiva
na organização dos trabalhadores:
Essas alterações nas qualificações exigidas e as segmentações a partir
daí geradas na composição da classe trabalhadora vêm afetando sua
organização política, atingindo duramente o poder de seus sindicatos
frente aos Estados e às entidades patronais. Mais especificamente, a
diferenciação dos trabalhadores em grupos cada vês mais distintos
vem fragmentando seus interesses como classe social, haja vista a
evidente tendência de distanciamento em termos de reivindicação e
participação política entre os mantidos “estáveis” em atividades
supostamente mais qualificadas, frente os mantidos em trabalhos
precários. (Pinto, 2010, p. 49).
Para o neoliberalismo, a intervenção do Estado seria a causa da crise estrutural,
por supostamente desestimular o trabalho. Com essa justificativa se reproduz o exército
industrial de reserva, funcional ao capital, no controle dos trabalhadores e consequente
desestruturação da sua condição de classe. O corte de gastos na esfera social teve como
objetivo principal recuperar bancos e pagar dívidas, adentrando o capital financeiro no
fundo público. O regime de acumulação “flexível”, ao ser implementado no Brasil,
agravou as crises econômico-sociais já existentes.
No Brasil, por exemplo, culminou numa implementação vasta e
profunda da doutrina neoliberal no Estado na década de 1990, a qual
persiste até os dias atuais, impondo: à classe trabalhadora, de um lado,
a precarização dos serviços públicos e a flexibilização de seus direitos,
mediante o aumento da informalidade e do desemprego estrutural; ao
empresariado nacional, de outro, uma posição subalterna na divisão
internacional do trabalho, com a manutenção de acordos predatórios
fundados em políticas monetárias, ditadas por organismos de controle
financeiro internacional. (Idem, pg.52).
As políticas sociais ao invés de universais, na contemporaneidade, são cada vez
mais focalizadas, fragmentadas e precarizadas. O crescimento do chamado “terceiro
setor” (Montaño, 2002) remete ao incentivo de parcerias público-privadas, um
fenômeno que vem evidenciando uma nova forma de responder as sequelas da “questão
28
social”13
, que mostra uma desresponsabilização de um Estado (visto como ineficiente) e
do Mercado, apelando à responsabilidade individual para tal.
As consequências da incorporação do ideário neoliberal nas
sociedades, que como a brasileira, vivem os impasses da consolidação
democrática, do frágil enraizamento da cidadania e das dificuldades
históricas de sua universalização, expressam-se pelo acirramento das
desigualdades sociais, encolhimento dos direitos sociais e trabalhistas,
aprofundamento dos níveis de pobreza e exclusão social, aumento da
violência urbana e da criminalidade, agravamento sem precedentes da
crise social que, iniciada nos anos 80, aprofunda-se continuadamente
na primeira década do século XXI. (Raichelis, 2006, p. 4).
A autora explica que a partir dos anos de 1980 com a consolidação do ideário
neoliberal no Brasil e a consequente deterioração da qualidade de vida da classe
trabalhadora contribuíram para dar relevância ao debate das políticas sociais “pelo seu
caráter de mediação entre as demandas sociais e as respostas organizadas pelo aparato
governamental para implementá-las.” (Idem).
Raichelis (2006) aponta que os anos 80 foram marcados pelo aprofundamento
das desigualdades sociais no país, pela luta da democratização do Estado o que
intensificou o debate sobre as políticas públicas. Questionando além de seu caráter
(focalista e fragmentado), a necessidade de se democratizar os processos decisórios e a
gestão de tais políticas.
O advento da Constituição Federal de 1988 definiu que a assistência social, a
saúde e a previdência formariam a seguridade social. Uma tentativa de reestruturação da
proteção social que pode ser reconhecida como uma conquista, por ter sido fruto do
clima de contestação da população pela conquista da cidadania. Tal constituição visou
romper as características paternalistas, clientelista e de caridade historicamente
presentes nas políticas sociais.
Um marco também presente na Constituição Federal de 1988 foi da igualdade
jurídica entre os gêneros.
O movimento feminista brasileiro foi um ator fundamental nesse
processo de mudança legislativa e social, denunciando desigualdades,
propondo políticas públicas, atuando junto ao Poder Legislativo e,
13
Utiliza-se a definição de questão social de Carvalho e Iamamoto, (1983, p.77), entendida como
“expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário
político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É
a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa
a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”.
29
também, na interpretação da lei. Desde meados da década de 70, o
movimento feminista brasileiro tem lutado em defesa da igualdade de
direitos entre homens e mulheres, dos ideais de Direitos Humanos,
defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação, tanto
nas leis como nas práticas sociais. De fato, a ação organizada do
movimento de mulheres, no processo de elaboração da Constituição
Federal de 1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e
obrigações correlatas do Estado, tais como o reconhecimento da
igualdade na família, o repúdio à violência doméstica, a igualdade
entre filhos, o reconhecimento de direitos reprodutivos, etc.(Barsted,
2001, p. 35).
Nessa época as dificuldades econômicas, atreladas às lutas dos movimentos
feministas contribuíram para o largo acesso das mulheres nas universidades e no
mercado de trabalho (também na esfera pública). Fatos revolucionários, mas
contraditórios, pois as próprias dificuldades econômicas também fizeram ser preciso
que mais membros das famílias contribuíssem com a renda, inclusive crianças e
adolescentes. Ao mesmo tempo as mulheres mais subalternizadas permaneceram à
margem desse processo.
Buscar entender a configuração da família brasileira na atualidade se mostra
necessário no sentido da desconstrução de verdades socialmente aceitas, que acabam
por naturalizar a instituição da família. Por exemplo, a cada ano do século XX muitas
alterações nos arranjos familiares podem ser notadas. Ao se comparar aos séculos
anteriores a mutabilidade da família é gritante. Ao entender a categoria família na
totalidade dos processos históricos pode se aferir que a mesma é uma construção da
humanidade, portanto, mutável.
O documento produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, intitulado “Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida
da População Brasileira. Estudos e Pesquisas Informações Demográficas e Sócio-
Econômica” – SIS 2013 (IBGE, 2013) fornece importantes dados para se entender as
configurações da família na atualidade, principalmente o que vem mudando desde o
início do processo de modernização da família. Tal documento fornece base para uma
múltipla gama de análises, mas o foco está na configuração da família brasileira.
No SIS 2013 se encontra os resultados da Pesquisa Nacional por Amostragem de
Domicílios – PNAD 2012. Segundo O PNAD 2012 o número de domicílios no Brasil
chegou a 62,9 milhões, sendo que, destes, 54 milhões estavam localizados em áreas
urbanas, correspondendo a cerca de 85% do total. O número médio de pessoas por
30
domicílio foi de 3,1 moradores. Sendo que as unidades federadas da região norte
apresentam números de até 4,0 moradores, se mostrando maior que a média nacional.
Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada (IBGE 2003, p.91) o tamanho
médio das famílias em 2002 era de 3,6, tendo a região norte apresentado o maior índice
4,3. A pesquisa ainda evidencia que nos últimos 30 anos a proporção de pessoas que
vivem sozinhas dobrou, passando de 6,2% em 1981 para 13,2% em 2012.
No período de 10 anos pode-se perceber a redução do tamanho da família
brasileira. Retrocedendo ainda mais na história podemos perceber alguns fatores que
podem explicar esse fenômeno. Como o surgimento da pílula anticoncepcional nos anos
de 1960, o movimento feminista e de liberdade sexual, contribuíram para empoderar a
mulher na escolha do número de filhos, ou de não os ter. Paralelamente à redução do
tamanho das famílias, houve uma mudança na composição familiar. O tipo hegemônico
de família no Brasil é aquela constituída por um casal com filhos, embora esteja
perdendo posição relativa.
No período 2002/2012, houve redução do peso relativo dos arranjos
familiares constituídos por casal com filhos (52,7% para 45,0%) e,
consequentemente, aumento dos casais sem filhos (14% para 19%).
Nos arranjos familiares constituídos por mulher sem cônjuge com
filhos, os chamados “monoparentais femininos”, a proporção passou
de 17,9% para 16,2% no mesmo período. Outros passou de 5,6 para
6,3. (Gráfico 2.3). ( SIS, 2013, p. 72).
O documento em tela aponta que os indivíduos estão mais propensos a
experimentar maior variedade de estruturas familiares ao longo de suas vidas.
Diferentemente do tipo de família “tradicional” ou nuclear burguesa, constituída por um
casal com filhos. Segundo o SIS (2013), independentemente de se tratar de casal sem
filhos ou casal com filhos, houve um aumento considerável da proporção de mulheres
responsáveis pelos núcleos familiares entre 2002 e 2012.
No caso dos núcleos formados por casal sem filhos, a proporção de
mulheres passou de 6,1% para 18,9%, nos casais com filhos de 4,6 %
passou para 19,4%. Nas monoparentais, as mulheres sempre foram
maioria, proporção que se mantém no período [...] As evidências
trazidas pela PNAD 2012 mostraram que 38% dos arranjos familiares
tinham como pessoa de referência mulheres, quando, em 2002, essa
proporção era 28% (Tabela 2.14)” (SIS, 2013, p. 73).
Sendo que desses 38%, 88,2% representam famílias monoparentais “chefiadas”
por mulheres. Enquanto que das famílias monoparentais, apenas 11,8% são chefiadas
por homens. Demonstrando que a maioria esmagadora de famílias com apenas uma
31
pessoa de referência, essa consiste em uma mulher. Uma das hipóteses para tal dado é o
aumento das mulheres no mercado de trabalho. Os dados também refletem, um contexto
social geral de vulnerabilidade dessas mulheres, que devem sozinhas e muitas vezes
sem auxilio dos aparatos estatais garantir a proteção social dos filhos. Apesar de não ser
o foco desse estudo, esses dados específicos terão implicações se refletindo
posteriormente na análise do acolhimento institucional de crianças e adolescentes.
A lei do divórcio (lei n° 6.515, de 26 de dezembro de 1977), também alterou a
configuração da família brasileira. Serviu como visto, para o aumento das famílias
monoparentais e também para crescimento das famílias recompostas ou reconstituídas14
.
O SIS 2013 aponta que segundo os resultados do Censo 2010, o fenômeno das famílias
reconstituídas se mostrou bastante significativo, atingindo 16,3% dos casais com
presença de filhos e, utilizando-se o parâmetro de estado conjugal, cerca de 12%
tiveram, pelo menos, uma união anterior. Atualmente, as famílias apresentam uma
grande gama de possibilidades de composição, inclusive com filhos dos casamentos
anteriores e futuros filhos da relação.
Uma vitória dos movimentos sociais foi a resolução n. 175, de 14 de maio de
2013, aprovada durante a 169ª Sessão Plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
que diz que nenhum cartório poderá se recusar a realizar o casamento civil de pessoas
do mesmo sexo. O SIS 2013 aponta que já está em andamento a inclusão de um
questionário extenso de categorias de parentesco. Para abarcar todos os tipos de famílias
recompostas e de união homoafetiva. No último caso, o Censo 2010 identificou um
conjunto de 67 mil casais do mesmo sexo. O reconhecimento do direito ao casamento
homoafetivo serviu também para facilitar a adoção de acrianças e adolescentes por
casais do mesmo sexo.
Mioto (1997) cita alguns elementos trazidos acima, como aumento das famílias
recompostas e monoparentais e de pessoas que vivem sós já na época de sua pesquisa.
Tais elementos apresentados, somados aos trazidos pela autora como: concentração da
idade reprodutiva nas mulheres mais jovens; aumento da concepção em idade precoce;
aumento da co-habitação e do casamento civil em detrimento do religioso; população
proporcionalmente mais velha, o que aumenta os encargos da família com os idosos e
também da participação dos mesmos no auxílios do cuidado da casa e dos filhos; esses
14
Famílias em que pelo menos um dos cônjuges teve uma relação anterior à atual, com ou sem filhos.
32
elementos têm sido decorrentes de um multiplicidade de fatores. Mioto (1997,p.119)
destaca: a liberalização dos hábitos e costumes, e a nova posição da mulher na
sociedade; as inovações tecnológicas na área da contracepção e na comunicação de
massas; o modelo adotado pelo governo brasileiro pós década de 80, que acarretou no
empobrecimento acelerado da família brasileira com um grande número de mulheres e
crianças no mercado de trabalho.
Para análise da categoria família não ocorrer de forma alienada e unilateral, deve
ser inserida na realidade social vigente. No cerne da relação capital versus trabalho nas
contradições e limites da sociedade de classes. A Pesquisa de Gueiros (2002) chama
atenção para o significativo percentual de famílias que vivem com até dois salários
mínimos, também para o fato de apesar das novas configurações familiares estarem
postas no cotidiano não são moralmente aceitas pela sociedade. Os avanços nas
legislações (como divórcio, casamento civil entre pessoas do mesmo sexo) refletem a
luta dos movimentos sociais organizados, mas também representam uma forma de
concessão do Estado para conter o potencial revolucionário da classe trabalhadora.
Também ainda não significam uma revolução na moralidade cotidiana das pessoas, em
que mulheres divorciadas, casais homoafetivos, mães solteiras ainda são oprimidos.
Algumas reflexões podem ser tecidas, tal como a função de reprodução
ideológica da família. Tendo em vista que no cotidiano da vida familiar são transmitidos
valores, nesse espaço pode-se tanto reproduzir os valores dominantes, como também
pode ser um espaço onde gradativamente possam ir surgindo ideias e valores
contestatórios e emancipadores.
Complementando os dados de Gueiros (2002), ainda pela análise do SIS 2013
pode-se perceber que os domicílios com rendimento de até meio salário mínimo
representavam 17,1%, sendo que no Nordeste, esse percentual foi de 32,9%. O Norte
também apresentou proporção superior à média nacional (28,5%), enquanto o Sul
(9,2%), o Sudeste (11,1%) e Centro-Oeste (13,3%) apresentaram uma posição mais
favorável para esse indicador. Os resultados para os domicílios situados na classe de
rendimentos com maior poder aquisitivo (mais de 2 salários mínimos per capita)
mostraram, maiores percentuais nas Regiões Sul (27,2%); Centro–Oeste (25,8%) e
Sudeste (25,7%).
33
Outra reflexão é que o acirramento da “questão social” incide majoritariamente
na sobrevivência das famílias. Esse fato somado, ao da fragilidade da proteção social,
faz com que uma grande parte das famílias fique desassistida pelo Estado. A ideologia
de ineficiência do Estado contribui para que as respostas frente a “questão social”
ocorram na esfera da família e no “terceiro setor” (Montaño, 2002). A esfera estatal
seria como um “suplemento” quando os outros não conseguissem atuar.
Todo esse fenômeno serve para a culpabilização e criminalização da família pela
sua incapacidade de não conseguir prover sua sobrevivência (cuidado dos membros) e
integração social, não considerando o contexto mais amplo de acirramento da vida em
tempos de neoliberalismo pós década de 80 que acelerou o processo de empobrecimento
da família.
As mazelas e desigualdades geradas pelo capital incidem diretamente nas
famílias. Em tempos de barbárie o modo de relacionamento familiar muitas vezes se dá
pela violência. Não se pode requerer das famílias das classes subalternizadas o mesmo
nível de proteção dos das classes abastadas. A questão da pobreza não constitui causa
obrigatória da violência intrafamiliar, doméstica15
e da violação dos direitos das
crianças e adolescentes, mas incide no papel parental primário de proteção social
instituído por lei a ela.
Na questão da violência contra mulher a tabela a seguir, construída pelo Dossiê
da Mulher (2012) reflete os números dessa opressão no Estado do Rio de janeiro. Onde,
se pode perceber que nos casos de estupro, ameaça e lesão corporal dolosa as mulheres
representam a maioria. Ainda segundo o documento em suas considerações finais:
“Assim, as estatísticas apresentadas até aqui demonstraram que a maior parte da
violência sofrida pelas mulheres ocorre no ambiente doméstico e/ou familiar.”
(Teixeira,Moraes, Pinto (org) 2012, p. 54.)
15
Entendendo como violência intrafamiliar: é toda a ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a
integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da
família não se referindo apenas ao espaço físico onde a violência ocorre, mas também às relações em que
se constrói e efetua. A violência doméstica distingue-se da violência intrafamiliar por incluir outros
membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço doméstico.
34
Outro dado apresentado pelo SIS 2013: “Cerca de 79% do total de casais onde
o responsável e o cônjuge têm rendimento, a pessoa de referência é do sexo masculino.
Entre esses casais, aproximadamente 73% dos cônjuges mulheres apresentavam
rendimentos inferiores aos do responsável.” (SIS 2013,p.75). Tal indicador evidencia
que muitas vezes a relação de renda entre os gêneros é desigual, o que pode gerar a
dependência financeira da mulher ao cônjuge. O que, pode ser mais um elemento para
dificultar a separação entre os mesmo. Situação essa, que não são raras de evoluírem
para alguma forma de violência.
Segundo o Mapa da Violência 2012 Crianças e adolescentes do Brasil
(Waiselfisz, 2012, p.62), os casos de violência contra crianças e adolescentes atendidos
pelos SUS e registrados pelo SINAN16
(Sistema de Informação de Agravos de
Notificação) no ano de 2011 foram registrados 39.281 atendimentos na faixa de 1 a 19
anos, o que representa 40% do total de 98 115.
Como já destacamos acima a pobreza por si só não justifica a violação dos
direitos das crianças, dos adolescentes e das mulheres, por mais pauperizada que seja a
16
A notificação da Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências foi implantada no SINAN em
2009, devendo ser realizada de forma universal, contínua e compulsória nas situações de violências
envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos, atendendo às Leis 8.069 – Estatuto da Criança e
Adolescente, 10.741 – Estatuto do Idoso e 10.778 – Notificação de Violência contra a Mulher. Essa
notificação é realizada pelo gestor de saúde do SUS mediante o preenchimento de uma Ficha de
Notificação específica, diante de suspeita da ocorrência de violência.
35
família isso não exclui que se mantenham vínculos afetivos. Mas, é um fator
determinante e por isso deve ser priorizada pelo poder público, pois debilita o papel
parental das famílias. No interior de um modo de produção desigual, a qualificação das
políticas sociais e sua efetividade são primordiais na garantia de melhor condição de
vida para a população.
Os direitos sociais, então, devem receber prioridade de investimento estatal,
pois não existe cidadania sem intervenção ativa do Estado. A proteção social deve ser
bem estruturada, com políticas realmente universalistas, para que assim, segundo
Gueiros (2002), a família tenha condições básicas de inserção social e de cidadania para
que possa cumprir o papel social e legal a ela atribuídos.
Resgatando o que já foi explicitado nesse trabalho: Mioto (1997) aponta que a
família não se constitui a priori como um “lugar de felicidade” e sim deve ser entendida
como um fato cultural e historicamente determinado. Como foi abordado, a família
apresentou diversas configurações ao longo da história, diferindo seu modelo e funções
de acordo com as sociedades e as culturas. Por exemplo, em sociedades onde não
figurava a exploração de classes, como as indígenas, não havia a ideia de criança
abandonada, pois era entendido como função de toda comunidade os cuidados com as
mesmas.
Na sociedade de classes, fundada na propriedade privada e na exploração do
homem pelo homem, onde contraditoriamente se coloca a família como espaço primário
de proteção social, ao mesmo tempo se opera a “desproteção social”. A existência da
família burguesa serve também à manutenção da propriedade privada. Como os dados
evidenciam, a família burguesa, como espaço primário de proteção social e de felicidade
está historicamente falida, é uma ideia que não se sustenta. Isso porque diversas formas
de violência e violação de direitos das mulheres, das crianças, adolescentes e idosos
acontecem em seu interior a números crescentes. Até mesmo as famílias abastadas não
dão conta de proteger seus jovens, onde se pode notar, por exemplo, os inúmeros casos
de dependência de uso abusivo de álcool e drogas entre os mesmos.
Contraditoriamente, como será mostrado no próximo tópico do trabalho os
movimentos sociais lutaram para que a família assumisse o papel de proteção social da
infância e da juventude. Todo um arcabouço estatal foi criado para dar suporte a essa
família, porém nessa sociedade burguesa ele não se sustenta. Porque na verdade, o
36
Estado atua como um instrumento de manutenção da propriedade privada, logo permite
a manutenção das desigualdades de classes.
Como nessa sociedade os direitos das crianças e adolescentes estão sendo
violados, onde muitos têm que ser inseridos no sistema de acolhimentos institucional,
deve-se desconstruir a ideia que a criança precisa de uma família no modelo burguês
tradicional para ser feliz. As crianças e adolescentes, que aguardam por serem adotadas
nos abrigos do país, precisam de uma convivência saudável, comunitária e de afeto. Os
indivíduos adotantes podem ser aptos a isso, pois a família não é algo natural e
biológico e sim com quem se estabelece relações afetivas.
Segundo Lessa (2012):
Quando se trata do Estado, das classes sociais e da propriedade
privada, a necessidade de sua superação é mais fácil de ser assimilada.
Todavia, porque é um elo importantíssimo dos processos de
individuação de todos nós, é bem mais complicado constatar que o
mesmo se dá com a família monogâmica. Ela é um complexo social
tão alienante e alienado quanto o Estado; tal como a propriedade
privada, é reproduzida pela aplicação cotidiana da violência; é o
exercício cotidiano do mesmo poder que faz de uns a classe
dominante e de outros os explorados e produtores do “conteúdo
material da riqueza social” (Marx, 1983, p.46). (Lessa, 2012, p. 54).
Para o senso comum citar a abolição do modelo de família burguês,
monogâmico e judaico-cristão é inconcebível. Não se enxerga, sem mediações
histórico-críticas, que para manutenção desse modelo se sacrifica uma parte importante
da humanidade, para o fim último do desenvolvimento do capital e a manutenção da
exploração. A crise do sistema capitalista (da sociedade de classes), no sentido do
esgotamento de suas potencialidades históricas é a mesma pela qual passa o Estado e a
família de hoje. A abolição desses, através de uma revolução pela base dos explorados,
se mostra fundamental para que possam surgir formas de sociabilidades onde todos
sejam realmente iguais nas suas diversidades.
Isso não quer dizer, obviamente, que todo o desenvolvimento humano
propiciado no passado pela família monogâmica – inclusive o
surgimento do amor individual sexuado – deva ser abandonado (tal
como o comunismo não significa revogar o desenvolvimento das
forças produtivas realizado pelas sociedades de classe). O comunismo
continuará sendo uma sociedade humana e, enquanto tal, terá traços de
continuidade com todo o nosso passado. Assim como o comunismo
significará o mais pleno desenvolvimento das forças produtivas a
partir da reorganização do intercâmbio material com a natureza (pela
passagem do trabalho abstrato ao trabalho associado), a superação da
37
família monogâmica fará parte da emancipação das individualidades
para o mais pleno desenvolvimento de suas potencialidades afetivas.
(Idem, p. 56).
A partir dessas breves considerações da família na sociedade burguesa, se pode
avançar no caminho metodológico para entender a infância e adolescência no Brasil.
Deixando clara a concepção radicalmente crítica que se propõe este trabalho. Com o
intuito de pensar a política de acolhimento institucional, privilegiando o cenário de Rio
das Ostras – RJ.
38
1.3 A inserção da criança e do adolescente no contexto familiar e sua
transformação em sujeitos de direitos/mudanças de paradigmas na visão da
infância e adolescência com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da
Criança e do Adolescente
Nem sempre a criança e o adolescente foram entendidos como sujeito de
direitos. A historiografia mostra que a questão da criança e adolescente foi tratada no
âmbito da caridade, principalmente por parte da igreja católica17
. Mais tarde, no início
do século XX, o aprofundamento das relações capitalistas no Brasil, crescimento das
indústrias e da urbanização gerou a pauperização da classe proletária, que passou a
residir majoritariamente nas favelas e cortiços18
.
As crianças que passam a ocupar os espaços urbanos nas principais
cidades brasileiras no final do século XIX, como Rio de Janeiro, São
Paulo e Salvador, tornaram-se um problema para as autoridades
locais. (Cuneo, 2006, p. 17).
O “menor” de idade foi visto como ameaça sendo internado em instituições de
caráter disciplinador, não havendo a preocupação no reestabelecimento dos vínculos
familiares (eram institucionalizados pobres, abandonados e infratores). Tem-se como
exemplo desses tipos de instituições: O SAM – Serviço de Assistência do Menor, a
FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor, cuja incumbência era a de
formular e implantar a Política Nacional de Bem-Estar do Menor – PNBEM e FEBEM
– Fundação Estadual do Bem Estar do Menor. Segundo Rizzini (2006):
No Brasil, a prática de encaminhar crianças e adolescentes pobres para
os chamados internatos de menores ganha força a partir do século
XIX. A fácil retirada da criança de sua família para essas instituições
criou uma verdadeira cultura de institucionalização. (Rizini,
2006,p.31).
As crianças pobres e delinquentes deveriam, então, ser tratadas nessas
instituições para voltarem ao convívio social, assim poderiam ser moldadas para o
mundo do trabalho. O Estado passa a perceber a criança como um patrimônio do país.
Logo investir na infância era investir no país. Nessa época o Estado realizou parcerias
17
Até meados do século XIX, o atendimento aos expostos esteve caracterizado por ações essencialmente
assistencialistas. Esta fase é denominada caritativa. Durante quase três séculos e meio, a iniciativa
assistencial em relação à infância pobre no Brasil encontra-se quase que totalmente vinculada à Igreja
Católica. A primeira Roda de que se tem registro no Brasil foi fundada no século XVIII, no ano de 1726,
na cidade de Salvador, na Bahia. A Roda dos Expostos foi um dos maiores símbolos do pensamento
assistencial brasileiro. (Cuneo, 2006, p.16) 18
Ao longo do século XIX, a ideologia caritativa foi gradativamente substituída pela preocupação com a
ordem social. Inaugurou-se a fase filantrópica, que perdurou até o século XX. (idem, p. 17)
39
com a medicina social, esta que além de alterar o espaço urbano reorganizou os hábitos
das famílias pobres, por muitas vezes esses interferirem na higienização das cidades.
Inicialmente, preocupados com o alto índice de mortalidade infantil,
os médicos dirigem à população campanhas que concorreram para a
formação de um novo modelo de família, higiênica, intimista e
privatista, em suma, moderna. (Bulcão, 2002.p.67)
Paralelo ao contexto de criança como patrimônio do país e alvo de ações
sanitárias, educacionais e moralizadoras, se tem a infância que pode se tornar perigosa.
Com o aumento da criminalidade nas cidades, começam a se criar aparelhos de
prevenção e repressão às crianças abandonadas. Como visto, com foco na educação
moralizadora para que a criança, especialmente a abandona, se moldasse para o trabalho
e passasse a ser produtiva. Para os que já estivessem degenerados, cabia a
institucionalização em instituições disciplinadoras.
Nessa época os juristas começaram a se debruçar na criação de legislações
específicas para a questão da infância no país. Assim, em 1927, se tem o advento do
Código de menores ou Código Mello Mattos e a criação de um novo sujeito social o
“menor” 19
. Os “menores” não eram mais caso exclusivo da polícia, e sim alvo de
assistência e proteção, pelo menos no que diz respeito ao aspecto legal. Caberia à
autoridade judiciária vigiar e dar resposta ao “menor”, visto com um problema a
sociedade (a partir daí, surgem o SAM em 1941 e a FUNABEM e FEBEM em 1964).
Após mais de 50 anos de transformações sociais, em plena ditadura civil-militar, é
criado em 1979 o novo Código de Menores – Lei n. 6.697/79. Este que, basicamente,
alargou a ideia de “menor” como criança pobre e delinquente. Consolidando, a categoria
do “menor em situação irregular”.
Já deu para notar que duas infâncias extremamente diferentes estão
sendo construídas. A primeira, associada ao conceito de menor, e é
composta por crianças de famílias pobres, que perambulam livres pela
cidade, que são abandonados e às vezes resvalam para a delinqüência,
sendo vinculadas a instituições como cadeia, orfanato, asilo, etc. Uma
outra, associada ao conceito de criança, está ligada a instituições
como família e escola e não precisa de atenção especial. (Bulcão,
2002, p.69).
Na década de 1980 no Brasil, se configurou um cenário de redemocratização e
toda uma discussão nacional e internacional sobre os direitos das crianças e
19
A partir de então, as crianças transformaram-se em “menores”, e passaram a carregar em si os estigmas
do abandono e da delinquência. (Cuneo, 2006, p. 18)
40
adolescentes, que culminou no artigo 227 da constituição federal de 1988, uma síntese
da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que garantia:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão. (Brasil, CF 1988).
O advento da Constituição Federal de 1988 definiu que a assistência social, a
saúde e a previdência formariam a seguridade social. Constituiu uma tentativa de
reestruturação da proteção social. Tal legislação pode ser reconhecida como uma
conquista, por ter sido fruto do clima de contestação da população pela conquista da
cidadania, “Distinta da cidadania tal como construída nos países europeus, aqui
prevaleceram às relações de favor e de dependência” (Iamamoto, 2010, p. 141). Tal
constituição visou romper as características paternalistas, clientelista e de caridade
historicamente presentes nas políticas sociais, ao preconizar “(...) ampliação e extensão
dos direitos sociais; universalização de acesso; expansão da cobertura de benefícios
sociais (...)” (SILVA, 1994, p. 98).
Os princípios preconizados no artigo. 227 da Constituição Federal de 1988 só
foram postulados no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em 1990, graças a
uma série de mudanças na organização social, política e econômica do país e a partir das
reivindicações dos movimentos sociais organizados. Este que foi um esforço de romper
com a visão de que existem “duas infâncias” (Bulcão, 2002) descritas anteriormente.
O advento do ECA veio no sentido de buscar romper com a dicotomia “menor”
e “criança”, ao postular que todas as crianças e adolescentes passam agora a ser sujeitos
de direitos, respeitando sua situação peculiar de pessoas em desenvolvimento. A
garantia da convivência familiar e comunitária, aspecto reforçado também através da
Política Nacional de Assistência - PNAS (2004) e consequentemente no Sistema Único
de Assistência Social - SUAS, tem no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa
do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006)
PNCFC20
, a comprovação de sua relevância política por se tratar de uma articulação
20
O PNCFC foi resultado da articulação importante entre os diversos atores políticos, dentre eles o
Conselho Nacional de Assistência Social CNAS e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente CONANDA.
41
nacional para elaborar um documento que mostra o avanço dos debates acerca da
proteção integral e a proposta de ruptura com a preocupante cultura de internar a
infância.
O movimento dos sujeitos históricos, que culminou na mudança do arcabouço
legal foi uma verdadeira mudança de paradigmas. O caráter universal dos direitos
conferidos, em oposição ao antigo código de menores, que se destinava ao “menor em
situação irregular” alterou a forma de inserção e visão da infância na sociedade
brasileira. Tornando legalmente, as crianças e adolescentes em sujeitos de direitos,
proporcionou pensar a infância e adolescência por outras bases.
Outra enorme mudança percebida foi em relação ao preconceito, a discriminação
dirigida à família e a criança pobre, associando pobreza e delinquência de forma
automática e desonesta; como se as classes mais pobres tivessem por natureza um
comportamento criminoso, desordeiro, lascivo, portanto não estariam aptos a viver em
sociedade, merecendo o enquadramento ou a segregação. As crianças e adolescentes
dessas classes subalternizadas, consideradas “infratoras”, “abandonas” ou “carentes”
eram - e ainda hoje, de outra maneira – vítimas da falta de um sistema de proteção
social, o papel do Estado consistia em vigiá-las e puni-las uma vez que temia pela sua
periculosidade.
O antigo Código de Menores passava a tutela dos menores para o Estado,
justificando a existência das instituições repressivas. Já o ECA percebe que a criança e
adolescente tiveram seus direitos violados, seja pela família, sociedade, Estado ou em
razão de sua conduta (ECA, art 98) e funciona como instrumento na exigibilidade
desses direitos aos vulneráveis.
Dos anos 80 até os dias atuais aparece um novo sujeito na sociedade de classes,
a criança e o adolescente sendo portador de direitos. Isso altera a inserção dos mesmos
no contexto familiar e social. Tanto a família e a sociedade não podem violar os recém-
adquiridos direito das crianças e adolescentes, explorando-os seja de qual forma for. E o
Estado tem que garantir condições para que essas violações não ocorram. Esse
reconhecimento faz com que as crianças não sejam personalizadas como portadoras de
carências, e inclui a responsabilidade de toda a sociedade na garantia desses direitos. Ao
entendê-los como pessoas em desenvolvimento, se quer dizer que não podem ser
responsabilizadas pela irresponsabilidade dos adultos.
42
Por a legislação brasileira manter a positivação do direito a propriedade privada,
as desigualdades sociais permanecerão21
. Enquanto esse direito for inquestionável, os
indivíduos nunca terão cidadania plena. Couto (2008) aponta que os direitos apresentam
um duplo caráter: ao mesmo tempo em que representam conquistas da classe
trabalhadora em disputa na sociedade, servem a manutenção da ordem estabelecida. Isso
por conter o potencial revolucionário dos trabalhadores, mantendo uma falsa aparência
de conciliação entre as classes e, também, por exonerar o capital dos custos de
reprodução da força de trabalho.
Por conta dessa disputa na sociedade, o discurso jurídico não necessariamente é
acompanhado por uma ação jurídica correspondente. Enquanto o aparelho jurídico
estiver a serviço dos interesses dos detentores do capital, as garantias legais não se
expressaram plenamente de fato na realidade. Apesar de ser fruto da luta dos
movimentos sociais organizados, os direitos na sociedade brasileira (e no mundo
capitalista) não conseguem se materializar em toda sua potência.
A história, que é formada pela ação dos sujeitos no mundo, criou a necessidade
de mudanças de paradigmas para se entender a infância e adolescência. Porém, pela
categoria contradição se percebe que a mudança não é absorvida pela sociedade de
classes de forma universal pelos próprios limites do Direito Burguês.
Tais considerações são importantes para entender, que apesar das legislações que
garantem os direitos da infância e juventude serem universais, contraditoriamente seus
impactos na vida dos sujeitos não são. Para muitos segmentos da sociedade e,
infelizmente, algumas instituições do sistema de proteção social a criança pobre ainda é
concebida como “menor” e todo o estigma que a palavra carrega.
Com a luta dos sujeitos e a conquista do arcabouço legal que mudou
radicalmente a concepção de infância e adolescência no Brasil, os defensores dos
direitos da infância e juventude ganharam um instrumento de batalha. Batalha essa, que
lança mão das contrariedades do sistema capitalista para garantir a melhoria e a
proteção real desses novos sujeitos históricos.
21
Segundo análise da Teoria Geral do Direito do teórico marxista Pachukanis (1988), o Direito no interior
do modo de produção capitalista se estrutura como Direito Burguês. Não cabe aos limites do presente
estudo, uma análise aprofunda sobre a teoria do referido autor. Pachukanis foi citado, para que se possa
entender que se parte da premissa que o Direito Burguês materializado em normas, leis, estatutos e etc
possui uma função mantenedora de consensos, servindo a exploração de uma classe sobre a outra.
43
Buscar a garantia da efetivação dos direitos das crianças e adolescentes é um
grande desafio, não apenas para a cidade de Rio das Ostras - RJ, mas para o país como
um todo. Necessita-se que o Estado ofereça condições concretas das famílias cuidarem
deles, não culpabilizando as mesmas no processo.
Para tanto, se faz necessário que o fundo público privilegie recursos para
fortalecer as atuais fragilizadas redes de proteção social através de uma verdadeira
intersetorialidade entre as políticas públicas com o intuito de fortalecer a família no seu
papel parental, buscando evitar o rompimento dos vínculos. Pois, hoje, como se pode
cobrar deveres de uma família que na sua história não teve direitos mínimos garantidos?
Segundo Bidarra (2009):
Para materializar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes e
para efetivar a perspectiva de promoção e de proteção integral,
subscrita na política da área de atendimento da criança e do
adolescente, é inadiável assegurar diferentes graus de
intersetorialidade entre as políticas que integram o campo das políticas
sociais básicas e as que estão encarregadas de operacionalizar os
serviços especiais, sendo essa uma prerrogativa expressa pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente [...] (Bidarra, 2009.p 494-495):
No caminho da garantia dos direitos das crianças e adolescentes existem limites
e desafios, porém a história mostra, que da contradição surge a luta diária e a mudança.
44
CAPÍTULO 2 – INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E QUESTÃO SOCIAL NO
BRASIL.
2.1 Considerações sobre a prática de abandonar crianças no Brasil.
Nos três grandes regimes brasileiros, a saber, Colônia, Império e República
praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada foi a Roda dos
Expostos22
. A Roda tinha caráter caritativo e missionário, assim que a criança chegava a
primeira medida era o batismo, para a salvação de sua alma. O anonimato do sistema
incentivava o expositor a depositar a criança no mecanismo, pois o comum era o
abandono nos bosques, lixo, portas de igreja e casas de família, geralmente abastadas. O
Brasil lidera o triste ranking internacional de ter sido o último país a abolir a escravidão
e a Roda, está perdurou de 1726 até 1950.
Segundo Marcílio (2011) no período colonial, a partir do século XVIII foram
implantadas três Rodas dos Expostos no Brasil, a primeira em Salvador, depois Rio de
Janeiro e Recife. As autoridades provinciais pressionaram Portugal para que instalasse
no Brasil a Roda nos moldes da de Lisboa, ou seja, nas Santas Casas. A Santa Casa
acatou a solicitação de inserir a Roda, mediante pagamento anual. A pesquisa da autora
retrata que antes da Roda, as crianças abandonadas deveriam ser assistidas pelas
Câmaras Municipais, estas eram omissas e sempre arrumavam formas de burlar essa
determinação. A maioria dos abandonados era largada, ficava a mercê da compaixão de
famílias, muitas vezes criada como mão de obra gratuita e fiel.
Teoricamente a responsabilidade de assistir as crianças abandonadas era das
câmaras municipais, que o faziam de forma relutante. No período Imperial, Marcílio
(1998) aponta que com a lei dos municípios de 1828 as câmaras encontraram a brecha
legal para passar oficialmente a responsabilidade dos enjeitados para as Santas Casas de
Misericórdia. Assim, as cidades que tivessem uma Santa Casa poderiam instalar uma
22
As rodas surgiram na Idade Média e na Itália. Surgiram com ligação as confrarias de caridade no século
XII, que se constituíram um espírito de sociedade de socorros mútuos [...]. O nome da roda provém do
dispositivo onde se colocavam os bebês que se queria abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio
por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e sem abertura
externa, o expositor depositava a criancinha enjeitada. A seguir ele girava a roda e a criança já estava do
outro lado do muro Puxava-se uma cordinha com uma sineta, para avisar ao vigilante ou rodeira que um
bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado.
(Marcilio, 2011, p.56-57)
45
Roda dos Expostos. E quem subsidiaria as mesmas não seriam as Câmaras e sim a
Assembleia Legislativa.
De certa forma, estava-se oficializando a roda de expostos nas
Misericórdias e colocando estas a serviço do Estado. Perdia-se assim o
caráter caritativo da assistência, para inaugurar-se filantrópica,
associando-se o público e o particular. (Marcilio, 2011, p. 62).
A lei dos Municípios de 182823
inaugurou uma nova fase, que não estava mais
apenas vinculada a caridade da Igreja, mas associava o público e o particular na
assistência aos expostos. Apesar disso poucas Rodas foram criadas. A nova lei também
foi formulada no sentido de incentivar a iniciativa particular (famílias substitutas) a
cuidarem das crianças abandonadas, para que assim os municípios fossem liberados
ainda mais dessa responsabilidade.
No período colonial, as Santas Casas de Misericórdia, sobreviviam na maioria
das vezes da caridade individual da população.
Com o século XIX chega a influência da filosofia das luzes, do
utilitarismo, da medicina higienista, das novas formas de se exercer a
filantropia e do liberalismo, diminuindo drasticamente as formas
antigas de caridade e solidariedade para com os mais pobres e
desvalidos. (Marcilio, 2011, p. 67).
Com a omissão das câmaras e a diminuição das formas de caridade, as
dificuldades aumentaram ainda mais nas instituições de Misericórdia. Para dar resposta
a isso, durante o segundo reinado os bispos, com apoio dos governos provinciais,
trouxeram da França irmãs de caridade para gerenciar as Casas e Rodas dos Expostos.
Seguindo as influências do pensamento liberal vigente na Europa, vistos na
citação anterior, começou no país uma campanha para o fim da Roda dos Expostos. O
movimento era puxado por médicos higienistas indignados com os níveis de
mortalidade infantil das instituições, e também embasado por aqueles que defendiam
teorias evolucionistas, que buscavam a raça humana pura, melhorada. “Esta passou a ser
considerada imoral e contra os interesses do Estado” (Idem, p. 68).
23
Ao contrário do que se esperava com a Lei dos municípios, as rodas não se multiplicaram tanto. Foram
criadas apenas uma dezena delas. Assim encontramos treze rodas de expostos no Brasil: três criadas no
século XVIII (Salvador, Rio de Janeiro e Recife), uma no início do Império (São Paulo), depois da lei
Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas (RS), Cachoeira (BA), Olinda (PE), Campos (RJ), Vitória (ES),
Desterro (SC) e Cuiabá (MT). As oito últimas deixaram de funcionar em 1870. (Marcílio, 2011, p. 62-
66).
46
Nessa época, a partir de meados do Século XIX, os juristas começaram a se
preocupar em dar reposta a questão da infância abandonada no país, o que culminou no
Código de Menores de 1927 como visto no capítulo anterior deste trabalho. Segundo
Marcilio (2011), a Roda foi no Brasil um fenômeno essencialmente urbano e pontual. O
movimento para seu fim foi mais forte na Europa que no Brasil, por isso as mesmas no
Brasil só se extinguiram na década de 1950. A pesquisa da autora citada indica que, nas
cidades onde não havia a Roda as crianças não tiveram muita opção de destino. A maior
parte morria, ou ficava a mercê da caridade alheia sendo criada como filho de criação.
Era uma prática comum da época, as famílias acolherem filhos de criação, mesmo a
legislação brasileira só incluindo as primeiras regras da adoção no Código Civil de
1916.
Como as Misericórdias não podiam abrigar todas as crianças que
voltavam do período de criação em casas de amas, e como estas só em
minoria aceitavam continuar criando as crianças, passado o período
em que recebiam salários grande parte das crianças ficava sem ter para
onde ir. Acabavam perambulando pelas ruas, prostituindo-se ou
vivendo de esmolas e pequenos furtos. (Marcílio, 2011, p.75).
Para dar resposta a figura do adolescente infrator, do menor abandonado que
vivia nas ruas, o governo passa a tomar medidas para prevenir e dar resposta a este
fenômeno. O país passa a entrar na fase assistencialista filantrópica (Marcílio, 2011),
que persistiu no Brasil até os anos de 1960. Foi a fase de encontro entre fé e ciência,
onde as táticas filantrópicas, aliadas a preceitos religiosos, eram aplicadas frente a nova
realidade social da infância delinquente. Do final do século XIX até o século XX foram
criados estabelecimentos e instituições de abrigo e educação para a infância abandonada
(públicas e privadas). Então, nessa época a filantropia geria a assistência aos expostos,
nos moldes dos novos parâmetros que vinha se moldando o século XX.
Associações filantrópicas foram sendo criadas, notadamente a partir
dos anos de 1930, para amparo e assistência à infância abandonada.
Uma delas, de grande ação, foi a Liga das Senhoras Católicas; outra
foi o Rotary Club: ambas fundaram ou apoiaram inúmeras instituições
asilares. (Idem, p. 78).
Após os anos de 1960 vem a “fase das FUNABEM”, em que se
institucionalizava os menores em instituições repressoras, e o Estado fazia de tudo para
conter a classe de delinquentes juvenis oriundos das camadas mais pauperizadas da
população. Como visto anteriormente, somente com a Constituição Federal de 1988, e a
mudança na concepção de infância no Brasil e no mundo, as crianças e adolescentes
47
finalmente foram reconhecidos como sujeitos de direitos. Enfim, o Estado assume sua
responsabilidade frente às crianças e adolescentes insistentemente estigmatizados na
história do país.
O entendimento de como a estrutura econômica, deriva nas expressões da
questão social, que atinge a vida das famílias, permite a problematização das causas do
abandono na época dos modelos caritativos, filantrópicos e repressivos de assistência à
infância. Através do histórico de atenção aos expostos, pode-se evidenciar que as
expressões da questão social e a luta de classes atravessam toda a discussão de infância
e adolescência no Brasil.
Em todos os grandes regimes implantados no Brasil, a desigualdade econômica e
concentração de riquezas nas mãos de poucos e a exploração e marginalização de
grupos sociais sempre esteve presente. As ricas condições naturais brasileiras, no
período colonial e até hoje, são alvo dos interesses internacionais. A concentração de
terras, em que se implantava a monocultura, para servir ao mercado internacional e a
mão de obra escravizada fez com que boa parte da população livre vivesse na miséria.
Além de a população escravizada ser destituída de qualquer direito econômico, político,
social e humano. Com o fim da escravidão, no período Imperial, e a não implantação de
uma reforça agrária e de uma revolução econômica e política manteve-se a concentração
de renda e marginalização da maior parte da população.
Por falta de condições materiais para cuidar dos filhos, a pobreza foi a principal
das causas do abandono de crianças. As crianças provenientes das classes miseráveis
sempre foram a maioria nas instituições de atendimento a crianças abandonadas. Porém,
uma multiplicidade de fatores também influiu para o abandono de crianças nas rodas. A
própria existência da mesma, onde o anonimato do expositor era mantido, e a falta de
políticas públicas eficientes contribuía para que o ato ocorresse.
A pesquisa de Marcílio (1998, p. 257-266) nos apresenta, partindo de registros
históricos, as causas que levaram a exposição de crianças nas rodas. Proporcionando
ponderações, por exemplo, como a questão econômica e de gênero estão profundamente
intrincadas neste processo.
Ao contrario do que se pode pensar não apenas os filhos ilegítimos eram
expostos, a autora citada encontrou evidencias e relatos escritos de que, também, os
48
filhos legítimos eram abandonados. Seja por uma forma de controle de natalidade, ou
por se imaginar que lá as crianças teriam um futuro melhor, o que historicamente não
aconteceu. Segundo Marcílio (idem), autores da época atribuíam sem comprovações
empíricas o abandono a ilegitimidade e a prostituição. Porém se pode constatar, que
fatores econômicos propiciavam que as famílias não tinham como sustentar seus filhos
legítimos.
Fatores supervenientes poderiam determinar a vontade ou a
necessidade de abandonar uma criança. Os mais comuns foram a
morte e a doença do pai ou da mãe, o nascimento de gêmeos, a saída
do pai de casa, deixando sua mulher ao desamparo, e a falta de leite da
mãe dentre outros. Quase sempre estes fatores conjunturais estiveram
associados ao fator econômico da pobreza. (Marcílio, 1998, p. 259).
Valores morais imbuídos no machismo e no patriarcado, portanto na questão de
gênero, influíram também na decisão de abandonar um filho. Pois, a honra da mesma e
principalmente a da mulher precisava ser preservada. Por isso há registro até do
abandono de crianças ricas, cujas mães engravidavam antes do casamento, filhos estes
que podiam ser reavidos futuramente ou não. A preservação da honra da família, a
vergonha e a moralidade, podem explicar a longevidade da duração da roda no país. O
aborto da mulher era malvisto naquela época e criminalizado ainda no século XXI,
porém o que se pode chamar de “aborto do homem” 24
sempre existiu e era socialmente
aceito. A mulher foi responsabilizada a dar conta do sustento dos filhos, sem apoio do
Estado para isso, e moralmente reprimida por escolher não os ter, lhe restava o abando.
A Roda permitiu uma opção mais garantida, de não sofrer represálias sociais, do que a
rua e as casas de família.
O início do século XX trouxe novos fatores para o abandono de crianças.
Internacionalmente o sistema capitalista já estava consolidado no seu estágio
monopolista, o que gerou novas expressões da questão social. No contexto europeu, em
meados do século XIX, ocorreu uma onda de ascensão do capitalismo, observou-se uma
mudança no metabolismo social deste modo de produção graças à transição da primeira
para segunda Revolução Industrial. Na história até então nunca a produção de riquezas
foi tão elevada, porém ela não é desmembrada, por isso concomitantemente há uma
24
O que se refere como “aborto do homem” é o ato do pai deixar as crianças aos cuidados da mãe, não
assumindo nenhuma responsabilidade na sua criação. Diferente do homem, quando a mulher aborta é
criminalizada judicialmente e moralmente.
49
elevação da miséria, fenômeno este conhecido como pauperismo25
, cujos
desdobramentos sociopolíticos são as expressões da questão social. A burguesia, antes
revolucionária, no século XIX mostra todo seu potencial explorador sobre os
despossuídos dos meios de produção.
Cardoso (1995) a partir da análise de Florestan Fernandes demonstra que o
capitalismo monopolista no Brasil, se deu na forma de capitalismo dependente. Ou seja,
uma fase perversa da exploração para os trabalhadores, onde as burguesias locais
submetidas às internacionais operavam um capitalismo selvagem no país para assim
poderem obter lucros maiores.
Deste modo, o capitalismo dependente se concretiza através de
expropriação e de autocracia, caracterizando o que Florestan
Fernandes denomina capitalismo selvagem. Conjuga crescimento
econômico dependente com miséria e exclusão despóticas, além da
ausência de direitos fora dos setores sociais dominantes. (Cardoso,
1995, p.5).
Logo, no inicio e decorrer do século XX, o cenário no país foi o de acirramento
das expressões da questão social, empobrecimento dos trabalhadores e carência de
direitos. Os direitos conquistados ao longo do tempo, só o puderam ser, por muita luta
dos trabalhadores organizados, resistindo aos desmandos do capital.
Nas primeiras décadas do século XX com a crescente industrialização, aumento
da urbanização, migração dos trabalhadores rurais para a cidade em busca de emprego e
melhores condições de vida, a entrada da mulher no mercado de trabalho como operária
nas fábricas e, sobretudo, como domésticas foram fatores que favoreceram a exposição
de recém-nascidos. Muitas famílias e mulheres imbuídas de valores morais e religiosos,
ao não conseguir sustentar os filhos, ou quando os bebês possuíam problemas de saúde,
os abandonavam nas rodas, que era a opção que não ia de encontro aos seus valores.
25
A respeito do pauperismo: Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em
que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. Tanto mais a sociedade se revelava capaz de
progressivamente produzir mais bens e serviços, tanto mais aumentava o contingente de seus membros
que, além de não terem acesso efetivo a tais bens e serviços, viam-se despossuídos das condições
materiais da vida de que dispunham anteriormente. Se, nas formas de sociedade precedentes à sociedade
Burguesa, a pobreza estava ligada a um quadro geral de escassez (quadro em larguíssima medida
determinado pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas, materiais e sociais), agora ela se
mostrava conectada a um quadro geral tendente a reduzir com força a situação de escassez. (Netto, 2011,
p. 153)
50
Neste trabalho buscou-se problematizar os motivos da institucionalização de
crianças e adolescentes na atualidade pós ECA, evidenciando que são diferentes dos
encontrados nos períodos passados.
Com o novo sujeito social, a criança portadora de direitos, os acolhimentos em
instituições ocorrem menos por abandono por parte dos pais, e mais por violação de
direitos. Antes os menores eram considerados adultos mirins e o seu destino não era
responsabilidade de todos. As instituições que atenderam as crianças e adolescentes
abandonados, do período colonial até a implementação do ECA, também
acompanharam as mudanças de paradigmas sobre a infância e por isso tiveram que ser
reformuladas. Com o Estado e a sociedade assumindo o dever de zelar pelos mesmos, as
causas do abandono e os motivos de institucionalização mudaram, e precisam ser
compreendidos e analisados, para que se possa sonhar com um futuro onde crianças e
adolescentes não sejam um problema ou uma ameaça e sim motivo de alegria e
esperança.
2.2 Expressões da questão social que atravessam o abandono de crianças e
adolescência no Brasil contemporâneo/o papel do Estado na intervenção junto a
infância e adolescência no Brasil das instituições totais aos Abrigos.
No século XX, como já pontuamos, houve o aprofundamento das relações
capitalistas no Brasil. Urbanização, industrialização, migração dos trabalhadores do
campo para as cidades marcaram esse período. O processo de acumulação capitalista,
por meio da propriedade privada dos meios de produção, se deu à custa da produção de
pobreza em larga escala. Para manutenção da ordem estabelecida, do status quo, as
classes dominantes precisavam ter o controle das “classes perigosas”. Quem fazia parte
dos “perigosos”/indesejados eram todos que evidenciavam as contradições do sistema
capitalista, os que tinham potencial de suscitar revoltas contra o sistema, que
ameaçavam a falsa paz social e estampava nos centros das cidades as contradições do
mesmo. Os (as) meninos (as) de rua e das comunidades pobres significavam perigo para
as classes abastadas, apenas por existir, representando o símbolo mais drástico de luta
pela sobrevivência.
51
A criança marginalizada devia então ser vigiada, controlada, punida e submetida
a uma educação que a preparasse para ser útil ao futuro do país (não para mudá-lo). Até
a década de 1960 o Estado não foi um interventor na questão da assistência, e menos
ainda, na proteção das crianças abandonadas. Após o Código de Menores de 1927 o Juiz
de Menores era o todo poderoso, a qualquer desvio de conduta do menor podia retirá-lo
da família extinguindo o pátrio poder. Dessa forma, o Estado se restringia a estudar,
vigiar, controlar e punir os desviantes. Para isso criou diversos órgão como o SAM, que
cuidava da assistência do menor carente e do infrator.
Em 1964, os militares no poder criaram a Fundação Nacional do Bem
Estar do Menor, FUNABEM – (cujos Estatutos foram objetos do
decreto de 14/07/1965) – que introduz o Estado Interventor ou o
Estado de Bem Estar (Welfare State) nos assuntos da assistência a
infância. (Marcilio, 1998,p. 225)
As propostas das FUNABEM para prevenir a marginalização do menor e
promover sua promoção social não renderam os frutos esperados aos gestores. Ao
contrário, os prejuízos foram apurados na Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI do
Menor de 1976. “De acordo com seu diagnóstico, havia no Brasil cerca de 25 milhões
de menores carenciados e/ou abandonados; 1/3 da população infanto-juvenil
encontrava-se em estado atual ou virtual de marginalização.” (Marcílio, 2011, p. 305).
Até ser extinta, a FUNABEM, teve suas dimensões diminuídas e foi subordinada ao
Ministério da previdência e assistência social. Nessa época se estimava que 60% da
população viviam nas cidades, os redatores da CPI queriam que a FUNABEM
resolvesse os problemas atrelados ao crescimento demográfico. Associar o abandono de
crianças ao aumento da população é um erro metodológico, e desonesto, pois elimina a
luta de classes e as expressões da questão social da equação. Ao não terem direitos de
proteção garantidos, a infância e adolescência eram vítimas da desproteção social e por
isso eram abandonados.
Pressionado pela Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) – por
seus militantes nacionais e internacionais e organizações não governamentais – o Brasil
cria o Estatuto dos Menores (1979), visando responder as exigências de tornar as
crianças e adolescentes portadores de diretos e o dever do Estado de garanti-lo. O que
ocorreu foi a criação das FEBEMs – Fundações Estaduais de Bem Estar do Menor -,
que eram dispositivos de intervenção do Estado sobre a família, que abriram caminho
para o avanço da política de internatos-prisão. Essas instituições já existiam, mas foram
52
passadas à responsabilidade dos governos estaduais. Ainda na atualidade, a infância e
juventude são criminalizadas pelo fracasso de não conseguir se promover na vida.
O ciclo de mudanças começa no pós década de 80 e se consolida nos anos 90. O
quadro geral desalentador, de aumento da pobreza – implementação do neoliberalismo
no país nos anos 90 – violência e a cada vez maior incapacidade do poder público de
oferecer respostas, fez com que a sociedade começasse a se organizar em prol dos
direitos das crianças. Este processo culmina na criação do ECA em 1990, marcando o
início de uma nova fase, que pode ser chamada de desinstitucionalizadora, caracterizada
pela implementação de uma nova política que se baseia numa legislação que rompeu
com paradigmas anteriores de atenção à criança desamparada.
O ECA manteve-se fiel à Convenção Internacional dos Direitos da
Criança e, também à nova Constituição do Brasil de 1988. Pela
primeira vez em nossa história, seguindo a tendência já instaurada em
outros países ditos avançados, as crianças deixam de ser objeto e
passam a ser Sujeitos de direitos. (Marcilio, 1998, p. 228).
A partir da CF 1988 em 1993 é promulgada a lei n° 8.742, Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS), que institui a assistência social como dever do Estado e
direito de todos os cidadãos. A fim de materializar o conteúdo da LOAS, vem
ocorrendo um aprimoramento legal desse arcabouço de proteção social, para tanto em
2004 é aprovado o Plano Nacional de Assistência Social (PNAS), este que definiu e
organizou como seria o Sistema Único de Assistência Social (SUAS):
O SUAS é um sistema público não-contributivo, descentralizado e
participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da
Assistência Social no campo da proteção social brasileira
(NOB/SUAS 2005).
O SUAS consolida o modo de gestão compartilhada, estabelece a divisão de
responsabilidades entre os entes federativos, entre outros termos se orienta pela unidade
do alcance de direitos pelos usuários. Tal sistema prevê dois níveis hierarquizados: onde
um seria a proteção social básica, que visa prevenir a violação de direitos e se opera
pelos Centros de Referencia de Assistência Social (CRAS); e a proteção social especial
dividida entre média e alta complexidade, a média se operacionaliza nos Centros de
Referencia Especializada de Assistência Social (CREAS) e os de alta nas instituições de
acolhimento. Para acolhimento em Abrigos às crianças e adolescentes devem ser
encaminhados pelo conselho tutelar ou autoridade judiciária.
53
Em 13 de julho de 1990 foi instituído pela Lei 8.069 o Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA –, a lei n° 12.010/09 propôs alterações ao ECA aperfeiçoando a
sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar. Segundo o ECA as
crianças e adolescentes são concebidos como sujeito de direitos: direitos à vida e à
saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à
educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção no trabalho.
Quando os direitos das crianças e adolescentes são violados, há medidas específicas de
proteção a ser aplicadas, a VII delas (art. 101) é o acolhimento institucional, este que
não se constitui em um “castigo” – privação de liberdade – e possui caráter provisório
entre a transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, integração em
família substituta – adoção.
A medida de proteção de acolhimento em abrigo é uma das oito que podem ser
aplicadas, isoladas ou cumulativamente, seja por violação ou ameaça ocasionada por
ação e omissão do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, ou em
razão da conduta da criança e do adolescente. Cabe destacar que a lei 12.010/09 trouxe
grandes avanços, como por exemplo, a periodicidade de no máximo seis meses para
avaliação pela autoridade judiciária de cada caso, isso no esforço de garantir que a
medida seja de fato provisória como previsto em lei. A nova lei foi útil, no sentido de
agilizar, no que cabe ao âmbito jurídico, a garantia do direito a convivência familiar e
comunitária.
O ECA vem no sentido de romper com a visão de duas infâncias, e o estigma
do conceito de menor. A garantia da convivência familiar e comunitária, aspecto
reforçado também através da PNAS (2004) e, consequentemente, no SUAS, tem no
Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes
à Convivência Familiar e Comunitária (2006) PNCFC (resultado da articulação
importante entre os diversos atores políticos, dentre eles o Conselho Nacional de
Assistência Social CNAS e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente CONANDA), a comprovação de sua relevância política por se tratar de
uma articulação nacional para elaborar um documento que mostra o avanço dos debates
acerca da proteção integral e a proposta de ruptura com a preocupante cultura de
internar a infância. Onde, o abrigo constitui importante medida de proteção e estratégia
complementar ao referido plano (PNCFC). Mas, a medida do abrigo tem um caráter
contraditório. Mesmo protegendo a criança/adolescente, e trabalhando na restauração
54
dos vínculos familiares apresenta certo grau de confinamento, pois apesar de ter por lei
o prazo máximo de dois anos de acolhimento, muitas vezes esse prazo é excedido.
Todo esse movimento democrático se constitui em um avanço, visando o
rompimento com o desenho de até então das políticas sociais. Porém para que a
seguridade social fosse de fato implementada (como tecida na constituição de 1988), se
faria necessário a adoção de novos planos econômicos, políticos e sociais. O ajuste
neoliberal – que juntamente com mudanças na forma de produzir caracterizaram formas
encontradas pelo capital para superar a crise de superprodução dos anos de 1970 –, ao
garantir um Estado forte para os interesses capitalistas fez necessário cortes nos
investimentos voltados para o campo da seguridade social.
No cenário apresentado as políticas sociais passaram a não ser de caráter
universal, na cena contemporânea são cada vez mais focalizadas (para os mais pobres
dentre os pobres), fragmentadas e precarizadas. Essa precarização vem acompanhada de
uma estratégia mais geral, Segundo (Soares, 2000):
[...] denominado processo de “descentralização destrutiva”: de um
lado se tem o desmonte de políticas sociais existentes – sobretudo
aquelas de âmbito nacional – sem deixar nada em substituição; e de
outro se delega aos municípios as competências sem os recursos
correspondentes e/ou necessários. (Soares, 2000, p.177):
Ou seja, uma mera descentralização da parte administrativa, sem levar em consideração
que os municípios não são homogêneos, o que resulta numa diferenciação da qualidade
dos serviços sócio-assistenciais.
O Estado para se desresponsabilizar pelo ônus da “questão social”, diminuindo
os custos com esses serviços, incentiva uma parceria com as instituições da sociedade
civil, o dito “terceiro setor”. Por meio da leitura de Montaño (2002) se observa que o
crescimento de um chamado “terceiro setor” remete ao incentivo de parcerias público-
privadas, um fenômeno que vem evidenciando uma nova forma de resposta as sequelas
da “questão social”, que mostra uma desresponsabilização de um Estado (visto como
ineficiente) e do Mercado, apelando à responsabilidade individual para tal.
Mesmo em nosso país, onde jamais fomos capazes de construir um
efetivo Estado de Bem Estar Social, ao invés de evoluirmos para um
conceito de política social como constitutiva de direito de cidadania,
retrocedemos à uma concepção fatalista, emergencial, parcial, onde a
55
população pobre tem que dar conta dos seus próprios problemas
(Soares, 2000, p. 181).
Tudo isso demonstra a fragilidade do sistema de proteção social. Sendo que o
neoliberalismo veio na contramão da tendência democrática posta pela constituição
cidadã. O Sistema Único da Assistência Social (2005) que segundo a Lei Orgânica da
Assistência Social (1993) “É o mecanismo que permite interromper a fragmentação que
até então marcou os programas do setor e instituir, efetivamente, as políticas públicas da
área e a transformação efetiva da assistência em direito”, nessa conjuntura macro-
societária, vai ser passível de contradições onde se encontra dificuldades em responder
as demandas de garantias de direitos da população usuária.
A questão da pobreza não constitui motivo suficiente para o acolhimento, por
mais pauperizada que seja a família isso não exclui que se mantenham vínculos afetivos.
A pobreza, apontada como o principal motivo do abrigamento, não
justifica em termos legais a indicação de abrigamento, devendo-se,
nestes casos, privilegiar-se o atendimento da família em programas de
assistência social (Guará, 2005, p.7).
A pobreza por si só não justifica a violação dos direitos das crianças e dos
adolescentes, isoladamente não constitui motivo para se retirar um filho da família.
Mas, é um fator determinante e por isso deve ser priorizada pelo poder público, pois
debilita a capacidade das famílias oferecerem a proteção que lhes é cobrada do Estado.
No interior de um modo de produção desigual, a qualificação das políticas sociais e sua
efetividade são primordiais na garantia de melhor condição de vida para população.
A família, ao longo do século XX foi culpabilizada por seu fracasso em dar
resposta à própria reprodução social dos membros. O Estado sempre buscou apelar a
vontade individual e da família para oferecer respostas a questão do menor abandonado,
e quando todo um sistema de proteção social é estruturado, ainda carrega os ranços de
não receber prioridade das agendas políticas dos governantes. Os direitos sociais, então,
deveriam ser prioridade do investimento estatal, pois não existe cidadania sem
intervenção ativa do Estado, ainda mais no contexto mais amplo de acirramento da vida
em tempos neoliberais. A proteção social deve ser bem estruturada, com políticas
realmente universalistas, para que assim, segundo Gueiros (2002), a família tenha
condições básicas de inserção social e de cidadania para que possa cumprir o papel
social e legal a ela atribuídos.
56
O recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o principal
instrumento de assistência à infância no País. Hoje, apesar das mudanças na visão da
infância e no seu trato, com bases nas legislações e documentos citados, se avalia,
através de uma concepção crítica da sociedade, que no interior da sociedade capitalista
nunca se terá efetivamente a igualdade de direitos. No interior da sociedade de classes,
se buscam estratégias para intervir na relação contraditória de capital versus trabalho.
Luta muito importante, pois a infância e adolescência, como visto há séculos, são as
mais cruelmente afetadas.
2.3. A política de acolhimento institucional de crianças e adolescentes em
abrigos.
O Serviço de Acolhimento Institucional26
é o acolhimento em diferentes tipos de
dispositivos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou
fragilizados, a fim de garantir proteção social integral aos mesmos. A organização do
serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à
diversidade de: ciclos de vida, arranjos, raça/etnia, gênero e orientação sexual.
O atendimento prestado deve ser personalizado e em pequenos grupos e
favorecer o convívio familiar e comunitário, bem como devem ser utilizados os serviços
oferecidos na rede comunitária local. As regras de gestão e de convivência deverão ser
construídas de forma participativa e coletiva, a fim de assegurar a autonomia dos
usuários, conforme perfis. Todo esse movimento foi muito importante, principalmente,
no caso de atendimento a crianças e adolescentes, no sentido de romper com as
características repressivas dos antigos orfanatos e grandes internatos, que não se
preocupavam em garantir a convivência familiar e comunitária.
No caso deste TCC, o objeto de estudo, é o acolhimento institucional de crianças
e adolescentes. Os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes integram os
Serviços de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, sejam
eles de natureza público-estatal ou não-estatal e devem pautar-se nos referenciais dos
seguintes documentos: Estatuto da Criança e do Adolescente; Nova Lei da Adoção;
26
Conforme indicado no começo do trabalho, utiliza-se o termo acolhimento institucional para demarcar
a diferença entre a prática de institucionalizar crianças, o que contribuía para o rompimento dos vínculos
familiares, e a execução da medida abrigo na contemporaneidade, que se dá de forma excepcional e
provisória, de acordo com as mudanças de paradigmas frisadas no ECA.
57
Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes
à Convivência Familiar e Comunitária; Política Nacional de Assistência Social; Projeto
de Diretrizes das Nações Unidas sobre Emprego e Condições Adequadas de Cuidados
Alternativos com Crianças.
O acolhimento institucional é uma política do Estado Brasileiro, que responde as
expressões da questão social ligadas à violação dos direitos das crianças e adolescentes.
Para implementá-la lança mão de dispositivos, em relação aos aspectos legais, como
visto, todas as entidades e órgãos envolvidos devem seguir as orientações do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Ficando a cargo do Juizado da Infância e da Juventude, do
Ministério Público, dos Conselhos Tutelares, dos Conselhos Municipais de Direitos,
entre outros órgãos de garantia de direitos, fiscalizar e acompanhar o cumprimento das
prerrogativas legais.
Os projetos governamentais estão submetidos, no nível municipal, às
Secretarias de Assistência Social. As regras e prioridades podem ser
mudadas conforme mudanças político-partidárias aconteçam, levando
a incertezas quanto à continuidade das ações. Por sua vez, os projetos
não-governamentais têm uma relativa autonomia de execução em
relação a esfera pública, sendo submetidos aos parâmetros estipulados
pelas mantenedoras. No entendo, devem ser registrados no Conselho
Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e ter o Estatuto da
Criança e do Adolescente como o pilar legal que norteia a execução
das ações. Devem, ainda, estar abertos à fiscalização periódica de suas
iniciativas por parte dos Conselhos tutelares, Ministério Público e
Juizado da Infância e da Juventude. (Rizzini, 2006, p.95-96).
Segundo e o ECA em seu artigo 98:
As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis
sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou
violados I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por
falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua
conduta. (ECA, 1990).
O segundo capítulo do Estatuto da Criança e do adolescente, trata das medidas
de proteção que devem ser aplicadas quando se constata a violação de direitos da
criança e do adolescente27
. A VII medida de proteção, que pode ser aplicada sozinha ou
27
A saber: Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Art. 4º. É dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em
quaisquer circunstâncias; b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
58
acumulada com as outras, é o acolhimento institucional. Essa medida é aplicada como
forma de proteção a criança e/ou adolescente, em que se avalia a necessidade de
afastamento da família. Essa medida é de caráter provisório e excepcional, tendo o
firme propósito de reinserção familiar, ou não sendo essa possível, colocação em família
substituta, logo não se configura como privação de liberdade, pelo contrário, a
convivência familiar e comunitária devem ser incentivadas e garantidas.
As crianças/adolescentes só podem ser encaminhadas aos abrigos pela
autoridade judiciária (através da Guia de Acolhimento art. 101. § 3° ECA) e,
excepcionalmente, pelo Conselho Tutelar. Na guia de acolhimentos consta os
documentos do acolhidos, todas as informações do mesmo e de sua família, bem como
os motivos da retirada da família. Após o acolhimento, o corpo técnico da instituição
deve elaborar um Plano de Atendimento Individual (ECA, art.101 § 4º) levando em
consideração a opinião da criança e a oitiva dos pais. Neste plano constarão, os
relatórios de avaliação da equipe interdisciplinar28
, os compromissos assumidos pelos
genitores ou responsável, plano de atividades a serem desenvolvidas com o acolhido e
com os responsáveis (tendo em vista a reintegração familiar). Tal plano deve estar
sempre atualizado, para fundamentar as decisões judiciárias sobre o destino dos
acolhidos. No máximo a cada seis meses, dentro da instituição, deve ocorrer uma
audiência concentrada, para se discutir a situação dos acolhidos e evitar o engessamento
dos casos, para que o mais rápido possível, se possa tomar as medidas necessárias para
o andamento dos casos. Nas audiências se fazem presentes o juízo, a promotoria, a
equipe técnica do judiciário e do abrigo e quem mais for convocado.
Geralmente, a equipe técnica que atua nos abrigos é composta por profissionais
das áreas de serviço social, psicologia, psicopedagogia, direito e nutrição. Onde, todos
devem se comprometer a mudar a cultura de institucionalização. Muitos podem pensar
que os abrigos possuem médicos e professores, mas a instituição deve ser encarada
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de
recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º. Nenhuma
criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais (ECA, 1990). 28
Entende-se sobre o trabalho por bases interdisciplinares: “A perspectiva interdisciplinar não fere a
especificidade das profissões e tampouco seus campos de especialidade. Muito pelo contrário, requer a
originalidade e a diversidade dos conhecimentos que produzem e sistematizam acerca de determinado
objeto, de determinada prática, permitindo a pluralidade de contribuições para compreensões mais
consistentes deste mesmo objeto, desta mesma prática” (Martinelli, 1995, p 157).
59
como a casa dos acolhidos, portanto as demais necessidades e demandas devem ser
supridas pelas redes sócio-assistenciais dos municípios. Visto que a criança não deve ser
apartada da vivência na comunidade.
O MCA - Módulo da Criança e do Adolescente consiste em um site, ligado ao
ministério público, que deve ser atualizado regularmente, que funciona como um
cadastro on-line contendo dados dos programas de acolhimento de cada criança ou
adolescente acolhido no Estado do Rio de Janeiro. Todos os órgãos da rede de proteção
da criança e do adolescente envolvidos com acolhimento podem trabalhar integrados
on-line (as pessoas precisam ser autorizadas por uma senha conseguida em curso para
acessar). Consiste em uma ferramenta importante, pois com o agrupamento de todas as
informações dos diversos órgãos a respeito do acolhido, permite-se que mais facilmente
se encontre uma resposta para as suas demandas. Por isso o Ministério Público, prima
pela cobrança que essa ferramenta esteja sempre atualizada. Segundo o site do Conselho
Nacional do Ministério Público, o qual o MCA recebeu menção honrosa, em relação ao
módulo:
O projeto também tem como objetivo a integração operacional entre
as instituições, a elaboração de diagnósticos atuais, globais e locais, e
o desenvolvimento de políticas públicas na área. O MCA facilita o
diálogo entre os órgãos e entidades envolvidos na medida protetiva de
acolhimento, tais como promotorias, juízos, conselhos tutelares e
locais que recebem as crianças e adolescentes. No formulário de cada
menino ou menina, há registros tanto de informações pessoais quanto
relativas à atuação dessas instituições. O “Módulo da Criança e do
Adolescente” serviu como base para o desenvolvimento do Cadastro
Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), sistema
gerido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (Conselho Nacional
do Ministério Público, 201329
)
O projeto funciona, pois há uma cobrança para que esteja sempre atualizado, o
que facilita a integração dos órgãos de proteção social. Além disso, as informações
cadastradas auxiliam no censo população Infanto-juvenil acolhida no Estado do Rio de
Janeiro realizado anualmente.
O parágrafo único do artigo 91 do Estatuto da criança e do adolescente prevê
que o atendimento em abrigo deve ser personalizado e em pequenos grupos. Dessa
forma, o atendimento das crianças/adolescentes deve ser em unidade institucional
semelhante a uma residência, destinada ao atendimento de grupo de até 20 crianças e/ou
29
Disponível em: < http://www.cnmp.mp.br/premio/premiados/31:modulo-crianca-e-adolescente-mca>,
acesso em 24 de novembro de 2014.
60
adolescentes. Nessa unidade é indicado que os educadores/cuidadores/monitores (seja
qual nome for designado) trabalhem em turnos fixos diários, a fim de garantir
estabilidade das tarefas de rotina diárias, referência e previsibilidade no contato com as
crianças e adolescentes. Poderá contar com espaço específico para acolhimento
imediato e emergencial, com profissionais preparados para receber a
criança/adolescente em qualquer horário do dia ou da noite, enquanto se realiza um
estudo diagnóstico de cada situação para os encaminhamentos necessários. As unidades
não devem distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geográfico e
socioeconômico, da comunidade de origem das crianças e adolescentes atendidos.
A pesquisa intitulada: “O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos
para crianças e adolescentes no Brasil” (Silva, IPEA/CONANDA, 2004)30
realizada
pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas - IPEA em parceria com o
Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes – CONANDA em 2004
nos apresenta um panorama do direito a convivência familiar no país bem como as
características da medida de abrigo em entidade a que crianças e adolescentes que
tiverem seus direitos violados são encaminhados. Tal pesquisa, que se tornou um
livro/relatório, foi de fundamental importância para dar luz ao acolhimento de crianças e
adolescentes no país, retirando-os do esquecimento.
A pesquisa, logo em seu prefácio, adianta dados ao leitor de vital importância
para se entender a política de acolhimento institucional no Brasil.
Em primeiro lugar, o fato de 86,7% das crianças e adolescentes
abrigados possuírem família, com a qual a maioria mantém vínculos
(58,2%), sendo os motivos relacionados à pobreza os mais citados
para o abrigamento (52%). Ainda assim, o tempo de duração da
institucionalização variando entre 2 e 5 anos para 32,9% de todos os
abrigados. (Silva, IPEA/CONANDA, 2004).
30
O estudo abrangeu a Rede SAC/Abrigos para crianças e adolescentes (Rede de Serviços de Ação
Continuada/ Secretaria de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
fome). A Rede SAC herdou o antigo sistema de serviços de assistência do Governo Federal, via
convênios com a rede privada, calcado no pagamento per capita. Ela inclui 630 instituições em todo
Brasil (exceto Distrito Federal e Tocantins), oferecendo programas de abrigo para crianças e adolescentes
e 808 unidades executoras atendendo aproximadamente 20 mil crianças e adolescentes (Silva,
IPEA/CONANDA,2004). Ressalta-se que, com a aprovação da NOB/SUAS em julho de 2005 e das
Portarias n. 440/2005 e n. 442/2005 do MDS, os recursos do co-financiamento federal das ações
socioassistenciais passaram a ser transferidas por Pisos de Proteção, substituindo a aplicação per capita.
Os recursos dos Pisos de Proteção poderão ser utilizados conforme a necessidade local, dentro das ações
passíveis de financiamento por cada piso. (Rizzini, 2006, p. 89-90).
61
Se 86,7% dos acolhidos possuem família e destes, a maioria, mantém seus
vínculos familiares, por que um terço deles excede o tempo máximo de acolhimento
previsto em lei? O foco e a função do acolhimento institucional é reintegrar ou integrar
a criança/adolescente a família, quando esse período é extrapolado mais uma vez o
acolhido tem seus direitos fundamentais violados. Os vínculos com a família de origem
podem ser irreparavelmente rompidos, além de que a demora para entrar no cadastro
nacional de adoção diminui as chances de que a mesma aconteça.
A pesquisa do IPEA abarca instituições que recebem verbas do governo federal,
o que deveria implicar compromisso das instituições em garantir as diretrizes pautadas
no ECA. Essa situação pode implicar, que as crianças/adolescentes vem tendo seus
direito a convivência familiar e comunitária negligenciados, na medida em que as
instituições financiadas pelo governo não mantém práticas de assistência que
contribuam para o fortalecimento dos vínculos das mesmas e suas famílias, e não sendo
essa mais uma opção possível, trabalho para colação em família provisória ou
substituta.
O acolhimento institucional não pode ser a política pública de solução para a
pobreza e a falta de recursos. Sendo 52% dos motivos de acolhimento relacionados a
pobreza, tal realidade se torna mais grave, pois o ECA prevê que o direito a convivência
familiar e comunitária não pode ser violado por carência de recursos materiais.
Um terço dos acolhidos pesquisados permaneceu entre 2 e 5 anos na instituição,
extrapolando a função da medida abrigo, que seria a de ser um suporte de caráter
excepcional e provisório, com o firme propósito de reinserção familiar. Rizzini (2006)
aponta, que “No Brasil, a avaliação da necessidade de suspensão de guarda ainda é
calcada em interpretações do que está preconizado pelo Estatuto, dando margem a
equívocos por vezes irreparáveis na relação de vínculos das crianças e/ou adolescentes
com suas famílias” (Rizzini, 2006, p.89). Somando isso ao fato de se extrapolar a
provisoriedade primada na política, mostra que a medida protetiva abrigo vem sendo
aplicada em caráter indiscriminado no Brasil.
Deve-se fortalecer e gestar no país políticas públicas de apoio sócio-familiar,
sustentando uma política de preservação de vínculos familiares. Não de forma a
responsabilizar a família por não conseguir prover a sobrevivência dos seus membros,
chamando a responsabilidade estatal para tal. Nos casos onde o acolhimento
62
institucional não tem diretamente relação com a pobreza, como por exemplo, nos de
abuso sexual (onde não se tenha família extensa para trabalhar o fortalecimento de
vínculos), deve ser propiciada a criança/adolescente um ambiente saudável para
tratamento do trauma e sua formação enquanto sujeito, e preparação para a vida adulta.
Em relação às instituições a pesquisa do IPEA/CONANDA trás dados que
saltam aos olhos:
Interessante perceber também que, do universo pesquisado,
68,3% dos abrigos são não-governamentais e 67,2% deles
possuem significativa influência religiosa. No que se refere à
manutenção dos abrigos não governamentais, cerca de 70% dos
recursos são próprios ou se originam de doações de pessoas
físicas ou jurídicas. A contribuição dos recursos públicos
(União, estados e municípios) situa-se em torno de um terço do
total. (Silva, IPEA/CONANDA, 2004).
Tais dados se explicam pelas raízes histórico-culturais do nosso país, onde a
assistência às crianças abandonadas se deu principalmente por meio de instituições
religiosas, que recebiam subsídios dos governos, mas eram mantidas principalmente
com recursos dos particulares. Há uma tendência histórica, que se perpetua, do Estado
financiar a esfera privada para realizar um serviço público, e o pior não respeitando a
Laicidade do Estado financiando instituições de cunho religioso. Por exemplo, como o
Estado trabalha a dependência química atualmente? Ele financia clínicas religiosas para
fazer o seu serviço. A pessoa ao buscar sair da alienação causada pela sociabilidade
burguesa acaba sendo submetida à alienação religiosa. O Departamento Geral de Ações
Socioeducativas – DEGASE, através do governo Sérgio Cabral no Rio de Janeiro,
fechou convênio com a associação Amor e Vida para reforçar o tratamento a
adolescentes que fazem uso abusivo de drogas. Instituição está vinculada a Igreja
Evangélica31
. Os assuntos da religiosidade não deveriam ser misturados a nenhuma
política pública, pois retira o caráter do direito conquistado e a ser garantido passando
ao âmbito caritativo.
A pesquisa em pauta trás alguns dados para se pensar a própria infância e
adolescência no país. As crianças e os adolescentes, a época da pesquisa, representavam
34% da população brasileira, cerca de 48% das crianças e 40% dos adolescentes é
considerada pobre ou miserável, pois vivem em famílias cuja renda per capita não
31
Visualizado em < http://gov-rj.jusbrasil.com.br/noticias/495844/novo-degase-tera-mais-30-vagas-para-
tratar-dependentes-quimicos> .
63
ultrapassava meio salário mínimo. Em 2000, 20% das crianças até um ano de idade não
possuíam registro de nascimento. Em 2002, existiam 3 milhões de crianças e
adolescentes de 5 a 15 anos trabalhando no país, apesar da proibição legal. Em 2001,
2,5 milhões de crianças e adolescentes morreram em função de danos ou lesões
provocadas por terceiros. Até julho de 2002, do total das violações computadas pelo
Sistema de Informações para a Infância e a Adolescência - SIPIA, 57% haviam sido
cometidas pelo pai, pela mãe ou por outra pessoa detentora da guarda da criança. (Silva,
IPEA/CONANDA, 2004).
Reproduz-se no Brasil o que Azevedo e Guerra (2003) denominam de
vitimização de crianças. Que seriam crianças vitimizadas pelas expressões da questão
social, pela fome, por ausência de abrigo ou por morar em habitações precárias, por
falta de escolas, por doenças contagiosas, por inexistência de saneamento básico. Em
que a cronificação da pobreza contribui para a precarização e deterioração de suas
relações afetivas e parentais (Azevedo e Guerra; 2003). Porém, a pobreza e a falta de
recursos para gerir a materialidade da vida não é suficiente para explicar a violação dos
direitos das crianças e adolescentes. Não são em todas as famílias pobres que ocorrem
violação de direitos, bem como as crianças das classes abastadas também são passíveis
de terem seus direitos violados. Ou seja, a relação entre pobreza e vitimização de
crianças não é direta, deve ser relativizada, pois existem outras mediações que refutam o
caráter imediato e fatalista dessa associação.32
A pobreza seria então, um
potencializador ou agravante dos fatores de risco.
Em relação a caracterização do acolhimento a pesquisa (Silva,
IPEA/CONANDA 2004, capítulo 2.) discriminou alguns dados. A época da pesquisa
foram encontrados cerca de 20 mil crianças e adolescentes vivendo nos 589 abrigos
pesquisados em todo o Brasil. A maior parte deles se encontra na região Sudeste, que
concentra 49,1% dos abrigos e 45% dos acolhidos. Entre as crianças e os adolescentes
abrigados na época de realização desta pesquisa, 11,7% tinham de zero a 3 anos; 12,2%,
de 4 a 6 anos; 19,0%, de 7 a 9 anos; 21,8%, de 10 a 12 anos; 20,5%, de 13 a15 anos; e
11,9% tinham entre 16 e 18 anos incompletos. E apesar de não ser permitido por lei,
2,3% tem mais de 18 anos. 60,8% dos acolhidos de zero a 6 anos frequentavam creches
32
Para aprofundar a reflexão ler o capítulo 2 de: Silva, Enid Rocha Andrade da (coord.). O direito à
convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília:
IPEA/CONANDA, 2004.
64
ou pré-escolas, e que 95,9% dos que tinham entre 7 e 18 anos também estavam na
escola. A taxa de analfabetismo dos acolhidos foi de 16,8%, percentual que se mostrou
muito maior que a média nacional de 3%. 58,5% eram meninos e 41,5% meninas onde a
proporção de meninos nos abrigos é sempre maior do que a de meninas, independente
da faixa etária que se analise. Em relação a cor mais de 63% das crianças e adolescentes
abrigadas são negros (21%são pretos e 42% são pardos), 35% são brancos e cerca de
2% são das raças indígena e amarela. O cruzamento entre raça e faixa etária, evidencia
uma tendência progressiva de aumento da população negra conforme avança a faixa
etária dos acolhidos.
Algumas considerações e hipóteses podem ser traçadas frente aos dados
disponibilizados. Silva (IPEA/CONANDA2004) chama atenção para o fato de a partir
dos 6 anos os trabalhadores perderem acesso a equipamentos públicos de apoio ao
cuidado com os filhos, como a creche pública, o que pode se refletir no maior número
de acolhidos acima dos sete anos de idade, além do fato da dificuldade de adoção de
crianças mais velhas. Pelos percentuais apresentados se percebe a maior incidência de
meninos em todas as faixas etárias, uma possibilidade para entendimento da questão
seria a histórica preferência pela adoção de meninas. Um recorte de cor claramente deve
ser feito, pois a relação entre a população negra e a medida de acolhimento institucional
é gritante, 63% das crianças/adolescentes são negras. Silva (Idem) apresenta duas
hipóteses para o fenômeno: a clara preferência da sociedade em adotar crianças brancas;
as condições socioeconômicas de uma determinada criança e/ou adolescente exercem
importante influência na aplicação da medida de abrigo visto que a maioria das crianças
pobres é negra33
. Tais dados a respeito do recorte racial merecem uma investigação
científica profunda, que não será extenuada neste trabalho, mas se pode apontar as
raízes históricas do racismo e do preconceito no país, que foram primordiais para a
escravização da população negra para o desenvolvimento do país. Assim, por conta das
centenas de anos de escravidão no país, com uma população que se estabeleceu sem
nenhuma medida reparadora por parte do Estado. Culminou na precarização da vida,
criminalização e marginalização da população negra no Brasil.34
33
A autora trás um gráfico que mostra a relação inversa entre raça/cor e renda para o total das crianças e
dos adolescentes brasileiros. Onde foi possível observar que quanto menor a renda familiar per capita,
maior é a proporção de crianças negras. 34
Ver: MORRE, Carlos. A áfrica que incomoda: sobre a problematização do legado africano no
quotidiano brasileiro. 2ª edição. Belo Horizonte: Nandyala, 2010. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do
65
Entre os principais motivos do abrigamento das crianças e dos
adolescentes pesquisados estão a carência de recursos materiais da
família (24,1%); o abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%); a
violência doméstica (11,6%); a dependência química de pais ou
responsáveis (11,3%); a vivência de rua (7,0%); a orfandade (5,2%); a
prisão dos pais ou responsáveis (3,5%) e o abuso sexual praticado
pelos pais ou responsáveis (3,3%). Todos os demais motivos referidos
apareceram como responsáveis pelo abrigamento de cerca de 15% das
crianças e dos adolescentes nos abrigos da Rede SAC em todo o
país.(Silva, IPEA/CONANDA,2004)
Se for considerar todos os motivos citados, que podem se relacionar com a
pobreza familiar, conclui-se que a pobreza familiar esta relacionada pelo ingresso de
mais da metade (52%) das crianças e adolescentes nos abrigos.
Todos os motivos apresentados no gráfico acima podem ser relacionados
desigualdade de classes estrutural da sociedade capitalista, que como visto, cria cada
vez mais um ambiente carenciados de recursos que agrava os motivos de ingresso das
poder, eurocentrismo e América Latina. En libro: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências
sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad
Autónoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005. GUIMARÃES, Antonio Sergio A. Democracia
racial: o ideal o pacto e o mito.Revista Novos Estados, nº 61. CEBRAP. 2001, p. 147-162.
66
crianças e adolescentes nas instituições de acolhimento. O fato dos pais ou responsáveis
serem destituídos dos meios de prover a sobrevivência e a reprodução social de seus
membros, pode dar margem para as violações de direitos listadas no gráfico acima
(vivência de rua, mendicância e etc). Silva (idem) aponta que muitos pais carenciados
de recursos materiais ainda podem ver a institucionalização como forma de garantir um
futuro melhor para o filho, com direitos básicos assegurados.
Tais dados gerais da realidade das crianças/adolescentes no país e da política de
acolhimento institucional demonstram os limites da política. Incentivar e trabalhar para
o retorno do acolhido e a família e que a medida abrigo seja de fato breve, como
explícito em lei, se torna um desafio que ultrapassa os muros das instituições. Isto,
porque como visto a pobreza está na raiz do problema que leva a tomada da medida. “É
difícil supor que intervenções pontuais junto à família ou ao violador de direitos possam
estancar os problemas que levaram a criança ou adolescente ao abrigo” (Silva, ibdem).
Para tanto seriam necessárias medidas mais amplas, como a criação de políticas
públicas que realmente sejam abrangentes em relação ao atendimento as famílias,
políticas que pactuassem a intersetorialidade (como visto nos capítulos anteriores) e,
ultrapassando o âmbito das políticas públicas, pautar na sociedade a destruição do
sistema que produz infâncias e pessoas desiguais. Enquanto isso não ocorre, buscar a
integração nos atendimentos da rede sócio assistencial é uma estratégia fundamental
para garantir a ampliação dos direitos das crianças/adolescentes “[...] as ações
articuladas são perfeitamente viáveis e trazem resultados que não seriam possíveis caso
continuassem em curso de forma fragmentada e isolada, como ainda ocorre de modo
predominante no país.” (Rizzini 2006,p 95) e a possibilidade de que possam ser
acolhidos um dia no seio de uma família, natural ou adotante.
67
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO CENÁRIO ATUAL DA POLÍTICA DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTE NO
ABRIGO MUNICIPAL DE RIO DAS OSTRAS.
3.1 Expressões da questão social ligadas ao abandono de crianças e adolescentes
em Rio das Ostras.
Tendo por base a teoria social crítica, partindo do método histórico dialético, se
objetiva desvendar a mera aparência do fenômeno da violação de direitos das crianças e
adolescentes e sua consequente institucionalização. Para que assim se possa analisar o
cenário atual da política de Acolhimento Institucional de crianças e adolescentes em Rio
das Ostras – RJ.
O Abrigo Municipal de Rio das Ostras é de caráter público e iniciou suas
atividades e atendimentos no ano de 2002 e está localizado na Rua Carlos Viana, nº
390, Centro – Rio das Ostras/RJ. A instituição está inscrita no Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA e suas atividades e ações são
desenvolvidas de acordo com os princípios preconizados pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA e as determinações e orientações do Ministério Público, Poder
Judiciário e Conselho Tutelar.
Segundo o projeto político pedagógico da instituição (2011/2013), para atender
as demandas e necessidades dos acolhidos, o Abrigo desenvolve suas atividades em
parceria com a rede municipal (Secretarias Municipal de Assistência Social, Saúde,
Educação, Fundação de cultura, Ordem e Controle Urbano, Habitação e Obras, Esporte
e Lazer, dentre outras), empresas locais, Organizações não-governamentais (ADOTE) e
demais parceiros da comunidade.
A gestão política administrativa do Abrigo é realizada pela Secretaria Municipal
de Bem-Estar Social - SEMBES, que através da equipe multiprofissional, formada por
assistente social, psicóloga e equipe de apoio composta por coordenador, monitores,
cozinheira, professora de reforço, serviços gerais, administrativo e guarda municipal,
desenvolvem junto a proposta pedagógica de atendimento as crianças e adolescentes
acolhidos.
68
Ainda de acordo com o projeto político pedagógico:
A proposta de trabalho do Abrigo Municipal de Rio das Ostras é de
atender a criança e o adolescente que se encontra em situação de risco
pessoal e social, com vínculos familiares rompidos e tem como
principal objetivo assegurar os direitos fundamentais dos acolhidos e a
sua reinserção familiar. Para isto, a sua proposta pedagógica
direcionará os esforços no sentido de evitar que as crianças e
adolescentes fiquem longos períodos acolhidos, privando-os do
exercício do direito fundamental à convivência familiar. (Projeto
político pedagógico, 2011-2013).
Para conhecer e entender a instituição foi realizada pesquisa de campo, com
objetivo de levantar dados sobre o abrigo, traçar o perfil dos acolhidos atualmente e,
através de entrevistas com profissionais traçar desafios e potencialidades. Foi elaborado
um roteiro de pesquisa institucional e de perfil dos acolhidos (anexo A), bem como
roteiro para entrevista de profissionais da equipe técnica (anexo B) e coordenador do
abrigo (anexo C). A pesquisa foi realizada na instituição, nos dias 14 e 17 de outubro de
2014. Neste capítulo foi realizada uma análise qualitativa dos dados, por meio de
problematização do conteúdo obtido pelos roteiros e entrevistas com profissionais.
Como dito anteriormente, o Abrigo Municipal de Rio das Ostras é uma
instituição pública e seu funcionamento se iniciou no ano de 2002. A instituição tem por
objetivo acolher e assegurar proteção integral em caráter provisório e excepcional às
crianças e adolescentes, em situação de risco eminente e/ou vulnerabilidade social e
circunstancial e afastados de seus lares por decisão judicial em virtude de maus tratos,
exposição à violência, abandono ou exclusão social. Através de trabalho desenvolvido
com as famílias e com a rede socioassistencial busca-se a reintegração familiar dos
acolhidos, seja em família natural ou adotante, ou não sendo a reintegração possível,
preparação subjetiva e objetiva para a vida adulta fora da instituição.
Para operacionalização do trabalho em equipe na instituição, o abrigo conta com
equipe técnica e de apoio. Atualmente, através da pesquisa de campo, foi constatado que
a equipe técnica é atualmente composta por duas assistentes sociais 20h, duas
psicólogas 20h e uma advogada que presta assessoria jurídica, não sendo lotada na
instituição. A equipe de apoio é composta por: 1 coordenador que trabalha 40h
semanais, mas que fica a disposição; 2 auxiliares administrativos; 1 professora de
reforço, 18 monitores, 3 auxiliares de serviço geral, 3 cozinheiras, 1 guarda municipal
por plantão as 24h do dia. Em questão de infraestrutura institucional, a casa atualmente
69
é composta por: 5 quartos, 4 banheiros, 1 sala de TV, 1 cozinha, 1 copa, 1 depósito de
materiais, 1 sala administrativa, varandas e quintal. Onde a equipe técnica divide a sala
com a equipe administrativa. A instituição conta com um carro para realizar o transporte
dos acolhidos para escola, projetos e outras necessidades, bem como para transportar a
equipe técnica quando necessário. Caso haja a necessidade, pode ser solicitado um carro
a secretaria de bem estar social se o da instituição estiver ocupado. A equipe técnica e
administrativa contam, para realização do seu trabalho, com telefone, internet, xerox,
impressora e fax.
Foram realizadas entrevistas com uma assistente social, uma psicóloga e o
coordenador da instituição (conforme roteiros em anexo B e C), em todas se evidencia a
insatisfação com a atual infraestrutura física da casa. Nos últimos anos o abrigo vem
operando perto de sua capacidade máxima, por algumas vezes até acima. Apesar de
possuir 5 quartos, os mesmos são pequenos e alguns improvisados em áreas que
originalmente não eram quartos. O que dificulta um melhor andamento das atividades e
falta de conforto para as crianças/adolescentes quando a instituição está cheia.
A visão da psicologia, divulgada na entrevista, revela a importância da casa e
dos quartos (da instituição como um todo) parecerem uma casa “de verdade”, para
assim amenizar o impacto do estigma da institucionalização sobre os acolhidos,
buscando trabalhar sua subjetividade e individualidade. Por exemplo, com melhor
estrutura cada criança/adolescente poderia organizar e customizar melhor o seu espaço e
seus pertences. No sentido de diminuir o sentimento de institucionalização, onde tudo
seria rígido e regrado, e a noção de individualidade não fosse preservada. As pesquisas
de Cuneo (2006) apontam que:
A criança precisa de atenção diferenciada para satisfazer suas
necessidades individuais por afeto e estimulação. A atenção e
cuidados que lhe são dispensados na instituição devem levar em conta
suas vivências pretéritas e sua faixa etária. Contudo, o método
empregado pelo programa de abrigamento dificilmente garante o
atendimento a essa demanda de forma personalizada. As crianças
devem se adequar ao padrão de atendimento prestado dentro da
instituição, sendo comum que suas necessidades individuais por
carinho, conforto e estimulação sejam relegadas a um plano
secundário. (Cuneo, 2006, p.28).
A equipe técnica trabalha de modo a personalizar o atendimento, para atender a
essas necessidades subjetivas das criança/adolescentes, por isso se aprecia que uma
melhora na infraestrutura é um elemento que otimizaria esse processo.
70
Outra deficiência física da instituição é a ausência de uma sala específica para
atendimento da equipe técnica. Atualmente para preservar o sigilo do atendimento, os
demais funcionários administrativos devem se retirar, ou se buscam lugares alternativos
na instituição (onde não esteja ninguém no momento). Prioritariamente, no que diz
respeito aos recursos materiais, uma sala específica para o atendimento do serviço social
seria mister. Para que assim, melhor se pudesse preservar o sigilo do atendimento
preconizado pelo código de ética do assistente social (lei n°8662/93).
Na pesquisa de campo foi informado que estava previsto para o final de 2014 a
inauguração de um novo abrigo no bairro Âncora35
. O coordenador apresentou a planta
da nova instituição, apontando que possivelmente as obras teriam seu início no final do
corrente ano. Na planta constam melhorias como 5 quartos amplos, salas separadas para
equipe técnica e administrativa,sala de acolhimento, sala de reuniões (tanto de equipe,
quanto para audiências concentradas), dentre outras melhorias. Quando realmente essa
obra se efetivar, se espera que os problemas em relação a estrutura física da instituição
sejam sanados.
A nova sede do abrigo, como visto, foi prometida e noticiada para o final de
2014, porém até a data da pesquisa as obras não haviam sequer se iniciado. A
problematização desta informação leva ao debate da prioridade dos gastos públicos no
município de Rio das Ostras. Primeiramente se deve deixar claro que Rio das Ostras,
comparado às demais cidades do país, é uma cidade rica, isso principalmente devido à
arrecadação dos royalties do petróleo.
Para entender a constituição da região como ela se conforma hoje é
importante salientar a descoberta de petróleo na Bacia de Campos. Na
década de 1970, a então chamada “princesinha do Atlântico” (Macaé)
passa a ser reconhecida como a “capital brasileira do petróleo”. A
instalação da Petrobrás na cidade em 1978 trouxe novas configurações
para a estrutura produtiva da cidade e do seu entorno. A pesca e a
agropecuária deixaram de ser o alicerce da economia. Sua estrutura
produtiva passa a ser marcada pela absorção de força de trabalho
inserida na área petrolífera, o que acarreta um processo de rearranjo
econômico, político, demográfico e territorial. Em seu entorno, cresce
uma miríade de empresas, algumas multinacionais e prestadoras de
serviços, dando a região uma nova configuração (SIRELLI, 2012).
Este processo traz novos contornos para a estrutura migratória e de
emprego na região, bem como uma nova dinâmica de
desenvolvimento econômico e populacional e novas demandas em
35
Inauguração do novo abrigo foi prevista para dezembro de 2014, conforme divulgado no site oficial do
município: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia2108.html> Acesso em 10/11/2014.
71
termos de serviços públicos na área da saúde, educação, saneamento
básico, assistência social, etc., como observamos em Rio das Ostras.
(Marro,Alves,Soares, Sirelli (org) 2013).
A receita total do Município em 2013 foi de R$ 692,45 milhões. Desse
montante, 48% correspondem à transferência de royalties36
. Sendo que nesse ano a
redução do repasse de royalties foi de R$ 22,5 milhões em comparação a 2012, ou seja,
nos últimos anos a cidade pode investir em todos os serviços, em uma porcentagem a
mais do que o recomendado pelo governo federal em cada área. Porém, qual a
prioridade municipal em termos de investimentos? Por que a construção do novo abrigo
não foi priorizada pela administração pública municipal?
É alardeado pela mídia burguesa um dito crescimento e prosperidade regional e
municipal. Por exemplo, se apresenta no site da prefeitura que:
O PIB per capita para 2008 chegou a R$ 69.276,69, com um
acréscimo de 10,18% em relação a 2007. Em 2009, R$51.232,83,
diminuindo em 26% em relação ao ano anterior e em 2010, R$
57.882,81, com acréscimo de 12,98% em relação a 2009. [..]Já em
2010, encontramos 15,7% da população com até meio salário mínimo,
diminuindo em 13,7% a proporção de pobres em relação ao
encontrado no Censo 2000. (Portal da prefeitura de Rio das Ostras37
).
O que se tem é uma grande manipulação midiática e ideológica, que apresenta
dados sem aprofundar o seu real significado. Se a renda é per capita, por que o cidadão
individual não tem acesso a ela? 15,7% de uma população de 165,676 mil em 2010
realmente é uma vitória? Outro dado interessante do portal da prefeitura: “Dos 53 688
domicílios, o Censo Demográfico encontrou 8 077 domicílios vagos em Rio das Ostras
[...] Os domicílios de uso ocasional, que somaram 10 876”38
. Uma cidade que ainda não
implementou uma política habitacional permanente, um número de 18.953 domicílios
vagos ou de uso temporário é revelador. A especulação imobiliária, que incide nos altos
preços para se morar na cidade (custo de vida), faz as parcelas mais empobrecidas
serem segregadas aos bairros periféricos, como o Âncora e o Cidade Praiana. Que não
por acaso, como será evidenciado no decorrer deste estudo, são os bairros de origem de
todas as crianças/adolescentes acolhidos. Sem entrar no mérito do transporte,
alimentação, acesso a saúde, e educação, já se pode ter ciência do nível de desigualdade
no município.
36
Fonte:< http://www.riodasostras.net/index.php/noticias7/prefeitura30/8246-tce-aprova-contas-publicas-
de-rio-das-ostras>. Acesso em 10/11/2014. 37
Fonte: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/dados-do-municipio.html> .Acesso em 10/11/2014 . 38
Idem ao anterior.
72
Em seu jornal oficial39
, do período de 26 de julho a 1 de agosto de 2013, a
prefeitura apresenta que precisa diminuir os gastos municipais em 20% pela diminuição
dos royalties. Assegurando que essa verba não será retirada de áreas importantes como
saúde, educação e assistência social. Segundo a publicação foi estabelecido um comitê
estratégico de gestão, que se encarregaria de realizar o monitoramento dos gastos da
administração pública, para assim otimizá-los. Algumas notícias, elencadas abaixo
auxiliam a problematização da prioridade dos gatos públicos dos últimos anos:
O Rio das Ostras Jazz & Blues figura no ranking da Downbeat como
um dos dez maiores festivais de jazz e blues, gratuitos, do mundo e o
maior da América Latina. (Fonte40
)
Sim, a música é realmente de ótima qualidade não é esse o mérito discutido, mas
não se vê Jazz e Blues durante o ano inteiro e de repente a cidade se torna a cidade do
jazz e blues. Apesar de gratuito, a exclusão do povo pobre que mora nas periferias da
cidade se dá pelo discurso de que "O Festival é outro nível", além de que todos os
palcos são montados nos bairros nobres da cidade. Se fossem montados nos bairros
periféricos, poderiam mostrar ao mundo a realidade da falta de esgoto na cidade. A
construtora Odebrecht, patrocinadora do festival, protagonizou um escândalo bilionário
com dinheiro público na cidade41
. Através de uma Parceria Público Privada, por um
contrato de aproximadamente 2 bilhões de reais, que se destinava a realização
do sistema de drenagem, rede de esgoto e pavimentação nas vias inseridas nos bairros
Cidade Beiramar e Cidade Praiana fracassou. Não se garantiu dignidade aos moradores
dos bairros Cidade Praiana e Cidade Beiramar, pois o sistema de drenagem é deficitário
e não resolveu o problema do alagamento.
Mesmo considerando que tais investimentos contribuem para o
crescimento do turismo trazendo receitas para o município (aumento
de emprego, incentivo ao comércio, aumento da arrecadação de
impostos) e, de alguma forma, atendem o direito de acesso ao lazer e
cultura, consideramos que é preciso questionar essa prioridade
exatamente porque tais investimentos não beneficiam a população, ou
seja, não contribuem para a melhoria de suas condições de vida e de
trabalho. (Pérez, 2012, p.61)
39
<http://www.riodasostras.rj.gov.br/download/jornal-oficial/files/645.pdf> .Acesso em 10/11/2014. 40
<http://www.riodasostrasjazzeblues.com/joomla/index.php?option=com_content&view=article&id=57
&Itemid=27&lang=pt> .Acesso em 10/11/2014. 41
Para maior aprofundamento da questão: <http://www.psol50.org.br/site/noticias/1709/psol-rio-das-
ostras-denuncia-bilhoes-esgoto-abaixo> Acesso em 10/11/2014.
73
Em contrapartida, como exemplo da priorização dos gastos públicos municipais,
no final de 2013 até abril de 2014 pais e responsáveis denunciavam a falta de uniformes
e livros didáticos nas escolas do município42
.
Segundo o “Dossiê Rompendo o Silêncio e a Impunidade”, elaborado pelo
movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras no ano de 2013 e debatido em
audiência pública em 28 de maio do mesmo ano:
Todos estes fatores podem influenciar um dado alarmante: o aumento
em quase 10 vezes no número de casos de estupros verificados em Rio
das Ostras na última década (Grafico 2) como é possível observar
segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de
Janeiro de 2003 a 2013. (Marro, Alves, Soares, Sirelli (org), 2013, p.
32).
O documento critica a falta de políticas públicas para as mulheres, e também
saúda as iniciativas individuais de profissionais que atendem as vítimas de violência.
Porém, o poder público deve investir mais recursos financeiros (matérias e humanos)
para garantir que essas iniciativas não se encerrem e que novas possas ser criadas. Além
de colocar a pauta das mulheres como prioridade.
De forma antidemocrática, mesmo com a manifestação contrária dos moradores,
a Câmara Municipal de Rio das Ostras aprovou por unanimidade o aumentou do salário
dos vereadores em quase 220%, como noticiado por alguns sites43
.
Os dados e problematizações levantadas evidenciam que mesmo com a
diminuição que cada ano se tem no repasse dos royalties do petróleo, não se
impossibilitada a “farra” com o dinheiro público e os gastos que não representam
melhorias diretas na vida dos trabalhadores e trabalhadoras. Não é o objetivo deste
estudo, por isso se aponta a necessidade que assim como a pesquisa de Pérez (2012)
mais dissertações sejam postuladas sobre o município de Rio das Ostras. Não faltam
elementos a serem aprofundados em relação a cidade e a região. Diversas expressões da
questão social atravessam a vida dos cidadãos, principalmente os à margem da
acumulação de riquezas provenientes do petróleo. Mas, fica evidente que recursos
financeiros existem, portanto, falta que os governos municipais priorizem iniciativas
42
<http://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2014/04/pais-relatam-falta-de-uniformes-e-livros-em-
escolas-de-rio-das-ostras-rj.html> .Acesso em 10/11/2014 . 43
Para saber mais: <http://g1.globo.com/rj/serra-lagos-norte/noticia/2012/10/salario-de-vereadores-de-
rio-das-ostras-rj-aumenta-quase-220.html> .Acesso em 10/11/2014> e <http://g1.globo.com/rj/serra-
lagos-norte/noticia/2012/10/protesto-contra-aumento-do-salario-dos-vereadores-em-rio-das-ostras-
rj.html> . Acesso em 10/11/2014.
74
como: a implementação de políticas públicas para segurança das mulheres, que sejam de
qualidade e a construção do novo Abrigo Municipal considerado essencial pela equipe
técnica.
Prosseguindo com a análise do roteiro de pesquisa institucional (anexo A) e das
entrevistas com os profissionais, um aspecto interessante é o projeto de apadrinhamento
afetivo desenvolvido na instituição. O objetivo do projeto é proporcionar as crianças e
adolescentes em longo período de acolhimento institucional, ou seja, que não
vislumbrem a reintegração familiar em período próximo, ou com longínqua
possibilidade de colocação em família substituta, presenciarem e participarem de uma
relação afetiva. Também garante os direitos da criança a ter uma convivência familiar e
comunitária. Rizzini (2006) aponta que:
O apadrinhamento é uma solução provisória para uma situação criada
pelos efeitos da institucionalização prolongada, que acaba por
contribuir para o afastamento entre os abrigados e suas famílias
(Rizzini, 2006, p.105).
Portanto, as crianças/adolescentes que participam tem o perfil exposto acima, o
de não vislumbrar em um futuro próximo a reintegração familiar. Portanto, são
encaminhados ao projeto de apadrinhamento afetivo, os acolhidos que tem nenhuma, ou
demorariam anos para serem reintegrados as suas família. Então, o apadrinhamento
afetivo é uma alternativa, para que a criança/adolescente possa vivenciar situações
familiares. Se houvessem chances de reintegração, o trabalho dos técnicos da instituição
seria o de fortalecer o vínculo afetivo com a família.
O projeto de apadrinhamento afetivo desenvolve-se em três fases de atuação:
Implementação, Desenvolvimento e Continuação. Para fazer parte do projeto os
“padrinhos mágicos” passarão por uma entrevista com os técnicos da Instituição para
avaliação, onde serão é explicada a proposta do projeto e analise dos candidatos. Logo
se explica que o apadrinhamento não tem cunho jurídico, ou seja, não implica em
adoção, apesar dos afilhados possuírem situação jurídica definida – Destituição do
Poder Familiar. Esse esclarecimento é importante para não gerar expectativas nem na
família, e nem no acolhido. E, para que o apadrinhamento afetivo não se transforme
numa ferramenta de “test drive de filho”, se o objetivo do candidato a padrinho for a
adoção deve-se orientar o mesmo a buscar inserção no Cadastro Nacional de Adoção,
através da equipe técnica do judiciário. Os padrinhos poderão sair ou visitar os
75
afilhados em dias combinados, conforme acordo e compromisso firmado com os
mesmos e após a assinatura dos termos de visitação. A equipe técnica do Abrigo
Municipal acompanhará todo o processo de apadrinhamento enquanto o afilhado estiver
na Instituição. Realizando encontros, reunião e atividades nesse período, para que se
possa ter uma qualificação do processo e uma avaliação continuada.
Os programas de apadrinhamento afetivo necessariamente precisam
de mecanismos de seleção, capacitação, supervisão e monitoramento
dos padrinhos, sempre visando o que for melhor para as crianças
atendidas. (Rizzini, 2006, p. 104)
Na data da pesquisa de campo 8 acolhidos se encontram inseridos no projeto. O
projeto é avaliado positivamente pela equipe técnica, pois proporciona a
criança/adolescente um referencial afetivo concreto ao se favorecer a formação de
vínculos afetivos, o que contribui para construção da autoestima e autonomia social e
que no futuro possam ser adultos felizes. Em um duplo movimento permite, que as
crianças e adolescente em longo acolhimento institucional e/ou com pouca possibilidade
de reintegração à uma família tenham um referencial de vida, além dos muros da
instituição e que a sociedade se sensibilize sobre a institucionalização de crianças e
adolescentes.A experiência apresenta desafios, pois toda a relação de afeto entre
humanos tem percalços, que devem ser acompanhados e trabalhados pela equipe
técnica, como por exemplo, os atritos entre afilhado e padrinho. As experiências de
apadrinhamento, acompanhadas pela equipe, foram fonte de aprendizado no sentido de
evitar erros e pautar potencialidades.
A equipe da psicologia (psicóloga e estagiários) desenvolve diversos projetos
que trabalham a subjetividade dos acolhidos, como o projeto “Álbum de Vida”. Ele
propõe a construção de um álbum em que cada criança, com o acompanhamento de um
colaborador, irá contar os acontecimentos, colar fotos ou fazer desenhos para registrar
as experiências do período em que se encontra acolhida. Ao ser adotada ou ao retornar à
guarda de sua família, a criança leva o álbum como um pedaço de sua própria história.
O foco do presente estudo não permite o aprofundamento sobre eles, mas deve-se frisar
sua importância no resgate da memória. Crianças e adolescentes entenderão que são
únicos, já que elaborar o álbum possibilitará uma nova significação de sua história
pessoal.
76
Em entrevista com o coordenador do Abrigo, foi tomado conhecimento que o
município pretende implantar o “Programa Família Acolhedora” que já ocorre na cidade
do Rio de Janeiro. Segundo Valente (2004):
Família acolhedora é aquela que voluntariamente tem a função de
acolher em seu espaço familiar, pelo tempo que for necessário, a
criança e o adolescente vítima de violência doméstica que, para ser
protegido, foi retirado de sua família natural, respeitada sua identidade
e história. (Valente, 2004, p. 35).
A implementação de tal programa, constituí uma alternativa a institucionalização
de crianças e adolescentes. O acolhimento familiar informal é uma prática bastante
antiga na sociedade44
, já o acolhimento familiar numa modalidade formal de
atendimento é uma prática recente pouco debatida, que ainda não é implementada no
âmbito nacional.
No Brasil, as experiências em desenvolvimento têm enfatizado a
importância da meta de preservação de vínculos familiares. O
acolhimento é sempre acompanhado da implementação de ações que
visem melhorar as relações familiares para que a criança/adolescente
possa retornar à sua família de origem. (Rizzini, 2006, p. 61).
A equipe técnica do projeto, geralmente formado por assistentes sociais e
psicólogos, trabalha em parcerias com as prefeituras e rede de proteção social para
divulgação, seleção, acompanhamento, estudos e encaminhamentos dos casos. O
programa família acolhedora, como modalidade de defesa de direitos, constitui uma
iniciativa que visa evitar o acolhimento de crianças e adolescentes em instituições, mas
com a mesma finalidade de reintegração familiar. Não é uma experiência ainda muito
estudada, o trabalho de Rizzini (2006) aponta avanços, desafios e possibilidades de
experiências desenvolvidas no Brasil e aponta que problematizar e considerar as
complexidades são imprescindíveis neste processo. O programa sendo implantado em
Rio das Ostras seria uma fonte de trabalho e estudo com possibilidades muito ricas para
a defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
Algumas empresas, igrejas e particulares buscam o Abrigo em busca de ofertar
doações ou realizar atividades, sobretudo em datas especiais como o Dia das Crianças e
o Natal. São propostas oriundas do sentido de caridade pontual, mas para contemplar
desejos individuais do que o bem estar permanente dos acolhidos. Quando essas
iniciativas aparecem na instituição, uma entrevista é marcada e um projeto detalhado da
44
Ver Rizzini (2006, p. 59-60).
77
atividade é exigido, o que já desencoraja muitos proponentes. Somente as ideias que
tem propostas de continuidade e que, de fato contribuam com a formação pessoal e
coletiva dos acolhidos, são aceitas. Com a política macro social neoliberal de um Estado
enxuto, passa-se uma imagem de um Estado incapaz de lidar com os problemas sociais,
sendo necessária a ajuda da sociedade civil, assim desresponsabilizando o mesmo de
intervir na “questão social”, processo ideológico esse que gera uma aceitação por parte
da coletividade. Isso não passa de mais uma estratégia capitalista de otimizar a
acumulação e legitimar as desigualdades.
A filantropia empresarial entra nos custos de representação do capital,
limpando a imagem da empresa, melhorando o marketing comercial,
isentando o capital de impostos estatais, conseguindo subsídios, entre
outros benefícios. [...] Procura-se, ideologicamente, que esse processo
seja percebido como de transferência de um setor falido, o Estado,
para outro mais eficiente, empreendedor, livre, a sociedade civil [...]
(Montaño,2002)
A nova forma de enfrentamento da pobreza constitui um meio de inserção da
mesma na lógica de mercado, gerando lucro ao capital. Ainda, segundo a psicologia,
receber doações é nocivo para os acolhidos, na medida em que, faz com que os mesmos
se sintam como “coitados”, fazendo um desserviço ao desconstruir o trabalho de
diferenciação entre direito e caridade.
Foi abordado, na entrevista com os profissionais, como é a articulação do abrigo
com outras instituições que precisam ser acionadas para garantir os direitos dos
acolhidos, ou seja, como se dá o trabalho em rede45
. A Política Nacional de Assistencial
Social – PNAS (2004) se baseia em princípios que atacam as práticas autoritárias e
verticalizadas, buscando criar condições culturais, ideológicas e políticas para as
práticas de formação de redes. No caso do Abrigo Municipal de Rio das Ostras, o
trabalho ocorre de forma interdisciplinar (como pontuado anteriormente neste estudo),
quando a criança/adolescente é encaminhada a instituição, faz parte do trabalho da
equipe técnica entrar em contato com a rede municipal para aferir o histórico, o que já
45
Entendemos a ideia de rede como um tecido de relações e interações que se estabelecem com uma
finalidade e se interconectam por meio de linhas de ação ou trabalho conjunto (RHAMAS/IPAS, s/d). O
conceito em questão vem sendo construído de forma empírica, baseado nas experiências dos grupos
sociais que se organizam para melhor atender às necessidades da vida social, cultural, material e afetiva.
As redes são formações dinâmicas e flexíveis, com continuada renovação dos participantes, o que requer
certos cuidados para sua continuidade. Ela abrange espaços geográficos, políticos e sociais específicos
que, contudo, tendem a ter mobilidade, na medida em que as redes devem estar atentas ao movimento dos
grupos e das organizações sociais. (Rizzini, 2006, p. 111-112).
78
foi realizado de trabalho e suporte para as famílias, buscando assim reverter o quadro de
institucionalização com vistas a reintegração familiar.
Em entrevista com a equipe técnica e coordenação da unidade de acolhimento
institucional, foi apresentada a atual configuração, conquistada, de trabalho em rede.
Desde a criação da instituição, a busca por contato e articulação partia inicialmente do
Abrigo, que entrava em contato com os dispositivos de proteção social, saúde e
educação para poder entender a conjuntura e traçar o estudo e estratégias para os casos.
As técnicas do Abrigo analisaram que muitas vezes se faziam ações duplicadas nos
casos, por exemplo, a equipe técnica do Abrigo e de um dos CRAS - Centro de
Referência da Assistência Social realizavam visitas domiciliares na mesma semana na
casa da família. Além de confundir as famílias, os deixando sem técnicos de referência,
muitas vezes se realizavam encaminhamentos iguais. Também existia uma falha na
comunicação, em que, por exemplo, o acolhimento acontecia e o CRAS que atendia a
família demorava a ficar sabendo.
A coordenação do Abrigo, em conversa com a promotoria, conseguiu tomar
providências para uma articulação do trabalho em rede. Desde o último trimestre, toda
última terça-feira do mês no espaço físico do Abrigo, ocorre uma reunião de articulação
com representantes de toda a rede municipal – da secretaria de Bem Estar Social vem
representantes dos CRASs e CREAS, Secretaria de Educação, Secretaria de Saúde,
Conselho Tutelar, Fórum, Juizado e aberta a outros dispositivos. Nesta reunião se
discutem os casos mais graves do município, em relação a violação de direitos das
crianças e adolescentes, tratando tantos dos casos do abrigo quanto dos que tem
possibilidade de acolhimento. Para fins de evitar a institucionalização, são traçadas
estratégias e se pactua o que cada equipe de cada dispositivo municipal irá fazer. Na
reunião, a percepção de todos os envolvidos nos casos é colocada, no sentido de pensar
estratégias e avaliar os avanços.
O aprendizado para uma ação horizontal, inovadora e sem competição
excludente é primordial para as redes. O investimento em capacitação
para atuar em rede é uma necessidade para a promoção de ações
articuladas. Em termos políticos, a ação coletiva e democrática ganha
um espaço que seria inviável em um empreendimento isolado. A
formação para uma atuação política dirigida à conquista da cidadania
plena deve ser um objetivo prioritário e uma ação continuada nas
redes. (Idem, p. 115).
79
A equipe técnica do Abrigo tem avaliado que o diálogo entre instituições passou
a ser mais fluente. O interessante é que o Ministério Público que viabiliza a reunião, o
que não pesa sobre o Abrigo e agrega um caráter “mais oficial”, no sentido de frisar aos
diversos órgãos a importância da iniciativa.
A maior dificuldade que se percebe, em termos de articulação de rede, é com o
Conselho Tutelar – CT – do município. Muitas vezes o acesso à instituição é
problemático, com um diálogo não tão fluente, em que, por exemplo, ocorrem casos de
demora na comunicação aos pais do acolhimento institucional. Uma análise por dentro
do Conselho deve ser alvo de futuras pesquisas acadêmicas, por enquanto, é percebida a
notória sobrecarga da instituição com o crescimento populacional da cidade, o que
sobrecarrega o seu trabalho. De forma geral Rizzini (2006) aponta que os órgãos que
definem o encaminhamento, nos programas estudados por ela, tem a necessidade de se
contrapor à recorrente prática de institucionalização que ainda persiste no país.
Diversos depoimentos atestaram que isso nem sempre é bem aceito
pelos órgãos que definem os encaminhamentos, como Conselhos
Tutelares e Juizados da Infância e da Juventude, que insistem em
abrigar crianças / adolescentes mesmo que sejam casos não
compatíveis com o perfil de atendimento das instituições. (Ibidem, p.
100).
Não se pode afirmar que o apontado pela autora é o caso do CT de Rio das
Ostras, porém é um desafio enfrentar a judicialização do atendimento a infância no país.
Maior ainda é o desafio de impedir, que cada vez mais seja gestado ambientes
favoráveis a violação dos direitos das crianças/adolescentes. Enquanto a sociedade
avança a passos lentos nessas questões, iniciativas de articulação de rede devem ser
pensadas em suas potencialidades. Como a intersetorialidade das políticas públicas é
frágil, a criatividade das redes em oferecer suporte às famílias deve ser fomentada e
garantida.
Para avançar nas expressões da questão social ligadas ao abandono de crianças e
adolescentes em Rio das Ostras, primeiramente, como na pesquisa de âmbito nacional
exposta no capítulo anterior, deve-se conhecer o perfil dos acolhidos. Quem são essas
crianças? De onde vieram? Possuem família? Essas indagações são importantes, para
apontar as falhas do Estado em garantir a proteção social, que as mesmas necessitam
para se tornarem adultos felizes.
80
Na data da pesquisa, 14 de outubro de 2014, a instituição contava com 15
acolhidos. Sendo 7 meninos e 8 meninas, como mostra o gráfico a seguir:
Fonte: elaborado pela autora.
Sendo 47% meninos acolhidos e 53% de meninas demonstrando um equilibro
diferente da média nacional apontada na pesquisa relacionada neste estudo no ponto 2.3,
em que 58,5% eram meninos e 41,5% meninas. Em relação a idade, foi construído o
gráfico a seguir:
Fonte: elaborado pela autora.
47%
53%
1
Acolhidos por Gênero
Meninos Meninas
7% 7%
27%
40%
7%
13%
0 à 3 anos 4 à 6 anos 7 à 9 anos 10 à 12 anos 13 à 15 anos 16 à 18 anos incompletos
Acolhidos por Idade
81
Dos 15 acolhidos 40% tem de 10 à 12 anos de idade, 27% de 7 à 9 anos, 13% de
16 à 18 anos incompletos e 0 à 3 anos, 4 à 6 anos e 13 à 15 anos somatizaram 7% cada.
Sobre a cor da infância e adolescência acolhida em Rio das Ostras:
Fonte: elaborado pela autora.
93% por cento das crianças/adolescentes acolhidos são negros (somando 53% de
pardos com os 40% negros) e apenas 7% são brancas.
Frente aos dados colhidos algumas considerações e hipóteses podem ser
traçadas. A histórica preferência por adoção de meninas faz com que na média da
pesquisa nacional a porcentagem de meninos nos abrigos seja maior. Em Rio das
Ostras, a porcentagem de meninas é um pouco maior, em relação a esse fato uma
hipótese pode ser levantada. Em um gráfico, que será apresentado posteriormente,
indica-se que 13% dos acolhidos de 2013 à outubro de 2014 foram encaminhados a
outras instituições, como por exemplo, a Casa do Menor São Miguel Arcanjo, e desses
13% mais da metade são meninos, o que pode ter contribuído para superação do número
de meninos pelo de meninas. Outra hipótese se relaciona ao fato de 13% dos
acolhimentos, serem motivados por suspeita de abuso sexual (como será exposto em
gráfico posteriormente), como historicamente as vítimas de abuso sexual são mulheres,
esse fator pode ter incidido no indicador de gênero.
53%
40%
7%
Pardos Negros Brancos
Acolhidos por Cor
82
A pesquisa de Silva (IPEA/CONANDA 2004) citada no capítulo anterior chama
a atenção para o fato de a partir do 6 anos, os trabalhadores e trabalhadoras perderem
acesso aos equipamentos públicos de apoio aos cuidados com os filhos, o que pode-se
refletir no percentual de 67% dos acolhidos terem de 7 à 12 anos. Além do fato da
dificuldade de adoção de crianças mais velhas. Em Rio das Ostras o acesso a creche
pública, que já tem vagas limitadas (378 em 2014), ocorre na idade mínima de 6 meses
e, máxima, de 3 anos, 11 meses e 29 dias completados até 31 de março de 2015, como
mostra o site da prefeitura e locais46
.
Foi significativo o aumento de mulheres no mercado de trabalho nos
últimos dez anos. Se em 2002 elas correspondiam a 34% dos
trabalhadores renumerados, hoje este número já chega a 43%. Essa
maior participação, contudo, não veio acompanhada de mudanças na
divisão sexual do trabalho - que inclui o cuidado com filhos -, fazendo
da falta de creches uma das principais reclamações do grupo feminino
em relação às políticas públicas. (Carta Capital, 2012)
A ausência de equipamentos e serviços públicos, como as creches e as escolas
em tempo integral aprisiona a mulher à esfera doméstica e torna ainda mais difícil sua
subsistência e desenvolvimento. Então, a falta de políticas públicas no sentido
apresentado, deriva em diversas expressões da questão social, como a miserabilidade da
família, que como visto anteriormente debilita o papel de proteção social atribuído a
mesma e em última instância culmina no acolhimento institucional.
Pela análise histórica do indicador, pode-se problematizar o porquê de 93% das
criança/adolescentes serem negras. Há no país um infeliz histórico de
institucionalização da infância e adolescência negra. A pesquisa de Silva
(IPEA/CONANDA 2004), exposta no capítulo 2, apresentou duas hipóteses para a
relação entre a população negra e a medida de acolhimento institucional: a clara
preferência da sociedade em adotar crianças brancas; as condições socioeconômicas de
uma determinada criança e/ou adolescente exercem importante influência na aplicação
da medida de abrigo visto que a maioria das crianças pobres é negra. Com base no
estudo de Guimarães (2002) a pobreza no Brasil atinge em maior escala os negros do
46
< http://www.riodasostras.net/index.php/noticias/bem-estar-social/8315-prefeitura-de-rio-das-ostras-
abre-inscricoes-para-creches-municipais> .Acesso em 12/11/2014 ;
<http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia2101.html> .Acesso em 12/11/2014 ;
<https://psolriodasostras.wordpress.com/2012/09/12/manifesto-feminista-a-campanha-do-professor-
jonathan-mendonca-psol-50-123/> .Acesso em 12/11/2014 e
<http://www.paroquiaderiodasostras.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1817%3Ario
-das-ostras-20-anos&catid=39%3Anovas&Itemid=1> .Acesso em 12/11/2013
83
que os brancos. “[...] estamos inegavelmente diante de uma sociedade em que os
privilégios estão bem estruturados e sedimentados entre grupos raciais e de gênero”
(Idem, 2002, p. 72). Logo as condições socioeconômicas de 93% dos acolhidos
influenciaram diretamente para a aplicação da medida protetiva. Retomando as análises
tecidas no capítulo anterior, é preciso frisar que, por conta das centenas de anos de
escravidão no país, com uma população que se estabeleceu sem nenhuma medida
reparadora por parte do Estado, culminou na precarização da vida, criminalização e
marginalização da população negra no Brasil. O aprofundamento desta análise não é o
objetivo deste trabalho de conclusão de curso, mas expressa a complexidade da medida
de acolhimento institucional, apontando as expressões da questão social que incidem na
política, bem como a questão racial, de gênero e de institucionalização da criança pobre.
Os 15 acolhidos possuem família, os gráfico a seguir mostra a questão do
contato com a família e a situação de visitação:
Fonte: elaborado pela autora.
80% dos acolhidos mantêm contato com a família, 13% são acolhidos
recentemente, por volta de um mês e 7% não mantêm contado.
13% 7%
80%
ACOLHIDOS RECENTEMENTE
NÃO MANTÉM MANTÉM CONTATO
Contato com a família
84
Fonte: elaborado pela autora.
53% dos acolhidos recebem visita constante dos pais, responsáveis ou parentes,
27% recebem pouca visita, 7% não recebem visita e 13% haviam sido acolhidos a 1 mês
portanto não havia como avaliar ainda.
Os motivos de acolhimento das 15 crianças/adolescentes estão representados no
gráfico a seguir:
Fonte: elaborado pela autora.
53%
27%
7%
13%
Visita Constante Pouca Visita Não Recebe Visita Acolhidos Recente
Situação de Visitação Outubro-2014
13%
47%
13%
7%
13%
7%
Negligência e abandono
Negligência Conflito no ambiente familiar
Devolução de adoção
Suspeita de abuso sexual
Insalubridade da residência
Motivos de Acolhimento
85
47% dos motivos que geraram o acolhimento institucional foram por
negligência, 13% por negligência e abandono, 13% por conflito no ambiente familiar,
13% por suspeita de abuso sexual, 7% devolução de adoção e 7% insalubridade da
residência. Tais categorias são indicadas pelo Conselho Tutelar para a aplicação da
medida protetiva. Elas são pouco precisas, isso porque na maioria dos casos várias
questões levam ao acolhimento, não apenas uma. Dessa maneira seria difícil tabular
mais de um motivo para o mesmo número de crianças/adolescentes. Entende-se, que
foram escolhidos os motivos determinantes (principais) ou a junção de mais de um
motivo na construção da categoria.
A “negligência”, que foi a maior porcentagem, inclui a falta de todo o tipo de
cuidados necessários ao bem estar da criança, por parte do responsável, tais como
alimentação adequada, higiene, vestuário, cuidados médicos, afeto, atenção, vigilância e
educação, que são os seus direitos básicos. Já “negligência e abandono” abarca os
motivos anteriores, mais o abandono do filho com terceiros ou sozinho. “Conflito no
ambiente familiar” representa alguma característica do ambiente familiar que facilita a
ocorrência de maus tratos. “Insalubridade na residência” indica que o local de moradia
oferece algum risco, ou dano a saúde do indivíduo. No caso da pesquisa, se refere a uma
adolescente que teve grande parte do corpo queimado, existiram outros motivos por trás
do acontecido e do acolhimento, mas a insalubridade da residência foi o determinante
para retirada do lar. As categorias “suspeita de abuso sexual” e “devolução de adoção”
são auto explicativas.
Em geral, são vários motivos associados que levam uma criança/adolescente ou
um grupo de irmãos a serem encaminhados a um serviço de acolhimento, mas, em geral,
tais motivos referem-se direta ou indiretamente à pobreza e à precariedade das políticas
públicas que atendem à demanda dessa população. Logo os motivos de acolhimento são
perpassados pelas expressões da questão social em Rio das Ostras.
Outro dado importante é em relação ao tempo de acolhimento:
86
Fonte: elaborado pela autora.
27% dos acolhidos estão na instituição a 1 mês; 20% a 1 ano e 2 meses; 13%
estão a 2 meses, 1 ano e 6 meses e 1 anos e 11 meses cada; 7% estão a 3 meses e 2 anos
e 8 meses cada. Se até 2009 o ECA não estipulava o prazo máximo para permanência da
criança/adolescente em programa de acolhimento institucional, a partir da aprovação da
lei 12.010/09, a criança não deve ficar acolhida por mais de dois anos, salvo
comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente
fundamentado pela autoridade judiciária (ECA, Artigo 19 – § 2o ). O ECA, o PNCFC e
a Lei 12.010/09, apontam da urgência do trabalho a ser desenvolvido com os acolhidos
e suas famílias, para que assim se possa reduzir os danos causados a
criança/adolescente, como apontado anteriormente neste estudo. O trabalho, realizado
pelos profissionais da instituição, se dá seja na direção de reintegração a família natural
ou extensa, colocação da criança em família substituta (seja por tutela, guarda ou
adoção), não sendo estas duas opções possíveis deve existir um projeto específico para
ela, pois não pode acontecer da criança ficar acolhida até 18 anos e quando sair não ter
perspectiva de futuro. Nesse último caso, os projetos de apadrinhamento afetivo e
família acolhedora exercem uma grande importância, como apontado no início deste
tópico. Atualmente 7% dos acolhidos ultrapassam a marca dos dois anos, o que
representa que o trabalho da equipe técnica da instituição vem obtendo êxito neste
quesito, já que na pesquisa de Silva (IPEA/CONANDA 2004) um terço dos acolhidos
excede o tempo limite previsto em lei. Êxito conquistado pela criação de estratégias,
27%
13%
7%
20%
13% 13%
7%
1 mês 2 meses 3 meses 1 ano e 2 meses
1 ano e 6 meses
1 ano e 11 meses
2 anos e 8 meses
Tempo de acolhimento até out - 2014
87
como a reunião de rede e os projetos de apadrinhamento, o que permite dar respostas
mais ágeis aos casos.
No momento na instituição 1 criança está incluída no Cadastro Nacional de
adoção, visto que 7% não recebem visita, 7% não mantém contato com a família e
apenas 7% excedem o tempo de permanência isso indica, que os outros casos do abrigo
estão sendo trabalhados na direção da reintegração familiar, o que parece a direção
acertada. Porém, se os acolhidos que estão a mais de um ano ficarem ainda mais tempo
na instituição os vínculos com a família de origem podem ser irreparavelmente
rompidos, além de que a demora para entrar no cadastro nacional de adoção diminui as
chances de que a mesma aconteça. O abrigo Municipal de Rio das Ostras, por ser uma
instituição pública, tem um compromisso ainda maior de garantir as diretrizes pautadas
no ECA. O seu êxito ocorre, pois vem mantendo práticas de assistência que contribui
para o fortalecimento dos vínculos das crianças/adolescentes e suas famílias, e não
sendo essa mais uma opção possível, trabalho se volta para colação em família
provisória ou substituta.
Um dos gráficos mais elucidativos, que podem se relacionar com todos os outros
em múltiplas análises, é o referente a localidade de origens dessas crianças:
Fonte: elaborado pela autora.
53% das crianças são oriundas do Bairro Âncora, 40% do bairro Cidade Praiana
e 7% da cidade do Rio de Janeiro. Quem reside em Rio das Ostras, pode afirmar sem
dúvida que 93% das crianças/adolescentes acolhidas são provenientes dos bairros mais
precarizados da cidade. Logo, as famílias de origem dessas crianças/adolescentes
provavelmente são carenciadas de recursos materiais. O que, novamente indica, a
40% 53%
7%
Bairro Cidade Praiana R.O
Bairro Âncora R.O Rio de Janeiro
Acolhidos por Localidade de Origem
88
relação entre pobreza e acolhimento institucional. Anteriormente neste tópico foi citada
a prioridade de investimentos no município, que não são as obras de drenagem, rede de
esgoto e pavimentação do bairro Cidade Praiana, nem políticas públicas de qualidade
para mulheres e nem a construção do novo Abrigo Municipal. O belíssimo Festival de
Jazz & Blues, não ocorre em nenhuma época do ano no bairro Cidade Praiana e nem no
Âncora. A “questão social”, vem sendo observada com crescimento exorbitante no
município de Rio das Ostras. Como, por exemplo, através da ausência de saneamento
básico, de falta de segurança, falta de um transporte público e de qualidade, de uma
urbanização adequada aos moradores, falta de água principalmente nos bairros
populares e etc. Os bairros nobres, como por exemplo, Costazul recebem prioridade de
investimentos da administração pública em detrimento dos demais.
Se 93% dos acolhidos são negros e 93% são advindos dos bairros mais
carenciados de recursos materiais, logo se pode inferir que os bairros ditos populares
possuem a maior parte dos moradores negros. O que novamente suscita o debate
“questão social” e “questão racial” no Brasil.
O acolhimento institucional não pode ser a política pública de solução para a
pobreza e a falta de recursos. Sendo que 93% dos acolhidos são oriundos dos bairros
pobres (somando Âncora e Cidade Praiana), pode-se questionar que as categorias de
motivo de acolhimento, que não estavam muito claras, devem se relacionar com a
situação socioeconômica das famílias, ou seja, com a carência de recursos materiais e
políticas públicas de qualidade para gerir a vida. Sendo os motivos de acolhimento,
passíveis de serem relacionados a pobreza, tal realidade se torna mais grave, pois o ECA
prevê que o direito a convivência familiar e comunitária não pode ser violado por
carência de recursos materiais.
Como apontamos, há um grande descompasso no Brasil entre a
importância atribuída ao papel da família no discurso e a falta de
condições mínimas de vida digna que as famílias enfrentam, na
prática, para que possam criar seus filhos. É fácil identificar de
imediato a negligência cometida pelos pais ao se encontrar uma
criança em “situação de risco”. É bem mais difícil acusar o Estado de
negligente e omisso. (Rizzini, 2006, p.32).
Como se pode perceber, as condições materiais de existência estão ligadas ao
acolhimento de crianças e adolescentes em Rio das Ostras. A cidade possui milhões em
recursos, mas a gerencia deixa os mais pobres mais à margem da sociedade. Uma breve
89
análise histórica crítica da cidade serve a dar luz a certos processos de poder e acúmulo
de riquezas na cidade.
A partir da década de 70 do século XX, a mesorregião Norte
Fluminense - NF, no norte do estado do Rio de Janeiro, sofreu a
intervenção de dois grandes projetos econômicos nacionais – a
implantação do Proálcool e a extração do petróleo da Bacia de
Campos, que injetaram elevados recursos em dinheiro e capital fixo na
região. No entanto, ao final do século, o NF praticamente desapareceu
do mapa da produção sucroalcooleira brasileira, e, apesar de participar
com cerca de 80% da produção nacional de petróleo e de seus
municípios usufruírem das rendas petrolíferas – royalties e
participações especiais – a região se destaca pelos elevados índices de
indigência, pobreza, desigualdade social, desemprego e subemprego.
[...] processo pelo qual as elites regionais se apropriaram, de forma
corporativa, restrita, dos recursos dos projetos nacionais implantados
na região, no período, através da utilização do regionalismo, que
fechou o território, obtendo o monopólio dos mecanismos de exercício
da representação política regional e da articulação das escalas de
poder. [...] O estudo permite concluir que o processo profundamente
restrito, autoritário e excludente, de apropriação e utilização dos
recursos aportados ao território do NF, por grandes projetos nacionais,
comandado pelas elites agropecuárias e agroindustriais, expresso num
regionalismo de caráter conservador, responde pelos mecanismos de
produção e reprodução das desigualdades, da pobreza e da exclusão
sociais no NF, tendendo a se reproduzir nas novas elites regionais de
administradores municipais que gerem as rendas petrolíferas (Peréz,
2012, p.48-49, apud Cruz, 2003, p.3).
Como aponta o estudo de Cruz, Rio das Ostras é uma das cidades da região
Norte Fluminense – NF, que recebe Royalties do petróleo. As elites que se revezam no
poder representam o mesmo grupo político que financia as suas campanhas.
Inicialmente eram grupos ligados a agropecuária e agroindústria, hoje são financiados
por empresas que buscam ressarcir seus investimentos durante o mandato, através das
licitações. No fim das contas, todos representam as mesmas elites desde a década de
1970. Governos municipais conservadores e autoritários, como por exemplo, se
evidenciou no mandado de reintegração de posse da câmara de vereadores de Rio das
Ostras47
, se mantém no poder à custa de descaso e repressão as demandas dos
movimentos sociais e as antigas práticas de trocas de favores.
47
Diversos militantes do Movimento Vem Pra Rua Rio das Ostras, após as jornadas de Junho de 2013
que levaram milhões as ruas de todo o país e 9000 pessoas as ruas de Rio das Ostras, ocuparam a Câmara
Municipal da cidade. A ocupação decorreu da necessidade de uma Câmara legislativa que escutasse a voz
das ruas que clamava por participação popular. Os vereadores se recusavam a ouvir o movimento, sendo
necessária uma postura de enfrentamento por parte deste. Mesmo assim, mantiveram-se os vereadores
com uma postura arbitrária se isentando do diálogo com a sociedade.
O Poder Judiciário, assim como o Legislativo, totalmente refém do Poder Executivo impôs a
90
[...] essa herança político-administrativa e econômica possui uma
contrapartida na forma como o poder se estrutura e se reproduz
historicamente no Rio de Janeiro. O Estado do RJ se caracteriza pela
reiteração de práticas políticas, tais como considerar e transformar a
sociedade em cliente do Governo; de práticas autoritárias desse
mesmo Estado, com uma casta de funcionários públicos e políticos
que se sustenta na troca de favores, na centralização das verbas
públicas e da máquina administrativa; de práticas oligárquicas, com
peso nas oligarquias rurais, que praticam o criar dificuldades para
vender facilidades, de reproduzir carências para manipular
provimento; de caracterizar a ação pública como doação personalista;
e de ações pontuais, superficiais, temporárias, assistencialistas, em
lugar de políticas públicas. (Idem, p. 70)
Em Rio das Ostras não é diferente, os 22 anos de emancipação política
administrativa, foram acompanhando de um movimento de crescimento populacional
enorme e de favelização. Segundo Perez (2012), Rio das Ostras tem o maior
crescimento do interior do Estado, cerca de 10% ao ano. Porém, Pizzol e Ferraz (2010),
a partir da análise comparativa dos recursos advindos dos royalties e os índices de
desenvolvimento humano afirmam que:
“apesar do enorme potencial de investimento proporcionado pelos
royalties, nota-se nesses municípios inúmeros problemas: crescimento
populacional acelerado, imigração desordenada, falta de planejamento
urbano, favelização, elevação do custo de vida e condições precárias
de educação, saúde, moradia, saneamento e pavimentação”. (Pérez,
2012,p. 50, apud Pizzol e Ferras 2010, p.2)
Isso porque, segundo Pérez ( 2012), com o fim da subvenção estatal a Proalcool
na década de 1990 e o aumento da concorrência com o petróleo muitas usinas foram
fechadas e trabalhadores despedidos. O mercado do petróleo, altamente mais seletivo,
não absorveu esses trabalhadores migrantes, formando um exército de trabalhadores
sobrantes, essenciais para manutenção do sistema capitalista. Os novos moradores48
,
que vem em busca do “El Dourado” anunciado pela mídia burguesa, se deparam com a
dura realidade de virar mão de obra descartável, passando por processos de
empobrecimento e aprofundamento das desigualdades.
Deve-se problematizar que o desenvolvimento vertiginoso, que é divulgado na
mídia, por qual o município passa realmente é para todos? Se for para todos, porque os
bairros periféricos são tão visivelmente abandonados? Tantas belas mansões se
contrapõem a crescente favelização.
“Reintegração de Posse” da Casa do Povo aos vereadores. Mais informações: < http://blogderesistenciasocialista.blogspot.com.br/2013/09/carta-do-movimento-vem-pra-rua-sobre.html> 48
Dados do crescimento populacional: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/dados-do-municipio.html>
.Acesso em 12/11/14.
91
Do ponto de vista de nosso estudo, interessa problematizar que os
índices e indicadores utilizados, tanto pelas entidades acima indicadas
quanto pelos gestores, não são capazes de revelar se estas riquezas tem
se transformado em desenvolvimento social, se estes recursos tem sido
direcionados segundo as prioridades de atendimento das necessidades
das populações locais, se o chamado “desenvolvimento” tem sido
planejado com base nos princípios de preservação do meio ambiente,
este último considerado um patrimônio coletivo. (Idem, p 52).
O tema de gestão correta dos recursos públicos, que realmente gerem benefícios
a toda a população, não é o tema do presente estudo. Mas não se deve ignorar, que
maior controle social e fiscalizações devem ocorrer. Cidades governadas por “coronéis”
modernos, onde direitos são convertidos em favores, são um ranço do passado a ser
combatido coletivamente.
Nas entrevistas com os profissionais do abrigo foi apontado que frequentemente
a instituição opera com capacidade máxima, o que demonstra uma crescente demanda
por institucionalização no município. O aumento da violação dos direitos das
crianças/adolescentes não pode ser atribuído diretamente ao crescimento populacional.
Entretanto, este crescimento traz consigo demandas por políticas públicas e
infraestrutura urbana, que se não forem atendidas, podem contribuir com o acirramento
das expressões da questão social. Expressões estas que sim, influem na proteção social
das crianças. A família é um espaço de proteção e garantia de sobrevivência
indispensável, mas em tempos de acirramento da vida dos trabalhadores e trabalhadoras
necessita de amplo apoio das políticas públicas para garantir essa proteção. Proteção
essa que no sistema capitalista nunca será plena49
.
Para encerrar os gráficos elaborados a partir da pesquisa de campo, não podia
faltar a relação do destino dos acolhidos de janeiro de 2013 à outubro de 2014. Neste
período passaram pela instituição 62 acolhidos (não acolhimentos, porque houveram
casos de mais de um acolhimento da mesma criança/adolescente, no gráfico se encontra
o destino atual da criança/adolescente).
49
Os profissionais da equipe técnica que trabalham em abrigos precisam ter essa ampla visão no trabalho
com famílias, para evitar a reprodução de preconceitos e moralismos. Não tentando padronizar as famílias
atendidas num modelo considerado ideal, mas sim sair do lugar de fiscalização e buscar as
potencialidades, para que possam ser traçadas estratégias de reintegração familiar.
92
Fonte: elaborado pela autora.
44% dos acolhidos retornaram a família nuclear; 24% permaneceram na
instituição; 16% foram reintegrados a família extensa50
; 2% evadiram da instituição e
2% foram adotados.
Esses números revelam que em 62% dos casos do último ano, conseguiram ser
traçadas estratégias de inserção das crianças/adolescentes em uma família, seja a
natural, extensa ou adotante. O ideal seria o fim da necessidade social do Abrigo existir,
mas enquanto isso não ocorre, iniciativas que façam com que a brevidade do
acolhimento e a reintegração ocorram devem ser estimuladas. O trabalho da equipe
técnica deve sempre se basear em atender as reias necessidades das crianças/famílias,
para ampará-las material e psicologicamente no sentido de criar condições para
reintegração familiar. Sempre respeitando as condições emotivas e materiais da família,
e somente em casos de insucesso realizar o encaminhamento para adoção. Mas os
profissionais devem desfazer o mito de que a família perfeita é a natural, o perfeito é o
lugar aonde a criança/adolescente se sinta amada e respeitada enquanto sujeito em
desenvolvimento. O Abrigo Municipal está avançado em relação a garantir que o
acolhimento seja de fato breve.
50
Família Extensa: composta pelos avós, tios, primos, irmãos, cunhados, etc.
<http://www2.mp.pr.gov.br/cpca/telas/ca_igualdade_38_11_3.php> acesso em 12/11/2014.
24%
44%
16% 13%
2% 2%
Permanecem acolhidos
Reintegrados à família nuclear
Reintegrados à família extensa
Encaminhados para outra instituição
Evasão Adoção
Destino dos Acolhidos 2013 -2014
93
Para finalizar o capítulo, será exposto o relato do único caso do abrigo que
ultrapassa dois anos de acolhimento. Para ilustrar a complexidade das demandas que
chegam aos profissionais, que devem buscar respostas criativas para garantir a real
felicidade e bem estar da criança/adolescente.
K (12 anos) tem uma trajetória de vida complexa, primeiro ficou em
situação de rua no RJ, foi para um abrigo, sua mãe a sequestrou de lá
e voltaram para rua, voltou para o abrigo foi adotada e depois
devolvida, voltou para o abrigo, foi para o projeto do RJ chamado
Família Acolhedora, depois do período do programa voltou para o
abrigo. Depois foi novamente encaminhada ao projeto família
acolhedora na casa da irmã de W, daí W a adotou e a trouxe para
morar consigo em Rio das Ostras, ficaram juntas 1 ano e
posteriormente W a levou ao fórum de Rio das Ostras e a devolveu. A
psicóloga do Fórum avaliou que K por ter sido muito magoada não
quer ter mais vínculos com ninguém. Sua referencia familiar é do
RJ.Seu pai foi assassinado. Sua mãe é usuária de crack e vive nas ruas,
seus 8 irmãos algum estão adotados, outros em abrigos diferentes e
um com uma tia. Pensamos que o melhor seria ela voltar para o Rio de
Janeiro, o problema é que a adolescente não quer ficar com os irmãos
biológicos e formou vínculos afetivos no Abrigo de Rio das Ostras e
não quer ir embora. Penso que na próxima audiência o juiz irá
transferi-la, pois estávamos conseguindo mantê-la aqui pelo processo
de reaproximação com W, como esse foi rompido não há mais
justificativas. Mais uma vez percebo que as medidas de proteção
acabam criando novos traumas nas crianças. (Bastos, 2012, p.20)
Esse caso ilustra várias questões complexas como a vivência de rua, pais que
fazem abusivo de álcool ou drogas, traumas decorrentes de diversas devoluções de
adoção e ainda não poder optar em ficar no único lugar que encontrou a felicidade.
Nesse caso o que fazer? Realizar uma leitura fria do ECA e encaminhar a adolescente
para o RJ como queria o juiz? O acolhimento institucional deve se preocupar em
minimizar os traumas na vida das crianças/adolescentes, se ficar na instituição até a vida
adulta for o melhor, deve se garantir um ambiente institucional propício para que isso
ocorra. Além de, acompanhar a adolescente na construção de seu projeto de vida,
também garantindo que ela desfrute da convivência familiar e comunitária, inserindo-a
no projeto de apadrinhamento afetivo e na vida comunitária onde a mesma possui
vínculo.
Ficam inúmeros desafios, institucionais, legais e principalmente estruturais da
sociedade, para que os condicionantes que levam a violação de direitos sejam
superados. Mas, nunca se deve desistir de criar alternativas de resistência.
94
3.2 Desafios para assegurar os direitos das crianças e adolescentes a
convivência familiar e comunitária no município de Rio das Ostras.
O passado da história das políticas públicas para infância e adolescência no
Brasil, que redundou em uma das legislações de atenção a infância mais avançadas do
mundo levou a sociedade brasileira a uma situação contraditória. Por um lado o Brasil é
a vanguarda, referência mundial, em participação popular na construção de legislações
de proteção a infância e adolescência. Em que, se intentou romper com as práticas
estigmatizantes, de institucionalização, coerção, controle e exclusão. Ao mesmo tempo,
o país também é conhecido mundialmente pela violação dos direitos conquistados das
crianças e adolescentes.
Em um ranking de desigualdade de renda “o Brasil está em 73º lugar, atrás de
países como Sri Lanka e Uzbequistão. A desigualdade de renda é o principal motivo da
má colocação do Brasil no IDHAD”51
. O capitalismo Brasileiro e mundial foi fundado
sobre um regime escravista e racista, entendido isso, concluí-se que a luta antirracista é
chave na luta de classes. Não é por acaso que a maioria das pessoas que sofrem com a
desigualdade de renda são negras, que a maioria das crianças/adolescentes
institucionalizados são negras e que a população exterminada pelo Estado no país
também seja negra52
. Nesse cenário macro societário de desigualdade, concentração de
renda nas mãos de elites, extermínio racista e criminalização da pobreza e dos que lutam
a situação da infância e adolescência é caótica e apresenta inúmeros desafios para ser
revertida.
É como se existissem duas sociedade. Uma que se indigna com esse
estado de coisas e ruidosamente reclama e o obtém a reforma do
discurso oficial, inclusive em um dos domínios mais bem guardados e
estruturados e guardados da tradição institucional brasileira: o
domínio jurídico-judiciário. Enquanto isso, a outra resiste, sub-reptícia
e obstinadamente ao novo modelo, acusado, velada ou abertamente, de
proteger “menores”, “pivetes”, “trombadinhas”. Quanto a estes, não os
reconhece como legítimas crianças e adolescentes, considerando-os,
ao contrário, inimigos precoces do bem público, que é preciso conter
precocemente, tirando-os de circulação, não importa como. (Rizzini e
Pilotti orgs., 2011, p. 324).
51
Disponível em <http://www.direitoshumanos.gov.br/.>Acesso Nov. 2011. 52
“Infelizmente, não são casos isolados. Trata-se de uma política de Estado de extermínio da população
negra, que criminaliza a pobreza e de modo racista aponta os que devem ser exterminados (as).” Ver
dados: < http://www.lsr-cit.org/anti-racismo/37-anti-racismo/1166-poder-ao-povo-negro-a-juventude-e-
trabalhadoresas-racistas-nao-passarao > Acesso em: 13/11/2014.
95
Os reflexos da assistência ao pobre no país criaram estereótipos dos mesmos
como viciados, ignorantes, vagabundos, promíscuos, revoltados e que deveriam ser
vigiados pela ordem pública. A família pobre foi entendida como incapaz de cuidar de
si e dos filhos,o que preocupava o Estado e as elites que precisavam de capital humano
para “desenvolver” o país. “Submete, pois, a família pobre à heteronomia, ao mesmo
tempo em que lhe atribui uma pesada carga de responsabilidades” (Idem, pg.325). O
primeiro desafio a ser superado na sociedade, e por parte dos profissionais que
trabalham diretamente com as famílias pobres, seria o de refletir e mudar a postura de
relacionar pobreza e irregularidade social. Como se a mesma a gerasse. Ao se ter clareza
que a classe trabalhadora é explorada pela elite burguesa, que é a mesma que governa o
Estado, se percebe que o controle do pobre e da sua família é indispensável para
manutenção do status quo, da própria sociedade capitalista.
Ainda, muitos podem pensar que as famílias atendidas nos abrigos não são
trabalhadoras. São automaticamente caracterizadas como preguiçosas sustentadas pelos
benefícios do governo, que mesmo com a “colher de chá” de não precisar trabalhar,
violam os direitos dos filhos. Primeiramente, como evidenciado anteriormente neste
trabalho, os benefícios do governo não são uma caridade, são sim fruto de concessão
estatal para conter o potencial revolucionário da classe trabalhadora mas, sobretudo,
são fruto de muita luta dos trabalhadores organizados. Estar desempregado, na
sociedade em que vivemos é essencial para manutenção do sistema. Em Rio das Ostras,
com o estabelecimento da indústria do petróleo na região precisam-se cada vez menos
trabalhadores (e de alta qualificação técnica não oferecida de forma pública), graças ao
progresso do maquinismo, à modernização da indústria, etc., com este aperfeiçoamento
muitos trabalhadores ficam desempregados e formam o chamado exército industrial de
reserva. Estes são essenciais ao Capital, principalmente em tempos de crise, para
desestimular a organização dos trabalhadores ativos e manter seus salários baixos ou
sem aumentos53
. Por fim, o discurso moralista e preconceituoso em relação às famílias
pobres não se sustenta.
53
"Quanto mais a riqueza social crescer… mais numerosa é a sobrepopulação comparativamente ao
exército de reserva industrial. Quanto mais este exército de reserva aumenta comparativamente ao
exército ativo do trabalho e mais massiva é a sobrepopulação permanente, mais estas camadas compartem
a sorte de Lázaro e quanto o exército de reserva é mais crescente, mais grande é a pauperização oficial.
Esta é a lei geral, absoluta da acumulação capitalista." (Marx, O Capital, Tomo 3. disponível em:<
http://www.marxists.org/portugues/marx/1868/03/28-ga.htm> Acesso em 13/11/2014).
96
O Estado liberal precisava, para acumulação capitalista, controlar a classe
trabalhadora por isso se iniciou a ingerência do Estado na esfera familiar. A questão
higienista, como mostrada anteriormente neste estudo serviu para além do controle da
família pobre, buscou substituir a educação do cotidiano e particular para uma educação
escolar/formal voltada para o mercado de trabalho, para formação de capital humano. E
essa política saneadora, operada pela vertente judiciário e pelos técnicos (assistentes
sociais, psiquiatras, psicólogos, pedagogos e etc), encontrou nas crianças/adolescentes
uma forma de exercer poder externo sobre as famílias.
Os filhos passam, então, a funcionar como reféns da boa conduta dos
pais, pois o abandono moral, mais que um fato, é uma presunção.
Crianças e adolescentes moralmente abandonados permitem
vislumbrar a irregularidade nos bastidores da família. Propiciam, pois,
às políticas de controle social as oportunidades de que estas
necessitam para transformar a família num módulo padrão da
sociedade, sujeito a uma regulação normalizadora. (Rizzini e Pilotti
orgs., 2011, p. 328).
A política de institucionalização de menores, como todos os seus aparatos, foi
gestada neste cenário, ocultando a dimensão política das desigualdades sociais. Com
todos os avanços no entendimento e tratamento as crianças e adolescentes pós ECA, um
grande desafio para os profissionais da área seria não reproduzir modelos e restrições no
estilo penitenciário aplicado aos adultos. A cultura de institucionalização deve ser
extirpada da sociedade.
Para além de todas as tentativas de reformulação da assistência à
infância e adolescência no Brasil, a cultura institucional, assim
configurada, logrou uma inércia considerável. Transformou-se numa
espécie de lugar comum perverso, tanto mais difícil de extirpar,
quanto maiores os benefícios, econômicos ou políticos-clientelísticos,
desse grande negócio que se converteu o assistencialismo, na sua
vertente pública ou privada. (Idem, p. 329).
Os desafios são muitos, mesmo com a mudança nas políticas de proteção a
infância e adolescência. Para Rio das Ostras e de forma geral, o desafio de resignificar
a concepção de abrigo, para lugar de proteção e não de opressão e privação de direitos,
deve ser operacionalizado na prática. O Abrigo tem em si mesmo a contradição de ser
um lugar de afeto e proteção, não deixa de se ter certo grau de confinamento, por isso
quantas mais ações tomadas para garantir a convivência familiar e comunitária e a
brevidade da medida mais os direitos das crianças e adolescentes serão assegurados e
menos traumas impostos. E nos casos em que o acolhido ficar na instituição até
97
completar 18 anos deve ser propiciada a criança/adolescente um ambiente saudável para
tratamento do trauma e sua formação enquanto sujeito, e preparação para a vida adulta.
Rizzini (2006) em sua pesquisa identificou limites institucionais (dos abrigos),
muitos deles também foram apontados nas entrevistas da Pesquisa de Campo como
limites e desafios institucionais do Abrigo Municipal de Rio das Ostras.
Incertezas frente às mudanças governamentais. Não se acredita que o
Abrigo possa ser fechado por algum governo, pela demanda real para que
ele exista. Porém, pode não ser privilegiado pela gestão. Como no caso
da construção do novo abrigo ter sido adiada, e não noticiada nova data
de inauguração. Era para estar pronto em dezembro de 2014, mas foi
mera propaganda política.
Falta de equipamentos municipais e até regionais para atendimentos
específicos, como por exemplo, nos casos de abuso sexual, psicoterapia,
outras abordagens para uso abusivo de álcool e drogas, gravidez na
adolescência e etc. Quando tem o serviço no município a oferta é menor
que a procura, por isso a equipe técnica realiza reuniões e visitas
institucionais para sensibilizar as equipes da importância dos casos
encaminhados pelo Abrigo receberem prioridade.
Problemas de articulação na rede de atendimento. Com a iniciativa das
reuniões de rede, orquestrada pelo Ministério Público, o diálogo entre os
diversos atores da rede de proteção ficou mais fluente. Pode-se organizar
o fluxo de atendimento, e principalmente estreitar laços para minimizar
os erros nos atendimentos.
Em Rio das Ostras o maior problema com a rede é com o Conselho
Tutelar, como apontado anteriormente neste trabalho. Em entrevista com
a coordenação do Abrigo, foi exposto que em 2015 será construído um
novo Conselho na cidade, que contará com dois, um no Bairro Extensão
do Bosque e o outro em local a ser escolhido depois da ponte do
Costazul. Com o crescimento populacional, um Conselho não estava
conseguindo acompanhar todas as crianças em situação de risco no
município. Espera-se, que com menos sobrecarga de trabalho, a relação
com entre CT e Abrigo seja mais afinada (com bastante troca de
informações e clareza das atividades feitas).
98
Dificuldade em encaminhar todos os acolhidos, que possuem perfil,
principalmente os adolescentes no projeto de apadrinhamento afetivo. Há
de se buscar estratégias para não ser negado aos adolescentes o direito a
convivência de uma família, para que possa chegar à idade adulta sem
drásticas rupturas na sua vida.
Outro grande desafio são crianças/adolescentes com deficiência, ou que
demandem cuidados especiais. Recentemente no Abrigo tiveram casos de
uma adolescente com transtornos mentais graves e uma que teve 90% do
corpo queimado. A instituição não tinha recursos físicos para oferecer os
cuidados necessários, por exemplo, a sala da equipe técnica foi
transformada em um quarto para adolescente que teve o corpo queimado,
pois a mesma corria o risco de ter infecções. Esses tipos de demandas
reservam dificuldade além das socioeconômicas, pois geram demandas
que dependem exclusivamente de intervenções de diversos setores. As
respostas para esses casos dependem da existência de equipamentos
municipais e uma rede bem articulado. Em Rio das Ostras existe o
Centro de Reabilitação – CR, que é uma unidade pública de efetivação
do serviço de reabilitação total ou parcial de pessoas com deficiência no
município. O CR trabalha em parceria com o Abrigo, porém a demanda
supera a oferta de vagas, onde às vezes tem-se que recorrer a outros
municípios ou a rede privada.
Segundo os dados que compõem o mais recente censo do MCA54
,
referente ao período de implementação do sistema até a data de corte
25/05/2007 e 30/06/2014, 56 acolhidos foram reintegrados a família
nuclear, sete foram integrados a família substituta e 2 (dois) a família
extensa55
. Foram contabilizados56
, seis casos de reinstitucionalização no
período de 2012 até fevereiro de 2013. Retorno este, seja de família
natural ou adotante. Visto que a capacidade do abrigo de Rio das Ostras é
54
Mais informações < http://mca.mp.rj.gov.br/wp-content/uploads/2014/09/censo_municipios.pdf>
acesso em 13/11/2014. 55
Estima-se que esse números sejam ainda maiores, pois nem sempre o sistema de onde foram retiradas
as informações do gráfico estejam atualizados corretamente. Pois, só na pesquisa de campo,no período de
2013 a outubro de 2014 foram 27 acolhidos reintegrados a família nuclear, 10 reintegrados a família
extensa e 1 adotado. 56
Pesquisa realizada pela estagiária Marinna Brandão Bastos, no período de estágio curricular obrigatório
no Abrigo Municipal de Rio das Ostras.
99
pequena, acolhendo no máximo 16 crianças, um índice de seis
reinstitucionalizações é preocupante, representa um movimento da
realidade. Por que tantas crianças e adolescentes retornam ao
acolhimento institucional? Vários elementos e hipóteses podem ser
atribuídos a este movimento: a realidade social mais ampla pode estar
interferindo no papel parental das famílias, ou seja, no cuidado com os
filhos; as ações desenvolvidas pela equipe interdisciplinar, não estão
sendo capazes de reverter os motivos do acolhimento; o processo de
desligamento da instituição, não está ocorrendo de forma gradativa,
como primado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no seu
artigo 92 inciso VIII. Sobre essa questão estudos mais profundo devem
ser elaborados.
Um desafio de Rio das Ostras e nacional é fomentar a adoção de crianças
e adolescentes. Segundo o site do Conselho Nacional de Justiça57
existem
5638 crianças/adolescentes no Cadastro Nacional de Adoção, em
contrapartida existem 32761 pretendentes a adoção. Porque então
existem crianças na fila? Muitos elementos estão incididos ai, como a
preferência por adoção de crianças brancas, sem irmão e sem deficiência.
Campanhas de valoração da adoção devem existir de forma contínua, no
âmbito nacional e municipal.
Diante dos desafios listados, e dos muitos mais que existem (que só conhece
quem está inserido na política) pode-se concluir que fortalecer e gestar no país políticas
públicas de apoio sócio-familiar, sustentando uma política de preservação de vínculos
familiares, é urgente e imprescindível.
57
Fonte: <http://www.cnj.jus.br/cna/publico/>. Acesso em: 13/11/2014.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse estudo buscou-se problematizar a institucionalização de crianças e
adolescentes no abrigo municipal de Rio das Ostras com o objetivo de desvelar os
motivos que contribuíram para a criação de um ambiente favorável a institucionalização
de crianças e adolescentes no município. Através do debate de categorias importantes
como “família”, “infância e adolescência”, “sociedade burguesa”, “questão social” e
“políticas públicas”, também se procurou perceber se existe uma política eficaz para
crianças e adolescente no Brasil, e se o município de Rio das Ostras consegue garantir
uma política pública de acolhimento institucional de qualidade.
Como pontuado nesse trabalho, uma perspectiva crítica de análise entende o
instituto da família como uma totalidade inserida em processos históricos e sociais,
portanto, sua estrutura não é fixa e nem pode ser naturalizada. O modelo de família
ainda hegemônico é a de casal com filhos (nuclear), mas como visto, vem perdendo
considerável espaço para as mais diversas formas de arranjos familiares. Indo de
encontro à ideia de família como uma estrutura fixa, atestando sua mutabilidade
histórica.
O cuidado com as crianças e o sentimento de família, como visto no presente
estudo, é um fenômeno moderno instaurado a partir do século XVII. Nos séculos XVIII
e XIX a preocupação com a saúde educação dos filhos passa a ser preocupação dos pais.
Antes a família não possui função afetiva e nem socializadora, era uma unidade de
proteção cujas crianças eram socializadas enquanto ajudavam no trabalho, ou seja, na
sobrevivência da própria família. Então, a partir do século XVIII a família não é apenas
uma unidade de sobrevivência, mas local de refúgio e afetividade. No século XX
começa a se consolidar, com maior incidência nas classes mais pobres, os vínculos
familiares sendo definidos por relações de afeto. As classes mais abastadas, nesse
sentido, dariam maior importância às relações de parentesco por motivo de divisão dos
bens de herança. Família então começa a ser encarada não apenas em consideração aos
laços consanguíneos, mas também em relação aos laços de afeto. Em que se consideram
aqueles com quem se pode “contar”, aqueles com que se têm obrigações morais.
101
Também foi visto como ao longo da história o Estado vem exercendo o controle
social da família pobre e de seus membros, onde suas crianças foram tidas como um
perigo para a sociedade, mesmo quando foram encaradas como importante capital
humano para o desenvolvimento capitalista. Se, com o advento da propriedade privada,
surge o patriarcado e a família monogâmica com fins de assegurar os direitos de
linhagem (herança) e a não divisão do patrimônio; a manutenção da família
monogâmica, hoje configurada hegemonicamente de forma nuclear burguesa, serve a
manutenção da propriedade privada na sociedade, por isso a família precisa ser bem
vigiada pelo aparato estatal. Nunca seria de interesse das classes dominantes que a
função socializadora da família, suscitasse uma ideologia emancipatória e contestadora
da realidade burguesa. Logo o controle da família, por parte do Estado é vital para
manutenção da propriedade privada e da própria sociedade capitalista;
Desse modo, as crianças e adolescentes transformaram-se, nos meios
operários, sobretudo urbanos, não apenas no objeto dos cuidados e da
intervenção higienista patrocinada pelo Estado, mas num canal de
acesso e controle, por meio do qual era possível penetrar nas famílias
para conferir-lhes o padrão desejado. (Rizzini e Pilotti, 2011,p. 327).
Por outro lado, a prática de acolher crianças/adolescentes não é nova no país, e
como a família, esta vem mudando. A institucionalização da infância e adolescência
advém das primeiras rodas dos expostos no século XIX; o que veio se modificando foi a
sua finalidade e concepção. Desta forma, a dinâmica social não permite o fim da prática
do acolhimento institucional, apenas sua modificação.
Com a retomada democrática a partir da década de 1980 e a promulgação do
ECA na década de 1990, foi instituída um novo paradigma para se entender a infância e
a adolescência: como sujeitos de direito com garantia de proteção integral enquanto
sujeitos em desenvolvimento. Objetivou-se equalizar as visões da infância e juventude,
pois até então a criança pobre era entendida pejorativamente como “menor” e o filho
das classes abastadas, este sim, era a criança que merecia proteção e cuidado.
Para essa proteção social das crianças e adolescentes, postulada nas legislações
pós-constituição de 1998, se pressupõe todo um sistema de garantia de direitos, onde se
encontram os maiores desafios. Visto que, com a manutenção de uma elevada
desigualdade de renda no país, somada a uma orientação política do Estado que faz com
que as políticas sociais tenham pouca intersetorialidade, reflete-se na criação de cada
102
vez mais de um ambiente favorável ao constante acolhimento das crianças e
adolescentes em instituições.
Como visto, na contramão da mudança de paradigmas no trato a infância e
adolescência, o Brasil adotou-se o “pacote” neoliberal. O que, incidiu na piora da
qualidade de vida dos trabalhadores e na precarização das políticas sociais. Tais
políticas são importantes, no sentido que permitem as famílias acesso aos direitos
básicos e sociais, auxiliando-as na proteção social dos filhos, que tão duramente delas é
cobrada.
Esse fenômeno serve para a culpabilização e criminalização da família pela sua
incapacidade de não conseguir prover sua sobrevivência (cuidado dos membros) e
integração social, não considerando o contexto mais amplo de acirramento da vida em
tempos de neoliberalismo pós década de 80 que acelerou o processo de empobrecimento
das famílias.
As mazelas e desigualdades geradas pelo capital incidem diretamente nas
famílias. Em tempos de barbárie, o modo de relacionamento familiar muitas vezes se dá
pela violência. Crianças maltratadas são geralmente filhas de pessoas que um dia
sofreram algum tipo de violação de direitos. Como visto a questão da pobreza não
constitui causa obrigatória da violência intrafamiliar, doméstica e da violação dos
direitos das crianças e adolescentes, mas incide no papel parental primário de proteção
social instituído por lei a ela. É fácil apurar famílias violadoras dos direitos das crianças
e adolescentes, difícil é criticar a omissão do Estado em garantir políticas públicas de
qualidade para oferecer suporte para as famílias, para que consigam dar condições dos
filhos se tornarem adultos felizes.
No presente estudo foi exposto, que o acolhimento de crianças e
adolescentes é perpassado pelas expressões da questão social. Na medida em que, tanto
nacionalmente quanto a nível municipal, as condições socioeconômicas das famílias
influem no acolhimento institucional. Em Rio das Ostras, enquanto o “El dourado” e o
crescimento são midiatizados, as periferias continuam desassistidas. Não por falta de
receita municipal, mas por uma gestão dos recursos públicos que não privilegia os
interesses dos trabalhadores e trabalhadoras. Como visto na pesquisa de campo, 93%
dos acolhidos são oriundos de periferias. E, dentre os motivos de acolhimento, foi
problematizado que a maioria pode ser relacionada, em alguma medida, à pobreza.
103
Dessa forma, o colhimento institucional se constitui enquanto uma expressão da questão
social, porque a falta de proteção social se refere a pouca intersetorialidade das políticas
públicas, como saúde, assistência social, educação, ou seja, o parco investimento do
fundo público na seguridade social. Isso se reflete, na criação de cada vez mais um
ambiente favorável ao constante acolhimento das crianças e adolescentes em
instituições. Portanto, o município deve melhor gerir seus recursos, privilegiando os
investimentos em políticas sociais de qualidade.
Alguns questionamentos podem ser traçados: existem políticas eficazes que
atendam as crianças e adolescentes no Brasil? Rio das Ostras consegue garantir uma boa
política de acolhimento às crianças e adolescentes?
Como se mostrou no trabalho, a legislação que trata da questão da infância e
adolescência no país é uma das mais avançadas do mundo. Porém, com o
aprofundamento do neoliberalismo se operou um acirramento das expressões da
“questão social” e uma precarização das políticas públicas. Para efetivação plena desses
direitos se faz necessário pactuar uma maior intersetorialidade dessas políticas e que o
fundo público privilegie mais recursos para a seguridade social.
Dessa forma, no contexto da sociedade brasileira, diante da
impossibilidade de assegurar a ação intersetorial com conexões em
redes, acentuam-se os prejuízos de cobertura e de proteção social, pois
permanece a precarização do atendimento, principalmente para as
acrianças e os adolescentes em condições de vulnerabilidade ou
mesmo vitimizados pelas diferentes formas de violações de direitos e
de violências. (Bidarra, 2009, p. 495).
O trabalho em rede sempre foi um desafio no Abrigo de Rio das Ostras, a equipe
técnica vêm trabalhando no sentido do fortalecimento do trabalho em rede no
município. Para tanto, estratégias foram tomadas como a articulação com o ministério
público para organizar uma reunião mensal, com representantes da rede municipal, para
traçar estratégias de atendimento as situações de violação de direitos das crianças e dos
adolescentes na cidade. Algumas dificuldades no diálogo com algumas instituições
ainda existem, e precisam ser trabalhadas pela equipe técnica. A equipe técnica tem por
desafio traçar estratégias coletivamente para fortalecer essa rede. Também, lutar para
que os equipamentos de apoio, como o Centro de Reabilitação, passem por uma
ampliação de qualidade, para oferecer mais vagas para a demanda crescente.
104
A equipe técnica possui um grande desafio no trabalho de fortalecimentos dos
vínculos familiares, para reinserção no seio familiar (natural ou adotante). Para superar
esse desafio, se propõe a criação de espaços coletivos onde as famílias possam
identificar a coletividade de seus problemas, levando a reflexão, tratamento coletivo dos
traumas e possíveis mudanças. Por conta do pouco tempo de trabalho, que os
profissionais dispõe na instituição (20horas), uma proposta para poder operacionalizar
esses encontros seria o fomento para todos os profissionais da equipe técnica
organizarem um fluxograma detalhado do trabalho e fomento a contínua aceitação de
estagiários, para que possam auxiliar os profissionais na criação de projetos para o
trabalho com as famílias, acolhidos e padrinhos.
Como já foi apontado nesse estudo, o maior de todos os desafios se encontra fora
dos muros da instituição, ou seja, forjar uma sociedade que não deixe pessoas
desassistidas, incapacitadas de cuidar da própria sobrevivência e de outrem. Construir
uma sociedade em que não haja a cultura de institucionalização, principalmente das
pessoas pobres e negras. Atualmente, no capitalismo, a realidade é outra, a tendência é
que cada vez aumente a demanda para o acolhimento institucional de crianças e
adolescentes. Por isso, os profissionais que atuam na área da infância e adolescência
institucionalizada devem lançar mão de suas capacidades ético-políticas, teórico-
metodológicas e técnico operativas para lutarem no âmbito macro social e no cotidiano
do seu trabalho pelos direitos desses sujeitos e pela construção de uma nova sociedade.
105
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BANDEIRA, Regina. Resolução que disciplina a atuação dos cartórios no
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112
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12/11/2014.
CARDOSO, Miriam Limoeiro. Capitalismo Dependente, Autocracia Burguesa e
Revolução Social em Florestan Fernandes. Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo. 1995. Disponível em <
http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/limoeirocardosoflorestan1.pdf/view > Acesso:
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CARTA CAPITAL. Falta de creches é um dos principais problemas para mulheres.
Disponível em < http://www.cartacapital.com.br/sociedade/falta-de-creches-e-um-dos-
principais-problemas-para-mulheres/ > acesso 12/11/2014. Postado em 2012.
NOTÍCIAS PORTAL DA PREFEITURA DE RIO DAS OSTRAS. Novo Abrigo
Municipal vai atender às normas técnicas. Disponível em:
<http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia2108.html> acesso em 10/11/2014.
PORTAL DA PREFEITRA DE RIO DAS OSTRAS. Dados do município. Disponível
em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/dados-do-municipio.html> Acesso em
10/11/2014 .
PORTAL DA PREFEITURA DE RIO DAS OSTRAS. Jornal Oficial. Disponível em:
<http://www.riodasostras.rj.gov.br/download/jornal-oficial/files/645.pdf> Acesso em
10/11/2014.
PORTAL DA PREFEITURA DE RIO DAS OSTRAS. Rio das Ostras vai ganhar
novas creches em 2015. Disponível em:
<http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia2101.html> Acesso em: 12/11/2014..
PRÊMIO CNMP 2013. Módulo Criança e Adolescente – MCA MP-RJ. Disponível
em: < http://www.cnmp.mp.br/premio/premiados/31:modulo-crianca-e-adolescente-
mca>, acesso em 24 de novembro de 2014.
TEIXEIRA,Paulo Augusto Souza, PINTO, Andréia Soares, MORAES, Orlinda
Claudia R. (ogs.). Dossiê Mulher 2012. Instituto de Segurança Pública . 2012. Versão
digital disponível < www.isp.rj.gov.br >Acesso em: 12/11/2014
113
WOODS, Alan. Civilização, barbárie e a visão marxista da história. Disponível em
< http://www.marxismo.org.br/content/civilizacao-barbarie-e-visao-marxista-da-
historia> Acesso em 24/11/2014. Elaborado em junho de 2002, postado em 21/01/2013.
114
ANEXOS
115
ANEXO A
PESQUISA DE CAMPO
ROTEIRO DE PESQUISA INSTITUCIONAL
INSTITUIÇÃO:
1. Caráter ________________________________________________
2. Desde quando funciona ___________________________________
3. Equipe profissional_______________________________________
4. Equipe técnica __________________________________________
5. Objetivos ______________________________________________
6. Público alvo ___________________________________________
7. Infra estrutura __________________________________________
a. Quantos e quais cômodos _________________________________________
b. Infra para equipe ________________________________________________
c. Transporte institucional (quantos) ___________________________________
d. Telefone, internet, celular __________________________________________
e. Outros __________________________________________________________
8. Projetos desenvolvidos na instituição (quantos e quais)_______________________
9. Trabalho de rede (como é a articulação com as instituições com as quais deve trabalhar
– CT, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, Ministério Público e Juizado,
Educação (Escolas, Secretaria, Projetos e Universidade), Saúde (Hospital, Pronto
Socorro, Postos de Saúde) e Lazer (Projetos Sociais, Esportes). Secretaria de Segurança.
ACOLHIDO (perfil) - atualmente
1. Quantos acolhidos
2. Sexo
3. Idade
4. Cor
5. Origem (cidade, bairro)
6. Motivos do acolhimento:
a. Financeiro
b. Violência
7. Tempo de acolhimento
8. Tem família, recebem visita
9. Quantos estão no cadastro de adoção
10. Quantos foram adotados no último ano
11. Quantos voltaram para a família
12. Mantém contato com a família
116
ANEXO B
ROTEIRO - ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS (GRAVADO)
Profissional __________________________________
Quanto tempo de vínculo ___________________________
Como é o vínculo (concursado, contratado, comissionado. Quantas horas)
___________________________________
1. Quais atividades desenvolve no Abrigo
2. Há incompatibilidade entre estas atividades e suas atribuições profissionais
3. Você desenvolve ou participa de algum projeto dentro do Abrigo
4. Há trabalho em equipe e como é feito (dentro da instituição, com os outros
profissionais)
5. Como é o trabalho em REDE (funciona? Quais as instituições do município que
vocês tem maior dificuldade de acesso?)
6. Como você identifica a contribuição da sua profissão para o acolhimento de
crianças e adolescentes em R.O (Aprofundar a questão com o assistente social)
7. Quais os limites e desafios (potencialidades) para o acolhimento de crianças e
adolescentes em R.O
8. Tem alguma questão que você deseja falar
117
ANEXO C
ROTEIRO - ENTREVISTA COM COORDENAÇÃO (GRAVADO)
Cargo/função__________________________________
Quanto tempo de vínculo ___________________________
Como é o vínculo (concursado, contratado, comissionado. Quantas horas)
___________________________________
1. Quais as atribuições de um coordenador
2. Que projetos são desenvolvidos atualmente no Abrigo
3. Como é o trabalho em REDE (funciona? Quais as instituições do município que
vocês tem maior dificuldade de acesso?)
4. Quais os limites e desafios (potencialidades) para o acolhimento de crianças e
adolescentes em R.O
5. Você considera que o abrigo atende as demandas da cidade
6. Tem alguma questão que você deseja falar