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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE UFF FACULDADE FEDERAL DE RIO DAS OSTRAS INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL MARINNA BRANDÃO BASTOS El Dourado, Favelização e Institucionalização: As Faces do Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes em Rio Das Ostras. Rio das Ostras RJ Dezembro de 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF

FACULDADE FEDERAL DE RIO DAS OSTRAS

INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE

DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

MARINNA BRANDÃO BASTOS

El Dourado, Favelização e Institucionalização: As Faces do Acolhimento

Institucional de Crianças e Adolescentes em Rio Das Ostras.

Rio das Ostras – RJ

Dezembro de 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF

FACULDADE FEDERAL DE RIO DAS OSTRAS

INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE

DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

MARINNA BRANDÃO BASTOS

EL DOURADO, FAVELIZAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO: AS FACES DO

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM

RIO DAS OSTRAS.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Federal Fluminense como

requisito parcial para a obtenção de título de

Bacharel em Serviço Social.

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Raimunda Penha Soares

Rio das Ostras – RJ

Dezembro de 2014

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MARINNA BRANDÃO BASTOS

El Dourado, Favelização e Institucionalização: As Faces do Acolhimento

Institucional de Crianças e Adolescentes em Rio Das Ostras.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Federal Fluminense como

requisito parcial para a obtenção de título de

Bacharel em Serviço Social.

Aprovado em 9 de dezembro de 2014.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________

Profa. Dra. Maria Raimunda Penha Soares (Orientadora)

UFF

___________________________________________________

Prof. Dr. Juan Retana Jimenez

UFF

___________________________________________________

Profa. Ma. Antoniana Dias Defilippo Bigogno

UFF

Rio das Ostras – RJ

Maio de 2014

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Dedica-se este trabalho a todas as crianças

e adolescentes que estão em abrigos e,

apesar das adversidades, ainda sonham por

uma vida melhor e, a todos aqueles que, de

alguma forma, contribuem para que esse

sonho se torne realidade. Como também, a

aqueles que lutam pela construção de uma

sociedade para todos.

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AGRADECIMENTOS

Nessa trajetória acadêmica e de vida muito tenho que agradecer a todos que de

alguma forma contribuíram para que o meu sonho de formação profissional em Serviço

Social se concretiza-se. É com muita emoção, que busquei agradecer a todos que

permitiram a realização deste trabalho. De forma sucinta, tentarei abarcar todos que me

são caros nesta conquista e que me deixam muito honrada por terem feito parte da

minha caminhada.

À Cida e Reginaldo, meus queridos e amados pais, por estarem sempre do meu

lado me apoiando de todas as formas possíveis. Vocês são o exemplo de amor e

afetividade que busco reproduzir na minha vida. Obrigado pela admiração, respeito e

companheirismo.

À Mainha minha tia/madrinha/avó, por ser o porto seguro da minha existência e

por não medir esforços em me fazer feliz.

À toda família Bastos, Brandão e qual sobrenome que seja ( a família é tão

grande que se complexificou) que, com muito carinho e apoio, me permitiram chegar

até esta etapa de minha vida. Tios, tias, primos, primas, avôs e avós (in memorian) amo

vocês.

Ao meu companheiro Leonardo, que como a palavra sugere está presente em

todos os momentos da minha vida e me apoia acima de tudo. Obrigado por embelezar

os meus dias. Te amo.

Á família do meu companheiro, por me acolher com tanto carinho e me fazer

sentir parte de vocês. Gleisi obrigado pelos conhecimentos de inglês.

À amiga/irmã Elaine, por ser a mais pura representação da palavra amizade. A

Leon e Rafaela, a quem amo muito.

Aos amigos queridos e amados, que não pretendo citar para não esquecer

nenhum, por me aturarem nesse período, pelo incentivo, apoio e carinho sempre.

Aos amigos que a faculdade trouxe, e que na minha história se inseriram, sem a

força e alegria de vocês não teria ido até o segundo período. Vocês são 10.

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À turma 11064, que é “muito amor” e jamais pretendo perder contato. Levarei

sempre na memória.

Aos companheiros e amigos de luta da LSR, que preenchem minha vida de

sentido e como eu acreditam que outro mundo é possível.

À querida amiga e supervisora de estágio Mirella, que com tanta generosidade

compartilhou seus conhecimentos comigo e fomentou o interesse pelo tema de

acolhimento institucional de crianças e adolescentes.

À equipe do Abrigo Municipal de Rio das Ostras, Tiago, Queila, Érica, Juliana,

Eliara, Edilene, Cida, Dona Jô e muitos outros, obrigado por me fazerem sentir tão bem

recebida, pelo apoio e pelos ensinamentos. À Fernanda, colega de curso que fez estágio

junto comigo e que sempre foi companheira.

Às crianças e adolescentes acolhidas em Rio das Ostras, que muito me

ensinaram.

Aos queridos professores da UFF Rio das Ostras, que na vivência cotidiana

propiciaram as ferramentas necessárias para realização deste tcc, em especial a minha

orientadora Raimunda, pela paciência na orientação, generosidade e incentivo que

tornaram possível a conclusão deste trabalho.

Á Juan e Antoniana, por terem aceitado participar desta fase da minha vida.

Obrigado pelo tempo.

À Deus e Meishu Sama, por acreditar numa existência de luz de infinito amor,

que nos ampara, guia e almeja um mundo de felicidade para todos.

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“Garantir o direito à sobrevivência é

fundamental, mas é só o primeiro passo.

Ninguém quer apenas sobreviver.”

(Pedro Demo)

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RESUMO

Este trabalho tem o intuito de expor elementos para a problematização da

política de acolhimento institucional de crianças e adolescentes em Rio das Ostras. Ao

analisar tal cenário, por meio de pesquisa bibliográfica, documental e de campo,

buscou-se apreender os motivos que contribuíram para a criação de um ambiente

favorável a institucionalização de crianças e adolescentes em Rio das Ostras. Através de

uma análise social e histórica, à luz de uma concepção crítica, aborda a discussão da

instituição família e sua configuração na sociedade burguesa e a transformação de

crianças e adolescentes em sujeitos de direitos. Também realiza uma correlação entre

infância e adolescência e questão social no Brasil, na busca para entender o que foi

mudando na prática de abandonar e de institucionalizar crianças no país, privilegiando a

política institucional de acolhimento de crianças e adolescentes em Abrigos, com foco

no cenário da política de acolhimento em Rio das Ostras. Conclui que, em termos

neoliberais, com a precarização da vida dos trabalhadores e de ataques aos direitos

sociais, a intersetorialidade entre as políticas públicas é comprometida, o que gera cada

vez mais um ambiente favorável à institucionalização de crianças e adolescestes em

abrigos. No município de Rio das Ostras, tal realidade se confirma, apontando algumas

particularidades. Desta forma, os profissionais que trabalham com as políticas sociais,

devem estar sempre lutando e criando estratégias para enfrentamento destas questões.

Palavras-chave: Criança e adolescente; família; direitos; questão social; acolhimento

institucional.

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ABSTRACT

This study aims to explain the elements of the political problematic around the

children and adolescent sheltering in the city of Rio das Ostras. Analyzing this scenario

as per herewith bibliography, documental and field researches, it was intended to

understand the reasons that contributes to originate a favorable environment for the

institutionalization of children and adolescent in the district of Rio das Ostras. Through

a social and historical analysis, within a critical concept reflection, this study

approaches a discussion of the family constitution and its aspects in the burgess society

and also the modification of children and adolescents into citizen people. This study

also make a correlation between childhood and adolescence and the social issue in

Brazil, with the aim to understand what has changed in terms of abandonment and

practices of institutionalization of children in the country, favored by the institutional

politics of sheltering children and adolescents and focused on the politics scenario in the

district of Rio das Ostras. It can be conclude that in terms neoliberal, with the life

precariousness of the laborers and the attack of the social rights, the intersectoral

approach of the public politics is compromised, what creates much more an

environment favored for the institutionalization of children and adolescents in shelters.

In the district of Rio das Ostras this reality is confirmed, appointing some singularities.

Therefore, the professionals that work with social politics, must be always chasing and

creating strategies to face these issues.

Key words: children and adolescents; family; rights; social issue; institutional

sheltering.

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LISTA DE SIGLAS

CF – Constituição Federal

CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social

CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

CRAS – Centro de Referencia de Assistência Social

CREAS – Centro de Referencia Especializada de Assistência Social

CT – Conselho Tutelar

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor

FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor

IDHAD – Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

MCA – Módulo da Criança e do Adolescente

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

NOB – Norma Operacional Básica

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios

PNAS – Política Nacional de Assistência Social

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PNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Menor

PNCFC – Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

SAM – Serviço de Assistência do Menor

SEMBES – Secretaria Municipal de Bem-Estar Social

SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação

SIPIA – Sistema de Informações para a Infância e a Adolescência

SIS - Síntese de Indicadores Sociais

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................14

I A FAMÍLIA NA SOCIEDADE BURGUESA E A TRANSFORMAÇÃO DE

CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SUJEITOS DE

DIREITOS......................................................................................................................17

1.1 Algumas considerações históricas sobre a origem da

família..............................................................................................................................17

1.2 Família na sociedade burguesa..................................................................................23

1.3 A inserção da criança e do adolescente no contexto familiar e sua transformação em

sujeitos de direitos/mudanças de paradigmas na visão da infância e adolescência com a

Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente........................38

II INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E QUESTÃO SOCIAL NO

BRASIL..........................................................................................................................44

2.1 Considerações sobre a prática de abandonar crianças no

Brasil................................................................................................................................44

2.2 Expressões da questão social que atravessam o abandono de crianças e adolescência

no Brasil contemporâneo/o papel do Estado na intervenção junto a infância e

adolescência no Brasil das instituições totais aos

Abrigos............................................................................................................................50

2.3 A política de acolhimento institucional de crianças e adolescentes em abrigos.......56

III ANÁLISE DO CENÁRIO ATUAL DA POLÍTICA DE ACOLHIMENTO

INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ABRIGO

MUNICIPAL DE RIO DAS

OSTRAS.........................................................................................................................67

3.1 Expressões da questão social ligadas ao abandono de crianças e adolescentes em Rio

das Ostras.........................................................................................................................67

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3.2 Desafios para assegurar os direitos das crianças e adolescentes a convivência

familiar e comunitária no município de Rio das Ostras..................................................94

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................100

REFERÊNCIAS............................................................................................................105

MATERIAIS OBTIDOS POR MEIOS ELETRÔNICOS.............................................110

ANEXO A.....................................................................................................................115

ANEXO B......................................................................................................................116

ANEXO C......................................................................................................................117

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INTRODUÇÃO

Esse trabalho surgiu com o intuito de problematizar a institucionalização de

crianças e adolescentes no Abrigo Municipal de Rio das Ostras. Para assim entender os

motivos que contribuem para a criação de um ambiente favorável a institucionalização

de crianças e adolescentes no município. O interesse no tema surgiu através da inserção

no estágio curricular no Abrigo Municipal de Rio das Ostras, no período de setembro de

2011 a agosto de 2013, sob a supervisão de campo da assistente social Mirella Barreto

Sampaio. Através da experiência de estágio várias problemáticas transpareceram: O que

leva a institucionalização de crianças e adolescentes em Rio das Ostras? Como se

desenvolve a política pública de acolhimento institucional no país, especialmente no

município?

O período de estágio realizado no Abrigo, foi um motivo particular para o

aprofundamento teórico sobre o tema da institucionalização de crianças e adolescentes

no Brasil. A historiografia brasileira evidencia que as questões relacionadas à criança e

ao adolescente foram tratadas no âmbito da caridade, principalmente por parte da igreja

católica. Mais tarde, no início do século XX, com o aprofundamento das relações

capitalistas no Brasil e por isso da questão social, o “menor” foi visto como ameaça

sendo tratado e internado em instituições de caráter disciplinador, que não se

preocupavam em restabelecer vínculos familiares. Somente com a promulgação do

Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em 1990, graças a uma série de mudanças

na organização social, política e econômica do país e a partir das reivindicações dos

movimentos sociais organizados as crianças e adolescentes passaram a ser concebidos

como sujeito de direitos: à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à

convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à

profissionalização e à proteção no trabalho. Quando os direitos das crianças e

adolescentes são violados, há medidas específicas de proteção a serem aplicadas, a VII

delas (art. 101 do ECA) é o acolhimento institucional (em abrigos). Acolhimento este

que não se constitui em um castigo – privação de liberdade – e tem caráter provisório,

entre a transição para reintegração familiar ou não, sendo esta possível integração em

família substituta – adoção. Uma tarefa de suma importância social, prática e acadêmica

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é transformar a conotação repressiva que os abrigos herdaram, operando para que se

tornem locais privilegiados para se trabalhar qualitativamente no fortalecimento dos

vínculos familiares e da convivência comunitária.

Tendo por base uma concepção crítica, partindo do método histórico dialético,

articulando a categoria mediação1, se objetivou desvendar a mera aparência do

fenômeno da violação de direitos das crianças e adolescentes e sua consequente

institucionalização. O marco teórico é demarcado no sentido de deixar claro para o

leitor, que não se parte de uma perspectiva que se esgota na aparência dos fenômenos

sociais, naturalizando-os, e sim busca compreender a essência do movimento do real.

Dessa forma, esse trabalho de conclusão de curso visa a construção de conhecimento

científico crítico sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes em Rio

das Ostras. Buscando analisar tal política e os fatores que incidem no(s) motivo(s) de

crianças e adolescentes serem acolhidos. É sempre importante a discussão, em âmbito

acadêmico, sobre políticas públicas de qualquer natureza, sobretudo no que diz respeito

à política que atende a violação de direitos da infância e juventude, pois tal expressão da

questão social é a face mais dura das contradições postas pelo sistema capitalista.

Para construção do presente estudo: foi efetuada pesquisa bibliográfica, com

apropriação da literatura específica ao assunto; pesquisa documental através do acesso

aos documentos do Abrigo Municipal de Rio das Ostras por meio de pesquisa de

campo, e de sites da internet; aplicação de entrevista aos profissionais da equipe técnica

e coordenação da instituição.

Pela pesquisa bibliográfica (livros, teses, monografias, artigos), de autores da

vertente crítica que serão apresentados ao longo do trabalho, tivemos a possibilidade de

enriquecer o conhecimento sobre família, infância e adolescência no mundo e no Brasil,

bem como as formas de tratamento e proteção destinadas a essa fase de

desenvolvimento dos sujeitos. Também foi possível iluminar, carregar de sentido e

embasamento os dados e informações colhidos na pesquisa documental e entrevistas.

Realizando uma leitura não neutra, que pode realmente contribuir para o desvelamento,

1 A captura pela razão dos sistemas de mediações (ocultos sob os fatos sociais) permite por aproximações

sucessivas ir-se negando à factualidade/imediaticidade, e desvelar-se as forças e processos que

determinam a gênese(nascimento) e o modo de ser (funcionamento) dos complexos e fenômenos que

existem em uma determinada sociedade. (Pontes, 2000 p.42).

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a essência, do cenário atual do acolhimento institucional de crianças e adolescentes em

Rio das Ostras.

O trabalho foi estruturado em três capítulos: No capítulo 1 – A família na

sociedade burguesa e a transformação de crianças e adolescentes em sujeitos de direitos

– Foram discutidas algumas considerações históricas sobre a origem da família e suas

diferentes configurações, a família na sociedade burguesa e a inserção da criança e do

adolescente no contexto familiar e sua transformação em sujeitos de direitos.

No Capítulo 2 – Infância, Adolescência e Questão Social no Brasil – Foram

tecidas breves considerações sobre a prática de abandonar crianças no Brasil e logo após

as expressões da questão social que atravessam o abandono de crianças e adolescentes

no Brasil contemporâneo. Apontando o papel do Estado na intervenção junto à infância

e adolescência no Brasil ao longo do tempo.

No Capítulo 3 – Análise do cenário atual da política de Acolhimento

Institucional de Crianças e Adolescente no Abrigo Municipal de Rio das Ostras –

Apresenta-se a análise das expressões da questão social ligadas ao abandono de crianças

e adolescentes em Rio das Ostras, bem como os desafios para assegurar os direitos das

crianças e adolescentes a convivência familiar e comunitária no município.

A título de uma análise final foram tecidas algumas considerações sobre o tema

debatido. Pontuando, que a intersetorialidade entre as políticas públicas deve ser

priorizada pelo Estado. Porque em tempos de acirramento da vida se cria cada vez mais

um ambiente favorável ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes em

abrigos, gerando grandes desafios para os profissionais que lidam com a aplicação das

políticas.

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CAPÍTULO 1- A FAMÍLIA NA SOCIEDADE BURGUESA E A

TRANSFORMAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SUJEITOS DE

DIREITOS

1.1 Algumas considerações históricas sobre a origem da família

Problematizar os motivos que contribuíram para a criação de um ambiente

favorável a institucionalização de crianças e adolescentes em Rio das Ostras constitui

um desafio, no sentido que estimula uma multiplicidade de reflexões. Antes de se

analisar a política de Acolhimento Institucional2 de Crianças e Adolescente no Abrigo

Municipal de Rio das Ostras se faz necessário resgatar algumas discussões importantes,

como a origem e o estado atual da instituição família na sociedade burguesa.

Somente nos últimos anos o campo historiográfico rompeu com as rígidas regras

da investigação tradicional, institucional e política, para abordar temas e problemas

vinculados à história social da infância (Ariès, 1981). Tendo por base uma concepção

crítica de análise, partindo do método histórico dialético se buscou didaticamente

entender a evolução da família e as formas de intervenção do Estado para se chegar à

compreensão de como as crianças e adolescentes se transformaram em sujeitos de

direitos.

Não há um consenso na reflexão científica sobre o conceito de família, onde

cada área do conhecimento agrega uma contribuição para sua caracterização e

conceituação. Isso porque uma única disciplina não daria conta de abarcar suas

múltiplas dimensões.

Uma perspectiva crítica de análise entende a família como uma totalidade e

inserida em processos históricos, portanto sua estrutura não é fixa e nem pode ser

naturalizada. A contribuição da Antropologia é que ao relativizar os diferentes arranjos

familiares, nas diferentes sociedades, mostra a diferenciação dos mesmos. Indo contra a

ideia de família como uma estrutura fixa, atestando sua mutabilidade.

2 A Lei 12.010, promulgada em 3 de agosto de 2009, conhecida como a ‘Lei da Adoção’ trata, por

exemplo, de alguns pontos relacionados ao abrigamento de crianças e adolescentes, que passa a ser

chamado de Acolhimento Institucional. A lei altera o nome da medida de “abrigo em entidade”, para

“acolhimento institucional”. Isso reflete em um desafio, para os abrigos, em buscar formas mais

acolhedoras e individualizadas de atendimento.

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Mioto (1997) aponta que a família não se constitui a priori como um “lugar de

felicidade” e sim deve-se entendê-la como um fato cultural e historicamente

determinado. A Engels (2005) traz uma importante contribuição para a reflexão sobre a

evolução da família, pois através da teoria crítica politiza o debate; articulando a

discussão de família como o modelo de organização social (macro societário), o sistema

de produção, e os rebatimentos desse processo no âmbito familiar.

Segundo Ariés (1981), na Idade média as crianças se misturavam aos adultos

aproximadamente aos sete anos de idade, não possuindo noção de passagem para o

mundo adulto. “A família cumpria uma função – assegurava transmissão da vida, dos

bens e dos nomes – mas não penetrava muito longe na sensibilidade” (Ariés, 1981,

p.193).

Segundo Engels (2005) a sociedade teria passado não de forma linear da

promiscuidade, para o casamento grupal, depois para o matriarcado e, com o advento da

propriedade privada, surge o patriarcado e a família monogâmica com fins de assegurar

os direitos de linhagem (herança) e a não-divisão do patrimônio. Por isso, tinha que se

reprimir a sexualidade feminina do grupo.

Engels (2005) acredita que foi com o declínio da sociedade primitiva, segundo a

qual se vivia em um comunismo primitivo e regida por normas maternais, que se deu o

avanço dos grupos e a criação da sociedade contemporânea. A obra de Engels tem como

fonte principal os escritos do historiador Lewis Henry Morgan3. Engels (idem) analisou

os grupos primitivos, conforme comportamentos encontrados nas civilizações da pré-

história da humanidade divididas em três épocas principais: estado selvagem, onde o

matrimônio por grupos era a forma de família; barbárie, relacionado à família

sindiásmica; civilização, relacionado à família monogâmica.4

3 Ancient Society, or Researches In The Lines of Human Progress From Savagery Trought Barbarism to

civilization por Lewis H. Morgan. Londres. Mac Millan and Co. 1877. 4 Quando Engles (2005) descreve o estágio selvagem, barbárie e civilização refere-se a processos de

civilização. Versa sobre o quadro de desenvolvimento da humanidade, de acordo com os progressos

obtidos na produção dos meios de existência. Cada progresso delimita um período histórico.

Resumidamente pode-se esquematizar: Estado Selvagem — Período em que predomina a apropriação de

produtos da natureza, prontos para ser utilizados; as produções artificiais do homem são, sobretudo,

destinadas a facilitar essa apropriação; Barbárie — Período em que aparecem a criação de gado e a

agricultura, e se aprende a incrementar a produção da natureza por meio do trabalho humano; Civilização

— Período em que o homem continua aprendendo a elaborar os produtos naturais, período da indústria

propriamente dita e da arte. O desenvolvimento da família ocorre paralelamente, mas não oferece critérios

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O que cabe destacar é que com tais transformações sociais o homem progrediu

também no que tange a organização familiar, assim houve transições nas formas de

constituição de matrimonio, gerando laços de parentescos essenciais para a

sobrevivência dos grupos. A forma primórdia de matrimonio foi aquela onde não havia

limites para as relações sexuais, onde não existiam restrições impostas pelo costume.

Com os avanços na sociedade surgiu, primeiramente, um sistema de consanguinidade.

A família consanguínea consistiu a primeira etapa da família, nela os grupos conjugais

se classificam por gerações em que apenas os ascendentes e descendes estavam

excluídos do matrimônio. Esse modelo de família desapareceu, cedendo lugar a família

Punaluana (Engels, idem, p.39), onde passa a ser condenável socialmente o incesto

excluindo também os irmãos e irmãs. O impedimento das relações sexuais entre os

irmãos da mesma família foi uma difícil mudança de costumes, esse já muito difundido

em diferentes tipos de sociedades analisadas por Engels (Morgan). Essa restrição de

relações se estendeu até os primos de terceiro grau, a explicação para essa manutenção

do costume era de que as famílias mais tradicionais queriam preservar suas riquezas e

consequentemente faziam com que seus filhos casassem e deixasse a linhagem

preservada.

Ainda segundo Engels (2005) nessa forma de família existia o casamento por

grupos, nos lugares em que imperava a descendência só podia ser estabelecida pelo lado

materno. Então, só se reconhecia a linhagem feminina. Como eram proibidas as relações

sexuais entre os irmãos, o grupo formado pela linhagem materna se tornava uma gens:

[...] constituí-se num círculo fechado de parentes consanguíneos por

linha feminina, que não se podem casar uns com os outros; e, a partir

de então, este círculo se consolida cada vez mais por meio de

instituições comuns, de ordem social e religiosa, que o distingue das

outras gens da mesma tribo. (Engels,2005, p.44).

O autor aponta que entre o estágio selvagem e a barbárie5 o grupo familiar vai se

reduzindo dando origem a família Sindiásmica desenvolvendo-se, sobretudo, na

América. Engels (2005) traz um extenso panorama para exemplificar suas concepções

tão conclusivos, quanto os progressos na forma de gerir a existência, para determinar os períodos

históricos.

5 Quando Engles (2005) descreve o estágio selvagem, barbárie e civilização refere-se a processos de

civilização explicados resumidamente anteriormente. Barbárie, para os marxistas, normalmente, significa

a etapa entre o comunismo primitivo e a primeira sociedade de classes, quando começaram a se formar as

classes e, com elas, o Estado. A barbárie é uma fase de transição, quando a velha comuna se encontra em

estado de decadência e quando as classes e o Estado estão em processo de formação. (Woods, 2002).

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acerca da família Sindiásmica, com suas ramificações e evoluções. O que pode ser

concluído é que ao longo dos anos onde perdurou esse tipo de organização familiar,

foram postas inúmeras restrições aos costumes do homem antigo. O costume que recebe

maior atenção do autor é a poligamia por parte do homem, e no final de suas

explicações acerca do tema entra na discussão a Poliandria, que é quando a mulher

possui ligação com diversos maridos. Lembrando que, com a Poliandria a mulher ainda

não consegue o mesmo papel social do homem que praticava a poligamia, o homem

ainda continuava no centro do clã familiar6.

O Estudo da história primitiva revela-nos, ao invés disso, um estado

de coisas em que os homens praticam a poligamia e suas mulheres a

poliandria, e em que, por consequência, os filhos de uns e outros

tinham que ser considerados comuns. É esse estado de coisas, por seu

lado, que passando por uma série de transformações resulta na

monogamia. (Engels,2005, p.31).

Com efeito, o desenvolvimento das famílias na história considerada não

civilizada7 incidiu no estreitamento inflexível do círculo. Pois o matrimonio por grupos

foi lesado, tendo em vista a ordem social que surgia impulsionada pela necessidade de

se assegurar o comércio e o acúmulo de riquezas.

Com a evolução das forças produtivas (agricultura, criação de rebanhos dentre

outros) pode-se ter um excedente que passava a propriedade particular das famílias

agora reduzidas. O matrimônio Sindiásmico introduz na família um elemento que põe

fim ao matriarcado, pois com apenas um homem e uma mulher principal se tinha a

referência certa do pai e da mãe dos filhos. Tem-se início a protoforma da divisão

sexual do trabalho8. Segundo Engels (2005, p. 58-66), como na família cabia ao homem

6 Tal processo ocorre no estágio da barbárie. Engels(2005) ressalta que, provavelmente, foi durante o

período do matrimônio sindiásmico que se localiza a origem da propriedade privada. Com o advento da

domesticação de animais e da criação de gado, formam-se muitas riquezas. Toda essa nova riqueza

pertencia, a priori, à gens. Sucessivamente, indicam-se os chefes de família como prováveis proprietários.

Com o surgimento da propriedade privada, o homem não teria para quem deixar seus bens, pois os filhos

continuavam a pertencer, de forma exclusiva, à mãe. Para isso a ordem de herança, baseada no direito

materno, é substituía pela filiação masculina. 7 Segundo Wood ( 2002) as raízes da civilização se encontram precisamente na barbárie e, ainda mais, na

escravidão. As sociedades do período bárbaro foram o embrião de onde cresceram as aldeias e as cidades,

a escrita, a indústria e tudo o mais que serve de base para o que chamamos civilização. Marx assinalou,

em seus escritos, duas possibilidades para a espécie humana: socialismo ou barbárie. Atualmente sob o

véu de cultura e civilização são cometidas as piores barbáries. A vida na civilização de hoje é uma luta

diária e cruel, tanto nos países do mundo subdesenvolvido e dos de capitalismo desenvolvido. Segundo

Woods (idem) somente com uma revolução da produção, pela primeira vez os seres humanos livres serão

os donos de seu destino. Pela primeira vez, serão realmente humanos. Somente então começará a história

real da raça humana. 8 Sem esmiuçar suas modalidades a divisão sexual do trabalho pode ser conceituada: “A divisão sexual do

trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do

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procurar a alimentação e a mulher o âmbito doméstico, em caso de separação o homem

ficava com os meios de produção e os instrumentos de trabalho (dentre eles a mão de

obra escrava que surgia) e a mulher com os utensílios domésticos.

A lei de herança com base no direito materno versava que os bens passariam aos

parentes da gens mais próximos por linhagem consanguínea materna, portanto, não

eram passados aos filhos do homem falecido, pois a gens do pai não era a mesma da

mãe. Segundo Engels (idem, p.59) com o aumento das riquezas proporcionalmente foi

sendo agregado ao homem mais poder na família, e foi se gerando o desejo de lançar

mão dessa vantagem para modificar o direito de herança para seus filhos.

Tal revolução – uma das mais profundas que a humanidade já

conheceu – não teve necessidade de tocar em nenhum dos membros

vivos da gens. Todos os membros da gens puderam continuar sendo o

que até então haviam sido. Bastou decidir simplesmente que, de

futuro, os descendentes de um membro masculino permaneceriam na

gens, mas os descendentes de um membro feminino sairiam dela,

passando a gens de seu pai. Assim, foram abolidos a filiação feminina

e o direito hereditário materno, sendo substituídos pela filiação

masculina e o direito hereditário paterno. (Engels, 2005, p.9-60).

Todo esse processo histórico resultou no patriarcado, o homem acabou se

apoderando inclusive da direção da casa, o que ocasionou o surgimento de relações de

submissão da mulher em relação ao homem. A função principal da mulher passou a ser

a reprodução da família.

A comunidade familiar patriarcal (Engels, idem, p.64) foi uma transição para a

família monogâmica. Esta que surge no tempo médio de evolução da família

Sindiásmica, com um propósito de promover a passagem a um total domínio do homem,

da figura paterna na sociedade, e a partir desse ponto, o homem apenas poderia ter uma

única esposa, e não aquela gama com uma esposa principal. Junto com esses novos

pontos, surgem às leis acerca da infidelidade feminina, pois os filhos destas eram os

herdeiros diretos dos pais. O marido ainda continuava com um intenso controle de sua

esposa, enquanto mesmo com os novos costumes que permeavam a sociedade, o

homem ainda continuava com outras mulheres. Enquanto existiam leis para coibir a

infidelidade feminina e a valorização da castidade e fidelidade, a masculina acabava por

que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é

modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera

produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das

funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.).” (Hirata, 2007, p. 599).

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ser aceitável pela sociedade. Na nascente fase da civilização e da família monogâmica

como forma de família, a mulher não podia se separar do homem este, por outro lado,

poderia repudiar a mulher quando quisesse.

Dessa forma pode-se perceber que a família monogâmica foi a primeira a se

formar por questões puramente econômicas, fundada na propriedade primitiva privada.

Segundo Engels (idem, p70) a monogamia surge como a escravização de um sexo pelo

outro e não como a reconciliação entre o homem e a mulher. Se essa crítica do

progresso, originariamente fundado na propriedade privada das mulheres, já era

arrasadora para as condições dos séculos passados, seu realismo é ainda mais flagrante

para a atualidade.

Chega-se, enfim, à civilização, onde a produção mercantil atinge o seu pleno

desenvolvimento e apogeu, tendo como suporte a propriedade privada dos meios de

produção, a família monogâmica e, consequentemente, o Estado. A civilização cria uma

classe que se ocupa, exclusivamente, da troca dos produtos: os comerciantes. A

civilização atingiu patamares jamais imaginados. Contudo, realizou tudo isso sob um

custo social extremamente absurdo, onde, segundo Engels (2005), foi determinada

apenas pela vil ambição à riqueza da sociedade, impondo a cada estágio, uma nova

forma de exploração entre seres humanos.

Segundo Lessa (2012) a monogamia não se contrapõe a poligamia, na família

primitiva as tarefas tinham caráter social e coletivo e a relação entre os homens era de

outra qualidade diferente da exploração do homem sobre o homem fundada na

propriedade privada.

Mas o fundamental, que é velado, é que tanto a “monogamia” como a

“poligamia” expressam o mesmo patriarcalismo. Se, no harém e entre

os mórmons, a monogamia é expressamente apenas feminina, ao

homem sendo legítimo várias esposas, na família tradicional cristã,

ocidental, o casamento é complementado pela prostituição. A regra

monogâmica aplica-se apenas às mulheres: a monogamia é a

expressão, por todos os lugares, do patriarcalismo. (Lessa, 2012, p.

42).

Pode-se aferir que se a família foi assumindo diversas formas no percurso

histórico, num futuro sob a égide de novas diretrizes civilizatórias igualitárias se molde

uma estrutura familiar libertária com igualdade entre os gêneros. A própria ideia de

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família, nos moldes da sociedade burguesa, pode até não caber numa sociedade fundada

em bases de igualdade e liberdade.

1.2 Família na sociedade burguesa

Do século XVI ao XVII não havia a separação rigorosa entre espaço público-

privado e nem a noção de intimidade, as famílias eram unidades de proteção onde todos

os membros (inclusive as crianças) participavam das atividades relativas à

sobrevivência da mesma. A família, portanto, não tinha função afetiva e nem

socializadora (educativa), os filhos eram socializados enquanto auxiliavam os adultos

no trabalho. Nesse período se opera também a perda de poderes da mulher, inclusive

direitos legais. No século XVIII a burguesia chega ao poder através das revoluções

burguesas e com estas a industrialização e a urbanização e se opera a distinção entre o

público e o privado e a família passa a ter a função socializadora. No lar burguês se

enfatiza a intimidade familiar, onde até a arquitetura das casas é pensada para garantir a

privacidade.

No Estado capitalista a positivação do direito a propriedade privada serve a

manutenção da exploração de uma classe sobre a outra, o Direito Burguês materializado

em leis, normas, estatutos e etc. opera a conservação das desigualdades sociais,

permitindo que os sujeitos nunca tenham cidadania plena. A pobreza existia antes do

capitalismo, mas no atual sistema ela se torna a essência das relações sociais. O estado

capitalista retira a possibilidade dos trabalhadores terem acesso aos meios de produção,

pois são apropriados pela burguesia, e a pobreza e a desigualdade se torna expressão

disso. À medida que os meios de produção se tornam privados aumenta o grau de

empobrecimento da classe trabalhadora. Quando se garante a propriedade privada, se

estabelece que o que é socialmente produzido não vai ser apropriado por todos.

Montaño (2012) aponta que, nas sociedades pré-capitalistas, a pobreza além da má

redistribuição de recursos era fruto da escassez de produtos. Montaño (2012) diz que

nas sociedades capitalistas:

Quanto mais riqueza produz o trabalhador, maior é a exploração, mais

riqueza é expropriada (do trabalhador) e apropriada (pelo capital).

Assim, não é a escassez que gera a pobreza, mas a abundância

(concentrada a riqueza em poucas mãos) que gera desigualdade e

pauperização absoluta e relativa. (Idem, p.279).

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Ou seja, nas sociedades capitalistas quanto mais se desenvolve e se acumula

capital mais se gera desigualdade. A pobreza tem gênese no lugar que os sujeitos

ocupam no processo produtivo, não por escassez de produtos e sim pela acumulação

privada de capital. Logo, a apropriação privada de uns poucos gera miséria e

desigualdades para a maioria da população.

O sentimento de valorização da infância vem se instaurando desde o século

XVII. No século XVIII a saúde e educação de todos os filhos (não só os primogênitos)

passam a ganhar a preocupação dos pais, a família deixa de se tornar apenas uma

unidade econômica (de sobrevivência) para um lugar de refúgio e afetividade.

O cuidado dispensado às crianças passou a inspirar sentimentos novos,

uma afetividade novo que a iconografia do século XVII exprimiu com

insistência e gosto: o sentimento moderno da família. Os pais não se

contentavam mais em pôr os filhos no mundo, em estabelecer apenas

alguns deles, desinteressando-se dos outros. A moral da época lhes

impunha proporcionar a todos os filhos, e não apenas ao mais velho –

e no fim do século XVII até mesmo as meninas – uma preparação para

a vida. Ficou convencionada que essa preparação fosse assegurada

pela escola. (Áries, 1981, p. 195).

Tais mudanças elencadas geram o início do processo de modernização da

família, formando o modelo burguês da mesma, que a partir do século XVIII, segundo

Ariés (1981), se massifica das elites para as demais camadas sociais.

A divisão sexual do trabalho9, que aloca o mundo externo (da produção) para

ser de responsabilidade exclusiva do pai (chefe da família), e o mundo interno (focado

na reprodução dos entes da família) se torna encargo da mãe (unidade doméstica). Então

a função da mulher seria cuidar dos assuntos relacionados à casa e a educação dos

filhos, e sem remuneração diferente do marido, divisão essa ideologicamente

naturalizada.

No século XIX o modelo capitalista industrial se firma (revolução industrial no

seu ápice) e a acumulação burguesa se consolida. O Estado Liberal baseado na

democracia representativa se expande e, apesar do discurso, intervém na economia

sempre no sentido de facilitar os interesses do desenvolvimento do capital.

9 Iniciou-se na passagem da chamada barbárie a civilização. Com a crescente geração de riquezas e o

advento da propriedade privada, o direito de herança passa a ser em razão da filiação masculina, tudo isso

em detrimento do direito materno. O modelo capitalista só ampliou a desigualdade e opressão dessa

relação.

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Desde a metade final do século XVIII a família vem se firmando como unidade

de consumo, que precisa consumir no mercado o necessário para sobrevivência. O

responsável por isso, como visto, é o homem, a mulher cuida da reprodução dessa força

de trabalho, não só do marido, mas dos futuros trabalhadores que são os filhos. Tais

traços se perpetuaram pelo século XX e até hoje. Porém, o casamento baseado pela

escolha do parceiro não meramente por questões econômicas começa a se desenvolver,

dando inicio a família conjugal moderna, cuja divisão sexual no casamento começa a ser

questionada, isto também, devido à luta do movimento feminista pelos direitos das

mulheres. Os modelos patriarcal e conjugal10

, como mostra a pesquisa sobre a família

brasileira realizada por Gueiros (2002), existem até hoje, tendo traços predominantes de

um ou outro dependendo da camada social. As camadas mais baixas tenderiam ao

modelo patriarcal e as médias e altas ao conjugal. Logo os dois modelos coexistem na

realidade das famílias brasileiras, com diferentes graus de apreensão dependendo do

lugar da família na estratificação da classe social.

Para Sarti:

A família, para os pobres, associa-se aqueles em quem se pode

confiar. (...) Como não há status ou poder a ser transmitido, o que

define a extensão da família entre os pobres é a rede de relações que

se estabelece: são da família aqueles com quem se pode contar, isto

quer dizer, aqueles que retribuem ao que se dá, aqueles, portanto, para

com que se tem obrigações. São essas redes de obrigações que

delimitam os vínculos, fazendo com que as relações de afeto se

desenvolvam dentro da dinâmica das relações descritas neste capítulo.

(Sarti, 1996, p.63).

Dessa forma a relação de parentesco se estabelece entre os membros nessa rede

de solidariedade, de obrigações morais. Diferentemente nas famílias de classes mais

abastadas que tem maior ligação com a relação de parentesco, isso pela importância do

parentesco na divisão dos bens materiais.

Do século XX até a contemporaneidade ocorre o processo de modernização da

família11

. Neste trabalho foi feita a opção por focar nos impactos que a estrutura

10

Explicitando que foi retratado no ponto 1: genericamente a família patriarcal pode ser compreendida

pelo modelo, onde os papéis de homem e mulher e as fronteiras entre público e privado estão definidas

rigidamente. Ao homem é atribuído à função de chefe da família, seu adultério podendo ser tolerado

socialmente. A mulher mantém relação de submissão e opressão nessa relação. No caso do modelo

conjugal esse modelo passa a ser questionado e a escolha do parceiro não é meramente econômica. 11

Segundo Gueiros (2002, p.106), a família moderna, genericamente, pressupunha a separação entre

público e privado; ênfase na intimidade familiar; e privacidade dos indivíduos na própria família,

separando-se, inclusive os cômodos na casa visando assegurar tal privacidade.

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socioeconômica tem no constructo social e consequentemente nas famílias,

privilegiando a conjuntura a partir dos anos de 1970. Buscando inserir a família nas

contradições da relação capital versus trabalho na sociedade vigente.

Nos anos de 1970 o sistema capitalista entra em crise de superprodução (com

queda tendencial da taxa de lucro, diminuição da produtividade e produção que reflete

em desemprego), o sistema precisa recompor seu ciclo de produção e as formas de

gerenciar o Estado, para garantir e ampliar a acumulação de capital, processo que afeta

não só a esfera da produção mais as relações sociais.

Tal crise do capital evidenciou que o padrão de organização do trabalho

taylorista/fordista não era mais capaz de garantir os altos lucros que as empresas

monopolistas tiveram no seu auge. Emergiu um modelo flexível de acumulação

capitalista, onde capitais foram retirados e estendidos do setor produtivo para o

financeiro – capitais se expandiram do capital produtivo para o financeiro, houve uma

fusão entre eles o que resultou no setor financeiro ditando as regra da economia. Ao

mesmo tempo houve uma redefinição do fazer produtivo (modelo japonês ou toyotista),

onde se teve também uma diminuição dos postos de trabalho (que também se deve as

inovações tecnológicas).

Para sair da crise o sistema é repensado na sua forma de produzir, organizar o

Estado e estabelecer o controle social. O processo de reestruturação produtiva se deu

sob o advento do neoliberalismo, este que foi uma contrarreforma do Estado que veio na

contramão das reformas produzidas pelos Welfare States. Nos Estados de Bem-Estar

Social as políticas públicas eram universais (pleno emprego, saúde, educação,

previdência...), apesar de terem ocorrido diversas configurações desse modelo,

especialmente na Europa12

.

Todo o processo de transformações de ordem econômica e social que se instaura,

como visto, a partir dos anos de 1970 pode ser nomeado a partir de uma perspectiva

ampla de reestruturação produtiva. O termo refere-se aos sucessivos processos de

transformação nas empresas e indústrias, caracterizados pela desregulamentação e

12

Não houve Welfare State no Brasil, pelo contrário, foi um período permeado por ditaduras (Varguista e

civil-militar). Com a redemocratização do país e a conquista da Constituição Cidadã de 1988,que avança

no campo da seguridade social, o Brasil vai na contramão dos avanços legais e instaura governos

neoliberais de ataque aos direitos dos trabalhadores.

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flexibilização do trabalho, fruto da acumulação flexível e das novas tecnologias da

Terceira Revolução Industrial.

No Brasil, essa reestruturação produtiva não se deu apenas na mudança de

processos técnicos, mas por meio da privatização de empresas estatais, terceirização,

demissões de trabalhadores em busca de se aumentar até 100% a produtividade, o que

fez crescer o número de trabalhadores sem carteira assinada (excluídos do mercado

formal de trabalho). Pinto (2010) aponta as consequências da reestruturação produtiva

na organização dos trabalhadores:

Essas alterações nas qualificações exigidas e as segmentações a partir

daí geradas na composição da classe trabalhadora vêm afetando sua

organização política, atingindo duramente o poder de seus sindicatos

frente aos Estados e às entidades patronais. Mais especificamente, a

diferenciação dos trabalhadores em grupos cada vês mais distintos

vem fragmentando seus interesses como classe social, haja vista a

evidente tendência de distanciamento em termos de reivindicação e

participação política entre os mantidos “estáveis” em atividades

supostamente mais qualificadas, frente os mantidos em trabalhos

precários. (Pinto, 2010, p. 49).

Para o neoliberalismo, a intervenção do Estado seria a causa da crise estrutural,

por supostamente desestimular o trabalho. Com essa justificativa se reproduz o exército

industrial de reserva, funcional ao capital, no controle dos trabalhadores e consequente

desestruturação da sua condição de classe. O corte de gastos na esfera social teve como

objetivo principal recuperar bancos e pagar dívidas, adentrando o capital financeiro no

fundo público. O regime de acumulação “flexível”, ao ser implementado no Brasil,

agravou as crises econômico-sociais já existentes.

No Brasil, por exemplo, culminou numa implementação vasta e

profunda da doutrina neoliberal no Estado na década de 1990, a qual

persiste até os dias atuais, impondo: à classe trabalhadora, de um lado,

a precarização dos serviços públicos e a flexibilização de seus direitos,

mediante o aumento da informalidade e do desemprego estrutural; ao

empresariado nacional, de outro, uma posição subalterna na divisão

internacional do trabalho, com a manutenção de acordos predatórios

fundados em políticas monetárias, ditadas por organismos de controle

financeiro internacional. (Idem, pg.52).

As políticas sociais ao invés de universais, na contemporaneidade, são cada vez

mais focalizadas, fragmentadas e precarizadas. O crescimento do chamado “terceiro

setor” (Montaño, 2002) remete ao incentivo de parcerias público-privadas, um

fenômeno que vem evidenciando uma nova forma de responder as sequelas da “questão

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social”13

, que mostra uma desresponsabilização de um Estado (visto como ineficiente) e

do Mercado, apelando à responsabilidade individual para tal.

As consequências da incorporação do ideário neoliberal nas

sociedades, que como a brasileira, vivem os impasses da consolidação

democrática, do frágil enraizamento da cidadania e das dificuldades

históricas de sua universalização, expressam-se pelo acirramento das

desigualdades sociais, encolhimento dos direitos sociais e trabalhistas,

aprofundamento dos níveis de pobreza e exclusão social, aumento da

violência urbana e da criminalidade, agravamento sem precedentes da

crise social que, iniciada nos anos 80, aprofunda-se continuadamente

na primeira década do século XXI. (Raichelis, 2006, p. 4).

A autora explica que a partir dos anos de 1980 com a consolidação do ideário

neoliberal no Brasil e a consequente deterioração da qualidade de vida da classe

trabalhadora contribuíram para dar relevância ao debate das políticas sociais “pelo seu

caráter de mediação entre as demandas sociais e as respostas organizadas pelo aparato

governamental para implementá-las.” (Idem).

Raichelis (2006) aponta que os anos 80 foram marcados pelo aprofundamento

das desigualdades sociais no país, pela luta da democratização do Estado o que

intensificou o debate sobre as políticas públicas. Questionando além de seu caráter

(focalista e fragmentado), a necessidade de se democratizar os processos decisórios e a

gestão de tais políticas.

O advento da Constituição Federal de 1988 definiu que a assistência social, a

saúde e a previdência formariam a seguridade social. Uma tentativa de reestruturação da

proteção social que pode ser reconhecida como uma conquista, por ter sido fruto do

clima de contestação da população pela conquista da cidadania. Tal constituição visou

romper as características paternalistas, clientelista e de caridade historicamente

presentes nas políticas sociais.

Um marco também presente na Constituição Federal de 1988 foi da igualdade

jurídica entre os gêneros.

O movimento feminista brasileiro foi um ator fundamental nesse

processo de mudança legislativa e social, denunciando desigualdades,

propondo políticas públicas, atuando junto ao Poder Legislativo e,

13

Utiliza-se a definição de questão social de Carvalho e Iamamoto, (1983, p.77), entendida como

“expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário

político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É

a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa

a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”.

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também, na interpretação da lei. Desde meados da década de 70, o

movimento feminista brasileiro tem lutado em defesa da igualdade de

direitos entre homens e mulheres, dos ideais de Direitos Humanos,

defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação, tanto

nas leis como nas práticas sociais. De fato, a ação organizada do

movimento de mulheres, no processo de elaboração da Constituição

Federal de 1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e

obrigações correlatas do Estado, tais como o reconhecimento da

igualdade na família, o repúdio à violência doméstica, a igualdade

entre filhos, o reconhecimento de direitos reprodutivos, etc.(Barsted,

2001, p. 35).

Nessa época as dificuldades econômicas, atreladas às lutas dos movimentos

feministas contribuíram para o largo acesso das mulheres nas universidades e no

mercado de trabalho (também na esfera pública). Fatos revolucionários, mas

contraditórios, pois as próprias dificuldades econômicas também fizeram ser preciso

que mais membros das famílias contribuíssem com a renda, inclusive crianças e

adolescentes. Ao mesmo tempo as mulheres mais subalternizadas permaneceram à

margem desse processo.

Buscar entender a configuração da família brasileira na atualidade se mostra

necessário no sentido da desconstrução de verdades socialmente aceitas, que acabam

por naturalizar a instituição da família. Por exemplo, a cada ano do século XX muitas

alterações nos arranjos familiares podem ser notadas. Ao se comparar aos séculos

anteriores a mutabilidade da família é gritante. Ao entender a categoria família na

totalidade dos processos históricos pode se aferir que a mesma é uma construção da

humanidade, portanto, mutável.

O documento produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –

IBGE, intitulado “Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida

da População Brasileira. Estudos e Pesquisas Informações Demográficas e Sócio-

Econômica” – SIS 2013 (IBGE, 2013) fornece importantes dados para se entender as

configurações da família na atualidade, principalmente o que vem mudando desde o

início do processo de modernização da família. Tal documento fornece base para uma

múltipla gama de análises, mas o foco está na configuração da família brasileira.

No SIS 2013 se encontra os resultados da Pesquisa Nacional por Amostragem de

Domicílios – PNAD 2012. Segundo O PNAD 2012 o número de domicílios no Brasil

chegou a 62,9 milhões, sendo que, destes, 54 milhões estavam localizados em áreas

urbanas, correspondendo a cerca de 85% do total. O número médio de pessoas por

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domicílio foi de 3,1 moradores. Sendo que as unidades federadas da região norte

apresentam números de até 4,0 moradores, se mostrando maior que a média nacional.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada (IBGE 2003, p.91) o tamanho

médio das famílias em 2002 era de 3,6, tendo a região norte apresentado o maior índice

4,3. A pesquisa ainda evidencia que nos últimos 30 anos a proporção de pessoas que

vivem sozinhas dobrou, passando de 6,2% em 1981 para 13,2% em 2012.

No período de 10 anos pode-se perceber a redução do tamanho da família

brasileira. Retrocedendo ainda mais na história podemos perceber alguns fatores que

podem explicar esse fenômeno. Como o surgimento da pílula anticoncepcional nos anos

de 1960, o movimento feminista e de liberdade sexual, contribuíram para empoderar a

mulher na escolha do número de filhos, ou de não os ter. Paralelamente à redução do

tamanho das famílias, houve uma mudança na composição familiar. O tipo hegemônico

de família no Brasil é aquela constituída por um casal com filhos, embora esteja

perdendo posição relativa.

No período 2002/2012, houve redução do peso relativo dos arranjos

familiares constituídos por casal com filhos (52,7% para 45,0%) e,

consequentemente, aumento dos casais sem filhos (14% para 19%).

Nos arranjos familiares constituídos por mulher sem cônjuge com

filhos, os chamados “monoparentais femininos”, a proporção passou

de 17,9% para 16,2% no mesmo período. Outros passou de 5,6 para

6,3. (Gráfico 2.3). ( SIS, 2013, p. 72).

O documento em tela aponta que os indivíduos estão mais propensos a

experimentar maior variedade de estruturas familiares ao longo de suas vidas.

Diferentemente do tipo de família “tradicional” ou nuclear burguesa, constituída por um

casal com filhos. Segundo o SIS (2013), independentemente de se tratar de casal sem

filhos ou casal com filhos, houve um aumento considerável da proporção de mulheres

responsáveis pelos núcleos familiares entre 2002 e 2012.

No caso dos núcleos formados por casal sem filhos, a proporção de

mulheres passou de 6,1% para 18,9%, nos casais com filhos de 4,6 %

passou para 19,4%. Nas monoparentais, as mulheres sempre foram

maioria, proporção que se mantém no período [...] As evidências

trazidas pela PNAD 2012 mostraram que 38% dos arranjos familiares

tinham como pessoa de referência mulheres, quando, em 2002, essa

proporção era 28% (Tabela 2.14)” (SIS, 2013, p. 73).

Sendo que desses 38%, 88,2% representam famílias monoparentais “chefiadas”

por mulheres. Enquanto que das famílias monoparentais, apenas 11,8% são chefiadas

por homens. Demonstrando que a maioria esmagadora de famílias com apenas uma

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pessoa de referência, essa consiste em uma mulher. Uma das hipóteses para tal dado é o

aumento das mulheres no mercado de trabalho. Os dados também refletem, um contexto

social geral de vulnerabilidade dessas mulheres, que devem sozinhas e muitas vezes

sem auxilio dos aparatos estatais garantir a proteção social dos filhos. Apesar de não ser

o foco desse estudo, esses dados específicos terão implicações se refletindo

posteriormente na análise do acolhimento institucional de crianças e adolescentes.

A lei do divórcio (lei n° 6.515, de 26 de dezembro de 1977), também alterou a

configuração da família brasileira. Serviu como visto, para o aumento das famílias

monoparentais e também para crescimento das famílias recompostas ou reconstituídas14

.

O SIS 2013 aponta que segundo os resultados do Censo 2010, o fenômeno das famílias

reconstituídas se mostrou bastante significativo, atingindo 16,3% dos casais com

presença de filhos e, utilizando-se o parâmetro de estado conjugal, cerca de 12%

tiveram, pelo menos, uma união anterior. Atualmente, as famílias apresentam uma

grande gama de possibilidades de composição, inclusive com filhos dos casamentos

anteriores e futuros filhos da relação.

Uma vitória dos movimentos sociais foi a resolução n. 175, de 14 de maio de

2013, aprovada durante a 169ª Sessão Plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),

que diz que nenhum cartório poderá se recusar a realizar o casamento civil de pessoas

do mesmo sexo. O SIS 2013 aponta que já está em andamento a inclusão de um

questionário extenso de categorias de parentesco. Para abarcar todos os tipos de famílias

recompostas e de união homoafetiva. No último caso, o Censo 2010 identificou um

conjunto de 67 mil casais do mesmo sexo. O reconhecimento do direito ao casamento

homoafetivo serviu também para facilitar a adoção de acrianças e adolescentes por

casais do mesmo sexo.

Mioto (1997) cita alguns elementos trazidos acima, como aumento das famílias

recompostas e monoparentais e de pessoas que vivem sós já na época de sua pesquisa.

Tais elementos apresentados, somados aos trazidos pela autora como: concentração da

idade reprodutiva nas mulheres mais jovens; aumento da concepção em idade precoce;

aumento da co-habitação e do casamento civil em detrimento do religioso; população

proporcionalmente mais velha, o que aumenta os encargos da família com os idosos e

também da participação dos mesmos no auxílios do cuidado da casa e dos filhos; esses

14

Famílias em que pelo menos um dos cônjuges teve uma relação anterior à atual, com ou sem filhos.

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elementos têm sido decorrentes de um multiplicidade de fatores. Mioto (1997,p.119)

destaca: a liberalização dos hábitos e costumes, e a nova posição da mulher na

sociedade; as inovações tecnológicas na área da contracepção e na comunicação de

massas; o modelo adotado pelo governo brasileiro pós década de 80, que acarretou no

empobrecimento acelerado da família brasileira com um grande número de mulheres e

crianças no mercado de trabalho.

Para análise da categoria família não ocorrer de forma alienada e unilateral, deve

ser inserida na realidade social vigente. No cerne da relação capital versus trabalho nas

contradições e limites da sociedade de classes. A Pesquisa de Gueiros (2002) chama

atenção para o significativo percentual de famílias que vivem com até dois salários

mínimos, também para o fato de apesar das novas configurações familiares estarem

postas no cotidiano não são moralmente aceitas pela sociedade. Os avanços nas

legislações (como divórcio, casamento civil entre pessoas do mesmo sexo) refletem a

luta dos movimentos sociais organizados, mas também representam uma forma de

concessão do Estado para conter o potencial revolucionário da classe trabalhadora.

Também ainda não significam uma revolução na moralidade cotidiana das pessoas, em

que mulheres divorciadas, casais homoafetivos, mães solteiras ainda são oprimidos.

Algumas reflexões podem ser tecidas, tal como a função de reprodução

ideológica da família. Tendo em vista que no cotidiano da vida familiar são transmitidos

valores, nesse espaço pode-se tanto reproduzir os valores dominantes, como também

pode ser um espaço onde gradativamente possam ir surgindo ideias e valores

contestatórios e emancipadores.

Complementando os dados de Gueiros (2002), ainda pela análise do SIS 2013

pode-se perceber que os domicílios com rendimento de até meio salário mínimo

representavam 17,1%, sendo que no Nordeste, esse percentual foi de 32,9%. O Norte

também apresentou proporção superior à média nacional (28,5%), enquanto o Sul

(9,2%), o Sudeste (11,1%) e Centro-Oeste (13,3%) apresentaram uma posição mais

favorável para esse indicador. Os resultados para os domicílios situados na classe de

rendimentos com maior poder aquisitivo (mais de 2 salários mínimos per capita)

mostraram, maiores percentuais nas Regiões Sul (27,2%); Centro–Oeste (25,8%) e

Sudeste (25,7%).

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Outra reflexão é que o acirramento da “questão social” incide majoritariamente

na sobrevivência das famílias. Esse fato somado, ao da fragilidade da proteção social,

faz com que uma grande parte das famílias fique desassistida pelo Estado. A ideologia

de ineficiência do Estado contribui para que as respostas frente a “questão social”

ocorram na esfera da família e no “terceiro setor” (Montaño, 2002). A esfera estatal

seria como um “suplemento” quando os outros não conseguissem atuar.

Todo esse fenômeno serve para a culpabilização e criminalização da família pela

sua incapacidade de não conseguir prover sua sobrevivência (cuidado dos membros) e

integração social, não considerando o contexto mais amplo de acirramento da vida em

tempos de neoliberalismo pós década de 80 que acelerou o processo de empobrecimento

da família.

As mazelas e desigualdades geradas pelo capital incidem diretamente nas

famílias. Em tempos de barbárie o modo de relacionamento familiar muitas vezes se dá

pela violência. Não se pode requerer das famílias das classes subalternizadas o mesmo

nível de proteção dos das classes abastadas. A questão da pobreza não constitui causa

obrigatória da violência intrafamiliar, doméstica15

e da violação dos direitos das

crianças e adolescentes, mas incide no papel parental primário de proteção social

instituído por lei a ela.

Na questão da violência contra mulher a tabela a seguir, construída pelo Dossiê

da Mulher (2012) reflete os números dessa opressão no Estado do Rio de janeiro. Onde,

se pode perceber que nos casos de estupro, ameaça e lesão corporal dolosa as mulheres

representam a maioria. Ainda segundo o documento em suas considerações finais:

“Assim, as estatísticas apresentadas até aqui demonstraram que a maior parte da

violência sofrida pelas mulheres ocorre no ambiente doméstico e/ou familiar.”

(Teixeira,Moraes, Pinto (org) 2012, p. 54.)

15

Entendendo como violência intrafamiliar: é toda a ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a

integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da

família não se referindo apenas ao espaço físico onde a violência ocorre, mas também às relações em que

se constrói e efetua. A violência doméstica distingue-se da violência intrafamiliar por incluir outros

membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço doméstico.

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Outro dado apresentado pelo SIS 2013: “Cerca de 79% do total de casais onde

o responsável e o cônjuge têm rendimento, a pessoa de referência é do sexo masculino.

Entre esses casais, aproximadamente 73% dos cônjuges mulheres apresentavam

rendimentos inferiores aos do responsável.” (SIS 2013,p.75). Tal indicador evidencia

que muitas vezes a relação de renda entre os gêneros é desigual, o que pode gerar a

dependência financeira da mulher ao cônjuge. O que, pode ser mais um elemento para

dificultar a separação entre os mesmo. Situação essa, que não são raras de evoluírem

para alguma forma de violência.

Segundo o Mapa da Violência 2012 Crianças e adolescentes do Brasil

(Waiselfisz, 2012, p.62), os casos de violência contra crianças e adolescentes atendidos

pelos SUS e registrados pelo SINAN16

(Sistema de Informação de Agravos de

Notificação) no ano de 2011 foram registrados 39.281 atendimentos na faixa de 1 a 19

anos, o que representa 40% do total de 98 115.

Como já destacamos acima a pobreza por si só não justifica a violação dos

direitos das crianças, dos adolescentes e das mulheres, por mais pauperizada que seja a

16

A notificação da Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências foi implantada no SINAN em

2009, devendo ser realizada de forma universal, contínua e compulsória nas situações de violências

envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos, atendendo às Leis 8.069 – Estatuto da Criança e

Adolescente, 10.741 – Estatuto do Idoso e 10.778 – Notificação de Violência contra a Mulher. Essa

notificação é realizada pelo gestor de saúde do SUS mediante o preenchimento de uma Ficha de

Notificação específica, diante de suspeita da ocorrência de violência.

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família isso não exclui que se mantenham vínculos afetivos. Mas, é um fator

determinante e por isso deve ser priorizada pelo poder público, pois debilita o papel

parental das famílias. No interior de um modo de produção desigual, a qualificação das

políticas sociais e sua efetividade são primordiais na garantia de melhor condição de

vida para a população.

Os direitos sociais, então, devem receber prioridade de investimento estatal,

pois não existe cidadania sem intervenção ativa do Estado. A proteção social deve ser

bem estruturada, com políticas realmente universalistas, para que assim, segundo

Gueiros (2002), a família tenha condições básicas de inserção social e de cidadania para

que possa cumprir o papel social e legal a ela atribuídos.

Resgatando o que já foi explicitado nesse trabalho: Mioto (1997) aponta que a

família não se constitui a priori como um “lugar de felicidade” e sim deve ser entendida

como um fato cultural e historicamente determinado. Como foi abordado, a família

apresentou diversas configurações ao longo da história, diferindo seu modelo e funções

de acordo com as sociedades e as culturas. Por exemplo, em sociedades onde não

figurava a exploração de classes, como as indígenas, não havia a ideia de criança

abandonada, pois era entendido como função de toda comunidade os cuidados com as

mesmas.

Na sociedade de classes, fundada na propriedade privada e na exploração do

homem pelo homem, onde contraditoriamente se coloca a família como espaço primário

de proteção social, ao mesmo tempo se opera a “desproteção social”. A existência da

família burguesa serve também à manutenção da propriedade privada. Como os dados

evidenciam, a família burguesa, como espaço primário de proteção social e de felicidade

está historicamente falida, é uma ideia que não se sustenta. Isso porque diversas formas

de violência e violação de direitos das mulheres, das crianças, adolescentes e idosos

acontecem em seu interior a números crescentes. Até mesmo as famílias abastadas não

dão conta de proteger seus jovens, onde se pode notar, por exemplo, os inúmeros casos

de dependência de uso abusivo de álcool e drogas entre os mesmos.

Contraditoriamente, como será mostrado no próximo tópico do trabalho os

movimentos sociais lutaram para que a família assumisse o papel de proteção social da

infância e da juventude. Todo um arcabouço estatal foi criado para dar suporte a essa

família, porém nessa sociedade burguesa ele não se sustenta. Porque na verdade, o

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Estado atua como um instrumento de manutenção da propriedade privada, logo permite

a manutenção das desigualdades de classes.

Como nessa sociedade os direitos das crianças e adolescentes estão sendo

violados, onde muitos têm que ser inseridos no sistema de acolhimentos institucional,

deve-se desconstruir a ideia que a criança precisa de uma família no modelo burguês

tradicional para ser feliz. As crianças e adolescentes, que aguardam por serem adotadas

nos abrigos do país, precisam de uma convivência saudável, comunitária e de afeto. Os

indivíduos adotantes podem ser aptos a isso, pois a família não é algo natural e

biológico e sim com quem se estabelece relações afetivas.

Segundo Lessa (2012):

Quando se trata do Estado, das classes sociais e da propriedade

privada, a necessidade de sua superação é mais fácil de ser assimilada.

Todavia, porque é um elo importantíssimo dos processos de

individuação de todos nós, é bem mais complicado constatar que o

mesmo se dá com a família monogâmica. Ela é um complexo social

tão alienante e alienado quanto o Estado; tal como a propriedade

privada, é reproduzida pela aplicação cotidiana da violência; é o

exercício cotidiano do mesmo poder que faz de uns a classe

dominante e de outros os explorados e produtores do “conteúdo

material da riqueza social” (Marx, 1983, p.46). (Lessa, 2012, p. 54).

Para o senso comum citar a abolição do modelo de família burguês,

monogâmico e judaico-cristão é inconcebível. Não se enxerga, sem mediações

histórico-críticas, que para manutenção desse modelo se sacrifica uma parte importante

da humanidade, para o fim último do desenvolvimento do capital e a manutenção da

exploração. A crise do sistema capitalista (da sociedade de classes), no sentido do

esgotamento de suas potencialidades históricas é a mesma pela qual passa o Estado e a

família de hoje. A abolição desses, através de uma revolução pela base dos explorados,

se mostra fundamental para que possam surgir formas de sociabilidades onde todos

sejam realmente iguais nas suas diversidades.

Isso não quer dizer, obviamente, que todo o desenvolvimento humano

propiciado no passado pela família monogâmica – inclusive o

surgimento do amor individual sexuado – deva ser abandonado (tal

como o comunismo não significa revogar o desenvolvimento das

forças produtivas realizado pelas sociedades de classe). O comunismo

continuará sendo uma sociedade humana e, enquanto tal, terá traços de

continuidade com todo o nosso passado. Assim como o comunismo

significará o mais pleno desenvolvimento das forças produtivas a

partir da reorganização do intercâmbio material com a natureza (pela

passagem do trabalho abstrato ao trabalho associado), a superação da

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família monogâmica fará parte da emancipação das individualidades

para o mais pleno desenvolvimento de suas potencialidades afetivas.

(Idem, p. 56).

A partir dessas breves considerações da família na sociedade burguesa, se pode

avançar no caminho metodológico para entender a infância e adolescência no Brasil.

Deixando clara a concepção radicalmente crítica que se propõe este trabalho. Com o

intuito de pensar a política de acolhimento institucional, privilegiando o cenário de Rio

das Ostras – RJ.

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1.3 A inserção da criança e do adolescente no contexto familiar e sua

transformação em sujeitos de direitos/mudanças de paradigmas na visão da

infância e adolescência com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da

Criança e do Adolescente

Nem sempre a criança e o adolescente foram entendidos como sujeito de

direitos. A historiografia mostra que a questão da criança e adolescente foi tratada no

âmbito da caridade, principalmente por parte da igreja católica17

. Mais tarde, no início

do século XX, o aprofundamento das relações capitalistas no Brasil, crescimento das

indústrias e da urbanização gerou a pauperização da classe proletária, que passou a

residir majoritariamente nas favelas e cortiços18

.

As crianças que passam a ocupar os espaços urbanos nas principais

cidades brasileiras no final do século XIX, como Rio de Janeiro, São

Paulo e Salvador, tornaram-se um problema para as autoridades

locais. (Cuneo, 2006, p. 17).

O “menor” de idade foi visto como ameaça sendo internado em instituições de

caráter disciplinador, não havendo a preocupação no reestabelecimento dos vínculos

familiares (eram institucionalizados pobres, abandonados e infratores). Tem-se como

exemplo desses tipos de instituições: O SAM – Serviço de Assistência do Menor, a

FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor, cuja incumbência era a de

formular e implantar a Política Nacional de Bem-Estar do Menor – PNBEM e FEBEM

– Fundação Estadual do Bem Estar do Menor. Segundo Rizzini (2006):

No Brasil, a prática de encaminhar crianças e adolescentes pobres para

os chamados internatos de menores ganha força a partir do século

XIX. A fácil retirada da criança de sua família para essas instituições

criou uma verdadeira cultura de institucionalização. (Rizini,

2006,p.31).

As crianças pobres e delinquentes deveriam, então, ser tratadas nessas

instituições para voltarem ao convívio social, assim poderiam ser moldadas para o

mundo do trabalho. O Estado passa a perceber a criança como um patrimônio do país.

Logo investir na infância era investir no país. Nessa época o Estado realizou parcerias

17

Até meados do século XIX, o atendimento aos expostos esteve caracterizado por ações essencialmente

assistencialistas. Esta fase é denominada caritativa. Durante quase três séculos e meio, a iniciativa

assistencial em relação à infância pobre no Brasil encontra-se quase que totalmente vinculada à Igreja

Católica. A primeira Roda de que se tem registro no Brasil foi fundada no século XVIII, no ano de 1726,

na cidade de Salvador, na Bahia. A Roda dos Expostos foi um dos maiores símbolos do pensamento

assistencial brasileiro. (Cuneo, 2006, p.16) 18

Ao longo do século XIX, a ideologia caritativa foi gradativamente substituída pela preocupação com a

ordem social. Inaugurou-se a fase filantrópica, que perdurou até o século XX. (idem, p. 17)

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com a medicina social, esta que além de alterar o espaço urbano reorganizou os hábitos

das famílias pobres, por muitas vezes esses interferirem na higienização das cidades.

Inicialmente, preocupados com o alto índice de mortalidade infantil,

os médicos dirigem à população campanhas que concorreram para a

formação de um novo modelo de família, higiênica, intimista e

privatista, em suma, moderna. (Bulcão, 2002.p.67)

Paralelo ao contexto de criança como patrimônio do país e alvo de ações

sanitárias, educacionais e moralizadoras, se tem a infância que pode se tornar perigosa.

Com o aumento da criminalidade nas cidades, começam a se criar aparelhos de

prevenção e repressão às crianças abandonadas. Como visto, com foco na educação

moralizadora para que a criança, especialmente a abandona, se moldasse para o trabalho

e passasse a ser produtiva. Para os que já estivessem degenerados, cabia a

institucionalização em instituições disciplinadoras.

Nessa época os juristas começaram a se debruçar na criação de legislações

específicas para a questão da infância no país. Assim, em 1927, se tem o advento do

Código de menores ou Código Mello Mattos e a criação de um novo sujeito social o

“menor” 19

. Os “menores” não eram mais caso exclusivo da polícia, e sim alvo de

assistência e proteção, pelo menos no que diz respeito ao aspecto legal. Caberia à

autoridade judiciária vigiar e dar resposta ao “menor”, visto com um problema a

sociedade (a partir daí, surgem o SAM em 1941 e a FUNABEM e FEBEM em 1964).

Após mais de 50 anos de transformações sociais, em plena ditadura civil-militar, é

criado em 1979 o novo Código de Menores – Lei n. 6.697/79. Este que, basicamente,

alargou a ideia de “menor” como criança pobre e delinquente. Consolidando, a categoria

do “menor em situação irregular”.

Já deu para notar que duas infâncias extremamente diferentes estão

sendo construídas. A primeira, associada ao conceito de menor, e é

composta por crianças de famílias pobres, que perambulam livres pela

cidade, que são abandonados e às vezes resvalam para a delinqüência,

sendo vinculadas a instituições como cadeia, orfanato, asilo, etc. Uma

outra, associada ao conceito de criança, está ligada a instituições

como família e escola e não precisa de atenção especial. (Bulcão,

2002, p.69).

Na década de 1980 no Brasil, se configurou um cenário de redemocratização e

toda uma discussão nacional e internacional sobre os direitos das crianças e

19

A partir de então, as crianças transformaram-se em “menores”, e passaram a carregar em si os estigmas

do abandono e da delinquência. (Cuneo, 2006, p. 18)

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adolescentes, que culminou no artigo 227 da constituição federal de 1988, uma síntese

da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que garantia:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito

à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão. (Brasil, CF 1988).

O advento da Constituição Federal de 1988 definiu que a assistência social, a

saúde e a previdência formariam a seguridade social. Constituiu uma tentativa de

reestruturação da proteção social. Tal legislação pode ser reconhecida como uma

conquista, por ter sido fruto do clima de contestação da população pela conquista da

cidadania, “Distinta da cidadania tal como construída nos países europeus, aqui

prevaleceram às relações de favor e de dependência” (Iamamoto, 2010, p. 141). Tal

constituição visou romper as características paternalistas, clientelista e de caridade

historicamente presentes nas políticas sociais, ao preconizar “(...) ampliação e extensão

dos direitos sociais; universalização de acesso; expansão da cobertura de benefícios

sociais (...)” (SILVA, 1994, p. 98).

Os princípios preconizados no artigo. 227 da Constituição Federal de 1988 só

foram postulados no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em 1990, graças a

uma série de mudanças na organização social, política e econômica do país e a partir das

reivindicações dos movimentos sociais organizados. Este que foi um esforço de romper

com a visão de que existem “duas infâncias” (Bulcão, 2002) descritas anteriormente.

O advento do ECA veio no sentido de buscar romper com a dicotomia “menor”

e “criança”, ao postular que todas as crianças e adolescentes passam agora a ser sujeitos

de direitos, respeitando sua situação peculiar de pessoas em desenvolvimento. A

garantia da convivência familiar e comunitária, aspecto reforçado também através da

Política Nacional de Assistência - PNAS (2004) e consequentemente no Sistema Único

de Assistência Social - SUAS, tem no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa

do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006)

PNCFC20

, a comprovação de sua relevância política por se tratar de uma articulação

20

O PNCFC foi resultado da articulação importante entre os diversos atores políticos, dentre eles o

Conselho Nacional de Assistência Social CNAS e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente CONANDA.

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nacional para elaborar um documento que mostra o avanço dos debates acerca da

proteção integral e a proposta de ruptura com a preocupante cultura de internar a

infância.

O movimento dos sujeitos históricos, que culminou na mudança do arcabouço

legal foi uma verdadeira mudança de paradigmas. O caráter universal dos direitos

conferidos, em oposição ao antigo código de menores, que se destinava ao “menor em

situação irregular” alterou a forma de inserção e visão da infância na sociedade

brasileira. Tornando legalmente, as crianças e adolescentes em sujeitos de direitos,

proporcionou pensar a infância e adolescência por outras bases.

Outra enorme mudança percebida foi em relação ao preconceito, a discriminação

dirigida à família e a criança pobre, associando pobreza e delinquência de forma

automática e desonesta; como se as classes mais pobres tivessem por natureza um

comportamento criminoso, desordeiro, lascivo, portanto não estariam aptos a viver em

sociedade, merecendo o enquadramento ou a segregação. As crianças e adolescentes

dessas classes subalternizadas, consideradas “infratoras”, “abandonas” ou “carentes”

eram - e ainda hoje, de outra maneira – vítimas da falta de um sistema de proteção

social, o papel do Estado consistia em vigiá-las e puni-las uma vez que temia pela sua

periculosidade.

O antigo Código de Menores passava a tutela dos menores para o Estado,

justificando a existência das instituições repressivas. Já o ECA percebe que a criança e

adolescente tiveram seus direitos violados, seja pela família, sociedade, Estado ou em

razão de sua conduta (ECA, art 98) e funciona como instrumento na exigibilidade

desses direitos aos vulneráveis.

Dos anos 80 até os dias atuais aparece um novo sujeito na sociedade de classes,

a criança e o adolescente sendo portador de direitos. Isso altera a inserção dos mesmos

no contexto familiar e social. Tanto a família e a sociedade não podem violar os recém-

adquiridos direito das crianças e adolescentes, explorando-os seja de qual forma for. E o

Estado tem que garantir condições para que essas violações não ocorram. Esse

reconhecimento faz com que as crianças não sejam personalizadas como portadoras de

carências, e inclui a responsabilidade de toda a sociedade na garantia desses direitos. Ao

entendê-los como pessoas em desenvolvimento, se quer dizer que não podem ser

responsabilizadas pela irresponsabilidade dos adultos.

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Por a legislação brasileira manter a positivação do direito a propriedade privada,

as desigualdades sociais permanecerão21

. Enquanto esse direito for inquestionável, os

indivíduos nunca terão cidadania plena. Couto (2008) aponta que os direitos apresentam

um duplo caráter: ao mesmo tempo em que representam conquistas da classe

trabalhadora em disputa na sociedade, servem a manutenção da ordem estabelecida. Isso

por conter o potencial revolucionário dos trabalhadores, mantendo uma falsa aparência

de conciliação entre as classes e, também, por exonerar o capital dos custos de

reprodução da força de trabalho.

Por conta dessa disputa na sociedade, o discurso jurídico não necessariamente é

acompanhado por uma ação jurídica correspondente. Enquanto o aparelho jurídico

estiver a serviço dos interesses dos detentores do capital, as garantias legais não se

expressaram plenamente de fato na realidade. Apesar de ser fruto da luta dos

movimentos sociais organizados, os direitos na sociedade brasileira (e no mundo

capitalista) não conseguem se materializar em toda sua potência.

A história, que é formada pela ação dos sujeitos no mundo, criou a necessidade

de mudanças de paradigmas para se entender a infância e adolescência. Porém, pela

categoria contradição se percebe que a mudança não é absorvida pela sociedade de

classes de forma universal pelos próprios limites do Direito Burguês.

Tais considerações são importantes para entender, que apesar das legislações que

garantem os direitos da infância e juventude serem universais, contraditoriamente seus

impactos na vida dos sujeitos não são. Para muitos segmentos da sociedade e,

infelizmente, algumas instituições do sistema de proteção social a criança pobre ainda é

concebida como “menor” e todo o estigma que a palavra carrega.

Com a luta dos sujeitos e a conquista do arcabouço legal que mudou

radicalmente a concepção de infância e adolescência no Brasil, os defensores dos

direitos da infância e juventude ganharam um instrumento de batalha. Batalha essa, que

lança mão das contrariedades do sistema capitalista para garantir a melhoria e a

proteção real desses novos sujeitos históricos.

21

Segundo análise da Teoria Geral do Direito do teórico marxista Pachukanis (1988), o Direito no interior

do modo de produção capitalista se estrutura como Direito Burguês. Não cabe aos limites do presente

estudo, uma análise aprofunda sobre a teoria do referido autor. Pachukanis foi citado, para que se possa

entender que se parte da premissa que o Direito Burguês materializado em normas, leis, estatutos e etc

possui uma função mantenedora de consensos, servindo a exploração de uma classe sobre a outra.

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Buscar a garantia da efetivação dos direitos das crianças e adolescentes é um

grande desafio, não apenas para a cidade de Rio das Ostras - RJ, mas para o país como

um todo. Necessita-se que o Estado ofereça condições concretas das famílias cuidarem

deles, não culpabilizando as mesmas no processo.

Para tanto, se faz necessário que o fundo público privilegie recursos para

fortalecer as atuais fragilizadas redes de proteção social através de uma verdadeira

intersetorialidade entre as políticas públicas com o intuito de fortalecer a família no seu

papel parental, buscando evitar o rompimento dos vínculos. Pois, hoje, como se pode

cobrar deveres de uma família que na sua história não teve direitos mínimos garantidos?

Segundo Bidarra (2009):

Para materializar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes e

para efetivar a perspectiva de promoção e de proteção integral,

subscrita na política da área de atendimento da criança e do

adolescente, é inadiável assegurar diferentes graus de

intersetorialidade entre as políticas que integram o campo das políticas

sociais básicas e as que estão encarregadas de operacionalizar os

serviços especiais, sendo essa uma prerrogativa expressa pelo Estatuto

da Criança e do Adolescente [...] (Bidarra, 2009.p 494-495):

No caminho da garantia dos direitos das crianças e adolescentes existem limites

e desafios, porém a história mostra, que da contradição surge a luta diária e a mudança.

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CAPÍTULO 2 – INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E QUESTÃO SOCIAL NO

BRASIL.

2.1 Considerações sobre a prática de abandonar crianças no Brasil.

Nos três grandes regimes brasileiros, a saber, Colônia, Império e República

praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada foi a Roda dos

Expostos22

. A Roda tinha caráter caritativo e missionário, assim que a criança chegava a

primeira medida era o batismo, para a salvação de sua alma. O anonimato do sistema

incentivava o expositor a depositar a criança no mecanismo, pois o comum era o

abandono nos bosques, lixo, portas de igreja e casas de família, geralmente abastadas. O

Brasil lidera o triste ranking internacional de ter sido o último país a abolir a escravidão

e a Roda, está perdurou de 1726 até 1950.

Segundo Marcílio (2011) no período colonial, a partir do século XVIII foram

implantadas três Rodas dos Expostos no Brasil, a primeira em Salvador, depois Rio de

Janeiro e Recife. As autoridades provinciais pressionaram Portugal para que instalasse

no Brasil a Roda nos moldes da de Lisboa, ou seja, nas Santas Casas. A Santa Casa

acatou a solicitação de inserir a Roda, mediante pagamento anual. A pesquisa da autora

retrata que antes da Roda, as crianças abandonadas deveriam ser assistidas pelas

Câmaras Municipais, estas eram omissas e sempre arrumavam formas de burlar essa

determinação. A maioria dos abandonados era largada, ficava a mercê da compaixão de

famílias, muitas vezes criada como mão de obra gratuita e fiel.

Teoricamente a responsabilidade de assistir as crianças abandonadas era das

câmaras municipais, que o faziam de forma relutante. No período Imperial, Marcílio

(1998) aponta que com a lei dos municípios de 1828 as câmaras encontraram a brecha

legal para passar oficialmente a responsabilidade dos enjeitados para as Santas Casas de

Misericórdia. Assim, as cidades que tivessem uma Santa Casa poderiam instalar uma

22

As rodas surgiram na Idade Média e na Itália. Surgiram com ligação as confrarias de caridade no século

XII, que se constituíram um espírito de sociedade de socorros mútuos [...]. O nome da roda provém do

dispositivo onde se colocavam os bebês que se queria abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio

por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e sem abertura

externa, o expositor depositava a criancinha enjeitada. A seguir ele girava a roda e a criança já estava do

outro lado do muro Puxava-se uma cordinha com uma sineta, para avisar ao vigilante ou rodeira que um

bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado.

(Marcilio, 2011, p.56-57)

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Roda dos Expostos. E quem subsidiaria as mesmas não seriam as Câmaras e sim a

Assembleia Legislativa.

De certa forma, estava-se oficializando a roda de expostos nas

Misericórdias e colocando estas a serviço do Estado. Perdia-se assim o

caráter caritativo da assistência, para inaugurar-se filantrópica,

associando-se o público e o particular. (Marcilio, 2011, p. 62).

A lei dos Municípios de 182823

inaugurou uma nova fase, que não estava mais

apenas vinculada a caridade da Igreja, mas associava o público e o particular na

assistência aos expostos. Apesar disso poucas Rodas foram criadas. A nova lei também

foi formulada no sentido de incentivar a iniciativa particular (famílias substitutas) a

cuidarem das crianças abandonadas, para que assim os municípios fossem liberados

ainda mais dessa responsabilidade.

No período colonial, as Santas Casas de Misericórdia, sobreviviam na maioria

das vezes da caridade individual da população.

Com o século XIX chega a influência da filosofia das luzes, do

utilitarismo, da medicina higienista, das novas formas de se exercer a

filantropia e do liberalismo, diminuindo drasticamente as formas

antigas de caridade e solidariedade para com os mais pobres e

desvalidos. (Marcilio, 2011, p. 67).

Com a omissão das câmaras e a diminuição das formas de caridade, as

dificuldades aumentaram ainda mais nas instituições de Misericórdia. Para dar resposta

a isso, durante o segundo reinado os bispos, com apoio dos governos provinciais,

trouxeram da França irmãs de caridade para gerenciar as Casas e Rodas dos Expostos.

Seguindo as influências do pensamento liberal vigente na Europa, vistos na

citação anterior, começou no país uma campanha para o fim da Roda dos Expostos. O

movimento era puxado por médicos higienistas indignados com os níveis de

mortalidade infantil das instituições, e também embasado por aqueles que defendiam

teorias evolucionistas, que buscavam a raça humana pura, melhorada. “Esta passou a ser

considerada imoral e contra os interesses do Estado” (Idem, p. 68).

23

Ao contrário do que se esperava com a Lei dos municípios, as rodas não se multiplicaram tanto. Foram

criadas apenas uma dezena delas. Assim encontramos treze rodas de expostos no Brasil: três criadas no

século XVIII (Salvador, Rio de Janeiro e Recife), uma no início do Império (São Paulo), depois da lei

Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas (RS), Cachoeira (BA), Olinda (PE), Campos (RJ), Vitória (ES),

Desterro (SC) e Cuiabá (MT). As oito últimas deixaram de funcionar em 1870. (Marcílio, 2011, p. 62-

66).

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Nessa época, a partir de meados do Século XIX, os juristas começaram a se

preocupar em dar reposta a questão da infância abandonada no país, o que culminou no

Código de Menores de 1927 como visto no capítulo anterior deste trabalho. Segundo

Marcilio (2011), a Roda foi no Brasil um fenômeno essencialmente urbano e pontual. O

movimento para seu fim foi mais forte na Europa que no Brasil, por isso as mesmas no

Brasil só se extinguiram na década de 1950. A pesquisa da autora citada indica que, nas

cidades onde não havia a Roda as crianças não tiveram muita opção de destino. A maior

parte morria, ou ficava a mercê da caridade alheia sendo criada como filho de criação.

Era uma prática comum da época, as famílias acolherem filhos de criação, mesmo a

legislação brasileira só incluindo as primeiras regras da adoção no Código Civil de

1916.

Como as Misericórdias não podiam abrigar todas as crianças que

voltavam do período de criação em casas de amas, e como estas só em

minoria aceitavam continuar criando as crianças, passado o período

em que recebiam salários grande parte das crianças ficava sem ter para

onde ir. Acabavam perambulando pelas ruas, prostituindo-se ou

vivendo de esmolas e pequenos furtos. (Marcílio, 2011, p.75).

Para dar resposta a figura do adolescente infrator, do menor abandonado que

vivia nas ruas, o governo passa a tomar medidas para prevenir e dar resposta a este

fenômeno. O país passa a entrar na fase assistencialista filantrópica (Marcílio, 2011),

que persistiu no Brasil até os anos de 1960. Foi a fase de encontro entre fé e ciência,

onde as táticas filantrópicas, aliadas a preceitos religiosos, eram aplicadas frente a nova

realidade social da infância delinquente. Do final do século XIX até o século XX foram

criados estabelecimentos e instituições de abrigo e educação para a infância abandonada

(públicas e privadas). Então, nessa época a filantropia geria a assistência aos expostos,

nos moldes dos novos parâmetros que vinha se moldando o século XX.

Associações filantrópicas foram sendo criadas, notadamente a partir

dos anos de 1930, para amparo e assistência à infância abandonada.

Uma delas, de grande ação, foi a Liga das Senhoras Católicas; outra

foi o Rotary Club: ambas fundaram ou apoiaram inúmeras instituições

asilares. (Idem, p. 78).

Após os anos de 1960 vem a “fase das FUNABEM”, em que se

institucionalizava os menores em instituições repressoras, e o Estado fazia de tudo para

conter a classe de delinquentes juvenis oriundos das camadas mais pauperizadas da

população. Como visto anteriormente, somente com a Constituição Federal de 1988, e a

mudança na concepção de infância no Brasil e no mundo, as crianças e adolescentes

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finalmente foram reconhecidos como sujeitos de direitos. Enfim, o Estado assume sua

responsabilidade frente às crianças e adolescentes insistentemente estigmatizados na

história do país.

O entendimento de como a estrutura econômica, deriva nas expressões da

questão social, que atinge a vida das famílias, permite a problematização das causas do

abandono na época dos modelos caritativos, filantrópicos e repressivos de assistência à

infância. Através do histórico de atenção aos expostos, pode-se evidenciar que as

expressões da questão social e a luta de classes atravessam toda a discussão de infância

e adolescência no Brasil.

Em todos os grandes regimes implantados no Brasil, a desigualdade econômica e

concentração de riquezas nas mãos de poucos e a exploração e marginalização de

grupos sociais sempre esteve presente. As ricas condições naturais brasileiras, no

período colonial e até hoje, são alvo dos interesses internacionais. A concentração de

terras, em que se implantava a monocultura, para servir ao mercado internacional e a

mão de obra escravizada fez com que boa parte da população livre vivesse na miséria.

Além de a população escravizada ser destituída de qualquer direito econômico, político,

social e humano. Com o fim da escravidão, no período Imperial, e a não implantação de

uma reforça agrária e de uma revolução econômica e política manteve-se a concentração

de renda e marginalização da maior parte da população.

Por falta de condições materiais para cuidar dos filhos, a pobreza foi a principal

das causas do abandono de crianças. As crianças provenientes das classes miseráveis

sempre foram a maioria nas instituições de atendimento a crianças abandonadas. Porém,

uma multiplicidade de fatores também influiu para o abandono de crianças nas rodas. A

própria existência da mesma, onde o anonimato do expositor era mantido, e a falta de

políticas públicas eficientes contribuía para que o ato ocorresse.

A pesquisa de Marcílio (1998, p. 257-266) nos apresenta, partindo de registros

históricos, as causas que levaram a exposição de crianças nas rodas. Proporcionando

ponderações, por exemplo, como a questão econômica e de gênero estão profundamente

intrincadas neste processo.

Ao contrario do que se pode pensar não apenas os filhos ilegítimos eram

expostos, a autora citada encontrou evidencias e relatos escritos de que, também, os

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filhos legítimos eram abandonados. Seja por uma forma de controle de natalidade, ou

por se imaginar que lá as crianças teriam um futuro melhor, o que historicamente não

aconteceu. Segundo Marcílio (idem), autores da época atribuíam sem comprovações

empíricas o abandono a ilegitimidade e a prostituição. Porém se pode constatar, que

fatores econômicos propiciavam que as famílias não tinham como sustentar seus filhos

legítimos.

Fatores supervenientes poderiam determinar a vontade ou a

necessidade de abandonar uma criança. Os mais comuns foram a

morte e a doença do pai ou da mãe, o nascimento de gêmeos, a saída

do pai de casa, deixando sua mulher ao desamparo, e a falta de leite da

mãe dentre outros. Quase sempre estes fatores conjunturais estiveram

associados ao fator econômico da pobreza. (Marcílio, 1998, p. 259).

Valores morais imbuídos no machismo e no patriarcado, portanto na questão de

gênero, influíram também na decisão de abandonar um filho. Pois, a honra da mesma e

principalmente a da mulher precisava ser preservada. Por isso há registro até do

abandono de crianças ricas, cujas mães engravidavam antes do casamento, filhos estes

que podiam ser reavidos futuramente ou não. A preservação da honra da família, a

vergonha e a moralidade, podem explicar a longevidade da duração da roda no país. O

aborto da mulher era malvisto naquela época e criminalizado ainda no século XXI,

porém o que se pode chamar de “aborto do homem” 24

sempre existiu e era socialmente

aceito. A mulher foi responsabilizada a dar conta do sustento dos filhos, sem apoio do

Estado para isso, e moralmente reprimida por escolher não os ter, lhe restava o abando.

A Roda permitiu uma opção mais garantida, de não sofrer represálias sociais, do que a

rua e as casas de família.

O início do século XX trouxe novos fatores para o abandono de crianças.

Internacionalmente o sistema capitalista já estava consolidado no seu estágio

monopolista, o que gerou novas expressões da questão social. No contexto europeu, em

meados do século XIX, ocorreu uma onda de ascensão do capitalismo, observou-se uma

mudança no metabolismo social deste modo de produção graças à transição da primeira

para segunda Revolução Industrial. Na história até então nunca a produção de riquezas

foi tão elevada, porém ela não é desmembrada, por isso concomitantemente há uma

24

O que se refere como “aborto do homem” é o ato do pai deixar as crianças aos cuidados da mãe, não

assumindo nenhuma responsabilidade na sua criação. Diferente do homem, quando a mulher aborta é

criminalizada judicialmente e moralmente.

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elevação da miséria, fenômeno este conhecido como pauperismo25

, cujos

desdobramentos sociopolíticos são as expressões da questão social. A burguesia, antes

revolucionária, no século XIX mostra todo seu potencial explorador sobre os

despossuídos dos meios de produção.

Cardoso (1995) a partir da análise de Florestan Fernandes demonstra que o

capitalismo monopolista no Brasil, se deu na forma de capitalismo dependente. Ou seja,

uma fase perversa da exploração para os trabalhadores, onde as burguesias locais

submetidas às internacionais operavam um capitalismo selvagem no país para assim

poderem obter lucros maiores.

Deste modo, o capitalismo dependente se concretiza através de

expropriação e de autocracia, caracterizando o que Florestan

Fernandes denomina capitalismo selvagem. Conjuga crescimento

econômico dependente com miséria e exclusão despóticas, além da

ausência de direitos fora dos setores sociais dominantes. (Cardoso,

1995, p.5).

Logo, no inicio e decorrer do século XX, o cenário no país foi o de acirramento

das expressões da questão social, empobrecimento dos trabalhadores e carência de

direitos. Os direitos conquistados ao longo do tempo, só o puderam ser, por muita luta

dos trabalhadores organizados, resistindo aos desmandos do capital.

Nas primeiras décadas do século XX com a crescente industrialização, aumento

da urbanização, migração dos trabalhadores rurais para a cidade em busca de emprego e

melhores condições de vida, a entrada da mulher no mercado de trabalho como operária

nas fábricas e, sobretudo, como domésticas foram fatores que favoreceram a exposição

de recém-nascidos. Muitas famílias e mulheres imbuídas de valores morais e religiosos,

ao não conseguir sustentar os filhos, ou quando os bebês possuíam problemas de saúde,

os abandonavam nas rodas, que era a opção que não ia de encontro aos seus valores.

25

A respeito do pauperismo: Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em

que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. Tanto mais a sociedade se revelava capaz de

progressivamente produzir mais bens e serviços, tanto mais aumentava o contingente de seus membros

que, além de não terem acesso efetivo a tais bens e serviços, viam-se despossuídos das condições

materiais da vida de que dispunham anteriormente. Se, nas formas de sociedade precedentes à sociedade

Burguesa, a pobreza estava ligada a um quadro geral de escassez (quadro em larguíssima medida

determinado pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas, materiais e sociais), agora ela se

mostrava conectada a um quadro geral tendente a reduzir com força a situação de escassez. (Netto, 2011,

p. 153)

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Neste trabalho buscou-se problematizar os motivos da institucionalização de

crianças e adolescentes na atualidade pós ECA, evidenciando que são diferentes dos

encontrados nos períodos passados.

Com o novo sujeito social, a criança portadora de direitos, os acolhimentos em

instituições ocorrem menos por abandono por parte dos pais, e mais por violação de

direitos. Antes os menores eram considerados adultos mirins e o seu destino não era

responsabilidade de todos. As instituições que atenderam as crianças e adolescentes

abandonados, do período colonial até a implementação do ECA, também

acompanharam as mudanças de paradigmas sobre a infância e por isso tiveram que ser

reformuladas. Com o Estado e a sociedade assumindo o dever de zelar pelos mesmos, as

causas do abandono e os motivos de institucionalização mudaram, e precisam ser

compreendidos e analisados, para que se possa sonhar com um futuro onde crianças e

adolescentes não sejam um problema ou uma ameaça e sim motivo de alegria e

esperança.

2.2 Expressões da questão social que atravessam o abandono de crianças e

adolescência no Brasil contemporâneo/o papel do Estado na intervenção junto a

infância e adolescência no Brasil das instituições totais aos Abrigos.

No século XX, como já pontuamos, houve o aprofundamento das relações

capitalistas no Brasil. Urbanização, industrialização, migração dos trabalhadores do

campo para as cidades marcaram esse período. O processo de acumulação capitalista,

por meio da propriedade privada dos meios de produção, se deu à custa da produção de

pobreza em larga escala. Para manutenção da ordem estabelecida, do status quo, as

classes dominantes precisavam ter o controle das “classes perigosas”. Quem fazia parte

dos “perigosos”/indesejados eram todos que evidenciavam as contradições do sistema

capitalista, os que tinham potencial de suscitar revoltas contra o sistema, que

ameaçavam a falsa paz social e estampava nos centros das cidades as contradições do

mesmo. Os (as) meninos (as) de rua e das comunidades pobres significavam perigo para

as classes abastadas, apenas por existir, representando o símbolo mais drástico de luta

pela sobrevivência.

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A criança marginalizada devia então ser vigiada, controlada, punida e submetida

a uma educação que a preparasse para ser útil ao futuro do país (não para mudá-lo). Até

a década de 1960 o Estado não foi um interventor na questão da assistência, e menos

ainda, na proteção das crianças abandonadas. Após o Código de Menores de 1927 o Juiz

de Menores era o todo poderoso, a qualquer desvio de conduta do menor podia retirá-lo

da família extinguindo o pátrio poder. Dessa forma, o Estado se restringia a estudar,

vigiar, controlar e punir os desviantes. Para isso criou diversos órgão como o SAM, que

cuidava da assistência do menor carente e do infrator.

Em 1964, os militares no poder criaram a Fundação Nacional do Bem

Estar do Menor, FUNABEM – (cujos Estatutos foram objetos do

decreto de 14/07/1965) – que introduz o Estado Interventor ou o

Estado de Bem Estar (Welfare State) nos assuntos da assistência a

infância. (Marcilio, 1998,p. 225)

As propostas das FUNABEM para prevenir a marginalização do menor e

promover sua promoção social não renderam os frutos esperados aos gestores. Ao

contrário, os prejuízos foram apurados na Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI do

Menor de 1976. “De acordo com seu diagnóstico, havia no Brasil cerca de 25 milhões

de menores carenciados e/ou abandonados; 1/3 da população infanto-juvenil

encontrava-se em estado atual ou virtual de marginalização.” (Marcílio, 2011, p. 305).

Até ser extinta, a FUNABEM, teve suas dimensões diminuídas e foi subordinada ao

Ministério da previdência e assistência social. Nessa época se estimava que 60% da

população viviam nas cidades, os redatores da CPI queriam que a FUNABEM

resolvesse os problemas atrelados ao crescimento demográfico. Associar o abandono de

crianças ao aumento da população é um erro metodológico, e desonesto, pois elimina a

luta de classes e as expressões da questão social da equação. Ao não terem direitos de

proteção garantidos, a infância e adolescência eram vítimas da desproteção social e por

isso eram abandonados.

Pressionado pela Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) – por

seus militantes nacionais e internacionais e organizações não governamentais – o Brasil

cria o Estatuto dos Menores (1979), visando responder as exigências de tornar as

crianças e adolescentes portadores de diretos e o dever do Estado de garanti-lo. O que

ocorreu foi a criação das FEBEMs – Fundações Estaduais de Bem Estar do Menor -,

que eram dispositivos de intervenção do Estado sobre a família, que abriram caminho

para o avanço da política de internatos-prisão. Essas instituições já existiam, mas foram

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passadas à responsabilidade dos governos estaduais. Ainda na atualidade, a infância e

juventude são criminalizadas pelo fracasso de não conseguir se promover na vida.

O ciclo de mudanças começa no pós década de 80 e se consolida nos anos 90. O

quadro geral desalentador, de aumento da pobreza – implementação do neoliberalismo

no país nos anos 90 – violência e a cada vez maior incapacidade do poder público de

oferecer respostas, fez com que a sociedade começasse a se organizar em prol dos

direitos das crianças. Este processo culmina na criação do ECA em 1990, marcando o

início de uma nova fase, que pode ser chamada de desinstitucionalizadora, caracterizada

pela implementação de uma nova política que se baseia numa legislação que rompeu

com paradigmas anteriores de atenção à criança desamparada.

O ECA manteve-se fiel à Convenção Internacional dos Direitos da

Criança e, também à nova Constituição do Brasil de 1988. Pela

primeira vez em nossa história, seguindo a tendência já instaurada em

outros países ditos avançados, as crianças deixam de ser objeto e

passam a ser Sujeitos de direitos. (Marcilio, 1998, p. 228).

A partir da CF 1988 em 1993 é promulgada a lei n° 8.742, Lei Orgânica da

Assistência Social (LOAS), que institui a assistência social como dever do Estado e

direito de todos os cidadãos. A fim de materializar o conteúdo da LOAS, vem

ocorrendo um aprimoramento legal desse arcabouço de proteção social, para tanto em

2004 é aprovado o Plano Nacional de Assistência Social (PNAS), este que definiu e

organizou como seria o Sistema Único de Assistência Social (SUAS):

O SUAS é um sistema público não-contributivo, descentralizado e

participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da

Assistência Social no campo da proteção social brasileira

(NOB/SUAS 2005).

O SUAS consolida o modo de gestão compartilhada, estabelece a divisão de

responsabilidades entre os entes federativos, entre outros termos se orienta pela unidade

do alcance de direitos pelos usuários. Tal sistema prevê dois níveis hierarquizados: onde

um seria a proteção social básica, que visa prevenir a violação de direitos e se opera

pelos Centros de Referencia de Assistência Social (CRAS); e a proteção social especial

dividida entre média e alta complexidade, a média se operacionaliza nos Centros de

Referencia Especializada de Assistência Social (CREAS) e os de alta nas instituições de

acolhimento. Para acolhimento em Abrigos às crianças e adolescentes devem ser

encaminhados pelo conselho tutelar ou autoridade judiciária.

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Em 13 de julho de 1990 foi instituído pela Lei 8.069 o Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA –, a lei n° 12.010/09 propôs alterações ao ECA aperfeiçoando a

sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar. Segundo o ECA as

crianças e adolescentes são concebidos como sujeito de direitos: direitos à vida e à

saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à

educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção no trabalho.

Quando os direitos das crianças e adolescentes são violados, há medidas específicas de

proteção a ser aplicadas, a VII delas (art. 101) é o acolhimento institucional, este que

não se constitui em um “castigo” – privação de liberdade – e possui caráter provisório

entre a transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, integração em

família substituta – adoção.

A medida de proteção de acolhimento em abrigo é uma das oito que podem ser

aplicadas, isoladas ou cumulativamente, seja por violação ou ameaça ocasionada por

ação e omissão do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, ou em

razão da conduta da criança e do adolescente. Cabe destacar que a lei 12.010/09 trouxe

grandes avanços, como por exemplo, a periodicidade de no máximo seis meses para

avaliação pela autoridade judiciária de cada caso, isso no esforço de garantir que a

medida seja de fato provisória como previsto em lei. A nova lei foi útil, no sentido de

agilizar, no que cabe ao âmbito jurídico, a garantia do direito a convivência familiar e

comunitária.

O ECA vem no sentido de romper com a visão de duas infâncias, e o estigma

do conceito de menor. A garantia da convivência familiar e comunitária, aspecto

reforçado também através da PNAS (2004) e, consequentemente, no SUAS, tem no

Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes

à Convivência Familiar e Comunitária (2006) PNCFC (resultado da articulação

importante entre os diversos atores políticos, dentre eles o Conselho Nacional de

Assistência Social CNAS e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente CONANDA), a comprovação de sua relevância política por se tratar de

uma articulação nacional para elaborar um documento que mostra o avanço dos debates

acerca da proteção integral e a proposta de ruptura com a preocupante cultura de

internar a infância. Onde, o abrigo constitui importante medida de proteção e estratégia

complementar ao referido plano (PNCFC). Mas, a medida do abrigo tem um caráter

contraditório. Mesmo protegendo a criança/adolescente, e trabalhando na restauração

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dos vínculos familiares apresenta certo grau de confinamento, pois apesar de ter por lei

o prazo máximo de dois anos de acolhimento, muitas vezes esse prazo é excedido.

Todo esse movimento democrático se constitui em um avanço, visando o

rompimento com o desenho de até então das políticas sociais. Porém para que a

seguridade social fosse de fato implementada (como tecida na constituição de 1988), se

faria necessário a adoção de novos planos econômicos, políticos e sociais. O ajuste

neoliberal – que juntamente com mudanças na forma de produzir caracterizaram formas

encontradas pelo capital para superar a crise de superprodução dos anos de 1970 –, ao

garantir um Estado forte para os interesses capitalistas fez necessário cortes nos

investimentos voltados para o campo da seguridade social.

No cenário apresentado as políticas sociais passaram a não ser de caráter

universal, na cena contemporânea são cada vez mais focalizadas (para os mais pobres

dentre os pobres), fragmentadas e precarizadas. Essa precarização vem acompanhada de

uma estratégia mais geral, Segundo (Soares, 2000):

[...] denominado processo de “descentralização destrutiva”: de um

lado se tem o desmonte de políticas sociais existentes – sobretudo

aquelas de âmbito nacional – sem deixar nada em substituição; e de

outro se delega aos municípios as competências sem os recursos

correspondentes e/ou necessários. (Soares, 2000, p.177):

Ou seja, uma mera descentralização da parte administrativa, sem levar em consideração

que os municípios não são homogêneos, o que resulta numa diferenciação da qualidade

dos serviços sócio-assistenciais.

O Estado para se desresponsabilizar pelo ônus da “questão social”, diminuindo

os custos com esses serviços, incentiva uma parceria com as instituições da sociedade

civil, o dito “terceiro setor”. Por meio da leitura de Montaño (2002) se observa que o

crescimento de um chamado “terceiro setor” remete ao incentivo de parcerias público-

privadas, um fenômeno que vem evidenciando uma nova forma de resposta as sequelas

da “questão social”, que mostra uma desresponsabilização de um Estado (visto como

ineficiente) e do Mercado, apelando à responsabilidade individual para tal.

Mesmo em nosso país, onde jamais fomos capazes de construir um

efetivo Estado de Bem Estar Social, ao invés de evoluirmos para um

conceito de política social como constitutiva de direito de cidadania,

retrocedemos à uma concepção fatalista, emergencial, parcial, onde a

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população pobre tem que dar conta dos seus próprios problemas

(Soares, 2000, p. 181).

Tudo isso demonstra a fragilidade do sistema de proteção social. Sendo que o

neoliberalismo veio na contramão da tendência democrática posta pela constituição

cidadã. O Sistema Único da Assistência Social (2005) que segundo a Lei Orgânica da

Assistência Social (1993) “É o mecanismo que permite interromper a fragmentação que

até então marcou os programas do setor e instituir, efetivamente, as políticas públicas da

área e a transformação efetiva da assistência em direito”, nessa conjuntura macro-

societária, vai ser passível de contradições onde se encontra dificuldades em responder

as demandas de garantias de direitos da população usuária.

A questão da pobreza não constitui motivo suficiente para o acolhimento, por

mais pauperizada que seja a família isso não exclui que se mantenham vínculos afetivos.

A pobreza, apontada como o principal motivo do abrigamento, não

justifica em termos legais a indicação de abrigamento, devendo-se,

nestes casos, privilegiar-se o atendimento da família em programas de

assistência social (Guará, 2005, p.7).

A pobreza por si só não justifica a violação dos direitos das crianças e dos

adolescentes, isoladamente não constitui motivo para se retirar um filho da família.

Mas, é um fator determinante e por isso deve ser priorizada pelo poder público, pois

debilita a capacidade das famílias oferecerem a proteção que lhes é cobrada do Estado.

No interior de um modo de produção desigual, a qualificação das políticas sociais e sua

efetividade são primordiais na garantia de melhor condição de vida para população.

A família, ao longo do século XX foi culpabilizada por seu fracasso em dar

resposta à própria reprodução social dos membros. O Estado sempre buscou apelar a

vontade individual e da família para oferecer respostas a questão do menor abandonado,

e quando todo um sistema de proteção social é estruturado, ainda carrega os ranços de

não receber prioridade das agendas políticas dos governantes. Os direitos sociais, então,

deveriam ser prioridade do investimento estatal, pois não existe cidadania sem

intervenção ativa do Estado, ainda mais no contexto mais amplo de acirramento da vida

em tempos neoliberais. A proteção social deve ser bem estruturada, com políticas

realmente universalistas, para que assim, segundo Gueiros (2002), a família tenha

condições básicas de inserção social e de cidadania para que possa cumprir o papel

social e legal a ela atribuídos.

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56

O recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o principal

instrumento de assistência à infância no País. Hoje, apesar das mudanças na visão da

infância e no seu trato, com bases nas legislações e documentos citados, se avalia,

através de uma concepção crítica da sociedade, que no interior da sociedade capitalista

nunca se terá efetivamente a igualdade de direitos. No interior da sociedade de classes,

se buscam estratégias para intervir na relação contraditória de capital versus trabalho.

Luta muito importante, pois a infância e adolescência, como visto há séculos, são as

mais cruelmente afetadas.

2.3. A política de acolhimento institucional de crianças e adolescentes em

abrigos.

O Serviço de Acolhimento Institucional26

é o acolhimento em diferentes tipos de

dispositivos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou

fragilizados, a fim de garantir proteção social integral aos mesmos. A organização do

serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à

diversidade de: ciclos de vida, arranjos, raça/etnia, gênero e orientação sexual.

O atendimento prestado deve ser personalizado e em pequenos grupos e

favorecer o convívio familiar e comunitário, bem como devem ser utilizados os serviços

oferecidos na rede comunitária local. As regras de gestão e de convivência deverão ser

construídas de forma participativa e coletiva, a fim de assegurar a autonomia dos

usuários, conforme perfis. Todo esse movimento foi muito importante, principalmente,

no caso de atendimento a crianças e adolescentes, no sentido de romper com as

características repressivas dos antigos orfanatos e grandes internatos, que não se

preocupavam em garantir a convivência familiar e comunitária.

No caso deste TCC, o objeto de estudo, é o acolhimento institucional de crianças

e adolescentes. Os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes integram os

Serviços de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, sejam

eles de natureza público-estatal ou não-estatal e devem pautar-se nos referenciais dos

seguintes documentos: Estatuto da Criança e do Adolescente; Nova Lei da Adoção;

26

Conforme indicado no começo do trabalho, utiliza-se o termo acolhimento institucional para demarcar

a diferença entre a prática de institucionalizar crianças, o que contribuía para o rompimento dos vínculos

familiares, e a execução da medida abrigo na contemporaneidade, que se dá de forma excepcional e

provisória, de acordo com as mudanças de paradigmas frisadas no ECA.

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57

Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes

à Convivência Familiar e Comunitária; Política Nacional de Assistência Social; Projeto

de Diretrizes das Nações Unidas sobre Emprego e Condições Adequadas de Cuidados

Alternativos com Crianças.

O acolhimento institucional é uma política do Estado Brasileiro, que responde as

expressões da questão social ligadas à violação dos direitos das crianças e adolescentes.

Para implementá-la lança mão de dispositivos, em relação aos aspectos legais, como

visto, todas as entidades e órgãos envolvidos devem seguir as orientações do Estatuto da

Criança e do Adolescente. Ficando a cargo do Juizado da Infância e da Juventude, do

Ministério Público, dos Conselhos Tutelares, dos Conselhos Municipais de Direitos,

entre outros órgãos de garantia de direitos, fiscalizar e acompanhar o cumprimento das

prerrogativas legais.

Os projetos governamentais estão submetidos, no nível municipal, às

Secretarias de Assistência Social. As regras e prioridades podem ser

mudadas conforme mudanças político-partidárias aconteçam, levando

a incertezas quanto à continuidade das ações. Por sua vez, os projetos

não-governamentais têm uma relativa autonomia de execução em

relação a esfera pública, sendo submetidos aos parâmetros estipulados

pelas mantenedoras. No entendo, devem ser registrados no Conselho

Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e ter o Estatuto da

Criança e do Adolescente como o pilar legal que norteia a execução

das ações. Devem, ainda, estar abertos à fiscalização periódica de suas

iniciativas por parte dos Conselhos tutelares, Ministério Público e

Juizado da Infância e da Juventude. (Rizzini, 2006, p.95-96).

Segundo e o ECA em seu artigo 98:

As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis

sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou

violados I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por

falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua

conduta. (ECA, 1990).

O segundo capítulo do Estatuto da Criança e do adolescente, trata das medidas

de proteção que devem ser aplicadas quando se constata a violação de direitos da

criança e do adolescente27

. A VII medida de proteção, que pode ser aplicada sozinha ou

27

A saber: Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade

incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Art. 4º. É dever da família, da

comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação

dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em

quaisquer circunstâncias; b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

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acumulada com as outras, é o acolhimento institucional. Essa medida é aplicada como

forma de proteção a criança e/ou adolescente, em que se avalia a necessidade de

afastamento da família. Essa medida é de caráter provisório e excepcional, tendo o

firme propósito de reinserção familiar, ou não sendo essa possível, colocação em família

substituta, logo não se configura como privação de liberdade, pelo contrário, a

convivência familiar e comunitária devem ser incentivadas e garantidas.

As crianças/adolescentes só podem ser encaminhadas aos abrigos pela

autoridade judiciária (através da Guia de Acolhimento art. 101. § 3° ECA) e,

excepcionalmente, pelo Conselho Tutelar. Na guia de acolhimentos consta os

documentos do acolhidos, todas as informações do mesmo e de sua família, bem como

os motivos da retirada da família. Após o acolhimento, o corpo técnico da instituição

deve elaborar um Plano de Atendimento Individual (ECA, art.101 § 4º) levando em

consideração a opinião da criança e a oitiva dos pais. Neste plano constarão, os

relatórios de avaliação da equipe interdisciplinar28

, os compromissos assumidos pelos

genitores ou responsável, plano de atividades a serem desenvolvidas com o acolhido e

com os responsáveis (tendo em vista a reintegração familiar). Tal plano deve estar

sempre atualizado, para fundamentar as decisões judiciárias sobre o destino dos

acolhidos. No máximo a cada seis meses, dentro da instituição, deve ocorrer uma

audiência concentrada, para se discutir a situação dos acolhidos e evitar o engessamento

dos casos, para que o mais rápido possível, se possa tomar as medidas necessárias para

o andamento dos casos. Nas audiências se fazem presentes o juízo, a promotoria, a

equipe técnica do judiciário e do abrigo e quem mais for convocado.

Geralmente, a equipe técnica que atua nos abrigos é composta por profissionais

das áreas de serviço social, psicologia, psicopedagogia, direito e nutrição. Onde, todos

devem se comprometer a mudar a cultura de institucionalização. Muitos podem pensar

que os abrigos possuem médicos e professores, mas a instituição deve ser encarada

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de

recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º. Nenhuma

criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus

direitos fundamentais (ECA, 1990). 28

Entende-se sobre o trabalho por bases interdisciplinares: “A perspectiva interdisciplinar não fere a

especificidade das profissões e tampouco seus campos de especialidade. Muito pelo contrário, requer a

originalidade e a diversidade dos conhecimentos que produzem e sistematizam acerca de determinado

objeto, de determinada prática, permitindo a pluralidade de contribuições para compreensões mais

consistentes deste mesmo objeto, desta mesma prática” (Martinelli, 1995, p 157).

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como a casa dos acolhidos, portanto as demais necessidades e demandas devem ser

supridas pelas redes sócio-assistenciais dos municípios. Visto que a criança não deve ser

apartada da vivência na comunidade.

O MCA - Módulo da Criança e do Adolescente consiste em um site, ligado ao

ministério público, que deve ser atualizado regularmente, que funciona como um

cadastro on-line contendo dados dos programas de acolhimento de cada criança ou

adolescente acolhido no Estado do Rio de Janeiro. Todos os órgãos da rede de proteção

da criança e do adolescente envolvidos com acolhimento podem trabalhar integrados

on-line (as pessoas precisam ser autorizadas por uma senha conseguida em curso para

acessar). Consiste em uma ferramenta importante, pois com o agrupamento de todas as

informações dos diversos órgãos a respeito do acolhido, permite-se que mais facilmente

se encontre uma resposta para as suas demandas. Por isso o Ministério Público, prima

pela cobrança que essa ferramenta esteja sempre atualizada. Segundo o site do Conselho

Nacional do Ministério Público, o qual o MCA recebeu menção honrosa, em relação ao

módulo:

O projeto também tem como objetivo a integração operacional entre

as instituições, a elaboração de diagnósticos atuais, globais e locais, e

o desenvolvimento de políticas públicas na área. O MCA facilita o

diálogo entre os órgãos e entidades envolvidos na medida protetiva de

acolhimento, tais como promotorias, juízos, conselhos tutelares e

locais que recebem as crianças e adolescentes. No formulário de cada

menino ou menina, há registros tanto de informações pessoais quanto

relativas à atuação dessas instituições. O “Módulo da Criança e do

Adolescente” serviu como base para o desenvolvimento do Cadastro

Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), sistema

gerido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (Conselho Nacional

do Ministério Público, 201329

)

O projeto funciona, pois há uma cobrança para que esteja sempre atualizado, o

que facilita a integração dos órgãos de proteção social. Além disso, as informações

cadastradas auxiliam no censo população Infanto-juvenil acolhida no Estado do Rio de

Janeiro realizado anualmente.

O parágrafo único do artigo 91 do Estatuto da criança e do adolescente prevê

que o atendimento em abrigo deve ser personalizado e em pequenos grupos. Dessa

forma, o atendimento das crianças/adolescentes deve ser em unidade institucional

semelhante a uma residência, destinada ao atendimento de grupo de até 20 crianças e/ou

29

Disponível em: < http://www.cnmp.mp.br/premio/premiados/31:modulo-crianca-e-adolescente-mca>,

acesso em 24 de novembro de 2014.

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adolescentes. Nessa unidade é indicado que os educadores/cuidadores/monitores (seja

qual nome for designado) trabalhem em turnos fixos diários, a fim de garantir

estabilidade das tarefas de rotina diárias, referência e previsibilidade no contato com as

crianças e adolescentes. Poderá contar com espaço específico para acolhimento

imediato e emergencial, com profissionais preparados para receber a

criança/adolescente em qualquer horário do dia ou da noite, enquanto se realiza um

estudo diagnóstico de cada situação para os encaminhamentos necessários. As unidades

não devem distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geográfico e

socioeconômico, da comunidade de origem das crianças e adolescentes atendidos.

A pesquisa intitulada: “O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos

para crianças e adolescentes no Brasil” (Silva, IPEA/CONANDA, 2004)30

realizada

pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas - IPEA em parceria com o

Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes – CONANDA em 2004

nos apresenta um panorama do direito a convivência familiar no país bem como as

características da medida de abrigo em entidade a que crianças e adolescentes que

tiverem seus direitos violados são encaminhados. Tal pesquisa, que se tornou um

livro/relatório, foi de fundamental importância para dar luz ao acolhimento de crianças e

adolescentes no país, retirando-os do esquecimento.

A pesquisa, logo em seu prefácio, adianta dados ao leitor de vital importância

para se entender a política de acolhimento institucional no Brasil.

Em primeiro lugar, o fato de 86,7% das crianças e adolescentes

abrigados possuírem família, com a qual a maioria mantém vínculos

(58,2%), sendo os motivos relacionados à pobreza os mais citados

para o abrigamento (52%). Ainda assim, o tempo de duração da

institucionalização variando entre 2 e 5 anos para 32,9% de todos os

abrigados. (Silva, IPEA/CONANDA, 2004).

30

O estudo abrangeu a Rede SAC/Abrigos para crianças e adolescentes (Rede de Serviços de Ação

Continuada/ Secretaria de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

fome). A Rede SAC herdou o antigo sistema de serviços de assistência do Governo Federal, via

convênios com a rede privada, calcado no pagamento per capita. Ela inclui 630 instituições em todo

Brasil (exceto Distrito Federal e Tocantins), oferecendo programas de abrigo para crianças e adolescentes

e 808 unidades executoras atendendo aproximadamente 20 mil crianças e adolescentes (Silva,

IPEA/CONANDA,2004). Ressalta-se que, com a aprovação da NOB/SUAS em julho de 2005 e das

Portarias n. 440/2005 e n. 442/2005 do MDS, os recursos do co-financiamento federal das ações

socioassistenciais passaram a ser transferidas por Pisos de Proteção, substituindo a aplicação per capita.

Os recursos dos Pisos de Proteção poderão ser utilizados conforme a necessidade local, dentro das ações

passíveis de financiamento por cada piso. (Rizzini, 2006, p. 89-90).

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Se 86,7% dos acolhidos possuem família e destes, a maioria, mantém seus

vínculos familiares, por que um terço deles excede o tempo máximo de acolhimento

previsto em lei? O foco e a função do acolhimento institucional é reintegrar ou integrar

a criança/adolescente a família, quando esse período é extrapolado mais uma vez o

acolhido tem seus direitos fundamentais violados. Os vínculos com a família de origem

podem ser irreparavelmente rompidos, além de que a demora para entrar no cadastro

nacional de adoção diminui as chances de que a mesma aconteça.

A pesquisa do IPEA abarca instituições que recebem verbas do governo federal,

o que deveria implicar compromisso das instituições em garantir as diretrizes pautadas

no ECA. Essa situação pode implicar, que as crianças/adolescentes vem tendo seus

direito a convivência familiar e comunitária negligenciados, na medida em que as

instituições financiadas pelo governo não mantém práticas de assistência que

contribuam para o fortalecimento dos vínculos das mesmas e suas famílias, e não sendo

essa mais uma opção possível, trabalho para colação em família provisória ou

substituta.

O acolhimento institucional não pode ser a política pública de solução para a

pobreza e a falta de recursos. Sendo 52% dos motivos de acolhimento relacionados a

pobreza, tal realidade se torna mais grave, pois o ECA prevê que o direito a convivência

familiar e comunitária não pode ser violado por carência de recursos materiais.

Um terço dos acolhidos pesquisados permaneceu entre 2 e 5 anos na instituição,

extrapolando a função da medida abrigo, que seria a de ser um suporte de caráter

excepcional e provisório, com o firme propósito de reinserção familiar. Rizzini (2006)

aponta, que “No Brasil, a avaliação da necessidade de suspensão de guarda ainda é

calcada em interpretações do que está preconizado pelo Estatuto, dando margem a

equívocos por vezes irreparáveis na relação de vínculos das crianças e/ou adolescentes

com suas famílias” (Rizzini, 2006, p.89). Somando isso ao fato de se extrapolar a

provisoriedade primada na política, mostra que a medida protetiva abrigo vem sendo

aplicada em caráter indiscriminado no Brasil.

Deve-se fortalecer e gestar no país políticas públicas de apoio sócio-familiar,

sustentando uma política de preservação de vínculos familiares. Não de forma a

responsabilizar a família por não conseguir prover a sobrevivência dos seus membros,

chamando a responsabilidade estatal para tal. Nos casos onde o acolhimento

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institucional não tem diretamente relação com a pobreza, como por exemplo, nos de

abuso sexual (onde não se tenha família extensa para trabalhar o fortalecimento de

vínculos), deve ser propiciada a criança/adolescente um ambiente saudável para

tratamento do trauma e sua formação enquanto sujeito, e preparação para a vida adulta.

Em relação às instituições a pesquisa do IPEA/CONANDA trás dados que

saltam aos olhos:

Interessante perceber também que, do universo pesquisado,

68,3% dos abrigos são não-governamentais e 67,2% deles

possuem significativa influência religiosa. No que se refere à

manutenção dos abrigos não governamentais, cerca de 70% dos

recursos são próprios ou se originam de doações de pessoas

físicas ou jurídicas. A contribuição dos recursos públicos

(União, estados e municípios) situa-se em torno de um terço do

total. (Silva, IPEA/CONANDA, 2004).

Tais dados se explicam pelas raízes histórico-culturais do nosso país, onde a

assistência às crianças abandonadas se deu principalmente por meio de instituições

religiosas, que recebiam subsídios dos governos, mas eram mantidas principalmente

com recursos dos particulares. Há uma tendência histórica, que se perpetua, do Estado

financiar a esfera privada para realizar um serviço público, e o pior não respeitando a

Laicidade do Estado financiando instituições de cunho religioso. Por exemplo, como o

Estado trabalha a dependência química atualmente? Ele financia clínicas religiosas para

fazer o seu serviço. A pessoa ao buscar sair da alienação causada pela sociabilidade

burguesa acaba sendo submetida à alienação religiosa. O Departamento Geral de Ações

Socioeducativas – DEGASE, através do governo Sérgio Cabral no Rio de Janeiro,

fechou convênio com a associação Amor e Vida para reforçar o tratamento a

adolescentes que fazem uso abusivo de drogas. Instituição está vinculada a Igreja

Evangélica31

. Os assuntos da religiosidade não deveriam ser misturados a nenhuma

política pública, pois retira o caráter do direito conquistado e a ser garantido passando

ao âmbito caritativo.

A pesquisa em pauta trás alguns dados para se pensar a própria infância e

adolescência no país. As crianças e os adolescentes, a época da pesquisa, representavam

34% da população brasileira, cerca de 48% das crianças e 40% dos adolescentes é

considerada pobre ou miserável, pois vivem em famílias cuja renda per capita não

31

Visualizado em < http://gov-rj.jusbrasil.com.br/noticias/495844/novo-degase-tera-mais-30-vagas-para-

tratar-dependentes-quimicos> .

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ultrapassava meio salário mínimo. Em 2000, 20% das crianças até um ano de idade não

possuíam registro de nascimento. Em 2002, existiam 3 milhões de crianças e

adolescentes de 5 a 15 anos trabalhando no país, apesar da proibição legal. Em 2001,

2,5 milhões de crianças e adolescentes morreram em função de danos ou lesões

provocadas por terceiros. Até julho de 2002, do total das violações computadas pelo

Sistema de Informações para a Infância e a Adolescência - SIPIA, 57% haviam sido

cometidas pelo pai, pela mãe ou por outra pessoa detentora da guarda da criança. (Silva,

IPEA/CONANDA, 2004).

Reproduz-se no Brasil o que Azevedo e Guerra (2003) denominam de

vitimização de crianças. Que seriam crianças vitimizadas pelas expressões da questão

social, pela fome, por ausência de abrigo ou por morar em habitações precárias, por

falta de escolas, por doenças contagiosas, por inexistência de saneamento básico. Em

que a cronificação da pobreza contribui para a precarização e deterioração de suas

relações afetivas e parentais (Azevedo e Guerra; 2003). Porém, a pobreza e a falta de

recursos para gerir a materialidade da vida não é suficiente para explicar a violação dos

direitos das crianças e adolescentes. Não são em todas as famílias pobres que ocorrem

violação de direitos, bem como as crianças das classes abastadas também são passíveis

de terem seus direitos violados. Ou seja, a relação entre pobreza e vitimização de

crianças não é direta, deve ser relativizada, pois existem outras mediações que refutam o

caráter imediato e fatalista dessa associação.32

A pobreza seria então, um

potencializador ou agravante dos fatores de risco.

Em relação a caracterização do acolhimento a pesquisa (Silva,

IPEA/CONANDA 2004, capítulo 2.) discriminou alguns dados. A época da pesquisa

foram encontrados cerca de 20 mil crianças e adolescentes vivendo nos 589 abrigos

pesquisados em todo o Brasil. A maior parte deles se encontra na região Sudeste, que

concentra 49,1% dos abrigos e 45% dos acolhidos. Entre as crianças e os adolescentes

abrigados na época de realização desta pesquisa, 11,7% tinham de zero a 3 anos; 12,2%,

de 4 a 6 anos; 19,0%, de 7 a 9 anos; 21,8%, de 10 a 12 anos; 20,5%, de 13 a15 anos; e

11,9% tinham entre 16 e 18 anos incompletos. E apesar de não ser permitido por lei,

2,3% tem mais de 18 anos. 60,8% dos acolhidos de zero a 6 anos frequentavam creches

32

Para aprofundar a reflexão ler o capítulo 2 de: Silva, Enid Rocha Andrade da (coord.). O direito à

convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília:

IPEA/CONANDA, 2004.

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ou pré-escolas, e que 95,9% dos que tinham entre 7 e 18 anos também estavam na

escola. A taxa de analfabetismo dos acolhidos foi de 16,8%, percentual que se mostrou

muito maior que a média nacional de 3%. 58,5% eram meninos e 41,5% meninas onde a

proporção de meninos nos abrigos é sempre maior do que a de meninas, independente

da faixa etária que se analise. Em relação a cor mais de 63% das crianças e adolescentes

abrigadas são negros (21%são pretos e 42% são pardos), 35% são brancos e cerca de

2% são das raças indígena e amarela. O cruzamento entre raça e faixa etária, evidencia

uma tendência progressiva de aumento da população negra conforme avança a faixa

etária dos acolhidos.

Algumas considerações e hipóteses podem ser traçadas frente aos dados

disponibilizados. Silva (IPEA/CONANDA2004) chama atenção para o fato de a partir

dos 6 anos os trabalhadores perderem acesso a equipamentos públicos de apoio ao

cuidado com os filhos, como a creche pública, o que pode se refletir no maior número

de acolhidos acima dos sete anos de idade, além do fato da dificuldade de adoção de

crianças mais velhas. Pelos percentuais apresentados se percebe a maior incidência de

meninos em todas as faixas etárias, uma possibilidade para entendimento da questão

seria a histórica preferência pela adoção de meninas. Um recorte de cor claramente deve

ser feito, pois a relação entre a população negra e a medida de acolhimento institucional

é gritante, 63% das crianças/adolescentes são negras. Silva (Idem) apresenta duas

hipóteses para o fenômeno: a clara preferência da sociedade em adotar crianças brancas;

as condições socioeconômicas de uma determinada criança e/ou adolescente exercem

importante influência na aplicação da medida de abrigo visto que a maioria das crianças

pobres é negra33

. Tais dados a respeito do recorte racial merecem uma investigação

científica profunda, que não será extenuada neste trabalho, mas se pode apontar as

raízes históricas do racismo e do preconceito no país, que foram primordiais para a

escravização da população negra para o desenvolvimento do país. Assim, por conta das

centenas de anos de escravidão no país, com uma população que se estabeleceu sem

nenhuma medida reparadora por parte do Estado. Culminou na precarização da vida,

criminalização e marginalização da população negra no Brasil.34

33

A autora trás um gráfico que mostra a relação inversa entre raça/cor e renda para o total das crianças e

dos adolescentes brasileiros. Onde foi possível observar que quanto menor a renda familiar per capita,

maior é a proporção de crianças negras. 34

Ver: MORRE, Carlos. A áfrica que incomoda: sobre a problematização do legado africano no

quotidiano brasileiro. 2ª edição. Belo Horizonte: Nandyala, 2010. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do

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Entre os principais motivos do abrigamento das crianças e dos

adolescentes pesquisados estão a carência de recursos materiais da

família (24,1%); o abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%); a

violência doméstica (11,6%); a dependência química de pais ou

responsáveis (11,3%); a vivência de rua (7,0%); a orfandade (5,2%); a

prisão dos pais ou responsáveis (3,5%) e o abuso sexual praticado

pelos pais ou responsáveis (3,3%). Todos os demais motivos referidos

apareceram como responsáveis pelo abrigamento de cerca de 15% das

crianças e dos adolescentes nos abrigos da Rede SAC em todo o

país.(Silva, IPEA/CONANDA,2004)

Se for considerar todos os motivos citados, que podem se relacionar com a

pobreza familiar, conclui-se que a pobreza familiar esta relacionada pelo ingresso de

mais da metade (52%) das crianças e adolescentes nos abrigos.

Todos os motivos apresentados no gráfico acima podem ser relacionados

desigualdade de classes estrutural da sociedade capitalista, que como visto, cria cada

vez mais um ambiente carenciados de recursos que agrava os motivos de ingresso das

poder, eurocentrismo e América Latina. En libro: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências

sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad

Autónoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005. GUIMARÃES, Antonio Sergio A. Democracia

racial: o ideal o pacto e o mito.Revista Novos Estados, nº 61. CEBRAP. 2001, p. 147-162.

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crianças e adolescentes nas instituições de acolhimento. O fato dos pais ou responsáveis

serem destituídos dos meios de prover a sobrevivência e a reprodução social de seus

membros, pode dar margem para as violações de direitos listadas no gráfico acima

(vivência de rua, mendicância e etc). Silva (idem) aponta que muitos pais carenciados

de recursos materiais ainda podem ver a institucionalização como forma de garantir um

futuro melhor para o filho, com direitos básicos assegurados.

Tais dados gerais da realidade das crianças/adolescentes no país e da política de

acolhimento institucional demonstram os limites da política. Incentivar e trabalhar para

o retorno do acolhido e a família e que a medida abrigo seja de fato breve, como

explícito em lei, se torna um desafio que ultrapassa os muros das instituições. Isto,

porque como visto a pobreza está na raiz do problema que leva a tomada da medida. “É

difícil supor que intervenções pontuais junto à família ou ao violador de direitos possam

estancar os problemas que levaram a criança ou adolescente ao abrigo” (Silva, ibdem).

Para tanto seriam necessárias medidas mais amplas, como a criação de políticas

públicas que realmente sejam abrangentes em relação ao atendimento as famílias,

políticas que pactuassem a intersetorialidade (como visto nos capítulos anteriores) e,

ultrapassando o âmbito das políticas públicas, pautar na sociedade a destruição do

sistema que produz infâncias e pessoas desiguais. Enquanto isso não ocorre, buscar a

integração nos atendimentos da rede sócio assistencial é uma estratégia fundamental

para garantir a ampliação dos direitos das crianças/adolescentes “[...] as ações

articuladas são perfeitamente viáveis e trazem resultados que não seriam possíveis caso

continuassem em curso de forma fragmentada e isolada, como ainda ocorre de modo

predominante no país.” (Rizzini 2006,p 95) e a possibilidade de que possam ser

acolhidos um dia no seio de uma família, natural ou adotante.

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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO CENÁRIO ATUAL DA POLÍTICA DE

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTE NO

ABRIGO MUNICIPAL DE RIO DAS OSTRAS.

3.1 Expressões da questão social ligadas ao abandono de crianças e adolescentes

em Rio das Ostras.

Tendo por base a teoria social crítica, partindo do método histórico dialético, se

objetiva desvendar a mera aparência do fenômeno da violação de direitos das crianças e

adolescentes e sua consequente institucionalização. Para que assim se possa analisar o

cenário atual da política de Acolhimento Institucional de crianças e adolescentes em Rio

das Ostras – RJ.

O Abrigo Municipal de Rio das Ostras é de caráter público e iniciou suas

atividades e atendimentos no ano de 2002 e está localizado na Rua Carlos Viana, nº

390, Centro – Rio das Ostras/RJ. A instituição está inscrita no Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA e suas atividades e ações são

desenvolvidas de acordo com os princípios preconizados pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente - ECA e as determinações e orientações do Ministério Público, Poder

Judiciário e Conselho Tutelar.

Segundo o projeto político pedagógico da instituição (2011/2013), para atender

as demandas e necessidades dos acolhidos, o Abrigo desenvolve suas atividades em

parceria com a rede municipal (Secretarias Municipal de Assistência Social, Saúde,

Educação, Fundação de cultura, Ordem e Controle Urbano, Habitação e Obras, Esporte

e Lazer, dentre outras), empresas locais, Organizações não-governamentais (ADOTE) e

demais parceiros da comunidade.

A gestão política administrativa do Abrigo é realizada pela Secretaria Municipal

de Bem-Estar Social - SEMBES, que através da equipe multiprofissional, formada por

assistente social, psicóloga e equipe de apoio composta por coordenador, monitores,

cozinheira, professora de reforço, serviços gerais, administrativo e guarda municipal,

desenvolvem junto a proposta pedagógica de atendimento as crianças e adolescentes

acolhidos.

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Ainda de acordo com o projeto político pedagógico:

A proposta de trabalho do Abrigo Municipal de Rio das Ostras é de

atender a criança e o adolescente que se encontra em situação de risco

pessoal e social, com vínculos familiares rompidos e tem como

principal objetivo assegurar os direitos fundamentais dos acolhidos e a

sua reinserção familiar. Para isto, a sua proposta pedagógica

direcionará os esforços no sentido de evitar que as crianças e

adolescentes fiquem longos períodos acolhidos, privando-os do

exercício do direito fundamental à convivência familiar. (Projeto

político pedagógico, 2011-2013).

Para conhecer e entender a instituição foi realizada pesquisa de campo, com

objetivo de levantar dados sobre o abrigo, traçar o perfil dos acolhidos atualmente e,

através de entrevistas com profissionais traçar desafios e potencialidades. Foi elaborado

um roteiro de pesquisa institucional e de perfil dos acolhidos (anexo A), bem como

roteiro para entrevista de profissionais da equipe técnica (anexo B) e coordenador do

abrigo (anexo C). A pesquisa foi realizada na instituição, nos dias 14 e 17 de outubro de

2014. Neste capítulo foi realizada uma análise qualitativa dos dados, por meio de

problematização do conteúdo obtido pelos roteiros e entrevistas com profissionais.

Como dito anteriormente, o Abrigo Municipal de Rio das Ostras é uma

instituição pública e seu funcionamento se iniciou no ano de 2002. A instituição tem por

objetivo acolher e assegurar proteção integral em caráter provisório e excepcional às

crianças e adolescentes, em situação de risco eminente e/ou vulnerabilidade social e

circunstancial e afastados de seus lares por decisão judicial em virtude de maus tratos,

exposição à violência, abandono ou exclusão social. Através de trabalho desenvolvido

com as famílias e com a rede socioassistencial busca-se a reintegração familiar dos

acolhidos, seja em família natural ou adotante, ou não sendo a reintegração possível,

preparação subjetiva e objetiva para a vida adulta fora da instituição.

Para operacionalização do trabalho em equipe na instituição, o abrigo conta com

equipe técnica e de apoio. Atualmente, através da pesquisa de campo, foi constatado que

a equipe técnica é atualmente composta por duas assistentes sociais 20h, duas

psicólogas 20h e uma advogada que presta assessoria jurídica, não sendo lotada na

instituição. A equipe de apoio é composta por: 1 coordenador que trabalha 40h

semanais, mas que fica a disposição; 2 auxiliares administrativos; 1 professora de

reforço, 18 monitores, 3 auxiliares de serviço geral, 3 cozinheiras, 1 guarda municipal

por plantão as 24h do dia. Em questão de infraestrutura institucional, a casa atualmente

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é composta por: 5 quartos, 4 banheiros, 1 sala de TV, 1 cozinha, 1 copa, 1 depósito de

materiais, 1 sala administrativa, varandas e quintal. Onde a equipe técnica divide a sala

com a equipe administrativa. A instituição conta com um carro para realizar o transporte

dos acolhidos para escola, projetos e outras necessidades, bem como para transportar a

equipe técnica quando necessário. Caso haja a necessidade, pode ser solicitado um carro

a secretaria de bem estar social se o da instituição estiver ocupado. A equipe técnica e

administrativa contam, para realização do seu trabalho, com telefone, internet, xerox,

impressora e fax.

Foram realizadas entrevistas com uma assistente social, uma psicóloga e o

coordenador da instituição (conforme roteiros em anexo B e C), em todas se evidencia a

insatisfação com a atual infraestrutura física da casa. Nos últimos anos o abrigo vem

operando perto de sua capacidade máxima, por algumas vezes até acima. Apesar de

possuir 5 quartos, os mesmos são pequenos e alguns improvisados em áreas que

originalmente não eram quartos. O que dificulta um melhor andamento das atividades e

falta de conforto para as crianças/adolescentes quando a instituição está cheia.

A visão da psicologia, divulgada na entrevista, revela a importância da casa e

dos quartos (da instituição como um todo) parecerem uma casa “de verdade”, para

assim amenizar o impacto do estigma da institucionalização sobre os acolhidos,

buscando trabalhar sua subjetividade e individualidade. Por exemplo, com melhor

estrutura cada criança/adolescente poderia organizar e customizar melhor o seu espaço e

seus pertences. No sentido de diminuir o sentimento de institucionalização, onde tudo

seria rígido e regrado, e a noção de individualidade não fosse preservada. As pesquisas

de Cuneo (2006) apontam que:

A criança precisa de atenção diferenciada para satisfazer suas

necessidades individuais por afeto e estimulação. A atenção e

cuidados que lhe são dispensados na instituição devem levar em conta

suas vivências pretéritas e sua faixa etária. Contudo, o método

empregado pelo programa de abrigamento dificilmente garante o

atendimento a essa demanda de forma personalizada. As crianças

devem se adequar ao padrão de atendimento prestado dentro da

instituição, sendo comum que suas necessidades individuais por

carinho, conforto e estimulação sejam relegadas a um plano

secundário. (Cuneo, 2006, p.28).

A equipe técnica trabalha de modo a personalizar o atendimento, para atender a

essas necessidades subjetivas das criança/adolescentes, por isso se aprecia que uma

melhora na infraestrutura é um elemento que otimizaria esse processo.

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Outra deficiência física da instituição é a ausência de uma sala específica para

atendimento da equipe técnica. Atualmente para preservar o sigilo do atendimento, os

demais funcionários administrativos devem se retirar, ou se buscam lugares alternativos

na instituição (onde não esteja ninguém no momento). Prioritariamente, no que diz

respeito aos recursos materiais, uma sala específica para o atendimento do serviço social

seria mister. Para que assim, melhor se pudesse preservar o sigilo do atendimento

preconizado pelo código de ética do assistente social (lei n°8662/93).

Na pesquisa de campo foi informado que estava previsto para o final de 2014 a

inauguração de um novo abrigo no bairro Âncora35

. O coordenador apresentou a planta

da nova instituição, apontando que possivelmente as obras teriam seu início no final do

corrente ano. Na planta constam melhorias como 5 quartos amplos, salas separadas para

equipe técnica e administrativa,sala de acolhimento, sala de reuniões (tanto de equipe,

quanto para audiências concentradas), dentre outras melhorias. Quando realmente essa

obra se efetivar, se espera que os problemas em relação a estrutura física da instituição

sejam sanados.

A nova sede do abrigo, como visto, foi prometida e noticiada para o final de

2014, porém até a data da pesquisa as obras não haviam sequer se iniciado. A

problematização desta informação leva ao debate da prioridade dos gastos públicos no

município de Rio das Ostras. Primeiramente se deve deixar claro que Rio das Ostras,

comparado às demais cidades do país, é uma cidade rica, isso principalmente devido à

arrecadação dos royalties do petróleo.

Para entender a constituição da região como ela se conforma hoje é

importante salientar a descoberta de petróleo na Bacia de Campos. Na

década de 1970, a então chamada “princesinha do Atlântico” (Macaé)

passa a ser reconhecida como a “capital brasileira do petróleo”. A

instalação da Petrobrás na cidade em 1978 trouxe novas configurações

para a estrutura produtiva da cidade e do seu entorno. A pesca e a

agropecuária deixaram de ser o alicerce da economia. Sua estrutura

produtiva passa a ser marcada pela absorção de força de trabalho

inserida na área petrolífera, o que acarreta um processo de rearranjo

econômico, político, demográfico e territorial. Em seu entorno, cresce

uma miríade de empresas, algumas multinacionais e prestadoras de

serviços, dando a região uma nova configuração (SIRELLI, 2012).

Este processo traz novos contornos para a estrutura migratória e de

emprego na região, bem como uma nova dinâmica de

desenvolvimento econômico e populacional e novas demandas em

35

Inauguração do novo abrigo foi prevista para dezembro de 2014, conforme divulgado no site oficial do

município: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia2108.html> Acesso em 10/11/2014.

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termos de serviços públicos na área da saúde, educação, saneamento

básico, assistência social, etc., como observamos em Rio das Ostras.

(Marro,Alves,Soares, Sirelli (org) 2013).

A receita total do Município em 2013 foi de R$ 692,45 milhões. Desse

montante, 48% correspondem à transferência de royalties36

. Sendo que nesse ano a

redução do repasse de royalties foi de R$ 22,5 milhões em comparação a 2012, ou seja,

nos últimos anos a cidade pode investir em todos os serviços, em uma porcentagem a

mais do que o recomendado pelo governo federal em cada área. Porém, qual a

prioridade municipal em termos de investimentos? Por que a construção do novo abrigo

não foi priorizada pela administração pública municipal?

É alardeado pela mídia burguesa um dito crescimento e prosperidade regional e

municipal. Por exemplo, se apresenta no site da prefeitura que:

O PIB per capita para 2008 chegou a R$ 69.276,69, com um

acréscimo de 10,18% em relação a 2007. Em 2009, R$51.232,83,

diminuindo em 26% em relação ao ano anterior e em 2010, R$

57.882,81, com acréscimo de 12,98% em relação a 2009. [..]Já em

2010, encontramos 15,7% da população com até meio salário mínimo,

diminuindo em 13,7% a proporção de pobres em relação ao

encontrado no Censo 2000. (Portal da prefeitura de Rio das Ostras37

).

O que se tem é uma grande manipulação midiática e ideológica, que apresenta

dados sem aprofundar o seu real significado. Se a renda é per capita, por que o cidadão

individual não tem acesso a ela? 15,7% de uma população de 165,676 mil em 2010

realmente é uma vitória? Outro dado interessante do portal da prefeitura: “Dos 53 688

domicílios, o Censo Demográfico encontrou 8 077 domicílios vagos em Rio das Ostras

[...] Os domicílios de uso ocasional, que somaram 10 876”38

. Uma cidade que ainda não

implementou uma política habitacional permanente, um número de 18.953 domicílios

vagos ou de uso temporário é revelador. A especulação imobiliária, que incide nos altos

preços para se morar na cidade (custo de vida), faz as parcelas mais empobrecidas

serem segregadas aos bairros periféricos, como o Âncora e o Cidade Praiana. Que não

por acaso, como será evidenciado no decorrer deste estudo, são os bairros de origem de

todas as crianças/adolescentes acolhidos. Sem entrar no mérito do transporte,

alimentação, acesso a saúde, e educação, já se pode ter ciência do nível de desigualdade

no município.

36

Fonte:< http://www.riodasostras.net/index.php/noticias7/prefeitura30/8246-tce-aprova-contas-publicas-

de-rio-das-ostras>. Acesso em 10/11/2014. 37

Fonte: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/dados-do-municipio.html> .Acesso em 10/11/2014 . 38

Idem ao anterior.

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Em seu jornal oficial39

, do período de 26 de julho a 1 de agosto de 2013, a

prefeitura apresenta que precisa diminuir os gastos municipais em 20% pela diminuição

dos royalties. Assegurando que essa verba não será retirada de áreas importantes como

saúde, educação e assistência social. Segundo a publicação foi estabelecido um comitê

estratégico de gestão, que se encarregaria de realizar o monitoramento dos gastos da

administração pública, para assim otimizá-los. Algumas notícias, elencadas abaixo

auxiliam a problematização da prioridade dos gatos públicos dos últimos anos:

O Rio das Ostras Jazz & Blues figura no ranking da Downbeat como

um dos dez maiores festivais de jazz e blues, gratuitos, do mundo e o

maior da América Latina. (Fonte40

)

Sim, a música é realmente de ótima qualidade não é esse o mérito discutido, mas

não se vê Jazz e Blues durante o ano inteiro e de repente a cidade se torna a cidade do

jazz e blues. Apesar de gratuito, a exclusão do povo pobre que mora nas periferias da

cidade se dá pelo discurso de que "O Festival é outro nível", além de que todos os

palcos são montados nos bairros nobres da cidade. Se fossem montados nos bairros

periféricos, poderiam mostrar ao mundo a realidade da falta de esgoto na cidade. A

construtora Odebrecht, patrocinadora do festival, protagonizou um escândalo bilionário

com dinheiro público na cidade41

. Através de uma Parceria Público Privada, por um

contrato de aproximadamente 2 bilhões de reais, que se destinava a realização

do sistema de drenagem, rede de esgoto e pavimentação nas vias inseridas nos bairros

Cidade Beiramar e Cidade Praiana fracassou. Não se garantiu dignidade aos moradores

dos bairros Cidade Praiana e Cidade Beiramar, pois o sistema de drenagem é deficitário

e não resolveu o problema do alagamento.

Mesmo considerando que tais investimentos contribuem para o

crescimento do turismo trazendo receitas para o município (aumento

de emprego, incentivo ao comércio, aumento da arrecadação de

impostos) e, de alguma forma, atendem o direito de acesso ao lazer e

cultura, consideramos que é preciso questionar essa prioridade

exatamente porque tais investimentos não beneficiam a população, ou

seja, não contribuem para a melhoria de suas condições de vida e de

trabalho. (Pérez, 2012, p.61)

39

<http://www.riodasostras.rj.gov.br/download/jornal-oficial/files/645.pdf> .Acesso em 10/11/2014. 40

<http://www.riodasostrasjazzeblues.com/joomla/index.php?option=com_content&view=article&id=57

&Itemid=27&lang=pt> .Acesso em 10/11/2014. 41

Para maior aprofundamento da questão: <http://www.psol50.org.br/site/noticias/1709/psol-rio-das-

ostras-denuncia-bilhoes-esgoto-abaixo> Acesso em 10/11/2014.

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Em contrapartida, como exemplo da priorização dos gastos públicos municipais,

no final de 2013 até abril de 2014 pais e responsáveis denunciavam a falta de uniformes

e livros didáticos nas escolas do município42

.

Segundo o “Dossiê Rompendo o Silêncio e a Impunidade”, elaborado pelo

movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras no ano de 2013 e debatido em

audiência pública em 28 de maio do mesmo ano:

Todos estes fatores podem influenciar um dado alarmante: o aumento

em quase 10 vezes no número de casos de estupros verificados em Rio

das Ostras na última década (Grafico 2) como é possível observar

segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de

Janeiro de 2003 a 2013. (Marro, Alves, Soares, Sirelli (org), 2013, p.

32).

O documento critica a falta de políticas públicas para as mulheres, e também

saúda as iniciativas individuais de profissionais que atendem as vítimas de violência.

Porém, o poder público deve investir mais recursos financeiros (matérias e humanos)

para garantir que essas iniciativas não se encerrem e que novas possas ser criadas. Além

de colocar a pauta das mulheres como prioridade.

De forma antidemocrática, mesmo com a manifestação contrária dos moradores,

a Câmara Municipal de Rio das Ostras aprovou por unanimidade o aumentou do salário

dos vereadores em quase 220%, como noticiado por alguns sites43

.

Os dados e problematizações levantadas evidenciam que mesmo com a

diminuição que cada ano se tem no repasse dos royalties do petróleo, não se

impossibilitada a “farra” com o dinheiro público e os gastos que não representam

melhorias diretas na vida dos trabalhadores e trabalhadoras. Não é o objetivo deste

estudo, por isso se aponta a necessidade que assim como a pesquisa de Pérez (2012)

mais dissertações sejam postuladas sobre o município de Rio das Ostras. Não faltam

elementos a serem aprofundados em relação a cidade e a região. Diversas expressões da

questão social atravessam a vida dos cidadãos, principalmente os à margem da

acumulação de riquezas provenientes do petróleo. Mas, fica evidente que recursos

financeiros existem, portanto, falta que os governos municipais priorizem iniciativas

42

<http://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2014/04/pais-relatam-falta-de-uniformes-e-livros-em-

escolas-de-rio-das-ostras-rj.html> .Acesso em 10/11/2014 . 43

Para saber mais: <http://g1.globo.com/rj/serra-lagos-norte/noticia/2012/10/salario-de-vereadores-de-

rio-das-ostras-rj-aumenta-quase-220.html> .Acesso em 10/11/2014> e <http://g1.globo.com/rj/serra-

lagos-norte/noticia/2012/10/protesto-contra-aumento-do-salario-dos-vereadores-em-rio-das-ostras-

rj.html> . Acesso em 10/11/2014.

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como: a implementação de políticas públicas para segurança das mulheres, que sejam de

qualidade e a construção do novo Abrigo Municipal considerado essencial pela equipe

técnica.

Prosseguindo com a análise do roteiro de pesquisa institucional (anexo A) e das

entrevistas com os profissionais, um aspecto interessante é o projeto de apadrinhamento

afetivo desenvolvido na instituição. O objetivo do projeto é proporcionar as crianças e

adolescentes em longo período de acolhimento institucional, ou seja, que não

vislumbrem a reintegração familiar em período próximo, ou com longínqua

possibilidade de colocação em família substituta, presenciarem e participarem de uma

relação afetiva. Também garante os direitos da criança a ter uma convivência familiar e

comunitária. Rizzini (2006) aponta que:

O apadrinhamento é uma solução provisória para uma situação criada

pelos efeitos da institucionalização prolongada, que acaba por

contribuir para o afastamento entre os abrigados e suas famílias

(Rizzini, 2006, p.105).

Portanto, as crianças/adolescentes que participam tem o perfil exposto acima, o

de não vislumbrar em um futuro próximo a reintegração familiar. Portanto, são

encaminhados ao projeto de apadrinhamento afetivo, os acolhidos que tem nenhuma, ou

demorariam anos para serem reintegrados as suas família. Então, o apadrinhamento

afetivo é uma alternativa, para que a criança/adolescente possa vivenciar situações

familiares. Se houvessem chances de reintegração, o trabalho dos técnicos da instituição

seria o de fortalecer o vínculo afetivo com a família.

O projeto de apadrinhamento afetivo desenvolve-se em três fases de atuação:

Implementação, Desenvolvimento e Continuação. Para fazer parte do projeto os

“padrinhos mágicos” passarão por uma entrevista com os técnicos da Instituição para

avaliação, onde serão é explicada a proposta do projeto e analise dos candidatos. Logo

se explica que o apadrinhamento não tem cunho jurídico, ou seja, não implica em

adoção, apesar dos afilhados possuírem situação jurídica definida – Destituição do

Poder Familiar. Esse esclarecimento é importante para não gerar expectativas nem na

família, e nem no acolhido. E, para que o apadrinhamento afetivo não se transforme

numa ferramenta de “test drive de filho”, se o objetivo do candidato a padrinho for a

adoção deve-se orientar o mesmo a buscar inserção no Cadastro Nacional de Adoção,

através da equipe técnica do judiciário. Os padrinhos poderão sair ou visitar os

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afilhados em dias combinados, conforme acordo e compromisso firmado com os

mesmos e após a assinatura dos termos de visitação. A equipe técnica do Abrigo

Municipal acompanhará todo o processo de apadrinhamento enquanto o afilhado estiver

na Instituição. Realizando encontros, reunião e atividades nesse período, para que se

possa ter uma qualificação do processo e uma avaliação continuada.

Os programas de apadrinhamento afetivo necessariamente precisam

de mecanismos de seleção, capacitação, supervisão e monitoramento

dos padrinhos, sempre visando o que for melhor para as crianças

atendidas. (Rizzini, 2006, p. 104)

Na data da pesquisa de campo 8 acolhidos se encontram inseridos no projeto. O

projeto é avaliado positivamente pela equipe técnica, pois proporciona a

criança/adolescente um referencial afetivo concreto ao se favorecer a formação de

vínculos afetivos, o que contribui para construção da autoestima e autonomia social e

que no futuro possam ser adultos felizes. Em um duplo movimento permite, que as

crianças e adolescente em longo acolhimento institucional e/ou com pouca possibilidade

de reintegração à uma família tenham um referencial de vida, além dos muros da

instituição e que a sociedade se sensibilize sobre a institucionalização de crianças e

adolescentes.A experiência apresenta desafios, pois toda a relação de afeto entre

humanos tem percalços, que devem ser acompanhados e trabalhados pela equipe

técnica, como por exemplo, os atritos entre afilhado e padrinho. As experiências de

apadrinhamento, acompanhadas pela equipe, foram fonte de aprendizado no sentido de

evitar erros e pautar potencialidades.

A equipe da psicologia (psicóloga e estagiários) desenvolve diversos projetos

que trabalham a subjetividade dos acolhidos, como o projeto “Álbum de Vida”. Ele

propõe a construção de um álbum em que cada criança, com o acompanhamento de um

colaborador, irá contar os acontecimentos, colar fotos ou fazer desenhos para registrar

as experiências do período em que se encontra acolhida. Ao ser adotada ou ao retornar à

guarda de sua família, a criança leva o álbum como um pedaço de sua própria história.

O foco do presente estudo não permite o aprofundamento sobre eles, mas deve-se frisar

sua importância no resgate da memória. Crianças e adolescentes entenderão que são

únicos, já que elaborar o álbum possibilitará uma nova significação de sua história

pessoal.

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Em entrevista com o coordenador do Abrigo, foi tomado conhecimento que o

município pretende implantar o “Programa Família Acolhedora” que já ocorre na cidade

do Rio de Janeiro. Segundo Valente (2004):

Família acolhedora é aquela que voluntariamente tem a função de

acolher em seu espaço familiar, pelo tempo que for necessário, a

criança e o adolescente vítima de violência doméstica que, para ser

protegido, foi retirado de sua família natural, respeitada sua identidade

e história. (Valente, 2004, p. 35).

A implementação de tal programa, constituí uma alternativa a institucionalização

de crianças e adolescentes. O acolhimento familiar informal é uma prática bastante

antiga na sociedade44

, já o acolhimento familiar numa modalidade formal de

atendimento é uma prática recente pouco debatida, que ainda não é implementada no

âmbito nacional.

No Brasil, as experiências em desenvolvimento têm enfatizado a

importância da meta de preservação de vínculos familiares. O

acolhimento é sempre acompanhado da implementação de ações que

visem melhorar as relações familiares para que a criança/adolescente

possa retornar à sua família de origem. (Rizzini, 2006, p. 61).

A equipe técnica do projeto, geralmente formado por assistentes sociais e

psicólogos, trabalha em parcerias com as prefeituras e rede de proteção social para

divulgação, seleção, acompanhamento, estudos e encaminhamentos dos casos. O

programa família acolhedora, como modalidade de defesa de direitos, constitui uma

iniciativa que visa evitar o acolhimento de crianças e adolescentes em instituições, mas

com a mesma finalidade de reintegração familiar. Não é uma experiência ainda muito

estudada, o trabalho de Rizzini (2006) aponta avanços, desafios e possibilidades de

experiências desenvolvidas no Brasil e aponta que problematizar e considerar as

complexidades são imprescindíveis neste processo. O programa sendo implantado em

Rio das Ostras seria uma fonte de trabalho e estudo com possibilidades muito ricas para

a defesa dos direitos das crianças e adolescentes.

Algumas empresas, igrejas e particulares buscam o Abrigo em busca de ofertar

doações ou realizar atividades, sobretudo em datas especiais como o Dia das Crianças e

o Natal. São propostas oriundas do sentido de caridade pontual, mas para contemplar

desejos individuais do que o bem estar permanente dos acolhidos. Quando essas

iniciativas aparecem na instituição, uma entrevista é marcada e um projeto detalhado da

44

Ver Rizzini (2006, p. 59-60).

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atividade é exigido, o que já desencoraja muitos proponentes. Somente as ideias que

tem propostas de continuidade e que, de fato contribuam com a formação pessoal e

coletiva dos acolhidos, são aceitas. Com a política macro social neoliberal de um Estado

enxuto, passa-se uma imagem de um Estado incapaz de lidar com os problemas sociais,

sendo necessária a ajuda da sociedade civil, assim desresponsabilizando o mesmo de

intervir na “questão social”, processo ideológico esse que gera uma aceitação por parte

da coletividade. Isso não passa de mais uma estratégia capitalista de otimizar a

acumulação e legitimar as desigualdades.

A filantropia empresarial entra nos custos de representação do capital,

limpando a imagem da empresa, melhorando o marketing comercial,

isentando o capital de impostos estatais, conseguindo subsídios, entre

outros benefícios. [...] Procura-se, ideologicamente, que esse processo

seja percebido como de transferência de um setor falido, o Estado,

para outro mais eficiente, empreendedor, livre, a sociedade civil [...]

(Montaño,2002)

A nova forma de enfrentamento da pobreza constitui um meio de inserção da

mesma na lógica de mercado, gerando lucro ao capital. Ainda, segundo a psicologia,

receber doações é nocivo para os acolhidos, na medida em que, faz com que os mesmos

se sintam como “coitados”, fazendo um desserviço ao desconstruir o trabalho de

diferenciação entre direito e caridade.

Foi abordado, na entrevista com os profissionais, como é a articulação do abrigo

com outras instituições que precisam ser acionadas para garantir os direitos dos

acolhidos, ou seja, como se dá o trabalho em rede45

. A Política Nacional de Assistencial

Social – PNAS (2004) se baseia em princípios que atacam as práticas autoritárias e

verticalizadas, buscando criar condições culturais, ideológicas e políticas para as

práticas de formação de redes. No caso do Abrigo Municipal de Rio das Ostras, o

trabalho ocorre de forma interdisciplinar (como pontuado anteriormente neste estudo),

quando a criança/adolescente é encaminhada a instituição, faz parte do trabalho da

equipe técnica entrar em contato com a rede municipal para aferir o histórico, o que já

45

Entendemos a ideia de rede como um tecido de relações e interações que se estabelecem com uma

finalidade e se interconectam por meio de linhas de ação ou trabalho conjunto (RHAMAS/IPAS, s/d). O

conceito em questão vem sendo construído de forma empírica, baseado nas experiências dos grupos

sociais que se organizam para melhor atender às necessidades da vida social, cultural, material e afetiva.

As redes são formações dinâmicas e flexíveis, com continuada renovação dos participantes, o que requer

certos cuidados para sua continuidade. Ela abrange espaços geográficos, políticos e sociais específicos

que, contudo, tendem a ter mobilidade, na medida em que as redes devem estar atentas ao movimento dos

grupos e das organizações sociais. (Rizzini, 2006, p. 111-112).

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78

foi realizado de trabalho e suporte para as famílias, buscando assim reverter o quadro de

institucionalização com vistas a reintegração familiar.

Em entrevista com a equipe técnica e coordenação da unidade de acolhimento

institucional, foi apresentada a atual configuração, conquistada, de trabalho em rede.

Desde a criação da instituição, a busca por contato e articulação partia inicialmente do

Abrigo, que entrava em contato com os dispositivos de proteção social, saúde e

educação para poder entender a conjuntura e traçar o estudo e estratégias para os casos.

As técnicas do Abrigo analisaram que muitas vezes se faziam ações duplicadas nos

casos, por exemplo, a equipe técnica do Abrigo e de um dos CRAS - Centro de

Referência da Assistência Social realizavam visitas domiciliares na mesma semana na

casa da família. Além de confundir as famílias, os deixando sem técnicos de referência,

muitas vezes se realizavam encaminhamentos iguais. Também existia uma falha na

comunicação, em que, por exemplo, o acolhimento acontecia e o CRAS que atendia a

família demorava a ficar sabendo.

A coordenação do Abrigo, em conversa com a promotoria, conseguiu tomar

providências para uma articulação do trabalho em rede. Desde o último trimestre, toda

última terça-feira do mês no espaço físico do Abrigo, ocorre uma reunião de articulação

com representantes de toda a rede municipal – da secretaria de Bem Estar Social vem

representantes dos CRASs e CREAS, Secretaria de Educação, Secretaria de Saúde,

Conselho Tutelar, Fórum, Juizado e aberta a outros dispositivos. Nesta reunião se

discutem os casos mais graves do município, em relação a violação de direitos das

crianças e adolescentes, tratando tantos dos casos do abrigo quanto dos que tem

possibilidade de acolhimento. Para fins de evitar a institucionalização, são traçadas

estratégias e se pactua o que cada equipe de cada dispositivo municipal irá fazer. Na

reunião, a percepção de todos os envolvidos nos casos é colocada, no sentido de pensar

estratégias e avaliar os avanços.

O aprendizado para uma ação horizontal, inovadora e sem competição

excludente é primordial para as redes. O investimento em capacitação

para atuar em rede é uma necessidade para a promoção de ações

articuladas. Em termos políticos, a ação coletiva e democrática ganha

um espaço que seria inviável em um empreendimento isolado. A

formação para uma atuação política dirigida à conquista da cidadania

plena deve ser um objetivo prioritário e uma ação continuada nas

redes. (Idem, p. 115).

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79

A equipe técnica do Abrigo tem avaliado que o diálogo entre instituições passou

a ser mais fluente. O interessante é que o Ministério Público que viabiliza a reunião, o

que não pesa sobre o Abrigo e agrega um caráter “mais oficial”, no sentido de frisar aos

diversos órgãos a importância da iniciativa.

A maior dificuldade que se percebe, em termos de articulação de rede, é com o

Conselho Tutelar – CT – do município. Muitas vezes o acesso à instituição é

problemático, com um diálogo não tão fluente, em que, por exemplo, ocorrem casos de

demora na comunicação aos pais do acolhimento institucional. Uma análise por dentro

do Conselho deve ser alvo de futuras pesquisas acadêmicas, por enquanto, é percebida a

notória sobrecarga da instituição com o crescimento populacional da cidade, o que

sobrecarrega o seu trabalho. De forma geral Rizzini (2006) aponta que os órgãos que

definem o encaminhamento, nos programas estudados por ela, tem a necessidade de se

contrapor à recorrente prática de institucionalização que ainda persiste no país.

Diversos depoimentos atestaram que isso nem sempre é bem aceito

pelos órgãos que definem os encaminhamentos, como Conselhos

Tutelares e Juizados da Infância e da Juventude, que insistem em

abrigar crianças / adolescentes mesmo que sejam casos não

compatíveis com o perfil de atendimento das instituições. (Ibidem, p.

100).

Não se pode afirmar que o apontado pela autora é o caso do CT de Rio das

Ostras, porém é um desafio enfrentar a judicialização do atendimento a infância no país.

Maior ainda é o desafio de impedir, que cada vez mais seja gestado ambientes

favoráveis a violação dos direitos das crianças/adolescentes. Enquanto a sociedade

avança a passos lentos nessas questões, iniciativas de articulação de rede devem ser

pensadas em suas potencialidades. Como a intersetorialidade das políticas públicas é

frágil, a criatividade das redes em oferecer suporte às famílias deve ser fomentada e

garantida.

Para avançar nas expressões da questão social ligadas ao abandono de crianças e

adolescentes em Rio das Ostras, primeiramente, como na pesquisa de âmbito nacional

exposta no capítulo anterior, deve-se conhecer o perfil dos acolhidos. Quem são essas

crianças? De onde vieram? Possuem família? Essas indagações são importantes, para

apontar as falhas do Estado em garantir a proteção social, que as mesmas necessitam

para se tornarem adultos felizes.

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80

Na data da pesquisa, 14 de outubro de 2014, a instituição contava com 15

acolhidos. Sendo 7 meninos e 8 meninas, como mostra o gráfico a seguir:

Fonte: elaborado pela autora.

Sendo 47% meninos acolhidos e 53% de meninas demonstrando um equilibro

diferente da média nacional apontada na pesquisa relacionada neste estudo no ponto 2.3,

em que 58,5% eram meninos e 41,5% meninas. Em relação a idade, foi construído o

gráfico a seguir:

Fonte: elaborado pela autora.

47%

53%

1

Acolhidos por Gênero

Meninos Meninas

7% 7%

27%

40%

7%

13%

0 à 3 anos 4 à 6 anos 7 à 9 anos 10 à 12 anos 13 à 15 anos 16 à 18 anos incompletos

Acolhidos por Idade

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81

Dos 15 acolhidos 40% tem de 10 à 12 anos de idade, 27% de 7 à 9 anos, 13% de

16 à 18 anos incompletos e 0 à 3 anos, 4 à 6 anos e 13 à 15 anos somatizaram 7% cada.

Sobre a cor da infância e adolescência acolhida em Rio das Ostras:

Fonte: elaborado pela autora.

93% por cento das crianças/adolescentes acolhidos são negros (somando 53% de

pardos com os 40% negros) e apenas 7% são brancas.

Frente aos dados colhidos algumas considerações e hipóteses podem ser

traçadas. A histórica preferência por adoção de meninas faz com que na média da

pesquisa nacional a porcentagem de meninos nos abrigos seja maior. Em Rio das

Ostras, a porcentagem de meninas é um pouco maior, em relação a esse fato uma

hipótese pode ser levantada. Em um gráfico, que será apresentado posteriormente,

indica-se que 13% dos acolhidos de 2013 à outubro de 2014 foram encaminhados a

outras instituições, como por exemplo, a Casa do Menor São Miguel Arcanjo, e desses

13% mais da metade são meninos, o que pode ter contribuído para superação do número

de meninos pelo de meninas. Outra hipótese se relaciona ao fato de 13% dos

acolhimentos, serem motivados por suspeita de abuso sexual (como será exposto em

gráfico posteriormente), como historicamente as vítimas de abuso sexual são mulheres,

esse fator pode ter incidido no indicador de gênero.

53%

40%

7%

Pardos Negros Brancos

Acolhidos por Cor

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A pesquisa de Silva (IPEA/CONANDA 2004) citada no capítulo anterior chama

a atenção para o fato de a partir do 6 anos, os trabalhadores e trabalhadoras perderem

acesso aos equipamentos públicos de apoio aos cuidados com os filhos, o que pode-se

refletir no percentual de 67% dos acolhidos terem de 7 à 12 anos. Além do fato da

dificuldade de adoção de crianças mais velhas. Em Rio das Ostras o acesso a creche

pública, que já tem vagas limitadas (378 em 2014), ocorre na idade mínima de 6 meses

e, máxima, de 3 anos, 11 meses e 29 dias completados até 31 de março de 2015, como

mostra o site da prefeitura e locais46

.

Foi significativo o aumento de mulheres no mercado de trabalho nos

últimos dez anos. Se em 2002 elas correspondiam a 34% dos

trabalhadores renumerados, hoje este número já chega a 43%. Essa

maior participação, contudo, não veio acompanhada de mudanças na

divisão sexual do trabalho - que inclui o cuidado com filhos -, fazendo

da falta de creches uma das principais reclamações do grupo feminino

em relação às políticas públicas. (Carta Capital, 2012)

A ausência de equipamentos e serviços públicos, como as creches e as escolas

em tempo integral aprisiona a mulher à esfera doméstica e torna ainda mais difícil sua

subsistência e desenvolvimento. Então, a falta de políticas públicas no sentido

apresentado, deriva em diversas expressões da questão social, como a miserabilidade da

família, que como visto anteriormente debilita o papel de proteção social atribuído a

mesma e em última instância culmina no acolhimento institucional.

Pela análise histórica do indicador, pode-se problematizar o porquê de 93% das

criança/adolescentes serem negras. Há no país um infeliz histórico de

institucionalização da infância e adolescência negra. A pesquisa de Silva

(IPEA/CONANDA 2004), exposta no capítulo 2, apresentou duas hipóteses para a

relação entre a população negra e a medida de acolhimento institucional: a clara

preferência da sociedade em adotar crianças brancas; as condições socioeconômicas de

uma determinada criança e/ou adolescente exercem importante influência na aplicação

da medida de abrigo visto que a maioria das crianças pobres é negra. Com base no

estudo de Guimarães (2002) a pobreza no Brasil atinge em maior escala os negros do

46

< http://www.riodasostras.net/index.php/noticias/bem-estar-social/8315-prefeitura-de-rio-das-ostras-

abre-inscricoes-para-creches-municipais> .Acesso em 12/11/2014 ;

<http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia2101.html> .Acesso em 12/11/2014 ;

<https://psolriodasostras.wordpress.com/2012/09/12/manifesto-feminista-a-campanha-do-professor-

jonathan-mendonca-psol-50-123/> .Acesso em 12/11/2014 e

<http://www.paroquiaderiodasostras.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1817%3Ario

-das-ostras-20-anos&catid=39%3Anovas&Itemid=1> .Acesso em 12/11/2013

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que os brancos. “[...] estamos inegavelmente diante de uma sociedade em que os

privilégios estão bem estruturados e sedimentados entre grupos raciais e de gênero”

(Idem, 2002, p. 72). Logo as condições socioeconômicas de 93% dos acolhidos

influenciaram diretamente para a aplicação da medida protetiva. Retomando as análises

tecidas no capítulo anterior, é preciso frisar que, por conta das centenas de anos de

escravidão no país, com uma população que se estabeleceu sem nenhuma medida

reparadora por parte do Estado, culminou na precarização da vida, criminalização e

marginalização da população negra no Brasil. O aprofundamento desta análise não é o

objetivo deste trabalho de conclusão de curso, mas expressa a complexidade da medida

de acolhimento institucional, apontando as expressões da questão social que incidem na

política, bem como a questão racial, de gênero e de institucionalização da criança pobre.

Os 15 acolhidos possuem família, os gráfico a seguir mostra a questão do

contato com a família e a situação de visitação:

Fonte: elaborado pela autora.

80% dos acolhidos mantêm contato com a família, 13% são acolhidos

recentemente, por volta de um mês e 7% não mantêm contado.

13% 7%

80%

ACOLHIDOS RECENTEMENTE

NÃO MANTÉM MANTÉM CONTATO

Contato com a família

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84

Fonte: elaborado pela autora.

53% dos acolhidos recebem visita constante dos pais, responsáveis ou parentes,

27% recebem pouca visita, 7% não recebem visita e 13% haviam sido acolhidos a 1 mês

portanto não havia como avaliar ainda.

Os motivos de acolhimento das 15 crianças/adolescentes estão representados no

gráfico a seguir:

Fonte: elaborado pela autora.

53%

27%

7%

13%

Visita Constante Pouca Visita Não Recebe Visita Acolhidos Recente

Situação de Visitação Outubro-2014

13%

47%

13%

7%

13%

7%

Negligência e abandono

Negligência Conflito no ambiente familiar

Devolução de adoção

Suspeita de abuso sexual

Insalubridade da residência

Motivos de Acolhimento

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47% dos motivos que geraram o acolhimento institucional foram por

negligência, 13% por negligência e abandono, 13% por conflito no ambiente familiar,

13% por suspeita de abuso sexual, 7% devolução de adoção e 7% insalubridade da

residência. Tais categorias são indicadas pelo Conselho Tutelar para a aplicação da

medida protetiva. Elas são pouco precisas, isso porque na maioria dos casos várias

questões levam ao acolhimento, não apenas uma. Dessa maneira seria difícil tabular

mais de um motivo para o mesmo número de crianças/adolescentes. Entende-se, que

foram escolhidos os motivos determinantes (principais) ou a junção de mais de um

motivo na construção da categoria.

A “negligência”, que foi a maior porcentagem, inclui a falta de todo o tipo de

cuidados necessários ao bem estar da criança, por parte do responsável, tais como

alimentação adequada, higiene, vestuário, cuidados médicos, afeto, atenção, vigilância e

educação, que são os seus direitos básicos. Já “negligência e abandono” abarca os

motivos anteriores, mais o abandono do filho com terceiros ou sozinho. “Conflito no

ambiente familiar” representa alguma característica do ambiente familiar que facilita a

ocorrência de maus tratos. “Insalubridade na residência” indica que o local de moradia

oferece algum risco, ou dano a saúde do indivíduo. No caso da pesquisa, se refere a uma

adolescente que teve grande parte do corpo queimado, existiram outros motivos por trás

do acontecido e do acolhimento, mas a insalubridade da residência foi o determinante

para retirada do lar. As categorias “suspeita de abuso sexual” e “devolução de adoção”

são auto explicativas.

Em geral, são vários motivos associados que levam uma criança/adolescente ou

um grupo de irmãos a serem encaminhados a um serviço de acolhimento, mas, em geral,

tais motivos referem-se direta ou indiretamente à pobreza e à precariedade das políticas

públicas que atendem à demanda dessa população. Logo os motivos de acolhimento são

perpassados pelas expressões da questão social em Rio das Ostras.

Outro dado importante é em relação ao tempo de acolhimento:

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86

Fonte: elaborado pela autora.

27% dos acolhidos estão na instituição a 1 mês; 20% a 1 ano e 2 meses; 13%

estão a 2 meses, 1 ano e 6 meses e 1 anos e 11 meses cada; 7% estão a 3 meses e 2 anos

e 8 meses cada. Se até 2009 o ECA não estipulava o prazo máximo para permanência da

criança/adolescente em programa de acolhimento institucional, a partir da aprovação da

lei 12.010/09, a criança não deve ficar acolhida por mais de dois anos, salvo

comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente

fundamentado pela autoridade judiciária (ECA, Artigo 19 – § 2o ). O ECA, o PNCFC e

a Lei 12.010/09, apontam da urgência do trabalho a ser desenvolvido com os acolhidos

e suas famílias, para que assim se possa reduzir os danos causados a

criança/adolescente, como apontado anteriormente neste estudo. O trabalho, realizado

pelos profissionais da instituição, se dá seja na direção de reintegração a família natural

ou extensa, colocação da criança em família substituta (seja por tutela, guarda ou

adoção), não sendo estas duas opções possíveis deve existir um projeto específico para

ela, pois não pode acontecer da criança ficar acolhida até 18 anos e quando sair não ter

perspectiva de futuro. Nesse último caso, os projetos de apadrinhamento afetivo e

família acolhedora exercem uma grande importância, como apontado no início deste

tópico. Atualmente 7% dos acolhidos ultrapassam a marca dos dois anos, o que

representa que o trabalho da equipe técnica da instituição vem obtendo êxito neste

quesito, já que na pesquisa de Silva (IPEA/CONANDA 2004) um terço dos acolhidos

excede o tempo limite previsto em lei. Êxito conquistado pela criação de estratégias,

27%

13%

7%

20%

13% 13%

7%

1 mês 2 meses 3 meses 1 ano e 2 meses

1 ano e 6 meses

1 ano e 11 meses

2 anos e 8 meses

Tempo de acolhimento até out - 2014

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87

como a reunião de rede e os projetos de apadrinhamento, o que permite dar respostas

mais ágeis aos casos.

No momento na instituição 1 criança está incluída no Cadastro Nacional de

adoção, visto que 7% não recebem visita, 7% não mantém contato com a família e

apenas 7% excedem o tempo de permanência isso indica, que os outros casos do abrigo

estão sendo trabalhados na direção da reintegração familiar, o que parece a direção

acertada. Porém, se os acolhidos que estão a mais de um ano ficarem ainda mais tempo

na instituição os vínculos com a família de origem podem ser irreparavelmente

rompidos, além de que a demora para entrar no cadastro nacional de adoção diminui as

chances de que a mesma aconteça. O abrigo Municipal de Rio das Ostras, por ser uma

instituição pública, tem um compromisso ainda maior de garantir as diretrizes pautadas

no ECA. O seu êxito ocorre, pois vem mantendo práticas de assistência que contribui

para o fortalecimento dos vínculos das crianças/adolescentes e suas famílias, e não

sendo essa mais uma opção possível, trabalho se volta para colação em família

provisória ou substituta.

Um dos gráficos mais elucidativos, que podem se relacionar com todos os outros

em múltiplas análises, é o referente a localidade de origens dessas crianças:

Fonte: elaborado pela autora.

53% das crianças são oriundas do Bairro Âncora, 40% do bairro Cidade Praiana

e 7% da cidade do Rio de Janeiro. Quem reside em Rio das Ostras, pode afirmar sem

dúvida que 93% das crianças/adolescentes acolhidas são provenientes dos bairros mais

precarizados da cidade. Logo, as famílias de origem dessas crianças/adolescentes

provavelmente são carenciadas de recursos materiais. O que, novamente indica, a

40% 53%

7%

Bairro Cidade Praiana R.O

Bairro Âncora R.O Rio de Janeiro

Acolhidos por Localidade de Origem

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relação entre pobreza e acolhimento institucional. Anteriormente neste tópico foi citada

a prioridade de investimentos no município, que não são as obras de drenagem, rede de

esgoto e pavimentação do bairro Cidade Praiana, nem políticas públicas de qualidade

para mulheres e nem a construção do novo Abrigo Municipal. O belíssimo Festival de

Jazz & Blues, não ocorre em nenhuma época do ano no bairro Cidade Praiana e nem no

Âncora. A “questão social”, vem sendo observada com crescimento exorbitante no

município de Rio das Ostras. Como, por exemplo, através da ausência de saneamento

básico, de falta de segurança, falta de um transporte público e de qualidade, de uma

urbanização adequada aos moradores, falta de água principalmente nos bairros

populares e etc. Os bairros nobres, como por exemplo, Costazul recebem prioridade de

investimentos da administração pública em detrimento dos demais.

Se 93% dos acolhidos são negros e 93% são advindos dos bairros mais

carenciados de recursos materiais, logo se pode inferir que os bairros ditos populares

possuem a maior parte dos moradores negros. O que novamente suscita o debate

“questão social” e “questão racial” no Brasil.

O acolhimento institucional não pode ser a política pública de solução para a

pobreza e a falta de recursos. Sendo que 93% dos acolhidos são oriundos dos bairros

pobres (somando Âncora e Cidade Praiana), pode-se questionar que as categorias de

motivo de acolhimento, que não estavam muito claras, devem se relacionar com a

situação socioeconômica das famílias, ou seja, com a carência de recursos materiais e

políticas públicas de qualidade para gerir a vida. Sendo os motivos de acolhimento,

passíveis de serem relacionados a pobreza, tal realidade se torna mais grave, pois o ECA

prevê que o direito a convivência familiar e comunitária não pode ser violado por

carência de recursos materiais.

Como apontamos, há um grande descompasso no Brasil entre a

importância atribuída ao papel da família no discurso e a falta de

condições mínimas de vida digna que as famílias enfrentam, na

prática, para que possam criar seus filhos. É fácil identificar de

imediato a negligência cometida pelos pais ao se encontrar uma

criança em “situação de risco”. É bem mais difícil acusar o Estado de

negligente e omisso. (Rizzini, 2006, p.32).

Como se pode perceber, as condições materiais de existência estão ligadas ao

acolhimento de crianças e adolescentes em Rio das Ostras. A cidade possui milhões em

recursos, mas a gerencia deixa os mais pobres mais à margem da sociedade. Uma breve

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89

análise histórica crítica da cidade serve a dar luz a certos processos de poder e acúmulo

de riquezas na cidade.

A partir da década de 70 do século XX, a mesorregião Norte

Fluminense - NF, no norte do estado do Rio de Janeiro, sofreu a

intervenção de dois grandes projetos econômicos nacionais – a

implantação do Proálcool e a extração do petróleo da Bacia de

Campos, que injetaram elevados recursos em dinheiro e capital fixo na

região. No entanto, ao final do século, o NF praticamente desapareceu

do mapa da produção sucroalcooleira brasileira, e, apesar de participar

com cerca de 80% da produção nacional de petróleo e de seus

municípios usufruírem das rendas petrolíferas – royalties e

participações especiais – a região se destaca pelos elevados índices de

indigência, pobreza, desigualdade social, desemprego e subemprego.

[...] processo pelo qual as elites regionais se apropriaram, de forma

corporativa, restrita, dos recursos dos projetos nacionais implantados

na região, no período, através da utilização do regionalismo, que

fechou o território, obtendo o monopólio dos mecanismos de exercício

da representação política regional e da articulação das escalas de

poder. [...] O estudo permite concluir que o processo profundamente

restrito, autoritário e excludente, de apropriação e utilização dos

recursos aportados ao território do NF, por grandes projetos nacionais,

comandado pelas elites agropecuárias e agroindustriais, expresso num

regionalismo de caráter conservador, responde pelos mecanismos de

produção e reprodução das desigualdades, da pobreza e da exclusão

sociais no NF, tendendo a se reproduzir nas novas elites regionais de

administradores municipais que gerem as rendas petrolíferas (Peréz,

2012, p.48-49, apud Cruz, 2003, p.3).

Como aponta o estudo de Cruz, Rio das Ostras é uma das cidades da região

Norte Fluminense – NF, que recebe Royalties do petróleo. As elites que se revezam no

poder representam o mesmo grupo político que financia as suas campanhas.

Inicialmente eram grupos ligados a agropecuária e agroindústria, hoje são financiados

por empresas que buscam ressarcir seus investimentos durante o mandato, através das

licitações. No fim das contas, todos representam as mesmas elites desde a década de

1970. Governos municipais conservadores e autoritários, como por exemplo, se

evidenciou no mandado de reintegração de posse da câmara de vereadores de Rio das

Ostras47

, se mantém no poder à custa de descaso e repressão as demandas dos

movimentos sociais e as antigas práticas de trocas de favores.

47

Diversos militantes do Movimento Vem Pra Rua Rio das Ostras, após as jornadas de Junho de 2013

que levaram milhões as ruas de todo o país e 9000 pessoas as ruas de Rio das Ostras, ocuparam a Câmara

Municipal da cidade. A ocupação decorreu da necessidade de uma Câmara legislativa que escutasse a voz

das ruas que clamava por participação popular. Os vereadores se recusavam a ouvir o movimento, sendo

necessária uma postura de enfrentamento por parte deste. Mesmo assim, mantiveram-se os vereadores

com uma postura arbitrária se isentando do diálogo com a sociedade.

O Poder Judiciário, assim como o Legislativo, totalmente refém do Poder Executivo impôs a

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90

[...] essa herança político-administrativa e econômica possui uma

contrapartida na forma como o poder se estrutura e se reproduz

historicamente no Rio de Janeiro. O Estado do RJ se caracteriza pela

reiteração de práticas políticas, tais como considerar e transformar a

sociedade em cliente do Governo; de práticas autoritárias desse

mesmo Estado, com uma casta de funcionários públicos e políticos

que se sustenta na troca de favores, na centralização das verbas

públicas e da máquina administrativa; de práticas oligárquicas, com

peso nas oligarquias rurais, que praticam o criar dificuldades para

vender facilidades, de reproduzir carências para manipular

provimento; de caracterizar a ação pública como doação personalista;

e de ações pontuais, superficiais, temporárias, assistencialistas, em

lugar de políticas públicas. (Idem, p. 70)

Em Rio das Ostras não é diferente, os 22 anos de emancipação política

administrativa, foram acompanhando de um movimento de crescimento populacional

enorme e de favelização. Segundo Perez (2012), Rio das Ostras tem o maior

crescimento do interior do Estado, cerca de 10% ao ano. Porém, Pizzol e Ferraz (2010),

a partir da análise comparativa dos recursos advindos dos royalties e os índices de

desenvolvimento humano afirmam que:

“apesar do enorme potencial de investimento proporcionado pelos

royalties, nota-se nesses municípios inúmeros problemas: crescimento

populacional acelerado, imigração desordenada, falta de planejamento

urbano, favelização, elevação do custo de vida e condições precárias

de educação, saúde, moradia, saneamento e pavimentação”. (Pérez,

2012,p. 50, apud Pizzol e Ferras 2010, p.2)

Isso porque, segundo Pérez ( 2012), com o fim da subvenção estatal a Proalcool

na década de 1990 e o aumento da concorrência com o petróleo muitas usinas foram

fechadas e trabalhadores despedidos. O mercado do petróleo, altamente mais seletivo,

não absorveu esses trabalhadores migrantes, formando um exército de trabalhadores

sobrantes, essenciais para manutenção do sistema capitalista. Os novos moradores48

,

que vem em busca do “El Dourado” anunciado pela mídia burguesa, se deparam com a

dura realidade de virar mão de obra descartável, passando por processos de

empobrecimento e aprofundamento das desigualdades.

Deve-se problematizar que o desenvolvimento vertiginoso, que é divulgado na

mídia, por qual o município passa realmente é para todos? Se for para todos, porque os

bairros periféricos são tão visivelmente abandonados? Tantas belas mansões se

contrapõem a crescente favelização.

“Reintegração de Posse” da Casa do Povo aos vereadores. Mais informações: < http://blogderesistenciasocialista.blogspot.com.br/2013/09/carta-do-movimento-vem-pra-rua-sobre.html> 48

Dados do crescimento populacional: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/dados-do-municipio.html>

.Acesso em 12/11/14.

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91

Do ponto de vista de nosso estudo, interessa problematizar que os

índices e indicadores utilizados, tanto pelas entidades acima indicadas

quanto pelos gestores, não são capazes de revelar se estas riquezas tem

se transformado em desenvolvimento social, se estes recursos tem sido

direcionados segundo as prioridades de atendimento das necessidades

das populações locais, se o chamado “desenvolvimento” tem sido

planejado com base nos princípios de preservação do meio ambiente,

este último considerado um patrimônio coletivo. (Idem, p 52).

O tema de gestão correta dos recursos públicos, que realmente gerem benefícios

a toda a população, não é o tema do presente estudo. Mas não se deve ignorar, que

maior controle social e fiscalizações devem ocorrer. Cidades governadas por “coronéis”

modernos, onde direitos são convertidos em favores, são um ranço do passado a ser

combatido coletivamente.

Nas entrevistas com os profissionais do abrigo foi apontado que frequentemente

a instituição opera com capacidade máxima, o que demonstra uma crescente demanda

por institucionalização no município. O aumento da violação dos direitos das

crianças/adolescentes não pode ser atribuído diretamente ao crescimento populacional.

Entretanto, este crescimento traz consigo demandas por políticas públicas e

infraestrutura urbana, que se não forem atendidas, podem contribuir com o acirramento

das expressões da questão social. Expressões estas que sim, influem na proteção social

das crianças. A família é um espaço de proteção e garantia de sobrevivência

indispensável, mas em tempos de acirramento da vida dos trabalhadores e trabalhadoras

necessita de amplo apoio das políticas públicas para garantir essa proteção. Proteção

essa que no sistema capitalista nunca será plena49

.

Para encerrar os gráficos elaborados a partir da pesquisa de campo, não podia

faltar a relação do destino dos acolhidos de janeiro de 2013 à outubro de 2014. Neste

período passaram pela instituição 62 acolhidos (não acolhimentos, porque houveram

casos de mais de um acolhimento da mesma criança/adolescente, no gráfico se encontra

o destino atual da criança/adolescente).

49

Os profissionais da equipe técnica que trabalham em abrigos precisam ter essa ampla visão no trabalho

com famílias, para evitar a reprodução de preconceitos e moralismos. Não tentando padronizar as famílias

atendidas num modelo considerado ideal, mas sim sair do lugar de fiscalização e buscar as

potencialidades, para que possam ser traçadas estratégias de reintegração familiar.

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Fonte: elaborado pela autora.

44% dos acolhidos retornaram a família nuclear; 24% permaneceram na

instituição; 16% foram reintegrados a família extensa50

; 2% evadiram da instituição e

2% foram adotados.

Esses números revelam que em 62% dos casos do último ano, conseguiram ser

traçadas estratégias de inserção das crianças/adolescentes em uma família, seja a

natural, extensa ou adotante. O ideal seria o fim da necessidade social do Abrigo existir,

mas enquanto isso não ocorre, iniciativas que façam com que a brevidade do

acolhimento e a reintegração ocorram devem ser estimuladas. O trabalho da equipe

técnica deve sempre se basear em atender as reias necessidades das crianças/famílias,

para ampará-las material e psicologicamente no sentido de criar condições para

reintegração familiar. Sempre respeitando as condições emotivas e materiais da família,

e somente em casos de insucesso realizar o encaminhamento para adoção. Mas os

profissionais devem desfazer o mito de que a família perfeita é a natural, o perfeito é o

lugar aonde a criança/adolescente se sinta amada e respeitada enquanto sujeito em

desenvolvimento. O Abrigo Municipal está avançado em relação a garantir que o

acolhimento seja de fato breve.

50

Família Extensa: composta pelos avós, tios, primos, irmãos, cunhados, etc.

<http://www2.mp.pr.gov.br/cpca/telas/ca_igualdade_38_11_3.php> acesso em 12/11/2014.

24%

44%

16% 13%

2% 2%

Permanecem acolhidos

Reintegrados à família nuclear

Reintegrados à família extensa

Encaminhados para outra instituição

Evasão Adoção

Destino dos Acolhidos 2013 -2014

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Para finalizar o capítulo, será exposto o relato do único caso do abrigo que

ultrapassa dois anos de acolhimento. Para ilustrar a complexidade das demandas que

chegam aos profissionais, que devem buscar respostas criativas para garantir a real

felicidade e bem estar da criança/adolescente.

K (12 anos) tem uma trajetória de vida complexa, primeiro ficou em

situação de rua no RJ, foi para um abrigo, sua mãe a sequestrou de lá

e voltaram para rua, voltou para o abrigo foi adotada e depois

devolvida, voltou para o abrigo, foi para o projeto do RJ chamado

Família Acolhedora, depois do período do programa voltou para o

abrigo. Depois foi novamente encaminhada ao projeto família

acolhedora na casa da irmã de W, daí W a adotou e a trouxe para

morar consigo em Rio das Ostras, ficaram juntas 1 ano e

posteriormente W a levou ao fórum de Rio das Ostras e a devolveu. A

psicóloga do Fórum avaliou que K por ter sido muito magoada não

quer ter mais vínculos com ninguém. Sua referencia familiar é do

RJ.Seu pai foi assassinado. Sua mãe é usuária de crack e vive nas ruas,

seus 8 irmãos algum estão adotados, outros em abrigos diferentes e

um com uma tia. Pensamos que o melhor seria ela voltar para o Rio de

Janeiro, o problema é que a adolescente não quer ficar com os irmãos

biológicos e formou vínculos afetivos no Abrigo de Rio das Ostras e

não quer ir embora. Penso que na próxima audiência o juiz irá

transferi-la, pois estávamos conseguindo mantê-la aqui pelo processo

de reaproximação com W, como esse foi rompido não há mais

justificativas. Mais uma vez percebo que as medidas de proteção

acabam criando novos traumas nas crianças. (Bastos, 2012, p.20)

Esse caso ilustra várias questões complexas como a vivência de rua, pais que

fazem abusivo de álcool ou drogas, traumas decorrentes de diversas devoluções de

adoção e ainda não poder optar em ficar no único lugar que encontrou a felicidade.

Nesse caso o que fazer? Realizar uma leitura fria do ECA e encaminhar a adolescente

para o RJ como queria o juiz? O acolhimento institucional deve se preocupar em

minimizar os traumas na vida das crianças/adolescentes, se ficar na instituição até a vida

adulta for o melhor, deve se garantir um ambiente institucional propício para que isso

ocorra. Além de, acompanhar a adolescente na construção de seu projeto de vida,

também garantindo que ela desfrute da convivência familiar e comunitária, inserindo-a

no projeto de apadrinhamento afetivo e na vida comunitária onde a mesma possui

vínculo.

Ficam inúmeros desafios, institucionais, legais e principalmente estruturais da

sociedade, para que os condicionantes que levam a violação de direitos sejam

superados. Mas, nunca se deve desistir de criar alternativas de resistência.

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3.2 Desafios para assegurar os direitos das crianças e adolescentes a

convivência familiar e comunitária no município de Rio das Ostras.

O passado da história das políticas públicas para infância e adolescência no

Brasil, que redundou em uma das legislações de atenção a infância mais avançadas do

mundo levou a sociedade brasileira a uma situação contraditória. Por um lado o Brasil é

a vanguarda, referência mundial, em participação popular na construção de legislações

de proteção a infância e adolescência. Em que, se intentou romper com as práticas

estigmatizantes, de institucionalização, coerção, controle e exclusão. Ao mesmo tempo,

o país também é conhecido mundialmente pela violação dos direitos conquistados das

crianças e adolescentes.

Em um ranking de desigualdade de renda “o Brasil está em 73º lugar, atrás de

países como Sri Lanka e Uzbequistão. A desigualdade de renda é o principal motivo da

má colocação do Brasil no IDHAD”51

. O capitalismo Brasileiro e mundial foi fundado

sobre um regime escravista e racista, entendido isso, concluí-se que a luta antirracista é

chave na luta de classes. Não é por acaso que a maioria das pessoas que sofrem com a

desigualdade de renda são negras, que a maioria das crianças/adolescentes

institucionalizados são negras e que a população exterminada pelo Estado no país

também seja negra52

. Nesse cenário macro societário de desigualdade, concentração de

renda nas mãos de elites, extermínio racista e criminalização da pobreza e dos que lutam

a situação da infância e adolescência é caótica e apresenta inúmeros desafios para ser

revertida.

É como se existissem duas sociedade. Uma que se indigna com esse

estado de coisas e ruidosamente reclama e o obtém a reforma do

discurso oficial, inclusive em um dos domínios mais bem guardados e

estruturados e guardados da tradição institucional brasileira: o

domínio jurídico-judiciário. Enquanto isso, a outra resiste, sub-reptícia

e obstinadamente ao novo modelo, acusado, velada ou abertamente, de

proteger “menores”, “pivetes”, “trombadinhas”. Quanto a estes, não os

reconhece como legítimas crianças e adolescentes, considerando-os,

ao contrário, inimigos precoces do bem público, que é preciso conter

precocemente, tirando-os de circulação, não importa como. (Rizzini e

Pilotti orgs., 2011, p. 324).

51

Disponível em <http://www.direitoshumanos.gov.br/.>Acesso Nov. 2011. 52

“Infelizmente, não são casos isolados. Trata-se de uma política de Estado de extermínio da população

negra, que criminaliza a pobreza e de modo racista aponta os que devem ser exterminados (as).” Ver

dados: < http://www.lsr-cit.org/anti-racismo/37-anti-racismo/1166-poder-ao-povo-negro-a-juventude-e-

trabalhadoresas-racistas-nao-passarao > Acesso em: 13/11/2014.

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Os reflexos da assistência ao pobre no país criaram estereótipos dos mesmos

como viciados, ignorantes, vagabundos, promíscuos, revoltados e que deveriam ser

vigiados pela ordem pública. A família pobre foi entendida como incapaz de cuidar de

si e dos filhos,o que preocupava o Estado e as elites que precisavam de capital humano

para “desenvolver” o país. “Submete, pois, a família pobre à heteronomia, ao mesmo

tempo em que lhe atribui uma pesada carga de responsabilidades” (Idem, pg.325). O

primeiro desafio a ser superado na sociedade, e por parte dos profissionais que

trabalham diretamente com as famílias pobres, seria o de refletir e mudar a postura de

relacionar pobreza e irregularidade social. Como se a mesma a gerasse. Ao se ter clareza

que a classe trabalhadora é explorada pela elite burguesa, que é a mesma que governa o

Estado, se percebe que o controle do pobre e da sua família é indispensável para

manutenção do status quo, da própria sociedade capitalista.

Ainda, muitos podem pensar que as famílias atendidas nos abrigos não são

trabalhadoras. São automaticamente caracterizadas como preguiçosas sustentadas pelos

benefícios do governo, que mesmo com a “colher de chá” de não precisar trabalhar,

violam os direitos dos filhos. Primeiramente, como evidenciado anteriormente neste

trabalho, os benefícios do governo não são uma caridade, são sim fruto de concessão

estatal para conter o potencial revolucionário da classe trabalhadora mas, sobretudo,

são fruto de muita luta dos trabalhadores organizados. Estar desempregado, na

sociedade em que vivemos é essencial para manutenção do sistema. Em Rio das Ostras,

com o estabelecimento da indústria do petróleo na região precisam-se cada vez menos

trabalhadores (e de alta qualificação técnica não oferecida de forma pública), graças ao

progresso do maquinismo, à modernização da indústria, etc., com este aperfeiçoamento

muitos trabalhadores ficam desempregados e formam o chamado exército industrial de

reserva. Estes são essenciais ao Capital, principalmente em tempos de crise, para

desestimular a organização dos trabalhadores ativos e manter seus salários baixos ou

sem aumentos53

. Por fim, o discurso moralista e preconceituoso em relação às famílias

pobres não se sustenta.

53

"Quanto mais a riqueza social crescer… mais numerosa é a sobrepopulação comparativamente ao

exército de reserva industrial. Quanto mais este exército de reserva aumenta comparativamente ao

exército ativo do trabalho e mais massiva é a sobrepopulação permanente, mais estas camadas compartem

a sorte de Lázaro e quanto o exército de reserva é mais crescente, mais grande é a pauperização oficial.

Esta é a lei geral, absoluta da acumulação capitalista." (Marx, O Capital, Tomo 3. disponível em:<

http://www.marxists.org/portugues/marx/1868/03/28-ga.htm> Acesso em 13/11/2014).

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O Estado liberal precisava, para acumulação capitalista, controlar a classe

trabalhadora por isso se iniciou a ingerência do Estado na esfera familiar. A questão

higienista, como mostrada anteriormente neste estudo serviu para além do controle da

família pobre, buscou substituir a educação do cotidiano e particular para uma educação

escolar/formal voltada para o mercado de trabalho, para formação de capital humano. E

essa política saneadora, operada pela vertente judiciário e pelos técnicos (assistentes

sociais, psiquiatras, psicólogos, pedagogos e etc), encontrou nas crianças/adolescentes

uma forma de exercer poder externo sobre as famílias.

Os filhos passam, então, a funcionar como reféns da boa conduta dos

pais, pois o abandono moral, mais que um fato, é uma presunção.

Crianças e adolescentes moralmente abandonados permitem

vislumbrar a irregularidade nos bastidores da família. Propiciam, pois,

às políticas de controle social as oportunidades de que estas

necessitam para transformar a família num módulo padrão da

sociedade, sujeito a uma regulação normalizadora. (Rizzini e Pilotti

orgs., 2011, p. 328).

A política de institucionalização de menores, como todos os seus aparatos, foi

gestada neste cenário, ocultando a dimensão política das desigualdades sociais. Com

todos os avanços no entendimento e tratamento as crianças e adolescentes pós ECA, um

grande desafio para os profissionais da área seria não reproduzir modelos e restrições no

estilo penitenciário aplicado aos adultos. A cultura de institucionalização deve ser

extirpada da sociedade.

Para além de todas as tentativas de reformulação da assistência à

infância e adolescência no Brasil, a cultura institucional, assim

configurada, logrou uma inércia considerável. Transformou-se numa

espécie de lugar comum perverso, tanto mais difícil de extirpar,

quanto maiores os benefícios, econômicos ou políticos-clientelísticos,

desse grande negócio que se converteu o assistencialismo, na sua

vertente pública ou privada. (Idem, p. 329).

Os desafios são muitos, mesmo com a mudança nas políticas de proteção a

infância e adolescência. Para Rio das Ostras e de forma geral, o desafio de resignificar

a concepção de abrigo, para lugar de proteção e não de opressão e privação de direitos,

deve ser operacionalizado na prática. O Abrigo tem em si mesmo a contradição de ser

um lugar de afeto e proteção, não deixa de se ter certo grau de confinamento, por isso

quantas mais ações tomadas para garantir a convivência familiar e comunitária e a

brevidade da medida mais os direitos das crianças e adolescentes serão assegurados e

menos traumas impostos. E nos casos em que o acolhido ficar na instituição até

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completar 18 anos deve ser propiciada a criança/adolescente um ambiente saudável para

tratamento do trauma e sua formação enquanto sujeito, e preparação para a vida adulta.

Rizzini (2006) em sua pesquisa identificou limites institucionais (dos abrigos),

muitos deles também foram apontados nas entrevistas da Pesquisa de Campo como

limites e desafios institucionais do Abrigo Municipal de Rio das Ostras.

Incertezas frente às mudanças governamentais. Não se acredita que o

Abrigo possa ser fechado por algum governo, pela demanda real para que

ele exista. Porém, pode não ser privilegiado pela gestão. Como no caso

da construção do novo abrigo ter sido adiada, e não noticiada nova data

de inauguração. Era para estar pronto em dezembro de 2014, mas foi

mera propaganda política.

Falta de equipamentos municipais e até regionais para atendimentos

específicos, como por exemplo, nos casos de abuso sexual, psicoterapia,

outras abordagens para uso abusivo de álcool e drogas, gravidez na

adolescência e etc. Quando tem o serviço no município a oferta é menor

que a procura, por isso a equipe técnica realiza reuniões e visitas

institucionais para sensibilizar as equipes da importância dos casos

encaminhados pelo Abrigo receberem prioridade.

Problemas de articulação na rede de atendimento. Com a iniciativa das

reuniões de rede, orquestrada pelo Ministério Público, o diálogo entre os

diversos atores da rede de proteção ficou mais fluente. Pode-se organizar

o fluxo de atendimento, e principalmente estreitar laços para minimizar

os erros nos atendimentos.

Em Rio das Ostras o maior problema com a rede é com o Conselho

Tutelar, como apontado anteriormente neste trabalho. Em entrevista com

a coordenação do Abrigo, foi exposto que em 2015 será construído um

novo Conselho na cidade, que contará com dois, um no Bairro Extensão

do Bosque e o outro em local a ser escolhido depois da ponte do

Costazul. Com o crescimento populacional, um Conselho não estava

conseguindo acompanhar todas as crianças em situação de risco no

município. Espera-se, que com menos sobrecarga de trabalho, a relação

com entre CT e Abrigo seja mais afinada (com bastante troca de

informações e clareza das atividades feitas).

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Dificuldade em encaminhar todos os acolhidos, que possuem perfil,

principalmente os adolescentes no projeto de apadrinhamento afetivo. Há

de se buscar estratégias para não ser negado aos adolescentes o direito a

convivência de uma família, para que possa chegar à idade adulta sem

drásticas rupturas na sua vida.

Outro grande desafio são crianças/adolescentes com deficiência, ou que

demandem cuidados especiais. Recentemente no Abrigo tiveram casos de

uma adolescente com transtornos mentais graves e uma que teve 90% do

corpo queimado. A instituição não tinha recursos físicos para oferecer os

cuidados necessários, por exemplo, a sala da equipe técnica foi

transformada em um quarto para adolescente que teve o corpo queimado,

pois a mesma corria o risco de ter infecções. Esses tipos de demandas

reservam dificuldade além das socioeconômicas, pois geram demandas

que dependem exclusivamente de intervenções de diversos setores. As

respostas para esses casos dependem da existência de equipamentos

municipais e uma rede bem articulado. Em Rio das Ostras existe o

Centro de Reabilitação – CR, que é uma unidade pública de efetivação

do serviço de reabilitação total ou parcial de pessoas com deficiência no

município. O CR trabalha em parceria com o Abrigo, porém a demanda

supera a oferta de vagas, onde às vezes tem-se que recorrer a outros

municípios ou a rede privada.

Segundo os dados que compõem o mais recente censo do MCA54

,

referente ao período de implementação do sistema até a data de corte

25/05/2007 e 30/06/2014, 56 acolhidos foram reintegrados a família

nuclear, sete foram integrados a família substituta e 2 (dois) a família

extensa55

. Foram contabilizados56

, seis casos de reinstitucionalização no

período de 2012 até fevereiro de 2013. Retorno este, seja de família

natural ou adotante. Visto que a capacidade do abrigo de Rio das Ostras é

54

Mais informações < http://mca.mp.rj.gov.br/wp-content/uploads/2014/09/censo_municipios.pdf>

acesso em 13/11/2014. 55

Estima-se que esse números sejam ainda maiores, pois nem sempre o sistema de onde foram retiradas

as informações do gráfico estejam atualizados corretamente. Pois, só na pesquisa de campo,no período de

2013 a outubro de 2014 foram 27 acolhidos reintegrados a família nuclear, 10 reintegrados a família

extensa e 1 adotado. 56

Pesquisa realizada pela estagiária Marinna Brandão Bastos, no período de estágio curricular obrigatório

no Abrigo Municipal de Rio das Ostras.

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pequena, acolhendo no máximo 16 crianças, um índice de seis

reinstitucionalizações é preocupante, representa um movimento da

realidade. Por que tantas crianças e adolescentes retornam ao

acolhimento institucional? Vários elementos e hipóteses podem ser

atribuídos a este movimento: a realidade social mais ampla pode estar

interferindo no papel parental das famílias, ou seja, no cuidado com os

filhos; as ações desenvolvidas pela equipe interdisciplinar, não estão

sendo capazes de reverter os motivos do acolhimento; o processo de

desligamento da instituição, não está ocorrendo de forma gradativa,

como primado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no seu

artigo 92 inciso VIII. Sobre essa questão estudos mais profundo devem

ser elaborados.

Um desafio de Rio das Ostras e nacional é fomentar a adoção de crianças

e adolescentes. Segundo o site do Conselho Nacional de Justiça57

existem

5638 crianças/adolescentes no Cadastro Nacional de Adoção, em

contrapartida existem 32761 pretendentes a adoção. Porque então

existem crianças na fila? Muitos elementos estão incididos ai, como a

preferência por adoção de crianças brancas, sem irmão e sem deficiência.

Campanhas de valoração da adoção devem existir de forma contínua, no

âmbito nacional e municipal.

Diante dos desafios listados, e dos muitos mais que existem (que só conhece

quem está inserido na política) pode-se concluir que fortalecer e gestar no país políticas

públicas de apoio sócio-familiar, sustentando uma política de preservação de vínculos

familiares, é urgente e imprescindível.

57

Fonte: <http://www.cnj.jus.br/cna/publico/>. Acesso em: 13/11/2014.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse estudo buscou-se problematizar a institucionalização de crianças e

adolescentes no abrigo municipal de Rio das Ostras com o objetivo de desvelar os

motivos que contribuíram para a criação de um ambiente favorável a institucionalização

de crianças e adolescentes no município. Através do debate de categorias importantes

como “família”, “infância e adolescência”, “sociedade burguesa”, “questão social” e

“políticas públicas”, também se procurou perceber se existe uma política eficaz para

crianças e adolescente no Brasil, e se o município de Rio das Ostras consegue garantir

uma política pública de acolhimento institucional de qualidade.

Como pontuado nesse trabalho, uma perspectiva crítica de análise entende o

instituto da família como uma totalidade inserida em processos históricos e sociais,

portanto, sua estrutura não é fixa e nem pode ser naturalizada. O modelo de família

ainda hegemônico é a de casal com filhos (nuclear), mas como visto, vem perdendo

considerável espaço para as mais diversas formas de arranjos familiares. Indo de

encontro à ideia de família como uma estrutura fixa, atestando sua mutabilidade

histórica.

O cuidado com as crianças e o sentimento de família, como visto no presente

estudo, é um fenômeno moderno instaurado a partir do século XVII. Nos séculos XVIII

e XIX a preocupação com a saúde educação dos filhos passa a ser preocupação dos pais.

Antes a família não possui função afetiva e nem socializadora, era uma unidade de

proteção cujas crianças eram socializadas enquanto ajudavam no trabalho, ou seja, na

sobrevivência da própria família. Então, a partir do século XVIII a família não é apenas

uma unidade de sobrevivência, mas local de refúgio e afetividade. No século XX

começa a se consolidar, com maior incidência nas classes mais pobres, os vínculos

familiares sendo definidos por relações de afeto. As classes mais abastadas, nesse

sentido, dariam maior importância às relações de parentesco por motivo de divisão dos

bens de herança. Família então começa a ser encarada não apenas em consideração aos

laços consanguíneos, mas também em relação aos laços de afeto. Em que se consideram

aqueles com quem se pode “contar”, aqueles com que se têm obrigações morais.

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Também foi visto como ao longo da história o Estado vem exercendo o controle

social da família pobre e de seus membros, onde suas crianças foram tidas como um

perigo para a sociedade, mesmo quando foram encaradas como importante capital

humano para o desenvolvimento capitalista. Se, com o advento da propriedade privada,

surge o patriarcado e a família monogâmica com fins de assegurar os direitos de

linhagem (herança) e a não divisão do patrimônio; a manutenção da família

monogâmica, hoje configurada hegemonicamente de forma nuclear burguesa, serve a

manutenção da propriedade privada na sociedade, por isso a família precisa ser bem

vigiada pelo aparato estatal. Nunca seria de interesse das classes dominantes que a

função socializadora da família, suscitasse uma ideologia emancipatória e contestadora

da realidade burguesa. Logo o controle da família, por parte do Estado é vital para

manutenção da propriedade privada e da própria sociedade capitalista;

Desse modo, as crianças e adolescentes transformaram-se, nos meios

operários, sobretudo urbanos, não apenas no objeto dos cuidados e da

intervenção higienista patrocinada pelo Estado, mas num canal de

acesso e controle, por meio do qual era possível penetrar nas famílias

para conferir-lhes o padrão desejado. (Rizzini e Pilotti, 2011,p. 327).

Por outro lado, a prática de acolher crianças/adolescentes não é nova no país, e

como a família, esta vem mudando. A institucionalização da infância e adolescência

advém das primeiras rodas dos expostos no século XIX; o que veio se modificando foi a

sua finalidade e concepção. Desta forma, a dinâmica social não permite o fim da prática

do acolhimento institucional, apenas sua modificação.

Com a retomada democrática a partir da década de 1980 e a promulgação do

ECA na década de 1990, foi instituída um novo paradigma para se entender a infância e

a adolescência: como sujeitos de direito com garantia de proteção integral enquanto

sujeitos em desenvolvimento. Objetivou-se equalizar as visões da infância e juventude,

pois até então a criança pobre era entendida pejorativamente como “menor” e o filho

das classes abastadas, este sim, era a criança que merecia proteção e cuidado.

Para essa proteção social das crianças e adolescentes, postulada nas legislações

pós-constituição de 1998, se pressupõe todo um sistema de garantia de direitos, onde se

encontram os maiores desafios. Visto que, com a manutenção de uma elevada

desigualdade de renda no país, somada a uma orientação política do Estado que faz com

que as políticas sociais tenham pouca intersetorialidade, reflete-se na criação de cada

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102

vez mais de um ambiente favorável ao constante acolhimento das crianças e

adolescentes em instituições.

Como visto, na contramão da mudança de paradigmas no trato a infância e

adolescência, o Brasil adotou-se o “pacote” neoliberal. O que, incidiu na piora da

qualidade de vida dos trabalhadores e na precarização das políticas sociais. Tais

políticas são importantes, no sentido que permitem as famílias acesso aos direitos

básicos e sociais, auxiliando-as na proteção social dos filhos, que tão duramente delas é

cobrada.

Esse fenômeno serve para a culpabilização e criminalização da família pela sua

incapacidade de não conseguir prover sua sobrevivência (cuidado dos membros) e

integração social, não considerando o contexto mais amplo de acirramento da vida em

tempos de neoliberalismo pós década de 80 que acelerou o processo de empobrecimento

das famílias.

As mazelas e desigualdades geradas pelo capital incidem diretamente nas

famílias. Em tempos de barbárie, o modo de relacionamento familiar muitas vezes se dá

pela violência. Crianças maltratadas são geralmente filhas de pessoas que um dia

sofreram algum tipo de violação de direitos. Como visto a questão da pobreza não

constitui causa obrigatória da violência intrafamiliar, doméstica e da violação dos

direitos das crianças e adolescentes, mas incide no papel parental primário de proteção

social instituído por lei a ela. É fácil apurar famílias violadoras dos direitos das crianças

e adolescentes, difícil é criticar a omissão do Estado em garantir políticas públicas de

qualidade para oferecer suporte para as famílias, para que consigam dar condições dos

filhos se tornarem adultos felizes.

No presente estudo foi exposto, que o acolhimento de crianças e

adolescentes é perpassado pelas expressões da questão social. Na medida em que, tanto

nacionalmente quanto a nível municipal, as condições socioeconômicas das famílias

influem no acolhimento institucional. Em Rio das Ostras, enquanto o “El dourado” e o

crescimento são midiatizados, as periferias continuam desassistidas. Não por falta de

receita municipal, mas por uma gestão dos recursos públicos que não privilegia os

interesses dos trabalhadores e trabalhadoras. Como visto na pesquisa de campo, 93%

dos acolhidos são oriundos de periferias. E, dentre os motivos de acolhimento, foi

problematizado que a maioria pode ser relacionada, em alguma medida, à pobreza.

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103

Dessa forma, o colhimento institucional se constitui enquanto uma expressão da questão

social, porque a falta de proteção social se refere a pouca intersetorialidade das políticas

públicas, como saúde, assistência social, educação, ou seja, o parco investimento do

fundo público na seguridade social. Isso se reflete, na criação de cada vez mais um

ambiente favorável ao constante acolhimento das crianças e adolescentes em

instituições. Portanto, o município deve melhor gerir seus recursos, privilegiando os

investimentos em políticas sociais de qualidade.

Alguns questionamentos podem ser traçados: existem políticas eficazes que

atendam as crianças e adolescentes no Brasil? Rio das Ostras consegue garantir uma boa

política de acolhimento às crianças e adolescentes?

Como se mostrou no trabalho, a legislação que trata da questão da infância e

adolescência no país é uma das mais avançadas do mundo. Porém, com o

aprofundamento do neoliberalismo se operou um acirramento das expressões da

“questão social” e uma precarização das políticas públicas. Para efetivação plena desses

direitos se faz necessário pactuar uma maior intersetorialidade dessas políticas e que o

fundo público privilegie mais recursos para a seguridade social.

Dessa forma, no contexto da sociedade brasileira, diante da

impossibilidade de assegurar a ação intersetorial com conexões em

redes, acentuam-se os prejuízos de cobertura e de proteção social, pois

permanece a precarização do atendimento, principalmente para as

acrianças e os adolescentes em condições de vulnerabilidade ou

mesmo vitimizados pelas diferentes formas de violações de direitos e

de violências. (Bidarra, 2009, p. 495).

O trabalho em rede sempre foi um desafio no Abrigo de Rio das Ostras, a equipe

técnica vêm trabalhando no sentido do fortalecimento do trabalho em rede no

município. Para tanto, estratégias foram tomadas como a articulação com o ministério

público para organizar uma reunião mensal, com representantes da rede municipal, para

traçar estratégias de atendimento as situações de violação de direitos das crianças e dos

adolescentes na cidade. Algumas dificuldades no diálogo com algumas instituições

ainda existem, e precisam ser trabalhadas pela equipe técnica. A equipe técnica tem por

desafio traçar estratégias coletivamente para fortalecer essa rede. Também, lutar para

que os equipamentos de apoio, como o Centro de Reabilitação, passem por uma

ampliação de qualidade, para oferecer mais vagas para a demanda crescente.

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104

A equipe técnica possui um grande desafio no trabalho de fortalecimentos dos

vínculos familiares, para reinserção no seio familiar (natural ou adotante). Para superar

esse desafio, se propõe a criação de espaços coletivos onde as famílias possam

identificar a coletividade de seus problemas, levando a reflexão, tratamento coletivo dos

traumas e possíveis mudanças. Por conta do pouco tempo de trabalho, que os

profissionais dispõe na instituição (20horas), uma proposta para poder operacionalizar

esses encontros seria o fomento para todos os profissionais da equipe técnica

organizarem um fluxograma detalhado do trabalho e fomento a contínua aceitação de

estagiários, para que possam auxiliar os profissionais na criação de projetos para o

trabalho com as famílias, acolhidos e padrinhos.

Como já foi apontado nesse estudo, o maior de todos os desafios se encontra fora

dos muros da instituição, ou seja, forjar uma sociedade que não deixe pessoas

desassistidas, incapacitadas de cuidar da própria sobrevivência e de outrem. Construir

uma sociedade em que não haja a cultura de institucionalização, principalmente das

pessoas pobres e negras. Atualmente, no capitalismo, a realidade é outra, a tendência é

que cada vez aumente a demanda para o acolhimento institucional de crianças e

adolescentes. Por isso, os profissionais que atuam na área da infância e adolescência

institucionalizada devem lançar mão de suas capacidades ético-políticas, teórico-

metodológicas e técnico operativas para lutarem no âmbito macro social e no cotidiano

do seu trabalho pelos direitos desses sujeitos e pela construção de uma nova sociedade.

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ANEXOS

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115

ANEXO A

PESQUISA DE CAMPO

ROTEIRO DE PESQUISA INSTITUCIONAL

INSTITUIÇÃO:

1. Caráter ________________________________________________

2. Desde quando funciona ___________________________________

3. Equipe profissional_______________________________________

4. Equipe técnica __________________________________________

5. Objetivos ______________________________________________

6. Público alvo ___________________________________________

7. Infra estrutura __________________________________________

a. Quantos e quais cômodos _________________________________________

b. Infra para equipe ________________________________________________

c. Transporte institucional (quantos) ___________________________________

d. Telefone, internet, celular __________________________________________

e. Outros __________________________________________________________

8. Projetos desenvolvidos na instituição (quantos e quais)_______________________

9. Trabalho de rede (como é a articulação com as instituições com as quais deve trabalhar

– CT, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, Ministério Público e Juizado,

Educação (Escolas, Secretaria, Projetos e Universidade), Saúde (Hospital, Pronto

Socorro, Postos de Saúde) e Lazer (Projetos Sociais, Esportes). Secretaria de Segurança.

ACOLHIDO (perfil) - atualmente

1. Quantos acolhidos

2. Sexo

3. Idade

4. Cor

5. Origem (cidade, bairro)

6. Motivos do acolhimento:

a. Financeiro

b. Violência

7. Tempo de acolhimento

8. Tem família, recebem visita

9. Quantos estão no cadastro de adoção

10. Quantos foram adotados no último ano

11. Quantos voltaram para a família

12. Mantém contato com a família

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ANEXO B

ROTEIRO - ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS (GRAVADO)

Profissional __________________________________

Quanto tempo de vínculo ___________________________

Como é o vínculo (concursado, contratado, comissionado. Quantas horas)

___________________________________

1. Quais atividades desenvolve no Abrigo

2. Há incompatibilidade entre estas atividades e suas atribuições profissionais

3. Você desenvolve ou participa de algum projeto dentro do Abrigo

4. Há trabalho em equipe e como é feito (dentro da instituição, com os outros

profissionais)

5. Como é o trabalho em REDE (funciona? Quais as instituições do município que

vocês tem maior dificuldade de acesso?)

6. Como você identifica a contribuição da sua profissão para o acolhimento de

crianças e adolescentes em R.O (Aprofundar a questão com o assistente social)

7. Quais os limites e desafios (potencialidades) para o acolhimento de crianças e

adolescentes em R.O

8. Tem alguma questão que você deseja falar

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ANEXO C

ROTEIRO - ENTREVISTA COM COORDENAÇÃO (GRAVADO)

Cargo/função__________________________________

Quanto tempo de vínculo ___________________________

Como é o vínculo (concursado, contratado, comissionado. Quantas horas)

___________________________________

1. Quais as atribuições de um coordenador

2. Que projetos são desenvolvidos atualmente no Abrigo

3. Como é o trabalho em REDE (funciona? Quais as instituições do município que

vocês tem maior dificuldade de acesso?)

4. Quais os limites e desafios (potencialidades) para o acolhimento de crianças e

adolescentes em R.O

5. Você considera que o abrigo atende as demandas da cidade

6. Tem alguma questão que você deseja falar