Máquinas de Imagem - Cesar Baio

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Máquinas de imagem: arte, tecnologia e pós-virtualidade Cesar Baio

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Mquinas de imagem: arte, tecnologia e ps-virtualidade Cesar Baio Resumo Opresentelivrotemoobjetivodepensarsobrecomoastecnologiasmais recentestmconduzidoproblematizacodosmodosdeexistnciada imageminstitudosanteriormentepelafotografia,pelovdeoepelocinema. Nohorizontedacomputaoubqua,roupas,objetos,corposeespaos passam a incorporar microcontroladores, sensores, conexes em rede, telas eprojetores.Comisso,tudoquenoscercasetransformaemplataforma eletrnicaparaimagens,sonsetextos,colocando-nos,assim,noalvorecer do que se poderia conceber como ubiquidade tecnomiditica, uma condio culturalnaqualtudoanossavolta,inclusivensmesmos,tornam-sebase paramediaestecnolgicas.Ograudeassimilaododigitalnaproduo simblicacontemporneaconvocaoartistaarepensarsuasprticasem relaoimagem.Muitosartistasdeixaramdeseinteressarestritamente peloaspectoformalousemnticodaimagemparainvestiremaparatos tcnicos experimentais, visando a especulao inventiva sobre os modos de existnciadaimagem.Taisobrasestolocalizadasemumcampodaarte contemporneamarcadoporsubverses,interveneseinvenesde mquinasdeimagens,sejapormeioderefernciasaosaparatosda chamadadeadmediaoupelousodosrecursosmaisavanadosdas tecnologiasatuais.Paraessesartistas,nolugardeumarepresentao simblicadomundo,aimagempassaaatuarsobreele,vinculando definitivamentesuasvirtualidadesquelaspresentesemtudoqueascerca. Esta produo ganha corpo em ambientes imersivos, na arte ciberntica, na artecbrida,emvideo-instalaesinterativas,emintervenesurbanasetc. Entendidacomofenmenoqueseprojetarumoanossaexperincia,a imagem acionada por estes artistas parece assumir, assim, um estatuto ps-virtual.Issonoporqueelapercasuavirtualidade,masporqueelapassaa seintegrardefinitivamentesvirtualidadesdoprpriomundo,nosomente quelasdeordemfsicamas,sobretudo,sdeordemcultural,incluindo aspectossociais,polticos,afetivoseosmuitosoutros.Olivroanalisaesta produo a partir de teorias da arte e da imagem tcnica, sobretudo, a partir do pensamento do filsofo Vilm Flusser. Introduo - Arte, Mdia e Vilm Flusser Para pensar a arte e a mdia apenasgraasartequesomosconstantemente reinseridosnosolodarealidade,soloesteencobertopelos artifcioseartimanhasdasituaoculturalquenoscerca.A arteanossanicajanelaparaavivnciaconcretada realidade.(FLUSSER, Aspectos e prospectos da arte ciberntica: 5) Desde o alvorecer da arte contempornea, as operaes na estrutura internadasmquinasdeproduoedecirculaodeimagensesons sempre estiveram no centro de interesse de gente como Nam June Paik, Wolf Vostel,BillViola,BruceNaumam,DanGraham,SteinaeWoodyVasulka. Sob a influncia do Dadasmo, do Fluxus, da Arte Pop e da Arte Conceitual, esseseoutrosartistasdapocadeixaramdeladoautilizaosimplese instrumentaldosaparelhosindustriais,paraintervirnointeriordoscircuitos eletrnicos e da organizao dos sistemas miditicos. Boa parte da produo feita entre as dcadas de 1960 e 1980 foi dedicada a esse projeto por meio dasubversodeaparelhosdeTV,cmeras,gravadoresdefitaK7,da intervenocriativaemprogramasdeTVetransmissesviasatlitee, tambm, da reinveno dos espaos arquitetnicos de fruio e dos fluxos de imagens e sons da TV, do cinema e dos sistemas de vigilncia. Estas foram as estratgias de muitos artistas para discutir os impactos dastecnologiasdemediaoemumasociedadenaqualacomunicaode massaseconsolidavaprogressivamente,marcadapelaconcentraode poder, pela padronizao industrial e pela homogeneidade do entretenimento emlargaescala.Noentanto,taisprticasganhamoutroscontornosapartir daviradadesculo.Emrespostastransformaesculturaisquese desdobravame,aomesmotempo,influenciavamaincorporaodabase tcnicadigitalnossistemasmiditicosocorridanadcadade1990,os artistaspassaramareformularsuasprticasesuasestratgiasdeao.O rompimentodefinitivodavinculaoentreosuportetcnicoeaesttica,a facilidade de acesso ao conhecimento necessrio para o desenvolvimento de hardware e software customizados, a interatividade das redes fixas e mveis soapenasalgumascaractersticasquemarcamtaistransformaes.Em termosgerais,essenovocenriomarcadoporumaprofundamudana tantonamaneiracomocompreendemosenosrelacionamoscomas tecnologias de mediao quanto no lugar que elas ocupam na sociedade. Nofinaldadcadade1980,MarkWeisercunhouotermo computaoubquaparadesignarumestgiofuturodatecnologianoqual nossarelaocomoscomputadoressetornariamaisnaturalizada.Os sistemasdigitaisdeixariamdeestarrestritosaoschamadoscomputadores pessoais e se integrariam s coisas que nos cercam de maneira silenciosa e invisvel.Atecnologiarecuariaparaoplanodefundodasnossasvidas,de modoquepassaramosanosrelacionardemaneiraconstanteetranquila com os equipamentos mais diversos, todos conectados entre si. Defato,atualmente,cadavezmaisossistemascomputacionaisse miniaturizam,semultiplicameseinseremdemaneiramaisntimanossa vida. No horizonte da ubiquidade computacional, tudo o que nos cerca passa aincorporarmicrocontroladores,sensores,conexesemrede,telase projetores.Comisso,roupas,objetos,corpos,edificaes,espaospblicos eprivadossetransformamemplataformaeletrnicaparaproduoe circulaodeimagens,sonsetextos.Ograudeavanotecnolgico imaginado por Weiser e que comea a se revelar mais claramente no nosso cotidiano agora nos coloca, assim, no alvorecer do que se poderia conceber comoubiquidadetecnomiditica,umacondionaqualtudoqueesta nossavolta,inclusivenossoprpriocorpo,transformadoemumamdia tecnolgica. Emboraestadimensoestticanotenhachamadoaatenode Weiserdeincio,osdesdobramentosdacomputaoubquanaproduo simblicacolocamemcriseaconcepodemdiatalcomoalgo precisamente delimitado e circunscrito a um tempo e a um espao especfico (asaladeprojeoparaocinema,asaladeestarparaaTV,agaleriade arte para o vdeo). Ao mesmo tempo em que nada mais escapa aos domnios damediaotecnolgica,amdiapassaasediluiresefundiremtudo, tornando-separteindissociveldaexperinciaconcretaquetemosdo mundo.certoqueestecenriodeslocaradicalmenteoque compreendemos como mdia, mas, preciso dizer, ele tambm o faz com a maneiracomoentendemosaimagem,ocorpo,oespao,ooutroea sociedade na qual estamos imersos. Mas,existeoutroaspectodessecontextoquenofoiprevistopor Weiser e que vem se tornando mais evidente nos ltimos dez anos. Trata-se dofatodeque,paraalmdoaspectomaterialdaincorporaodos microcontroladoresedasredesdecomunicaonocotidiano,aubiquidade computacionalpodesercapazdetransformarprofundamenteomodocomo seorganizaonossoconhecimentosobreatecnologia.Issoporque,coma assimilaointensivadosaparatostcnicosnasprticasculturaiscorrentes, a tecnologia perde progressivamente seu carter enigmtico e deixa, pouco a pouco, de ser aquela caixa-preta acessvel apenas a uma quantidade restrita de especialistas e corporaes que fazem girar a indstria da tecnologia. Nomesmoritmoemqueossistemascomputacionaisso incorporadosnocotidiano,oconhecimentosobretecnologiatemse popularizado,favorecendooacessodeumsaberespecficoaumpblico semformaoespecializada.Esteprocessoaceleradoporumasriede aesrealizadasporgruposorganizadosqueutilizamainternetcomobase deproduoedifusodetecnologia.Fundadasnaideiadequeo conhecimentodevesercompartilhadoegratuito,multiplicam-seas comunidadesquedesenvolvemedistribuemtecnologia,oferecemapoio tcnico (em fruns, redes sociais e outros canais) e disponibilizam uma vasta documentaosobresoftwareehardwaredeacessolivre.Graasa iniciativascomoestas,agorapossvelque,comumpoucodetempoe vontade,qualquerpessoasemformaoespecializadaemtecnologiapossa programaraplicativos,montarseuhardwareeproduzirsuasprprias ferramentasecomponentes.Dentreosprojetosmaisdifundidosnarede esto o OpenFrameworks, o Processing e o Arduno1, que simplificam o uso dospoderososrecursosdelinguagensdeprogramaocomplexascomo C++ e Java, assim como da microeletrnica.Estasprticasaumstempoinfluenciamesedesdobramda multiplicaodaproduodeaparatostecnolgicosdemediaono industriais,algoqueultrapassaocontextoespecficodaarte.Uma quantidadecadavezmaiordepessoaspassaaentenderqueelasmesmas podemcriarmquinaseaplicativosquesejamcapazesdeauxili-lasnas tarefasmaisdiversas,oqueintensificaaindamaisoritmodaincorporao dossistemascomputacionaisnodia-a-dia.Nocampodaarte,essaprtica ampliaexponencialmenteaspossibilidadesdeinvenodemquinas simblicasexperimentais,colocandoemoutropatamarapesquisa especulativa por novas formas de imaginar (criar imagens). Emboraocontextoatualpossaserrelacionado,primeiravista,a outros momentos histricos em que havia uma efervescncia na produo de mquinas simblicas, tal como aquele do fim do sculo XIX, por exemplo, que levouinvenodosaparatosmiditicosqueviriamaseestabelecer dcadasmaistarde,ocenrioatualmantmpeculiaridadesquepodem caracteriz-lo como um momento singular na histria da mdia. De fato, em outros tempos tambm houve uma busca pela inveno de novasformasdeproduo,registroetransmissodeimagensesons.A invenodocinema,dofongrafo,dordioedaTVsoconsequncias disso. Contudo, tanto o imaginrio que se formava em relao s tecnologias demediaoquantoaextensodoconjuntodeprticasespeculativas daquelapocaeraoutro.Dentreasmarcasmaisimportantesque caracterizamomomentoatualestoaforacolaborativaeaideiadequeo conhecimento,aproduosimblicaeatecnologiaprecisamserlivrese acessveisatodos.Estaformadepensar,quepotencializadapela 1 Ainda que estes projetos possam ser superados daqui a certo tempo, eles j conquistaram umpapelderelevncianahistriadadisseminaoefetivadeconhecimentosobre tecnologias livres. comunicao via internet, orienta a cultura do conhecimento livre, do low tech edoDoItYourself(DIY),etemcorrodoalgicadaindstriado entretenimentoedomercadodetecnologiapormeiodeumareformulao profundanamaneiradepensarasrelaesentretecnologia,mdiae sociedade.Umdosaspectosmaisimportantesdestecenriotalvezsejao fatodequeestamudanaparadigmticaretiraocartermgicoquepor muitotempomitificouamdiacomoalgoinacessvelearevelacomoum campo frtil para a experimentao esttica e o posicionamento poltico. Nocampoabrangentedaartecontempornea,estareformulaona maneiradepensarolugardatecnologianasociedadeeseusaspectos estticosepolticosaindacarecedereflexo.Dadoquecadavezmais difcilpensaraculturacontemporneasemlevaremconsideraosua permeabilidadetecnologia,urgenteumaefetivauniversalizaoparao campogeraldaartedeproblemticasquepormuitotempoforam circunscritassreasconsideradascomoguetos,taiscomoadanetart,da arteciberntica,dabioarteedaartemdia2 demaneirageral.Diantedisso, cada vez faz menos sentido separar as prticas artsticas que se dedicam s questesdasmdiasedastecnologiasemqualquercampoisoladodaarte contempornea. Poroutrolado,torna-semaisevidenteque,aolongodahistriada arteproduzidacom(epara)osmeiostecnolgicos,muitosartistassempre estiveramvoltadosdeummodooudeoutrosoperaesnonveldos aparatosmiditicos.Reconhecerissoconfereumanovaperspectivana anlisedestaproduoepermitetraarumalinhaqueatravesseumaparte 2 Otermoartemdia,emseusentidoamplo,umaformabrasileiradeinterpretar(ede recortar)oqueentendidopelotermoabrangentemediaart.Aexpressoemlngua inglesa usada ao redor do mundo para se referir a um conjunto de prticas criativas que se utilizamdastecnologiasparaproduo,distribuioeconsumodeimagens,textos,sonse outrosmodosdecomunicao.Emboramuitasvezessejarelacionadoarte,demaneira geral,otermoaplicadotambmemreascomodesign,propaganda,jogoseletrnicos, entretenimento, desenvolvimento de aplicativos etc. No entanto, uma definio stricto sensu do termo, tal como sugerida por Arlindo Machado, capaz de conceituar a artemdia de um modomaispreciso.OconceitoelaboradoporMachado(2007:7-8)consideraartemdiaas propostasartsticasquenosoapenasfeitascomeparaosmeiosdecomunicao,mas que, prioritariamente, problematizam, dialogam e produzem intervenes crticas na mdia e nas diversas reas da tecnologia e da cincia. significativa da media art a partir da identificao de diferentes estratgias de aoemrelaoaosaparatostcnicosdemediao.Sejapelasubverso dosaparelhosexistentes,pelaintervenonoscircuitosefluxosde informao ou pela inveno de aparatos experimentais de mediao, desde avideoarteatasmanifestaesexperimentaismaisrecentesdaartemdia, os artistas sempre estiveram interessados em se inserir dentro das mquinas deproduosimblicapara,apartirdesselugar,proporrearticulaes crticas e qualitativas das suas estruturas internas de funcionamento.Entretanto,diantedessenovocenrioesboadoacima,oartista chamadoarepensarsuasprticaseasimesmo.Almdeampliaros recursosdisponveisaoartistaparaainvenodeaparatostcnicos originais,amudananamaneiradeentenderatecnologiaaumentaas possibilidadesdeoperaonointeriordacaixa-pretadosaparelhos industriais,oquepermiteincursessubversivasmaisprofundasnosseus circuitoseletrnicosecdigosdigitais.Poroutrolado,revela-semais claramenteofuncionamentointernodasinstituiesedoscircuitos miditicos,oqueconferemaisflegoaosartistasnassuasintervenes. Mas, se tais transformaes conferem um novo olhar s estratgias utilizadas pelospioneiroserenovamoflegodasnovasgeraes,elastambm colocam novos problemas ao artista. muitopoucoprovvelqueumartistaatentoaoseutemponose sintaconvocadoaseposicionaremrelaoaessecontextoeapensaro papel que a tecnologia tem assumido na maneira como estabelecemos nossa relaocomooutro,comomundoecomnsmesmos.Seatbempouco tempoeleseviaemposioderefletirsobreaosmodelosestticos,a concentrao de poder e os modos de produo da indstria da comunicao demassa,qualdeveseroseulugaremumasociedadeatravessadapela ubiquidadetecnomiditica?Comonoseposicionardemaneiraingnua diante de uma cultura em que a tecnologia atravessa a sensibilidade, o corpo, asociabilidade,apoltica,aeconomia,asinstituiesemuitasoutras dimenses da realidade? Quais seriam as estratgias mais efetivas de ao? Dessasquestesdesdobra-seumaproblemticaemrelaoao prprio campo da arte e do seu lugar na sociedade. Se tanto a arte quanto a tecnologiainvestemnacriaodeaparatostecnomiditicos,comoseria possvel defini-las como campos de conhecimento e de prticas distintos? A arteestariacorrendooriscodeocuparumlugardeilustraodosrecursos tecnolgicosmaisrecentesedosconceitoscientficosemvigor?Oartista deveabsorverosmodelosdepensamento,terminologiasemtodosusados nocampodedesenvolvimentotecnolgicoouresistiraeles?Nacriao dessesaparatosartsticos,comoseestabelecearelaoentreliberdadee determinao, entre inveno e automatismo? Essasquestesdemonstramaurgnciadeumaatualizaono pensamentocrticosobreasrelaesentrearte,mdiaetecnologia,assim comodemandamteoriasquepossamajudaracompreenderocenrioeas prticasmaisrecentes.Apesquisaaquiapresentadatomataisquestes como ponto de partida para estabelecer conexes entre pensadores, prticas eobrasquepossamoferecerpistasparamelhorcompreenderocenrio emergente.Oprimeirocaptulo,intituladoFlussereaimagem:rumoauma artedosaparatosbuscaumaatualizaoreflexivadosparmetroscrticos quenortearamhistoricamenteessecampodeproduoartstica,visando compreendermelhoressaproblemticafrenteassuasprticaseaoestado atual da cultura contempornea. De incio, so passadas em vista as teorias dodispositivocinematogrfico(Baudry)eps-estruturalista(Foucault, Deleuze),afimdeestabelecerparmetrosquepermitamavanarrumoao pensamento de Vilm Flusser 3.AfilosofiadoaparatodeVilmFlusserpodeoferecerumpontode entradainteressanteparapensarasprticasartsticasparaalmdos determinismos de qualquer ordem. Flusser chama a ateno para a maneira comoaorganizaointernaimplicadaemcadaaparatorepresenta, sobretudo, um modo de fazer especfico, uma viso de mundo e um modelo 3 Muitos dos seus textos utilizados neste trabalho permanecem no publicados. Estes textos foramacessados durante um estgio de pesquisa no Vilm Flusser Archive, hospedado na BerlinUniversityoftheArts(UDK)soboscuidadosdeSiegfriedZielinski.Porisso,nas referncias feitas a estes textos aparece diretamente o nome do texto em questo. de conhecimento que tem dimenses estticas, mas tambm, polticas, ticas e, por vezes, sociais e econmicas, entre numerosas outras. Para ele, estas dimensesabstratasacabamporestabelecercertomododeconcebere estar no mundo que estaria codificado em todos os elementos simblicos que seprojetamdecadaaparato.Segundoessaconcepo,oaspectomais importantenaanlisedequalqueraparatomiditicoseriajustamenteesse modelo de conhecimento, pois ele que confere valor significante ao mundo.Compreender as mquinas de imagem a partir do conceito de aparato deFlusserimplicareconhecerasdimensesabstratasqueseescondem atrs da materialidade da tecnologia. Mas significa tambm entender que os aparatosdeordemtcnicafazempartedocomplexosistemasimblicoque concebemoscomocultura,umavezqueestascamadasabstratasse sedimentamtantoemtecnologiascomoasdacmerafotogrfica,do computador ou das redes de TV, quanto no nosso corpo, na escrita, na sala deaula,noestdiodefuteboleemtudoaquiloqueprojetadesios fenmenosquecompemoconjuntodetodososfenmenoskantianoem que estamos imersos, o qual Flusser concebeu como mundo codificado.Essemododeentenderastecnologiasdemediaoeacultura ofereceumaperspectivainteressanteparapensaraproduoartstica contempornea,poispermitecompreenderestaspropostascriativascomo umatentativadejogarcomascamadasabstratasdosaparatos,que permanecemmuitasvezesencobertaspelastecnologiasecircuitos miditicos.Issoacontecetantoquandoosartistasatuamdiretamentena materialidadedascmeras,sensores,computadoresquantoquandoeles intervmnadinmicainternadasinstituiesdepoderenosfluxos informacionaisdamdia,daarteedodesenvolvimentismotecnolgico.Se todo aparato esconde atrs de si a sedimentao de uma srie de camadas deordemsocial,econmica,poltica,tica,cognitivaentreoutras,oque estesartistasfazemaocriarsuasobrasremexertaiscamadas, desacomod-las,reorganiz-lasdamaneiracomoachammaisinteressante paratensionarsuasincoerncias,revelarsuascontradieseampliarsua potnciadialgicaedecriaodocomum.Naestruturasistmicadessa organizaotaisobrastornam-seassim,elasmesmas,aparatosde mediao. Paraestesartistasatecnologiatornou-seumalinguagempoderosa parapensaromundoeanossacondioemrelaoaele.Paramuitos, inclusive,operarnointeriordessesaparatosparecesermesmoamaneira maisadequadaparaseposicionarfrenteaumcontextoculturalcujas transformaes emergem de maneira dinmica nas dimenses abstratas que atravessam os sistemas de mediao contemporneos, sejam estes tomados porsuastecnologias,instituiesoudiscursos.Trabalhemelesusando cmeras e programas disponveis no mercado para outros fins que no os da indstria do entretenimento, subvertendo as tecnologias existentes, intervindo nofluxodeinformaoquecirculanasredesou,ainda,programando softwareedesenvolvendohardware,oquepodecaracterizarestecampo, assim, o deslocamento da produo artstica para intervenes qualitativas e crticas nos aparatos tcnicos de mediao por meio das camadas abstratas que neles se sedimentam.Atualizandoasestratgiasdospioneirosdaarteetecnologia,alguns artistasoperampelasubversodeequipamentosanalgicoscomocmeras eprojetores.Comseustrabalhos,artistascomoAnthonyMccall,Milton MarqueseJuliusvonBismarckfazemrepensaralgicadasmquinasde capturaeexibiodeimagensparaalmdastecnologiasempregadas.Por vezes,ainversodalgicadefuncionamentosedapartirda ressignificaodeprojetosabandonados,ideiasinterrompidasedos aparelhosobsoletosdachamadadeadmedia,comoemAParallelImage (2009)deGebhardSengmller,WhiteNoise(2007)de!ilvinasKempinase Visorama(2000),deAndrParente.Algunsartistas,noentanto,assumem explicitamentetcnicasderaqueamento,decircuitbending,delowteche degambiarra,taiscomofazemPeterVogel,e,noBrasil,JarbasJcome, RicardoBrazileiro,oscoletivosGambiologiaeOGrivo,entreoutros.O trabalhodessesartistasobrigaarepensartaismdiase,comisso,lanam novas perspectivas para o exame de questes introduzidas pelas tecnologias mais recentes. Estasquestessotratadasdeoutraperspectivaquandocertos artistaspassamaoperarcomaschamadasnovasmdias,surgidasapartir dastecnologiasdigitais.issoqueacontecequando,porexemplo,artistas comoMarkNapier,JoanHeemskerk,DirkPaesmans,EvaeFrancoMattes, GilberttoPrado,EduardoKaceGiselleBeiguelmansubvertemalgicade programaodesites,ofuncionamentodasredesdecomunicaoedos aplicativoson-lineparacolocaremdiscussoquestesfundamentaisdo universodasredesdigitais,expondosuasfragilidadesequestionandosuas incoerncias. Muitas vezes o curto-circuito entre o analgico e o digital se d pelo simples deslocamento de tcnicas e instrumentos da indstria miditica, tal como o fazem Gerald van der Kaap, Paul M. Smith e Helga Stein com os aplicativos de correo de imagens fotogrficas.Emoutroscasos,apropostadetomaraartecomoummodode pensarumaculturaatravessadapelastecnologiasepelosprocessosde mediaotcnicanosednecessariamentepormeiodafisicalidadedas mquinasoudavirtualidadedosoftware,massimpelaimaterialidadede aparatosmuitosmaisabstratosdoqueestes.Essesprojetossedo geralmenteapartirdacriaodeaesesituaesquehabilitem intervenesdiretasnosfluxosdeinformaoedepoderdosgrandes circuitosmiditicos.EssaaestratgiadeartistascomoYuriFirmezaea duplaformadaporAndyBichlbaumeMikeBonannodocoletivoTheYes Men. Sem lidar diretamente com a materialidade da tecnologia, mas bastante conscientesdosprocessoseprocedimentosutilizadospelosmeiosde comunicao, estes artistas tm como objetivo central a criao de imagens miditicasque,umavezinseridasnossistemasdeinformao,sejam capazes de desarticular certos discursos e revelar realidades profundamente encobertas pelos circuitos da mdia e da arte. Outraestratgiaconsisteemassumirastecnologiasmaisrecentes paracriaraparatosoriginaisdecarterexperimental.Orepertrioformado por cmeras, projetores, telas e espaos de projeo, que formavam a base detrabalhoparamuitosartistasatadcadade1980,foiampliado significativamentepelastecnologiasdesintetizao,ps-processamento, sensoriamento,conexoemredeeinterfaceamentointerativointroduzidas pelabasetcnicadigital.Essesrecursos,quenocessamdeseexpandir, elevamaumgrausemprecedentesapotnciaestticadatecnologia.Com isso,muitagentepassouainvestirnacriaodeaparatostcnicoscomo estratgia para lidar de maneira crtica e potica com a realidade. Este um projetoqueatravessaaproduoartsticaquesednocampoda ciberntica, da realidade virtual, das caves, da realidade aumentada, do vdeo edocinemainterativo.Decertamaneira,essestrabalhosantecipamo cenriodeubiquidadetecnomiditicaemergentenamedidaemque,desde muitocedo,elesvmassumindoprticasdeproduodemquinas simblicas no industriais.A anlise das diversas estratgias que surgem com a incurso da arte nointeriorantesobscurodasmquinassimblicas,talcomoempreendida nesse primeiro captulo, revela uma prtica comum a todos esses trabalhos. Em vez de se questionar sobre como criar imagens que melhor representem umadadarealidade,essesartistastmseperguntadosobrecomocriar aparatos que projetem de si imagens que os permitam melhor entender o que noscerca,intervirnomundo,transformarsuadinmicadefuncionamentoe modificar o modo como ele compreendido. Tal mudana de postura aponta paraumadobrafundamentalnamaneiradepensartantoasprticas artsticas contemporneas quanto os modos de existncia da imagem. Taisprticasrompemcomumaposturabaseadanatentativade representao da realidade em favor de outra pautada na projeo de vetores simblicos que possam tocar o mundo. A imagem retirada de sua condio de algo a ser observado e assumida por sua capacidade de atuar sobre o mundo que a encara. Essa passagem deixa ver uma mudana importante no estatuto da imagem, que passa a no mais responder definio que a toma comoapresenadeumaausncia,talcomoelaconcebidaemgeralpela filosofia.Elapassaainteressarmaisporsuadimensodepresena,pelo queelaoperacomsuaatuaonomundo,ou,talcomoconcebeuFlusser, por seu carter de projeto e de projtil. Emtermostericos,essahipteseestruturadaapartirdainverso namaneiracomoanalisamosaimagemfeitaporFlusser.Paraelea fotografia no um indcio da realidade, tal como o a marca da pata de um cachorronaneve.SegundoFlusser,paraentenderafotografianofaz sentidoseinterrogarsobresuarelaocomoobjetofotografado.Emsua filosofiadoaparato,Flusserdefendeque,sequisermoscaptaroquea imagemsignificaatualmente,devemosnosperguntarparaondeelaaponta, ou seja, precisamos procurar entender o que ela projeta como vetor simblico rumoans,comoelatocanossoscorpos,nossamaneiradeconcebero mundo e nossa relao com o outro.Oexamedasestratgiasdeaodessasobrasdemonstraquea inverso de sentido da imagem pode dizer muito da maneira como a arte vem sendopensadaeproduzidanacontemporaneidade.Estaseriaumamarca topresenteque,emalgunscasos,talmudananoestatutodaimagem chegaaganharcontornosformais.Issoaconteceemmuitasdasobrasque exploramastecnologiasinterativasemumabuscaconstantepornovas formasdeinterfaceamentoentreimagemecorpo.Seforpossvelidentificar algumtraoemcomumnaarteproduzidanocampodarealidadevirtual,da realidadeaumentada,daarteciberntica,dalocativemediaedovdeo interativoestepoderiaserdescritocomoumquestionamentoconstanteem termosformaisdosmodosdeexistnciadaimagem.Maisdoqueo desenvolvimentodenovastecnologiasdegeraoeexibiodeimagens, taisexploraescriativastmseapresentadocomoumamplocampode especulaosobreaprprianaturezadaimagemcontempornea,fazendo comquedesuaspesquisasepropostassedesdobremquestesdeordem epistemolgica,ticaeesttica.Oexamedessaproduopermite,assim, discutirformalmenteoestatutodaimagem,erevelaocarteremblemtico desta produo no campo mais abrangente das prticas artsticas. Privilegiandoessestrabalhos,orecorteaquipropostolevaadiantea possibilidade de pensar a imagem em sua condio de projeto. Esta hiptese pensada a partir das seguintes questes. O que acontece quando o artista passaanoseproporapenasafazerimagens,masainventarsuas prpriasmquinasdeimagem?Dequemaneiraastecnologiasdigitaiseas culturasquecomelassedesenvolvemtransformamomodocomonos relacionarmoscomasimagens?Quaissensibilidadesemodelosde conhecimentoestoemvigornessaproduo?Seriamosmesmos colocados em jogo na fotografia, no cinema e no vdeo?Opassoinicialrumoaoenfrentamentodessasquestesdadono segundocaptulodolivro,intituladoInterfacesdigitais:daimersoaops-virtual,queabordaasteoriaseobrasfeitasemambientesimersivos, passandopelaRealidadeVirtual,pelasCavesepelospanoramasdigitais, quesoconceituados,ento,comoregimesdeabsoro.Nota-sequetais dispositivosatualizamosonhoderesgatarnossaconscinciadarealidade (HEIM), vinculando-se a uma tradio que abarca a perspectiva renascentista, orealismoilusionistadosculoXVIIIeapartehegemnicadaproduo cinematogrfica.Pautadosnoidealdeabsorverosujeitoemumuniverso simblico parte, estas imagens se instituem como universos autorreferentes que existem em paralelo realidade (ainda que remetam a ela), tal como os mundos incompossveis de Leibniz. Em contrapartida a estas teorias, a segunda parte do captulo procura esboaroquepoderiaserchamadoderegimedeprojeo.Paraisso,so passadasemvistaasabordagensquerelativizamafalsaoposioentre realevirtualesoidentificadososaspectosquepodemconduzir superaodadualidadeentrefsicoeinformacional.Entreasquestes quemotivamespecificamenteessecaptulo,coloca-se:Quaisseriamos paradigmas epistemolgicos que estariam acumulados em tais imagens? De quemaneiraessesaparatosmaterializamassuasdimensesticae esttica?Emumcontextoculturalemqueastecnologiaseasredesde comunicao deixam de se constituir como espaos passveis de separao darealidadeepassamaseintegrardemaneiracadavezmaisntimaao cotidiano,aoespaoeaoscorpos,aindafariasentidopensaraimagema partirdosparadigmasdovirtual?Seriapossvelcompreenderacondio atual da imagem fora dos paradigmas da imerso no virtual? Apartirdessasquestesosregimesdeimerso,conformedefinidos por Heim, Friedberg e Grau, so problematizados em vista de suas heranas platnicas.Prope-se,ento,pensaraimagemapartirdeumaconcepo fenomenolgicaquelevaadianteahiptesedaemergnciadeummodelo estticofundadonapresenaenaatuaodaimagemnomundoquea cerca.Entendidacomoumaprojeodaabstraoconceitualrumo concretude da experincia, a imagem no poderia mais ser entendida a partir dedualidadesentrerealevirtualouentrefsicoeinformacional,e passaria a se apresentar como um fenmeno que se projeta do aparato para estabelecer relaes com os fenmenos de outras naturezas que constituem omundo.Paratanto,retoma-seoconceitodemundocodificadodeFlusser, que compreende a realidade como um sistema hipercomplexo composto dos fenmenosqueseprojetamdeaparatosdecodificaodesentido,sejam eles tecnolgicos ou no. NaconcepodemundodeFlusseressesfenmenosdenaturezas diversasseimbricam,setensionamenosatravessam.Nessecontexto,os aparatostcnicosdemediaoacabamporampliaraspotencialidades (virtualidades)presentesnanossaexperinciaconcretadomundo.Tal proposiocolocaemcriseasteoriasquesustentaramaconcepo majoritariamentevirtualdodigital.Entendidacomofenmenoqueseprojeta rumoanossaexperincia,aimagemtorna-seassimps-virtual.Isso,no porqueelapercasuavirtualidade(potnciadecriaodeimagens)quea basetcnicadigitaltantoexpande,massim,porqueelapassaaseintegrar definitivamentesvirtualidadesdoprpriomundo.Nosomentequelasde ordemfsicaebiolgica,mas,sobretudo,asdeordemcultural,incluindo aspectossociais,afetivos,polticos,econmicos,subjetivos,emuitosoutros que se apresentam nossa experincia concreta do que nos cerca. Esse cenrio ps-virtual potencializado pela ubiquidade tecnomiditica opontodepartidaparaasanlisesqueseseguemnoterceirocaptulo, ImaginriosCbridos,quededicadosobrasqueutilizamtcnicasde interfaceamentobaseadasnarealidadeaumentada,nacomputaofsicae nasredescbridasparaampliaradimensoperceptivaeinterpretativada mquina,pormeiodesuasinterfaces.Nessecaptulosoanalisados trabalhosqueinvestemnastecnologiasdeanlisedeobjetos,espaose corposcomoobjetivodevincularaeles,emtemporeal,asimagens,sons, textos produzidos no interior dos seus aparatos. Comissoobjetiva-semenosoferecerumpanoramadosusosdestas tcnicasetecnologiasdoqueproblematizaraimplicaodadimensode visibilidade da mquina nos aparatos miditicos atuais. So abordadas obras quelidamcomquestesdecorrentesdeaparatosdevigilncia,captura, catalogao.Taisobrasestabelecemmodosdevisibilidadebaseadosna automatizao da anlise e interpretao daquilo que captado pela cmera eporoutrossensores,segundooqueserentodefinidocomosistemas perceptivossimulados.Apartirdeumaperspectivatantoestticaquanto tcnica busca-se compreender, nestas obras, os modos como so operadas asestratgiasdecooptaodocorpopelaimagem,apontandoparaas dimensespolticaseticasdaquesto.Visandoexpandirarealidade, estes aparatos acabam por instituir um regime de visibilidade ampliada, que, no campo da arte, passa a ser constantemente problematizado. Levando adiante essas questes, parte-se para a anlise de trabalhos artsticosemqueaimagemassumeacondiodeprojetoporsedar experinciapormeiodeprocessosdematerializaoeoutrificao.Como umobjetodegneseespecfica,estaimagempassaaseoferecer manipulaofsicapormeiodediversastcnicasdeinterfaceamentoe responde ao corpo da mesma maneira que os tantos outros corpos que nos cercam. Essa anlise atravessa os captulos quatro e cinco. EmAImagemCiberntica,aproduoemarteciberntica abordadaapartirdaperspectivadamaterialidadedaimagem.Ointeresse dessaetapadapesquisaestnoestatutoassumidopelaimagemem trabalhosqueexploramasimulaodeobjetos,comportamentose processoscognitivos,feitapelosalgoritmoscomplexosdacibernticade segundaordem.Apartirdeento,retomadaacrticadeFlusser objetividadedacibernticaparaestabelecerasbasesconceituaisque permitampensarosprocessosdematerializaoedeoutrificaoemvigor nas obras analisadas.Por fim, no captulo final, Rumo imagem performativa, o conjunto de obras tratado at ento contraposto a outro atravessado por processos de outrificao.Trata-sedeaparatosartsticosemqueaimagemest estreitamenterelacionadaestticadaperformance.Taisobraspassama entenderocorpoeapresena(daimagemedoparticipante)comogestos potentes e sensveis. So tratados os trabalhos instalativos realizados a partir de interfaces interativas que exploram tanto tcnicas de simulao quanto as decriaodesistemasperceptivoscapazesdeinterpretaroparticipante, conferindo alto valor simblico a sua presena e aos seus movimentos. Entre asobrasanalisadasestoasdeartistascomoGaryHill,LucasBambozzi, Lynn Hughes e Simon Laroche, Jean Debois, Damaris Risch, Rafael Lozano-Hemmer, Wen-Ying Tsai, Karolina Sobecka e Chris Sugrue.Nestas anlises questiona-se at que ponto este estatuto performativo daimagemcolocaemjogonovascondutasticas,formasdesociabilidade, habilidades cognitivas, sensibilidades e formas de mediao em relao aos objetoseaosambientesquenoscercam.Paraisso,inicialmenteso apresentadososprincipaisaspectosestticosquemarcamasartesda performance.Especialnfasedadaimportnciadapresenanarelao deencontroentreperformerepblico,assimcomosestratgias organizadorasquetornamaperformance,emsi,umaparatoabstrato.Essa base terica sobre a performance o referencial principal para a abordagem analtica das obras em questo.Altimapartedocaptuloapontaparaaemergnciadecerta sensibilidadeespecficaemtaisobras,diferentesdaquelascolocadasem jogopelapintura,fotografia,vdeoecinema.Oprazerdaobservao, pensadoprincipalmentepormeiodocinema,confrontadocomoutros prazeres estticos possveis, visando apontar para o estabelecimento de uma sensibilidade apoiada na presena da imagem e do corpo. Tais obras e seus processos de presentificao aproximam a condio da imagem e do sujeito daquelaconferidaaocorponaestticadaperformance(COHEN,LEHMANN, FISCHER-LICHTE),demandandodeambosumaposturaperformativapautada novalorsignificantedapresena(GUMBRECHT,ZUMTHOR)edogesto (FLUSSER).Oexamedessestrabalhosapartirdafilosofiadoaparatopermite trazerparaocampoestticocertosaspectospolticosdosmodosde existnciaqueassumimosnasociedadecontempornea.Issoporqueos modelosdeconhecimentoimplicadosnasimagensdesseconjuntode trabalhos esto fundados em sensibilidades e maneiras de entender a si, em relaoaooutroeaomundo,diferentesdaquelesmodelosdafotografia,do vdeoedocinema.Cadaumadessasimagensestabeleceumapolticade existnciaprpria,demandaumcorpoespecfico,entendeooutrodeforma diferente, elabora o mundo de uma maneira particular e institui subjetividades singulares.Comisso,elastrazemparaadimensoformalacondio performativadaimagem,umamaneiradeexistirdaimagemqueseinstitui naculturaatualequeatravessadediferentesmaneirasgrandepartedas prticas contemporneas. Emboranohajatempoeespaonessapesquisaparadiscutircomo talcondioperformativaganhacorponesseconjuntomaisabrangente, espera-sequeasanlisesaquiempreendidaspermitamofereceralgumas pistasparafuturaspesquisasaesterespeito.Entendidocomopartedesse amploprojeto,oexamedastransformaesdoestatutodaimagemnos aparatostecnolgicosdemediaobuscaoferecerparmetrosiniciaispara compreenderque,maisdoquerepresentarummundoouumaverso especficadele,aimagempassaagoraaatuardiretamentenocontextoem queestinserida,assumindo-secomoummododepensar,intervire reinventaromundo.Dentrodorecortemetodolgicoassumidoentreos captulos dois e cinco, toma-se a condio performativa da imagem delineada demaneiragenricanoprimeirocaptuloapartirdeumpontodeanlise especfico:odeslocamentodalgicaocularcentristaparaoutravoltadaao corpo.Aanlisedestestrabalhosdemonstraumapassagemgradualdeum modelodeconhecimentopautadonaobservaoparaoutrofundadono gestoenocorpo.Passa-sedoolharcorporeidade,darepresentao performatividade,dovalordocumentaldondiceaovalorsimblicoe sensorialdapresena,doquevistoparaoquesedesdobradaao.Um quadroesquemticodecomosearticulamestesdiferentesestatutos assumidospelaimagemidentificadosaolongodolivro,assimcomo,suas implicaesnosrelativosregimesdesentido,deconhecimentoe sensibilidade, apresentado na tabela 1.Contudo,tendoemvistaqueoeixocentraldasproposiestericas realizadasaolongodestetrabalhoestabelecidoapartirdeVilemFlusser, torna-seprudenteapresentaralgumaspontuaesintrodutriassobreseu pensamento.Comsuaarrebatadorafilosofia,Flusserestavaatentoao cenrioqueseerguiacomastecnologiasdecomunicaoeas transformaes culturais, sociais e polticas que a partir delas despontavam. Isso o levou a formular uma das mais fecundas bases filosficas para pensar a dimenso esttica da produo miditica contempornea. Por muito tempo mantidodistnciaporpartedaspesquisasacadmicas,aoriginalidadede suas teorias tem desmontado certos preconceitos que se ergueram sobre ele. Flusserdeixouumaobraquepodesercompreendidahojemaisclaramente do que em sua poca, mas que, ao mesmo tempo, demanda uma retomada capazdeatualiz-lafrenteaocontextonoqualvivemoshoje.Dessemodo, antesdetudo,cabefazeraquiumaapresentaopreliminardesteque propsumdospensamentosmaisfrteisparaseentenderumcenrio marcadoporumaculturacadavezmaisatravessadapelatecnologiaepela mediao tcnica. Tabela 1 - Regimes de sentido - parte AA imagem em relao ao aparato Os processos internos do aparato Modos de visibilidade do aparato Ambientes Virtuais Mundos virtuais que se abrem como dimenses incompossveis. Imagem vinculada navegao do participante. Voltados construo da narrativa e navegao. Aberta ao controle do participante sobre sua navegao no espao virtual. O participante conduz a enunciao da narrativa. Realidade Aumentada Sistemas mais ou menos complexos objetificados. Imagem vinculada visibilidade do aparato Voltados simulao de comportamentos mais ou menos complexos vinculando a imagem fisicalidade do mundo Aberta interveno objetiva ou criativa na forma e no comportamento da imagem. Analisa o mundo e o sujeito para formar a base para os processos de atualizao da imagem. Arte Ciberntica Sistemas complexos abertos que se apresentam como objetos. A imagem est vinculada aos seus processos de auto-organizao. Voltados simulao de comportamento, de inteligncia e de organismos vivos. Aberto ao do ambiente externo sobre sistema (incluindo o participante). Aberta ao objetiva do participante nos processos generativos da imagem. Carrega de valor conceitual a ao do participante. Obras Performativas Sistemas mais ou menos complexos abertos outrificados. Imagem vinculada ao valor simblico da sua presena e gesto perante o participante Voltados simulao de encontros entre imagem e participante, e ao estabelecimento dos jogos intersubjetivos entre o artista, a obra e o participante. Aberta interveno subjetiva do participante. Interpreta a presena e os gestos do sujeito de modo a carregar de valor significante sua participao. Fundamentos do regime de sentido da imagem Figura de subjetividade instituda Modelo de conhecimento Ambientes Virtuais Absoro do sujeito no mundo paralelo da imagem. Relao baseada na explorao do espao e da narrativa. O participante um visitante de um outro mundo, chamado explorao. Ciberplatnico. Baseia-se na criao de mundos paralelos e na transcendncia do sujeito para o virtual. Visibilidade Aumentada Projeo da imagem como fenmeno que adere realidade como camadas. Relao baseada nos atravessamentos possveis entre as camadas de realidade. Interator que intervm sobre a imagem. Chamado a agir sobre a imagem como um objeto. O mundo formado por camadas de realidade que se sobrepem umas s outras de modo a criar uma rede que conecta os diversos elementos que compem cada uma das camadas. Arte Ciberntica Projeo da imagem como fenmeno objetificado pelo aspecto auto-rerente do sistema. Relao baseada nas consequncias da ao do sujeito. Interator que age sobre a imagem.Ele chamado a descobrir o que pode se desdobrar a partir de sua ao. Sistmica, apoiada na cincia. Parte da ciberntica, para entender o mundo como sistema complexo, no qual subsistemas interagem uns com os outros, tendo com objetivo principal a permanncia. Apia-se em grande parte na fsica quntica, nas teorias cognitivas, neurocincia e biologia. Obras Performativas Projeo da imagem como fenmeno: um outro equivalente sensvel do sujeito. Relao baseada na troca intersubjetiva que se d no jogo com o participante.Sujeito Performativo que explora o valor simblico da sua presena e de seus gestos. Chamado a um dilogo sensvel com a imagem.Sistmica de base fenomenolgica. Compreende o mundo como formado por mltiplos fenmenos que se projetam de aparatos de diversas naturezas formando o tecido cultural. A realidade concebida como um sistema simblico hipercomplexo. No entanto, est voltada menos para o aspecto biolgico e fsico do que ao fenomenolgico do indivduo. Tabela 1 - Regimes de sentido - parte B Vilm Flusser, o filsofo que gostava de jogar VilmFlusser(1920-1991)nasceuemPragaeimigrouparaoBrasil em 1940; aqui, naturalizou-se e viveu por mais de trinta anos, at seu retorno Europa, no incio da dcada de 1970. No Brasil, seu pensamento floresceu eseusprimeirostextosforamescritosepublicados.Seuretornoaovelho continenteoinseriunoscrculosdediscussesaoladodosgrandes pensadores da poca, o que o tornou reconhecido mundialmente. No entanto, boapartedoseutrabalhoaindahojepermaneceparcialmenterestritaa usurios da lngua alem4 e s poucas pessoas que se propem a mergulhar nosseusmanuscritosembuscadetextos,emoutraslnguas,que permanecem inditos. Escritor,tericoecrticoFlusseranteseacimadetudoumfilsofo de originalidade desconcertante e que, por isso, demanda uma apresentao luzapropriada.Propondo-sedesdeoincioarompercomcertas convenesbalizadorasdostextosfilosficos,elepassouadespertar extraordinriointeresse,inclusivedeseuscrticos.Filhodeprofessor,logo cedodecidiudesviar-sedoestiloacadmico,preterindoaanlisedisciplinar dostextosfilosficosparaassumirafilosofiacomoumexercciodecunho enxadrstico, tomando questes filosficas como objetos de jogo. Com estilo prprio,Flusserelegeuoensaiocomogneroideal;apartirdele, desenvolveuprovocativosjogosdepalavras,baseadosnalgicaena etimologia, numa linguagem floreada, marcada por um existencialismo muito particular,eporumamaneiraprpriadeaplicaromtododereduo fenomenolgicaparaelaborarquesteseargumentos.Caractersticasestas que,somadasaoseuestiloprovocativoeirnico,seduzirammuitos 4 Apenasrecentemente,graasaodeumgrupodeeditores,aobradeFlusservem sendo traduzida mais sistematicamente. intelectuais:artistas,namaioria,masquetambmconfundirame aborreceram tantos outros, principalmente os do campo acadmico. Esta marca pessoal torna qualquer entrada no pensamento de Flusser umatarefaqueenvolvecertorisco,condioqueseconstituitambmpor fatoreslogsticosemetodolgicos.Sabe-sequeFlusserconheciavrios idiomas,almdotchecoedoalemoaprendidosnajuventudeemPraga; tambmoportugus,oingls,ofrancs,oitaliano,orussoe,comomuitos afirmam, o tupi. Sua obra composta por alguns textos escritos em ingls e francs, mas a maioria foi produzida em alemo e em portugus, este ltimo seuconfessoidiomamaisdesafiadore,porisso,preferido(FLUSSER,2007: 75). Para Flusser a lngua sempre foi um instrumento para se articular dentro douniversodaculturaedosconceitos.Seustextoseramelaborados inicialmenteemumalnguae,emseguida,reescritosemoutrosidiomas, multiplicandosuasprincipaisquestesemdiferentesversesdomesmo argumento.Emcadanovaversosuasideiaseramreorganizadas, transformadaseampliadasnumprocessodetraduosemfim,oque dificultaomapeamentoeoestabelecimentoderelaesentreasdiferentes partes de sua produo. Aocontrriodaprxiscientfica,Flusserraramenteapresentavasuas referncias,emuitasvezestomavacomodadosalgunsconceitos importantes para a compreenso da genealogia dos seus argumentos. Alm disso,elequasesemprejogavacomasaproximaesedistanciamentos, profundidadeesuperficialidade.Estasinversessoevidentesemmuitos dos seus textos, nos quais so construdos verdadeiros labirintos com idas e vindas de argumentos e contra-argumentos, jogos estonteantes de conceitos einverses.ComoafirmaBaitelloJr.(2008),estemtodoemqueFlusser subverte seus prprios argumentos inverte o prprio objeto e o olhar do leitor, e decisivo para os mergulhos mais extensos e profundos nos seus objetos prediletos. Com efeito, mais do que um estilo de escrita, seu texto estabelece um jogoentreconscincias,oquerepresentaformalmenteaprpriabase conceitualquecruzaopensamentoflusserianononvelmaisabrangente:a existnciaessencialmentedialgicadohumano.Assimcomoseustextos, suapersonalidadeesuamaneiradepensar(segundoquemoconheceu pessoalmente)eram,emtodootempo,umabuscadeseesquivarda unanimidade,pormeiodeprovocaes,atravessamentos,desviose inverses.Nessesentido,Flusserdesviaseusargumentosdaunicidade organizadoradodiscursounvocoparaconformarseupensamentocomo dilogo, no sentido mais bakhtiniano no termo. Nada indica que ele tenha tido algumcontatocomaobradeMikhailBakhtin;entretanto,umaanlisedo mtodoqueFlusserutilizaparaelaborarargumentoseformularquestes revelaumaestratgiabaseadanoentrechoquedepensamentos independentes, de acordo com o que o pensador russo chamou de polifonia devozesplenivalentes(BAKHTIN,1997).Defato,estanouma coincidncia.OspensamentosdeBakhtineFlussercompartilham referncias. Como se sabe, um dos eixos conceituais de Flusser a filosofia de Martin Buber, para quem a existncia humana baseada no dilogo. Alm deBuber,LudwigWittgensteineHusserl,quetambmaparecemcomo referncia para Flusser, apresentam vises de mundo baseadas no dilogo. Este enfrentamento entre conscincias plenas de poder, muitas vezes, radicalizadoaomximopelaalternnciaentrepessimismoeotimismo.O quecriaumaambiguidadecapazdedesorientarqualquerleitor.Mastal ambivalncia muito significativa, pois representa a um s tempo a profunda recusapordeterminismosdequalquerordemesuaconcepodemundo como uma complexidade inexplicvel. Elaboradasapartirdestaestratgiaprecisamentearticuladapor Flusser,cadacurvadotexto,cadainverso,lanaoleitorparaforaeo colocadefrentecomamaterialidadedaescritaecomocarter argumentativodasideiasapresentadas,abrindoespaoparageraode suasprpriascontra-argumentaes,conexes,hipteseseconcluses.E, justamente,aoserevelarcomoestruturaqueotextoliberaseuleitor.A maneiracomoseestabelecemosconflitosentreideiasaparececomouma estratgiaparadarcontadascomplexidadese,principalmente,das ambiguidadesdomundotomadoemsuatotalcomplexidade.Situar-se nessas curvas do pensamento flusseriano um verdadeiro desafio ao leitor e exige conhecer com certa latitude a genealogia de tais pensamentos. O mtodo analtico de Flusser ApartirdalinhafenomenolgicadeHusserledopensamento sistmicodaciberntica,Flusserdesenvolveuummtodohbilparareduzir fenmenoscomplexosemdiagramasconceituais.Asestruturasque emergiam em tal processo representavam os pontos pelos quais ele operava suasanliseseargumentaesdefenmenoscomplexoscomoa organizao da sociedade, o contexto poltico e at modelos epistemolgicos. Provavelmente,omaisimportantediagramaelaboradoporeletenhasidoo daescaladadaabstrao,queesquematizaaevoluodoscdigos comunicacionaisaolongodahistriadahumanidadeemummodelo conceitual que lhe permitiu articular o conceito de ps-histria. Suasestruturas,noentanto,sodiferentesdaquelasdomodelodo estruturalismoemvigornasuapoca.OsdiagramasconceituaisdeFlusser soderivadosdasteoriasdossistemascomplexosemsuavertente informacional:aciberntica,assimcomodasteoriasqunticaseda termodinmica. Sabendo da impossibilidade de incluir em uma nica anlise todaacomplexidadedomundo,tendoemvistasuaexistnciasistmica,a abstraododiagramapareceuaeleaalternativamaisapropriada.No entanto,graassheranasdohumanismo,elesedesviadaobjetividade, retirandodasteoriasdossistemasafriezaeapurezacientficaparapropor ummodelodeanlisecultural,baseadonaquiloquecapazdetocara essncia humana. (FLUSSER, Cdigos: 16). Aomesmotempoemqueaforadesuametodologiaanaltica ofereceu a possibilidade de insights iluminadores, ela tambm abriu caminho paramuitosmal-entendidos,principalmenteporcontadeinterpretaes literaisdoqueestsendoesquematizado.Casonosejacompreendida como diagrama, a escalada da abstrao, por exemplo, pode ser interpretada comoalgodecompletaincoerncia.Oequvocomaisgeneralizado,talvez, tenhasidoarepercussodolivromaisconhecidodeFlusser:Filosofiada caixapretaquetomadopormuitos,aindahoje,comoumlivrosobre fotografiaenocomoumaabordagemfilosficadosaparatostcnicosde mediao. Como notou Andreas Strhl (2002: 11), graas influncia de Husserl, Flussertevepontosdevistaprivilegiadosqueotornaramradicalmente diferentedosmaisconhecidostericosdosanos1970e1980,muito influenciadospelops-estruturalismoepelomarxismo.Fatoestequetorna difcilclassificarseupensamentodentrodasteoriasdamdia.Embora algumaspoucasvezeselepareaseaproximardofilsofocanadense McLuhan e outras do francs Baudrillard, Flusser sempre se manteve parte dahistriaoficialdafilosofia.Issofezcomque,pormuitotempo,a importnciadoseupensamentofossecircunscritaaomomentohistrico especficodoalvorecerdosmeioseletrnicos.Suarelevnciacomofilsofo vem sendo descoberta aos poucos. Atualmente, grande sua influncia nos estudoseuropeusdamdiaedaarte,principalmenteempasesdelngua alem.NoBrasil,emborasuasteoriastenhaminspiradomuitointelectuais, somenteagoraestamostendoacessosversesemportugusdetextos importantes,necessriosparasecompreenderfilosoficamenteasideiasde Flusser. A sombra da novidade O novo horrvel, no por ser da forma que e no por ser diferente, mas por ser novo. () O novo horrvel e ns mesmos somos o novo". (FLUSSER, 1990: 168 apud STRHL, 2002: 1) Flusserfoiumdosqueprimeiroapercebeuaimportnciadas tecnologias de mediao em circunstncia de ubiquidade computacional e as decorrentestransformaesculturais,sociaisepolticasqueda despontavam.MasFlusserfoitambmvtimadonovo.Noapenasda novidadedesuaperspectivaterico-filosfica,comomencionado,mas tambmporque,muitasvezes,seupensamentofoivinculadoaosdiscursos ufanistasdepregaodecertarevoluotecnolgicaquetiverammuito destaque,nosanos1990principalmente.ComoressaltouStrhl,(2000), muitasvezes,Flusserfoitomadocomoumafiguracultdoadmirvelmundo novodamdia,umprofetadastecnologiasdainformaoou,ainda,um pioneiroradicaldasnovastecnologiasdomicrochip,domonitoredo computador. Grandepartedessaconfusosedpelaprprianoodenovo,que pode ser delimitada a partir de, pelo menos, duas diferentes perspectivas. A primeiratrataonovocomoaquelequeseopeaovelho,aoantigo,ao passado,paraproferircertaideologiadaobsolescncia.esteconceitode novo que se mantm frente do ideal que impulsiona, de uma maneira ou de outra,todaaideiademodernidadevistaemcertosdiscursosartsticosque ganharam fora no sculo XX e que hoje reformulada e deslocada para as campanhas publicitrias das empresas de tecnologia.Emoposioaestaconcepoestaqueladisseminadaapartirdas teoriasdainformao,paraasquaisonovoseopenoaovelhoouao obsoleto, mas ao redundante. Segundo esta concepo, algo novo surge de operaesfeitasdentrealgoconhecido.Estasoperaessedocomo processosdeassociaesentredadosouinformaesjconhecidas,de modoquedestassurjaalgodaordemdoaindanoconhecido,dono redundante,dainveno.Talconcepo,assumidanasanlisesdeFlusser para dar conta do contexto cultural ps-histrico por ele identificado, parte de umaperspectivaquefogelinearidadecausaldopensamentohistrico,de modoacolocaremcrisecategoriascomoadoantigo,dovelhooudo ultrapassado.Estaoriginalidade,quemarcanoapenassuasteorias,mastambm seu estiloldico e dialgico de filosofar, inspira esta pesquisa a olhar para o cenriocontemporneodaartedeumpontodevistaparticular,entendendo este como um dos poucos terrenos em que ainda possvel jogar em busca deumdilogosensvelcomooutro.Nestetrabalho,emparticular,esta maneiradeveraartecontemporneapermiteidentificarpropostasque expandemocampoformaldasimagensesonsproduzidoscommeios tcnicosparaamaterialidadedoespao,docorpo,dastecnologiasedas redesdecomunicao.Esta,quepoderiasertomadacomoumaartedos aparatos tcnicos audiovisuais, rene uma srie de prticas que assumem as tecnologiasdemediaocomocampodeexperimentaoembuscade novosregimesdeimagem,operandoatravsdeumaespeculaocriativa incessante que visa, sobretudo, estabelecer outras polticas de sensibilidade e outras formas de conhecimento. Ocaptuloqueseseguelevaafrentealgumasquestesreferentes justamente s relaes que estas prticas e estes artistas estabelecem com atecnologiaecomasociedade.Comooestgioatualdeautomatizao, fetichizaoeinserodatecnologianocotidiano,naeconomia,na sociabilidadeimpulsionamasprticasartsticasaserepensar?Comoos artistas tm se posicionado em relao a estas questes? De que maneira o conhecimentocoletivo,ossoftwaresehardwareslivreseascomunidades que instituem ao seu redor reformulam a relao do artista com a tecnologia? Comoaimbricaocrescenteentreaarteeatecnologia,entendidosaqui comocamposdeconhecimentoparticulares,commtodosemodosde produo prprios, tem influenciado as prticas artsticas?Estareflexopartededoisconceitosfundamentais:odeaparatoeo de jogo. O conceito de aparato j acumula uma vasta fortuna crtica e terica, aindamaissepensadoemsuasaproximaescomaconcepode dispositivoquepermeiatantoasdiscussessobreocinema,iniciadaspor Jean-LouisBaudry,quantoasdiscussessobreasformasdepoderda sociedadecontempornea,conformeapontaramMichelFoucaulteGilles Deleuze.Joconceitodejogo,emFlusser,tomadocomobasepara pensarumaposturaticadiantedoestgioatualdacultura,agorabaseada em uma enorme quantidade de imagens, tecnologias e informao. Pensar a arteemumasociedadecadavezmaispermeadapelatecnologiaepela mdiaimplicarepensarolugarassumidopeloartista,seusmodosde operaoeamaneiracomosuasprticassedesdobramnomundo. justamenteestapropostaquesempreestevepresentenohorizonteda investigaoapresentadanestelivro.Espera-sequeaslinhasquese seguemconsigamenvolveroleitornessasinstigantesquestes,quetanto ocuparam o imaginrio deste pesquisador ao longo do seu percurso.