Manuscritos Econômico-Filosóficos, de Karl Marx
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Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Agosto de 1844
Escrito: entre abril e agosto de 1844 Primeira Edição: 1932 Fonte: AntivalorTranscrição: Alexandre Moreira Oliveira, abril 2007.HTML: Fernando A. S. Araújo, setembro de 2007 .
Índice
Prefácio
Primeiro Manuscrito
Trabalho alienado
Segundo Manuscrito
A relação da propriedade privada
Terceiro Manuscrito
Propriedade privada e trabalho
Propriedade privada e comunismo
Necessidades, Produção e Divisão do Trabalho
Dinheiro
Crítica da Filosofia Dialética e Geral de Hegel
Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Prefácio
Já anunciei, no Deutsch-Franzoesischer Jahrbücher , uma crítica do Direito e
da Ciência Política sob a forma de crítica à filosofia Hegeliana do Direito.
Entretanto, ao preparar o trabalho a ser publicado, ficou evidente que seria assaz
inconveniente uma combinação da crítica dirigida somente à teoria especulativa
com a crítica de vários assuntos; isso tolheria a exposição da argumentação e
tornaria esta mais difícil de ser acompanhada. Ademais, eu só poderia comprimir
tal riqueza e diversidade de assuntos em um único livro se escrevesse em estilo
aforismático, e uma apresentação assim aforismática daria a impressão de
sistematização arbitrária. Por conseguinte, publicarei minha crítica do Direito,
Moral, Política, etc., em diversos opúsculos separados, e, por fim, tentarei, em uma
obra a parte, apresentar o conjunto inter-relacionado, mostrando as relações entre
as várias partes e apresentando uma crítica do tratamento especulativo desse
material. É por isso que, no presente trabalho, as relações da Economia Política
com o Estado, o Direito, a Moral, a vida civil, etc., são apenas abordadas na
medida em que a própria Economia Política trata desses assuntos.
Não é necessário assegurar ao leitor familiarizado com a Economia Política
que minhas conclusões são o fruto de uma análise inteiramente empírica, baseadas
em um meticuloso estudo crítico da Economia Política.
É claro que além de aos socialistas franceses e ingleses também recorri a
trabalhos de socialistas alemães. Mas as obras alemães originais e importantes a
este respeito - fora as de Weitling - limitam-se aos ensaios publicados por Hess no
Einundzwanzib Bogen , e ao de Engels, "Umrisse zur Kritik der
Nationaloekonomie" no Deutsch-Franzoesischer Jahrbücher. Nesta última
publicação, eu mesmo indiquei, de forma bastante genérica, os elementos básicos
do presente trabalho.
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A crítica positiva, humanista e naturalista tem início com Feuerbach. Os
trabalhos menos espetaculares de Feuerbach são os mais certos, profundos,
extensos e duradouros em sua influência; eles são os únicos, desde a
Fenomenologia e a Lógica de Hegel que contêm uma verdadeira revolução teórica.
Ao contrário dos teólogos críticos de nossa época, considerei o capítulo final do
presente trabalho, uma exposição crítica da dialética hegeliana e de sua filosofia
geral, como absolutamente essencial, pois isso ainda não foi feito. Esta falta de
meticulosidade não é acidental, pois o teólogo crítico continua a ser um teólogo.
Ele tem de partir, seja de certos pressupostos da filosofia aceita como oficial, ou
então, se no decurso da crítica e como resultado de descobertas de outras pessoas
surgirem-lhe na mente dúvidas acerca dos pressupostos filosóficos, abandona-os de
forma covarde e sem justificativa, abstrai a partir deles, e demonstra ao mesmo
tempo dependência servil face a elas e seu ressentimento a essa dependência de
maneira negativa, inconsciente e sofística.
Olhada mais de perto, a crítica teológica, que foi no começo do movimento um
fator genuinamente progressista, é vista como sendo, em última análise, nada mais
que a culminação e conseqüência do antigo transcendentalismo filosófico, e
especialmente hegeliano, deformado numa caricatura teológica. Descreverei
alhures, com maior minúcia, esse ato interessante de justiça histórica, essa
nêmese que agora destina a teologia, sempre o setor infectado da filosofia, a
espelhar em si a mesma dissolução negativa da filosofia, isto é, o processo de sua
decadência.
Karl Marx, 1844
Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Primeiro Manuscrito
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Trabalho Alienado
(XXII) Partimos dos pressupostos da Economia Política. Aceitamos sua
terminologia e suas leis. Aceitamos como premissas a propriedade privada, a
separação do trabalho, capital e terra, assim como também de salários, lucro e
arrendamento, a divisão do trabalho, a competição, o conceito de valor de troca,
etc. Com a própria economia política, usando suas próprias palavras,
demonstramos que o trabalhador afunda até um nível de mercadoria, e uma
mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do trabalhador aumenta com o
poder e o volume de sua produção; que o resultado forçoso da competição é o
acumulo de capital em poucas mãos, e assim uma restauração do monopólio da
forma mais terrível; e, por fim, que a distinção entre capitalista e proprietário de
terras, e entre trabalhador agrícola e operário, tem de desaparecer, dividindo-se o
conjunto da sociedade em duas classes de possuidores de propriedades e
trabalhadores sem propriedades.
A economia Política parte do fato da propriedade privada; não o explica. Ela
concebe o processo material da propriedade privada, como ocorre na realidade,
por meio de fórmulas abstratas e gerais que, então, servem como leis. Ela não
compreende essas leis; isto é, ela não mostra como surgem da natureza da
propriedade privada. A Economia Política não dá nenhuma explicação da base para
a distinção entre trabalho e capital, entre capital e terra. Quando, por exemplo, a
relação entre salários e lucros é definida, isso é explicado em função dos interesses
dos capitalistas; por outras palavras, o que devia ser explicado é admitido.
Analogamente, a competição é referida a todos os pontos e explicada em função
das condições externas. A Economia Política nada nos diz a respeito da medida em
que essas condições externas, e aparentemente acidentais, são simplesmente a
expressão de uma evolução necessária. Vimos como a própria troca se afigura um
fato acidental. As únicas forças propulsoras reconhecidas pela Economia Política
são a avareza e a guerra entre os gananciosos, a competição.
Justamente por deixar a Economia Política de entender as interconexões
dentro desse movimento, foi possível opor a doutrina de competição à de
monopólio, a doutrina de liberdade da profissão à das guildas, a doutrina de
divisão da propriedade imobiliária a dos latifúndios; pois a competição, liberdade
de ocupação e divisão da propriedade imobiliária foram concebidas tão-somente
como conseqüências fortuitas produzidas pela vontade e pela força, em vez de
conseqüências necessárias, inevitáveis e naturais do monopólio, do sistema de
guildas e da propriedade feudal.
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Por isso, temos agora de apreender a ligação real entre todo esse sistema de
alienação - propriedade privada, ganância, separação entre trabalho, capital e
terra, troca e competição, valor e desvalorização do homem, monopólio e
competição - e o sistema do dinheiro.
Não iniciaremos nossa exposição, como o faz o economista, por uma legendária
situação primitiva. Uma tal situação arcaica nada explica; simplesmente afasta a
pergunta para uma distância turva e enevoada. Ela afirma como fato ou
acontecimento o que deveria deduzir, ou seja, a relação necessária entre duas
coisas; por exemplo, entre a divisão do trabalho e a troca. Da mesma maneira, a
teologia explica a origem do mal pela queda do homem; isto é, ela assegura como
fato histórico aquilo que deveria elucidar.
Partiremos de um fato econômico contemporâneo. O trabalhador fica mais
pobre à medida que produz mais riqueza e sua produção cresce em força e
extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que
cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do
aumento de valor do mundo dos objetos. O trabalho não cria apenas objetos; ele
também se produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e, deveras,
na mesma proporção em que produz bens.
Esse fato simplesmente subentende que o objeto produzido pelo trabalho, o
seu produto, agora se lhe opõe como um ser estranho, como uma força
independente do produtor. O produto do trabalho humano é trabalho incorporado
em um objeto e convertido em coisa física; esse produto é uma objetificação do
trabalho. A execução do trabalho é simultaneamente sua objetificação. A execução
do trabalho aparece na esfera da Economia Política como uma perversão do
trabalhador, a objetificação como uma perda e uma servidão ante o objeto, e a
apropriação como alienação.
A execução do trabalho aparece tanto como uma perversão que o trabalhador
se perverte até o ponto de passar fome. A objetificação aparece tanto como uma
perda do objeto que o trabalhador é despojado das coisas mais essenciais não só
da vida, mas também do trabalho. O próprio trabalho transforma-se em um objeto
que ele só pode adquirir com tremendo esforço e com interrupções imprevisíveis.
A apropriação do objeto aparece como alienação a tal ponto que quanto mais
objetos o trabalhador produz tanto menos pode possuir e tanto mais fica dominado
pelo seu produto, o capital.
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Todas essas conseqüências decorrem do fato de o trabalhador ser relacionado
com o produto de seu trabalho como com um objeto estranho. Pois está claro que,
baseado nesta premissa, quanto mais o trabalhador se desgasta no trabalho tanto
mais poderoso se torna o mundo de objetos por ele criado em face dele mesmo,
tanto mais pobre se torna a sua vida interior, e tanto menos ele se pertence a si
próprio. Quanto mais de si mesmo o homem atribui a Deus, tanto menos lhe resta.
O trabalhador põe a sua vida no objeto, e sua vida, então, não mais lhe pertence,
porém, ao objeto. Quanto maior for sua atividade, portanto, tanto menos ele
possuirá. O que está incorporado ao produto de seu trabalho não mais é dele
mesmo. Quanto maior for o produto de seu trabalho, por conseguinte, tanto mais
ele minguará. A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que
o trabalho dele se converte em objeto, assumindo uma existência externa, mas
ainda que existe independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e que com
ele se defronta como uma força autônoma. A vida que ele deu ao objeto volta-se
contra ele como uma força estranha e hostil.
(XXIII) Examinemos agora, mais de perto, o fenômeno da objetificação, a
produção do trabalhador e a alienação e perda do objeto por ele produzido, nisso
implícitas. O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior
sensorial. Este ultimo é o material em que se concretiza o trabalho, em que este
atua, com o qual e por meio do qual ele produz coisas.
Todavia, assim como a natureza proporciona os meios de existência do
trabalho, na acepção de este não poder viver sem objetos aos quais possa aplicar-
se, igualmente proporciona os meios de existência em sentido mais restrito, ou
sejam os meios de subsistência física para o próprio trabalhador. Assim, quanto
mais o trabalhador apropria o mundo externo da natureza sensorial por seu
trabalho, tanto mais se despoja de meios de existência, sob dois aspectos:
primeiro, o mundo exterior sensorial se torna cada vez menos um objeto
pertencente ao trabalho dele ou um meio de existência de seu trabalho; segundo,
ele se torna cada vez menos um meio de existência na acepção direta, um meio
para a subsistência física do trabalhador.
Sob os dois aspectos, portanto, o trabalhador se converte em escravo do
objeto: primeiro, por receber um objeto de trabalho, isto é, receber trabalho, e em
segundo lugar por receber meios de subsistência. Assim, o objeto o habilita a
existir, primeiro como trabalhador e depois como sujeito físico.
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O apogeu dessa escravização é ele só poder se manter como sujeito físico na
medida em que é um trabalhador, e de ele só como sujeito físico poder ser um
trabalhador.
(A alienação do trabalhador em seu objeto é expressa da maneira seguinte, nas
leis da Economia Política: quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para
consumir; quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna; quanto mais
aperfeiçoado o seu produto, tanto mais grosseiro e informe o trabalhador; quanto
mais civilizado o produto, tão mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o
trabalho, tão mais frágil o trabalhador; quanto mais inteligência revela o trabalho,
tanto mais o trabalhador decai em inteligência e se torna um escravo da natureza.)
A economia Política oculta a alienação na natureza do trabalho por não
examinar a relação direta entre o trabalhador (trabalho) e a produção. Por certo, o
trabalho humano produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o
trabalhador. Ele produz palácios, porém choupanas é o que toca ao trabalhador.
Ele produz beleza, porém para o trabalhador só fealdade. Ele substitui o trabalho
humano por maquinas, mas atira alguns dos trabalhadores a um gênero bárbaro de
trabalho e converte outros em máquinas. Ele produz inteligência, porém também
estupidez e cretinice para os trabalhadores.
A relação direta do trabalho com seus produtos é a entre o trabalhador e os
objetos de sua produção. A relação dos possuidores de propriedade com os objetos
da produção e com a própria produção é meramente uma conseqüência da
primeira relação e a confirma. Apreciaremos adiante este segundo aspecto.
Portanto, quando perguntamos qual é a relação importante do trabalho, estamos
interessados na relação do trabalhador com a produção.
Até aqui consideramos a alienação do trabalhador somente sob um aspecto,
qual seja o de sua relação com os produtos de seu trabalho. Não obstante, a
alienação aparece não só como resultado, mas também como processo de
produção, dentro da própria atividade produtiva. Como poderia o trabalhador ficar
numa relação alienada com o produto de sua atividade se não se alienasse a si
mesmo no próprio ato da produção? O produto é, de fato, apenas a síntese da
atividade, da produção. Conseqüentemente, se o produto do trabalho é alienação, a
própria produção deve ser alienação ativa - a alienação da atividade e a atividade
da alienação A alienação do objeto do trabalho simplesmente resume a alienação
da própria atividade do trabalho.
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O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho externo
ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e por conseguinte, ele não se
realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento
em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias mentais e físicas
mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido. O trabalhador, portanto,
só se sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no trabalho se sente
contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é trabalho forçado. Ele
não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras
necessidades. Seu caráter alienado é claramente atestado pelo fato, de logo que
não haja compulsão física ou outra qualquer, ser evitado como uma praga. O
trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si mesmo, é um
trabalho de sacrifício próprio, de mortificação. Por fim, o caráter exteriorizado do
trabalho para o trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele mesmo mas
trabalho para outrem, por no trabalho ele não se pertencer a si mesmo mas sim a
outra pessoa.
Tal como na religião, a atividade espontânea da fantasia, do cérebro e do
coração humanos, reage independentemente como uma atividade alheia de deuses
ou demônios sobre o indivíduo, assim também a atividade do trabalhador não é sua
própria atividade espontânea. É atividade de outrem e uma perda de sua própria
espontaneidade.
Chegamos a conclusão de que o homem (o trabalhador) só se sente livremente
ativo em suas funções animais - comer, beber e procriar, ou no máximo também
em sua residência e no seu próprio embelezamento - enquanto que em suas
funções humanas se reduz a um animal. O animal se torna humano e o humano se
torna animal.
Comer, beber e procriar são, evidentemente, também funções genuinamente
humanas. Mas, consideradas abstratamente, à parte do ambiente de outras
atividades humanas, e convertidas em fins definitivos e exclusivos, são funções
animais.
Consideremos, agora, o ato de alienação da atividade humana prática, o
trabalho, sob dois aspectos: 1) a relação do trabalhador com o produto do trabalho
como um objeto estranho que o domina. Essa relação é, ao mesmo tempo, a
relação com o mundo exterior sensorial, com os objetos naturais, como um mundo
estranho e hostil; 2) a relação do trabalho como o ato de produção dentro do
trabalho. Essa é a relação do trabalhador com sua própria atividade humana como
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algo estranho e não pertencente a ele mesmo, atividade como sofrimento
(passividade), vigor como impotência, criação como emasculação, a energia física e
mental pessoal do trabalhador, sua vida pessoal (pois o que é a vida senão
atividade?) como uma atividade voltada contra ele mesmo, independente dele e
não pertencente a ele. Isso é auto-alienação, ao contrário da acima mencionada
alienação do objeto.
(XXIV) Temos, agora, de inferir uma terceira característica do trabalho
alienado, partindo das duas já vistas.
O homem é um ente-espécie não apenas no sentido de que ele faz da
comunidade (sua própria, assim como as de outras coisas) seu objeto, tanto prática
quanto teoricamente, mas também (e isto é simplesmente outra expressão da
mesma coisa) no sentido de tratar-se a si mesmo como a espécie vivente, atual,
como um ser universal e conseqüentemente livre.
A vida da espécie, para o homem assim como para os animais, encontra sua
base física no fato de o homem (como os animais) viver da natureza inorgânica, e
como o homem é mais universal que um animal, assim também o âmbito da
natureza inorgânica de que ele vive é mais universal. Vegetais, animais, minerais,
ar, luz, etc., constituem, sob o ponto de vista teórico, uma parte da consciência
humana como objetos da ciência natural e da arte; eles são a natureza inorgânica
espiritual do homem, se meio intelectual de vida, que ele deve primeiramente
preparar para seu prazer e perpetuação. Assim também, sob o ponto de vista
prático, eles formam parte da vida e atividade humanas. Na prática, o homem vive
apenas desses produtos naturais, sob a forma de alimento, aquecimento, roupa,
abrigo, etc. A universalidade do homem aparece, na prática, na universalidade que
faz da natureza inteira o seu corpo: 1) como meio direto de vida, e igualmente, 2)
como o objeto material e o instrumento de sua atividade vital. A natureza é o corpo
inorgânico do homem; quer isso dizer a natureza excluindo o próprio corpo
humano. Dizer que o homem vive da natureza significa que a natureza é o corpo
dele, com o qual deve se manter em contínuo intercâmbio a fim de não morrer. A
afirmação de que a vida física e mental do homem e a natureza são
interdependentes, simplesmente significa ser a natureza interdependente consigo
mesma, pois o homem é parte dela.
Tal como o trabalho alienado:
1) aliena a natureza do homem e
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2) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade
vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma
forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie e a vida
individual, e posteriormente transforma a segunda, como uma abstração, em
finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e alienada.
Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora aparecem ao homem
apenas como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua
existência física. A vida produtiva, contudo, é vida da espécie. É vida criando vida.
No tipo de atividade vital, reside todo o caráter de uma espécie, seu caráter como
espécie; e a atividade livre, consciente, é o caráter como espécie dos seres
humanos. A própria vida assemelha-se somente a um meio de vida.
O animal identifica-se com sua atividade vital. Ele não distingue a atividade de
si mesmo. Ele é sua atividade.
O homem, porém, faz de sua atividade vital um objeto de sua vontade e
consciência. Ele tem uma atividade vital consciente. Ela não é uma prescrição com
a qual ele esteja plenamente identificado. A atividade vital consciente distingue o
homem da atividade vital dos animais: só por esta razão ele é um ente-espécie. Ou
antes, é apenas um ser auto-consciente, isto é, sua própria vida é um objeto para
ele, porque ele é um ente-espécie. Só por isso, a sua atividade é atividade livre. O
trabalho alienado inverte a relação, pois o homem, sendo um ser autoconsciente,
faz de sua atividade vital, de seu ser, unicamente um meio para sua existência.
A construção prática de um mundo objetivo, a manipulação da natureza
inorgânica, é a confirmação do homem como um ente-espécie, consciente, isto é,
um ser que trata a espécie como seu próprio ser ou a si mesmo como um ser-
espécie. Sem dúvida, os animais também produzem. Eles constróem ninhos e
habitações, como no caso das abelhas, castores, formigas, etc. Porém, só produzem
o estritamente indispensável a si mesmos ou aos filhotes. Só produzem em uma
única direção, enquanto o homem. produz universalmente. Só produzem sob a
compulsão de necessidade física direta, ao passo que o homem produz quando
livre de necessidade física e só produz, na verdade, quando livre dessa
necessidade. Os animais só produzem a si mesmos, enquanto o homem reproduz
toda a natureza. Os frutos da produção animal pertencem diretamente a seus
corpos físicos, ao passo que o homem é livre ante seu produto. Os animais só
constróem de acordo com os padrões e necessidades da espécie a que pertencem,
enquanto o homem sabe produzir de acordo com os padrões de todas as espécies e
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como aplicar o padrão adequado ao objeto. Assim, o homem constrói também em
conformidade com as leis do belo.
É justamente em seu trabalho exercido no mundo objetivo que o homem
realmente se comprova como um ente-espécie. Essa produção é sua vida ativa
como espécie; graças a ela, a natureza aparece como trabalho e realidade dele. O
objetivo do trabalho, portanto, é a objetificação da vida como espécie do homem,
pois ele não mais se reproduz a si mesmo apenas intelectualmente, como na
consciência, mas ativamente e em sentido real, e vê seu próprio reflexo em um
mundo por ele construído. Por conseguinte, enquanto o trabalho alienado afasta o
objetivo da produção do homem, também afasta sua vida como espécie, sua
objetividade real como ente-espécie, e muda a superioridade sobre os animais em
uma inferioridade, na medida em que seu corpo inorgânico, a natureza, é afastado
dele.
Assim como o trabalho alienado transforma a atividade livre e dirigida pelo
próprio indivíduo em um meio, também transforma a vida do homem como
membro da espécie em um meio de existência física.
A consciência que o homem tem de sua espécie é transformada por meio da
alienação, de sorte que a vida como espécie torna-se apenas um meio para ele.
(3) Então, o trabalho alienado converte a vida do homem como membro da
espécie, e também como propriedade mental da espécie dele, em uma entidade
estranha e em um meio para sua existência individual. Ele aliena o homem de seu
próprio corpo, a natureza extrínseca, de sua vida mental e de sua vida humana.
(4) Uma conseqüência direta da alienação do homem com relação ao produto
de seu trabalho, à sua atividade vital e a sua vida como membro da espécie, é o
homem ficar alienado dos outros homens. Quando o homem se defronta consigo
mesmo, também está se defrontando com outros homens.
O que é verdadeiro quanto à relação do homem com seu trabalho, com o
produto desse trabalho e consigo mesmo, também o é quanto à sua relação com
outros homens, com o trabalho deles e com os objetos desse trabalho.
De maneira geral, a declaração de que o homem fica alienado da sua vida como
membro da espécie implica em cada homem ser alienado dos outros, e cada um
dos outros ser igualmente alienado da vida humana.
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A alienação humana, e acima de tudo a relação do homem consigo próprio, é
pela primeira vez concretizada e manifestada na relação entre cada homem e os
demais homens. Assim, na relação do trabalho alienado cada homem encara os
demais de acordo com os padrões e relações em que ele se encontra situado como
trabalhador.
(XXV) Principiamos por uma fato econômico, a alienação do trabalhador e de
sua produção. Exprimimos esse fato em termos conceituais como trabalho alienado
e, ao analisar o conceito, limitamo-nos a analisar um fato econômico.
Examinemos, agora, mais além, como esse conceito de trabalho alienado deve
expressar-se e revelar-se na realidade. Se o produto do trabalho me é estranho e
enfrenta-me como uma força estranha, a quem pertence ele? Se minha própria
atividade não me pertence, mas é uma atividade alienada, forçada, a quem ela
pertence? A um ser, outro que não eu. E que é esse ser? Os deuses? É evidente,
nas mais primitivas etapas de produção adiantada, por exemplo, construção de
templos, etc., no Egito, Índia, México, é nos serviços prestados aos deuses, que o
produto pertencia a estes. Mas os deuses nunca eram por si sós os donos do
trabalho humano; tampouco o era a natureza. Que contradição haveria se quanto
mais o homem subjugasse a natureza com seu trabalho, e quanto mais as
maravilhas dos deuses fossem tornadas supérfluas pelas da industria, ele se
abstivesse da sua alegria em produzir e de sua fruição dos produtos por amor a
esses poderes!
O ser estranho a quem pertencem o trabalho e o produto deste, a quem o
trabalho é devotado, e para cuja fruição se destina o produto do trabalho, só pode
ser o próprio homem. Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, mas o
enfrenta como uma força estranha, isso só pode acontecer porque pertence a um
outro homem que não o trabalhador. Se sua atividade é para ele um tormento, ela
deve ser uma fonte de satisfação e prazer para outro. Não os deuses nem a
natureza, mas só o próprio homem pode ser essa força estranha acima dos
homens.
Considere-se a afirmação anterior segundo a qual a relação do homem consigo
mesmo se concretiza e objetiva primariamente através de sua relação com outros
homens. Se, portanto, ele está relacionado com o produto de seu trabalho, seu
trabalho objetificado, como com um objeto estranho, hostil, poderoso e
independente, ele está relacionado de tal maneira que um outro homem, estranho,
hostil, poderoso e independente, é o dono de seu objeto. Se ele está relacionado
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com sua atividade como com uma atividade não-livre, então está relacionado com
ela como uma atividade a serviço e sob jugo, coerção e domínio de outro homem.
Toda auto-alienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece na relação
que ele postula entre os outros homens, ele próprio e a natureza. Assim a auto-
alienação religiosa é necessariamente exemplificada na relação entre leigos e
sacerdotes, ou, já que aqui se trata de uma questão do mundo espiritual, entre
leigos e um mediador. No mundo real da prática, essa auto-alienação só pode ser
expressa na relação real, prática, do homem com seus semelhantes.
O meio através do qual a alienação ocorre é, por si mesmo, um meio prático.
Graças ao trabalho alienado, por conseguinte, o homem não só produz sua relação
com o objeto e o processo da produção como com homens estranhos e hostis, mas
também produz a relação de outros homens com a produção e o produto dele, e a
relação entre ele próprio e os demais homens. Tal como ele cria sua própria
produção como uma perversão, uma punição, e seu próprio produto como uma
perda, como um produto que não lhe pertence, assim também cria a dominação do
não-produtor sobre a produção e os produtos desta. Ao alienar sua própria
atividade, ele outorga ao estranho uma atividade que não é deste.
Apreciamos até aqui essa relação somente do lado do trabalhador, e
posteriormente a apreciaremos também do lado do não-trabalhador.
Assim, graças ao trabalho alienado o trabalhador cria a relação de outro
homem que não trabalha e está de fora do processo do trabalho, com o seu próprio
trabalho. A relação do trabalhador com o trabalho também provoca a relação do
capitalista (ou como quer que se denomine ao dono da mão-de-obra) com o
trabalho. A propriedade privada é, portanto, o produto, o resultado inevitável, do
trabalho alienado, da relação externa do trabalhador com a natureza e consigo
mesmo.
A propriedade privada, pois, deriva-se da análise do conceito de trabalho
alienado: isto é, homem alienado, trabalho alienado, vida alienada, e homem
afastado.
Está claro que extraímos o conceito de trabalho alienado (vida alienada) da
Economia Política, partindo de uma análise do movimento da propriedade privada.
A análise deste conceito, porém, mostra que embora a propriedade privada pareça
ser a base e causa do trabalho alienado, é antes uma conseqüência dele, tal e qual
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os deuses não são fundamentalmente a causa, mas o produto de confusões da
razão humana. Numa etapa posterior, entretanto, há uma influência recíproca.
Só na etapa final da evolução da propriedade privada é revelado o seu segredo,
ou seja, que é, de um lado, o produto do trabalho alienado, e do outro, o meio pelo
qual o trabalho é alienado, a realização dessa alienação.
Esta elucidação lança luz sobre diversas controvérsias não solucionadas:
(1) A Economia Política inicia tomando o trabalho como a verdadeira alma da
produção e, a seguir, nada lhe atribui, concedendo tudo à propriedade privada.
Proudhon, defrontando-se com essa contradição, decidiu em favor do trabalho
contra a propriedade privada. Percebemos, contudo, que essa aparente
contradição é a contradição do trabalho alienado consigo mesmo e que a Economia
Política meramente formulou as leis do trabalho alienado.
Observamos, também, por conseguinte, que salários e propriedade privada são
idênticos, porquanto os salários como o produto ou objetivo do trabalho, o próprio
trabalho remunerado, são apenas conseqüência necessária da alienação do
trabalho. No sistema de salários, o trabalho aparece não como um fim por si mas
como o servo dos salários. Mais tarde nos entenderemos sobre isto, limitando-nos,
aqui, a desvendar algumas das conseqüências (XXVI).
Um aumento de salários imposto (desprezando outras dificuldades, e
especialmente a de que uma anomalia dessas só poderia ser mantida pela força)
não passaria de uma remuneração melhor de escravos, e não restauraria, seja para
o trabalhador seja para o trabalho, seu significado e valor humanos.
Mesmo a igualdade das rendas que Proudhon exige só modificaria a relação do
trabalhador de hoje em dia com seu trabalho em uma relação de todos os homens
com o trabalho. A sociedade seria concebida, então, como um capitalista abstrato.
(2) Da relação do trabalho alienado com a propriedade privada também
decorre que a emancipação da sociedade da propriedade privada, da servidão,
assume a forma política de emancipação dos trabalhadores; não no sentido de só
estar em jogo a emancipação destes, mas por essa emancipação abranger a de
toda a humanidade. Pois toda servidão humana está enredada na relação do
trabalhador com a produção, e todos os tipos de servidão são somente
modificações ou corolários desta relação.
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Como descobrimos o conceito de propriedade privada por uma análise do
conceito de trabalho alienado, com o auxílio desses dois fatores também podemos
deduzir todas as categorias da Economia Política, e em cada uma, isto é, comércio,
competição, capital, dinheiro, descobriremos só uma expressão particular e
ampliada desses elementos fundamentais.
Sem embargo, antes de considerar essa estrutura, tentemos solucionar dois
problemas.
(1) Determinar a natureza geral da propriedade privada como resultou do
trabalho alienado, em sua relação com a propriedade humana e social genuína.
(2) Tomamos como fato e analisamos a alienação do trabalho. Como sucede,
podemos indagar, que o homem aliene seu trabalho? Como essa alienação se
alicerça na natureza da evolução humana? Já fizemos muito para resolver o
problema, visto termos transformado a questão referente ã origem da propriedade
privada em uma questão acerca da relação entre trabalho alienado e o processo de
evolução da humanidade. Pois, ao falar de propriedade privada, acredita-se estar
lidando com algo extrínseco à espécie humana. Mas, ao falar de trabalho, lida-se
diretamente com a própria espécie humana. Esta nova formulação do problema já
encerra sua solução.
ad (1) A natureza geral da propriedade privada e sua relação com a
propriedade genuína.
Decompusemos o trabalho alienado em duas partes, que se determinam
mutuamente, ou melhor, constituem duas expressões distintas de uma única
relação. A apropriação aparece como alienação e alienação como apropriação;
alienação como aceitação genuína na comunidade.
Consideramos um aspecto, o trabalho alienado, em seus reflexos no próprio
trabalhador, isto é, a relação alienada do trabalho humano consigo mesmo. E
constatamos ser corolário obrigatório dessa relação, a relação de propriedade do
não-trabalhador com o trabalhador e com o trabalho. A propriedade privada, como
expressão material sinóptica do trabalho alienado, inclui ambas as relações: a
relação do trabalhador com o trabalho, com o produto de seu trabalho e com o
não-trabalhador, e a relação do não-trabalhador com o trabalhador e com o
produto do trabalho deste.
15
Já vimos que em relação ao trabalhador, que apropria a natureza por
intermédio de seu trabalho, a apropriação se afigura uma alienação, a atividade
própria como atividade para outrem e de outrem, a vida como sacrifício da vida, e
a produção do objeto como perda deste para uma força estranha, um homem
estranho. Consideremos, agora, a relação deste homem estranho com o
trabalhador, com o trabalho e com o objeto do trabalho.
Deve ser observado, de início, que tudo que aparece ao trabalhador como uma
atividade de alienação, aparece ao não-trabalhador como uma condição de
alienação. Em segundo lugar, a atitude prática real do trabalhador na produção e
face ao produto (como estado de espírito) afigura-se ao não-trabalhador, que com
ele se defronta, como uma atitude teórica.
(XXVII) Em terceiro lugar, o não-trabalhador faz contra o trabalhador tudo que
este faz contra si mesmo, mas não faz contra si próprio o que faz contra o
trabalhador.
Examinemos mais de perto essas três relações.
[o manuscrito interrompe-se aqui]
Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Segundo Manuscrito
A Relação da Propriedade Privada
(XL) . . . forma os juros de seu capital. O trabalhador é a manifestação
subjetiva do fato de o capital ser o homem inteiramente perdido para si mesmo,
assim como o capital é a manifestação objetiva do fato de o trabalho ser o homem
perdido para si mesmo. Contudo, o trabalhador tem o infortúnio de ser um capital
vivo, um capital com necessidades, que se deixa privar de seus interesses e, 16
conseqüentemente, seu ganha-pão, todo momento em que não se acha
trabalhando. Como capital, o valor do trabalhador varia conforme a oferta e a
procura, e sua existência física, sua vida, foi e é considerada um estoque de
mercadoria, similar a qualquer outra. O trabalhador produz capital e o capital
produz o trabalhador. Assim, ele se produz a si mesmo, e o homem como
trabalhador, como utilidade, é o produto de todo esse processo. O homem é
simplesmente um trabalhador, e como tal suas qualidades humanas só existem em
proveito do capital que lhe é estranho. Como trabalho e capital são estranhos um
ao Outro, e por isso relacionados unicamente de maneira acidental e exterior, esse
caráter de alienação tem de aparecer na realidade. Logo que ocorre ao capital —
seja forçada seja voluntariamente — não existir mais para o trabalhador, ele não
mais existe para si mesmo: ele não tem trabalho, nem salários, e como existe
exclusivamente como trabalhador e não como ser humano, pode perfeitamente
deixar-se enterrar, morrer a míngua, etc, O trabalhador só é trabalhador quando
existe como capital para si próprio, e só existe como capital quando há capital para
ele. A existência do capital é a existência dele, sua vida, visto determinar o
conteúdo de sua vida independentemente dele. A Economia Política, pois, não
reconhece o trabalhador desocupado, o homem capaz de trabalhar, uma vez
colocado fora dessa relação de trabalho. Vigaristas, ladrões, mendigos, os
desempregados, o trabalhador faminto, indigente e criminoso, são figuras não
existentes para a Economia Política, mas apenas para os olhos de outros: médicos,
juízes, coveiros, burocratas, etc. Eles são figuras fantasmagóricas fora do domínio
da Economia. As necessidades do trabalhador, portanto, reduzem-se à necessidade
de mantê-lo durante o trabalho, de molde a não se extinguir a raça de
trabalhadores. Conseqüentemente, os salários têm exatamente o mesmo
significado da manutenção de qualquer outro instrumento de produção e do
consumo de capital em geral, de modo a que este possa reproduzir-se a si mesmo
com juros. Ë como o óleo aplicado a uma roda para conservá-la rodando. Os
salários, portanto, formam parte dos custos necessários do capital e do capitalista,
e não devem exceder ao montante assim necessário. Por isso, era assaz lógico para
os donos de fábricas ingleses, antes da Emenda de 1834, deduzir dos salários as
esmolas públicas recebidas pelos trabalhadores através das taxas estabelecidas
pela lei de assistência aos pobres, tratando-as como parte integrante dos
respectivos salários.
A produção não apenas produz o homem como uma utilidade, a utilidade
humana, o homem sob a forma de mercadoria; de acordo com essa situação,
produz o homem como um ser mental e fisicamente desumanizado. — Imoralidade,
17
aborto, escravidão de trabalhadores e capitalistas. — Seu produto é a mercadoria
com consciência própria e capacidade grande passo dado à frente por Ricardo,
Mill, etc., em contraposição a Smith e Say, declarar a existência de seres humanos
— a maior ou menor produtividade humana da mercadoria —como indiferente, ou
deveras nociva. O verdadeiro objetivo da produção não é o número de
trabalhadores sustentados por determinado capital, porém o volume de juros que
ele adquire, a poupança total anual. Foi, analogamente, um grande avanço lógico
da recente economia política inglesa (XLI) que, embora estabelecendo o trabalho
como seu princípio exclusivo, distinguisse claramente a relação inversa entre
salários e juros do capital e observasse que, via de regra, o capitalista só poderia
aumentar os ganhos pelo rebaixamento dos salários e vice-versa. A relação normal
é considerada como sendo não a burla do consumidor, mas a trapaça mútua de
capitalista e trabalhador. A relação da propriedade privada inclui em seu íntimo,
em estado latente, a relação da propriedade privada como trabalho, a relação da
propriedade privada como capital, e a influência recíproca de ambos. Por um lado,
é a produção da atividade humana como trabalho, isto é, uma atividade alheia a si
mesma, ao homem e à natureza, e portanto alheia à consciência e à realização da
vida humana; a existência abstrata do homem como um mero trabalhador que, por
conseguinte, diariamente salta de sua nulidade realizada para a nulidade absoluta,
para a não-existência social, e por isso real. Por outro lado, há a produção de
objetos do trabalho humano sob a forma de capital, onde toda característica
natural e social do objeto é dissolvida, onde a propriedade privada perdeu sua
qualidade natural e social (e, portanto, perdeu totalmente seu disfarce político e
social e não mais se afigura vinculada às relações humanas), e onde o mesmo
capital permanece o mesmo nas mais diversas circunstâncias naturais e sociais,
sem relevância para o conteúdo real dele. Esta contradição, em seu auge, é
forçosamente o apogeu e o declínio da relação inteira.
É, por conseguinte, outra grande conquista da recente Economia Política
inglesa ter definido o arrendamento da terra como a diferença entre os
rendimentos da terra pior cultivada e da melhor, ter posto abaixo as ilusões
românticas do proprietário de terras — sua suposta importância social e a
identidade de seus interesses com os do conjunto da sociedade (uma opinião
sustentada por Adam Smith ainda após os Fisiocratas) — e ter antecipado e
preparado a evolução da realidade que transformará o proprietário de terras em
um capitalista comum e prosaico e, portanto, simplificará a contradição,
superando-a e preparando sua solução. A terra como terra, o arrendamento de
terra como arrendamento de terra, perderam sua diferenciação de status,
18
convertendo-se em meros capital e juros, ou, melhor, capital e juros que só
entendem a linguagem do dinheiro.
A distinção entre capital e terra, lucro e arrendamento de terra, e a distinção
entre salários, indústria, agricultura, propriedade privada imóvel e móvel, é uma
distinção histórica, nunca uma distinção inscrita na natureza das coisas. Ë uma
etapa fixa na formação e desenvolvimento da antítese entre capital e trabalho. Na
indústria, etc., ao contrário da propriedade agrária imóvel, só o modo de origem e
a antítese face à agricultura graças à qual a indústria se desenvolveu, é
manifestada. Como um género particular de trabalho, como uma distinção mais
significativa, importante e global, ela existe apenas na medida em que a indústria
(vida urbana) se estabelece em oposição à propriedade agrária (vida feudal
aristocrática). Em uma situação assim, o trabalho ainda parece ter um significado
social, ainda tem o significado de genuína vida comunal, e ainda não progrediu
para a neutralidade face a seu conteúdo, para uma auto-suficiência completa, isto
é, para um estado de abstração de todas as outras existências e, pois, para o
capital liberado.
(XLII) Mas, o desenvolvimento forçoso do trabalho é a indústria liberta,
constituída somente para si mesma, e o capital liberado. O poder da indústria
sobre seu opositor é atestado pelo surto da agricultora como uma indústria
verdadeira, enquanto outrora a maior parte do trabalho era deixada ao próprio
solo e ao escravo do solo, graças ao qual a terra se cultivava a si mesma. Com a
transformação do escravo em trabalhador livre, isto é, em assalariado, o próprio
dono da terra é transformado em um senhor da indústria, em um capitalista.
Esta transformação tem lugar a princípio por intermédio do lavrador rendeiro.
Este, porém, é o representante, o segredo revelado, do dono da terra. Só por meio
dele o dono da terra tem existência econômica, como possuidor de propriedades;
pois o arrendamento da terra só existe como resultado da competição entre
rendeiros. Assim, o dono da terra já se converteu, na pessoa do rendeiro, em um
capitalista comum. E isso tem de Ser realizado na realidade; o capitalista que
dirige a agricultura (o rendeiro) tem de transformar-se em dono da terra, ou vice-
versa. O negócio industrial do rendeiro é o do proprietário, pois a existência
daquele estabelece a deste.
Recordando suas origens e ascendência contrastantes, o proprietário de terras
identifica no capitalista seu sublevado, liberado e enriquecido escravo de ontem, e
vê-se como uni capitalista ameaçado por ele. O capitalista vê o proprietário de
19
terras como o ocioso, crue1 e egoísta senhor de ontem; ele sabe que o prejudica
como capitalista, e, sem embargo, que a indústria é responsável por sua presente
importância social, por suas posses e prazer. Ele encara o proprietário de terras
como a antítese da livre iniciativa e do capital livre, que independe de toda
limitação natural. Esta oposição é extremamente acerba de ambos os lados e cada
um exprime a verdade acerca do outro. Basta ler os ataques contra a propriedade
imobiliária feitos pelos representantes da propriedade móvel, e vice-versa, a fim de
se obter um quadro nítido de sua respectiva indignidade. O proprietário de terras
ressalta a nobre linhagem de sua propriedade, reminiscências feudais, a poesia das
recordações, seu caráter generoso, sua importância política, etc., e quando fala em
termos econômicos afirma que somente a agricultura é produtiva. Ao mesmo
tempo, descreve seu oponente como um indivíduo sonso, regateador, impostor,
mercenário, rebelde, impiedoso e desalmado, um bandido extorsionista,
mesquinho, servil, adulador, lisonjeiro e ressequido, sem honra, princípios, poesia
ou qualquer outra coisa, alienado da comunidade que ele vende livremente, e que
alimenta, nutre e acalenta a competição e, com esta, a pobreza, o crime e a
dissolução de todos os laços sociais. (Ver, entre outros, o fisiocrata Bergasse, que
Camille Desmoulins fustiga em seu diário Révolutions de France et de Brabant;
ver, também, von Vincke, Lancizolle, Halle, Leo, Kosegarteu (1) e Sismondi.)
A propriedade móvel, por sua parte, indica o milagre da indústria moderna e
de sua expansão. E o filho, o filho nativo e legítimo da era moderna. Apiada-se de
seu oponente como um simplório, ignorante de sua própria natureza (e isso é
inteiramente verdade) que quer substituir o capital moralizado e o trabalho livre
pela coação brutal e imoral e pela servidão. Representa-o como um Don Quixote
que, sob a aparência de franqueza, decência, o interesse geral e estabilidade,
oculta sua incapacidade para expandir-se, cobiça, egoísmo, interesse parcial e má
intenção. Expõe-no como monopolista; despeja água fria sobre suas
reminiscências, poesia e romantismo, por uma récita histérico-satírica da baixeza,
crueldade, degradação, prostituição, infâmia, anarquia e revolta que pululavam
nos românticos castelos.
Ela (a propriedade móvel) alega ter conquistado a liberdade política para o
povo, retirado os grilhões que tolhiam a sociedade civil, unido entre si mundos
diferentes, estabelecido o comércio que promove a amizade entre os povos, criado
uma moral pura e cultura agradável. Deu ao povo, em lugar de suas necessidades
cruéis, outras mais civilizadas, assim como os modos de satisfazê-las. Mas, o
proprietário de terras — esse ocioso especulador de cereais — aumenta o preço
das necessidades básicas da vida do povo e, por isso, obriga o capitalista a elevar 20
os salários sem ser capaz de aumentar a produtividade, tolhendo assim e
finalmente impedindo o crescimento da renda nacional e a acumulação de capital
da qual depende a criação de trabalho para o povo e de riquezas para o país. Ele
dá lugar a um declínio generalizado, e parasitariamente explora todas as
vantagens da civilização moderna sem fazer a mínima contribuição para esta, e
sem abandonar qualquer de seus preconceitos feudais. Finalmente, faz com que
ele — para quem o amanho do solo e a própria terra só existem como uma fonte de
dinheiro mandada pelo céu —encare o rendeiro e diga se ele próprio não é um
canalha íntegro, fantástico e ladino que, no fundo do coração e realmente, de há
muito foi conquistado pela livre indústria e pelas delíciais do comércio, por mais
que possa resistir-lhes e murmurar acerca de recordações históricas ou de
objetivos morais e políticos. Tudo que ele de fato pode apresentar em justificativa
sé é verdade no tocante ao cultivador da terra (o capitalista e seus empregados) de
quem o dono da terra é antes o inimigo; assim, ele depõe contra si mesmo. Sem
capital, a propriedade imobiliária é coisa sem vida e sem valor. E, com efeito, a
vitória civilizada da propriedade móvel ter descoberto e criado o trabalho humano
como fonte da riqueza, em vez de coisas sem vida. (Ver Paul Louis, Courier, Saint-
Simon, Ganilh, Ricardo, Mill, MacCulloch, Destutt de Tracy e Michel Chevalier.)
Da verdadeira marcha da evolução (a ser inserida aqui), decorre a vitória fatal
do capitalista, isto é, da propriedade privada adiantada sobre a propriedade
privada subdesenvolvida e imatura representada pelo proprietário imobiliário. Em
geral, o movimento tem de triunfar da imobilidade, a baixeza franca e
autoconsciente da baixeza disfarçada e inconsciente, avareza do esbanjamento, o
interesse próprio e capaz e confessadamente irrequieto do esclarecimento do
interesse próprio da superstição local, prudente, simples, inativo e fantástico, e o
dinheiro das outras formas de propriedade privada.
Os Estados que pressentem o perigo representado pela livre indústria
plenamente desenvolvida, pela moralidade pura e pelo comércio fomentador da
amizade entre os povos, tentam, mas assaz em vão, obstar a capitalização da
propriedade agrária.
A propriedade agrária, ao contrário do capital, é propriedade privada, capital,
ainda afligido por preconceitos locais e políticos; é capital que ainda não emergiu
de seu envolvimento com o capital mundial não-desenvolvido. No decurso de sua
formação numa escala mundial ela tem do alcançar sua expressão abstrata, isto é,
pura.
21
As relações da propriedade privada são capital, trabalho, e suas interconexões.
Os estágios por que esses elementos têm de passar são:
Primeiramente, união mediata e não-mediata dos dois – O capital e o trabalho a
princípio ainda estão unidos; depois, com efeito, separam-se e alienam-se um do
outro, mas desenvolvendo-se e fomentando-se reciprocamente como condições
positivas.
Oposição entre os dais — eles excluem-se mutuamente; o trabalhador identifica
o capitalista como sua própria não-existência e vice-versa; cada um procura privar
o outro de sua existência.
Oposição de cada um a si mesmo – Capital trabalho acumulado = trabalho.
Como tal, divide-se em capital propriamente dito e juros; estes se dividem em juros
e lucro. Sacrifício completo d0 capitalista. Pie afunda na classe trabalhadora, tal
como o trabalhador — mas só excepcionalmente — torna-se um capitalista.
Trabalho como um momento do capital, seu custo. Por isso, os salários são um
sacrifício de capital.
O trabalho divide-se em trabalho propriamente dito e salários do trabalho. O
próprio trabalhador como um capital, uma mercadoria.
Choque das contradições recíprocas
[O segundo manuscrito termina aqui]
(1) Ver o palavroso teólogo hegeliano à moda antiga, Funke, que, segundo
Herr Leo, contou com lágrimas nos olhos como um escravo recusara, quando foi
abolida a servidão, cessar de ser uma propriedade nobre. Ver, também, o livro
Patriotische Phantasien, de Justus Moser, que se destaca pelo fato de nunca
abandonar, por nenhum momento, o horizonte ingênuo, pequeno-burguês, "feito
em casa", comum e limitado do filisteu, e no entanto permanece sendo pura
fantasia. Essa contradição tornou essas fantasias tão aceitáveis ao espírito alemão.
Notas:
22
(1) Ver o palavroso teólogo hegeliano à moda antiga, Funke, que, segundo
Herr Leo, contou com lágrimas nos olhos como um escravo recusara, quando foi
abolida a servidão, cessar de ser uma propriedade nobre. Ver, também, o livro
Patriotische Phantasien, de Justus Moser, que se destaca pelo fato de nunca
abandonar, por nenhum momento, o horizonte ingênuo, pequeno-burguês, "feito
em casa", comum e limitado do filisteu, e no entanto permanece sendo pura
fantasia. Essa contradição tornou essas fantasias tão aceitáveis ao espírito alemão.
(retornar ao texto)
Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Terceiro Manuscrito
Propriedade Privada e Trabalho
(1) ad página XXXVI. A essência subjetiva da propriedade privada, a
propriedade privada como atividade em si mesma, como sujeito, como pessoa, é
trabalho. É evidente, portanto, que só a Economia Política que reconheceu o
trabalho por princípio (Adam Smith) e que não mais viu na propriedade privada
unicamente uma condição extrínseca ao homem, pode ser considerada tanto um
produto do dinamismo real e expansão da propriedade privada[N1], um produto da
indústria moderna, quanto uma força que acelerou e exaltou o dinamismo e o
desenvolvimento da industria e tornou-a uma potência no plano da consciência.
Assim, em vista dessa economia política esclarecida que descobriu a essência
subjetiva da riqueza dentro da estrutura da propriedade privada, os partidários do
sistema monetário e do mercantilismo, para quem a propriedade privada é uma
entidade puramente objetiva para o homem, não fetichistas e católicos. Engels está
certo, por isso, de chamar Adam Smith o Lutero da Economia Política. Assim como
Lutero reconheceu a religião e a fé como a essência do mundo real, e por essa
razão assumiu uma posição adversa ao paganismo cristão; assim como ele anulou a
religiosidade externa ao mesmo passo que fazia da religiosidade a essência interior
do homem; assim como ele negou a distinção entre sacerdote e leigo porque
23
transferiu o sacerdócio para o coração do leigo; também a riqueza extrínseca ao
homem e dele independente (só podendo, pois, ser adquirida e conservada de fora)
é anulada. Isso quer dizer, sua objetividade externa e indiferente é anulada pelo
fato de a propriedade privada ser incorporada ao próprio homem, e de ser o
próprio homem reconhecido como sua essência. Mas, como resultado, o próprio
homem é levado para a esfera da propriedade privada, exatamente como, com
Lutero, é levado para a da religião. Sob o disfarce de reconhecer o homem, a
economia política, cujo princípio é o trabalho, leva à sua lógica conclusão a
negação do homem. O próprio homem não mais é uma condição da tensão externa
com a substância externa da propriedade privada; ele próprio se converteu na
entidade oprimida por tensões, que é a da propriedade privada. O que era
anteriormente um fenômeno de ser extrínseco a si mesmo, uma manifestação
extrínseca real do homem, transformou-se, agora no ato de objetivação, de
alienação. Esta economia política parece, por conseguinte, a princípio, reconhecer
o homem com sua independência, sua atividade pessoal, etc. Ela incorpora a
propriedade privada à essência mesma do homem, e não é mais, portanto,
condicionada pelas características locais ou nacionais da propriedade privada
considerada como existente fora dela mesma. Ela manifesta uma atividade
cosmopolita, universal, que destrói todos os limites e todos os vínculos, reputando-
se a si mesma como a única orientação, a única universalidade, o único limite e o
único vínculo. Em seu desenvolvimento ulterior, contudo, vê-se obrigada a rejeitar
essa hipocrisia e a mostrar-se em todo o seu cinismo. Faz isso, sem qualquer
consideração pelas contradições aparentes a que sua doutrina conduz, revelando
por uma outra maneira unilateral, e por isso com maior lógica e clareza, que o
trabalho é a única essência da riqueza, e demonstrando que essa doutrina, ao
contrário da concepção original, tem conseqüências daninhas ao homem.
Finalmente, ela aplica o golpe de morte à renda da terra, aquela última forma
individual e natural da propriedade privada e fonte de riqueza existente
independentemente do movimento do trabalho que foi a expressão da propriedade
feudal, mas tornou-se inteiramente sua expressão econômica e não mais consegue
oferecer qualquer resistência à economia política. (A Escola de Ricardo.)
Não só o cinismo da Economia Política aumenta a partir de Smith, passando
por Say, Ricardo, Mill, etc., uma vez que para este último as conseqüências da
industria se afiguraram cada vez mais ampliadas e contraditórias; sob um ponto de
vista positivo elas tornaram-se mais alienadas, e mais conscientemente alienadas,
do homem, em comparação com suas predecessoras. Isso é somente porque sua
ciência se expande com maior lógica e verdade. Posto que eles fazem a
24
propriedade privada em sua forma ativa formar o tema, e posto que ao mesmo
tempo fazem o homem como não-entidade tornar-se uma entidade, a contradição
na realidade corresponde inteiramente à essência contraditória por eles aceita
como princípio. A realidade dividida (II) da indústria está longe de refutar, antes
confirma, seu princípio de autodivisão. Seu princípio, com efeito, é o princípio
dessa divisão.
A doutrina fisiocrática de Quesnay constitui a transição do sistema
mercantilista para Adam Smith. A Fisiocracia é, em seu sentido direto, a
decomposição econômica da propriedade feudal, mas, por essa razão, é da mesma
forma direta a transformação econômica, o restabelecimento, desta mesma
propriedade feudal, com a diferença de sua linguagem não ser mais feudal porém
econômica. Toda a riqueza se reduz a terra e cultivo (agricultura). A terra ainda
não e capital, mas sim um modo particular de existência de capital, cujo valor se
diz residir em sua particularidade natural, da qual provém; a terra, não obstante, é
um elemento natural e universal, ao passo que o sistema mercantilista só encarava
os metais preciosos como riquezas. O objeto da riqueza, sua matéria, por esse
motivo recebeu sua máxima universalidade dentro dos limites naturais - uma vez
que é também, como natureza, riqueza diretamente objetiva. E é só pelo trabalho,
pela agricultura, que a terra existe para o homem. Conseqüentemente, a essência
subjetiva da riqueza já está transferida para o trabalho. Mas, simultaneamente, a
agricultura e o único trabalho produtivo. O trabalho, pois, ainda não assumiu sua
universalidade e sua forma abstrata; ele ainda se acha unido a um elemento
particular da natureza como sendo a sua matéria, e só é reconhecido em um modo
especial de existência determinado pela natureza. O trabalho é ainda, apenas, uma
alienação determinada e específica do homem, e seu produto também é concebido
como parte determinada da riqueza devida mais à natureza do que ao trabalho
propriamente dito. A terra ainda é vista como algo existente naturalmente e sem
levar em conta o homem, e não ainda como capital, isto é, como fator do trabalho.
Pelo contrario, a terra parece ser um fator da natureza. Porém, desde que o
fetichismo da antiga riqueza externa, existente somente como objeto, foi reduzido
a um elemento natural bastante simples, e desde que sua essência foi em parte, e
de certa maneira, reconhecida em sua existência, subjetiva, realizou-se o
necessário progresso ao identificar-se a natureza universal da riqueza e ao elevar o
trabalho à sua forma absoluta, ou seja, em abstrato, ao princípio. Demonstra-se,
contra os fisiocratas, que, sob o ponto de vista econômico (i. é, sob o único ponto
de vista válido), a agricultura não difere de qualquer outra indústria, não sendo,
por conseguinte, um gênero específico de trabalho, ligado a um elemento
25
particular, ou a uma manifestação particular do trabalho, mas o trabalho em geral
que e a essência da riqueza.
A aristocracia nega a riqueza específica, externa, puramente objetiva, ao
declarar que o trabalho é essência dela. Para os fisiocratas, entretanto, o trabalho
é, antes de mais nada, apenas a essência subjetiva da propriedade imobiliária.
(eles partem daquele tipo de propriedade que aparece historicamente como o
predominantemente reconhecido.) Simplesmente convertem a propriedade
imobiliária em homem alienado. Anulam seu caráter feudal ao declarar ser a
indústria (agricultura) a essência, mas rejeitam o mundo industrial e aceitam o
sistema feudal ao declarar que a agricultura e a única indústria.
É evidente que quando a essência subjetiva - indústria em oposição a
propriedade agrária, indústria formando-se a si mesma como tal - é percebida, ela
inclui a oposição dentro de si mesma. Pois, assim como a indústria incorpora a
propriedade agrária por ela desbancada, sua essência subjetiva abarca a desta.
A propriedade agrária (ou imobiliária) é a primeira forma de propriedade
privada, e a indústria aparece pela primeira vez na história simplesmente em
oposição a ela, como uma forma particular de propriedade privada (ou melhor,
como o escravo libertado da propriedade agrária); essa seqüência se repete no
estudo científico da essência subjetiva da propriedade privada, e o trabalho
aparece, a princípio, apenas como trabalho agrícola, mas depois estabelece-se
como trabalho em geral.
(III) Toda riqueza transformou-se em riqueza industrial, a riqueza do trabalho
e a indústria é trabalho concretizado; exatamente como o sistema fabril é a
essência concretizada da indústria (i. é, do trabalho) e o capital industrial é a
forma objetiva concretizada da propriedade privada. Assim, vemos que é só nesta
etapa que a propriedade privada pode consolidar seu domínio sobre o homem e
tornar-se, em sua forma mais genérica, uma potência na história mundial.
Notas:
[1] É o movimento Independente da propriedade privada tornando-se consciente de si
mesma; é a industria moderna como Pessoa. (retornar ao texto)
26
Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Terceiro Manuscrito
Propriedade Privada e Comunismo
ad página XXXIX. Todavia, a antítese entre a não-posse de propriedade (*) e
propriedade ainda é uma antítese indeterminada, não concebida em sua referência
ativa às relações intrínsecas, não concebidas ainda como uma contra dição, desde
que não é compreendida como uma antítese entre trabalho e capital. Mesmo sem a
expansão evoluída da propriedade privada, p. ex., na Roma antiga, na Turquia,
etc., esta antítese pode ser expressa em uma forma primitiva. Nesta forma, ela não
aparece ainda como estabelecida pela própria propriedade privada. O trabalho,
porém, a essência subjetiva da propriedade privada como exclusão de propriedade,
e o capital, trabalho objetivo como exclusão de trabalho, constituem propriedade
privada como a relação ampliada da contradição e, pois, uma relação dinâmica que
tende a resolver-se.
ad ibidem. A substituição do auto-alheamento segue a mesma marcha do auto-
alheamento. A propriedade privada é primeiro considerada somente em seu
aspecto objetivo, mas considerado o trabalho como sua essência. Sua maneira de
existir, portanto, é o capital, que é necessário abolir, "como tal". (Proudhon.) Ou,
então, a forma específica de trabalho (trabalho que é levado a um nível comum,
subdividido e, por isso, não-livre) é visto como a fonte da nocividade da
propriedade privada e de sua alienação em relação ao homem. Fourier, de acordo
com os Fisiocratas, encara o trabalho agrícola como sendo, no mínimo, o tipo
exemplar de trabalho. Saint-Simon assevera, pelo contrário, ser o trabalho
industrial, como tal, a essência do trabalho, e em conseqüência pleiteia o papel
exclusivo dos industriais e um melhoramento da situação dos operários.
Finalmente, o comunismo e a expressão positiva da abolição da propriedade
privada e, em primeiro lugar, da propriedade privada universal. Entendendo essa
relação em seu aspecto universal, o comunismo é (1) em sua primeira forma,
apenas a generalização e concretização dessa relação. Como tal, ele aparece numa
27
forma dupla; a ascendência da propriedade material avulta de tal maneira que visa
a destruir tudo que for incapaz de ser possuído por todos como propriedade
privada. Ele quer abolir o talento, etc., pela força. A posse física imediata parece-
lhe a única meta da vida e da existência. O papel do trabalhador não é abolido,
mas ampliado a todos os homens. A relação da propriedade privada continua a ser
a da comunidade com o mundo das coisas. Por fim, essa tendência a opor a
propriedade privada em geral à propriedade privada é expressa de maneira
animal; o casamento (que é incontestavelmente a forma de propriedade privada
exclusiva) é posto em contraste com a comunidade das mulheres, em que estas se
tornam comunais e propriedade comum. Pode-se dizer que essa idéia de
comunidade das mulheres é o segredo de Polichinelo desse comunismo
inteiramente vulgar e irrefletido. Assim como as mulheres terão de passar do
matrimônio para a prostituição universal, igualmente todo o mundo das riquezas (i.
é, o mundo objetivo do homem) terá de passar da relação de casamento exclusivo
com o proprietário particular para a de prostituição universal com a comunidade.
Esse comunismo, que nega a personalidade do homem em todos os setores, é
somente a expressão lógica da propriedade privada, que é essa negação. A inveja
universal estabelecendo-se como uma potência é apenas uma forma camuflada de
cupidez que se reinstaura e satisfaz de maneira diferente. Os pensamentos de toda
propriedade privada individual são, pelo menos, dirigidos contra qualquer
propriedade privada mais abastada, sob a forma de inveja e do desejo de reduzir
tudo a um nível comum; destarte, essa inveja e nivelamento por baixo constituem,
de fato, a essência da competição. O comunismo vulgar é apenas o paroxismo de
tal inveja e nivelamento por baixo, baseado em um mínimo preconcebido. Quão
pouco essa eliminação da propriedade privada representa uma apropriação
genuína é demonstrado pela negação abstrata de todo o mundo da cultura e da
civilização, e pelo retorno â simplicidade inatural (IV) do pobre e indigente que não
só ainda não ultrapassou a propriedade privada, mas nem ainda a atingiu.
A comunidade é só uma comunidade de trabalho e de igualdade de salários
pagos pelo capital comunal, pela comunidade como capitalista universal. Os dois
aspectos da relação são elevados a uma suposta universalidade; o trabalho como
uma situação em que todos são colocados, e o capital como a universalidade e
poder admitidos na comunidade.
Na relação com a mulher, como presa e serva da luxúria comunal, manifesta-se
a infinita degradação em que o homem existe para si mesmo; pois o segredo dessa
relação encontra sua expressão inequívoca, inconteste, franca e patente na relação
do homem com a mulher e na maneira pela qual se concebe a relação direta e 28
natural da espécie. A relação imediata, natural e necessária de ser humano como
ser humano é também a relação do homem com a mulher. Nesta relação natural da
espécie, a relação do homem com a natureza é diretamente sua relação com o
homem, e sua relação com o homem é diretamente sua relação com a natureza,
com sua própria função natural. Portanto, nessa relação se revela sensorialmente,
reduzida a um fato observável, até que ponto a natureza humana se tornou
natureza para o homem e a natureza se tornou natureza humana para ele. Dessa
relação, pode-se estimar todo o nível de evolução do homem. Conclui-se, do caráter
dessa relação, até que ponto o homem se tornou, e se entende assim, um ser-
espécie, um ser humano. A relação do homem com a mulher é a mais natural de
ser humano com ser humano. Ela indica, por conseguinte, até que ponto o
comportamento natural do homem se tornou humano, e até que ponto sua essência
humana se tornou uma essência natural para ele, até que ponto sua natureza
humana se tornou natureza para ele. Também mostra até que ponto as
necessidades do homem se tornaram necessidades humanas e, conseqüentemente,
até que ponto a outra pessoa, como pessoa, se tornou uma de suas necessidades, e
até que ponto ele é, em sua existência individual, ao mesmo tempo um ser social. A
primeira anulação positiva da propriedade privada, o comunismo vulgar, é,
portanto, apenas uma forma fenomenal da infâmia da propriedade privada
representando-se como comunidade positiva.
(2) O comunismo (a) ainda político em sua natureza, democrático ou despótico;
(b) com a abolição do Estado, mas ainda incompleto e influenciado pela
propriedade privada, isto é, pela alienação do homem. Em ambas as formas, o
comunismo já se dá conta de ser a reintegração do homem, seu retorno a si
mesmo, o repúdio da auto-alienação do homem. Porém, como ainda não aprendeu
a natureza positiva da propriedade privada, ou a natureza humana das
necessidades, ainda se acha cativo e contaminado pela propriedade privada.
Compreendeu bem o conceito, mas não a essência.
(3) O comunismo é a abolição positiva da propriedade privada, da auto-
alienação humana e, pois, a verdadeira apropriação da natureza humana através
do e para o homem. ele é, portanto, o retorno do homem a si mesmo como um ser
social, isto é, realmente humano, um regresso completo e consciente que assimila
toda a riqueza da evolução prece dente. O comunismo como um naturalismo
plenamente desenvolvido é humanismo e como humanismo plenamente
desenvolvido é naturalismo. É a resolução definitiva do antagonismo entre o
homem e a natureza, e entre o homem e seu semelhante. É a verdadeira solução
do conflito entre existência e essência, entre objetificação e auto-afirmação, entre 29
liberdade e necessidade, entre indivíduo e espécie. É a resposta ao enigma da
História e tem conhecimento disso.
(V) Assim, todo o desenvolvimento histórico, tanto a gênese real do comunismo
(o nascimento de sua existência empírica) quanto sua consciência pensante, e seu
processo entendido e consciente de vir-a-ser; ao passo que o outro, o comunismo
ainda não desenvolvido procura, em certas formas históricas contrarias a
propriedade privada, uma justificação baseada no que já existe e, com esse fito,
arranca de seu contexto elementos isolados desse desenvolvimento (Cabet e
Villegardelle destacam-se entre os que se dedicam a esse passatempo),
apresentando-os como provas de seu pedigree histórico. Ao fazê-lo ele deixa claro
que, de longe, a mor parte desse desenvolvimento contradiz suas próprias
afirmações e que, se jamais existiu, sua existência pretérita refuta sua pretensão a
entidade essencial.
É fácil entender a necessidade que leva todo movimento revolucionário a
encontrar sua base empírica, assim como a teórica, na evolução da propriedade
privada e, mais precisamente, do sistema econômico.
Essa propriedade privada material, diretamente perceptível, é a expressão
material e sensória da vida humana alienada. Seu movimento produção e consumo
- e a manifestação sensória do movimento de toda a produção anterior, i. é, a
realização ou realidade do homem. A religião, a família, o Estado, o Direito, a
moral, a ciência, a arte, etc., são apenas formas particulares de produção e
enquadram-se em sua lei geral. A substituição positiva da propriedade privada
como apropriação da vida humana, portanto, é a substituição de toda alienação, e
o retorno do homem, da religião, do Estado, da família, etc., para sua vida humana,
i.é, social. A alienação religiosa como tal, ocorre somente no campo da
consciência, na vida interior do homem, mas a alienação econômica e a da vida
real, e por isso, sua substituição afeta ambos os aspectos. Está claro, a evolução
em diferentes nações tem início diferente, conforme a vida efetiva e estabelecida
das pessoas esteja mais vinculada ao reino da mente ou ao mundo exterior, seja
mais uma vida real ou ideal. O comunismo começa onde começa o ateísmo
(Owens), mas o ateísmo de início está bem longe de ser comunismo; de fato, ele é,
na maior parte, ainda uma abstração. Assim, a filantropia do ateísmo é, a princípio,
unicamente uma filantropia filosófica abstrata, enquanto a do comunismo é desde
logo real e orientada e voltada para a ação.
30
Vimos como, na suposição da propriedade privada ter sido positivamente
revogada, o homem produz o homem, a si mesmo e a outros homens; como o
objeto que é a atividade direta de sua personalidade, ao mesmo tempo é a
existência dele para outros homens e a destes para ele. Analogamente, o material
do trabalho e o próprio homem como sujeito são o ponto de partida, bem como o
resultado, desse movimento (e porque deve haver esse ponto de partida, a
propriedade privada é uma necessidade histórica). Por conseguinte, o caráter
social e o caráter universal de todo o movimento; da mesma forma que a sociedade
produz o homem como homem, também ela é produzida por ele. A atividade e o
espírito são sociais em seu conteúdo, assim como em sua origem; eles são
atividade social e espírito social. O significado humano da natureza só existe para
o homem social, porque só neste caso a natureza é um laço com outros homens, a
base de sua existência para outros e da existência destes para ele. Só, então, a
natureza e a base da própria experiência humana dele e um elemento vital da
realidade humana. A existência natural do homem tornou-se, com isso, sua
existência humana, e a própria natureza tornou-se humana para ele. Logo, a
sociedade é a união efetiva do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição
da natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo realizado da
natureza.
(VI) A atividade social e o espírito social não existem apenas, de forma alguma,
sob a forma de atividade ou espirito que sela diretamente comunal. Sem embargo,
a atividade e o espírito comunais, i. é, atividade e espírito que se exprimem e
confirmam diretamente em associação real com outros homens, ocorrem sempre
onde essa expressão direta de sociabilidade brote do conteúdo da atividade ou
corresponda à natureza do espírito.
Ainda quando realizo trabalho cientifico, etc., uma atividade que raramente
posso conduzir em associação direta com outros homens, efetuo um ato social, por
ser humano. Não é só o material de minha atividade - como a própria língua que o
pensador utiliza - que me é dado como um produto social. Minha própria existência
é uma atividade social. Por essa razão, o que eu próprio produzo, o faço para a
sociedade, e com a consciência de agir como um ser social.
Minha consciência universal é apenas a forma teórica daquela cuja forma viva
é a comunidade real, a entidade social, embora no presente essa consciência
universal seja uma abstração da vida real e oposta a esta como uma inimiga. Por
isso é que a atividade de minha consciência universal como tal é minha existência
teórica como um ser social.
31
Acima de tudo, é mister evitar conceber a "sociedade" uma vez mais como uma
abstração com que se defronta o indivíduo. O indivíduo é o ser social. A
manifestação da vida dele - ainda quando não apareça diretamente sob a forma de
manifestação comunal, realizada em associação com outros homens - é, por
conseguinte, uma manifestação e afirmação de vida social. A vida humana
individual e a vida-espécie não são coisas diferentes, conquanto o modo de
existência da vida individual seja um modo mais especifico ou mais geral da vida-
espécie, ou da vida-espécie seja um modo mais específico ou mais geral da vida
individual.
Em sua consciência como espécie, o homem confirma sua verdadeira vida
social, e reproduz sua existência real em pensamento; reciprocamente, a vida-
espécie confirma-se na consciência como espécie e existe por si mesma em sua
universalidade como ser pensante. Embora o homem seja um indivíduo original, e
é justamente esta particularidade que o torna um indivíduo, um ser comunal
realmente individual - ele é igualmente o conjunto, o conjunto ideal, a existência
subjetiva da sociedade como é imaginada e vivenciada. Ele existe na realidade
como a representação e o verdadeiro espirito da existência social, e como a soma
da manifestação humana da vida.
Pensar e ser são deveras distintos, mas também formam uma unidade. A morte
parece ser uma impiedosa vitória da espécie sobre o indivíduo e contradizer sua
unidade; porém, o indivíduo em particular é apenas um determinado ente-espécie,
e, como tal, mortal.
(4) Tal e qual a propriedade privada é a mera expressão sensorial do fato de o
homem ser ao mesmo tempo um fato objetivo para si mesmo e tornar-se um objeto
estranho e não-humano para si mesmo; tal e qual sua manifestação de vida é
também sua alienação da vida e sua realização própria uma perda da realidade, o
aparecimento de uma realidade estranha, assim também a revogação positiva da
propriedade privada, i. é, a apropriação sensorial da essência humana e da vida
humana do homem objetivo e das criações humanas, pelo e para o homem, não
devem ser consideradas exclusivamente na acepção de fruição imediata e
exclusiva, ou na de possuir ou ter. O homem apropria seu ser multiforme de
maneira global, e portanto como homem integral. Todas as suas relações humanas
com o mundo - ver, ouvir, cheirar, saborear, pensar, observar, sentir, desejar, agir,
amar - em suma, todos os órgãos de sua individualidade, como órgãos que são de
forma diretamente comunal (VII), são, em sua ação objetiva (sua ação com relação
ao objeto) a apropriação desse objeto, a apropriação da realidade humana. A
32
maneira pela qual eles reagem ao objeto é a confirmação da realidade humana. (1)
É efetividade humana e sofrimento humano, pois o sofrimento, considerado
humanamente, é uma fruição do eu pelo homem.
A propriedade privada tornou-nos tão néscios e parciais que um objeto só e
nosso quando o temos, quando existe para nós como capital ou quando é
diretamente comido, bebido, vestido, habitado, etc., em síntese, utilizado de
alguma forma; apesar de a propriedade privada propriamente dita só conceber
essas várias formas de posse como meios de vida e a vida para a qual eles servem
como meios ser a vida da propriedade privada - trabalho e criação de capital.
Assim, todos os sentidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples
alienação de todos eles, pelo sentido de ter. O ser humano tinha de ser reduzido a
essa pobreza absoluta a fim de poder dar à luz toda sua riqueza interior. (Sobre a
categoria de ter ver Hess em Einundzwanzig Bogen. )
A anulação da propriedade privada é, pois, a emancipação completa de todos
os atributos e sentidos humanos. Ela é essa emancipação porque esses atributos e
sentidos tornaram-se humanos, tanto sob o ponto de vista subjetivo quanto sob o
objetivo. O olho tornou-se olho humano quando seu objeto passou a ser um objeto
humano, social, criado pelo homem e a este destinado. Os sentidos, portanto,
tornaram-se direta mente teóricos na prática. Eles se relacionam com a coisa em
atenção a esta, mas a própria coisa é uma relação humana objetiva consigo mesma
e com o homem, e vice-versa. (2) A necessidade e a fruição, portanto, perderam
seu caráter egoísta, e a natureza perdeu sua mera utilidade pelo fato de sua
utilização ter-se tornado utilização humana.
Semelhantemente, os sentidos e os espíritos dos outros homens tornaram-se
sua própria apropriação. Logo, além desses órgãos diretos, são constituídos órgãos
sociais sob a forma de sociedade; por exemplo, a atividade em associação direta
com outros tornou-se um órgão para a manifestação da vida e um modo de
apropriação da vida humana.
(1) Por conseguinte, ela valia tanto quanto as tendências da natureza e das
atividades humanas.
(2) Na prática, só posso relacionar-me de maneira humana com uma coisa
quando esta se relaciona de maneira humana com o homem.
33
É evidente que o olho humano aprecia as coisas de maneira diferente do olho
bruto, não-humano, assim como o ouvido humano diferentemente do ouvido bruto.
Conforme vimos, é só quando o objeto se torna um objeto humano, ou humanidade
objetiva, que o homem não fica perdido nele. Isso somente é possível quando o
objeto se torna um objeto social, e quando ele próprio se torna um ser social e a
sociedade se torna para ele, nesse objeto, um ser.
Por um lado, é só quando a realidade objetiva em toda parte se torna para o
homem-em-sociedade a realidade das faculdades humanas, a realidade humana, e
portanto a realidade de suas próprias faculdades, que todos os objetos se tornam
para ele a objetificação dele próprio. Os objetos, então, confirmam e realizam a
individualidade dele, eles são os objetos dele próprio, i. e, o próprio homem torna-
se o objeto. A maneira pela qual esses objetos passam a ser dele, depende da
natureza do objeto e da natureza da faculdade correspondente, pois é exatamente
o caráter determinado dessa relação que constitui o modo real específico de
afirmação. O objeto não e o mesmo para o olho que para o ouvido, para o ouvido
que para o olho. O caráter distintivo de cada faculdade é precisamente sua
essência característica e, pois, também, o modo característico de sua objetificação,
de seu ser objetivamente real, vivo. Portanto, não é apenas em pensamento (VIII),
mas por intermédio de todos os sentidos que o homem se afirma no mundo
objetivo.
Consideremos, a seguir, o aspecto subjetivo. O sentido musical do homem só é
despertado pela música. A mais bela musica não tem significado para o ouvido não-
musical, não e um objeto para ele, porque meu objeto só pode ser a corroboração
de uma de minhas próprias faculdades. Ele só pode existir para mim na medida em
que minha faculdade existe por si mesma como capacidade subjetiva, porquanto o
significado de um objeto para mim só se estende até onde o sentido se estende (só
faz sentido para um sentido adequado). Por essa razão, os sentidos do homem
social são diferentes dos do homem não-social. E só por intermédio da riqueza
objetivamente desdobrada do ser humano que a riqueza da sensibilidade humana
subjetiva (um ouvido musical, um olho sensível à beleza das formas, em suma,
sentidos capazes de satisfação humana e que se confirmam como faculdades
humanas) é cultivada ou criada. Pois não são apenas os cinco sentidos, mas
igualmente os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (desejar, amar,
etc.), em suma, a sensibilidade humana e o caráter humano dos sentidos, que só
podem vingar através da existência de seu objeto, através da natureza
humanizada. O cultivo dos cinco sentidos é a obra de toda a história anterior. O
sentido subserviente às necessidades grosseiras só tem um significado restrito. 34
Para um homem faminto, a forma humana de alimento não existe, mas apenas seu
caráter abstrato como alimento. Poderia muito bem existir na mais tosca forma, e é
impossível afirmar de que modo essa atividade de alimentar-se diferia da dos
animais. O homem necessitado, assoberbado de cuidados, não é capaz de apreciar
o mais belo espetáculo. O vendedor de minerais só vê seu valor comercial, não sua
beleza ou suas características particulares; ele não possui senso mineralógico.
Assim, a objetificação da essência humana tanto teórica quanto praticamente, é
necessária para humanizar os sentidos humanos, e também para criar os sentidos
humanos correspondentes a toda a riqueza do ser humano e natural.
Exatamente como no início a sociedade encontra, graças ao desenvolvimento
da propriedade privada com sua riqueza e pobreza (tanto intelectual quanto
material), os materiais necessários para essa evolução cultural, assim também a
sociedade plenamente constituída produz o homem em toda a plenitude de seu ser,
o homem rico dotado de todos os sen tidos, como uma realidade permanente. E só
em um contexto social que subjetivismo e objetivismo, espiritualismo e
materialismo, atividade e passividade, deixam de ser antinomias e, assim, deixam
de existir como tais antinomias. A resolução das contradições teóricas somente é
possível através de meios práticos, somente através da energia prática do homem.
Sua resolução não é, de forma alguma, portanto, apenas um problema de
conhecimentos, mas um problema real da vida, que a filosofia foi incapaz de
solucionar exatamente porque viu nele um problema puramente teórico.
Pode ser notado que a história da indústria, e a indústria como existe
objetivamente, é um livro aberto das faculdades humanas, e uma psicologia
humana que pode ser apreendida sensorialmente. Essa história não foi até aqui
concebida com relação à natureza humana, mas só sob um ponto de vista utilitário
superficial, desde que na situação de alienação só era viável conceber faculdades
humanas reais e ação da espécie humana sob a forma de existência humana em
geral, como religião, ou como história em seu aspecto geral, abstrato, como
política, arte e literatura, etc. A indústria material quotidiana (que pode ser
concebida como parte daquela evolução geral; ou igualmente, a evolução geral
pode ser concebida como parte específica da industria, visto que toda a atividade
humana até agora tem sido trabalho, i. é, indústria, atividade auto-alienação)
revela-nos, sob a forma de objetos úteis sensoriais, de maneira alienada, as
faculdades humanas essenciais transformadas em objetos. Nenhuma psicologia
para a qual esse livro, i. é, parte mais sensivelmente presente e acessível da
História, permaneça fechado, pode tornar-se uma ciência de verdade com um
conteúdo genuíno. Que se deve pensar de uma ciência que se mantém apartada de 35
todo esse enorme campo do trabalho humano e que não se sente sua própria
inadequação, mesmo que essa grande riqueza de atividade humana nada mais
signifique para ela senão, quiçá, o que pode ser expresso na simples expressão -
"necessidade", "necessidade comum"?
As ciências naturais desenvolveram uma atividade tremenda e reuniram uma
sempre crescente massa de dados. Mas a filosofia tem-se mantido alheia a essas
ciências, exatamente como elas o têm feito em relação à filosofia. Seu momentâneo
rapprochement foi somente uma ilusão fantasiosa. Havia um desejo de união, mas
faltou o poder para efetivá-la. A própria historiografia só leva a ciência natural em
conta fortuitamente, encarando-a como um fator de esclarecimento, de utilidade
prática e de determinados grandes descobrimentos. A ciência natural, contudo,
penetrou mais praticamente na vida humana por intermédio da indústria. Ela
transformou a vida humana e preparou a emancipação da humanidade, conquanto
seu efeito imediato fosse acentuar a desumanização do homem. A indústria é a
relação histórica concreta da natureza, e portanto da ciência natural, com o
homem. Se a indústria é concebida como a manifestação exotérica das faculdades
humanas essenciais, a essência humana da natureza e a essência natural do
homem também podem ser entendidas. A ciência natural, então, abandonará sua
orientação materialista abstrata, ou melhor, idealista, e se tornará a base de uma
ciência humana, tal como já se converteu - malgrado de forma alienada - em base
da vida humana prática. Uma base para a vida e outra para a ciência é, a priori ,
uma falsidade. A natureza, como se desenvolve através da história humana, no ato
de gênese da sociedade humana, é a natureza concreta do homem; assim, a
natureza, como se desenvolve por intermédio da indústria, embora de forma
alienada, é verdadeiramente natureza antropológica.
A experiência dos sentidos (ver Feuerbach) tem de ser a base de toda ciência.
A ciência só é ciência genuína quando procede da experiência dos sentidos, nas
duas formas de percepção sensorial e necessidade sensória, i. é, só quando
procede da natureza. O conjunto da História é uma preparação para o 'homem"
tornar-se um objeto da percepção sensorial, e para o desenvolvimento das
necessidades humanas (as necessidades do homem como tal). A própria História é
uma parte real da História Natural, do aperfeiçoamento da natureza até chegar ao
homem. A ciência natural algum dia incorporará a ciência do homem, exatamente
como a ciência do homem incorporará a ciência natural; haverá uma única ciência.
O homem é o objeto direto da ciência natural, porque a natureza diretamente
perceptível é para o homem experiência sensorial. Sua própria experiência
36
sensorial só existe como a outra pessoa que lhe é diretamente apresentada de
maneira sensorial. Sua própria experiência sensorial só existe como experiência
sensorial humana através da outra pessoa. Mas, a natureza é o objeto direto da
ciência do homem. O primeiro objeto para o homem - o próprio homem - é a
natureza, a experiência sensorial; e as faculdades humanas sensórias em
particular, que só podem encontrar realização objetiva em objetos naturais, só
podem alcançar o conhecimento próprio na ciência do ser natural. O próprio
elemento do pensamento, o elemento da manifestação viva do pensamento, a
linguagem, é de natureza sensorial. A realidade social da natureza e ciência
natural humana ou ciência natural do homem, são expressões idênticas.
A partir daqui, ver-se-á como, em lugar da riqueza e pobreza da Economia
Política, teremos o homem rico e a plenitude da necessidade humana. O homem
rico é, ao mesmo tempo, aquele que precisa de um complexo de manifestações
humanas da vida, e cuja própria auto-realização existe como uma necessidade
interior, como uma carência. Não só a riqueza como também a pobreza do homem,
adquire, em uma perspectiva socialista, o significado humano, e portanto social. A
pobreza é o vinculo passivo que leva o homem a experimentar uma carência da
máxima riqueza, a outra pessoa. O ímpeto da entidade objetiva dentro de mim, a
rotura sensorial de minha atividade vital, é a paixão que aqui se torna a atividade
de meu ser.
(5) Um ser não se encara a si mesmo como independente a menos que seja seu
próprio senhor, e ele só é seu próprio senhor quando deve sua existência a si
mesmo. Um homem que vive pelo favor de outro, considera-se um ser dependente.
Mas, eu vivo completamente por favor de outra pessoa quando lhe devo não
apenas a continuação de minha vida, como igualmente sua criação; quando ele é a
origem dela. Minha vida tem forçosamente uma causa assim extrínseca quando
não é de minha própria criação. A idéia de criação, pois, é difícil de eliminar da
consciência popular. Essa consciência e incapaz de conceber a natureza e o
homem existindo por sua própria conta, pois tal existência contraria todos os fatos
tangíveis da vida prática.
A idéia da criação da Terra recebeu sério golpe da ciência da geogenia, i. é, da
ciência que descreve a formação e o desenvolvimento da Terra como um processo
de geração espontânea. Generatio aequivoca (geração espontânea) é a única
refutação prática da teoria da criação.
37
É fácil, todavia, deveras, dizer a um indivíduo em particular do que Aristóteles
disse: você foi gerado por seu pai e sua mãe, e conseqüentemente foi o coito de
dois seres humanos, um ato da espécie humana, que produziu o ser humano. Vê-se,
pois, que mesmo em um sentido físico o homem deve sua existência ao homem. Por
conseguinte, não basta ter em mente apenas um dos dois aspectos, a progressão
infinita e perguntar a seguir: quem gerou meu pai e meu avô? Também se tem de
ter em vista o movimento circular, perceptível nessa progressão, segundo o qual o
homem, no ato da geração, reproduz-se a si mesmo: destarte, o homem sempre
permanece como sujeito. Mas, responder-se-á: admito esse movimento circular,
mas em troca você deve aceitar a progressão, que leva ainda mais adiante ao ponto
onde eu pergunto: quem criou o primeiro homem e a natureza como um todo? Só
posso responder: sua pergunta é, em si mesma, um produto da abstração.
Pergunte a si mesmo como chegou a essa pergunta. Pergunte-se se sua pergunta
não nasce de um ponto de vista a que eu não posso responder por que ele é
deturpado. Pergunte-se se essa progressão existe como tal para o pensamento
racional. Se você indaga acerca da criação da natureza e do homem, você está
abstraindo estes. Você os supõe não-existentes e quer que eu demonstre que eles
existem. Replico: desista de sua abstração e ao mesmo tempo você abandonará sua
pergunta. Ou então, se você quer manter sua abstração, seja coerente, e se pensa
no homem e na natureza como não-existentes (XI) pense também em você como
não-existente, pois você também é homem e natureza. Não pense nem formule
quaisquer perguntas, pois logo que você o faz sua abstração da existência da
natureza e do homem se torna sem sentido. Ou será você tão egoísta que concebe
tudo como não-existente, mas quer que você exista?
Você pode retrucar: não quero conceber a inexistência da natureza, etc.; só lhe
pergunto acerca do ato de criação dela, tal como indago do anatomista sobre a
formação dos ossos, etc.
Como, no entanto, para o socialista, o conjunto do que se chama história
mundial nada mais é que a criação do homem pelo trabalho humano, e a
emergência da natureza para o homem, ele, portanto, tem a prova evidente e
irrefutável de sua autocriação, de suas próprias origens. Uma vez que a essência
do homem e da natureza, o homem como um ser natural e a natureza como uma
realidade humana, se tenha tornado evidente na vida prática, na experiência
sensorial, a busca de um ser estranho, um ser acima do homem e da natureza
(busca essa que é uma confissão da irrealidade do homem e da natureza) torna-se
praticamente impossível. O ateísmo, como negação desse irrealismo, não mais faz
sentido, pois ele é uma negação de Deus e procura afirmar, por essa negação, a 38
existência do homem. O socialismo dispensa esse método assim tão circundante;
ele parte da percepção teórica e prática sensorial do homem e da natureza como
seres essenciais. É autoconsciência positiva humana, não mais uma
autoconsciência alcançada graças à negação da religião; exatamente como a vida
real do homem é positiva e não mais alcançada graças à negação da propriedade
privada, por meio do comunismo. O comunismo é a fase de negação da negação e
é, por conseguinte, para a próxima etapa da evolução histórica, um fator real e
necessário na emancipação e reabilitação do homem. O comunismo é a forma
necessária e o princípio dinâmico do futuro imediato, mas o comunismo não é em
si mesmo a meta da evolução humana - a forma da sociedade humana.
Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Terceiro Manuscrito
Necessidades, Produção e Divisão do Trabalho
(XIV) (7) Vimos que a importância deve ser atribuída, em uma perspectiva
socialista, à riqueza das necessidades humanas, e conseqüentemente também a um
novo sistema de produção e a um novo objeto de produção. Uma nova
manifestação das forças humanas e um novo enriquecimento do ser humano.
Dentro do sistema da propriedade privada, ela tem o significado diametralmente
oposto. Cada homem especula sobre a criação de uma nova necessidade no outro a
fim de obrigá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo sob nova dependência, e induzi-lo a
um novo tipo de prazer e, em conseqüência, à ruína econômica. Todos procuram
estabelecer um poder estranho sobre os outros, para com isso encontrar a
satisfação de suas próprias necessidades egoístas. Com a massa de objetos, por
conseguinte, cresce também o reino de entidades estranhas a que o homem se vê
submetido. Cada novo produto é uma nova potencialidade de mútua fraude e
roubo. O homem torna-se cada vez mais pobre como homem; ele tem necessidade
39
crescente de dinheiro para poder apossar-se do ser hostil. O poder de seu dinheiro
diminui na razão direta do aumento do volume da produção, i. é, sua necessidade
cresce com o poder crescente do dinheiro. A necessidade de dinheiro é, pois, a
necessidade real criada pela economia moderna, e a única necessidade por esta
criada. A quantidade de dinheiro torna-se cada vez mais sua única qualidade
importante. Assim como ele reduz toda entidade a sua abstração, também se reduz
a si mesmo, em seu próprio desenvolvimento, a uma entidade quantitativa. Excesso
e imoderação passam a ser seu verdadeiro padrão. Isso é demonstrado
subjetivamente, em parte pelo fato de a expansão da produção e das necessidades
tornar-se uma subserviência engenhosa e sempre calculista a apetites desumanos,
depravados, antinaturais e imaginários. A propriedade privada não sabe como
transformar a necessidade bruta em necessidade humana; seu idealismo é
fantasia, capricho e ilusão. Nenhum eunuco lisonjeia a seu tirano de forma mais
desavergonhada nem procura por meios mais infames estimular seu apetite
embotado, a fim de granjear algum favor, do que o eunuco da indústria, o homem
de empresa, a fim de adquirir algumas moedas de prata ou de atrair o ouro da
bolsa de seu amado próximo. (Todo produto é uma isca por meio da qual o
indivíduo tenta engodar a essência da outra pessoa, o dinheiro desta. Toda
necessidade real ou potencial é uma fraqueza que atrairá o passarinho para o
visgo. A exploração universal da vida humana em comunidade. Como toda
imperfeição do homem é um vínculo com o céu, um ponto em que seu coração é
acessível ao sacerdote, assim também toda necessidade material é uma
oportunidade para a gente aproximar-se do próximo, com uma atitude amistosa, e
dizer: "Caro amigo, dar-lhe-ei aquilo de que você precisa, mas você conhece a
conditio sine qua non . Você sabe qual tinta tem de usar para entregar-se a mim.
Eu o trapacearei ao proporcionar-lhe satisfação.") O homem de empresa concorda
com os mais depravados caprichos de seu próximo, desempenha o papel de
alcoviteiro entre eles e suas necessidades, desperta apetites mórbidos, nele, e
presta atenção a cada fraqueza a fim de, posteriormente, reivindicar a
remuneração por esse serviço de amor.
Essa alienação é em parte mostrada pelo fato de o requinte das necessidades e
dos meios de satisfazê-las produzir, como correspondente, uma selvajaria bestial,
uma simplicidade completa, primitiva e abstrata das necessidades; ou melhor,
simplesmente reproduzir-se no sentido oposto. Para o trabalha dor, até a
necessidade de ar fresco deixa de ser uma necessidade. O homem volta novamente
a morar em cavernas, mas agora é envenenado pelo ar pestilento da civilização. O
trabalhador só tem um direito precário a habitá-las, pois elas se transformaram em
40
residências estranhas que de repente podem não estar mais disponíveis, ou de que
ele pode ser despejado se não pagar o aluguel. Ele tem de pagar por esse sepulcro.
A residência cheia de luz que Prometeu, em Ésquilo, indica como uma das grandes
dádivas por meio das quais converteu selvagens em homens, deixa de existir para
o trabalhador. Luz, ar, e a mais singela limpeza animal deixam de ser necessidades
humanas. A imundície, essa corrupção e putrefação que corre pelos esgotos da
civilização (isto deve ser tomado literalmente), torna-se o elemento em que o
homem vive. Negligência total e antinatural, a natureza putrefata, passa a ser o
elemento em que ele vive. Nenhum de seus sentidos sobrevive, seja sob forma
humana, seja mesmo em forma não-humana, animal. Os processos (e instrumentos)
mais grosseiros de trabalho humano reaparecem; assim, o moinho acionado pelos
pés dos escravos romanos tornou-se o modo de produção e o modo de existência de
muitos operários ingleses. Não basta que o homem perca suas necessidades
humanas; até as necessidades animais desaparecem. Os irlandeses não mais têm
nenhuma necessidade senão a de comer - comer batatas, e ainda assim só da pior
espécie, batatas bolorentas. Mas a França e a Inglaterra já possuem em toda
cidade industrial uma pequena Irlanda. Selvagens e animais podem, ao menos,
satisfazer suas necessidades de caçar, fazer exercício e ter companheiros. A
simplificação da maquinaria e do trabalho, porém, é utilizada para fazer operários
dos que ainda estão crescendo, que ainda estão imaturos, crianças, enquanto o
próprio operário converteu-se em uma criança desatendida de qualquer cuidado. A
maquinaria é adaptada à fraqueza do ser humano, de modo a transformar o fraco
ser humano em máquina.
O fato de o aumento das necessidades e dos meios de satisfazê-las resultar em
uma falta de atendimento das necessidades e meios de satisfazê-las, é
demonstrado de várias maneiras pelo economista (e pelo capitalista; com efeito, é
sempre a homens de negócios empíricos que nos referimos quando falamos de
economistas, que são sua auto-revelação e existência científica). Primeiramente,
reduzindo as necessidades do trabalhador às míseras exigências ditadas pela
manutenção de sua existência física, e reduzindo a atividade dele aos movimentos
mecânicos mais abstratos, o economista assevera que o homem não tem
necessidade de atividade ou prazer além daquelas; e no entanto declara ser esse
gênero de vida um gênero humano de vida. Em segundo lugar, aceitando como
padrão geral de vida (geral por ser aplicado à massa dos homens) a vida mais
pobre que se possa conceber; ele transformar o trabalhador em um ser destituído
de sentidos e necessidades, assim como transforma a atividade dele em uma
abstração pura de toda atividade. Assim, todo o luxo da classe trabalhadora
41
parece-lhe condenável, e tudo que ultrapasse a mais abstrata exigência (quer se
trate de uma satisfação passiva ou uma manifestação de atividade pessoal) é
encarada como luxo. A Economia Política, a ciência da riqueza, portanto, ao
mesmo tempo, a ciência da renúncia, da privação e da poupança, que de fato
consegue privar o homem de ar fresco e de atividade física. A ciência de uma
indústria maravilhosa é, concomitantemente, a ciência do ascetismo. Seu
verdadeiro ideal é o sovina, ascético porém usurário, e o escravo ascético porém
produtivo. Seu ideal moral é trabalhador que leva uma parte do salário para a
caixa econômica. Chegou mesmo a achar uma arte servil para corporificar essa
idéia favorita, que foi apresentada de forma sentimental no palco. Assim, a
despeito de sua aparência mundana e sequiosa de prazeres, ela é uma ciência
verdadeiramente moralista, a mais moralista de todas as ciências. Sua tese
principal é a renúncia à vida e às necessidades humanas. Quanto menos se comer,
beber, comprar livros, for ao teatro ou a bailes, ou ao botequim, e quanto menos se
pensar, amar, doutrinar, cantar, pintar, esgrimir, etc., tanto mais se poderá
economizar e maior se tornará o tesouro imune à ferrugem e às traças - o capital.
Quanto menos se for, quanto menos se exprimir nossa vida, tanto mais se terá,
tanto maior será nossa vida alienada e maior será a economia de nosso ser
alienado. Tudo o que o economista tira da gente sob a forma de vida e
humanidade, devolve sob a de dinheiro e riqueza. E tudo que não se pode fazer, o
dinheiro pode fazer para a gente; pode-se comer, beber, ir ao baile e ao teatro. Ele
pode adquirir arte, saber, tesouros históricos, poder político; e pode-se viajar. Ele
pode apropriar todas essas coisas para a gente, pode comprar tudo; ele é a
verdadeira opulência. Mas, apesar de poder fazer tudo isso, ele só quer criar a si
mesmo, e comprar a. si mesmo, pois tudo mais se lhe submete. Quando se possui o
dono, também se possui o servo, e ninguém precisa do servo do dono. Dessa
maneira, todas as paixões e atividades têm de ser submersas na avareza. O
trabalhador deve ter apenas o que lhe é necessário para desejar viver, e deve
desejar viver para ter isso.
É verdade que apareceu certa controvérsia no campo da Economia Política.
Alguns economistas (Lauderdale, Malthus, etc) advogam o luxo e condenam a
poupança, enquanto outros (Ricardo, Say, etc.), advogam a poupança e condenam
o luxo. Mas, os primeiros admitem que desejam luxo a fim de criar trabalho, i. é,
poupança absoluta, ao passo que os últimos admitem que advogam a poupança a
fim de criar a riqueza, i. é, luxo. Os primeiros têm a idéia romântica de que a
avareza não deve determinar por si só o consumo dos ricos, e contradizem suas
próprias leis ao representar a prodigalidade como sendo um meio direto de
42
enriquecer; seus opositores, então, demonstram com grande minúcia e convicção,
que a prodigalidade diminui ao invés de aumentar minhas posses. O segundo
grupo é hipócrita, ao não admitir que são o capricho e a fantasia que determinam a
produção. Esquecem-se das "necessidades requintadas", e que sem consumo não
haveria produção. Esquecem-se de que, através da competição, a produção tem de
tornar-se sempre mais universal e luxuosa, que é o uso que determina o valor das
coisas e que o uso é função da moda. Eles querem que a produção seja limitada a
"coisas úteis", mas esquecem que a produção de um número excessivo de coisas
úteis resulta em muitas pessoas inúteis. Ambos os lados esquecem que
prodigalidade e parcimônia, luxo e abstinência, riqueza e pobreza, são
equivalentes.
Não se tem de ser abstinente apenas na satisfação de nossos sentidos diretos,
como comer, etc., mas também em nossa participação em interesses gerais, nossa
compaixão, confiança, etc., se se deseja ser econômico e evitar arruinar-se devido
a ilusões.
Tudo o que se possui deve ser tornado venal, i. é, útil. Suponhamos que eu
pergunte ao economista: estou agindo de acordo com as leis econômicas se ganhar
dinheiro com a venda de meu corpo, prostituindo-o à concupiscência de outra
pessoa (na França, os operários chamam à prostituição de suas esposas e filhas a
enésima hora de trabalho, o que é literalmente verdadeiro); ou se eu vender meu
amigo aos marroquinos (e a venda direta de homens ocorre em todos os países
civilizados sob a forma de alistamento nas forças armadas)? Ele responderá: você
não está agindo contra as minhas leis, mas tem de levar em conta o que a Prima
Moral e a Prima Religião têm a dizer. Minha moralidade e religião econômicas
nada têm a objetar, porém Mas, a quem se deve dar crédito, ao economista ou ao
moralista? A moral da economia política é ganho, trabalho, parcimônia e
sobriedade - no entanto, a economia política promete satisfazer minhas
necessidades. A economia política da moral é a riqueza de uma boa consciência,
virtude, etc., mas como posso ser virtuoso se não estiver vivo e como posso ter
uma boa consciência se não me der conta de nada? A natureza da alienação
subentende que cada esfera aplica uma norma diferente e contraditória, que a
Moral não aplica a mesma norma que a Economia Política, etc., porque cada uma
delas é uma alienação particular do homem; (XVII) cada uma está concentrada em
uma área específica de atividade alienada e, por sua vez, acha-se alienada da
outra.
43
É assim que M. Michel Chevalier censura Ricardo por não levar em conta a
Moral. Mas Ricardo deixa a Economia Política falar sua língua própria; não se deve
condená-lo se essa língua não é a da Moral. M. Chevalier ignora a Economia
Política, ao preocupar-se unicamente com a Moral, mas ignora de fato e
necessariamente a Moral quando se preocupa com a Economia Política; pois o
reflexo desta naquela é arbitrário e acidental, carecendo, assim, de qualquer base
ou caráter científico, uma mera impostura, ou então é essencial e só pode ser
então uma relação entre as leis econômicas e a Moral. Se não existe uma relação
assim, pode Ricardo ser chamado à responsabilidade? Outrossim, a antítese entre
Moral e Economia Política é em si mesma apenas aparente; há uma antítese e
igualmente não há antítese. A Economia Política exprime à sua própria maneira, as
leis morais.
A ausência de exigências, como princípio da economia política, é atestada da
forma mais chocante em sua teoria da população. Há homens em demasia. A
própria existência do homem é puro luxo, e se o trabalhador for "moralizado" , ele
será econômico ao procriar. (Mill sugere louvor público aos que se mostrarem
abstêmios nas relações sexuais, e condenação pública aos que pequem contra a
esterilidade do matrimônio. Não é essa a doutrina moral do ascetismo?) A
produção de homens afigura-se uma desgraça pública.
O significado da produção com relação aos ricos é revelado no que tem para os
pobres. No alto, sua manifestação é sempre requintada, disfarçada, ambígua, uma
aparência; nas camadas inferiores, ela é crua, franca, sem rodeios, uma realidade.
A necessidade áspera do trabalhador é fonte de muito maior lucro do que a
necessidade requintada do abastado. As moradias em porões de Londres dão mais
aos senhorios do que os palácios, i. é, elas constituem maior riqueza no que toca ao
senhorio e, assim, em termos econômicos, maior riqueza social.
Assim como a indústria se reflete no refinamento das necessidades, também o
faz em sua rudeza, e na rudeza delas produzida artificialmente, cuja verdadeira
alma é a auto-estupefação, a satisfação ilusória das necessidades, uma civilização
dentro da barbárie grosseira da necessidade. As tavernas inglesas, são, portanto,
representações simbólicas da propriedade privada. Seu luxo desmascara a relação
real do luxo industrial e da riqueza com o homem. Elas são, pois, adequadamente,
o único divertimento dominical do povo, pelo menos tratado com brandura pela
polícia inglesa.
44
Já vimos como o economista estabelece a unidade do trabalho e do capital de
várias maneiras: (1) o capital é trabalho acumulado; (2) a finalidade do capital
dentro da produção - em parte a reprodução do capital com lucro, em parte o
capital como matéria-prima (material do trabalho), em par te o capital como ele
mesmo um instrumento de trabalho (a máquina é capital fixo, que é idêntico ao
trabalho) - é trabalho produtivo; (3) o trabalho é capital; (4) os salários fazem parte
dos custos do capital; (5) para o trabalhador, o trabalho é a reprodução de seu
capital-vida; (6) para o capitalista, o trabalho é um fator na atividade de seu
capital.
Por fim, (7) o economista pressupõe a união original de capital e trabalho como
união de capitalista e trabalhador. Essa é a situação paradisíaca original. Como
esses dois fatores (XIX), tal como se fossem duas pessoas, avançam para a
garganta do outro, é, para o economista, um acontecimento fortuito que por isso
pode ser explicado apenas pelas circunstâncias exteriores (ver Mill).
As nações ainda estonteadas pelo fulgor físico de metais preciosos e, por isso,
ainda fetichistas do dinheiro metálico, não são ainda nações financeiras
plenamente desenvolvidas. Com pare-se a França com a Inglaterra. A medida em
que a solução de um problema teórico incumbe à prática, e é conseguida pela
prática, e a medida em que a prática correta é a condição para uma teoria verídica
e positiva, é demonstrada, por exemplo, no caso do fetichismo. A percepção
sensorial de um fetichista difere da de um grego porque sua existência sensorial é
diferente. A hostilidade abstrata entre sentidos e espírito é inevitável enquanto o
sentido humano para a natureza, ou o significado humano da natureza, e
conseqüentemente o sentido natural do homem, não tiver sido produzido por meio
do trabalho do próprio homem.
A igualdade nada mais é que o alemão "Ich-Ich", traduzido para a forma
francesa, i. é, política. A igualdade como base do comunismo é uma fundação
política e é a mesma de quando os alemães apóiam sobre ela o fato de conceberem
o homem como autoconsciência universal. Está claro, a transcendência da
alienação sempre provém da forma de alienação que é a força dominante; na
Alemanha, autoconsciência; na França, igualdade, por causa da política; na
Inglaterra, a necessidade real, material, auto-suficiente, prática. Proudhon deve
ser apreciado e criticado sob este ponto de vista.
Se agora caracterizarmos o próprio comunismo (pois, como negação da
negação, como a apropriação da existência humana que medeia entre uma e outra
45
por meio da negação da propriedade privada não é a posição verdadeira, originada
por si mesma, mas antes, uma que parte da propriedade privada)[N2] . . . a
alienação da vida humana continua e uma alienação bem maior continua quanto
mais a gente tem consciência disso) só pode ser realizada pelo estabelecimento do
comunismo. A fim de revogar a idéia de propriedade privada bastam as idéias
comunistas, mas é necessária atividade comunista genuína no sentido de revogar a
propriedade privada real. A História produzirá, e a evolução que já em pensamento
reconhecemos como autotranscendente na realidade implicará em um processo
severo e prolongado. Temos, entretanto, de considerá-lo um avanço, pois
obtivemos previamente uma noção da natureza limitada e do alvo da evolução
histórica e podemos ver para além dela.
Quando artesãos comunistas formam associações, o ensino e a propaganda são
seus primeiros objetivos. Mas, sua própria associação cria uma necessidade nova -
a necessidade da sociedade - o que parecia ser um meio torna-se um fim. Os
resultados mais notáveis desse fato prático podem ser vistos quando operários
socialistas franceses se reúnem. Fumar, comer e beber não mais são meios de
congregar pessoas. A sociedade, a associação, o divertimento tendo também como
fito a sociedade, é suficiente para eles; a fraternidade do homem não é frase vazia,
mas uma realidade, e a nobreza do homem resplandece sobre nós vindo de seus
corpos fatigados.
(XX) Quando a Economia Política afirma que a oferta e a procura sempre se
equilibram, esquece imediatamente sua própria tese (a teoria da população) de
que a oferta de homens sempre excede a procura, e conseqüentemente, que a
desproporção entre oferta e procura é mais chocantemente expressa no fim
essencial da produção - a existência do homem.
O grau até o qual o dinheiro, que tem a aparência de um meio, é o poder real e
o único fim, e em geral o grau até que o meio que me assegura a existência e posse
do ser objetivo estranho é um fim em si mesmo, podem ser vistos no fato da
propriedade agrária onde a terra é a fonte da vida, e cavalo e espada onde estes
são os verdadeiros meios de vida, são também reconhecidos como os verdadeiros
poderes políticos. Na Idade Média, um estado torna-se emancipado quando tem o
direito de levar espada. Entre povos nômades, é o cavalo que torna livre o homem,
fazendo-o membro da comunidade.
Dissemos, acima, que o homem está regressando à habitação da caverna, mas
numa forma alienada e maligna. O selvagem em sua caverna (um elemento natural
46
que lhe é livremente oferecido para uso e proteção) não se sente um estranho; pelo
contrário, sente-se tão em casa quanto um peixe na água. Mas, a habitação do
pobre num porão é uma habitação hostil, "um poder estranho, constrangedor, que
só se entrega em troca de suor e sangue". Ele não pode considerá-la como seu lar,
como um lugar onde afinal possa dizer "aqui estou em casa". Pelo contrário, ele se
encontra na casa de outra pessoa, a casa de um estranho que está à sua espera
diariamente e o despeja se não pagar o aluguel. Ele também se dá conta do
contraste entre sua própria morada e uma residência humana, como as que
existem naquele outro mundo, o paraíso dos ricos.
A alienação é evidente não só no fato de meu meio de vida pertencer a outrem,
de meus desejos serem a posse inatingível de outrem, mas de tudo ser algo
diferente de si mesmo, de minha atividade ser outra coisa qualquer, e, por fim (e
isso também ocorre com o capitalista), de um poder desumano mandar em tudo.
Há uma espécie de riqueza que é inativa, pródiga e devotada ao prazer, cujo
beneficiário se comporta como um indivíduo efêmero de atividade sem propósito,
que encara o trabalho escravo dos outros, sangue e suor humanos, como a presa
de sua cupidez e vê a humanidade, e a si mesmo, como um ser supérfluo e votado
ao sacrifício. Assim, ele adquire um desprezo pela humanidade, expresso na forma
de arrogância e de malbaratamento de recursos que poderiam sustentar cem vidas
humanas, e também na forma da ilusão infame de que sua extravagância
irrefreada e interminável consumo improdutivo é condição indispensável ao
trabalho e à subsistência de outros. Ele vê a realização dos poderes essenciais do
homem apenas como a realização de sua própria vida desordenada, de seus
caprichos e de suas idéias inconstantes e bizarras. Tal riqueza, contudo, que vê a
riqueza somente como um meio, como algo a ser consumido, e que é, portanto,
tanto senhora como escrava, generosa como mesquinha, caprichosa, presunçosa,
vaidosa, refinada, culta e espirituosa, ainda não descobriu a riqueza como uma
força inteiramente estranha, mas vê nela seu próprio poder e fruição antes que
riqueza. . . meta final. [N3]
(XXI) . . .. e a fulgente ilusão acerca da natureza da riqueza, produzida por sua
estonteante aparência física, é defrontada pelo industrial trabalhador, sóbrio,
econômico e prosaico, que está esclarecido a respeito da natureza da riqueza e
que, embora incrementando a amplitude da vida regalada do outro e lisonjeando-o
com seus produtos (pois seus produtos são outros tantos ignóbeis mimos para os
apetites do perdulário), sabe como apropriar para si mesmo, da única maneira útil,
os poderes decadentes do outro. Malgrado, portanto, a riqueza industrial pareça à
primeira vista ser o produto de riqueza pródiga e fantástica, não obstante despoja 47
o último de maneira ativa por seu próprio desenvolvimento. A queda da taxa de
juros é uma conseqüência necessária da evolução industrial. Assim, os recursos do
arrendatário esbanjador minguam proporcionalmente ao aumento dos meios e
oportunidades de divertimento. Ele se vê obrigado, seja a consumir seu capital e
arruinar-se, seja a tornar-se ele próprio um industrial. . . Por outro lado, há um
aumento constante da renda da terra no decorrer do progresso industrial, mas
consoante já vimos deve chegar uma hora em que a propriedade imobiliária, como
qualquer outra forma de propriedade, recai na categoria de capital que se
reproduz por meio do lucro - e isso é resultado do mesmo progresso industrial.
Assim, o perdulário proprietário de terras tem de entregar seu capital e arruinar-
se, ou então tornar-se um rendeiro de sua própria propriedade - um industrial
agrícola.
O declínio da taxa de juros (que Proudhon considera como abolição do capital e
uma tendência para a socialização do capital) é, pois, antes um sintoma direto da
vitória completa do capital ativo sobre a riqueza pródiga, i. é, a transformação de
toda propriedade privada em capital industrial. É a vitória completa da
propriedade privada sobre suas qualidades aparentemente humanas, e a
submissão total do dono da propriedade à essência da propriedade privada - o
trabalho. É evidente que o capitalista industrial também tem seus prazeres. Ele
não retorna absolutamente a uma simplicidade antinatural em suas necessidades,
mas sua fruição é somente questão secundária; é recreação subordinada à
produção, e, assim, um divertimento calculado, econômico, pois ele anota seus
prazeres como um desembolso de capital e o que esbanja não deve ser mais do que
pode ser substituído com lucros pela reprodução do capital. Destarte, o
divertimento fica subordinado ao capital e o indivíduo amante de prazeres e sujeito
ao acumulador de capital, enquanto outrora ocorria o contrário. A queda da taxa
de juros é, por conseguinte, um mero sintoma de abolição do capital, na medida
em que é um sintoma de seu crescente domínio e alienação que acelera sua
própria abolição. De maneira geral, essa e a única maneira pela qual o que existe
afirma seu contrário.
A disputa entre economistas a respeito de luxo e poupança, portanto, é apenas
uma disputa entre a economia política que se deu bem conta da natureza da
riqueza e a que ainda está sobrecarregada com recordações românticas, anti-
industriais. Nenhum dos lados, entretanto, sabe como expressar o assunto da
disputa em termos simples, ou é capaz, por conseguinte, de resolver a pendenga.
48
Além disso, a renda da terra, qua renda da terra, foi posta abaixo, pois contra a
argumentação dos Fisiocratas de ser o dono da terra o 'único produtor legítimo, a
economia moderna demonstra, antes, que o dono da terra como tal é o único
arrendatário completamente improdutivo. A agricultura é um negócio do
capitalista, que emprega seu capital nela quando pode contar com uma taxa de
lucro normal. A afirmação dos Fisiocratas de que a propriedade agrária, como
única propriedade produtiva, devia ser a única a pagar impostos e, em
conseqüência, ser a única a aprová-los e a participar dos negócios públicos, é
transformada na convicção oposta de que os impostos sobre o arrendamento da
terra são os únicos impostos sobre um rendimento improdutivo e, assim, os únicos
não nocivos ao produto nacional. Está claro que sob este ponto de vista, nenhum
privilégio político para os proprietários de terras decorre de sua situação como
principais contribuintes de impostos.
Tudo o que Proudhon concebe como um movimento do trabalho contra o
capital é somente o movimento do trabalho sob a forma de capital, de capital
industrial contra o que não é consumido como capital, i. é, industrialmente. E a
esse movimento segue seu caminho triunfante, o caminho da vitória do capital
industrial. Ver-se-á que só quando o trabalho é concebido como a essência da
propriedade privada é que podem ser analisadas as características reais do
movimento econômico propriamente dito.
A sociedade, como é vista pelo economista, é a sociedade civil, em que cada
indivíduo é uma totalidade de necessidades e apenas existe para outra pessoa,
como esta existe para ele, na medida em que cada um é um meio para o outro. O
economista (como a política em seus direitos do homem) reduz tudo ao homem, i.
é, ao indivíduo, a quem ele despoja de todas as características com o fito de
classificá-lo como capitalista ou como trabalhador.
A divisão do trabalho é a expressão econômica do caráter social do trabalho no
quadro da alienação. Ou, visto ser o trabalho apenas uma expressão da atividade
humana no quadro da alienação, de atividade vital como alienação da vida, a
divisão do trabalho nada mais é que a instituição alienada da atividade humana
como uma real atividade da espécie ou a atividade do homem como um ente-
espécie.
Os economistas mostram-se muito confusos e contradizem-se a si mesmos
acerca da natureza da divisão do trabalho (que, naturalmente, tem de ser olhada
como uma força motivadora principal na produção da riqueza desde que o trabalho
49
é reconhecido como a essência da propriedade privada), i. é, acerca da forma
alienada da atividade humana como atividade da espécie.
Adam Smith [N4] :
"A divisão do trabalho. . . não é originariamente o efeito de qualquer
sabedoria humana. . . E a conseqüência obrigatória, se bem que muito
lenta e gradativa, da propensão a barganhar, trocar e cambiar uma
coisa por outra. [Quer essa propensão seja um daqueles princípios
originais da natureza humana. . .] ou quer, como parece mais provável,
seja a conseqüência necessária das faculdades da razão e da fala [não
cabe aqui investigar]. É comum a todos os homens e não pode ser
encontrada em nenhuma outra raça de animais. . . [Em quase todas as
outras raças de animais, o indivíduo] quando atinge a maturidade está
inteiramente independente. . . Mas o homem tem oportunidade quase
constante para necessitar do auxílio de seus irmãos, e é em vão que ele
esperará obtê-lo unicamente da benevolência deles. É mais provável
que seja bem sucedido se puder interessar o egoísmo deles em seu
favor, mostrando-lhes que será vantajoso para eles fazer-lhe o que lhes
solicita. . . Não nos dirigimos à demência deles, mas a seu egoísmo, e
nunca falamos de nossas necessidades porém das vantagens deles
(págs. 12-13).
"Como é por meio de tratado, de troca e de compra que obtemos de
outros a maior parte dos bons ofícios de que mutuamente carecemos,
assim também é essa mesma disposição para negociar que
originariamente enseja a divisão do trabalho. Em uma tribo de
caçadores ou pastores, uma de terminada pessoa faz arcos e flechas,
por exemplo, com maior rapidez e perícia que qualquer outra.
Freqüentemente as troca por gado ou carne de veado com seus
companheiros, e acaba verificando que dessa maneira pode conseguir
mais gado ou carne de veado do que se fosse pessoalmente ao campo
para pegá-los. Tendo em vista seu interesse próprio, então, a
confecção de arcos e flechas passa a ser seu principal negócio. . .
(págs. 13-14) .
"A diferença de talentos naturais de homens diferentes. . . não é. . .
tanto a causa quanto o efeito da divisão do trabalho. . . Sem a
disposição para negociar, trocar e cambiar, cada homem teria que
50
providenciar por si mesmo tudo que desejasse de necessário e
conveniente. Todos teriam de ter. . . o mesmo trabalho a fazer, e não
poderia ter havido essa diferença de ocupação, a única capaz de dar
margem a qualquer diferença grande de talentos (pág. 14).
"Assim como é essa distribuição que forma aquela diferença de
talentos. . . entre os homens, também é ela que torna útil tal diferença.
Muitas tribos de animais. . . da mesma espécie recebem da natureza
uma diferenciação de índole muito mais notável do que, precedendo o
costume e a educação, parece ter lugar entre os homens. Por natureza,
um filósofo não é no temperamento e na inclinação nem a metade
diferente de um carregador do que o é um mastim de um galgo, ou um
galgo de um spaniel, ou este último de um cão-pastor. Essas diferentes
tribos de animais, contudo, apesar de todas da mesma espécie, são de
pouca utilidade uma para a outra. O vigor do mastim (XXVI) não é,
pelo me nos, assistido seja pela agilidade do galope, seja. . . Os efeitos
desses diferentes temperamentos e talentos, à falta de capacidade ou
inclinação para trocar e cambiar, não podem ser congregados em um
cabedal comum, e em nada contribuem para melhor acomodação e
utilidade da espécie. Cada animal continua obrigado a sustentar-se e a
defender-se, separada e independentemente, e não obtém qualquer
gênero de superioridade dessa variedade de talentos com que a
natureza distinguiu seus semelhantes. Entre os homens, pelo
contrário, os mais diversos pendores são de utilidade mútua; os
diferentes produtos de seus respectivos talentos, graças à inclinação
geral para trocar, negociar e cambiar, são reunidos, por assim dizer,
em um cabedal comum, onde cada homem pode adquirir qualquer
parte da produção dos talentos de outros homens para que tenha
aplicação (págs. 14-15).
"Como é a capacidade de trocar que dá oportunidade à divisão do
trabalho, a extensão dessa divisão tem sempre de - ser limitada pela
extensão daquela capacidade, ou, por outras palavras, pela extensão
do mercado. Quando o mercado é muito pequeno, ninguém pode
encontrar qualquer estímulo para dedicar-se inteiramente a um
emprego, por falta de capacidade para cambiar a parte excedente de
seu próprio trabalho, acima e além de seu próprio consumo, por partes
análogas da produção do trabalho de outros homens para que tiver
aplicação." (pág. 15). 51
Num estágio adiantado da sociedade: "Todo homem, pois, vive por
meio da troca, ou torna-se, em certa medida. um mercador, e a própria
sociedade alcança o que é propriamente uma sociedade comercial"
(pág. 20). (Ver Deustutt de Tracy[N5]: "A sociedade é uma série de
trocas recíprocas; o comercio é toda a essência da sociedade.") A
acumulação de capital aumenta com a divisão do trabalho e vice-versa.
- Até aqui falou Adam Smith.
"Se toda família produzisse tudo o que consome, a sociedade poderia
prosseguir sem que tivesse lugar qualquer espécie de intercâmbio. Em
nosso estado adiantado de sociedade, a troca, apesar de não ser
fundamental, é indispensável."[N6] "A divisão do trabalho é um hábil
desdobramento das capacidades do homem; ela aumenta a produção
da sociedade - seu poder e seus prazeres - mas diminui a capacidade
de cada pessoa considerada individualmente. A produção não pode ter
lugar sem a troca."[N7]
- Assim falou J. B. Say.
"As faculdades intrínsecas do homem são sua inteligência e sua
capacidade física para trabalhar. As oriundas da situação da sociedade
consistem na capacidade para repartir o trabalho e distribuir tarefas
entre diferentes pessoas e no poder trocar os serviços e produtos que
constituem os meios de subsistência. O motivo que impele o homem a
dar seus serviços a outro é o interesse próprio; ele exige uma
retribuição pelos serviços prestados. O direito à propriedade privada
exclusiva é indispensável ao estabelecimento das trocas entre os
homens. . . Troca e divisão do trabalho são mutuamente
dependentes."[N8]
- Assim falou Skarbek.
Mill apresenta a troca aperfeiçoada - o comércio - como uma conseqüência da
divisão do trabalho:
"A atuação do homem pode ser reconstituída por elementos muito
simples. Ele não pode, com efeito, fazer mais nada se não produzir
movimento. Pode aproximar as coisas uma da outra, (XXXVII) e pode
separá-las uma da outra: as propriedades da matéria desincumbem-se
52
do resto. . . No emprego do trabalho e da maquinaria, constata-se,
amiúde, que os efeitos podem ser aumentados pela distribuição hábil,
pela separação das operações que têm qualquer tendência a se
obstarem mutuamente, e pela conjugação de todas as operações que
podem ser feitas de modo a auxiliarem-se umas às outras. Como os
homens em geral não podem executar muitas operações diferentes
com a mesma rapidez e destreza com que pela prática aprendem a
executar algumas, é sempre vantajoso limitar tanto quanto possível o
número de operações impostas a cada um. Para dividir o trabalho, e
repartir os esforços dos homens e máquinas, com a máxima vantagem,
em muitos casos e necessário operar em grande escala; por outras
palavras, produzir as utilidades em grandes quantidades. E essa
vantagem que dá existência às grandes manufaturas, de que umas
poucas, instaladas nos locais mais convenientes, freqüentemente
abastecem não um país, porém muitos, com a quantidade desejada da
utilidade produzida."[N9]
- Assim falou Mill.
Toda a moderna Economia Política, entretanto, está acorde em que a divisão
do trabalho e riqueza da produção, a divisão do trabalho e acumulação de capital,
determinam-se mutuamente; e também que só a propriedade privada livre e
autônoma pode produzir a mais eficaz e extensiva divisão do trabalho.
O raciocínio de Adam Smith pode ser sintetizado da seguinte forma: a divisão
do trabalho confere a este uma capacidade de produção ilimitada. Ela se origina da
propensão a trocar e barganhar, uma propensão especificamente humana que
provavelmente não é acidental porém determinada pelo uso da razão e da fala. O
motivo dos que se empenham nas trocas não é a bondade, mas o egoísmo. A
diversidade dos talentos humanos é mais o efeito que a causa da divisão do
trabalho, i. é, do intercâmbio. Ademais, é só a última que torna útil essa
diversidade. As qualidades particulares das diferentes tribos dentro de uma
espécie animal são naturalmente mais pronunciadas que as diferenças de aptidões
e atividades dos seres humanos. Mas como os animais não são capazes de
estabelecer troca, a diversidade de atributos dos animais da mesma espécie,
porém de tribos diferentes, não beneficia qualquer animal individualmente. Os
animais são incapazes de combinar as varias qualidades de sua espécie, ou de
contribuir para a superioridade e conforto comum da espécie. Dá-se o contrario
com os homens, cujos mais diversos talentos e formas de atividade são úteis uns
53
aos outros, porque eles podem reunir seus diferentes produtos em um cabedal
comum, de que cada homem pode comprar. Como a divisão do trabalho surge da
propensão a trocar, ela se desenvolve e é limitada pela extensão da troca, pela
extensão do mercado. Em condições adiantadas, todo homem é um mercador e a
sociedade é uma associação comercial. Say encara a troca como acidental e não
fundamental. A sociedade poderia existir sem ela. Torna-se indispensável em um
estágio adiantado da sociedade. Todavia, a produção não pode ocorrer sem ela. A
divisão do trabalho é um meio cômodo e útil, um hábil desdobramento das
faculdades humanas para a riqueza social, mas diminui a capacidade de cada
pessoa considerada individualmente. O último comentário é um progresso da parte
de Say.
Skarbek distingue as faculdades inatas individuais do homem, inteligência e
capacidade física para trabalhar, das oriundas da sociedade - troca e divisão do
trabalho, que se determinam mutuamente. A condição prévia indispensável da
troca, porém, é a propriedade privada. Skarbek exprime aqui objetivamente o que
dizem Smith, Say, Ricardo, etc., ao designar o egoísmo e o interesse próprio como
base da troca e o regateio comercial como a forma de troca essencial e adequada.
Mill representa o comércio como conseqüência da divisão do trabalho. Para
ele, a atividade humana reduz-se a movimento mecânico. A divisão do trabalho e o
uso de maquinaria promovem a abundância da produção. A cada indivíduo deve
ser dada a menor amplitude possível de operações. A divisão do trabalho e o uso
de maquinaria, por sua vez, exigem a produção em massa da riqueza, i. é, de
produtos. Essa é a razão para a manufatura em larga escala.
(XXXVIII) A consideração da divisão do trabalho e da troca é do máximo
interesse, posto que são a expressão perceptível, alienada, da atividade e
capacidades humanas como a atividade e as capacidades próprias de uma espécie.
Declarar que a propriedade privada é a base da divisão do trabalho e da troca
é simplesmente afirmar que o trabalho é a essência da propriedade privada; uma
afirmação que o economista não pode provar e que desejamos provar para ele. É
precisamente no fato de a divisão do trabalho e da troca serem manifestações da
propriedade privada que encontramos a prova, primeiro de que a vida humana
necessitava da propriedade privada para sua realização, e, segundo, que ela agora
exige a revogação da mesma.
54
A divisão do trabalho e a troca são os dois fenômenos que levam o economista
a gabar o caráter social de sua ciência, enquanto, ao mesmo tempo,
inconscientemente exprime a natureza contraditória dessa ciência - o
estabelecimento da sociedade graças a interesses não-sociais, particulares.
Os fatores que temos de considerar agora são os seguintes: a propensão a
trocar - cuja base é o egoísmo - é encarada como a causa do efeito recíproco da
divisão do trabalho. Say considera a troca como não sendo fundamental para a
natureza da sociedade. A riqueza e a produção são explicadas pela divisão do
trabalho e pela troca. O empobrecimento e o desnaturamento da atividade
individual devido a divisão do trabalho, são admitidos. A troca e a divisão do
trabalho são reconhecidas como as fontes da grande diversidade dos talentos
humanos, que por sua vez se torna útil em decorrência da troca. Skarbek distingue
duas partes nas faculdades produtivas dos homens: 1) as aptidões específicas ou
habilidades, as individuais e inatas, e a sua inteligência; 2) as provindas não do
indivíduo real, mas da sociedade - a divisão do trabalho e a troca. Além disso, a
divisão do trabalho é limitada pelo mercado. O trabalho humano é simples
movimento mecânico; a maior parte é feita pelas propriedades materiais dos
objetos. O menor número possível de operações deve ser atribuído a cada
indivíduo. Fissão do trabalho e concentração do capital; a nulidade da produção do
indivíduo e a produção em massa de riqueza. Significado da propriedade privada
livre na divisão do trabalho.
Notas:
[2] Uma parte da página está rasgada neste ponto, e seguem-se fragmentos de seis linhas
que são insuficientes para reconstruir a passagem. - Nota do T. (retornar ao texto)
[3] O fim da página está rasgado e faltam várias linhas do texto. - Nota do T. (retornar ao
texto)
[4] As passagens seguintes são de A Riqueza das Nações, Livro I, Cap. II, III e IV. Marx
refere-se à tradução francesa: Recherches sur la nature et les causes de la richesse des
nations, por Adam Smith. Marx cita com omissões e em alguns casos, parafraseia o texto
original, usando a edição Everyman, colocando dentro de colchetes as partes que foram
parafraseadas. - Nota do T. (retornar ao texto)
55
[5] Destutt de Tracy, Éléments d'idéologie. Traité de Ia volonté et ses effets:, Paris, 1826,
págs. 68, 78. (retornar ao texto)
[6] Jean-Baptiste, Say, Traité d'économie politique. 3éme édition, Paris, 1817. T. I, pág.
300. (retornar ao texto)
[7] Ibid, pág. 76. (retornar ao texto)
[8] F. Skarbek, Théorie des richesses sociales, suivie d'une bibliographie de l'économie
politique, Paris, 1829, T. I, págs. 25-27. (retornar ao texto)
[9 ] James Mill, Elemeats of Political Economy, Londres, 1821. Marx cita da traduçao
francesa por J. T. Parisot (Paris, 1823). - Nota do T. (retornar ao texto)
Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Terceiro Manuscrito
Dinheiro
(XLI) Se os sentimentos, paixões, etc. do homem não são meras características
antropológicas no sentido mais restrito, mas sim afirmações verdadeiramente
ontológicas do ser (natureza), e se só são realmente afirmadas na medida em que
seu objetivo existe como um objeto dos sentidos, então é evidente:
(1) que seu modo de afirmação não e um só e imutável, mas, antes, que os
diversos modos de afirmação constituem o caráter distintivo de sua existência, de
sua vida. A maneira pela qual o objeto existe para eles é a forma distintiva de sua
gratificação;
(2) onde a afirmação sensorial é uma anulação direta do objeto em sua forma
independente (como ao beber, comer, trabalhar um objeto, etc), esta é a afirmação
do objeto;
56
(3) na medida em que o homem, e daí também seus sentimentos, etc., são
humanos, a afirmação do objeto por outra pessoa também é sua gratificação
própria;
(4) só por meio da indústria evoluída, i. é, por meio da propriedade privada,
concretiza-se a essência ontológica das paixões humanas, em sua totalidade e
humanidade; a própria ciência do homem é um produto da autoformação do
homem graças à atividade prática;
(5) o significado da propriedade privada - liberta de sua alienação - é a
existência de objetos essenciais ao homem, como objetos de divertimento e
atividade.
O dinheiro, já que possui a propriedade de comprar tudo, de apropriar objetos
para si mesmo, é, por conseguinte o object par excellence . O caráter universal
dessa propriedade corresponde à onipotência do dinheiro, que é encarado como
um ser onipotente. . . o dinheiro é a proxeneta entre a necessidade e o objeto,
entre a vida humana e os meios de subsistência. Mas, o que serve de medianeiro à
minha vida também serve à existência de outros homens para mim. Ele é para mim
a outra pessoa.
"Com a breca! pernas, braços peito,
Cabeça, sexo, aquilo é teu;
Mas, tudo o que, fresco, aproveito,
Será por isso menos meu?
Se podes pagar seis cavalos,
As suas forças não governas?
Corres por morros, clivos, valos,
Qual possuidor de vinte e quatro pernas."
(GOETHE, Fausto, Mefistófeles)[N10]
Shakespeare em Tímon de Atenas:
"Que é isto? Ouro? Ouro amarelo, brilhante, precioso? Não, deuses: eu
não faço protestos vãos. Raízes quero, ó céus azuis! Um pouco disto
tornaria o preto branco; o feio, belo; o injusto, justo; o vil, nobre; o
velho, novo; o covarde, valente. Mas, oh, ó deuses! por que é isso? isto
que é, deuses? Isto fará com que os vossos sacerdotes e os vossos
servos se afastem de vós; isto fará arrancar o travesseiro de debaixo
das cabeças dos homens fortes. Este escravo amarelo fará e desfará
57
religiões; abençoará os réprobos; fará prestar culto à alvacenta lepra;
assentará ladrões, dando-lhes título, genuflexões e aplauso, no mesmo
banco em que se assentam os senadores; isto é que faz com que a
inconsolável viuva contraia novas núpcias; e com que aquela, que as
úlceras purulentas e os hospitais tornavam repugnante, fique outra vez
perfumada e apetecível como um dia de abril. Anda cá, terra maldita,
meretriz, comum a toda a espécie humana, que semeia a desigualdade
na turba-malta das nações, vou devolver-te à tua verdadeira natureza."
E mais adiante:
"Ó tu, amado regicida; caro divorciador da mútua afeição do filho e do
pai; brilhante corruptor dos mais puros leitos do Himeneu! valente
Marte! tu, sempre novo, viçoso, amado galanteador, cujo brilho faz
derreter a virginal neve do colo de Diana! tu, deus visível, que tornas
os impossíveis fáceis, e fazes como que se beijem! que em todas as
línguas te explicas para todos os fins! Ó tu, pedra de toque dos
corações! trata os homens, teus escravos, como rebeldes, e, pela tua
virtude, arremessais a todos em discórdias devoradoras, a fim de que
as feras possam ter o mundo por império!"[N11]
Shakespeare retrata admiravelmente a natureza do dinheiro. Para entendê-lo,
comecemos interpretando o trecho de Goethe.
O que existe para mim por intermédio do dinheiro, aquilo por que eu posso
pagar (i. é, que o dinheiro pode comprar), tudo isso sou eu, o possuidor de meu
dinheiro. Meu próprio poder é tão grande quanto o dele. As propriedades do
dinheiro são as minhas próprias (do possuidor) propriedades e faculdades. O que
eu sou e posso fazer, portanto, não depende absolutamente de minha
individualidade. Sou feio, mas posso comprar a mais bela mulher para mim.
Consequentemente, não sou feio, pois o efeito da feiúra, seu poder de repulsa, é
anulado pelo dinheiro. Como indivíduo sou coxo, mas o dinheiro proporciona-me
vinte e quatro pernas; logo, não sou coxo. Sou um homem detestável, sem
princípios, sem escrúpulos e estúpido, mas o dinheiro é acatado e assim também o
seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo, e por isso seu possuidor é bom. Além
do mais, o dinheiro poupa-me do trabalho de ser desonesto; por conseguinte, sou
presumivelmente honesto. Sou estúpido, mas como o dinheiro é o verdadeiro
cérebro de tudo, como poderá seu possuidor ser estúpido? Outrossim, ele pode
comprar pessoas talentosas para seu serviço e não é mais talentoso que os
58
talentosos aquele que pode mandar neles? Eu, que posso ter, mediante o poder do
dinheiro, tudo que o coração humano deseja, não possuo então todas as
habilidades humanas? Não transforma meu dinheiro, então, todas as minhas
incapacidades em seus contrários?
Se o dinheiro é o laço que me prende à vida humana, e a sociedade a mim, e
me liga à natureza e ao homem, não é ele o laço de todos os laços? Não é ele
também, portanto, o agente universal da separação? Ele é o meio real tanto de
separação quanto de união, a força galvano-química da sociedade.
Shakespeare ressalta particularmente duas propriedades do dinheiro:
(1) ele é a divindade visível, a transformação de todas as qualidades humanas e
naturais em seus antônimos, a confusão e inversão universal das coisas; ele
converte a incompatibilidade em fraternidade;
(2) ele é a meretriz universal, o alcoviteiro universal entre homens e nações.
O poder de inverter e confundir todos os atributos humanos e naturais, de
levar os incompatíveis a confraternizarem, o poder divino do dinheiro reside em
seu caráter como a vida espécie alienada e auto-alienadora do homem. Ele é a
força alienada da humanidade.
O que sou incapaz de fazer como homem, e, pois, o que todas as minhas
faculdades individuais são incapazes de fazer, me é possibilitado pelo dinheiro. O
dinheiro, por conseguinte, transforma cada uma dessas faculdades em algo que ela
não é, em seu antônimo.
Se estou com vontade de comer, ou desejo de viajar na diligência da posta por
não ser bastante forte para ir a pé, o dinheiro proporciona-me a refeição e a
diligência, i. é, ele transforma meus desejos de representações em realidades, de
seres imaginários em seres reais. Atuando assim como mediador, o dinheiro é uma
força genuinamente criadora.
A procura também existe para o indivíduo sem dinheiro, mas sua procura é
mera criatura da imaginação, que não tem efeito nem existência para mim, para
um terceiro, para. . . (XLIII) e que, assim, permanece irreal e sem objeto. A
diferença entre a procura efetiva, apoiada pelo dinheiro, e a inefetiva, baseada em
minhas necessidades, minha paixão, meu desejo, etc., é a diferença entre ser e
59
pensar, entre a representação meramente interior e a representação existente fora
de mim mesmo como objeto real.
Se não disponho de dinheiro para viajar, não tenho necessidade - nenhuma
necessidade real e auto-realizável - de viajar. Se tenho vocação para estudar, mas
não disponho do dinheiro para isso, então não tenho vocação, i. é, não tenho
vocação efetiva, legítima. O dinheiro é o meio e poder, externo e universal (não
oriundo do homem como homem ou da sociedade humana como sociedade) para
mudar a representação em realidade e a realidade em mera representação. Ele
transforma faculdades humanas e naturais reais em meras representações
abstratas, i. é, imperfeições e torturantes quimeras; e, por outro lado, transforma
imperfeições e fantasias reais, faculdades deveras importantes e só existentes na
imaginação do indivíduo, em faculdades e poderes reais. A esse respeito, portanto,
o dinheiro é a inversão geral das individualidades, convertendo-as em seus opostos
e associando qualidades contraditórias às qualidades delas.
O dinheiro, então, aparece como uma força demolidora para o indivíduo e para
os laços sociais, que alegam ser entidades auto-subsistentes. Ele converte a
fidelidade em infidelidade, amor em ódio, ódio em amor, virtude em vício, vício em
virtude, servo em senhor, boçalidade em inteligência e inteligência em boçalidade.
Posto que o dinheiro, como conceito existente e ativo do valor, confunde e
troca tudo, ele é a confusão e transposição universais de todas as coisas, o mundo
invertido, a confusão e transposição de todos os atributos naturais e humanos.
Aquele que pode comprar a bravura é bravo, malgrado seja covarde. O
dinheiro não é trocado por uma qualidade particular, uma coisa particular ou uma
faculdade humana especifica, porém por todo o mundo objetivo do homem e da
natureza. Assim, sob o ponto de vista de seu possuidor, ele troca toda qualidade e
objeto por qualquer outro, ainda que sejam contraditórios. Ele é a confraternização
dos incomparáveis; força os contrários a abraçarem-se.
Suponhamos que o homem seja homem e que sua relação com o mundo seja
humana. Então, o amor só poderá ser trocado por amor, confiança, por confiança,
etc. Se se desejar apreciar a arte, será preciso ser uma pessoa artisticamente
educada; se se quiser influenciar outras pessoas, será mister se ser uma pessoa
que realmente exerça efeito estimulante e encorajador sobre as outras. Todas as
nossas relações com o homem e com a natureza terão de ser uma expressão
específica, correspondente ao objeto de nossa escolha, de nossa vida individual
60
real. Se você amar sem atrair amor em troca, i. é, se você não for capaz, pela
manifestação de você mesmo como uma pessoa amável, fazer-se amado, então seu
amor será impotente e um infortúnio.
Notas:
[10] Goethe, Fausto, Parte 1, Cena 4. Esta passagem foi tirada da trad. por Bayard Taylor,
The Modem Library, Nova York, 1950 - N. do T (N. do T. - Em português, recorremos à
trad. de Jenny Klabin Segail, S. Paulo, Instituto Progresso Editorial, 1949, pàg. 106.)
(retornar ao texto)
[11] Shakespeare, Timon of Athens, Act Iv, Scene 3. Marx citou a traduçao (alemã) de
Schlegel-Tieck. - Nota do T. (N. do T. - Recorremos à tradução portuguesa de Henrique
Braga, Pôrto, Livraria Chardron, de Leilo & Irmao, 1913, págs. 119 e 145.) (retornar ao
texto)
Manuscritos Econômico-Filosóficos
Karl Marx
Terceiro Manuscrito
Crítica da Filosofia Dialética e Geral de Hegel
(6) Este talvez seja um ponto apropriado a explicar e substanciar o que foi dito,
e a tecer certos comentários gerais a respeito da dialética de Hegel, especialmente
como se acha exposta na Fenomenologia e na Lógica, e a respeito de sua relação
com o moderno movimento crítico.
A crítica alemã moderna tem estado tão preocupada com o passado, e tão
tolhida por seu enredamento com o tema, que tinha uma atitude totalmente pouco
crítica face aos métodos de crítica e ignorava completamente a pergunta, em parte
61
formal, mas de fato essencial qual nossa posição relativamente à dialética
hegeliana? Essa ignorância da relação da crítica moderna com a filosofia geral de
Hegel, e em particular com a dialética, era tão grande que críticos como Strauss e
Bruno Bauer (o primeiro em todos os seus trabalhos; o último em seu Synoptiker,
onde em oposição a Strauss, ele substitui a "autoconsciência" do homem abstrato
pela substância da - "natureza abstrata", e mesmo em Das entdeckte Christentum)
viram-se, pelo menos implicitamente, presos na armadilha da lógica hegeliana.
Assim, por exemplo, em Das entdeckte Christentum, argumenta-se: "Como se a
autoconsciência ao postular o mundo, o que é diferente, não se produzisse a si
mesma ao produzir seu objeto; pois então ela anula a diferença entre si mesma e o
que produziu, já que só tem existência nessa criação e movimento, só tem sua
finalidade nesse movimento, etc." Ou então: "Eles (os materialistas franceses) não
podiam ver que o movimento do universo só se tornou real e unificado em si
mesmo na medida em que é o movimento da autoconsciência." Essas expressões
não só não diferem do conceito hegeliano, como o reproduzem textualmente.
(XII) Quão pouco esses autores, ao empreenderem sua crítica (Bauer em seu
Synoptiker) se davam conta de sua relação com a dialética de Hegel, e quão pouco
essa percepção brotou de sua crítica, é demonstrado por Bauer em seu Gute Sache
der Freiheit quando, em vez de responder à pergunta indiscreta feita por Gruppe,
"E agora, o que fazer com a lógica?", ele a transfere a futuros críticos.
Agora que Feuerbach, em sua "Thesen" em Anecdotis, e com maior minúcia em
sua Philosophie der Zukunft, demoliu o princípio interior da dialética e da filosofia
antigas, a "Escola Crítica", que foi incapaz de fazer isso por si mesma mas viu-o
realizado, proclamou-se a crítica pura, decisiva, absoluta e finalmente esclarecida,
e em sua soberba espiritual reduziu todo o movimento histórico à relação existente
entre ela mesma e o resto do mundo, enquadrado na categoria de a massa". Ela
reduziu todas as antíteses dogmáticas a única antítese dogmática entre sua
própria sagacidade e a estupidez do mundo, entre o Cristo crítico e a humanidade -
a ralé. Em todos os instantes do dia, demonstrou sua própria excelência vis-à-vis a
estultícia da massa, e anunciou, finalmente, o juízo final crítico, proclamando estar
iminente o dia em que toda a humanidade decaída se reunirá diante dela e será
dividida em grupos, a cada um dos quais será entregue o respectivo testimoniu
paupertatis (certificado de pobreza). A Escola Critica tornou pública sua
superioridade sobre todos os sentimentos humanos e o mundo, acima do qual ela
está sentada num trono em sublime solidão, contente de ocasional mente deixar
escapar dos lábios o riso dos deuses do Olimpo. Após todas essas momices
divertidas do idealismo (do Jovem Hegelianismo) que está expirando sob a forma 62
de crítica, a Escola Crítica ainda nem insinuou até agora ser necessário examinar
criticamente sua própria fonte, a dialética de Hegel, nem deu qualquer indicação
de sua relação com a dialética de Feuerbach. Esse é um procedimento
completamente desprovido de senso crítico.
Feuerbaché a única pessoa que tem uma relação séria e critica com a dialética
de Hegel, efetuou descobrimentos verdadeiros nesse campo e, acima de tudo,
levou de vencida a velha filosofia. A grandeza do feito de Feuerbach e a modesta
simplicidade com que apresenta sua obra ao mundo, contrastam incrivelmente
com a conduta de outros:
A grande realização de Feuerbach é:
(1) ter mostrado a filosofia nada mais ser do que a religião trazida para o
pensamento e desenvolvida por este, de vendo ser igualmente condenada como
outra forma e modo de existência da alienação humana;
(2) ter lançado os fundamentos do materialismo genuíno e da ciência positiva,
ao fazer da relação social de "homem com homem" o principio básico de sua teoria;
(3) ter-se oposto à negação da negação que alega ser o positivo absoluto um
princípio auto-suficiente, positivamente baseado em si mesmo.
Feuerbach explica a dialética de Hegel e, ao mesmo tempo, justifica a adoção
do fenômeno positivo, aquele que é perceptível e indubitável, como ponto de
partida, da seguinte maneira: Hegel principia pela alienação da substância
(logicamente, pelo infinito, pelo universal abstrato), pela abstração absoluta e fixa;
i. é, em linguagem comum, pela religião e pela teologia. Em segundo lugar,
cancela o infinito e postula o real, o perceptível, o finito e o particular. (Filosofia,
cancelamento da religião e da teologia.) Em terceiro lugar, a seguir revoga o
positivo e restabelece a abstração, o infinito. (Restabelecimento da religião e da
teologia.)
Destarte, Feuerbach concebe a negação da negação como sendo apenas uma
contradição dentro da própria filosofia, que afirma a teologia (transcendência, etc.)
após tê-la anulado, e assim a afirma em oposição à filosofia.
Pois o postulado ou auto-afirmação e autoconfirmação implícito na negação da
negação é encarado como um postulado ainda incerto, oprimido pelo seu contrário,
duvidando de si mesmo e por isso incompleto, não demonstrado por sua própria
63
existência, e implícito. (XIII) O postulado perceptualmente indubitável e alicerçado
em si mesmo, opõe-se-lhe diretamente.
Ao conceber a negação da negação, sob o aspecto da relação positiva a ela
inerente, como a única verdadeiramente positiva, e sob o aspecto da relação
negativa a ela inerente, como o único ato verdadeiro, e que se confirma a si
próprio, de todo o ser, Hegel descobriu simplesmente uma expressão abstrata,
lógica e especulativa do processo histórico, que ainda não é a verdadeira história
do homem como um dado sujeito, mas apenas a história do ato de criação, da
gênese do homem.
Explicaremos tanto a forma abstrata desse processo quanto a diferença entre o
processo como foi ideado por Hegel e pela crítica moderna, e por Feuerbach em
Das Wesen des Christentums; ou melhor, a forma crítica desse processo, ainda tão
pouco crítico em Hegel.
Examinemos o sistema de Hegel. É necessário começar pela Fenomenologia,
porque aí nasceu a filosofia de Hegel e aí seu segredo tem de ser descoberto.
Fenomenologia
A. Autoconsciência
1. Consciência.
(a) Certeza da experiência sensorial, ou o "isto" e o significado.
(b) Percepção, ou a coisa com suas propriedades, e ilusão.
(c) Poder e compreensão, fenômenos e o mundo supra-sensível.
II. Autoconsciência. A verdade da certeza de si mesmo.
(a) Independência e dependência da autoconsciência, dominação e
servidão.
(b) Liberdade da autoconsciência. Estoicismo, ceticismo, a consciência
infeliz.
III. Razão. Certeza e verdade da razão.
(a) Razão perceptível: observação da natureza e da autoconsciência.
(b) Auto-realização da autoconsciência racional. Prazer e necessidade. A
lei do coração e o frenesi da vaidade. A virtude e a trajetória do mundo.
(c) A individualidade que é real em si e para si mesma. O reino animal
espiritual e a burla, ou a própria coisa. Razão legislativa. Razão que põe
à prova as leis.
B. Espirito
I- Espírito verdadeiro; moral consuetudinária.
II- Espírito auto-alienado; cultura.
III- O espírito certo de si mesmo; moral.
C. Religião 64
Religião natural, a religião da arte, religião revelada.
D. Conhecimento absoluto.
A Encyclopaedia de Hegel começa com a lógica, com o pensamento
especulativo puro, e termina com o conhecimento absoluto, a inteligência filosófica
ou absoluta, autoconsciente e capaz de conceber a si mesma, i. é, a inteligência
sobre-humana, abstrata. O conjunto da Encyclopaedia nada mais é que o ser
prolongado da inteligência filosófica, sua auto-objetificação; e a inteligência
filosófica nada mais é do que a inteligência alienada do mundo pensando dentro
dos limites de sua auto-alienação, i. é., concebendo-se a si mesma de forma
abstrata. A lógica é o dinheiro da mente, o valor-pensamento especulativo do
homem e da natureza cuja essência é indiferente a qualquer caráter real
determinado e, portanto, irreal; o pensamento que é alienado e abstrato e ignora o
homem e a natureza reais. O caráter externo desse pensamento abstrato. . . a
natureza como existe para esse pensamento abstrato. A natureza é externa a ele,
uma privação dele mesmo, e só concebida como algo externo, como pensamento
abstrato, mas pensamento abstrato alienado. Finalmente, o espírito, esse
pensamento retornando à própria origem e que, como espírito antropológico,
fenomenológico, psicológico, consuetudinário, artístico-religioso, não é válido para
si mesmo até se descobrir e relacionar-se com conhecimento absoluto no espírito
absoluto (i. é, abstrato), quando recebe sua existência consciente e adequada. Pois
seu verdadeiro modo de existência é a abstração.
Hegel comete um duplo erro. O primeiro aparece mais claramente na
Fenomenologia o berço de sua filosofia. Quando Hegel concebe a riqueza, o poder
do Estado, etc., como entidades alienadas do ser humano, ele as concebe somente
em sua forma de noções. Elas são entes de razão e, assim, simplesmente uma
alienação do pensamento puro (i. é, filosófico abstrato). O movimento inteiro, por
conseguinte, acaba no conhecimento absoluto. É exatamente o pensamento
abstrato de que esses objetos se acham alienados e enfrentam com sua presunçosa
realidade. O filósofo, ele próprio uma forma abstrata de homem alienado, instala-se
a si mesmo como a medida do mundo alienado. Toda a história da alienação, e do
retraimento da alienação, portanto, é apenas a história da produção de
pensamento abstrato, i. é, de pensamento absoluto, lógico, especulativo. O
alheamento, que assim forma o verdadeiro interesse dessa alienação e da
revogação dessa alienação, é a oposição de em si e para si, de consciência e
autoconsciência, de objeto e sujeito, i. é, a oposição, no próprio pensamento, entre
pensamento abstrato e realidade sensível ou existência sensorial real. Todas as
outras contradições e movimentos são a mera aparência, a máscara, a forma
65
exotérica desses dois opostos, os únicos importantes e que constituem a
significância do outro, contradições profanas. Não é o fato de o ser humano
objetificar-se desumanamente, em oposição a si mesmo, mas o de ele objetificar-se
distinguindo-se e opondo-se ao pensamento abstrato, que constitui alienação como
existe e como tem de ser transcendida.
(XVIII) A apropriação das faculdades objetificadas e alienadas do homem é,
pois, em primeiro lugar, apenas uma apropriação efetuada na consciência, no
pensamento puro, i. é, em abstração. E a apropriação desses objetos como
pensamentos e como movimentos do pensamento. Por essa razão, a despeito de
sua aparência perfeitamente negativa e crítica, e a despeito da critica genuína nela
encerrada freqüentemente antecipar progressos ulteriores, já estão implícitos na
Fenomenologia, como germe, potencialidade e segredo, o positivismo e idealismo
não-críticos de obras posteriores de Hegel - a dissolução filosófica e restauração do
mundo empírico existente. Em segundo lugar, a defesa do mundo objetivo para o
homem (por exemplo, o reconhecimento da percepção dos sentidos não ser
percepção sensorial abstrata, mas percepção sensorial humana, de a religião, a
riqueza, etc., serem apenas a realidade alienada da objetificação humana, de
faculdades humanas postas em ação e, portanto, um caminho para a realidade
humana genuína), essa apropriação, ou o discernimento desse processo, aparece
em Hegel como o reconhecimento do sensacionalismo, religião, poder estatal, etc.,
como fenômenos mentais, pois só a mente é a verdadeira essência do homem, e a
verdadeira forma da mente é a mente pensante, a mente lógica e especulativa. O
caráter humano da natureza, da natureza produzida historicamente, dos produtos
do homem, é demonstrado por eles serem produtos da mente abstrata e, pois,
fases da mente, entes de razão. A Fenomenologia é uma crítica velada, obscura e
mistificadora, mas, na medida em que concebe a alienação do homem (conquanto o
homem apareça exclusivamente como mente) todos os elementos da crítica acham-
se nela contidos, e são amiúde apresentados e trabalhados de forma que
ultrapassa de longe o ponto de vista do próprio Hegel. As seções dedicadas à
consciência infeliz", à "consciência honesta", à porfia entre a consciência "nobre" e
a "vil", etc., etc., encerram os elementos críticos (se bem que ainda sob forma
alienada) de áreas inteiras, como a religião, o Estado, a vida civil, etc. Assim como
a entidade, o objeto, aparece como um ente de razão, também o sujeito é sempre a
consciência ou autoconsciência; ou melhor, o objeto aparece apenas como
consciência abstrata e o homem como autoconsciência. Assim, as formas
distintivas da alienação manifestadas são meras formas diferentes de consciência e
autoconsciência. Com a consciência abstrata (a forma em que o objeto é
66
concebido) é em si mesma unicamente um momento distintivo da autoconsciência,
o resultado do movimento é a identidade de autoconsciência e consciência -
conhecimento absoluto - o movimento do pensamento abstrato não se voltando
para fora, mas para dentro de si mesmo; i. é, daí resulta a dialética do pensamento
puro.
(XXIII) A proeza extraordinária da Fenomenologia de Hegel - a dialética do
negativismo como principio motor e criador - é, primeiramente, Hegel perceber a
autocriação do homem como um processo, a objetificação como perda do objeto,
como alienação e transcendência dessa alienação, e, por isso, perceber a natureza
do trabalho, e conceber o homem objetivo (verdadeiro, porque real) como o
resultado de seu próprio trabalho. A orientação real, ativa, do homem para si
mesmo como ente-espécie, ou a afirmação de si mesmo como verdadeiro ente-
espécie (i. é, como ser humano) só é possível na medida em que ele de fato põe em
ação todas as potencialidades da espécie (o que somente é possivel graças à
cooperação da humanidade e como produto da História) e trata esses poderes
como objetos, o que de inicio só pode ser feito sob a forma de alienação.
Mostraremos, a seguir, pormenorizadamente, o unilateralismo e as limitações
de Hegel, como são revelados no capitulo final de sua Fenomenologia sobre o
conhecimento absoluto, capítulo esse que contém o espírito concentrado de todo o
livro, sua relação com a dialética, e também a consciência do próprio Hegel quanto
a ambas e à sua inter-relação.
No momento, façamos estas observações preliminares: o ponto de vista de
Hegel é o da moderna Economia Política. Ele concebe o trabalho como a essência,
a essência autoconfirmadora do homem; observa somente o aspecto positivo do
trabalho, não o seu aspecto negativo. O trabalho é a marcha do homem para se
tornar ele próprio dentro da alienação, ou como homem alienado. Assim, o que
acima de tudo constitui a essência da filosofia, a alienação do homem conhecendo-
se a si mesmo, ou a ciência alienada concebendo-se a si mesma, Hegel percebe
como essência dela. Consequentemente, ele fica em condições de reunir os
elementos separados da filosofia anterior e apresentar a sua própria como sendo a
Filosofia. O que outros filósofos fizeram, isto é, conceber elementos isolados da
natureza e da vida humana, como fases da autoconsciência e, deveras, da
autoconsciência abstrata, Hegel sabe por fazer filosofia; por conseguinte, sua
ciência é absoluta.
Passemos agora ao nosso tema:
67
Conhecimento absoluto
O capítulo final da Fenomenologia
O ponto capital é o objeto da consciência nada mais ser do que
autoconsciência, o objeto ser apenas autoconsciência objetificada, autoconsciência
como um objeto. (Homem que postula = autoconsciência.)
É necessário, pois, vencer o objeto da consciência. A objetividade como tal é
considerada apenas uma relação humana alienada não correspondente à essência
do homem, a autoconsciência. A reapropriação da essência objetiva do homem,
produzida como algo alheio ao homem e determinado pela alienação, significa a
revogação não só da alienação mas também da objetividade; isto é, o homem é
visto como um ser não-objetivo, espiritual.
A processo de superação do objeto da consciência é descrito por Hegel da
seguinte maneira: o objeto não se revela apenas como retornando ao Eu (segundo
Hegel, essa é uma concepção unilateral do movimento, considerando somente um
aspecto). O homem e igualado ao eu. O Eu, no entanto, é apenas o homem
concebido abstratamente e produzido por abstração. O homem é auto-referível.
Seu olho, seu ouvido, etc., são auto-referíveis; todas as suas faculdades possuem
essa qualidade de auto-referência. É inteiramente falso, todavia, dizer, por isso, "A
autoconsciência tem olhos, ouvidos, faculdades." A autoconsciência é antes uma
qualidade da natureza humana, do olho humano, etc.; a natureza humana não e
uma qualidade da (XXIV) autoconsciência.
O Eu, abstraído e determinado por si mesmo, é o homem como um egoísta
abstrato, egoísmo puramente abstrato elevado ao plano do pensamento.
(Voltaremos a esse ponto mais adiante.)
Para Hegel, a vida humana, o homem, é equivalente a autoconsciência. Toda a
alienação da vida humana é, assim, nada mais que alienação da autoconsciência. A
alienação da autoconsciência não é vista como a expressão, refletida no
conhecimento e no pensamento, da verdadeira alienação da vida humana. Ao
invés, a alienação efetiva, que parece real, em sua mais íntima natureza oculta
(que é pela primeira vez desvendada pela filosofia) é apenas a existência
fenomenal da alienação da vida humana real, da autoconsciência. A ciência que
abrange isso é, por conseguinte, denominada Fenomenologia. Toda reapropriação
da vida objetiva alienada aparece, assim, como uma incorporação à
autoconsciência. A pessoa que se apodera do ser humano é apenas a
68
autoconsciência que se apodera do ser objetivo; a volta do objeto para dentro do
Eu, portanto, é a reapropriação do objeto.
Expressa de maneira mais lata, a revogação do objeto da consciência significa:
(1) que o objeto como tal se apresenta à consciência como algo que desaparece; (2)
que é a alienação da autoconsciência que estabelece o característico de "coisa"; (3)
que essa alienação tem significado positivo assim como negativo; (4) que ela tem
esse significado não apenas para nós ou em si, mas também para a própria
autoconsciência; (5) que para a autoconsciência a negação do objeto, sua
revogação, tem significado positivo, ou a autoconsciência conhece a nulidade do
objeto porquanto ela se aliena a si mesma, pois nessa alienação ela se estabelece
como objeto ou, em prol da união indivisível de existir por si mesma, estabelece o
objeto como ela própria; (6) que, por outro lado, esse outro "momento" está
igualmente presente, a auto consciência revogou e reabsorveu essa alienação
objetivamente, e está, assim, em casa em seu outro ser como tal; (7) que esse e o
movimento da consciência, e esta é, então, a totalidade de seus "momentos"; (8)
que, analogamente, a consciência deve ter-se relacionado com o objeto em todas
as suas determinações, e tê-lo concebido em função de cada uma delas. Essa
totalidade de determinações faz o objeto intrinsecamente, um ser espiritual, e ele
se torna assim, deveras, para a consciência, pela apreensão de cada uma dessas
determinações como o Eu, ou pelo que foi anteriormente chamado de atitude
espiritual para com elas.
ad (1) Que o objeto como tal se apresenta à consciência como algo que
desaparece, é a acima mencionada volta do objeto para o Eu.
ad (2) A alienação da autoconsciência estabelece o característico de "coisa".
Porque o homem se iguala à autoconsciência, seu ser objetivo alienado ou "coisa" e
equivalente à autoconsciência alienada, e essa alienação estabelece a situação de
"coisa". ("Coisa" é o que é um objeto para ele, e um objeto para ele só é realmente
aquilo que é um objeto essencial, consequentemente essência objetiva dele mesmo.
E como ela não é o homem verdadeiro, nem sua natureza - o homem sendo
natureza humana - que se torna como tal um sujeito, mas apenas uma abstração do
homem, a autoconsciência, a "coisa" só pode ser autoconsciência alienada.) É bem
compreensível um ser natural, vivo, dotado de faculdades objetivas (i. é, materiais)
ter objetos naturais reais de seu ser, e igualmente sua auto-alienação ser o
estabelecimento de um mundo objetivo, real, mas sob a forma de exterioridade,
como um mundo que não pertence a, e domina, o seu ser. Nada há de ininteligível
ou de misterioso acerca disso. O inverso, sim, seria misterioso. Mas, é igualmente
69
claro que uma autoconsciência, i. é, sua alienação, só pode estabelecer a situação
de "coisa", i. é, somente uma coisa abstrata, uma coisa criada pela abstração e não
uma coisa real. É claro (XXVI), ademais, que a situação de "coisa" carece
totalmente de independência, em ser, vis-à-vis, a autoconsciência; e um mero
construto estabelecido pela autoconsciência. E o que é estabelecido não é
confirmável por si mesmo; é a confirmação do ato de estabelecimento que, por um
instante, e só por um instante, fixa sua energia como produto e, aparentemente,
confere-lhe o papel de ser independente e real.
Quando o homem real, corpóreo, com os pés firmemente plantados no chão,
aspirando e expirando todas as forças da natureza, postula suas faculdades
objetivas reais, como resultado de sua alienação, como objetos alienados, o
postulador não é o sujeito desse ato mas a subjetividade da faculdade objetiva cuja
ação, pois, também deve ser objetiva. Um ser objetivo age objetivamente, e não
agiria objetivamente se a objetividade não fizesse parte de seu ser essencial. Ele
cria e estabelece apenas objetos porque é estabelecido por objetos e porque é
fundamentalmente natural. No ato de estabelecer, não desce de sua "atividade
pura" para a criação de objetos; seu produto objetivo simplesmente confirma sua
atividade objetiva, sua atividade como ser natural, objetivo.
Vemos aqui como o naturalismo ou humanismo coerente se distingue tanto do
idealismo como do materialismo e, ao mesmo tempo, constitui a sua verdade
unificadora. Vemos, também, como só o naturalismo está em condições de
compreender o processo da história mundial.
O homem é diretamente um ser natural. Como tal, e como ser natural vivo, ele
é, de um lado, dotado de poderes e forças naturais, nele existentes como
tendências e habilidades, como impulsos. Por outro lado, como ser natural, dota
dotado de corpo, sensível e objetivo, ele é um ser sofredor, condicionado e
limitado, como os animais e vegetais. Os objetos de seus impulsos existem fora
dele como objetos dele independentes; sem embargo, são objetos das necessidades
dele, objetos essenciais indispensáveis ao exercício e a confirmação de suas
faculdades. O fato de o homem ser dotado de corpo, vivo, real, sensível e objetivo,
com poderes naturais, significa ter objetos reais e sensíveis como objetos de seu
ser, ou só poder expressar seu ser em objetos reais e sensíveis. Ser objetivo,
natural, sensível e, ao mesmo tempo, ter objeto, natureza e sentidos fora de si
mesmo, ou ser ele mesmo objeto, natureza e sentidos para um terceiro, é a mesma
coisa. A fome é uma necessidade natural; ela exige, portanto, uma natureza a ela
extrínseca, um objeto a ela extrínseco, a fim de ser satisfeita e aplacada. A fome e
70
a necessidade objetiva que um corpo tem de um objeto existente fora dele e
essencial para sua integração e a expressão de sua natureza. O sol é um objeto, um
objeto necessário e assegurador de vida para a planta, tal como a planta é um
objeto para o sol, uma expressão do poder vivificador e dos poderes essenciais
objetivos do sol.
Um ser que não tenha sua natureza fora de si mesmo não é um ser natural e
não compartilha da existência da natureza. Um ser sem objeto fora de si mesmo
não é um ser objetivo. Um ser que não seja, ele próprio, o objeto para um terceiro
ser, não possui ser para seu objeto, i. é, não é relacionado objetivamente e seu ser
não é objetivo.
(XXVII) Um ser não-objetivo é um não-ser. Suponhamos um ser que não seja
objeto por si mesmo nem tenha objeto. Em primeiro lugar, um ser assim seria o
único ser; nenhum outro existiria fora dêle, e êle estaria sôzinho e solitário. Pois,
desde que existam objetos fora de mim, logo que eu não esteja só, sou um outro,
uma outra realidade com relação ao objeto exterior a mim. Para êsse terceiro
objeto, portanto, sou uma outra realidade, que não é, i. é, o objeto dele. Supor um
ser que não é objeto de outro, seria supor não existir ser objetivo nenhum. Logo
que tenho um objeto, êsse objeto tem a mim para objeto dêle. Um ser não-objetivo,
porém, é um ser irreal, insensível, meramente concebido; i. e, um ser
simplesmente imaginado, uma abstração. Ser sensorial, i. é, real, é ser um objeto
dos sentidos ou objeto sensorial e, pois, ter objetos sensoriais fora de si mesmo,
obje tos de suas próprias sensações. Ser sensível é sofrer (expe rienciar).
O homem, como ser sensível objetivo, é um ser sofredor, e como sente seu
sofrimento, um ser apaixonado. A paixão é o esfôrço das faculdades do homem
para atingirem seu objetivo.
Contudo, o homem não é apenas um ser natural; êle é um ser natural humano.
Ele é um ser por si mesmo e, portanto, um ente-espécie; como tal, tem de
expressar-se e autenticar-se ao ser assim como ao pensar. Consequentemente, os
objetos humanos não são objetos naturais como se apresentam diretamente, nem é
o sentido humano, como é dado imediata e objetivamente, sensibilidade e
objetividade humanas. Nem a natureza objetiva nem a subjetiva são apresentadas
diretamente de forma adequada ao ser humano. E como tudo o que é natural tem
de ter uma origem, o homem tem então seu processo de gênese, a História, que é
para êle, entretanto, um processo consciente e, portanto, conscientemente
autotranscendente. (Voltaremos a isso mais tarde.)
71
Em terceiro lugar, como êsse estabelecimento da situação de "coisa" e em si
mesmo so' mente uma aparência, um ato que contradiz a natureza da atividade
pura, tem de ser novamente anulado e a situação de "coisa" tem de ser negada.
ad 3, 4, 5, 6. (3) Essa alienação da consciência não tem só significado negativo,
mas também positivo, e (4) tem êsse significado positivo não apenas para nós ou
em si mesma, mas para a própria consciência. (5) Para a consciência a negação do
objeto, ou sua anulação de si mesmo por êsse meio, tem significado positivo; ela
sabe da nulidade do objeto pelo fato de alienar-se a si mesma, porque nesta
alienação ela se conhece como o objeto ou, em benefício da união indivisível do
ser-para-si-mesmo, conhece o objeto como êle próprio. (6) Por outro lado, êsse
outro "momento" está igualmente presente, em que a consciência revogou e
reabsorveu essa alienação e objetividade e está, assim, em casa em seu outro ser
como tal.
Já vimos que a apropriação do ser objetivo alienado, ou a revogação da
objetividade na situação de alienação (que tem de evoluir da não-identidade
indiferente para a alienação antagônica de verdade) significa para Hegel, também,
ou primordialmente, a revogação da objetividade, uma vez que não é o caráter
determinado do objeto mas seu caráter objetivo que é o próbrio da alienação para
a autoconsciência. O objeto, portanto, é negativo, auto-anulador, uma nulidade.
Essa nulidade do objeto tem significado positivo, assim como negativo, para a
consciência, pois êle é a autoconfirmação da não-objetividade, (XXVIII) o caráter
abstrato dêle mesmo. Para a própria consciência, por conseguinte, a nulidade do
objeto tem significado positivo por ela conhecer essa nulidade, ser objetivo, como
sua auto-alienação, e saber que essa nulidade só existe graças à sua auto-
alienação. . .
O modo em que a consciência é, e em que algo é para ela, o conhecimento.
Conhecer é sua única ação. Assim, algo chega a existir para a consciência na
medida em que ela conhece esse algo. Conhecer e sua única relação objetiva. Ela
conhece (ou sabe), então, a nulidade do objeto (i. é, sabe a não-existência da
distinção entre si mesma e o objeto, a não-existência do objeto para ela) por ela
conhecer o objeto como sua auto-alienação. Isso quer dizer, ela conhece a si
mesma (conhece, conhecendo como um objeto) porque o objeto é apenas uma
imagem de um objeto, uma ilusão, que intrinsecamente nada é senão o conhecer-se
que se defrontou consigo mesmo, estabeleceu em face de si mesmo uma nulidade,
um "algo" que não tem existência objetiva fora do próprio conhecimento. O saber
sabe que ao se relacionar com um objeto está apenas fora de si mesmo, aliena-se, e
72
que ele só lhe parece como um objeto; ou, por outras palavras, que aquilo que lhe
aparece como objeto é apenas ele próprio.
Por outro lado, Hegel diz, esse momento" está presente ao mesmo tempo; ou
seja, que a consciência igualmente revogou e reabsorveu essa alienação e
objetividade e, consequentemente, está em casa em seu outro ser como tal. Neste
exame, todas as ilusões da especulação acham-se congregadas.
Primeiro, a consciência - autoconsciência - está em casa em seu outro ser como
tal. Ela está, portanto - se nos abstrairmos da abstração de Hegel e substituirmos a
autoconsciência por autoconsciência do homem - em casa em seu outro ser como
tal. Isso subentende, primeiramente, que a consciência (saber como saber,
pensamento como pensamento) alega ser diretamente o outro de si mesma, o
mundo sensorial, a realidade, a vida; é o pensamento ultrapassando-se a si mesmo
em pensamento (Feuerbach). Este aspecto é nela contido, na medida em que a
consciência como mera consciência não é afrontada pela objetividade alienada mas
pela objetividade como tal.
Em segundo lugar, isso implica no homem autoconsciente, na medida em que
tenha reconhecido e revogado o mundo espiritual (ou o mundo espiritual universal
de existência de seu mundo) o confirmar, a seguir, novamente, nessa forma
alienada e apresentá-lo como sua existência verídica; ele o restabelece e alega
estar em casa em seu outro ser. Assim, por exemplo, após revogar a religião,
quando a reconheceu como produto da auto-alienação, em seguida ele encontra
uma confirmação de si mesmo na religião como religião. Essa é a raiz do falso
positivismo de Hegel, ou de sua meramente aparente crítica; o que Feuerbach
denomina de pressuposto, negação e restabelecimento da religião ou teologia, mas
que tem de ser concebido de maneira mais generalizada. Assim, a razão está em
casa no absurdo como tal. O homem, que reconheceu estar levando uma vida
alienada no direito, política, etc., vive sua vida verdadeiramente humana nessa
vida alienada como tal. A auto-afirmação, em contradição consigo mesma, e com o
conhecimento e a natureza do objeto, é, pois, o verdadeiro conhecimento e vida.
Não pode haver mais dúvida acerca da transigência de Hegel com a religião, o
Estado, etc., pois esta mentira é a mentira de toda sua argumentação.
(XXIX) Se conheço a religião como autoconsciência humana alienada, o que
conheço nela como religião não é minha autoconsciência, porém minha
autoconsciência alienada nela confirmada. Assim, meu próprio eu, e a
73
autoconsciência que e a essência dele, não são confirmados na religião, mas na
abolição e revogação da religião.
Em Hegel, portanto, a negação da negação não é a confirmação do verdadeiro
ser pela negação do ser ilusório. E a confirmação do ser ilusório, ou do ser auto-
alienado em sua negação; ou o repúdio desse ser ilusório como ser objetivo
existente fora do homem e independentemente dele, e sua transformação em
sujeito.
O ato de revogação desempenha parte estranha, onde repúdio e preservação,
repúdio e afirmação, se acham entre-laçados. Assim, por exemplo, na Filosofia do
Direito de Hegel, o direito privado revogado é igual à moral, a moral revogada
igual à família, a família revogada igual à sociedade civil, a sociedade civil
revogada igual ao Estado e o Estado revogado igual à história mundial. Mas,
concretamente, direito privado, moral, a família, a sociedade civil, o Estado, etc.,
permanecem; só se transformaram em "momentos", modos da existência do
homem, sem validade quando isolados mas que mutuamente se dissolvem e geram
um ao outro. Eles são momentos do movimento.
Em sua existência efetiva, essa natureza móvel é escondida. E pela primeira
vez revelada no pensamento, na filosofia em conseqüência, minha verdadeira
existência religiosa e minha existência na filosofia da religião, minha verdadeira
existência política é minha existência na filosofia do Direito, minha verdadeira
existência natural é minha existência na filosofia da natureza, minha verdadeira
existência artística é minha existência na filosofia da arte, e minha verdadeira
existência humana é minha existência na filosofia. Da mesma maneira, a
verdadeira existência da religião, do Estado, da natureza e da arte, é a filosofia da
religião do Estado, da natureza e da arte. Mas, se a filosofia da religião é a única
existência verdadeira da religião, só sou verdadeiramente religioso como filósofo
da religião, e contesto o sentimento religioso efetivo e o homem religioso concreto.
Ao mesmo tempo, entretanto, eu os confirmo, em parte por minha própria
existência ou na existência alienada com que os enfrento (pois essa é apenas, a
expressão filosófica deles), e em parte em sua própria forma original, desde que
são para mim o meramente aparente outro ser, alegorias, os contornos de sua
verdadeira existência própria (i. é, de minha existência filosófica) disfarçada por
cortinas sensoriais.
Da mesma maneira, a qualidade revogada é igual a quantidade, a quantidade
revogada igual a medida, medida revogada igual a ser, ser revogado igual a ser
74
fenomenal, ser fenomenal revogado igual a realidade, realidade revogada igual a
conceito, conceito revogado igual a objetividade, objetividade revogada igual a
idéia absoluta, idéia absoluta revogada igual a natureza, natureza revogada igual a
espírito subjetivo, espírito subjetivo revogado igual a espírito objetivo ético,
espírito objetivo ético revogado igual a arte, arte revogada igual a religião, e
religião igual a conhecimento absoluto.
Por outro lado, essa revogação é a de um ente de razão; assim, a propriedade
privada como pensamento é revogada pelo pensamento de moral. E mesmo que o
pensamento imagina ser ele mesmo, sem intermediário, o outro aspecto de si
mesmo, ou seja, a realidade sensorial, e considera sua própria ação como sendo
ação real, sensorial, essa revogação em pensamento, que deixa seu objeto
existindo no mundo real, acredita ter ela mesmo realmente superado ele. Por outro
lado, como o objeto agora se tornou para ela um "momento" do pensamento, ele e
encarado em sua existência real como confirmação do pensamento, da
autoconsciência, da abstração.
(XXX) Sob um aspecto, portanto, o existente que Hegel revoga em filosofia não
é a religião, Estado ou natureza real, mas a própria religião como objeto do
conhecimento, i. é, a dogmática; e analogamente com a jurisprudência, a ciência
política e a ciência natural. Sob este aspecto, pois, ele se coloca em oposição tanto
ao ser real quanto à ciência direta, não-filosófica (ou os conceitos não-filosóficos)
desse ser. Logo, ele contradiz os conceitos convencionais.
Sob o outro aspecto, o homem religioso, etc., pode encontrar em Hegel sua
confirmação definitiva. (a) A revogação como movimento objetivo que reabsorve a
alienação em si mesma. Este é o discernimento, expresso dentro da alienação, na
apropriação do ser objetivo graças à revogação de sua alienação. E o
discernimento alienado da objetificação real do homem, da apropriação real de seu
ser objetivo pela destruição do caráter alienado do mundo objetivo, pela anulação
de seu modo alienado de existência. Da mesma maneira, o ateísmo como anulação
de Deus é o surgimento do humanismo teórico, e o comunismo como anulação da
propriedade privada é a defesa da vida humana real como propriedade do homem.
O último é, também, o surto do humanismo prático, pois o ateísmo é o humanismo
atingido por intermédio da anulação da religião, ao passo que o comunismo é o
humanismo atingido mediante a anulação da propriedade privada. Só pela
revogação desse intermediário (que, no entanto, é condição prévia indispensável)
pode aparecer o humanismo positivo autogerado.
75
O ateísmo e o comunismo, entretanto, não são uma fuga ou abstração, ou ainda
perda, do mundo objetivo, que os homens criaram pela objetificação de suas
faculdades. Eles não são um retrocesso empobrecido à primitiva simplicidade
antinatural. São, antes, o primeiro surto real, a legítima concretização, da natureza
do homem como algo real.
Hegel, pois, pelo fato de ver o significado positivo da negação auto-referível
(apesar de sob forma alienada), concebe o auto-alheamento do homem, sua
alienação do ser, perda de objetividade e realidade, como autodescoberta,
mudança de natureza, objetificação e realização. Em resumo, Hegel concebe o
trabalho como o ato de autocriação do homem (embora em termos abstratos); ele
percebe a relação do homem consigo mesmo como um ser alienado e o
aparecimento da consciência de espécie e da vida-espécie como a demonstração de
seu ser alienado.
(b) Em Hegel, porém, à parte da, ou antes, como conseqüência da inversão já
descrita por nós, esse ato de gênese surge, antes de mais nada, como ato
meramente formal, por ser abstrato e por ser a própria natureza humana tratada
como natureza abstrata, pensante, como autoconsciência.
Em segundo lugar, por ser formal e abstrata a concepção, a anulação da
alienação torna-se confirmação da alienação. Para Hegel, esse movimento de
autocriação e auto-objetificação, sob a forma de auto-alheamento, é a expressão
absoluta, e por isso final, da vida humana, que tem seu fim em si mesma, está em
paz consigo mesma e unida à sua própria natureza.
Esse movimento, em sua forma abstrata (XXXI) como dialética, é então visto
como vida humana verdadeira, mas como, sem embargo, é uma abstração, uma
alienação da vida humana, é visto como processo divino e, portanto, o processo
divino da humanidade; é um processo por que passa o ser abstrato, puro e
absoluto do homem, e não ele próprio.
Em terceiro lugar, esse processo tem de ter um portador, um sujeito, mas este
emerge inicialmente como um resultado. Este resultado, o sujeito conhecer-se a si
mesmo como autoconsciência absoluta, é portanto Deus, o espírito absoluto, a
idéia que se conhece e se manifesta por si mesma. O homem real e a natureza real
convertem-se em meros predicados, símbolos desse homem e natureza irreais e
ocultos. Sujeito e predicado, por conseguinte, têm uma relação inversa entre si;
um sujeito-objeto místico, ou uma subjetividade que ultra passa o objeto, o sujeito
76
absoluto como processo de auto-alienação e o retorno da alienação para si mesmo,
e, ao mesmo tempo, de reabsorção dessa alienação, o sujeito como esse processo;
puro, incessante movimento de repetição dentro de si mesmo.
Primeiramente, a concepção formal e abstrata do ato de autocriação ou auto-
objetificação do homem.
Visto Hegel igualar homem e autoconsciência, o objeto alienado, o ser real
alienado do homem, é simplesmente consciência, a mera idéia de alienação, sua
expressão abstrata, e por isso vazia e irreal, a negação. A anulação da alienação é
também, portanto, apenas uma anulação abstrata e inane dessa abstração vazia, a
negação da negação. A atividade repleta, viva, sensória e concreta da auto-
objetificação reduz-se, destarte, a mera abstração, negatividade absoluta, uma
abstração que é a seguir cristalizada como tal e concebida como uma atividade
independente, como a própria atividade. Já que essa assim chamada negatividade é
meramente a forma abstrata e vazia daquele ato real vivo, seu conteúdo só pode
ser um conteúdo formal produzido pela abstração de todo conteúdo. Essas são,
pois, formas de abstração gerais, abstratas, que se referem a qualquer conteúdo e
são, portanto, neutras face a, e válidas para, qualquer conteúdo; formas de
pensamento, formas lógicas destacadas do espírito e da natureza reais.
(Exporemos, adiante, o conteúdo lógico da negatividade absoluta.)
A realização positiva de Hegel em sua lógica especulativa é mostrar que os
conceitos determinados, as formas de pensamento fixas, em sua independência da
natureza e do espírito, são resultado necessário da alienação generalizada da
natureza humana e também do pensamento humano, e descrevê-los em conjunto
como momentos do processo de abstração. Por exemplo, ser revogado é essência,
essência revogada é conceito, o conceito revogado. . . a idéia absoluta. Mas, o que
é a idéia absoluta? Ela tem que se revogar a si mesma se não quiser passar
novamente por todo o processo de abstração, desde o começo, e contentar-se em
ser uma totalidade de abstrações ou uma abstração capaz de se entender a si
mesma. Mas, a abstração capaz de se entender a si mesma sabe que ela mesma
nada é; ela tem de abandonar-se a si mesma e assim chegar a uma entidade que é
exatamente o seu oposto, a natureza. Toda a Lógica, portanto, é uma
demonstração de que o pensamento abstrato nada é por si mesmo, a idéia absoluta
é nada para si mesma, e só a natureza é alguma coisa.
(XXXII) A idéia absoluta, a idéia abstrata que, "encarada sob o aspecto de sua
unidade consigo mesma, é intuição" (Hegel, Encyclopaedia, 3ª ed., pág. 222) e "em
77
sua própria verdade absoluta resolve permitir o momento de sua particularidade
ou de determinação inicial a ser-outro, a idéia imediata, como seu reflexo, emergir
livremente de si mesma como natureza". (ibid.) Toda esta idéia, que se comporta
de maneira assim tão bizarra e caprichosa e tem dado aos hegelianos tão terríveis
dores de cabeça, nada mais é do que abstração, i. é, o ser pensante abstrato. E a
abstração que, tornada prudente pela experiência e esclarecida a respeito de sua
própria verdade, resolve, em condições várias (falsas e ainda abstratas)
abandonar-se e estabelecer seu outro ser, o particular, o determinado, em lugar de
sua auto-absorção, não-ser, universalidade e indeterminação; e resolve deixar a
natureza, escondida dentro dele somente como uma abstração, como um ente de
razão, emergir livremente de si mesma. Isto é, ela decida renunciar à abstração e a
observar a natureza livre da abstração. A idéia abstrata, sem a qual mediação se
converte em intuição, não passa de pensamento abstrato que se abandona e opta
pela intuição. Toda essa transição da lógica à filosofia da natureza é simplesmente
a transição do abstrair para o intuir, extremamente difícil para o pensador abstrato
efetuar e, por isso, descrita por ele em termos tão estranhos. O sentimento místico
que impele o filósofo do pensamento abstrato para a intuição é o ennui [N.T.- tédio,
aborrecimento, fastio], a aspiração de um conteúdo.
(O homem alienado de si mesmo é também o pensador alienado de seu ser, i. é,
de sua vida natural e humana. Seus pensamentos são, em conseqüência, espíritos
extrínsecos a natureza e ao homem. Em sua Lógica, Hegel aprisionou juntos todos
esses espíritos, concebendo-os, um por um, primeiro como negação, i. é, alienação
do pensamento humano, e depois como negação da negação, i. é, como revogação
dessa alienação e expressão real do pensamento humano. Visto como, todavia, essa
negação da negação é em si mesma restrita à alienação, ela é em parte uma
restauração daquelas formas espirituais fixas em sua alienação e em parte uma
imobilização no ato final, o ato de auto-referência como o verdadeiro ser dessas
formas espirituais.[N12] Além disso, na medida em que essa abstração concebe a si
mesma e experiência uma crescente fartura de si mesma, aparece em Hegel um
abandono do pensamento abstrato que se movimenta unicamente na esfera do
pensamento e é destituído de olhos ouvidos, dentes, tudo enfim, e uma resolução
de reconhecer a natureza como um ser e apelar para a intuição.)
(XXXIII) A natureza também, contudo, tomada abstratamente, por si e
rigidamente separada do homem, nada é para o homem. Não é mister dizer que o
pensador abstrato entregue à intuição, intui a natureza abstratamente. Como a
natureza acha-se encerrada no pensador de forma obscura e misteriosa até para
ele mesmo, como idéia absoluta, quando a deixou surgir dele mesmo ela era ainda 78
apenas natureza abstrata, a natureza como um ente de razão, mas agora com o
significado de ser o outro ente do pensamento, é a natureza real, intuída, distinta
do pensamento abstrato. Ou, usando linguagem humana, o pensador abstrato
descobre, ao intuir a natureza, que as entidades que ele julgava estar criando do
nada, da abstração pura, criando na dialética divina como produtos puros do
pensamento interminavelmente em vaivém dentro de si mesmo e sem nunca levar
em conta a realidade exterior, são simplesmente abstrações de características
naturais. A natureza inteira, por conseguinte, reitera para ele as abstrações
lógicas, mas de uma forma sensível, exteriorizada. Ele analisa a natureza e essas
abstrações, uma vez mais. Sua intuição da natureza é simplesmente, pois, o ato de
confirmação de sua abstração da intuição da natureza; sua representação
consciente do processo de geração de sua abstração. Assim, por exemplo, o Tempo
iguala-se à Negatividade auto-referível (loc. cit., pág. 238). Na forma natural, o
Movimento revogado como Matéria corresponde ao Vir-a-Ser revogado como Ser.
Na forma natural, a Luz é Reflexo-em-si. O corpo como Lua e Cometa é a forma
natural da antítese que, segundo a Lógica, é de um lado o positivo alicerçado em si
mesmo, e de outro o negativo alicerçado em si mesmo. A Terra é a forma natural
do terreno lógico, como a unidade negativa da antítese, etc.
A natureza como natureza, i. é, na medida em que é distinguida sensorialmente
daquele sentido secreto oculto dentro dela, a natureza separada e distinguida
dessas abstrações é nada (uma nulidade demonstrando sua nulidade), é desprovida
de sentido, ou tem apenas o sentido de uma coisa externa que foi revogada.
"No ponto de vista finito-teleológico, encontra-se a premissa correta de
a natureza não encerrar em si a finalidade absoluta." (loc. cit., pág.
225.) Sua finalidade é a confirmação da abstração. "A natureza
mostrou-se como sendo a idéia sob a forma de ser-outro. Como idéia é,
sob esta forma, a negativa de si mesma, ou exterior a si mesma, a
natureza não é apenas relativamente exterior vis-à-vis essa idéia,
porém a exterioridade constitui a forma em que ela existe como
natureza." (loc. cit., pág. 227.)
A exterioridade não deve ser aqui entendida como o mundo auto-exteriorizador
dos sentidos, aberto à luz e aos sentidos do homem. Deve ser considerada na
acepção de alienação, um erro, um defeito, que não devia existir. Pois o verdadeiro
é ainda a idéia.
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A natureza é aparentemente a forma de seu ser-outro. E como pensamento
abstrato é ser, o que é exterior a ele por sua própria natureza é meramente coisa
exterior. O pensador abstrato reconhece ao mesmo tempo que sensorialidade,
exterioridade, em oposição ao pensa mento que fica em vaivém dentro de si
mesmo, é a essência da natureza. simultaneamente, contudo, ele exprime essa
antítese de tal maneira que essa exterioridade da natureza, e seu contraste com o
pensamento, aparece como uma deficiência, e a natureza se distinguindo da
abstração se afigura um ser deficiente. (XXXIV) Um ser deficiente, não
simplesmente para mim ou para meus olhos, mas em-si tem algo fora dele que lhe
falta. Isso equivale a dizer, seu ser e, outra coisa que não ele mesmo. Para o
pensador abstrato, a natureza tem, pois, de revogar-se a si mesma, porque já está
pressuposta por ele como um ser potencialmente revogado.
"Para nós, o espírito tem a natureza como sua premissa, sendo a
verdade da natureza e, por conseguinte, seu primus absoluto. Nessa
verdade, a natureza desapareceu e o espírito capitulou como a idéia
que alcançou ser-por-si, cujo objeto, assim como o sujeito, é o conceito.
Essa identidade e negativamente absoluta, pois enquanto na natureza
o conceito encontra sua perfeita objetividade exterior, aqui sua
alienação foi revogada e o conceito identificou-se a si mesmo. Ele é
essa identidade somente na medida em que é um retorno da natureza."
(loc. cit., pág. 392.)
"A revelação, como a idéia abstrata, é uma transição sem mediação
para o vir-a-ser da natureza; como a revelação do espírito livre é o
estabelecimento da natureza como seu próprio mundo,
estabelecimento esse que, como reflexo, é simultaneamente a
pressuposição do mundo como natureza existente independentemente.
A revelação em conceito é a criação da natureza como o próprio ser do
espírito, no qual ele adquire a afirmação e verdade de sua liberdade."
"O absoluto é espírito; esta é a mais alta definição do absoluto."
Notas:
[12] Isto é, Hegel substitui essas abstrações fixadas pelo ato de abstração rodopiando
dentro de si mesmo. Ao fazê-lo, antes de mais nada ele tem o mérito de haver indicado a
fonte de todos aqueles conceitos Inadequados que originariamente pertenciam a
diferentes filosofias, e havê-los reunido e estabelecido a amplitude global das abstrações,
em vez de uma determinada abstração, como o objeto da crítica. Veremos mais tarde por
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que Hegel separa o pensamento do sujeito. Já esta claro, todavia, que se o homem não for
humano a expressão de sua natureza não poderá ser humana e, consequentemente, o
próprio pensamento não poderá ser concebido como uma expressão da natureza humana,
como uma expressão de um sujeito humano e natural, com olhos, ouvidos, etc., vivendo na
sociedade, no mundo e na natureza. (retornar ao texto)
Retirado em 16 de maio de 2008, de:http://www.marxists.org/portugues/marx/1844/08/man_eco_filo/index.htm
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