Manuscritos No Mosteiro

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MANUSCRITOS NO MOSTEIRO 

Carmina Burana significa Canções de Benediktbeuern. Em meio à secularização de 1803, um rolo de pergaminho com cerca de duzentos poemas e canções medievais, foi encontrado na biblioteca da antiga Abadia de Menediktbeuern, na Alta Baviera. Havia poemas dos monges e dos eruditos viajantes em latim medieval; versos no vernáculo do alemão da Alta Idade Média, e pinceladas de frâncico. O erudito de dialetos da Baviera, Johann Andreas Schmeller, editou a coleção em 1847, sob o título de Carmina Burana. Carl Orff, filho de uma antiga família de eruditos e militares de Munique, ainda muito novo familiarizou-se com esse códice de poesia medieval. Ele arranjou alguns dos poemas em um “happening” – as “Cantiones profane contoribus et choris cantandae comitantibus instrumnetis atque imaginibus magics”- de canções seculares para solistas e coros, acompanhados por instrumentos de imagens mágicas. A obra já é vista no sentido do teatro musical de Orff, como um lugar de magia, da busca de cultos e símbolos.Esta cantata cênica é emoldurada por um símbolo de antigüidade – o conceito da roda-da-fortuna, em movimento perpétuo, trazendo alternadamente sorte e azar. Ela é uma parábola da vida humana, expostas a constantes transformações. Assim sendo, a dedicatória coral à Deusa da Fortuna (“O Fortuna, velut luna”), tanto introduz como conclui as canções seculares. Esse “happening” simbólico sombreado por uma Sorte obscura, divide-se em três seções: o encontro do Homem com a Natureza, particularmente com o despertar da Natureza na primavera (“Veris leta facies”), seu encontro com os dons da Natureza, culminado com o do vinho (“In taberna”); e seu encontro com o Amor (“Amor volat undique”), como espelhado em “Cour d’amours” na velha tradição francesa ou burgúndia – uma forma de serviço cavalheiresco às damas e ao amor. A invocação da Natureza – o objetivo da primeira seção – desemboca em campos verdes onde raparigas estão dançando e as pessoas cantando em vernáculo. As cenas festivas de libação desenrolam-se entre desinibidos monges, para quem um cisne assado parece ser um antegozo do Shangri-la, e entre barulhentos eruditos viajantes que louvam o sentido impetuoso da vida na juventude.

Após muitos anos de experiência e deliberação, os Carmina Burana resultaram na primeira testemunha válida do estilo de Orff. Eles caracterizam-se por seu ritmo fortemente penetrante, comprimido em grandes ostinatos pelo som mágico da inovadora orquestração, e pela brilhante claridade da harmonia diatônica. Os recursos estilísticos utilizados são de espantosa simplicidade. A forma básica é a canção estrófica com uma melodia diatônica, como é de hábito na música popular. Ao invés da harmonia extensivamente cromática do romantismo tardio, temos melodias claramente definidas, que levam algumas vezes a uma errônea acusação de primitivismo. As canções estróficas reportam-se a formas medievais como a litania, baseada em uma série mais ou menos variada de curvas melódicas, cada uma correspondendo a uma linha de verso, e à forma seqüencial, caracterizada por uma repetição progressiva de várias seqüências de melodias. Os melodismos, particularmente nos recitativos, são reminiscências do cantochão gregoriano. Onde temos passagens líricas, fortemente emocionais, como por exemplo nos dois solos, para soprano sobre textos latinos, e melodias mais ariosas, no sentido operístico. A escritura coral é predominantemente declamatória. Os grupos instrumentais individuais são comprimidos em amplas massas tratadas na forma coral; somente as peculiares madeiras são ouvidas em solo, particularmente nas duas danças em que antigos ritmos e árias alemãs são tratados no estilo peculiar de Orff. A percussão, reforçada por pianos, acentua o élan da partitura.

A gama expressiva de Carmina Burana estende-se da terna poesia do amor e da natureza, e da elegância burgúndia de uma “Cour d’amours”, ao entusiasmo agressivo (“In taberna”), efervescente joie de vivre (o solo de barítono “Estuans interius”), e à força devastadora do coro da fortuna cercando o todo. O latim medieval da canção dos viajantes eruditos é penetrado pela antiga concepção de que a vida humana está submetida aos caprichos da roda-da-fortuna, e que a

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Natureza, o Amor, a Beleza, o Vinho e a Exuberância da vida estão à mercê da eterna lei da mutabilidade. O homem é visto sob uma luz dura, não sentimental; como um joguete de forças impenetráveis e misteriosas. Esse ponto-de-vista é plenamente característico da atitude anti-romântica da obra.

   

 

FORTUNA IMPERATRIX MUNDI  01. O Fortuna 02. Fortune plango vulnera I. PRIMO VERE  03. Veris leta facies 04. Omnia sol temperat 05. Ecce gratum UF DEM ANGER  06. Tanz 07. Floret silva nobilis 08. Chramer, gip die varwe mir09. Reie 10.Were diu werlt alle min  

II. IN TABERNA  11. Estuans interius 12. Olim lacus colueram 13. Ego sum abbas 14. In taberna quando sumus  III. COUR D'AMOURS  15. Amor volat undique 16. Dies, nox et omnia 17. Stetit puella 18. Circa mea pectora 19. Si puer cum puellula 20. Veni, veni, venias 21. In truitina 22. Tempus est iocundum 23. Dulcissime BLANZIFLOR ET HELENA  24. Ave formosissima FORTUNA IMPERATRIX MUNDI  25. O Fortuna 

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FORTUNA IMPERATRIX MUNDI FORTUNA IMPERATRIZ DO MUNDO

 01. O Fortuna  O Fortunavelut lunastatu variabilis,semper crescisaut decrescis.vita detestabilis,nunc obduratet tunc curat;ludo mentis aciem,egestatem,potestatemdissolvit ut glaciem. Sors immaniset inanis,rota tu volubilis,status malus,vana salussemper dissolubilis,obumbrataet velatamichi quoque niteris;nunc per ludumdorsum nudumfero tui sceleris. Sors salutiset virtutismichi nunc contraria,est affectuset defectussemper in angaria.Hac in horasine moracorde pulsum tangite;quod per sortemsternit fortem,mecum omnes plangite! 

 01. Ó Fortuna  Ó Fortuna és como a Lua mutável,sempre aumentase diminuis;a detestável vidaore escurecee ora clareiapor brincadeira a mente;miséria,poder,ela os funde como gelo. Sorte monstruosae vazia,tu – roda volúvel –és má,vã é a felicidadesempre dissolúvel,nebulosae velada também a min contagias;agora por brincadeirao dorso nuentrego à tua perversidade. A sorte na saúdee virtudeagora me é contrária.dáe tira mantendo sempre escravizado.nesta horasem demoratange a corda vibrante;porque a sorteabate o forte,chorais todos comigo! 

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 02. Fortune plango vulnera  Fortune plango vulnerastillantibus ocellisquod sua michi munerasubtrahit rebellis.Verum est, quod legitur,fronte capillata,sed plerumque sequiturOccasio calvata. In Fortune soliosederam elatus,prosperitatis varioflore coronatus;quicquid enim floruifelix et beatus,nunc a summo corruigloria privatus. Fortune rota volvitur:descendo minoratus;alter in altum tollitur;nimis exaltatusrex sedet in verticecaveat ruinam!nam sub axe legimusHecubam reginam.

 02. Choro as Feridas da Fortuna  Choro as feridas da fortunacom os olhos rútilos;pois que o que me deuela perversamente me toma.O que se lê é verdade:esta bela cabeleira,quando se quer tomar,calva se mostra No trono da Fortunasentava-me no alto,coroado por multicoresflores da prosperidade;mas por mais prospero que eu tenha sido,feliz e abençoado,do pináculo agora despenquei,privado da glória. A roda da Fortuna girou:desço aviltado;um outro foi guindado ao alto;desmensuradamente exaltadoo rei senta-se no vertice – precavenha-se contra a ruína!porque no eixo se lêrainha Hécuba.

                      

 

I. PRIMO VERE I. PRIMAVERA

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 03. Veris leta facies  Veris leta faciesmundo propinatur,hiemalis aciesvicta iam fugatur,in vestitu varioFlora principatur,nemorum dulcisonoque cantu celebratur. Ah! Flore fusus gremioPhebus novo morerisum dat, hac varioiam stipate flore.Zephyrus nectareospirans in odore.Certatim pro braviocurramus in amore. Ah! Cytharizat canticodulcis Philomena,flore rident varioprata iam serena,salit cetus aviumsilve per amena,chorus promit virginiam gaudia millena. Ah!

 03. A alegre face da primavera  A alegre face da primaveravolta-se para o mundo,o rigoroso invernojá foge vencido.Com sua colorida vestimentaFlora preside,docemente a florestaem cantos a celebra. Ah! Estendido no regaço de FloraFebo mais um vez sorri, agora cobertode flores multicores.Zéfiro respiraseu suave odor,corramos a concorrerao prêmio do amor. Ah! O doce rouxinolfaz soar sua lira,já riemas luminosas clareiras floridas,saem os pássaros em revoada dos bosques encantadores,e o coro das donzelasanuncia delícias mil. Ah!

 04. Omnia sol temperat Omnia sol temperatpurus et subtilis,novo mundo reseratfaciem Aprilis,ad amorem properatanimus heriliset iocundis imperatdeus puerilis. Rerum tanta novitasin solemni vereet veris auctoritasjubet nos gaudere;vias prebet solitas,et in tuo vere

 04. O sol a tudo esquenta O sol a tudo esquentapuro e suave,novamente revela ao mundoa face de Abril;para o amor é impelidaa alma do homeme jovial imperao deus-menino. Toda essa renovaçãona gloriosa estação e por ordem da primaveraleva-nos a rejubilar;abre-te os caminhos conhecidos,

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fides est et probitastuum retinere. Ama me fideliter,fidem meam noto:de corde totaliteret ex mente totasum presentialiterabsens in remota,quisquis amat taliter,volvitur in rota. 

e em tua renovaçãoé justo e corretoque desfrutes do que é teu. Ama-me fielmente!Vê como sou fiel:com todo o meu coraçãoe com toda a minha alma,estou contigomesmo quando distante.Quem quer que ame assimgira a roda. 

 05. Ecce gratum Ecce gratumet optatumVer reducit gaudia,purpuratumfloret pratum,Sol serenat omnia.Iamiam cedant tristia!Estas redit,nunc receditHyemis sevitia. Ah! Iam liquescitet decrescitgrando, nix et cetera;bruma fugit,et iam sugitVer Estatis ubera; illi mens est misera,qui nec vivit,nec lascivitsub Estatis dextera. Glorianturet letanturin melle dulcedinis,qui conantur,ut utanturpremio Cupidinis:simus jussu Cypridisglorianteset letantespares esse Paridis. Ah!

 05. Eis a cara primavera Eis a cara e desejada primavera que traz de volta a alegria:flores púrpurascobrem os prados,o sol a tudo ilumina.Já se dissipam as tristezas!Retorna o verão,agora fogemos rigores do inverno. Ah! Já se liqüefazem e desaparecem o gelo, neve, etc.a bruma foge,e a primavera sugao seio do verão;é de lamentar-seaquele que não vive nem se entregaà doce lei do verão. Ah! Que provem glória felicidadedoce como o mel,aqueles que ousamaspirarao prêmio de Cupido;sob o comando de Vênusglorifiquemose rejubilemo-nosa exemplo de Páris. Ah!

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UF DEM ANGER NO PRANDO 06. Tanz

 06. Dança

 07. Floret silva nobilis  Floret silva nobilisfloribus et foliis.Ubi est antiquusmeus amicus? Ah!Hinc equitavit!Eia, quis me amabit? Ah!  Floret silva undique,nah min gesellen ist mir we.Gruonet der walt allenthalbenwa ist min geselle alse lange? Ah!Der ist geriten hinnen,o wi, wer sol mich minnen? Ah! 

 07. Cobre-se a nobre floresta   Cobre-se a nobre florestade flores e de folhas.Onde está meu antigo amor? Ah!Ele correu cavalgou para longe!Oh, quem irá me amar? Ah!  A floresta floresce em toda parte,Estou ansiando por meu amor.As florestas verdejam em toda parte,Por que meu amado demora tanto? Ah!Ele cavalgou para longe,Oh, quem irá me amar? Ah!

 08. Chramer, gip die varwe mir  Chramer, gip die varwe mir,die min wengel roete,damit ich die jungen manan ir dank der minnenliebe noete. Seht mich anjungen man!

 08. Mercador, dá-me as cores  Mercador, dá-me as cores,para avermelhar minhas faces,de modo que eu possa fazer os jovensme amarem irresistivelmente. Olhem para mim,rapazes!

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lat mich iu gevallen! Minnet, tugentliche man,minnecliche frouwen!minne tuot iu hoch gemoutunde lat iuch in hohen eren schouwen Seht mich anjungen man!lat mich iu gevallen! Wol dir, werit, daz du bistalso freudenriche!ich will dir sin undertandurch din liebe immer sicherliche. Seht mich an,jungen man!lat mich iu gevallen! 

Deixem-me seduzi-los! Bons homens, amemas mulheres carentes de amor!O amor enobrecerá seus espíritos.e lhes trará honra Olhem para mim,rapazes!Deixem-me seduzi-los! Salve, mundotão rico de alegrias!ser-te-ei obedientepelos prazeres que me permites Olhem para mim,rapazes!Deixem-me seduzi-los!

 09. Reie  Swaz hie gat umbe,daz sint alles megede,die wellent an manallen disen sumer gan! Ah! Sla! Chume, chum, geselle minih enbite harte din,ih enbite harte din,chume, chum, geselle min. Suzer rosenvarwer munt,chum un mache mich gesuntchum un mache mich gesunt,suzer rosenvarwer munt  Swaz hie gat umbe,daz sint alles megede,die wellent an manallen disen sumer gan! Ah! Sla!

 09. Dança Circular  Aquelas que ali giram em roda,são todas donzelas,elas querem passar sem um homemtodo o verão. Ah! Sla! Vem, vem, meu amor,eu suspiro por ti,eu suspiro por ti,vem, vem, meu amor. Doces lábios rosados,venham e façam-me sadiavenham e façam-me sadiadoces lábios rosados  Aquelas que ali giram em roda,são todas donzelas,elas querem passar sem um homemtodo o verão. Ah! Sla!

 10. Were diu werlt alle min  

 10. Se todo o mundo fosse meu  

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Were diu werlt alle minvon deme mere unze an den Rindes wolt ih mih darben,daz diu chunegin von Engellantlege an minen armen. Hei!

Se todo o mundo fosse meu,do mar até o Reno,eu a ele renunciariase a Rainha da Inglaterrativesse em meus braços. Hei!

 

II. IN TABERNA II. NA TABERNA 11. Estuans interius  Estuans interiusira vehementiin amaritudineloquor mee menti:factus de materia,cinis elementisimilis sum folio,de quo ludunt venti. Cum sit enim propriumviro sapientisupra petram poneresedem fundamenti,stultus ego comparorfluvio labenti,sub eodem tramitenunquam permanenti. Feror ego velutisine nauta navis,ut per vias aerisvaga fertur avis;non me tenent vincula,non me tenet clavis,quero mihi simileset adiungor pravis. Mihi cordis gravitasres videtur gravis;iocis est amabilisdulciorque favis;quicquid Venus imperat,labor est suavis,que nunquam in cordibushabitat ignavis.

 11. Queimando por dentro  Queimando por dentrocom veemente ira,na amargura,falei para min mesmo:feito de matéria,da cinza dos elementos,sou com a folhacom quem brincam os ventos. Se é este o caminhodo homem sábio,construir sobre a pedraas fundações da casa,então sou um louco comparávelao rio que corre,eu que em seu curso nunca se altera Sou levadocomo um navio sem piloto,como através do arum pássaro a deriva;nenhum vinculo me prende,nenhuma chave me aprisiona,busco meus semelhantes,e me junto aos insensatos. Meu coração pesado é um fardo para mim;o divertir-se é agradávele mais doce que o favo de mel;onde quer que Vênus impere,o trabalho suave,ela nunca habitaem corações indolentes

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 Via lata gradiormore iuventutisinplicor et vitiisimmemor virtutis,voluptatis avidusmagis quam salutis,mortuus in animacuram gero cutis. 

 Meu caminho é amplocomo o quer minha juventude,entrego-me aos meus vícios,esquecido das virtudes,mais ávido de volúpiasdo que de salvação,morta minh’almasó minha pele me importa.

 12. Olim lacus colueram  Olim lacus colueram,olim pulcher extiteram,dum cignus ego fueram.Miser, miser!modo nigeret ustus fortiter!  Girat, regirat garcifer;me rogus urit fortiter;propinat me nunc dapifer,Miser, miser!modo nigeret ustus fortiter!  Nunc in scutella iaceo,et volitare nequeodentes frendentes video.Miser, miser!modo nigeret ustus fortiter!

 12. Um dia morei no lago  Um dia morei no lago,um dia fui belo,quando eu era um cisne.Ai de mim, ai de mim!Agora negroe completamente assado  Gira e gira o assador;estou queimado completamente na pira:o garçom agora me serve.Ai de mim, ai de mim!Agora negroe completamente assado  Agora repouso em um prato,e não posso mais voar.vejo dentes rangendoAi de mim, ai de mim!Agora negroe completamente assado

 13. Ego sum abbas  Ego sum abbas Cucaniensiset consilium meum est cum bibulis,et in secta Decii voluntas mea est, et qui mane me quesierit in taberna, post vesperam nudus egredietur,et sic denudatus veste clamabit:

 13. Sou o abade  Sou o abade Cucaniense,meu concilio é com os bebedores,e quero pertencer à seita de Décioi[1]. e quem me procurar de manha na taberna, a noite será deixado nu,e assim despojado de suas vestes gritará:

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 Wafna, wafna!quid fecisti sors turpassiNostre vite gaudiaabstulisti omnia!Haha! 

 Aí de mim! Aí de mim!que fizestes, ó execrável sorte?nos tomastes da vidatodos os prazeres!Haha!

 14. In taberna quando sumus  In taberna quando sumusnon curamus quid sit humus,sed ad ludum properamus,cui semper insudamus.Quid agatur in tabernaubi nummus est pincerna,hoc est opus ut queratur,si quid loquar, audiatur. Quidam ludunt, quidam bibunt,quidam indiscrete vivunt.Sed in ludo qui morantur,ex his quidam denudanturquidam ibi vestiuntur,quidam saccis induuntur.Ibi nullus timet mortem,sed pro Baccho mittunt sortem. Primo pro nummata vini, ex hac bibunt libertini;semel bibunt pro captivis,post hec bibunt ter pro vivis,quater pro Christianis cunctis,quinquies pro fidelibus defunctis,sexies pro sororibus vanis,septies pro militibus silvanis. Octies pro fratribus perversis,nonies pro monachis dispersis,decies pro navigantibusundecies pro discordaniibus,duodecies pro penitentibus,tredecies pro iter agentibus.Tam pro papa quam pro regebibunt omnes sine lege. Bibit hera, bibit herus,

 14. Quando estamos na taberna  Quando estamos na taberna,não pensamos na morte,corremos a jogar,o que nos faz sempre suar.O que se passa na taberna,onde o dinheiro é hospedeiro,podeis querer saber,escutais pois o que eu digo. Uns jogam, uns bebem;uns vivem licenciosamente.mas dos que jogam,uns ficam em pelo,uns ganham aqui suas roupas,uns se vestem com sacos.Aqui ninguém teme a morte,mas todos jogam por Baco. Primeiro ao mercador de vinho,é que bebem os libertinos;uma vez aos prisioneiros,depois bebem três vezes aos vivos,quatro a todos os cristãos,cinco aos fiéis defuntos,seis às irmãs perdidas,sete aos guardas florestais. Oito aos irmãos desgarrados,nove aos monges errantes,dez aos navegantes,onze aos brigões,doze aos penitentes,treze aos viajantes.Tanto ao Papa quanto ao Reibebem todos sem lei. Bebe a amante, bebe o senhor,

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bibit miles, bibit clerus,bibit ille, bibit illa,bibit servis cum ancilla,bibit velox, bibit piger,bibit albus, bibit niger,bibit constans, bibit vagus,bibit rudis, bibit magnus, Bibit pauper et egrotus,bibit exul et ignotus,bibit puer, bibit canus,bibit presul et decanus,bibit soror, bibit frater,bibit anus, bibit mater,bibit ista, bibit ille,bibunt centum, bibunt mille. Parum sexcente nummatedurant, cum immoderatebibunt omnes sine meta.Quamvis bibant mente leta,sic nos rodunt omnes genteset sic erimus egentes.Qui nos rodunt confundanturet cum iustis non scribantur. Io io io io io io io io io io!

bebe o soldado, bebe o clérigo.Bebe ele, bebe ela,bebe o servo com a serva,bebe o esperto, bebe o preguiçoso,bebe o branco, bebe o negro,bebe o sedentário, bebe o nômade,bebe o estúpido, bebe o douto, Bebem o pobre e o doente,bebem o estrangeiro e o desconhecido.bebe a criança, bebe o velho,bebem o prelado e o diácono,bebe a irmã, bebe o irmão,bebe a anciã, bebe a mãe,bebe este, bebe aquele,bebem cem, bebem mil.  Seiscentas moedas não são suficientes,se todos bebem imoderadamentesem freio.bebam quanto for, o espírito alegre,Todo mundo nos denigre,e assim ficamos desprovidos.Que sejam confundidos os que nos difameme sejam seus nomes riscados do livro dos justos Io io io io io io io io io io!

III. COUR D'AMOURS III. CORTE DE AMORES 15. Amor volat undique  Amor volat undique,captus est libidine.Iuvenes, iuvenculeconiunguntur merito.Siqua sine socio,caret omni gaudio;tenet noctis infimasub intimocordis in custodia;fit res amarissima. 

 15. O amor voa por toda parte  O amor voa por toda parte,prisioneiros do desejo.Rapazes, raparigasunem-se como devem.Se a jovem não tem parceiro,desaparece-lhe toda a alegria;ela mantém a noite escuraescondidaem seu coração:é um sorte muito amarga

 16. Dies, nox et omnia

 16. Dia, noite e tudo

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  Dies, nox et omniamichi sunt contraria,virginum colloquiame fay planszer,oy suvenz suspirer,plu me fay temer. O sodales, ludite, vos qui scitis dicitemichi mesto parcite,grand ey dolur,attamen consuliteper voster honur. Tua pulchra faciesme fay planszer milies,pectus habet glacies.A remenderstatim vivus fieremper un baser.

  Dia, noite e tudome são contrários,a tagarelice das virgensme faz chorar,e com freqüência suspirar,e mais me faz temer. Ó amigos, estais brincando,não sabeis o que dizeis,a mim, infeliz, poupai,grande é a minha dor,aconselhai-me por fimpor vossa honra. Teu belo rostome faz versar mil prantos,tens o coração de gelo.Como remédio,serei ressuscitadopor um beijo.

  17. Stetit puella  Stetit puellarufa tunica;si quis eam tetigit,tunica crepuit.Eia! Stetit puellatamquam rosula;facie splenduit,os eius fioruit.Eia! 

  17. Era uma menina  Era uma meninacom uma túnica vermelha;se alguém tocasse nela,a túnica farfalhava.Eia! Era uma meninaComo uma rosinha;Sua face resplandesciaE tinha os lábios em flor.Eia!

 18. Circa mea pectora  Circa mea pectoramulta sunt suspiriade tua pulchritudine,que me ledunt misere. Ah!Mandaliet,Mandaliet

 18. Em meu peito  Em meu peitoEstão muitos suspirosPor tua beleza,Que me faz voluptuoso. Ah!Mandaliet,Mandaliet,

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min geselle chõmet niet. Tui lucent oculisicut solis radii,sicut splendor fulgurislucem donat tenebris. Ah! MandalietMandaliet,min gesellechõmet niet. Vellet deus, vallent diiQuod mente proposui:ut eius virgineareserassem vincula. Ah! Mandaliet,Mandaliet,Min geselleChõmet niet. 

Meu amor não vem. Teus olhos brilhamcomo raios de sol,como o esplendor do raioque ilumina as trevas. Ah! Mandaliet,Mandaliet,Meu amor não vem. Queira Deus, queiram os deuses,aplacar meu desejo:que eu possa romper as cadeias da sua virgindade. Ah! Mandaliet,Mandaliet,Meu amor não vem.

 19. Si puer cum puellula  Si puer cum puellulaMoraretur in cellula,Felix coniunctio.Amore suscrescentePariter e medio Avulso procul tedio,fit ludus ineffabilismembris, lacertis, labii. 

 19. Se um menino com um menina  Se um menino com um meninase encontram em um quarto.o casamento é feliz.O amor avulta,e entre elesa vergonha é posta de ladoe tem inicio um jogo inefávelem seus membros, braços e lábios.

  20. Veni, veni, venias  Veni, veni, venias,ne me mori facias,hyrca, hyrce, nazaza,trillirivos... Pulchra tibi faciesoculorum acies,capillorum series,

 20. Vem, vem, ó vem  Vem, vem, ó vem,não me faças morrer.hyrca, hyrce, nazaza,trillirivos... Teu belo rosto,teus olhos brilhantes,teu cabelo trançado,

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o quam clara species! Rosa rubicundior,lilio candidior,omnibus formosior,semper in te glorior! 

que gloriosa criatura! Mais rubra que a rosa,mais branca que o lírio,mais bela que qualquer outra,sempre em ti glorificarei.

 21. In truitina  In truitina mentis dubia fluctuant contrarialascivus amor et pudicitia. Sed eligo quod video,collum iugo prebeo;ad iugum tamen suave transeo. 

 21. Na balança  Na balança os sentimentos oscilamUm contra o outro;Amor lascivo e pudor. Mas escolho o que vejo,E coloco meu pescoço sob o jugo;Ao jogo suave todavia me submeto.

 22. Tempus es iocundum  Tempus es iocundumo virgines,modo congaudetevos iuvenes!Oh, oh, oh!totus floreo,iam amore virginali totus ardeo!novus, novus amor est, quo pereo! Mea me confortatpromissio,mea me deportatnegatio.Oh, oh, ohtotus floreoiam amore virginali totus ardeo!novus, novus amor est, quo pereo! Tempore brumalivir patiens,animo vernalilasciviens.Oh, oh, oh,totus floreo,iam amore virginali totus ardeo!

 22. O tempo é de alegria  O tempo é de alegria,Ó virgens,vinde divertir-vos,ó rapazes!Oh, oh, oh!floresço inteiro!ardo todo de um amor virginal!novo, novo amor é o que me faz perecer! Minha promessame conforta,minha recusame desola.Oh, oh, oh!floresço inteiro!ardo todo de um amor virginal!novo, novo amor é o que me faz perecer! No tempo das brumaso homem é paciente,o sopro da primaverao torna lascivo.Oh, oh, oh!floresço inteiro!ardo todo de um amor virginal!

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novus, novus amor est, quo pereo! Mea mecum ludit virginitas,mea me detrudit simplicitas.Oh, oh, oh,totus floreo,iam amore virginali totus ardeo!novus, novus amor est, quo pereo! Veni, domicella,cum gaudio,veni, veni, pulchra,iam pereo!Oh, oh, oh,totus floreo,iam amore virginali totus ardeo!novus, novus amor est, quo pereo! 

novo, novo amor é o que me faz perecer! Minha virgindadebrinca comigominha simplicidademe preserva.Oh, oh, oh!floresço inteiro!ardo todo de um amor virginal!novo, novo amor é o que me faz perecer! Vem, amante,com alegriavem, vem, linda.estou morrendo!Oh, oh, oh!floresço inteiro!ardo todo de um amor virginal!Novo, novo amor é o que me faz perecer!

 23. Dulcissime   Dulcissime, Ah! totam tibi subdo me!

 23. Amor querido  Amor querido. Ah!Me entrego toda a ti!

BLANZIFLOR ET HELENA BLANCHEFLEURii [2] E HELENA 24. Ave formosissima  Ave formosissima,Gemma pretiosa,ave decus virginum,virgo gloriosa,ave mundi luminar,ave mundi rosa,Blanziflor et Helena,Venus generosa!

 24. Salve formosíssima  Salve, formosíssima,Jóia preciosa,Salve, orgulho das virgens,Virgem gloriosa,Salve, luz do mundo,Salve, rosa do mundoBlanchefleur e Helena,Generosa Vênus!

FORTUNA IMPERATRIX MUNDI FORTUNA IMPERATRIZ DO MUNDO

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 25. O Fortuna  O Fortunavelut lunastatu variabilis,semper crescisaut decrescis.vita detestabilis,nunc obduratet tunc curat;ludo mentis aciem,egestatem,potestatemdissolvit ut glaciem. Sors immaniset inanis,rota tu volubilis,status malus,vana salussemper dissolubilis,obumbrataet velatamichi quoque niteris;nunc per ludumdorsum nudumfero tui sceleris. Sors salutiset virtutismichi nunc contraria,est affectuset defectussemper in angaria.Hac in horasine moracorde pulsum tangite;quod per sortemsternit fortem,mecum omnes plangite!

 25. Ó Fortuna   Ó Fortuna és como a Lua mutável,sempre aumentase diminuis;a detestável vidaore escurecee ora clareiapor brincadeira a mente;miséria,poder,ela os funde como gelo. Sorte monstruosae vazia,tu – roda volúvel –és má,vã é a felicidadesempre dissolúvel,nebulosae velada também a min contagias;agora por brincadeirao dorso nuentrego à tua perversidade. A sorte na saúdee virtudeagora me é contrária.da e tira mantendo sempre escravizado.nesta horasem demoratange a corda vibrante;porque a sorteabate o forte,chorais todos comigo!

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i [1] Décio: santo fictício, patrono dos jogadores de dados

ii [2] Heroína de uma saga popular medieval