Manual_II

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TURISMO SUSTENTABILIDADE, ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E AMBIENTE

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  • T U R I S M O

    SUSTENTABILIDADE, ORDENAMENTO DO

    TERRITRIO E AMBIENTE

  • Ficha TcnicaTtulo

    SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente

    AutorSrgiO Palma britO

    Editor SPi - SOciedade POrtugueSa de inOvaO

    cOnSultadOria emPreSarial e FOmentO da inOvaOediFciO leS PalaceS, rua JliO diniS, n. 242, 208

    4050-318 POrtOtel: 226 076 400; Fax: 226 099 164

    [email protected]; www.spi.ptPOrtO 2010

    Projecto Editorial e GrficoPrincPia editOra, lda.

    ImpressorainhO & neveS

    isbn 978-972-8589-82-0Depsito Legal 318927/10

    PrOduO aPOiada PelO PrOgrama OPeraciOnal de valOrizaO dO POtencial humanO e cOeSO SOcial da

    ram (rumOS), cO-FinanciadO PelO eStadO POrtuguS e Pela uniO eurOPeia, atravS dO FundO SOcial eurOPeu.

    Secretaria regiOnal dO PlanO e FinanaS dO gOvernO regiOnal da regiO autnOma da madeira (ram)

  • T U R I S M O

    SUSTENTABILIDADE, ORDENAMENTO DO

    TERRITRIO E AMBIENTE

    SrgiO Palma britO

    Sociedade Portuguesa de Inovao

  • Introduo

    Descreveremos no turismo, no ambiente e no ordenamento do territrio os proces-sos que mais intensamente influenciam a relao entre as trs reas. Depois, partindo das exigncias ambientais, tendo em conta as normas do ordenamento do territrio, passaremos avaliao no quadro da poltica de turismo da forma como a implementao e as regras de funcionamento dos empreendimentos tursticos combinam o respeito por estas normas com as exigncias da sua competitividade nos mercados onde os seus servios so comerciali-zados. Sustentabilidade designa a relao positiva entre turismo, ambiente e ordenamento do territrio.

    A nossa anlise resulta da observao e do estudo da histria e da geografia do viajar na Europa, mas centra-se no caso concreto de Portugal e, mais em particular, do Algarve, como rea turstica da bacia turstica alargada do Mediterrneo, abrangendo o perodo que tem incio nos meados da dcada de 1950 e termina com a crise de 2008-2009. Esta contextualizao geogrfica e temporal evita cairmos na esparrela de descrever um modelo do turismo que, fora de pretender ser geral, acabe por nada explicar. O destaque que damos oferta de turismo do Algarve merecido face s suas importncia, diversidade e polmica.

    Concentramos a nossa ateno na dinmica do turismo, elemento de base no re-lacionamento entre turismo, ambiente e ordenamento do territrio, ou seja na formao da oferta de turismo em resultado das crescentes massificao e sazonalidade da procura de estadias temporrias em hospedagem onerosa, e de unidades de alojamento do turismo residencial.

    No nos vamos debruar sobre a oferta de turismo em meio urbano e da que se encontra dispersa em espao rural, por no afectar o essencial da relao entre turismo, ambiente e ordenamento do territrio.

    No caso do ambiente, consideramos as trs dimenses mais relacionadas com esta oferta de turismo: a formao e o esvaziamento da bolha especulativa acerca da poluio resultante da operao dos empreendimentos tursticos, a inverso de valores quanto responsabilidade pela ausncia de infra-estruturas e servios ambientais e a mais impor-tante das trs dimenses, ou seja a compatibilizao de conservar e desenvolver na implantao espacial e na operao dos empreendimentos da oferta de turismo.

    Ao ordenamento do territrio cabe a funo de integrar, de uma maneira prospec-tiva, a traduo espacial das exigncias das polticas do ambiente e da oferta de turismo, no quadro mais vasto da ocupao do territrio pelos homens e pelas suas actividades.

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    Como veremos, a poltica e a administrao do turismo desempenham um papel menor nesta relao.

    A relao entre turismo, ambiente e ordenamento do territrio, considerados os elementos condicionantes naturais, traduz-se na regulao de comportamentos humanos, seja pela entidade pblica, seja pelas leis do mercado. E a sustentabilidade depende do sucesso destas duas modalidades de regulao.

  • Captulo 1

    INTRODUO HISTRIA do VIAJAR

    e FORMAO do TURISMO em

    PORTUGAL

    S U M R I O

    Na milenar evoluo do viajar, considerado como um comportamento do homem sedentrio, destacamos a formao de uma procura massificada e sazonal do viajar fruto da economia, da sociedade, da cultura e da poltica dos perodos da Revoluo Industrial e da sociedade do conhecimento.

    Durante o perodo que vai de meados dos anos 50 do sculo XX crise de 2008-2009, concentramo-nos na formao da oferta de turismo resultante da procura massificada e sazonal da viagem para estanciar durante o tempo livre. esta oferta de turismo que est no cerne da relao entre turismo, ambiente e ordenamento do territrio, a qual constitui a base do conceito de sustentabilidade.

    A poltica e a administrao do turismo comeam por se preocupar com o turismo cultural, urbano e termal e, numa menor dimenso, com o das praias. A partir do incio dos anos 60 do sculo XX, a mutao da oferta de turismo, sobretudo no Algarve, coloca novos problemas quanto sua relao com esta ltima oferta de turismo (com destaque para o turismo residencial) e com a poltica e a administrao do ordenamento do ter-ritrio e do ambiente.

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    EVOLUO do VIAJAR

    Modalidades de Viagem e Origem do Turismo de Massas

    Viajar, Um Comportamento do Homem Sedentrio

    Podemos dizer que o homem sempre viajou, quando nmada, por definio e, a partir do momento em que se sedentariza e se formam as primeiras urbes, por necessidade.

    O turismo est, desde o incio, ligado ao processo de massificao e sazonalidade das viagens do tempo livre, definido como tempo de frias e de descanso da populao activa e da reforma, numa crescente populao reformada Le temps libre, daprs les usages linguistiques actuels, quivaut au temps qui est libre de tout travail professionnel; dans nos socites, seule une partie de ce temps libre est consacr aux loisirs (Elias, 1994, p. 90). Turismo designa uma prtica com origem na economia e na organizao da sociedade da Revoluo Industrial que se alarga s classes mdias e aos trabalhadores. diferente do modelo formal da viagem da elite, que se desloca para viver o otium. De facto, desde a sua origem, o turismo est destinado a ser de massa; porque na sociedade industrial so as massas quem trabalha (Deprez, 1997, p. 19).

    Ao longo de mais de dois sculos, acentua-se a diferena entre as viagens re-lacionadas com a actividade profissional do viajante e as que ocupam parte do tempo livre. Apesar de estes dois tipos de viagens no serem mutuamente exclusivos (as viagens profissionais incluem momentos de tempo livre e h quem trabalhe durante as viagens de frias), a diferena real. Apenas nos ocupamos da viagem do tempo livre, que com-preende trs modalidades: o viajar itinerante, essencialmente urbano e cultural, em que o viajante visita cidades e faz parte de uma minoria em relao populao a residente; a viagem para estanciar em local aprazvel, fora do local de residncia habitual, numa esta-dia que pode durar algumas horas, e a residncia permanente durante a reforma, na qual o nmero de visitantes ultrapassa em geral o da populao residente, e o nmero e a durao das estadias e a escala das infra-estruturas de acolhimento criam tenses diferentes das do

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    viajar itinerante; o grupo crescente das visitas a familiares e amigos, que se identifica com o

    estanciar ou com a variedade de situaes dos emigrantes quando visitam o pas de origem.

    No nos ocuparemos desta terceira modalidade e, depois de uma sntese sobre a

    evoluo das duas primeiras modalidades, descreveremos dois processos: a formao da

    oferta de turismo, na qual se destaca o turismo residencial resultante da procura massifi-

    cada e sazonal da viagem para estanciar durante o tempo livre; e a evoluo da poltica

    e da administrao do turismo, com nfase na relao que desenvolvem com a oferta de

    turismo.

    O presente trabalho ocupa-se apenas do perodo que comea aps a Segunda Guerra

    Mundial e termina, de uma maneira simblica, com a crise de 2008-2009 designamo-lo

    por Europa da Abundncia, ainda que os seus ltimos anos tenham sido os da Europa da

    Dvida.

    Giro dItalia, Tour e Turismo

    Para situar a evoluo que conduz ao significado actual da palavra turismo, temos de recuar, na genealogia da viagem itinerante, at Inglaterra do sculo XVI. Por essa altura, a reputao da Itlia da Renascena leva a que o diplomata, o homem da corte, o poeta, o artista e o mdico necessitem de saber algo da Itlia, ou sofram o handicap da ignorncia. Isto quer dizer que um certo nmero de entre eles seria viajante, apesar das dificuldades e dos perigos (Stoye, 1989, p. 72).

    A viagem a outros pases como uma prtica que os jovens nobres devem seguir para completar a sua educao defendida a partir de 1570, apoiada por Francis Bacon (nos Ensaios, publicados em 1597), por John Locke, j em 1692, e por Adam Smith, para referir apenas alguns exemplos relevantes. Os jovens nobres e os seus tutores so, na linguagem actual, um segmento de um mercado em crescimento, pois a viagem a Itlia comea antes e com outros grupos sociais. Em 1653, Manuel Severim de Faria utiliza jornada e peregrinao (viagem) e peregrinar (viajar); entre as jornadas que so voluntrias e ordenadas no por obrigao, seno pelo gosto de cada um, aceita a peregrinao em tempo e idade conveniente, que limita aos 25 anos, ainda que as que se fazem por causa da Religio, e de venerar os Santurios, em todo o tempo so louvveis e pissimas (Faria, 2003, p. 223).

    A partir do incio do sculo XVII, forma-se o padro desta viagem; o aumento do nmero de viajantes comea a estabilizar as pocas de viagem e os itinerrios, o que, por sua vez, facilita a formao da oferta de alojamento e transporte. Muitos desses viajantes j combinam negcios com prazer e prazer com educao (Stoye, 1989).

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    Em 1670, Richard Lassells, um dos tutores de jovens nobres, num livro sobre a viagem a Itlia, usa a expresso grand tour (Chaney, 1985), ainda quando dominante a designao de giro of Italy. Na prtica, como grand tour era uma expresso conveniente em francs e em ingls, e como tambm tour num conjunto de pases depressa era visto como uma nica entidade, giro dItalia deixou de ser usado, e grand tour passou a designar o tour clssico (Barefoot, 1993, p. 81).

    Quando se liga tour s viagens educativas dos jovens nobres ingleses, no sculo XVIII comete-se um triplo erro: os jovens nobres viajam desde o incio do sculo XVII; so apenas um dos grupos sociais que viaja; e, no sculo XVIII, a viagem a Itlia uma prtica generalizada a pessoas de todas as idades, da gentry e de novos grupos sociais emergentes.

    O quarto erro consiste em confundir a etimologia da palavra turismo com a sua origem e o seu significado. Em ingls (Ogilvie, 1933, p. 4), tourist usado por volta de 1800 como a traveller is now-a-days called a Tourist. Em 1811, no New English Dic-tionary, tourism definido como the theory and the practice of touring; travelling for pleasure. Usually depreciatory e mencionado como sublime cockey tourism na Sporting Magazine. A etimologia de tourist e de tourism leva-nos ao tour de 1670, mas as palavras demoram mais de um sculo a serem utilizadas e, quando o so, a realidade que designam j no a prtica cultural, educativa e elitista do tour do sculo XVII, mas sim o que vai ser a modalidade de viagem acessvel s novas classes e novos grupos sociais resultantes da Revoluo Industrial e da futura sociedade da Europa da Abundncia.

    Novos ritmos sociais e tecnologias de transporte (desde o comboio ao avio, pas-sando pelo automvel) alteram a morfologia do tour clssico: o longo itinerrio pela Europa d lugar a uma sucesso de viagens de ida e volta, com variao entre um dia a pouco mais de uma semana, passando pelas estadias curtas (uma criao do sculo XIX), que se distinguem das da vilegiatura pelo tipo de motivao do viajante. A tentativa de diferenciao social e cultural de quem afirma ter o turismo (por suposio, massificado e inculto ou aculto) matado o viajar (por suposio, comportamento reservado a uma elite da sociedade e da cultura) no tem outro fundamento seno o da to humana vontade de querer ser diferente numa massa annima.

    Em concluso: qualquer um se pode diferenciar como turista, viajante ou actor do turismo, mas a realidade econmica, social e cultural com que lidamos a da mas-sificao do viajar itinerante. A viagem para estanciar num local aprazvel conhece uma evoluo semelhante.

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    Viagem para Estanciar Durante o Tempo Livre

    Morfologia e Processos Econmicos e Sociais

    A morfologia da viagem para estanciar durante o tempo livre mantm-se inalterada desde h mais de dois milnios e consiste: numa grande deslocao, de ida e volta, entre o lugar de residncia habitual e o lugar de estadia; no desenvolvimento da oferta de infra-es-truturas e servios nos locais da estadia desses visitantes, em estreita ligao com o turismo residencial; e na ocupao do tempo da estadia em actividades variadas as experincias da actualidade.

    Nesta morfologia h um segundo elemento imutvel: na maior parte dos casos, muitos dos viajantes com maior nvel social e econmico optam por adquirir o alojamento no qual ocupam o tempo livre. Esta opo acontece a partir do momento em que, na civi-lizao romana, a villa, inicialmente integrada numa explorao agrcola, se separa desta e passa a ser apenas espao para viver o tempo livre. A sua localizao deixa de estar amar-rada agricultura e passa a ser a que melhor permite ao seu proprietrio usufruir desta nova utilizao essa a origem do actual turismo residencial.

    Importa mencionar trs processos econmicos e sociais associados viagem para estanciar durante o tempo livre que dela no podem ser dissociados:

    A imigrao de reformados para as estncias climatricas amenas da dcada de 20 do sculo XIX (Travis, 1993) descrita no final do sculo por Guy de Maupassant e reconhecida como realidade em 1944 (Brunner, 1945) e 19641; cresce em 1970 (Karn, 1977) e parece imparvel a partir de ento, a no ser quando a crise de 2008-2009 vem alterar profundamente esta dinmica;

    Desde h mais de 100 anos que a grande deslocao pode ser ou tornar-se limitada em ordem a que o local da vivncia do tempo livre seja o mesmo da residncia suburbana (qualificada ou no) ou da visita de recreio da popu-lao residente nomeadamente o caso da urbanizao que se forma entre Cascais/Monte Estoril e Lisboa, desde a chegada da Corte (1870) e a ligao ferroviria a Pedrouos (1889) at massificao da residncia suburbana das ltimas dezenas de anos;

    A formao da oferta de turismo induz um desenvolvimento econmico e social que implica a imigrao de uma populao activa e o aumento da populao residente esta dinmica observvel no Algarve desde a viragem dos anos 60 e 70.

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    Massificao e Sazonalidade da Procura de Viagens para Estanciar durante o Tempo Livre

    Uma das caractersticas da evoluo milenar do viajar para estanciar durante o tempo livre a crescente procura por parte de elementos dos grupos sociais econmica e so-cialmente menos qualificados. Este processo evidente a partir dos sculos XVII e XVIII, e reforado com a emergncia da economia e da sociedade da Revoluo Industrial.

    A partir de meados do sculo XIX, o transporte em caminho-de-ferro refora as novas escala e geografia desta procura: praias dos mares do Norte e uma zona de diferen-ciao social na Cte DAzur. Depois da Segunda Guerra Mundial assistimos ao reforo desta diferena e ao processo que vai ser dominante: uma deslocalizao massia dos fre-quentadores das praias dos mares do Norte para as do Mediterrneo. Mesmo antes da sua criao legal, em 1950, o Club Mediterrane anuncia uma nova modalidade de viagem s ilhas Baleares: alojamento em tenda, alimentao e animao includas (Trigano, 1998: p. 33). Em 1955, so vendidos no Reino Unido os primeiros holiday packages da primei-ra cadeia de voos fretados duas semanas de frias, com alojamento e bebida, custam 32 libras e 10 xelins, contra 70 libras por uma viagem de ida e volta em avio entre Londres e Nice (Bray, 2001). As classes mdias e a classe operria do Norte da Europa comeam a estanciar no Mediterrneo. Nasce o que vai ser designado por massificao do turismo ou turismo de massas.

    A procura da viagem para estanciar durante o tempo livre cresce pelo efeito conjugado de maior rendimento disponvel, mais tempo livre, embaratecimento do transporte ferrovirio, areo e rodovirio e polticas de promoo dos locais de des-tino. Esta dinmica tem duas origens: a primeira, algo esquecida, a do direito dos tra-balhadores a frias pagas, que tem incio a partir de meados do sculo XIX e cujo cone so os congs pays decididos pelo Governo francs da Frente Popular (1936) a exemplo de medidas similares tomadas noutros pases. A Segunda Guerra Mundial interrompe este processo, que readquire porm fora e vigor a partir de meados da dcada de 1950.

    A segunda assenta no mercado e resultado da conjugao do desejo de aceder viagem por quem comea a ter meios para o fazer com a capacidade empresarial para tornar a viagem acessvel ao maior nmero de consumidores. Melhor do que ningum, h empresrios que sabem como podem ganhar muito vendendo em grande quantidade servios baratos e com margens de lucro apertadas. As excurses de um dia de comboio (no sendo a primeira aquela que Thomas Cook organizou, embora sendo o cone) so a primeira forma do turismo de massas. Para Hobsbawm, a pleasure travel inclui a mecha-

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    nised day trip for the masses. Cedo evoluem para viagens de dois ou mais dias, dando origem ao short break da actualidade.

    A massificao da procura sazonal e conhece picos, pela aco conjugada do clima nos locais de destino, do comportamento humano e, sobretudo, da organizao do trabalho da sociedade da Revoluo Industrial e, depois, da sociedade do conhecimento. Assim, temos a quase obrigatria estadia estival, a multiplicao de estadias curtas (sobre-tudo em fins-de-semana e pontes) e, para quem pode, a estadia invernal nos mares do Sul ou nas estncias de desportos de Inverno. Criticar ou pretender combater a sazo-nalidade do turismo, com o turismo no centro das preocupaes, esquecer ou ignorar as causas econmicas, sociais e psicolgicas que esto na sua origem.

    Massificao e sazonalidade so parte da procura de viagens no tempo livre e tm influncia significativa na formao da oferta de turismo, que est no cerne da relao entre turismo, ambiente e ordenamento do territrio, ou, por outras palavras, da sustenta-bilidade da oferta de turismo. Dadas as tenses que estas duas palavras criam, importa esclarecer cinco pontos:

    Lidamos com nmeros crescentes de viajantes, devido ao alargamento, na sociedade da classe mdia, do acesso a viajar por quem disso esteve excludo: a classe operria;

    Massificao da procura no significa monolitismo dos desejos em relao a um produto nico; antes implica a crescente diversificao dos desejos e consequncias na exploso da criatividade da oferta muitas anlises sobre o fordismo e o ps-fordismo do turismo so excessivamente simplistas;

    H duas situaes muito diferentes directamente relacionadas com os mode-los de negcio da procura final (estadia temporria em hospedagem onerosa e turismo residencial), pois o valor do objecto da procura (uma estadia ou uma casa) consideravelmente diferente;

    Massificao do turismo e turismo de massas so palavras proscritas no modelo cultural dominante e politicamente correcto, circunstncia que dificulta a formulao de polticas adequadas organizao de uma oferta qualificada para satisfazer a procura;

    A massificao da procura comum s duas modalidades de viagem no tempo livre (tour e estanciar), mas, no caso do tour, os seus efeitos so amortecidos pelo meio urbano em que este se integra nenhuma cidade portuguesa pre-tende recusar turistas, como j acontece em algumas cidades de Itlia.

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    FORMAO da OFERTA QUE RESULTA da PROCURA MASSIFICADA e SAZONAL da VIAGEM para ESTANCIAR durante o TEMPO LIVRE

    rea Turstica

    reas Tursticas na Bacia Turstica do Mediterrneo

    A partir de meados dos anos 50, muita da oferta de resposta procura massificada da viagem para estanciar durante o tempo livre estrutura-se em reas tursticas na bacia do Mediterrneo. Estas formam-se em torno dos aeroportos aos quais chegam os turistas, se-gundo modalidades, ritmos e morfologias diferentes, mas partilham elementos imutveis. Entre eles, destacamos o aeroporto de chegada e o modelo de negcio da estadia temporria em hospedagem onerosa.

    Portugal conhece trs situaes distintas. No Funchal, h uma j longa tradio de turismo e uma orografia que impede a formao de grandes ncleos tursticos o crescimento menor do que no Algarve e o turismo residencial inexistente. A rea envolvente do aeroporto de Lisboa, a tradio de Estoril/Cascais e, no incio dos anos 60, a previso de 70 000 camas de um projecto turstico para Tria acabam por no responder s exigncias do holiday package.

    Diferente o caso do Algarve, que se tornar o objecto central da nossa anlise. Em 1962, a deciso de construir o aeroporto de Faro integra o Algarve na bacia alargada do Mediterrneo e permite a criao de uma rea turstica que representa uma mutao no turismo regional. Desde as intervenes iniciais dos primeiros pioneiros que a procura final do turismo da rea turstica do Algarve integra dois modelos de negcio: as estadias temporrias em hospedagem onerosa e o turismo residencial (Quadro 1.1). A seguir, des-creveremos o primeiro modelo, sendo o turismo residencial tema de um outro volume da presente colectnea: Turismo Imobiliria do Lazer e Turismo Residencial.

    A ateno dada em Portugal e em muitos pases da Europa oferta de turismo do Algarve resulta da sua especificidade como rea turstica, da concentrao de visitantes,

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    alojamentos e equipamentos e do seu posicionamento. Entre Vila Nova de Mil Fontes e Pvoa de Varzim, muitos ncleos urbanos da vilegiatura tradicional conhecem evolues similares de Quarteira e, no seu conjunto, representam uma importante oferta de turismo cuja disperso atenua os efeitos das condicionantes verificadas nesta ltima localizao.

    Quadro 1.1. Modelos e submodelos de negcio na rea turstica do Algarve

    Procura e oferta final de estadia temporria em hospedagem onerosa

    Holiday package Organizao do turismo desorganizadoProcura e oferta final de casas em empreendimentos de turismo residencial Utilizao ou rendimento exclusivos ou combinao de utilizao e rendimentoPromoo, administrao e explorao de empreendimentos tursticos que estruturam a oferta final

    Oferta de terrenos para promover empreendimentos tursticos

    Reaces Negativas e Consequncias da Igualdade

    A chegada de visitantes ao Mediterrneo d origem a crticas. Os turistas incomo-dam sempre por volta de 1860, quando incomodado por um grupo de viajantes barulhen-tos, Michelet exclama: Eu amo o povo, e odeio a multido.

    O Algarve tambm o territrio onde a democracia assume as consequncias da igualdade e no qual no h fuga possvel: h que conciliar o posicionamento de uma oferta de gama alta e mdia alta com a qualidade dos diversos nveis da oferta destinada gros-seira marabunta, aquela a que a maioria daqueles que se pronunciam sobre o Algarve recusa, por mera auto-avaliao, pertencer, mas qual na maior parte dos casos pertence.

    Procura e Oferta Finais de Estadia Temporria em Hospedagem Onerosa

    A procura e a oferta finais destas estadias compreendem dois submodelos de negcio: o holiday package e a organizao do turismo desorganizado.

    Criado em 1955, o holiday package um modo europeu de viajar nascido num continente no qual:

    em menos de um sculo se verificam trs guerras e h um patchwork de pases, culturas, lnguas e moedas;

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    o transporte rodovirio dificultado pela escassez de automveis e de estra-das, por uma gasolina cara e mltiplos sistemas de seguros e assistncia;

    as companhias areas so propriedade do Estado, suas protegidas, e em geral as entidades reguladoras do trfego areo no so liberais;

    o pas mais rico e o que lidera as viagens uma ilha.

    O holiday package

    Reduz custos, tranquiliza o viajante e torna o Mediterrneo acessvel aos eu-ropeus, habituados s estadias estivais nas praias dos mares do Norte;

    dominante em muitas reas de turismo, mas no exclusivo e em vrios casos no chega a dominar a Frana, como pas de origem, e a Cte dAzur, como destino, so disso exemplos significativos;

    organizado por operadores tursticos que dominam processos de integrao horizontal (falncias, fuses e aquisies) e vertical (companhia area, dis-tribuio, investimentos hoteleiros com e sem parceiro de negcio).

    No incio dos anos 70, so anunciados voos fretados em Boeing 747 entre a Ale-manha e a Tailndia. Desde h quase duas dezenas de anos que a concorrncia interconti-nental ao turismo do Mediterrneo est banalizada.

    Ultrapassadas muitas crises, em meados da dcada de 1990, o holiday package parece ter garantida uma posio dominante nos mercados tursticos mais importantes para as estadias no Mediterrneo. Depois, muito rapidamente, as novas escala e diver-sidade da organizao do turismo desorganizado obrigam os operadores de holiday package a uma adaptao porventura mais estrutural do que as anteriores.

    O clima, o dumping social e a adeso de Portugal, Espanha e Grcia ao euro criam as condies objectivas para uma transferncia de visitantes para o litoral dos pases do Mediterrneo Sul e Oriental e os operadores do holiday package promovem uma considervel deslocalizao de turistas para esses pases e destinos noutros con-tinentes.

    No holiday package, a promoo e a explorao do empreendimento turstico res-pondem s exigncias dos operadores internacionais. O empreendimento pode ser de pro-priedade indivisa (o hotel o caso mais frequente) ou de propriedade plural (com unidades de alojamento cedidas explorao turstica), qualquer deles com mais ou menos servio hoteleiro. A empresa exploradora negoceia com os operadores e tem com relativa facili-dade a ocupao garantida durante vrios meses do ano, por vezes durante todo o ano e por vrios anos. Pode limitar-se a uma mera relao bilateral com o operador (business-to-

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    -business) ou criar parcerias para captar o cliente final (business-to-business-to-consumer). O empreendimento pode ser integrado numa marca do operador, estar diferenciado no seu catlogo ou figurar a apenas como mera commodity de alojamento indiferenciado.

    A organizao do turismo desorganizado multiforme. Muitas famlias visitam familiares e amigos, organizam as suas estadias sem recurso a agncias de viagens, recor-rem ao alojamento local e a formas directas de distribuio. Quem repete a estadia passa a conhecer o destino e a encontrar resposta para os seus desejos fora do sistema de turismo organizado. Nalguns casos, o timeshare chega a ser importante.

    O comrcio electrnico, o baixo custo recente e a diversidade do transporte areo, as empresas exploradoras que procuram o cliente final (business-to-consummer), os opera-dores apenas baseados na Internet (nova forma do business-to-business-to-consummer) do uma nova dimenso organizao do turismo desorganizado.

    Urbanizao Turstica

    Anos 60 a 90: Urbanizao Turstica Dispersa

    Urbanizao turstica4 designa a concentrao crescente das populaes que podem viajar para estanciar durante o tempo livre em estncias ou zonas de turismo (no passado), e em ncleos tursticos, ncleos e urbes urbano-tursticas e edificao dispersa, integrados ou no numa rea turstica (no presente).

    Entre os anos 60 e 90 forma-se no Algarve uma urbanizao turstica dispersa, caso especial da urbanizao dispersa que ento prolifera por todo o Pas, com edificao legal ou clandestina, e que est na origem de parte das actuais fraquezas da urbanizao em Portugal. a primeira patologia do povoamento urbano do Algarve, utilizando-se o termo patologia no sentido econmico, social e poltico de excessos de uma prtica a que falta regulao, e no no sentido biolgico.

    Durante cerca de um quarto de sculo, esta urbanizao turstica dispersa com-preende duas formas distintas:

    O ncleo turstico fora dos permetros urbanos, com urbanismo turstico em ambiente de resort, criado na maior parte dos casos pela urbanizao estruturada de propriedades cuja rea varia entre alguns hectares e os 16 km de Vilamoura. Estes ncleos passam por processos de expanso orgnica (arredondamento), de densificao das reas iniciais e de reconverso es-truturante (caso de Vilamoura em Vilamoura XXI);

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    O ncleo urbano-turstico, resultante da transformao dos ncleos urbanos da vilegiatura tradicional, por expanso orgnica para a periferia ou densifi-cao da edificao urbana no seu seio, ou por ambos os processos. Alguns destes ncleos formam-se a partir de aglomerados piscatrios que, dada a sua irrelevncia, no so sequer objecto do planeamento urbanstico anterior a 1962.

    Datam tambm desta altura:

    a edificao dispersa de utilizao turstica, de que so exemplo as moradias construdas no Cerro da guia, a poente de Albufeira;

    aquilo que, dezenas de anos mais tarde, se designar por estabelecimentos ho-teleiros isolados, apontando-se como exemplos o facto de em 1964 o minis-tro das Obras Pblicas ter aprovado a localizao do que viria a ser o Hotel Levante e, em 1968, a Presidncia do Conselho ter declarado de utilidade turstica o conjunto hoteleiro denominado os Gambosinos (origem do actual resort Martinhal).

    A urbanizao turstica integra dois tipos de espaos cuja dinmica inseparvel do turismo residencial:

    A prtica do golfe, acessvel s classes mdias inglesas desde os anos 90 do sculo XIX, passa a ser elemento integrante dos mais qualificados ncleos tursticos fora dos permetros urbanos, gerando sinergias que so explicita-das aquando do licenciamento dos ncleos tursticos da Penina e de Vale do Lobo;

    As marinas e toda a envolvente do ver-e-ser-visto, no Algarve integradas num urbanismo urbano-turstico qualificado.

    Ruptura Poltica dos Anos 90 e Novas Formas de Urbanizao Turstica

    A ruptura poltica dos anos 90 est na origem de duas novas formas de urbanizao turstica. A primeira assenta na consolidao da urbanizao turstica dispersa e com-preende duas dinmicas similares, mas diferentes na escala:

    A consagrao da expanso de ncleos urbano-tursticos preexistentes, pela definio de permetros urbanos mais ou menos generosos um processo que

  • intrOduO hiStria dO viaJar e FOrmaO dO turiSmO em POrtugal 19

    ultrapassa, em muito, os limites do Algarve e de que so exemplo os ncleos de desenvolvimento turstico do PROTALI de 1993;

    No Algarve, comeam a formar-se quatro urbes urbano-tursticas (do Alvor a Praia da Rocha, Armao de Pra e Albufeira e de Vilamoura a Quarteira)que se distinguem pela sua escala e pela formao, a norte, de largas frentes de mar, segundo dois movimentos: a expanso orgnica do ncleo urbano- -turstico inicial; e a integrao de outros focos da dinmica urbana dispersa, localizados a poucos quilmetros deste ncleo.

    Na sub-regio do litoral do Algarve, a escala da procura faz com que estas quatro urbes e uma consolidao mais intensa nos ncleos urbano-tursticos contribuam para formar uma economia turstico-residencial nica em Portugal. Encontramos algo deste modelo na urbanizao que actualmente vai dos Estoris at Guia, no concelho de Cascais.

    A segunda forma de urbanizao turstica a dos ncleos tursticos de nova gerao. Estes ncleos so uma nova e mais sofisticada forma do ncleo turstico fora dos permetros urbanos aps quase 30 anos de urbanizao turstica dispersa.

    Edificao Dispersa

    A edificao dispersa um problema em vrias regies do Pas, sendo utili-zada para residncia permanente ou casa para viver o tempo livre com a possibili-dade de alternar ou conciliar estas utilizaes. A vivncia do tempo livre comea por ter lugar na proximidade dos grandes centros urbanos (onde nasce a designao de casa de fim-de-semana) ou em reas tursticas cujo exemplo mais significativo o Algarve.

    No caso do Algarve da actualidade, edificao dispersa designa a transformao da dinmica de disperso e concentrao de habitaes dispersas do povoamento rural do Algarve de 1962 pela utilizao como casa do tempo livre ou residncia permanente da populao local. Inclui a recuperao de habitao da populao rural e novas edi-ficaes cujo licenciamento assenta em criativas interpretaes das disposies legais que pretendem limit-la ou proibi-la. Esta definio de edificao dispersa no inclui a aparente disperso fsica das moradias de um conjunto urbanstico (Vilamoura ou Quinta do Lago), nem a edificao dispersa de cariz suburbano e mais concentrada verificada na proximidade de uma cidade; e diferente da morfologia de empreendimento de turismo residencial, que designamos por estruturao da explorao de moradias dispersas.

  • SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente20

    Urbanismo Turstico

    Conceito de Urbanismo Turstico

    Urbanismo turstico a cincia, arte e/ou tcnica da organizao espacial dos estabelecimentos humanos destinados vivncia do tempo livre, na rea turstica para onde viaja para estanciar, em residncia temporria ou permanente, quem, para o efeito, disponha de rendimento disponvel, tempo livre e uma acessibilidade fcil. Uma vez alargado o espao urbano pela urbanizao turstica, o urbanismo turstico estrutura as instalaes e os servios que possibilitam as experincias e criam valor para o visi-tante que vive o tempo livre no imutvel ciclo das 24 horas. A terminologia confusa, pois a estruturao legal do urbanismo designada por Regime Jurdico da Urbaniza-o e Edificao e, salvo o devido respeito, este regime legal aplicvel a solo urbano ou passvel de urbanizar e no regula a concentrao de pessoas e a criao do espao para as acolher.

    O urbanismo turstico estrutura espaos e vivncias para pessoas que tm uma grande liberdade de escolha do local onde vo viver o tempo livre e culturalmente diferente do urbanismo que estrutura o espao e a vivncia da deslocao casa/trabalho, para pessoas cuja liberdade de escolha se resume, a ttulo de exemplo, a Rio de Mouro ou Cacm.

    H duas modalidades de urbanismo turstico:

    Em ambiente de resort, quase sempre no seio de um ncleo turstico fora dos permetros urbanos, ele caracterizado por baixa densidade de cons-truo, com integrao de zonas mais densas, paisagismo (colectivo e priva-do) adequado e cuidado, infra-estruturas urbansticas e destinadas vivncia do tempo livre melhoradas nomeadamente o caso de Vale do Lobo ou Pine Cliff;

    Em meio urbano turstico, caracterizado por uma densidade mdia alta e alta, quase ausncia de paisagismo, insero em espao pblico de valorizao e manuteno municipal, estruturado pelas regras de urbanizao e edificao, com interpretao a nvel municipal nomeadamente o caso de Quarteira ou Albufeira.

    A Vivncia Quotidiana do Tempo Livre

    O imutvel ciclo das 24 horas, durante a estadia temporria do turista ou a residn-cia permanente do imigrante reformado, implica estruturar o vaivm entre o local de

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    alojamento e o das infra-estruturas e servios que permitem a vivncia das experincias do tempo livre. A geografia desta vivncia depende da disponibilidade de transporte in-dividual em automvel e, em muito menor escala, do recurso ao transporte colectivo ou a excurses organizadas.

    A vivncia do tempo livre na rea turstica do Algarve est na origem de trs es-paos e na charneira entre a urbanizao e o urbanismo turstico:

    A democratizao do golfe factor estruturante das reas mais qualificadas da urbanizao turstica e elemento importante do urbanismo turstico em ambiente de resort;

    As marinas no podem ser dissociadas dos empreendimentos de turismo resi-dencial a que esto associadas e so simultaneamente espaos da diferena social (a nutica de recreio ainda no est democratizada) e do mais interclas-sista ver-e-ser-visto;

    O crescimento explosivo das diversas experincias do viver a noite est na origem de ruas de bares ou zonas nocturnas, pela transformao do uso de espaos cuja insero na malha urbana exige estudo e, em casos futuros, previso.

    Estruturao Legal do Urbanismo Turstico

    O urbanismo turstico em ambiente de resort exige que o ncleo turstico fora dos permetros urbanos disponha de uma administrao que garanta o pagamento, pelos pro-prietrios das unidades de alojamento, dos custos acrescidos de manuteno e conservao dos seus elementos imutveis e diferenciadores, no quadro de um modelo fiscal adequado. Neste caso, o espao e os servios tursticos devem ser vistos como uma unidade sui generis de produo de servios, em grande parte transaccionveis em mercados exteriores. Esta administrao exige um sistema, o mais transparente possvel, de custos e de receitas que permita conciliar a justia social (utilizador/pagador de servios nos espaos do urbanismo turstico em ambiente de resort) e a competitividade do turismo. De certa maneira, a verso actual da zona de turismo administrada pela Junta de Turismo do Cdigo Adminis-trativo de 1936 (ver ponto sobre Poltica de Turismo e Territrio). Importa explicitar que, na ausncia da definio legal desta administrao, o ambiente de resort de limitada sustentabilidade turstica, pois acaba por dar lugar a espao pblico indiferenciado e man-tido pela autarquia, dado que no se pode exigir a uma cmara municipal que disponibilize os servios do urbanismo turstico em ambiente de resort.

    O urbanismo em meio urbano-turstico estrutura, de acordo com a lei, espaos urbanos no seio dos quais habitam a populao residente local e a populao flutuante dos

  • SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente22

    visitantes. Neste tipo de urbanismo, s a criao de valor pela oferta de turismo pode quali-ficar os nveis dos servios ambientais e dos indicadores de qualidade de vida dos espaos estruturados. A frequncia destes espaos por turistas mais exigentes do que a populao residente local pode conduzir a uma melhoria com benefcios para a populao residente.

    Muitas das crticas ao turismo residencial resultam das formas degradadas deste urbanismo turstico em meio urbano-turstico. Essas crticas passam ao lado dos fac-tores que explicam a sua formao, bem como das medidas a tomar para o requalificar e impedir a sua expanso. Essa atitude consiste frequentemente em abordar o problema pela ptica do tradicional sector do turismo, esquecendo a economia, a sociologia, a histria e as prticas de urbanizao e de urbanismo.

    Importa sobretudo reter que o loteamento urbano oferece ao empresrio, ao mu-nicpio e no o esqueamos poltica e administrao da urbanizao um meio fcil de licenciar o empreendimento de turismo residencial em extenso, que a poltica e a administrao do turismo recusam, ao imporem uma definio tardia e redutora de aldea-mentos e conjuntos tursticos.

    Empreendimentos Tursticos num Sentido Lato

    Empreendimento Turstico

    No presente trabalho, definimos empreendimento turstico como o conjunto, coe-rente e delimitado, de instalaes, servios e experincias concebidos para a vivncia das estadias da viagem para estanciar durante o tempo livre. Esta definio de empreendimen-to turstico permite fazer a charneira entre os empreendimentos tursticos que resultam da urbanizao e do urbanismo turstico e os que so definidos, de uma maneira mais redu-tora, pela lei dos empreendimentos tursticos. A ttulo de exemplo, a Quinta do Lago ou Vale do Lobo so empreendimentos tursticos de acordo com a definio que utilizamos, mas no so empreendimentos tursticos nos termos do regime jurdico da sua instalao e do seu funcionamento.

    Este conceito vasto de empreendimento turstico compreende: o de propriedade in-divisa, cujas unidades de alojamento no podem ser vendidas, porque h uma disposio registada e com eficcia real que o impede; e o do turismo residencial, cuja propriedade dividida em casas do tempo livre destinadas a serem vendidas.

    O empreendimento turstico quadro de integrao/diferenciao no seio de trs processos:

  • intrOduO hiStria dO viaJar e FOrmaO dO turiSmO em POrtugal 23

    O das sinergias e dos conflitos entre os modelos de negcio da procura final de estadias temporrias em hospedagem onerosa e de casas de turismo residencial (h diferenas significativas na estrutura e na cadeia de valor de empreendi-mentos vocacionados para estadia temporria e para turismo residencial);

    O da integrao entre urbanizao e urbanismo turstico, sobretudo quando a escala do empreendimento importante e o turismo residencial desempenha um papel determinante;

    O da interligao, ainda algo frustrante, entre a especificidade da urbanizao e do urbanismo tursticos e as disposies gerais sobre instrumentos de gesto do territrio e sobre o que a legislao designa por urbanizao e edificao.

    O empreendimento turstico pode ser destinado a um modelo de negcio exclu-sivo (o stand alone resort) ou integrar os dois modelos de negcio (estadia temporria e turismo residencial) ou mais de um submodelo (estadia temporria clssica e timeshare), sendo designado por empreendimento multiuso (o multiuse resort).

    Implantao Espacial, Envolvente e Integrao Territorial do Empreendimento Turstico

    A envolvente do empreendimento turstico o tipo de rea em que o empreendi-mento se insere:

    No caso do empreendimento em altura, pode ser em ncleo turstico, urba-no-turstico ou urbano;

    No do empreendimento em extenso, pode ser rural, em ncleo turstico ou num conjunto de empreendimentos;

    No do conjunto de empreendimentos, pode ser rural ou em ncleo turstico ou rea de desenvolvimento turstico, definidos por um instrumento de gesto do territrio.

    A envolvente pode variar ao longo do tempo quando passa de rural a turstica,

    urbano-turstica ou simplesmente urbana de habitao permanente da populao activa local, entre outros. A integrao territorial do empreendimento turstico inclui:

    o seu enquadramento pelo planeamento de escala local e regional, com destaque para as exigncias especficas dos empreendimentos de turismo residencial;

  • SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente24

    a localizao, a urbanizao, a partilha de espaos e de servios com a popu-lao residente e a eventual formao de uma paisagem cultural do turismo;

    no caso da oferta de turismo do Algarve, a integrao territorial compreende ainda as relaes cosmopolitas com os territrios onde se forma a procura ou que fornecem bens e servios.

    A FORMAO do TURISMO em PORTUGAL

    Poltica e Administrao do Turismo

    Conceitos Formais e Informais de Turismo

    O mais importante conceito formal de turismo sedimentado, ao longo de quase um sculo, pela poltica e pela administrao do Turismo, atravs da definio legal de actividades tursticas e, muito em particular, das leis dos empreendimentos de turismo. um conceito paradoxal, na medida em que estreito, na definio da oferta de aloja-mento; e largo, quando propagandeia o nmero de turistas, as receitas do turismo na balana de pagamentos ou a percentagem do turismo no produto interno bruto neste caso, j todo o alojamento e todo o visitante contam.

    O conceito formal de turismo para fins estatsticos tem origem nos trabalhos da So-ciedade das Naes e definido em recomendaes aprovadas pela Comisso de Estats-tica da ONU e pela Organizao Mundial do Turismo (1993), e confirmadas pela Unio Europeia (1995 e 1998). Neste quadro, a avaliao da economia do turismo ultrapassa os tradicionais indicadores estatsticos e exige a elaborao de uma conta-satlite do tu-rismo com base no sistema de contas nacionais. Em 2008 so revistas as recomendaes de 1993 e aprovada a metodologia para elaborar a conta-satlite. Em Portugal, estas decises ainda esto longe de ser aplicadas.

    Uma diferena de tomo separa as definies formais de turismo segundo a poltica de turismo e segundo as estatsticas do turismo, respeitando estas as normas da Comisso de Estatsticas da ONU, da Unio Europeia e da Organizao Mundial do Turismo: a que tem origem na estatstica integra o alojamento turstico privado; a da poltica de turismo exclui-o e considera-o como imobiliria e camas paralelas, embora desde 2008 admita a sua legalizao como alojamento local, ao qual recusa o adjectivo turstico.

  • intrOduO hiStria dO viaJar e FOrmaO dO turiSmO em POrtugal 25

    Na linguagem corrente frequente os interlocutores no partilharem o significado com que utilizam a palavra turismo. H dois conceitos informais de turismo, a mencionar:

    O que limita o turismo s viagens por mero prazer, as que se fazem com o fim exclusivo de gozar os encantos dos pases que se visitam, pois quem vai passar uma temporada numa praia ou fazer uma cura de guas no um turista (Atade, 1939);

    O que designa as instituies oficiais de turismo, os organismos que os Es-tados criaram para promover o seu turismo (Atade, 1932, p. 307) este o turismo cujos 90 anos se comemoraram em 2001.

    Nos trabalhos que redigimos para a presente colectnea, utilizamos um conceito informal de turismo baseado na nova dimenso que o tempo livre assume na sociedade em que temos vivido e na diminuio do rendimento disponvel na sociedade em que vamos viver. Em relao estrutura mestra da definio formal de turismo, retemos, sem qualquer transigncia, a transferncia de recursos do exterior para financiar todas as despesas da estadia, nomeadamente a aquisio de alojamento turstico privado. Admiti-mos que esta estadia seja tambm a da imigrao formal de reformados, originalmente no residentes (recusada pelas definies formais por ultrapassar o limite dos 365 dias), o que inclui os portugueses no residentes (realidade pouco tida em considerao pela poltica oficial).

    No sculo XXI, quando a economia e a sociedade mudam como mudam, a aquisio de alojamento turstico privado e a imigrao do reformado para viver o tempo livre, financiadas por transferncias do exterior, no devem ser excludas da realidade econmica da oferta do turismo, nem podem ser ignoradas pela poltica de turismo do Ministrio da Economia.

    O Turismo no Governo e na Administrao

    Em 1911, quando comea a interveno pblica no turismo, o ministrio da tutela o do Fomento. Seguem-se o do Comrcio e Comunicaes em 1921, e o do Interior em 1928. Entre 1940 e 1974, o turismo tutelado, via Servios de Propaganda e Informao, pelo primeiro-ministro: Salazar e Marcello Caetano, cada um sua maneira, so minis-tros do Turismo. Desde 1964, o turismo tutelado pelas pastas econmicas (Comrcio e Turismo e, desde 1995, Economia), com a excepo de trs curtos perodos durante os quais depende por duas vezes do primeiro-ministro e de um em que tem ministro prprio.

  • SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente26

    A realidade algo diferente, pois no excessivo reconhecer que as decises real-mente estratgicas sobre turismo so tomadas ao nvel da chefia do Governo:

    Em 1954, o ento presidente do Conselho faz aprovar (indo ao ponto de obri-gar a Assembleia Nacional a alterar uma votao) os benefcios fiscais da utilidade turstica, o crdito hoteleiro e o fundo de turismo;

    A ruptura poltica dos anos 90 fruto da determinao de um primeiro-ministro que acaba com a urbanizao turstica dispersa, com destaque para a do Algarve;

    A partir de 2005, por interveno directa do primeiro-ministro, h uma interpre-tao adequada que compatibiliza conservar e desenvolver e no seguimento da qual licenciado um nmero considervel de ncleos tursticos de nova gerao.

    Poltica de Turismo e Territrio

    Estncias, Zonas e Regies de Turismo

    No incio da dcada de 19205, o Governo define as estncias que passam a consti-tuir a oferta oficial do turismo em Portugal:

    Cerca de meia centena de estncias hidrolgicas; Sessenta e nove praias; Trs estncias climatricas e uma estncia de altitude e repouso; Doze estncias de turismo: Porto, Braga, Coimbra, Viseu, Alcobaa, Batalha,

    Tomar, Mafra, Lisboa, Sintra, Setbal e vora.

    Nestas estncias e noutras a seguir criadas, possvel constituir comisses de iniciativa. Em 1936, o Cdigo Administrativo segue a mesma orientao e permite que o Governo crie zonas de turismo, administradas por juntas e comisses municipais de turismo, nos concelhos em que existam praias, estncias hidrolgicas ou climatricas, de altitude, de repouso ou de recreio, ou monumentos e lugares de nomeada. Nesta definio h uma diferena entre as zonas de turismo com sede em cabea de concelho, que sero directamente administradas pelas respectivas cmaras municipais (coadjuvadas pela Comisso Municipal de Turismo), as zonas administradas por juntas de turismo, que so rgos secundrios de administrao municipal, cujo objectivo , em especial, a urbanizao de zonas onde a afluncia de visitantes, permanente ou peridica, exija

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    condies de vida superiores s do resto do concelho [o sublinhado nosso] (Caetano, 1947, p. 192).

    As estncias de 1921 e as zonas de turismo administradas por juntas de turismo so objecto de planeamento urbano de escala local. No captulo sobre Ordenamento do Territrio, descrevemos como a poltica e os servios de turismo ignoraram este processo.

    As regies de turismo, nas definies legais de 1956, 1982 e 1991, perdem a re-lao com o planeamento urbano de escala local e no intervm no planeamento regional do ordenamento do territrio. A excepo a criao, em 1970, da Regio de Turismo do Algarve6, acompanhada por um plano geral de infra-estruturas urbansticas de interesse turstico para o Algarve, ainda no quadro do Plano Regional do Algarve.

    Ordenamento Turstico do Territrio

    Em 1964, reconhece-se que o turismo no pode ser panaceia para curar todos os males do desequilbrio econmico regional7, e dada prioridade ao desenvolvimento do turismo no Algarve e na Madeira. A partir do III Plano de Fomento (1968-1973) e at ao incio do sculo XXI, o turismo considerado um dos instrumentos para a correco progressiva dos desequilbrios regionais de desenvolvimento. Quando a regionalizao est na agenda poltica, a sua ligao com o turismo uma das questes es-senciais para o turismo portugus e para a sua transformao num elemento motor do desen-volvimento regional em consonncia com os interesses nacionais (Cunha, 1987, p. 263).

    No final da dcada de 1960, o grupo de trabalho presidido por Ruy Pereira Alvim inicia os trabalhos do ordenamento turstico do territrio8. No plano nacional de turismo para 1986-1989, o ordenamento turstico a primeira de entre as oito reas-chave. No Outono de 1988, os governantes do turismo anunciam, no Algarve, que o Ordenamento Turstico do Territrio s ficar completo com a criao de Plos de Desenvolvimento Turstico9. Este anncio coincide com o das medidas preventivas anteriores elaborao do que viria a ser o PROTAL de 1991. O ordenamento turstico (do territrio nacional) d lugar integrao do turismo na poltica de ordenamento do territrio do Pas, um dos temas do Captulo 2.

    O Turismo no Ordenamento do Territrio: dos Anos 60 Ruptura Poltica dos Anos 90

    Entre 1963 e 1967, o Plano Regional do Algarve e o planeamento sub-regional, que se estende at 1974, comeam por ignorar a poltica e os servios de turismo e, quando estes se manifestam, os seus pareceres no so influentes. Em relao ao futuro,

  • SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente28

    h uma diferena de tomo: a maioria das propostas mais slidas tem origem no Ministrio das Obras Pblicas e no na poltica e na administrao do turismo.

    Entre 1979 e 1985, a frustrante elaborao do plano geral de urbanizao da rea territorial do Algarve, mais do que ignorar a poltica e a administrao do turismo, ignora o turismo. No Algarve, a partir de 1981 e at elaborao do PROTAL, a Comisso de Coordenao Regional a verdadeira sede da afirmao de uma viso e de uma poltica para o turismo, ou, para sermos mais precisos, da hostilizao do turismo.

    No seguimento da aprovao do plano regional de ordenamento do territrio, em 1991, decidido elaborar o Plano Regional de Turismo do Algarve (PRTA), com data-limite at 15 de Setembro de 199310. Em Agosto de 1993, o primeiro-ministro anuncia que o Governo est a elaborar um programa para a defesa da qualidade das actividades tursticas do Algarve que contar com 300 milhes de contos entre 1994 e 1999 (Correio da Manh, 9 de Agosto de 1993). O financiamento dos 300 milhes de contos no se verifica, o PRTA demora a ser anunciado e, quando aprovado, em 199511, um nado-morto por falta de financiamento e de mpeto poltico para o implementar.

    O Turismo no Ordenamento do Territrio: a Oportunidade Perdida

    Em 1998, a Lei n. 48/98, de 11 de Agosto estabelece as bases da poltica de or-denamento do territrio e de urbanismo e prev nomeadamente a elaborao de planos sectoriais de incidncia territorial, a elaborar pela Administrao, citando o caso do tu-rismo.

    Entre 1998 e 2003, a poltica e a administrao do turismo no tomam a iniciativa de elaborar planos sectoriais do turismo, apesar dos problemas do Algarve e da emergn-cia de resorts no oeste e no litoral alentejanos.

    Em 2003, no plano de desenvolvimento do sector do turismo, o Governo prope:

    a elaborao do plano sectorial do turismo de incidncia territorial, o qual deve ser um input da reviso de dois planos de ordenamento do territrio de reas to sensveis e importantes para o turismo como so o Algarve e o Litoral Alentejano;

    a criao de reas de proteco turstica que, no quadro de instrumentos de gesto territorial em vigor, permitiro facilitar a definio e delimitao espacial e geogrfica das reas do Pas com actual vocao turstica, ou com significativo potencial de futuro desenvolvimento turstico. Est em causa considerar e integrar as reas de proteco turstica no esquema conceptual e de enquadramento dos trabalhos em curso na preparao ou reviso dos vrios instrumentos de gesto territorial;

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    considerar indispensvel reforar o nvel de interveno e papel da DGT, direces regionais da economia, entidades e associaes empresariais do sector nos trabalhos de elaborao e acompanhamento dos instrumentos de gesto territorial que pela respectiva natureza, objecto e rea de interveno possam afectar ou condicionar a concretizao de projectos ou investimentos considerados de relevante interesse estratgico para o turismo e lazer.

    Uma simples mudana do titular da Secretaria de Estado do Turismo, no quadro da mesma maioria parlamentar, faz esquecer esta poltica inovadora e determinada. Em 2010, a elaborao deste importante instrumento de gesto do territrio est esquecida.

    Diferente o caso da Regio Autnoma da Madeira. Em 2002, o plano de orde-namento turstico (POT) da Madeira como plano sectorial, veio definir a estratgia de desenvolvimento do turismo na Regio e o modelo territorial a adoptar, com vista a orien-tar os instrumentos tanto pblicos como privados, garantindo o equilbrio na distribuio territorial dos alojamentos e equipamentos tursticos, bem como um melhor aproveita-mento e valorizao dos recursos humanos, culturais e naturais. O POT exemplo pioneiro de aplicao das disposies legais de 1998 em planos sectoriais.

    O mesmo tipo de iniciativa tomado na Regio Autnoma dos Aores.

    Poltica de Turismo e Formao da Oferta da Viagem para Estanciar fora da Residncia Habitual

    Diferenciar o Hotel e/ou o Turismo

    Entre o decreto de 1930 que, pela primeira vez em Portugal, fixa os requisitos que deve satisfazer uma hospedaria para que possa utilizar a designao de hotel e o regime jurdico de instalao e funcionamento dos empreendimentos tursticos de 2008, h uma orientao constante na poltica de turismo: diferenciar o que hoteleiro ou turstico (por vezes, estas duas noes so amalgamadas) do resto da oferta, que ignorado, remetido para o nvel municipal ou hostilizado.

    A partir da mutao do turismo do Algarve, o resto cresce no quadro das di-

    vergncias:

  • SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente30

    Quando so necessrias novas modalidades legais de alojamento turstico, ade-quadas escala e diversidade da nova procura, a poltica de turismo atrasa a sua criao e, uma vez criadas, aplica as disposies legais num misto de informalidade e interpretaes maximalistas;

    Os empreendimentos tursticos em propriedade plural no integram na oferta turstica os novos empreendimentos do turismo residencial e so definidos em funo do modelo de negcio das estadias temporrias em hospedagem one-rosa e no em funo das exigncias da procura por turismo residencial;

    Os conjuntos tursticos poderiam estruturar os empreendimentos em extenso; e, em conjunto de empreendimentos, fazer a ponte com os planos munici-

    pais e regionais de ordenamento do territrio. No entanto, so definidos com atraso e segundo normas que minimizam esta capacidade.

    Como j vimos, a dinmica da procura e a opo redutora da poltica de turismo coincidem com o reforo da capacidade de licenciamento municipal da urbanizao e da edificao, sob controlo da Administrao Central da urbanizao e do ministrio da tutela. Uma parte muito considervel da oferta de turismo licenciada segundo este sis-tema. A posio da poltica e da administrao do turismo evoluiu ao longo dos anos, mas segue a orientao estratgica constante da ento Direco-Geral do Turismo de no incluir muita da oferta de turismo no alojamento classificado:

    Em 1980, mais de trs quartas partes da actual capacidade de alojamento turstico da regio no tero passado pela Direco-Geral do Turismo, tendo os processos corrido directamente pelas autarquias respectivas e, nalguns casos, pela D. G. Servios de Urbanizao (pelo menos os mais significa-tivos) (DGT, 1980, p. 7);

    Em 1988, o secretrio de Estado do Turismo afirma: No o Turismo que est a destruir o Algarve, mas sim a actividade imobiliria, havendo 50 000 camas legais, mas as chamadas camas paralelas atingem valores prximos das 150 000, havendo mesmo quem fale em 180 000; entre 1980 e 1989, a terminologia passa de alojamento turstico para imobiliria;

    Em 199612, o director-geral do Turismo identifica duas portas: A porta fechada a dos empreendimentos tursticos, a porta aberta a dos empreendi-mentos imobilirios. Por um lado, no h imposies nem incentivos para se abrir a porta fechada; por outro lado, a porta aberta mais barata, porque menos morosa e menos restritiva. O empresrio opta pelo caminho que acha mais adequado. O problema de uma dimenso tal que no podemos nem

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    enterrar a cabea na areia nem avanar para solues fundamentalistas a atitude mais positiva, mas a dicotomia turismo versus imobiliria con-solida-se;

    Em 2008, o novo regime jurdico da instalao e do funcionamento dos em-preendimentos tursticos anuncia um novo paradigma de explorao de empreendimentos tursticos e cria a modalidade de alojamento local, no podendo, em caso algum, utilizar a qualificao turismo e ou turstico.

    Reaces Massificao e Sazonalidade da Procura e Seus Efeitos na Oferta

    Na dcada de 1950, a poltica e a iniciativa privada esto cientes da modstia dos turistas estrangeiros. Em 1951, no arranque do desenvolvimento da oferta de turismo em Portugal, a Cmara Corporativa reconhece que temos de nos preparar para o turismo das massas, esse turismo popular do ps-guerra, consequncia da evoluo do nvel de vida dos trabalhadores e para o facto de, com o encurtamento das estadias se ter dado uma diminuio das despesas dos turistas13.

    No incio da dcada de 1960, o discurso altera-se radicalmente. No final de 1963, no Congresso de Estudos Tursticos, organizado aquando do centenrio do Dirio de Notcias, duas posies esto em confronto: por um lado, defende-se a produo indus-trializada de frias ao mais baixo preo e preciso que nos convenamos que o factor nmero um de atraco turstica o baixo preo; por outro lado, necessrio ter cautela na qualidade do turismo. Considera-se muito ajuizada a poltica dos dirigentes do turismo portugus e numa poltica de turismo de qualidade, o problema do alojamento ter de ser prioritariamente considerado atravs do problema hoteleiro.

    Esta ltima posio refora-se ao longo do tempo. facilmente observvel no dis-curso da poltica e da administrao do turismo e partilhado por sectores empresariais e com forte apoio na opinio pblica. A origem de alguns dos actuais problemas de competi-tividade da oferta turstica de Portugal reside na negao/condenao da massificao da procura. difcil intervir eficientemente num mercado quando ab initio se nega uma das suas mais importantes caractersticas.

    Implantao Espacial da Segregao Social

    No incio do turismo do Algarve existe a preocupao de separar a populao trabalhado-ra local da visitante que estrangeira e vive o cio. O crescimento do nmero de visitantes portugueses, o aumento da populao residente e a diminuio das distncias econmicas, so-ciais e culturais no eliminam a separao de espaos, mas fazem crescer a partilha de muitas

  • SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente32

    reas e servios da vida social da regio. Por volta de 1962, ainda se menciona rebanhos de turistas, em viagens organizadas, que so uma forma de colocar entre a variedade do mundo e a curiosidade ociosa uma intransponvel barreira (Ribeiro, 1987, p. 262).

    Em 1967, quando o Comissariado do Turismo se pronuncia sobre a integrao desta civilizao do cio nas estruturas locais, admitida pura e simplesmente a sua existncia lado a lado; quando considera a localizao, dimensionamento e com-posio dos ncleos tursticos e a digesto desses novos ncleos pelo ambiente natural e aglomerados actuais, conclui que considerando os meios de aco e de controle de que se dispe, achamos mais prudente a criao de novos ncleos com critrios vlidos, do que arriscar a sua construo nos actuais aglomerados. Pode mesmo dizer-se que os exemplos mais flagrantes do que se no deve fazer nesse aspecto esto patentes quando se pretende adoptar esse critrio14. Diferentes so as propostas do Planeamento Sub- -Regional do Algarve, que ligam muito do desenvolvimento turstico a ncleos urbanos existentes, pela economia em infra-estruturas urbansticas.

    No caso da massificao da procura e do turismo de massas, em 1964 a proposta de poltica de ncleos tursticos enfrenta a implantao espacial da segregao social na residncia do tempo livre pela criao de vrios tipos de ncleos tursticos; uns votados mais ao turismo de classe (centrado por exemplo em hotis de 1. e 2. e em estabeleci-mentos complementares de categoria equivalente), outros votados essencialmente ao tu-rismo de massa (apoiadas em estabelecimentos hoteleiros mais modestos, em parques de camping, em aldeias de frias, em alojamento em casa dos residentes permanentes, etc.); desta forma, procurar-se-ia fugir tanto quanto possvel ao dilema que tantas vezes se pe quanto opo entre turismo de qualidade e turismo de massa (o sublinhado nosso)15. Em Dezembro de 1964, o plano intercalar de fomento para 1965-1967 ignora as propostas tcnicas e apenas confirma reservar zonas para um turismo mais selectivo e susceptvel de suportar preos mais elevados (p. 441).

    Por esta altura, surge uma segunda linha de pensamento: a qualificao social dos turistas cresceria com a hotelaria e diminuiria com as outras modalidades de alojamento, sobre as quais os servios de turismo reconhecem nada saber.

    O plano intercalar de fomento para 1965-67 parece inaugurar o distanciamento oficial da iniludvel realidade da massificao da procura. ilusrio negar esta realidade e no organizar a inevitvel segregao espacial dos diversos grupos sociais, cada vez mais ntida no que respeita aos espaos destinados ao uso dos tempos livres. No que essa segregao no venha de longe, mas sobretudo porque, sendo cada vez maior o leque social que tem acesso a essas prticas, mais ntida se torna a segregao: nos parques (pblicos ou privados), nas reas de residncias secundrias, nas praias, nos campos de desporto, nos mais variados equipamentos destinados a prticas culturais e desportivas (Gaspar, 1987, p. 120).

  • intrOduO hiStria dO viaJar e FOrmaO dO turiSmO em POrtugal 33

    Neste incio de sculo, o litoral alentejano e o Alqueva so cenrios de uma das mais importantes tentativas pblicas e privadas de implantar territorialmente a segre-gao social, ao nvel da oferta de turismo. A ausncia de uma forte presso por estadias por parte dos estratos sociais com menos poder de compra facilita, em teoria, o sucesso da iniciativa. Quanto concretizao do seu sucesso, h que esperar pelo futuro.

    Mercado do Turismo e Poltica de Turismo

    No caso da rea de turismo do Algarve, a formao da procura de estadias do tempo livre escapa interveno da poltica e da administrao do turismo. A ttulo de mero exemplo, entre 1984 e 1988 o nmero de passageiros da Thompson Tour Operations (ento lder do mercado do holiday package no Reino Unido) passou de 1,4 a 3,3 milhes de passageiros e o lucro de 15,8 a 3,4 milhes de libras o que d em 1988 um lucro de uma libra por passageiro16. No caso do turismo residencial, talvez no seja errado afirmar que a procura existe mau grado a poltica de turismo e a indiferena do Governo e muitos dos proble-mas que se pem hoje tm a sua origem nesta dupla atitude. A procura qualificada pela qualidade da oferta. A qualidade da oferta tem dois significados diferentes:

    O de integrar atributos que a posicionem junto da procura mais qualificada; O de, a cada nvel da sua gama de produtos, responder exigncia crescente

    das expectativas de clientes cada vez mais exigentes.

    Se observarmos a oferta automvel, entenderemos o que est em causa: por um lado, a qualidade dos carros da gama alta; por outro lado, carros da classe A, com o nvel de equipamento ainda h no muitos anos reservado a carros de gama superior. Neste referencial, turista de qualidade

    uma expresso que diminui, humana e profissionalmente, quem a utiliza; e uma designao tecnicamente errada, pois uma oferta de qualidade posicio-

    na-se para captar a procura de clientes qualificados, segundo os parmetros que a caracterizam.

    O problema que se pe o de saber como, a nvel de um Pas, rea turstica, ncleo ou urbe urbano-turstica, ou um ncleo turstico fora dos permetros urbanos, possvel fazer o que se faz a nvel de um empreendimento turstico com promoo e administrao privadas, com recurso por exemplo ao modelo de marketing estratgico e operacional de Philip Kotler.

  • SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente34

    A formao da procura massificada e sazonal do viajar exige rendimento e tempo disponveis, acessos ao destino e capacidade de atrair viajantes. A partir da economia, da cultura e da poltica da sociedade da Revoluo Industrial, a procura do viajar condicionada pelo rendi-mento disponvel, mas segue o ritmo do tempo livre: fins-de-semana, pontes, frias concen-tradas ou repartidas e a reforma. No caso da viagem para estanciar durante o tempo livre, essa procura massificada e sazonal origina a formao de uma oferta de turismo estruturada por uma urbanizao e urbanismos tursticos cuja especificidade tarda a ser reconhecida pela poltica e pela opinio pblica. Este processo deve ser integrado na poltica nacional para o ambiente, o ordenamento do territrio e a urbanizao e a edificao urbanas. Antes dos anos 60, a poltica e a administrao do turismo reconhecem estncias e zonas de turismo localizadas fora dos permetros urbanos e que so objecto de anteplanos de urbani-zao, mas limitam a sua interveno deciso sobre a localizao de hotis. J nos anos 60, comea a ser definido o ordenamento turstico do territrio, que culmina no plano nacional de turismo para 1986-1989. Este culminar no tem consequncias prticas, pois coincide com a deciso de o Governo integrar a oferta de turismo na poltica de ordenamento do territrio e das implicaes espaciais da poltica do ambiente. A partir de 1998, quando tal passa a ser le-galmente possvel, a administrao do turismo, com a excepo da das Regies Autnomas, no elabora os planos sectoriais do turismo, que influenciariam o ordenamento do territrio. Desde o incio dos anos 60, a poltica e a administrao do turismo no criam o quadro legal adequado nova oferta de turismo, em casos to relevantes como as modalidades de aloja-mento, os empreendimentos de propriedade plural e os conjuntos tursticos. Este processo mais evidente no Algarve, onde as camas classificadas no atingem as 100 000 e o nmero de fogos de uso sazonal (prximos do alojamento turstico privado na definio da Unio Eu-ropeia) estimado em 140 000 esta a realidade pejorativamente designada por imobiliria e camas paralelas (a partir do incio dos anos 80) e remetida para o alojamento local em 2008.

    P O N T O D A S I T U A O

    N O T A S

    1 Presidncia do Conselho, Relatrio Preparatrio do Plano de Investimentos para 1965-1967, Relatrio do Grupo de Trabalho n. 13, Turismo, Lisboa, 1964.

    2 Independente, 24 de Fevereiro de 1992.

  • intrOduO hiStria dO viaJar e FOrmaO dO turiSmO em POrtugal 35

    3 Action for More Sustainable European Tourism, Report of the Tourism Sustainability Group, Fevereiro de 2007, e Comunicao da Comisso, Agenda para um Turismo Europeu Sustentvel e Competitivo, COM (2007) 621 final, Bruxelas, 19.10.2007

    4 As definies de urbanizao e urbanismo turstico so baseadas em Choay e outros, Dictionnaire de lUrbanisme et de lAmnagement.

    5 Lei n. 1152, de 23 de Abril de 1921.

    6 Decreto-Lei n. 114/70, de 18 de Maro.

    7 Presidncia do Conselho, Relatrio Preparatrio do Plano de Investimentos para 1965-1967, Relatrio do Grupo de Trabalho n. 13, Turismo, Lisboa, 1964.

    8 No Centro de Documentao da extinta DGT apenas havia alguns documentos, no estruturados, sobre esta iniciativa pioneira.

    9 Barlavento, 29/9/1988.

    10 Despacho conjunto dos secretrios de Estado do Turismo e da Administrao Local e Ordenamento do Territrio (SET e SEALOT).

    11 Resoluo do Conselho de Ministros, n. 8/95, de 9 de Fevereiro.

    12 Entrevista ao director-geral do Turismo, Eng. Henrique Montelobo, pela revista Turismohotel.

    13 Parecer 25/V, da Cmara Corporativa, 1951, pontos 25 e 22.

    14 Comissariado do Turismo, Arq. Carlos Ramos, Esbocetos dos Planos Sub-Regionais do Algarve, Pare-cer, Lisboa, 1967a.

    15 Presidncia do Conselho, Relatrio Preparatrio do Plano de Investimentos para 1965-1967, Relatrio do Grupo de Trabalho n. 13, Turismo, Lisboa, 1964.

    16 Michael East, Travel News, 31/8/1989.

  • Captulo 2

    AMBIENTE

    S U M R I O

    No incio dos anos 60, j emerge a conscincia cultural, tcnica e poltica dos valores ambientais a proteger e a aproveitar para o turismo. Esta conscincia conhece uma evoluo contraditria, entre manifestaes do seu reforo e uma tendncia, que dominante, para a sua degradao.

    A partir do 25 de Abril, os valores ambientais afirmam-se no Governo, na Ad-ministrao Pblica, no sector empresarial do Estado e na sociedade civil, na qual se destacam as organizaes no governamentais do ambiente.

    Esta afirmao coincide com a insuficiente regulao da ocupao do territrio pela oferta de turismo e a no-prestao dos necessrios servios ambien-tais. Assim se criam:

    uma bolha especulativa sobre o impacte do turismo no consumo de recur-sos finitos e na poluio da natureza;

    e uma inverso de valores, com o assacar de responsabilidades ao desenvolvimento do turismo e no incapacidade da poltica e da Ad-ministrao para regular a ocupao do territrio e prestar os servios pblicos ambientais.

    A criao e o ordenamento da actual rede fundamental da proteco da natu-reza, a definio/aplicao do impacte ambiental e o desenvolvimento da oferta de turismo esto na origem de tenses territoriais e culturais. A sua compatibilizao o cerne da sustentabilidade.

  • 38 SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente

    RECORDAR PRIMRDIOS PERTINENTES

    A Conscincia dos Valores Ambientais a Proteger e a Aproveitar

    Os Primrdios

    A Liga para a Proteco da Natureza criada em 1947, directamente relacionada com a proteco da serra da Arrbida, mas fruto de uma conscincia nacional de valores ambientais que remontam ao final do sculo XIX (o curioso e o estudioso devem ocupar-se com a divulgao da obra dos servios florestais).

    Em meados da dcada de 1950, quando se inicia a construo de hotis, o ministro das Obras Pblicas exige o parecer da Direco-Geral dos Servios Hidrulicos sempre que a sua localizao pe em causa a proteco de dunas e falsias.

    Os Valores Ambientais na Mutao do Turismo do Algarve

    Em 1962, o anncio da prioridade poltica da construo do aeroporto de Faro desencadeia a procura de terrenos para edificar empreendimentos tursticos, nos quais o turismo residencial dominante. Desde meados de 1963, o Ministrio das Obras Pblicas defende a compatibilizao entre conservar o que deve ser conservado e fomentar o desenvolvimento do Turismo onde tal possvel. Em Janeiro de 19641, o primeiro documento estratgico do Plano Regional do Algarve reconhece que:

    na transformao da paisagem natural e cultural da zona costeira, apresen-tam-se simultaneamente e com a mesma agudeza dois aspectos, por vezes contrrios, por vezes concordantes: o da defesa da magnfica e delicadssima paisagem da costa e sua vizinhana, o da valorizao turstica e econmica dos estupendos recursos da regio;

    h que encontrar o ponto de equilbrio entre esta necessidade de desenvolvi-mento econmico e a outra imprescindvel necessidade de salvaguardar, o melhor possvel, os valores artsticos, paisagsticos e do meio ambiente das

  • ambiente 39

    melhores localidades, os quais, oportuno recordar, so, em conjunto com o mar, o sol, as praias, elementos de primeira ordem, tanto no plano das vanta-gens econmicas, como no do prestgio cultural.

    A estratgia est definida; tudo o que se segue a execuo. O Plano Regional do Algarve e o Planeamento Sub-Regional que se segue so exemplares na tentativa de compatibilizao de conservar e desenvolver e na incapacidade do poder poltico para tomar as decises que se impem, permitindo e facilitando a degradao dos valores am-bientais que vai ter lugar.

    Aproveitamento dos Valores Ambientais

    Em 1970, a primeira definio legal de parque natural admite que este integre zonas de reservas tursticas, definidas como zonas a desenvolver segundo as necessidades das populaes e do turismo, em conformidade com os objectivos do parque, e subordinadas a um ordenamento destinado a favorecer a sua unidade e conservao natural e a harmonia das construes.

    Em 19712, quando redefine o regime jurdico dos terrenos do domnio pblico hdrico, o Governo toma duas decises:

    Entre os usos privativos que o Conselho de Ministros pode considerar como sendo de utilidade pblica, figura a edificao de estabelecimentos hotelei-ros ou similares, declarados de interesse para o turismo e os conjuntos tursti-cos como tais qualificados nos termos da legislao em vigor [ a lei hoteleira de 1969];

    Reconhece que, nas albufeiras de guas pblicas, as facilidades crescentes de deslocao das populaes fomentam o turismo e, conjugando-se com os atractivos naturais ou derivados das albufeiras, fazem dos terrenos circundan-tes de algumas delas lugares eleitos para a construo de casas de vilegiatura e instalao de parques de campismo e estabelecimentos hoteleiros ou simi-lares.

    Desde 1967 e no quadro do Plano Regional do Algarve, o ordenamento paisags-

    tico do Algarve3 defende a conservao de toda a rea de pinhal a norte da praia do Anco, mas continua a no reconhecer o valor ecolgico da ria de Faro. Esta posio altera-se, e em 1972 um consultor da DGT prope que a rea do parque natural se estenda do Anco at zona de Cacela4.

  • 40 SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente

    Ignorar e Deixar Degradar os Valores Ambientais

    Ignorar os Valores Ambientais

    At quase ao final da dcada de 1960, ainda so formuladas propostas de utili-zao agrcola dos sapais do Algarve. Estas propostas vm de longe e tm concretizao real no quadro do I Plano de Fomento para 1953-1958, quando construda a barragem da Bravura e so recuperados para a agricultura os sapais de Odexere e Alvor (Oliveira, 1982, p. 7). Podemos citar outros exemplos de desprezo dos valores ambientais:

    Em 1956, desafectada do domnio pblico martimo e integrada no domnio privado do Estado uma rea de pouco mais de 47 hectares da ilha de Faro, cedida a ttulo definitivo e gratuito para ser urbanizada de harmonia com o plano aprovado pelo MOP; e a ponte inaugurada em 1957 no encontr-mos rasto de qualquer aprovao de plano de urbanizao;

    Em 1962, o Governo decide a localizao do aeroporto de Faro em zona que seria hoje parque natural se l no tivesse sido construdo o aeroporto:

    No seguimento de propostas elaboradas desde 1966, o III Plano de Fomento para 1968-1973 dispe que tendo em vista as dificuldades que se levantam quanto aos elevados preos dos terrenos, prev-se a fixao de normas de uti-lizao de parcelas do domnio do Estado e, bem assim, a publicao de legis-lao que estabelea efectivos obstculos especulao sobre terrenos5;

    Ainda em 1968, o Governo decidiu a simplificao do processo de desa-fectao dos terrenos do domnio pblico martimo, de maneira a facilitar o arroteamento de terrenos improdutivos e impulsionar a elaborao e a execuo dos planos de aproveitamento das margens e de urbanizao local, facultando, designadamente, as infra-estruturas indispensveis a zonas de grande interesse turstico, em ambos os casos com manifesto proveito para a economia nacional6;

    Em 1970, o plano de obras da Comisso Regional de Turismo ainda prev estradas de acesso s ilhas de Armona e de Tavira.

    No Algarve, a ausncia dos actuais Servios Ambientais (gua, esgotos e resduos urbanos) agravada pela urbanizao turstica dispersa. A Administrao Central e as cmaras municipais no respeitam as exigncias dos Servios Ambientais que constam da aprovao de projectos.

  • ambiente 41

    Deixar Degradar a Proteco de Valores Ambientais

    Deixar degradar a proteco dos valores ambientais no uma atitude linear, mas consistente. No linear porque, para alm das que figuram nos primeiros documentos do Plano Regional do Algarve, sucedem-se propostas dos tcnicos sobre a matria:

    Os arquitectos responsveis pelo Planeamento Sub-Regional formulam pro-postas concretas e fortes de organizao da oferta de turismo, mas propostas sempre ignoradas pelo poder poltico;

    Ainda em 1972, com base na legislao urbanstica de 1970, a Direco-Geral dos Servios de Urbanizao (DGSU) decide enviar quatro planos do planea-mento sub-regional, para parecer do Conselho Superior das Obras Pblicas e Transportes (CSOPT) e posterior despacho ministerial;

    H pareceres dos servios de turismo contra o excesso de construo e a cons-truo em altura, sem valorizao paisagstica.

    A degradao dos valores ambientais consistente e vai durar dcadas:

    So autorizados empreendimentos tursticos e residenciais sem ter em consi-derao o abastecimento de gua, o tratamento dos esgotos e a recolha do lixo;

    Os raros casos de interveno pblica so as excepes que confirmam a regra: a primeira proposta relevante de investimento em infra-estruturas elaborada em 1969 e est na origem do plano de obras, que em grande parte explica a criao da Regio de Turismo do Algarve, mas o plano no executado;

    Perde-se a noo de proteco de dunas, arribas e lugares identificados como sen-sveis os mesmos altos funcionrios que, com o ministro Arantes e Oliveira, se opunham aprovao de edificaes junto s falsias passam a aprov-las;

    Esta perda da noo de proteco ambiental vai agravar as consequncias da urbanizao turstica dispersa, pelo licenciamento municipal de loteamentos urbanos licenciamento que, nunca o esqueamos, implica a responsabili-dade da Administrao Central e do Governo.

    A responsabilidade do Governo ilustrada com o caso do plano sub-regional para a zona costeira centrada em Armao de Pra. O parecer do CSOPT sobre o esboceto do plano prope a promulgao das medidas cautelares, nos termos da lei de solos apro-vada em 19707. Em Fevereiro de 1973, o ministro solicita a converso do esboceto em Plano Geral de Urbanizao, mas decide: Nas condies actuais, de intensa iniciativa urbanstica e turstica, no me parece curial sujeitar toda a faixa litoral do Algarve a me-

  • 42 SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente

    didas preventivas, mesmo quando apenas abrangendo a dependncia de autorizao da Administrao. A proposta do CSOPT no menciona toda a faixa litoral do Algarve, mas essa seria uma medida importante e necessria, que em teoria o ministro de uma ditadura poderia facilmente tomar. No tomou, porque no quis ou imposies mais altas o impediram de tomar. Ignorar e deixar degradar os valores ambientais faz parte de uma poltica e de uma cultura cujas consequncias se manifestam por todo o Pas, em especial nas reas de maior desenvolvimento urbano.

    A urbanizao turstica do Algarve no caso nico, mas o que mais visibilidade tem e mais violentas reaces provoca no sistema poltico e administrativo e na opinio pblica. A natureza desta hipersensibilidade ao impacte, no ambiente e no ordenamento do territrio, da oferta de turismo em geral e, muito em particular, da oferta de turismo do Algarve justifica investigao especfica.

    Uma Pesada Herana e Uma Aco Simples

    Os problemas ambientais do desenvolvimento turstico do Algarve so simples, mas, para alm dos danos ambientais, vo ter tambm pesados efeitos culturais:

    A urbanizao dispersa da frente mar uma das razes que leva a que o turismo consuma recursos limitados e que so patrimnio comum proteja-se o litoral;

    Regule-se a urbanizao turstica mais para o interior e o terreno deixar de ser um recurso raro e limitado;

    Invista-se em barragens que transformam recursos hdricos em gua dis-ponvel, estabelea-se uma, ainda ausente, poltica consistente de economia na utilizao da gua e, face ao consumo do turismo, a gua deixar de ser um recurso limitado;

    Invista-se, com eficincia e sem desperdcio de fundos pblicos, no tratamento de esgotos e a poluio pelo turismo passar a ser, seja-nos permitida a ex-presso, um problema de caca;

    E modernize-se a recolha e o tratamento de resduos slidos, organizem-se sis-temas especiais para zonas de concentrao de estabelecimentos, e teremos uma oferta mais competitiva.

    Os pesados efeitos culturais de um longo perodo de irresponsabilidade pblica e privada so descritos a seguir: a criao de uma bolha especulativa sobre a poluio pela oferta de turismo e a inverso de valores na prestao de servios ambientais.

  • ambiente 43

    A AFIRMAO dos VALORES do AMBIENTE

    O Ambiente no Governo, na Administrao Pblica e no Sector Empresarial

    O Ambiente no Governo

    O lugar que o ambiente ocupa no Governo confirma o crescimento exponencial da importncia da poltica, da Administrao Central, da Administrao desconcentrada e do sector empresarial do Estado da rea do ambiente:

    1974 a 1980: Secretarias de Estado; 1981: Ministrio da Qualidade de Vida; 1987: Lei de Bases do Ambiente; 1995: Ministrio do Plano (depois, Planeamento) e Administrao Territorial; 1990: Ministrio do Ambiente e Recursos Naturais; 1993: a Lei Orgnica do MARN fixa a estrutura da Administrao Pblica do

    Ambiente; 1997: Ministrio do Ambiente; 1999: Ministrio do Ambiente e Ordenamento do Territrio.

    Em 1999, a constituio do Ministrio do Ambiente e Ordenamento do Territrio, com a integrao do ordenamento do territrio, fixa a integrao do ambiente no Governo o que se segue so alteraes que no tocam no core business, se nos permitida a expresso.

    O Ambiente na Administrao Central

    Em 20068, redefinida a estrutura da Administrao Central relativa ao ambiente:

    Na administrao directa do Estado: Agncia Portuguesa do Ambiente.

  • 44 SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente

    Na administrao indirecta do Estado, Instituto da gua, IP; Instituto da Conservao da Natureza e da Biodiversidade, IP; Entidade Reguladora dos Servios de guas e Resduos, IP. Sob superintendncia e tutela do ministro, as cinco Administraes de Regio

    Hidrogrfica.

    A lista inclui ainda a Direco-Geral do Ordenamento do Territrio e Desenvolvi-mento Urbano e as Comisses de Coordenao e Desenvolvimento Regional.

    O Ambiente na Administrao Desconcentrada

    Entre 1944 e 1986, h pequenos Servios Regionais de algumas das instituies centrais do ordenamento do territrio e do ambiente. A origem das CC(D)R remonta ao III Plano de Fo-mento para 1968-73 e criao de quatro Comisses Regionais de Planeamento (a Comisso da Regio Sul, com sede em vora compreende a Sub-Regio do Algarve). Em 1979, as cinco CCR so criadas no Ministrio da Administrao Interna com competncias ligadas s autar-quias e coordenao de aces intersectoriais de interesse regional (Brito, 2005, p. 41).

    Em 1985 as Comisses de Coordenao Regional so integradas no Ministri do Planeamento e Administrao do Territrio, com poder nas reas do ambiente, ordena-mento do territrio e desenvolvimento regional e fundos comunitrios,

    1993: Direces Regionais do Ambiente e Recursos Naturais, depois Di-reces Regionais do Ambiente (1997).

    1999: Direces Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Territrio, com perda de poder das CCR, no ambiente e no ordenamento do Territrio.

    2003: extino das CCR e DRAOT e criao das Comisses de Coordenao e Desenvolvimento Regional, redefinidas em 2007.

    2007: Lei da gua e legislao posterior, com a Unio Europeia a impor uma disciplina nova na gesto e utilizao dos recursos hdricos so criadas as Administraes Regionais Hidrogrficas.

    Ao longo de mais de 30 anos a Administrao desconcentrada do ambiente sede de uma crescente capacidade tcnica, elemento de interveno de cariz poltico e da cul-tura que condiciona o desenvolvimento do turismo, sempre que h iniciativas empre-sariais significativas.

  • ambiente 45

    O Ambiente no Sector Empresarial do Estado

    O sector empresarial do Estado comea a ter significado a partir da necessidade de prestar servios ambientais que respeitem as normas comunitrias. A partir da criao do Ministrio do Ambiente atinge influncia importante pela sua escala, pelo tipo de servios que assegura, pela relao com as autarquias municipais e pelo debate sobre a natureza pblica ou privada dos seus accionistas. Em 2006, o ministro responsvel pela rea do ambiente (sem prejuzo dos poderes legais do Conselho de Ministros e do ministro das Finanas) exerce a competncia relativa definio das orientaes das entidades do sector empresarial do Estado, com as seguintes atribuies:

    Requalificao ambiental; Prestao de servios de abastecimento pblico de gua e de saneamento de

    guas residuais; Reduo, tratamento, valorizao e elementos de resduos; Reabilitao urbana. A integrao de directivas comunitrias no ordenamento jurdico nacional, os

    fundos comunitrios e a presso da procura turstica e residencial esto na origem de uma profunda transformao, ainda em curso, na prestao de servios ambientais.

    Da agenda actual destacamos:

    os entendimentos de empresas pblicas de guas e resduos com as cmaras municipais e a eventual privatizao de parte deste sector econmico;

    a clarificao da independncia, da fora e da capacidade de interveno de uma entidade reguladora que assegure a transparncia dos preos e a eficin-cia dos servios prestados por monoplios.

    Das Associaes de Defesa do Ambiente s Organizaes no Governamentais do Ambiente

    Disposies Legais

    A lei das associaes de defesa do ambiente de 1987 d lugar ao estatuto das Organizaes no Governamentais do Ambiente de 199810. As ONGA so definidas

  • 46 SuStentabilidade, OrdenamentO dO territriO e ambiente

    como as associaes dotadas de personalidade jurdica e constitudas nos termos da lei geral que no prossigam fins lucrativos, para si