Manual de Lógica

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1 ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA FORMAL A. Distinção validade verdade 0. Definição de Lógica: Lógica é o estudo do raciocínio válido. Examina as formas da argumentação para distinguir argumentos (ou raciocínios) válidos dos falaciosos (não válidos). 1. Conceito e termo 1.1. Conceito: representação, ao nível do entendimento ou da mente e de forma abstracta, de objectos da mesma espécie. É uma ideia geral que contém aquilo que há de comum e permanente numa da espécie de seres. 1.1.1. Exemplos de conceitos: Conceitos concretos: cão, gato, homem, carro, povo, etc. Conceitos abstractos: bem, justo, belo, verdadeiro, triângulo, etc. 1.2. Termo: expressão linguística que designa um conceito 1.2.1. Exemplos da relação entre conceito e termo: Conceito «árvore» pode ser designado por múltiplos termos: arból (espanhol), tree (inglês), arbre (francês), Baum (alemão). Termos “encarnado” e “vermelho” designam, na língua portuguesa, o mesmo conceito. Termo “banco” pode designar, na língua portuguesa, conceitos diferentes: «uma instituição bancária» ou «um objecto com determinadas características onde as pessoas se sentam». Nota: nós pensamos com conceitos, mas precisamos dos termos para lhe dar uma denominação e poder comunicar o nosso pensamento (seja aos outros, seja a nós mesmos) 1.3. Compreensão e extensão dos conceitos 1.3.1. Compreensão de um conceito: conjunto de propriedades que atribuímos a uma espécie ou classe de seres. Compreensão do conceito «homem»: a compreensão deste conceito contém as propriedades que são comuns a todos os homens: a animalidade e a racionalidade. Todos os homens são animais racionais. 1.3.2. Extensão de um conceito: conjunto de seres singulares abrangidos pelo conceito. Lógica – 11.º ano

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Lógica - Filosofia 10º ano

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ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA FORMAL

A. Distinção validade verdade

0. Definição de Lógica: Lógica é o estudo do raciocínio válido. Examina as formas da argumentação para distinguir argumentos (ou raciocínios) válidos dos falaciosos (não válidos).

1. Conceito e termo1.1. Conceito: representação, ao nível do entendimento ou da mente e de forma abstracta, de

objectos da mesma espécie. É uma ideia geral que contém aquilo que há de comum e permanente numa da espécie de seres.

1.1.1. Exemplos de conceitos: Conceitos concretos: cão, gato, homem, carro, povo, etc.Conceitos abstractos: bem, justo, belo, verdadeiro, triângulo, etc.

1.2. Termo: expressão linguística que designa um conceito1.2.1. Exemplos da relação entre conceito e termo:

Conceito «árvore» pode ser designado por múltiplos termos: arból (espanhol), tree (inglês), arbre (francês), Baum (alemão).Termos “encarnado” e “vermelho” designam, na língua portuguesa, o mesmo conceito.Termo “banco” pode designar, na língua portuguesa, conceitos diferentes: «uma instituição bancária» ou «um objecto com determinadas características onde as pessoas se sentam».

Nota: nós pensamos com conceitos, mas precisamos dos termos para lhe dar uma denominação e poder comunicar o nosso pensamento (seja aos outros, seja a nós mesmos)

1.3. Compreensão e extensão dos conceitos1.3.1. Compreensão de um conceito: conjunto de propriedades que atribuímos a uma espécie

ou classe de seres.Compreensão do conceito «homem»: a compreensão deste conceito contém as propriedades que são comuns a todos os homens: a animalidade e a racionalidade. Todos os homens são animais racionais.

1.3.2. Extensão de um conceito: conjunto de seres singulares abrangidos pelo conceito.Extensão do conceito «homem»: a extensão deste conceito contém todos os seres humanos (existentes, passados e futuros).

1.3.3. Regra da relação entre compreensão e extensão: quanto maior é a compreensão menor é a extensão.

1.3.3.1. Exemplosa) Compreensão: animal racional Extensão: todos os homensb) Compreensão: animal racional masculino Extensão: todos os elementos

masculinos da espéciec) Compreensão: animal racional feminino branco Extensão: todos os elementos

femininos de raça branca da espécie

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2. Juízo e Proposição2.1. Juízo: Juízo é uma operação lógica onde se estabelece a relação entre dois conceitos.2.1.1. Exemplos de Juízos:

Alguns homens são brancos (estabelece uma relação entre os conceitos de homem e de branco).Nenhum gato é deputado (estabelece uma relação (negativa) entre os conceitos de gato e de deputado.

2.2. Proposição: é a expressão verbal ou linguística de um juízo. Podemos dizer, por comodidade e como o faz o manual (p. 30), que um juízo é uma proposição categórica.2.3. Estrutura do juízo ou da proposição categórica

Um juízo ou proposição categórica é composto por: quantificador, sujeito, cópula e predicado. Considere-se o seguinte juízo: Todos os gatos são pardos.

Todos os gatos são pardosquantificador sujeito cópula predicado

2.3.1. Definições dos elementos estruturais de um juízo:Quantificador: indica a quantidade (universal ou particular) do juízo. Note bem: É a quantidade do sujeito que determina a quantidade do juízo.Sujeito: conceito acerca do qual se nega ou afirma uma determinada propriedade ou qualidade.Cópula: estabelece – afirmando ou negando – a relação entre o sujeito e o predicado.Predicado: conceito que refere uma certa qualidade ou propriedade a atribuir ou negar ao sujeito.

2.4. As formas dos juízos ou proposições categóricas e a lógica silogística: a lógica silogística estuda apenas argumentos constituídos por proposições que tenham qualquer uma das seguintes quatro formas lógicas:

• Todos os A são B. (Proposição universal afirmativa)• Nenhuns A são B. (Proposição universal negativa)• Alguns A são B. (Proposição particular afirmativa)• Alguns A não são B. (Proposição particular negativa)

TIPO QUANTIDADE/QUALIDADE DA PROPOSIÇÃO

EXEMPLO ABSTRACTO

A Universais afirmativas Todos os A são BE Universais negativas Nenhuns A são BI Particulares afirmativas Alguns A são BO Particulares negativas Alguns A não são B

2.5. Distribuição de um termo nas proposições: um termo está distribuído quando se encontra na sua máxima extensão, isto é, universal.2.5.1. Distribuição de um termo na posição de sujeito (s) e de predicado (p):

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Sujeito na proposição Distribuição

Todos os homens são mortais (Todos os A são B). Sujeito – distribuído;Predicado – não distribuído.

Nenhuns homens são mortais (Nenhuns A são B). Sujeito – distribuído;Predicado – distribuído.

Alguns homens são mortais (Alguns A são B). Sujeito – não distribuído;Predicado – não distribuído.

Alguns homens não são mortais (Alguns A não são B). Sujeito – não distribuído;Predicado – distribuído.

Nota: A) Nas proposições ou juízos afirmativos (sejam universais ou particulares) o predicado é particular (não está distribuído); B) Nas proposições ou juízos negativos (sejam universais ou particulares) o predicado é universal (está distribuído).

2.5.2. Colocar na forma canónica ou forma padrão: significa transformar uma frase declarativa que está na linguagem comum numa proposição lógica. Exemplo: Os homens morrem (linguagem comum) -> Todos os homens são mortais (proposição lógica – universal afirmativa). Isto aplica-se também nos casos das universais afirmativas, das particulares afirmativas e das particulares negativas.

3. Silogismo (raciocínio silogístico)3.1. Raciocínio: é uma operação lógica do intelecto ou entendimento, na qual se utiliza uma ou várias proposições para justificar uma outra, que funciona como tese ou conclusão.

3.1.1. Silogismo: é um raciocínio composto por três proposições declarativas. Uma funciona como Premissa maior, outra como Premissa menor e a terceira como conclusão.

Exemplo de silogismoPremissa Maior Todos os homens são mortais.Premissa Menor Todos os portugueses são homens.Conclusão Logo, Todos portugueses são mortais.

3.1.2. A definição de silogismo inclui, para além da composição de três proposições declarativas e respectivas funções, os termos que compõem as proposições: Termo maior (presente na premissa maior e na conclusão como predicado); Termo médio (presente nas premissas maior e menor); Termo menor (presente na premissa menor e na conclusão como sujeito).3.1.3. Definição de silogismo: é um raciocínio (ou argumento) dedutivo composto por três proposições [Premissa Maior (P), Premissa menor (p) e Conclusão (c)] e por três termos [Maior (T), Médio (M) e Menor (t)], os quais se estruturam dois a dois nas proposições, conforme o quadro seguinte:

Proposições Termos contidos nas proposiçõesPremissa Maior (P) Maior (T), Médio (M) [a ordem é variável].Premissa menor (p) Menor (t), Médio (M) [a ordem é variável].

Conclusão (c) Menor (t), Maior (T) [obrigatoriamente por esta ordem].

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3.1.4. Processo do raciocínio (ou argumento) silogístico: num silogismo válido, a conclusão decorre necessariamente das premissas maior e menor. Nas premissas, o termo maior (predicado na conclusão) e o termo menor (sujeito na conclusão) são relacionados com o termo médio. Sem a relação com o termo médio não era possível extrair uma conclusão (esta é sempre uma relação entre o termo menor e o termo maior).

4. Validade e verdade4.1. A verdade não diz respeito aos raciocínios, mas ao conteúdo dos juízos.4.1.1. Juízos são frases declarativas que possuem valor de verdade (podem ser falsos ou

verdadeiros).

Juízo Valor de verdadeTodos os homens são mortais VTodos os gorilas são imortais F

4.1.1.1. Só os juízos possuem valor de verdade.4.2. A validade diz respeito ao raciocínio (ou argumentos).4.2.1. Os raciocínios (ou argumentos) podem ser válidos ou inválidos (falaciosos).

Raciocínio Validade

Todos os mamíferos são gatos.Nenhum cão é gato.Logo, nenhum cão é mamífero.

Válido(porque a conclusão

decorre necessariamente das premissas).

Todos os gatos são mamíferos.Nenhum cão é gato.Logo nenhum cão é mamífero.

Inválido(a conclusão não deriva das premissas; comete a falácia da ilícita maior)

4.2.1.1. Só os raciocínios (ou argumentos) possuem validade ou são falaciosos.4.3. Um raciocínio (ou argumento) é consistente se for válido e as suas premissas forem

verdadeiras. Neste caso, a conclusão – que é um juízo ou proposição – será necessariamente verdadeira.

B. Formas de inferência válida (lógica aristotélica)

0. Figuras e modos: Figuras e modos são formas de classificação dos silogismos.1. Figuras do silogismo: são as formas que o silogismo pode tomar devido à posição (sujeito ou predicado) do termo médio nas premissas maior e menor.1.1. São possíveis quatro (4) figuras do silogismo:

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Figura Exemplo (silogismo) Posição do termo médio

1.ª figura: SPTodo o homem é mortal.Todos os portugueses são homens.Logo, todos os portugueses são mortais.

Sujeito na premissa maior.Predicado na premissa menor.

2.ª figura: PPTodo o homem é racional.Nenhum cão é racional.Logo, nenhum cão é homem.

O termo médio é predicado nas premissas maior e menor.

3.ª figura: SSTodos os homens são racionais.Todos os homens são mortais.Logo, alguns mortais são racionais

O termo médio é sujeito nas premissas maior e menor.

4.ª figura: PSTodos os europeus são homens.Todos os homens são animais.Logo, alguns animais são europeus.

Predicado na premissa maior.Sujeito na premissa menor.

2. Modos do silogismo: o modo do silogismo indica o tipo das três proposições do silogismo.

Figura Exemplo (silogismo) Tipo da proposição

Modo do silogismo

1.ª figuraTodo o homem é mortal.Todos os portugueses são homens.Logo, todos os portugueses são mortais.

AAA

AAA

2.ª figuraTodo o homem é racional.Nenhum cão é racional.Logo, nenhum cão é homem.

AEE

AEE

3.ª figuraTodos os homens são racionais.Todos os homens são mortais.Logo, alguns mortais são racionais

AAI

AAI

4.ª figuraTodos os europeus são homens.Todos os homens são animais.Logo, alguns animais são europeus.

AAI

AAI

2.1. São possíveis 256 modos de silogismos:2.1.1. Por cada uma das três (3) proposições do silogismo existem quatro possibilidades de

combinação quantidade/qualidade (A – E – I – O). Isto significa que em cada figura existem 64 modos possíveis de silogismo (4x4x4=64).

2.1.2. Como existem 4 figuras do silogismo, então são possíveis 256 (4x64=256) modos possíveis de silogismo.

2.1.3. Dos 256 modos possíveis do silogismo, apenas dezanove (19) são válidos. Todos os outros infringem as regras do silogismo.

2.1.4. Os modos legítimos por figura

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Figura Modoslegítimos

Silogismo Tipo de proposição

1.ªAAA

(BAR-BA-RA)

Todo o A é BTodo o C é ATodo o C é B

AAA

EAE(CE-LA-RENT)

Nenhum A é BTodo o C é ANenhum C é B

EAE

AII(DA-RI-I)

Todo o A é BAlguns C são AAlguns C são B

AII

EIO(FE-RI-O)

Nenhum A é BAlguns C são AAlguns C não são B

EIO

Figura Modoslegítimos

Silogismo Tipo de proposição

2.ª EAE(CESARE)

Nenhum A é BTodo o C é BNenhum C é A

EAE

AEE(CAMESTRES)

Todo o A é BNenhum C é BNenhum C é A

AEE

EIO(FESTINO)

Nenhum A é BAlguns C são BAlguns C não são A

EIO

AOO(BAROCO)

Todo o A é BAlguns C não são BAlguns C não são A

AOO

Figura Modoslegítimos

Silogismo Tipo de proposição

3.ª

AAI(DARAPTI)

Todos os A são BTodos os A são CAlguns C são B

AAI

EAO(FELAPTON)

Nenhum A é BTodo o A é CAlguns C não são B

EAO

IAI(DISAMIS)

Alguns A são BTodo o A é CAlguns C são B

IAI

OAO(BOCARDO)

Alguns A não são BTodos os A são CAlguns C não são B

OAO

AII(DATISI)

Todos os A são BAlguns A são CAlguns C são B

AII

EIO(FERISON)

Nenhum A é BAlguns A são CAlguns C não são B

EIO

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Figura Modoslegítimos

Silogismo Tipo de proposição

4.ª AAI(BAMALIP)

Todo o A é BTodo o B é CAlguns C são A

AAI

AEE(CALEMES)

Todo A é BNenhum B é CNenhum C é A

AEE

IAI(DIMATIS)

Alguns A são BTodo o B é CAlguns C são A

IAI

EAO(FESAPO)

Nenhum A é BTodo o B é CAlguns C não são A

EAO

EIO(FRESISON)

Nenhum A é BAlguns B são CAlguns C não são A

EIO

3. Regras do Silogismo: o silogismo apresenta oito (8) regras, das quais quatro (4) dizem respeito aos termos e quatro (4), às premissas.3.1. Regras referentes aos termos3.1.1. Todo silogismo contém somente 3 termos: maior, médio e menor;3.1.2. Os termos da conclusão não podem ter extensão maior que os termos das premissas;3.1.3. O termo médio não pode entrar na conclusão;3.1.4. O termo médio deve ser universal ao menos uma vez;3.2. Regras referentes às premissas3.2.1. De duas premissas negativas, nada se conclui;3.2.2. De duas premissas afirmativas não pode haver conclusão negativa;3.2.3. A conclusão segue sempre a premissa mais fraca;3.2.4. De duas premissas particulares, nada se conclui.

4. Falácias do silogismo:4.1. Falácia da ilícita maior. Esta falácia resulta da violação da seguinte regra: «Os termos da

conclusão não podem ter extensão maior que os termos das premissas». No caso da ilícita maior, o termo maior é mais extenso na conclusão do que na premissa maior. Exemplo:

Todos os gatos são mamíferos. (o termo maior, mamífero, é particular)Nenhum cão é gato.Logo, nenhum cão é mamífero. (o termo maior, mamífero, é universal).

4.2. Falácia da ilícita menor. Esta falácia resulta da violação da seguinte regra: «Os termos da conclusão não podem ter extensão maior que os termos das premissas». No caso da ilícita menor, o termo menor é mais extenso na conclusão do que na premissa menor. Exemplo:

Todos os romanos são habitantes de RomaTodos os romanos são italianos (o termo menor, italianos, é particular)Logo, todos os italianos são habitantes de Roma (o termo menor, italianos, é universal)

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4.3. Falácia do termo médio não distribuído. Esta falácia resulta da violação da seguinte regra: «O termo médio deve ser universal ao menos uma vez». Quando ocorre esta falácia, o termo médio apresenta-se como particular em ambas as premissas.

Alguns gatos são omnívoros.Todos os herbívoros são gatos.Logo, todos os herbívoros são omnívoros

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