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Maputo, Março de 2017. 1 a Edição República de Moçambique © 2017 Mafalala: das Origens à Actualidade (Catálogo de Informação Turística e Cultural) Projecto de Capacitação Institucional do Ministério de Cultura e Turismo Financiamento: Banco Mundial catalogo mafalala 2.indd 1 6/27/17 12:51 PM

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Maputo, Março de 2017. 1a EdiçãoRepública de Moçambique

© 2017

Mafalala: das Origens à Actualidade(Catálogo de Informação Turística e Cultural)

Projecto de Capacitação Institucional do Ministério de Cultura e TurismoFinanciamento: Banco Mundial

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Ficha Técnica:

Título: Mafalala, das Origens à Actualidade

Edição: ARPAC – Instituto de Investigação Sócio-Cultural

Direcção: João Fenhane

Coordenação: Angélica Munhequete, Marílio Wane e Ruben Taibo

Autores: João Fenhane, Angélica Munhequete, Alda Damas, Ruben Taibo, Marílio Wane, e Dulámito Aminagi

Colaboração: Angélica Munhequete, Ludovico Archer, Agnelo Navaia, Alda Damas, Dulámito Aminagi, Cândido Nhaquila,

Sónia Ajuda, Rosário Lemia, Célia Mazuze, Sérgio Manuel, Isidro Chichango, Eugénio Muvale e Lito Malanzelo

Designer: Cândido Nhaquila

Fotografia: Ernesto Matsinhe, Cândido Nhaquila e Marílio Wane

Revisâo Linguística: Eugénio Matusse

Impressão: Académica

Tiragem: 1000 Exemplares

Número de Registo: 8904/RLINLD/2017

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ÍNDICEPrefacio ........................................................................................................................................ 4Introdução .................................................................................................................................. 6Mafalala, das origens à actualidade ………………………............................…………… 8Mafalala, o lugar e as suas gentes.......................................................................................... 14Associação Cultural Tufo da Mafalala…………………….………………..................... 15M’siro, a expressão da beleza feminina................................................................................. 20A Medicina Tradicional…………………………………………………......……............ 21Tilholo……………………………………………………………………………............. 22Oráculo…………………………………………………………………………................ 23Gatronomia……………………………………………………………………................. 26

Entradas………………………………………………………………………….......... 27Badjia………………………………………………………………………….............. 27Mahanti………………………………………………………………………….......... 27Tifiosse…………………………………………………………………………............ 28Xibubutela……………………………………………………………………….......... 28Mahaza……………………………………………………………………………....... 29

Comidas quentes ………………………….……………………………………............... 29Nimino de Mandioca……………………………………………………………......... 29Matapa................................................................................................................................... 30Upswa (xima)…………………………………………………………………............. 31

Bebidas locais………………………….………………………………………................. 31Cerimónias e actos festivos.................................................................................................... 34Eid Fitr…………………………………………………………………………................. 34Maulide…………………………………………………………………………................ 35Nikahi…………………………………………………………………………….............. 36O Rasto Historico………………………………………………………………................ 37

As Mesquitas…………………………………………………………………….......... 38Mesquita de Baraza……………………………………………………………............ 39Mesquita Itifaque………………………………………………………………........... 40A “Base Galo”………………………………………………………………….............. 41Casa Ricardo Chibanga....................................................................................................... 44Casa José Craveirinha.......................................................................................................... 45Casa Pascoal Mocumbi........................................................................................................ 46Casa Eusébio da Silva Ferreira…………………………….……………….................. 47Casa Joaquim Chissano.................................................................................................... 48Casa Samora Machel………………………………………………………................... 49Casa Fany Mpfumo.............................................................................................................. 50O Mercado Mafalala............................................................................................................ 52Matlotlomana, Gato Preto – Memórias de uma prática colonial.................................. 54

Referências Bibliogáficas…………………………………………………….................... 56Referências de fontes orais…………………………………………………..................... 57

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A cidade de Maputo é a capital da República de Moçambique e foi construída pelos portugueses na margem norte do Estuário da Baía de Maputo nos fi nais do século XVIII. De uma pequena cidade

de ruas estreitas, a então cidade de Lourenço Marques como Maputo era conhecida antes da indepen-dência, foi ganhando importância com o desenvolvimento económico do Transval que desde cedo se tornou seu importante catalisador. Possuidor de um porto natural importante para o escoamento da produção mineira do Império Britânico, Maputo passou a substituir a Ilha de Moçambique como ca-pital de Moçambique em 1898.

A construção da linha férrea que ligava o Porto de Maputo e Pretória e de equipamentos portuários em 1895, Maputo conheceu um crescimento populacional importante e tornou-se numa cidade cosmopo-lita e nela foram implantadas diversas infraestruturas que deviam assistir ao cada vez mais crescente número de população de colonos portugueses e um número cada vez maior de população africana que em sucessivas vagas, migrava para a cidade em busca de emprego e de melhores condições de vida.

Com mais de 1 milhão de habitantes, Maputo é hoje a maior cidade de Moçambique e aquela que al-berga maior rede de infraestruturas urbanas e em seu redor se desenvolveu uma enorme constelação de cidade satélites como a cidade da Matola, Boane e Marracuene estes dois últimos tidos como os no-vos polos de expansão da cidade. A construção da Ponte sobre a Baía de Maputo que irá ligar a cidade da parte sul de Moçambique através do distrito municipal de Ka Tembe, irá abrir enormes possibili-dades da sua expansão nesse sentido, e sobretudo, ligar-lhe com maior acessibilidade, a uma das mais exuberantes zonas turísticas do extremo Sul de Moçambique onde se destacam a Reserva Especial de Maputo, Ponta de Ouro e Ponta Malongane.

O desenvolvimento secular de Maputo deixou um rasto arquitectónico e cultural de elevado valor cul-tural e turístico que tornam a cidade num dos mais belos atractivos turísticos de Moçambique. Desde a zona de proteção especial que inclui a Praça de Independência e o Edifício do Conselho Municipal, a Casa de Ferro, a Catedral da Nossa Senhora da Conceição, o Jardim Tunduro, a Fortaleza, a Casa Amarela, o Mercado Central e todo um conjunto que se desenvolve a Sul da Avenida 25 de Setembro e o Porto até terminar na Estação Ferroviária dos Caminhos de Ferro, os visitantes podem apreciar ao mais belo rasto patrimonial da cidade.

A par do património histórico da cidade de cimento, Maputo desenvolveu espaços suburbanos que fo-ram habitados pela população indígena. Esses espaços tornaram-se a gesta de um património cultural, histórico, social e político de Moçambique que é hoje contemplado e admirado. O presente catálogo é dedicado a um desses lugares – o Bairro da Mafalala – igualmente considerado um destino turístico da cidade de Maputo. A elaboração deste catálogo foi feita com base num inventário do Património Cultural realizado entre os fi nais de 2016 e princípios de 2017 privilegiando a descrição histórica dos lugares e bens tangíveis e intangíveis da Mafalala. A informação nele contida foi prestada pelos habi-tantes e nati vos do bairro os quais são considerados detentores de conhecimento desses bens.

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A cidade de Lourenço Marques estava na verdade dividida em zonas. A zona de cimento e a zona de caniço. A fronteira era a Avenida Caldas Xavier. De um e do outro lado desta avenida encon-

travam-se mulatos, até ao bairro da Malanga. Muitos destes eram um tanto ou quanto diferentes dos mulatos do caniço, sobretudo daqueles que cresciam a cargo das suas mães indígenas e aprendiam de criança a soprar com a boca a lenha da lareira e a suportar o ardor do fumo nos olhos para aquecer o arroz de ontem misturado com o ‘caril’ (psikento) para o mata-bicho ou para o almoço.

A zona da Polana era uma zona de gente rica, zona de elite. O nível subia do Alto Maé para a Polana e da Malhangalene para a Baixa. As áreas dos Indianos (vabaniani) e paquistaneses que para nós eram apenas Indianos (ou banianos) encontravam-se no Alto Maé, no Xipamanine e na Baixa, lá um pouco mais para baixo, à direita da Catedral e da Câmara Municipal, desde a Avenida Manuel de Arriaga (hoje Karl Max) no Oriente, até a Avenida que passa pela fábrica de cervejas Victória. Eram zonas com características próprias. Com a excepção do Xipamanine, faziam parte da zona do cimento e eram ao mesmo tempo residenciais e comerciais.

Os negros naqueles tempos, quando apareciam em qualquer das áreas da zona do cimento, estariam de passagem para os respectivos serviços (lugares de trabalho) no Porto, nos Caminhos-de-Ferro, nas repartições onde trabalhavam como serventes ou dactilógrafos, aprendizes, estivadores, operários semanais (vamaviki), isto é, com contratos de uma semana e que recebiam o seu salário no fim desse período, ou tratar-se-ia de serviçais, (cozinheiros, mainatos, jardineiros e “rapazes” ou ”raparigas” que faziam o trabalho de brincar com os meninos dos patrões, ou melhorar, o trabalho de “moleque” de crianças). Os serviçais dormiam nas dependências das casas dos patrões e comiam farinha de saco, grossa, acompanhada de feijão ou peixe seco.

A Mafalala é um dos bairros que surgiu no contexto deste tipo de relações, os indígenas que não po-diam viver distante dos seus locais de trabalho procuravam moradias próximas ao Xilunguine. Nesse movimento foram chegando vários grupos sociais ou etnolinguísticos – destacando-se macuas, como-reanos, rongas – que configuraram uma paisagem sociocultural diversificada que se tornou a identida-de ou o distintivo do bairro. A confluência destes grupos resultou num espaço suburbano socialmente misto destacável precisamente por espelhar o convívio entre culturas diferentes. Ademais, o facto de o histórico bairro da Mafalala ser povoado de talentos e figuras incontornáveis no desporto, na polí-tica, cultura, literatura, entre outros, acresce o seu potencial enquanto local turístico de referência. As gentes, os lugares, a gastronomia, ancorados aos seus símbolos históricos, perfazem um património cultural e turístico apetecível.

Visitar a Mafalala é, portanto, uma oportunidade para vivenciar as memórias deste vasto Moçambique!

Extraído de Chissano (2010)

INTR

ODUÇ

ÃO

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MAFALALA, DAS ORIGENS À ACTUALIDADE

O bairro da Mafalala é um dos mais antigos e emblemáticos subúrbios da cidade de Maputo. Tal como outros subúrbios que constituem o extenso património urbano

de Moçambique, o surgimento deste bairro, e sobretudo a sua implantação, conheceram características que se replicaram nos centros urbanos do sul, centro e norte de Moçam-bique. Tais características assentam essencialmente no facto de os espaços reservados aos nativos terem sido, na maioria dos casos, os pontos da cidade em que o lençol freático era elevado e, por conseguinte, as condições para habitação e construção de casas conso-lidadas apresentavam dificuldades acrescidas. Esta característica fez com que, na maioria dos casos, as comunidades indígenas fossem afastadas das zonas secas e mais arejadas situadas nos pontos altos e dunares do litoral e sub-litoral, onde praticavam diversas ac-tividades com destaque para a agricultura, para as zonas mais baixas e deficitárias em termos de saneamento.

A designação de Munhuana, em alusão ao salgado, com que a Mafalala foi inicialmente conhecida, sugere esta característica morfológica do bairro: estar associada à intrusão de águas salinas denunciando a baixa altitude em relação ao nível médio das águas do mar, e a presença do lençol freático próximo da superfície. O bairro é limitado, nos dias de hoje, pela Avenida Joaquim Chissano a norte, a sul pela Avenida Marian Ngoabi, a oeste pela avenida Acordos de Lusaka e a este pela avenida de Angola.

O actual nome, Mafalala, tem as suas origens na língua emakwa, pertencente ao grupo étnico macua proveniente do norte de Moçambique. Esta região, em particular a Ilha de Moçambique, fora até 1898 a capital de Moçambique que conheceu a sua exuberância com as trocas comerciais que estabelecia com o exterior, sobretudo, com comerciantes vindos do oriente. O desenvolvimento do Transval e o desvio do polo económico regio-nal para esta importante região mineira do Império Britânico, levou a coroa portuguesa a migrar a sua capital para o sul do país tendo-a fixado na então baia de Lourenço Marques, actual Maputo.

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Supõe-se que no seu movimento para o sul, os portugueses tivessem levado da Ilha de Moçambique, parte dos seus servidores, marinheiros, empregados e outros, que se te-riam vindo fixar nos subúrbios da nova capital e, a pouco e pouco, novas vagas migrató-rias teriam chegado até que o bairro conhecesse um número significativo de população macua que se veio juntar aos nativos rongas.

Para além dos habitantes da Ilha de Moçambique, chegaram à Mafalala imigrantes das Ilhas Comores conhecidos localmente por mujojos. Muitos destes comoreanos tinham vindo á Lourenço Marques de forma voluntaria, a procura de melhores condições de vida e outros teriam sido levados ao sul pelos seus patrões. As profissões dos mujojos eram na sua maioria, as de marinheiros, alfaiates, artesãos, soldados, serventes e cozinheiros.

Fany Mpfumo, um dos célebres compositores e intérpretes da música ligeira moçambi-cana, celebrizou a Mafalala como “a tiko la makua” (a terra dos macuas), que ao cumpri-mentar diziam “oxelelia papa?”(como está senhor?). Laranjeira (2016) aceita a probabi-lidade de o actual nome do bairro estar associado a dança lifalala a que os rongas teriam usado para designar ka Mafalala (o lugar onde se dança lifalala).

Residentes da Mafalala sustentam que nifalala ou afalala (significando música e dança na língua emakwa) é o nome com que eram conhecidas as canções que os marinheiros macuas cantavam aos fins-de-semana e durante as cerimónias de circuncisão, rituais de tatuagem e de muitos outros sacrifícios considerados actos de coragem.

A Mafalala desenvolveu-se assim, como um subúrbio resultante da ocupação portugue-sa na região sul de Moçambique num território que era pertença da Dinastia Mpfumo, da etnia ronga (Pereira,1972). Esta ocupação trouxe povos islâmicos do norte, como atrás foi referido. Não admira pois, que Mafalala seja hoje hospedeiro das mais míticas mesquitas da cidade de Maputo. A mesquita Chadulia originalmente construída por muçulmanos oriundos da Ilha de Moçambique, é a maior do bairro.

Entre os diferentes grupos que ocuparam a Mafalala desencadearam-se relações de algu-ma conflitualidade. Os mujojos manifestavam, no dizer das comunidades, “um ar de supe-rioridade” com relação aos macuas, rongas e outros grupos que já viviam na Mafalala, em virtude de serem originários de um país francófono (Ilhas Francesas do Oceano Indico).

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Por dominarem a língua francesa, os comoreanos conseguiam empregos privilegiados relactivamente aos nativos, sendo absorvi-dos por prestigiadas cadeias hoteleiras como o Hotel Clube, hoje Centro Cultural Franco-Moçambicano, o Hotel Polana e em outros grandes estabelecimentos turísticos da então cidade de Lourenço Marques.

Sendo considerados francófonos, os comoreanos não usavam a caderneta indígena e nas celebrações do dia da França, eram con-vidados a participar das cerimónias e no final eram trazidos ao subúrbio de autocarros para o efeito preparados pela representação da França em Moçambique. Não prestavam contas ao régulo, os seus filhos tinham acesso às escolas oficiais e tinham o privilégio do uso do bilhete de identidade (BI).1

A chegada dos macuas e comoreanos que em diversas vagas se fixaram na Mafalala impulsionados por factores sócio-antropológi-cos e económicos diversificados, é que tornou o bairro distinto de outros subúrbios que surgiram na mesma época em Lourenço Marques, como foi o caso de Xipamanine.

O advento dos macuas e de outras comunidades swahili não pode ser visto como tendo sido pacífico, tanto para as comunidades locais, quanto para algumas hostes portuguesas. De hábitos matrilineares e praticantes da religião muçulmana, que se caracteriza por ruidosos chamamentos para as diferentes rezas nas mesquitas, o uso de batiques em forma de vestido por parte dos homens e uma economia não baseada no cultivo da terra por parte das mulheres, foram a priori, características que causaram estranheza nas comunidades patrilineares ronga.

1O sistema colonial português descriminava os nativos nas colonias. Estes eram identificados através de uma caderneta indígena que limitava os seus movimentos no espaço

de Lourenço Marques e em outros territórios. Os portadores da caderneta indígena eram também descriminados no sistema de educação para os seus filhos que tinham uma educação diferenciada dos colonos e assimilados que frequentavam as escolas oficiais. Aos indígenas eram reservadas as escolas missionárias ou as escolas de adaptação nas quais era imposto a repetição de cada classe. Havia assim a primeira classe rudimentar e a primeira classe elementar e por aí em diante. Por este sistema, os indígenas concluíam o ensino primário já com idades avançadas tendo unicamente que recorrer ao mercado laboral que era no geral, mal pago devido as baixas qualificações.

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Para os cantineiros, comunidades portuguesas que viviam do comércio, a chegada de comunidades muçulmanas, historicamente há-beis comerciantes, não era bem vista. Por outro lado, as comunidades portuguesas hostilizavam os swahili por difundirem a religião muçulmana, contrariamente à religião do colonizador (católica).

Mafalala cresceu, dia a dia, de palhota em palhota e depois chegou a grande novidade que iria transformar para sempre a arquitetura do bairro: as construções de madeira e zinco. Salva-Rey (1974, pp. 182-183), considera o bar-dacing comoreano, ainda hoje reconhe-cido como património cultural pelas comunidades, como a primeira construção de madeira e zinco da Mafalala.

A par da habitação que crescia desorganizada no espaço, Mafalala conhecia uma acentuada diversidade étnico-linguistica represen-tada por culturas do norte a sul de Moçambique (changanas, rongas, bitongas, chopes, macuas, e ... swahilis). A mescla sócio-cultural fez da Mafalala um dos bairros com a maior constelação de objectos e saberes culturais de diversas comunidades que mostram, num só lugar, Moçambique em miniatura: artistas plásticos, músicos, desportistas, escritores e políticos emprestaram o seu berço para se tornarem Mulheres e Homens de Moçambique e Mulheres e Homens do Mundo.

Volvidos muitos anos de independência, a Mafalala continua se mostrando aos seus visitantes embrenhada em todos os problemas que caracterizam a urbanização dos países do terceiro mundo: super povoada por várias gerações que chegaram em vagas como a guerra dos 16 anos, o crescimento natural da população e a constante busca de condições de vida nas cidades.

As novas residências são, qualitativamente diferentes das mais antigas. Enquanto as novas casas das classes menos desfavorecidas são construídas em material convencional como chapas de zinco, blocos e são pintadas com cores vivas, as famílias mais desfavorecidas cons-troem casas com material não convencional como estacas e contraplacado. A circulação no interior do bairro ainda é feita em picadas estreitas e nelas disputam espaço pessoas, viaturas, oficinas, mercados informais e outras formas de sobrevivência. Estas características tornam a Mafalala um lugar único e peculiar para contemplar o percurso histórico, cultural e turístico desta Pérola do Índico, a Cidade de Maputo.

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O contexto sócio cultural em que a Mafalala surgiu e se desenvolveu criou nela condi-

ções de coexistência da diversidade cultural de Moçambique. Danças, gastronomia, práticas religiosas, técnicas associadas ao tratamento do corpo, entre outras, apresentam-se como autênticos produtos turísticos a serem degusta-dos/contemplados pelos visitantes. Mafalala é, com efeito, um santuário de um rico e enorme património cultural.

MAFALALA, O LUGAR E AS SUAS GENTES

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ASSOCIAÇÃO CULTURAL TUFO DA MAFALALA

O grupo cultural tufo da Mafalala constitui um dos principais cartões de visitas da expressão artística

de dança oferecida aos visitantes do bairro. Na execução da dança as bailarinas apresentam consecutivamente, o tufo, Massepwa e Nsope. O grupo é composto por vinte e uma (21) mulheres e nove (9) homens. As mulheres são dirigidas por uma maestrina com competências e habilidades para organizar, orientar e simbolizar, com requinte, a feminilidade da mulher macua. É ela que com auxilio de um apito, regimenta o ritmo em que a dança é executada. Aos homens é reservado o papel de instrumentistas tocando tambores - kupura (o maior tambor do conjunto), kajiza (tambor tamanho médio), txundju (tambor menor), opatha (instrumento de fer-ro de forma cilíndrica), tapusta (batuque pequeno com formato hexagonal ou pentagonal) - e chocalhos.

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Embora a Associação execute danças de origem macua, actualmente a sua composição integra membros da comunidade de outras origens, desde que assimilem a graciosidade rítmica das muthianas. As danças são praticadas na casa da maestrina (nos ensaios) que são igualmente momentos de ensinamento e transmissão de conhecimentos sobre as técnicas de execução, valores que regem a comunidade e a troca de ideias sobre práticas sociais.

Na execução as dançarinas apresentam-se vaidosamente uniformizadas com três capulanas de garridas cores: uma amarrada da cintura que se estende aos tornozelos, a segunda sobreposta a anterior, da cintura até à altura dos joelhos, e a terceira artis-ticamente amarada na cabeça. O conjunto é complementado por uma blusa com tons condizentes com as cores da capulana.

A maquiagem com o m’siro, que consiste em pintar a face, constitui um importante adereço das dançarinas muthianas que igualmente destacam os olhos e sobrancelhas e com a mulala ou baton evidenciam o tónico dos lábios. Adornos como cola-res, brincos, anéis e pulseiras de ouro, prata, ou simplesmente dourados completam os seus enfeites.

Os primeiros números pertencem ao tufo cujos encantos são os gestos sensuais e suaves que as dançarinas executam ao ritmo dos chocalhos e batuques, imprimindo ritmo à dança. As dançarinas cantam e dançam executando, graciosos e lentos movimentos muito bem sincronizados com os braços, ombros, tronco e cintura acompanhando o som dolente das canções.

A coreografi a simples varia entre fi las, semi-círculos, sentadas, de joelhos, ao som dos batuques, exigindo que as dançarinas exibam a sua fl exibilidade sem descurar a suavidade dos gestos. As canções entoadas são, basicamente, de intervenção so-cial, versando sobre o quotidiano da comunidade, os aspectos políticos do país, os aspectos transversais tais como saúde, a saudação aos visitantes e demais acontecimentos que marcam a actualidade da comunidade e do país.

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A execução do massepwa é feita ao mesmo ritmo mas com as bailarinas de pé representando diferentes actividades da comunidade. Tal como no tufo, os movimentos são graciosos e sincronizados.

O massepwa é executada com mais energia em relação ao tufo, de pé e em fi la, onde as bailarinas fazem movimentos sincronizados com os pés, braços, cintura, ombros e cabeça.

A indumentária usada é a mesma do tufo. O inicio da dança é marcado pelo ecoar de uma das vozes das dançarinas e de seguida das restantes coristas. Imediatamente a seguir às vozes femininas ouve-se o ecoar do som dos chocalhos seguidos pelos batuques, imprimindo ritmo à dança. As dançarinas cantam e dançam executando, graciosamente, movimentos lentos e muito bem sincro-nizados com os braços, ombros, pernas, tronco e cintura, acompanhando o som dolente das canções.

À semelhança do tufo as dançarinas fazem gestos sensuais e suaves. A coreografi a simples varia entre fi las, semicírculos, sentadas, de joelhos, ao som dos batuques, exigindo que as dançarinas exibam a sua fl exibilidade sem descurar a suavidade dos gestos.

Na parte fi nal do espectáculo as dançarinas executam o Ntsope (corda em macua). Tal como o nome diz, é o salto á corda que acom-panha o ritmo das canções. A sua execução requer mestria e compleição física por parte das dançarinas, as quais exibem dotes de voluptuosidade e coordenação de movimentos. Ao ritmo de batuque e chocalhos, as dançarinas executam saltos suaves à corda, quer de pé ou agachadas. A medida que a dança corre o ritmo da mesma aumenta e os tempos dos saltos são mais sequenciados e rápidos.

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M’SIRO, A EXPRESSÃO DA BELEZA FEMININA

A par da dança tufo, o uso do m’siro (também designado mussiro) é uma das marcas mais emblemáticas das mulheres macuas presentes no bairro da Mafalala. O m’siro

é um creme caseiro feito a base do caule da planta oloxdessitiflora, da família das aloca-cecea. Trata-se de um pequeno arbusto com uma copa arredondada esverdeada, cujas flores tem a cor branca.

Em Moçambique, regista-se a sua ocorrência em quase toda região costeira e na pro-víncia de Maputo em particular, ocorre no distrito municipal de Ka Tembe. Apesar desta ocorrência em muitos locais, é na província de Nampula onde o seu uso ganha maior expressão. O caule do m’siro para além de tratar várias enfermidades é usado como cosmético, produzindo um creme muito apreciado pelas mulheres, pois acredita-se que tenha um poder rejuvenescedor e amaciador da pele.

A técnica de produção do creme do m’siro é muito antiga e passada de geração em ge-ração e caracterizada pela fricção do pau de m’siro sobre uma pedra de superfície com atrito, adicionando água em pequenas quantidades de modo a produzir uma fina pasta de tom creme. Esta pasta, depois de aplicada, age como uma máscara que, ao secar, absorve as impurezas da pele, deixando-a limpa e macia.

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A MEDICINA TRADICIONALResultante de um amplo processo de miscelânea sócio-cultural, a gente da Mafalala, de Maputo e do resto de Moçambique guarda dentro de si conhecimentos e práticas que demonstram o rastro percorrido ao longo dos tempos. Ao visitar Moçambique é sempre importante conhecer as práticas cosmológicas sobre as quais assenta o tecido social da maioria do seu Povo.

O conhecimento e práticas aqui referidas, podem ser resumidas num só termo: a medicina tradicional, um termo usado em Moçambique para se referir a arte ou técnica na qual o seu praticante, o curandeiro, possui o engenho de curar seus pacientes com recurso ao co-nhecimento que lhe é emanado por forças sobrenaturais, divinas ou dos seus antepassados.

A medicina tradicional é o conjunto de conhecimento técnico e procedimentos baseados em teorias, crenças e experiências locais de diferentes culturas, sejam ou não explicáveis pela ciência, usados para a saúde, como também para a prevenção, diagnóstico e trata-mento de doenças físicas e mentais. Abrange terapias com medicação à base de ervas, partes de animais ou minerais.

Vale ainda considerar que, o conjunto de saberes subjacentes ao processo de cura, para esta comunidade, traduz-se num valor de património cultural imaterial que, foi e conti-nua a ser transmitido (num processo bastante selectivo) de geração em geração, criando uma identidade própria nas formas de tratamento de doenças, que têm um valor univer-sal que se pode considerar como um testemunho vivo do percurso social.

A medicina tradicional em Moçambique tem um valor simbólico importante visto ser, em muitos casos, o primeiro local onde as comunidades recorrem em busca de respostas aos problemas de saúde. Por outro lado, a sua prática é considerada importante por ser uma alternativa aos serviços fornecidos pelas unidades sanitárias e, em muitos casos, ser aquela que se encontra mais próxima das comunidades.

As doenças espirituais, comumente aceites e reconhecidas pelas comunidades do nosso país, não encontram respostas na medicina moderna, daí os praticantes da medicina tradicional se situarem numa posição privilegiada em prestar um serviço muitas vezes recomendado pelas famílias. São muitas as práticas existentes na Mafalala e no país.Vamos nos cingir a duas práticas de adivinhação associadas às comunidades do norte e do sul de Moçambique, que ocorrem na Mafalala.

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TILHOLOOs praticantes do tilholo estão geralmente associados às comuni-dades de origem não muçulmana, especialmente as comunidades que vieram ao bairro idos do sul do país, embora o tempo se tenha encarregue de proceder as devidas miscelâneas. Usando ossículos, os coscucheiros (praticantes do tilholo ou nhatilholos), especializam-se em dar respostas aos diversos problemas que inquietam o dia a dia das pessoas. Para além de questões de saúde os nhatilholos são chamados a dar respostas aos fracassos associados a vida social, a mostrar os caminhos viáveis para a solução de problemas de índole fi nanceira, a vida conjugal, ao amor ou nos caminhos a seguir para vencer as doenças do corpo.

Antes de iniciar qualquer trabalho eu faço uma consulta aos espíritos através dos ossículos ou amuletos (tilholo). Quando a pessoa chega aco-metida por uma doença eu, com auxílio do tilholo, digo-lhe o que lhe trouxe à minha casa (consultório). Diagnostico se a doença é causada por espíritos ou por qualquer outra coisa. Há pessoas que vêm sem saber se foram enfeitiçadas, se têm problemas de espíritos e outras que nem sabem do que padeciam. Os tilholos (ossículos) ajudam-me a fazer o diagnóstico dos meus pacientes (Sambo, 2017).

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ORÁCULO

O oráculo é associado a um conhecimento um pouco mais apurado sob ponto de vista do cálculo e astrologia sendo por isso, uma prá-

tica mais comum entre as comunidades islamizadas do norte do país.

O oráculo é a resposta dada por uma divindade a uma questão pessoal através das artes divinatórias. Por vezes o termo designa também a de-cisão ou a uma sentença infalível. Todavia, nos dias de hoje ele é igual-mente atribuído a um objecto ou meio pelo qual alguém possa obter respostas para um esclarecimento maior.

Por extensão, o termo oráculo designa, na Mafalala, tanto a divinda-de consultada como o intermediário que transmite a resposta e ainda o lugar sagrado onde a resposta é dada. Os objectivos sobre os quais as comunidades consultam esta divindade são similares aos que foram destacados nos tilholos.

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GASTRONOMIAAo visitar a Mafalala devemos experimentar pratos

diversificados com os aromas arabizados intrinca-dos às práticas gastronómicas das comunidades rongas, chopes, bitongas e de outros grupos que compõem o diversificado mosaico cultural do bairro. As diversas iguarias são gentilmente servidas por sorridentes e exu-berantes mulheres vestidas de capulanas, os trajes femi-ninos dominantes da Mafalala.

A nossa sugestão é que aprecie iguarias típicas confec-cionadas conforme a hora e o desejo dos clientes: (en-tradas ou comidas frias, comidas quentes e bebidas lo-calmente confeccionadas).

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ENTRADASCinco iguarias fazem as delícias dos visitantes neste campo, nomeadamente as badjias, mahathi, tifiosse, xibubutela e mahaza.

BADJIA

A badjia é um pastel salgado feito a base de feijão-nhemba (timbawene do ronga). Desde o passado esta iguaria tem-se situado como perfeito acompanhante do lan-

che das crianças, jovens e adultos, não só da Mafalala como do resto da cidade.

O seu sabor e diminuto porte sugerem que seja consumido entranhado num pedaço de pão (ximanhissa) dando a este um gosto acrescido. Não admira pois, que em redor da maioria das escolas da Mafalala (e não só) se vislumbrem mulheres munidas de Mben-ga (alguidares), frigideiras e recipientes abastados de pasta de feijão-nhemba engenho-samente preparada para conquistar os mais diversos e exigentes paladares.

MAHANTI

Mahanti é o nome atribuído pela comunidade aos pastéis de camarão. Este prato é confeccionado a base de farinha de trigo, camarão seco ou fresco habilidosamen-

te misturados com temperos e fritos em óleo. De formas espalmadas, o mahanti é um prato de entrada que nos dias de hoje faz também o requinte de festas da grande cidade de Maputo e não só, e é uma iguaria quase obrigatória dos restaurantes de Moçambique onde é conhecido simplesmente por pastéis.

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TIFIOSSE

Tifiosse (fiosse no singular) é um bolo de tamanho pequeno feito a base de farinha de trigo e coco ralado. Na sua confecção os tifiosse podem ter formatos diferentes que por aí podem também

alterar o nome com que são conhecidos. No formato original o bolinho é amarado em nó e levado a fritura. Contudo, pode ganhar a forma de argola e tomar essa designação sem, no entanto, alterar o seu paladar.

O consumo dos tifiosse pode ser acompanhado de chá, leite ou sumos. É um prato geralmente con-fecionado para a venda e tem estado muito presente nos mercados informais do bairro da Mafalala.

XIBUBUTELA

É um bolo que segue os mesmos ingredientes que os tifiosse. A grande diferença entre eles está nos acabamentos e na forma de cozedura. A xibubutela, palavra ronga que designa espalmar, dá o

nome a esta iguaria que contrariamente a anterior é cozida em fornos de lenha. Dada a exigência no seu tratamento, a confecção da xibubutela tem reduzido não só na Mafalala como em outras regiões do país. Esta redução pode estar também associada aos elevados custos de confecção que envolvem o uso de fornos a lenha ou carvão cada vez mais onerosos.

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MAHAZA

Mahaza é uma iguaria da culinária da Mafalala trazida pelas comunidades macua, feita a base da semolina, resultante da moagem dos graus limpos e desgerminados do trigo. No passado a mahaza era confeccionada com farinha de arroz moída em casa, um processo

que exigia muito tempo e esforço físico. Actualmente, devido a crescente industrialização, passou-se a usar a farinha de semolina importada. Conhecida cientificamente como T. durum, a semolina é utilizada na preparação de massas, por ser uma farinha muito rica em glúten (junção de duas proteínas, nomeadamente a gliadina e glutenina) que conferem, à massa, maior resistência.

Para aprimorar o devido gosto oriental, acrescenta-se ao prato a canela em pau, o kardamungo, para ser deliciado ao matabicho (pequeno almoço) ou ao lanche.

Comidas QuentesNimino de Mandioca

O Nimino de mandioca é um prato típico da culinária macua muito apreciado entre as popula-ções do norte de Moçambique. Na sua confecção, para além da mandioca fresca, são adicio-

nados ingredientes como peixe, coco ralado, tomate, cebola, pimenta e manga seca. A mandioca pode ser substituída por banana ou batata-doce, que são fontes importantes de carbohidratos. O nimino de mandioca pode ser servido simples ou com fatias de pão ao almoço ou jantar.

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MATAPA

Comumente consumida por maior parte das comunidades de Moçam-bique, a matapa é um prato feito a base de folhas de mandioca. Na

província da Zambézia, por exemplo, a matapa (mukwane) designa todo o tipo de verdura. A matapa referida na Mafalala é um prato típico do litoral de Inhambane, em que as folhas de mandioqueira piladas são cozidas com leite de coco e amendoim pilado.

As comunidades acreditam que a confecção da matapa em panelas de bar-ro ou em potes feitos a base de ligas de ferro (bota) emprestam ao prato um sabor especial. A matapa é servida com arroz, papa de farinha de mi-lho (xima) ou farinha de mandioca ao almoço ou jantar.

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Upswa (xima)

As comunidades moçambicanas de origem bantu têm a sua dieta baseada em ce-reais com destaque para o milho e o arroz. O consumo da mapira e mexoeira é

restrita às comunidades que vivem na região central do país onde as condições agro-e-cológicas se mostram aptas para a sua produção.

A uspwa, termo de origem ronga que designa um prato feito a base de farinha de mi-lho, é um dos pratos mais difundidos pelo país. O preparo da upswa conhece peque-nas diferenciações conforme as comunidades. Em Gaza e partes de Inhambane, por exemplo, o seu preparo consiste em fermentar os grãos de milho pilado e depois moer no alguidar (mbenga), as comunidades bitonga preferem o txota, preparo feito a base de um moinho manual que não deixa o milho atingir o grau de farinação completa fi -cando-se pelos grãos, chamados titxota. Em grande parte do país, o milho é farinhado em moageiras até atingir a proporção de uma farinha branca e nos últimos tempos é comercializado já processado.

É um prato de fácil preparo mas cuja técnica revela o conhecimento acumulado por cada comunidade. De modo geral a upswa é uma massa forte mas existem comunida-des que preferem uma massa mais leve.

Bebidas Locais

A par das bebidas industrializadas (refrigerantes e cervejas) comercializadas na Mafalala, a comunidade detém conhecimentos de fabrico de diversas bebidas

locais, entre alcoólicas e não alcoólicas servidas no dia-a-dia ou em festividades e ce-rimonias. Das bebidas mais conhecidas destacam-se as confeccionadas com base em cereais (milho, arroz, mexoeira) e as confeccionadas à base de frutos da época (ananás, laranja). Actualmente, a difusão de bebidas industrializadas tem ofuscado esta prática sendo cada vez mais raras, as bebidas de fabrico local.

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O Eid Fitr é uma festa realizada pelos muçulmanos em suas casas ou nas mes-quitas para celebrar o fim do mês de Ramadan. Neste 9º mês do calendário

islâmico os crentes devem jejuar 29 ou 30 dias até o aparecimento da lua, sinal que marca o fim do mês para se iniciar a celebração do Eid Fitr. Esta festa caracteriza-se basicamente, primeiro pela realização de uma oração Sualat de Eid na mesquita por crentes da religião e, segundo, por um convívio familiar em que os anfitriões convidam familiares e vizinhos – muçulmanos ou não - para confraternizarem com comida e bebida (não-alcoólica, devido à sua proibição pelos preceitos da religião).

Assim como outras práticas culturais associadas ao islamismo, o Eid Fitr é larga-mente difundido em Moçambique, sendo particularmente expressivo em regiões onde é forte a presença muçulmana, como é o caso da Mafalala. Neste bairro, a in-fluência islâmica está associada à antiga migração de indivíduos de origem macua, sobretudo, da província de Nampula.

A Mafalala fica engalanada durante o mês de Ramadan e principalmente na cele-bração do Eid Fitr. O ecoar do altifalante logo pela madrugada à semelhança do que acontece diariamente, para o chamamento à oração, tem um sabor especial por se tratar de um dia de festa, que marca o fim do jejum.

No dia do Eid, há um desusado movimento de homens, mulheres e crianças com trajes típicos, geralmente, novos. Entre estas vestes destacam-se os djubós, pand-jabes, túnicas, lenços, cofiós, que marcam expressivamente as ocasiões de festa e, no dia do Eid, assinalam também as rumarias quer para mesquita quer para as casas de familiares e amigos. Depois de se cumprir com o elemento principal, o “Sualat de Eid”, dirigido por alguém com profundo conhecimento do Alcorão, geralmente, um sheik ou um mualimo, os crentes cumprimentam-se desejando-se Eid Mubarak (Eid feliz). Posteriormente, dirigem-se às suas casas ou a de familiares e amigos onde degustam várias iguarias prontamente confeccionadas para a ocasião.

Khadria Momad falou dos produtos e alimentos que são normalmente confeccio-nados neste tipo de festas: arroz, galinha, carne, batata, mandioca, bolos, etc. A este respeito, afirmou não haver um menu específico para o evento, tratando-se das re-feições que se comem normalmente no quotidiano bastando para isso ser Hallal. Realça-se também a confecção de bolos, biscoitos e outros doces que alegram não só as crianças como também os adultos.

CERIMÓNIAS E ACTOS FESTIVOSEid Fitr

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MAULIDE

Maulide é uma cerimónia de celebração do nascimento de uma criança entre os muçulmanos. Realiza-se na casa da família ou na mesquita, quarenta dias após o seu nascimento. Para esta ocasião, convida-se o shehe para fazer as devidas orações preconizadas no

Alcorão e, assim, abençoar a criança. O sentido destes pedidos, designados por duwá, é solicitar a intervenção de Allah a favor da criança, proporcionando-lhe boa saúde, paz, prosperidade, para que cresça e conviva em harmonia dentro da família e na comunidade, de acordo com os princípios alcorânicos. Neste intervalo de quarenta dias, decorre uma série de práticas simbólicas, tais como o azan (chamamento para oração) feito no ouvido esquerdo da criança, o corte de cabelo, das unhas entre outras.

A iniciativa para a realização do Maulide parte dos pais da criança que comunicam à mesquita da comunidade na qual frequentam para que esta se encarregue de orientar a cerimónia no dia e na hora marcada. Em seguida, enquanto a mesquita ocupa-se dos aspectos litúrgicos a família encarrega-se da preparação do espaço que vai acolher a cerimónia (normalmente a sua residência) e da aquisição dos produtos ne-cessários para a refeição a ser servida. Faz-se uma gratificação (não-obrigatória) pelo serviço prestado por quem vai oficiar a cerimónia, que normalmente é em valores monetários. O dinheiro necessário para custear a cerimónia deve ser resultado do esforço próprio dos pais da família da criança para dar mais sorte à criança porque o dinheiro é resultante do suor gasto pelos seus progenitores.

Na celebração do Maulide participam familiares, amigos e vizinhos e constitui um momento de apresentação e reconhecimento da criança (que deve vestir uma roupa branca nova e colocada “numa peneira que é passada de mão em mão para que seja vista e conhecida pelos pre-sentes”) perante a família e a comunidade, podendo já sair de casa. A orientação da cerimónia varia de acordo com o sexo da criança, se for uma menina os pais devem sacrificar dois cabritos e se for um homem, um cabrito.

Depois dos pedidos realizados (duwás), oferece-se uma refeição aos convidados sendo necessário que seja Hallal, isto é, preparadas de acordo com as regras de interdição próprias da religião islâmica, para que os crentes muçulmanos possam se servir sem problemas. Este “convívio social é aberto a todas as pessoas da comunidade alargada, especialmente aos vizinhos da família da criança”. Os convidados também costu-mam levar presentes para a criança e para a família, que pode ser em espécie assim como em valores monetários.

O pagamento de valores monetários aos especialistas é feito espontaneamente, como forma de consideração, ou a partir de quantias pré-de-finidas pelo oficiante. Entretanto, é importante destacar que esta troca pode ser monetária ou em espécie. O Maulide desempenha um forte papel de integração social e reforço dos laços de identidade sendo as mesquitas os principias centros difusores desta prática e, em última análise, da religião de uma maneira geral.

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Nikhai

É o casamento entre os muçulmanos. Consiste numa oração dirigida por um Shehe e, tal como outros procedimentos litúrgicos, é baseado no Alcorão que sacramenta a união entre

o casal.

Este acto normalmente ocorre na mesquita, podendo ocorrer também na casa do noivo ou num outro lugar previamente acordado entre as partes. Para este acto são chamados os familiares e os vizinhos para, após a cerimónia, confraternizarem numa festa com comida, bebida, bolos e doces feitos para a ocasião.

Sendo uma prática cultural largamente difundida em todo país, ocorre de forma particular na Mafalala como resultado da intensa concentração de comunidades muçulmanas que historica-mente se estabeleceram neste bairro.

Diferentemente da celebração nupcial das comunidades cristãs, o Nikhai ocorre com os noivos separados. Quando ocorre por exemplo na casa do noivo, a mulher fica num quarto e o homem em outro. Cada um é aconselhado sobre a vida conjugal separadamente e depois são apresen-tados às outras pessoas presentes – familiares e vizinhos - para testemunharem o matrimónio.

Durante a fase restrita da cerimónia, o noivo paga um dote estipulado pela noiva ou pela família desta. Geralmente a definição do valor é baseada nas posses do noivo. Entretanto, quanto maior o valor maior será o prestigio do futuro esposo e do processo matrimonial. Para a cerimónia, o homem também deve oferecer o vestido à noiva.

O Nikhai sendo o casamento prescrito pelo alcorão deve ser respeitado por todos muçulmanos desde que sejam adultos, que estejam em plena posse das suas faculdades mentais entre outros requisitos exigidos para tal. O elemento monetário não é, nos termos da religião, determinante até porque, para que seja reconhecido como casado, basta o homem levar a mulher à mesqui-ta e seguir as formalidades exigidas pelo alcorão. A questão do dinheiro e da celebração são acessórios que não impedem o alcance do status de casado.

Embora seja praticada por pessoas que professam o islamismo, o Nikhai pode ser extensivo a praticantes de outras religiões, desde que aceitem se converter a esta religião e adoptar um nome corânico.

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AS MESQUITAS

A história da Mafalala é, em parte, compreensível através da importância de lugares sagrados como as mes-quitas. O surgimento das mesquitas na Mafalala está associado à religião predominante entre os grupos

etnolinguísticos existentes no bairro. O Islamismo é a religião professada pelos macuas, comoreanos, bitongas, changanas, entre outros. Destes, macuas e comorianos é que se destacaram na implantação das mesquitas ao lon-go do tempo, conferindo-as um valor cultural enquanto património da Mafalala. As mesquitas Baraza, Itifaque, Chadulia, Cadria são alguns exemplos de lugares sagrados que espelham a trajectória cultural do próprio bairro.

Os macuas construíram as mesquitas Chadria e Chadulia enquanto que os Comorianos foram responsáveis pela implantação das mesquitas de Baraza e Itifaque (Lemos, 1988: 52-53).

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MESQUITA DE BARAZAA mesquita Baraza é centenária e foi a primeira a ser construída pelos comorea-nos na Mafalala. O termo Baraza, em Suaíli, signifi ca “local de convívio, reunião ou concentração”. Do seu historial consta que Bin Ali, casado com uma mulher macua, queria inicialmente construir uma mesquita num local que lhe havia sido doado pelos seus sogros. Porém, outros comoreanos contestaram a ideia de se construir uma mesquita em terreno da sograria tendo sido indicado um local que pertencia a uma família comoreana, a família do Shehe Cássimo David, onde se encontra hoje (Baraza, 2016).

A respeito da construção desta mesquita Sualé Baraza, pronunciou-se nos se-guintes termos:

A minha avó tinha difi culdade em conceber, tanto é que só teve dois fi lhos, um casal. O marido dela, que era comoreano, fez uma promessa a Alá, caso a mulher concebesse iria construir uma mesquita. Tendo concebido e nascido o casal, do qual faleceu a menina e fi cou o meu pai, foi possível convencer os outros companheiros seus a aceitarem construir a mesquita. (Baraza, 2016).

Inicialmente, a mesquita foi construída em madeira e zinco com uma cobertu-ra em duas águas, com recurso a mão-de-obra macua, dado o reconhecimento destes do ofício da carpintaria. A mesquita mantém, até hoje, a mesma estrutura sendo retocada à medida das necessidades. A estrutura conheceu determinadas inovações, tendo sido acrescidas as casas de banho, o tanque de água e a instala-ção eléctrica. Estas transformações foram possíveis a partir de doações de crentes que, por regras religiosas, preservam o seu anonimato.

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MESQUITA ITIFAQUEA mesquita Itifaque, foi a segunda a ser construída pelos comoreanos depois da

mesquita Baraza em 1936, com objectivo de descongestionar a pressão que esta estava sujeita. É importante realçar que a administração colonial exigia a cria-ção de uma associação como condição para construção de uma mesquita. Assim, foi criada a Associação Camaria Itifaque, que foi responsável pela construção da mesquita que leva o mesmo nome “Itifaque” que, em árabe, signifi ca “consenso”.

Esta construção foi erguida num terreno pertencente a um dos membros da asso-ciação chamado Dáfi no, bisavó do Shehe Cássimo David, um dos proeminentes líderes da comunidade islâmica na actualidade.

Esta mesquita joga um papel importante não só como um local de culto, como também, na promoção do desenvolvimento no seio da comunidade através da for-mação interna e atribuição de bolsas de estudos para estrangeiro. Participa igual-mente em acções de solidariedade, não só especifi camente para a comunidade is-lâmica mas para a população no seu todo, prestando assistência diversifi cada em períodos de calamidade e outros quando necessário.

Quando há uma calamidade, a mesquita toma a acção de contribuir para ajudar os afectados. Na calamidade de 1966, veio gente que fi cou acolhida. Hoje, para qualquer calamidade há um anúncio para se apoiar os necessi-tados. Ainda há pouco tempo, as comunidades contribuíram para apoiar as vítimas de Capirizange, Chitima2 etc.

2Chitima e Capirizange são duas comunidades localizadas na província central de Tete que se tornaram cé-lebres por dois incidentes que abalaram Moçambique no ano de 2015. O primeiro foi uma intoxicação ali-mentar resultante do consumo de uma bebida caseira denominada pombe em consequência da qual mais de setenta pessoas perderam a vida. O segundo foi relativo a um acidente com um camião cisterna que ao explodir vitimou um número alto de pessoas. Nos dois casos a sociedade moçambicana foi chamada a intervir em acções de solidariedade em apoio as vítimas e sobretudo as crianças órfãs.

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A “BASE GALO”

Após os Acordos de Lusaka, nos quais a Frente de Libertação de Moçambi-que (FRELIMO) e o governo colonial acordaram a cessação das hostilida-

des militares e o início do processo de transição de Moçambique rumo à inde-pendência, um grupo de colonos protegidos por alguns militares portugueses que se opunham a esses acordos, decidiu ocupar as instalações da Rádio Clube de Moçambique em Lourenço Marques. Pela “Voz de Moçambique Livre”, os insurrectos emitiam mensagens contra os dirigentes da FRELIMO e contra a independência de Moçambique nos moldes em que tinha sido acordada em Lu-saka. Para estes, a independência devia ser decidida com base num referendo.

Perante a situação, jovens revolucionários organizaram um comité de luta sedia-do no bairro da Mafalala, que tomou a designação espontânea de “Base Galo”. Foi a partir desta base que se emitiram os comandos que coordenaram as acções de resistência levadas a cabo pela população de Lourenço Marques até a retomada da Rádio Clube. A casa de Nuno Caliano da Silva foi o local escolhido para aco-lher a base. Caliano da Silva tinha um passado de luta contra a política colonial, fruto disso tinha sido preso na temível Vila Algarve, a cadeia em que a PIDE prendia, torturava e eliminava fi sicamente os detractores do regime colonial.

A casa dos Caliano acolheu parte dos nacionalistas que, em Lourenço Marques, lutaram contra os colonos portugueses protegidos por seguimentos da tropa colonial na tentativa de inviabilizar a difusão das decisões que colocavam a FRELIMO como o único e legítimo representante do povo moçambicano. Entre estes jovens nacionalistas encontravam-se Aurélio LeBon, Ivo Garrido, Orlando Machel, Miguel da Mata, Amaral Matos e tantos outros (Silva, 2016).

A designação “Base Galo” surgiu da senha “galo galo amanheceu” que foi usada pelos jovens nacionalistas para comunicar a população revoltada, que tinha sido alcançado um entendimento com o comando do exército colonial em Lourenço Marques e que a Rádio Clube de Moçambique estava já em mãos do Povo (Le Bon, 2015, p. 48 e seguintes).

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CASA RICARDO CHIBANGA

Ricardo Chibanga é conhecido como sendo o primeiro toureiro negro africano de carreira internacional. Desponta ainda novo para tourada influênciado pelo facto de a sua casa estar

localizada de fronte à cerca de madeira que delimitava a antiga Praça de Touros, que se situava no interior da Mafalala. Chibanga e seu amigo Carlos Bigode vendiam “bandarilhas”, instrumentos usados para espetar o touro. Vendo o seu interesse pela modalidade, os toureiros de então, Antó-nio dos Santos e Manuel dos Santos, decidiram inicia-los na modalidade tendo depois levado a ambos para Portugal (Carimo, 2017).

Chegado à Portugal em 1962, Chibanga exibiu com sucesso, seus dotes na Praça de Touros do Campo Pequeno e na Praça de Touros de Viana do Castelo, onde encantou aos amantes deste desporto. O seu trabalho foi, também, reconhecido na Espanha onde passou vários anos como um toureiro de sucesso nas cidades de Sevilha e Madrid. O talento de Chibanga atravessou o mundo, tendo-se exibido em palcos do México, Estados Unidos, Venezuela, Canadá, Reino Unido, China, Espanha, Indonésia entre outros.

Hoje, com mais de 70 anos de idade, Ricardo Chibanga preserva um sentimento de pertença que alimenta o sonho de reviver a terra e o bairro que o viu nascer. A casa onde passou grande parte da sua infância ainda prevalece com as características de outrora, o que a torna um local de visita e uma fonte de memórias sobre um percurso de enorme sucesso. Inicialmente construída de caniço, a casa de Chibanga foi, posteriormente, remodelada em madeira e zinco pelos hábeis marceneiros da época. Seu atractivo cultural, histórico e turístico reside no facto de ter sido conservada, até os dias de hoje, em madeira e zinco, o que ilustra os traços arquitectónicos de uma época em que a Mafalala gerava talentos como é caso do primei-ro toureiro negro de Moçambique.

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CASA JOSÉ CRAVEIRINHA

José Craveirinha, considerado o maior poeta moçambicano de todos os tempos, é uma das fi guras ilustres que enriquecem a história da Mafalala. Se por um lado, o poeta bebeu dela toda uma vida cultural in-

tensa, servindo de inspiração para a sua vida e obra, por outro, a dimensão nacional e internacional da sua fi gura acabou por dar projecção ao próprio bairro, tornando-o conhecido em todo o país e além-fronteiras.

Paralelamente à sua obra literária, dedicou-se também à causa da cidadania moçambicana, tendo actuado como colaborador de importantes veículos de comunicação que reivindicavam a emancipação da população “indígena”, isto é, não-branca, durante o período colonial. Desta fase, destaca-se a sua actuação como jornalis-ta no periódico “O Brado Africano”, que desempenhou importantíssimo papel na luta anti-colonial, através dos seus escritos em que procurava exaltar os valores culturais nacionais. Ainda nesta senda, foi um dos prin-cipais promotores da Associação Africana, coordenando actividades de promoção social daqueles grupos discriminados pelo regime colonial, por via da prática do desporto, da música, da dança, entre outras áreas. Esta sua faceta de activista político fez com que fosse rotulado como “comunista” e, a partir de certa altura, passou a ser alvo de implacável perseguição pela PIDE, a polícia secreta colonial. Assim, entre 1965 e 1969, esteve preso por estar engajado numa célula da 4ª Região Militar da Frente de Libertação de Moçambique. Como outros intelectuais da sua época, Craveirinha pagou um preço alto pela defesa da identidade cultural nacional como forma de afi rmação, presente na sua obra como artista e na sua postura como cidadão. Foi justamente devido a este percurso que, anos depois, veio a ser condecorado “Herói Nacional”, tendo os seus restos mortais sido depositados na cripta da Praça dos Heróis Moçambicanos, após a sua morte, a 6 de Fe-vereiro de 2003.

Contráriamente do que muitos pensam, Craveirinha não nasceu na Mafalala mas sim no bairro do Cha-manculo, que também fazia parte das zonas suburbanas da então cidade de Lourenço Marques. Ainda nos primeiros anos de vida, mudou-se para a “cidade de cimento”, onde recebeu uma educação normal de uma criança branca. Só ao fi m da juventude, é que muda-se para a Mafalala, onde mais tarde, constitui família e fi xa-se defi nitivamente, tendo vivido em quatro casas diferentes, quase todas de madeira-e-zinco. A última destas residências, no rés-do-chão de pequeno prédio na Rua de Goa, foi a mais marcante para a família em virtude de ter sido nela em que foi preso pela PIDE.

Em 1976, um ano após a Independência, muda-se para uma casa de alvenaria, “rés-do-chão/primeiro andar”, num local próximo da Mafalala, situada na Rua Romão Fernandes Farinha, onde, por ordens ex-pressas do Presidente Samora Machel, não pagava as rendas de aluguer, em reconhecimento do seu papel heróico na Luta de Libertação Nacional. Em 2007, esta residência foi adaptada para se tornar num memo-rial da sua vida e obra e está aberta à visita pública.

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CASA PASCOAL MOCUMBI

Mahykete é o nome tradicional de Pascoal Manuel Mocumbi, uma das figuras políticas proeminentes do bairro da Mafalala e de Moçambique. Pascoal Mocumbi nasceu na então cidade de Lourenço Marques a 10 de Abril de 1941.

Pascoal Mocumbi iniciou o seu processo de formação no distrito de Inharrime, província de Inhambane, onde passou a viver, desde novo, com o seu avô paterno (Régulo Sibone). Frequentou, neste distrito, o ensino primário na Missão de Mocumbi tendo concluído em 1952. Retornado a Lourenço Marques, frequentou o ensino secundário no Liceu Salazar. Após a conclusão do ensino secundário seguiu para Portugal onde frequentou o ensino superior.

Em 1962, Pascoal Mocumbi participou na criação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), na Tanzânia, tendo feito parte do grupo encarregue de escrever os Estatutos do Movimento de Libertação Nacional. Depois da independência, Mocumbi ocupou vários cargos governamentais com destaque para o de Primeiro-Ministro.

Pascoal Mocumbi viveu na Mafalala na companhia de sua mãe e, a partir daqui, frequentou o ensino secundário no Liceu Salazar. Na qualidade de estudante secundário fez parte do movimento juvenil que criou o Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM) juntamente com Joaquim Alberto Chissano com quem chegou a fazer parte da Direcção do Núcleo. Na Mafalala, Mocumbi ajudou outros jovens negros a superar dificuldades de aprendizagem explicando conteúdos escolares, integrou grupos desportivos locais e disseminou o movimento cultural africano.

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CASA EUSÉBIO DA SILVA FERREIRA

Uma das mais proeminentes fi guras da Mafalala é sem dúvidas Eusébio da Silva Ferreira que se notabilizou como futebolista do Sport Lisboa e Benfi ca e da Selecção Portuguesa

de Futebol. Nascido na Mafalala onde viveu com sua mãe e irmãos Eusébio, tal como outros nativos do seu tempo, viveu em casas de madeira e zinco que eram alugada aos locatários da Mafalala.

Não sendo propriedade da família, a casa onde Eusébio nasceu seria depois vendida a novos inquilinos e este passou por mais três casas a última das quais comprada pelo dinheiro ganho no primeiro contrato de futebolista no Sport Lisboa e Benfi ca. Embora passe muito tempo após a sua saída para a Europa onde viria a perder a vida, Eusé-bio é recordado pelos seus coetâneos como uma fi gura mística e de talento impar. Para além do futebol onde viria a se notabilizar, Eusébio é referido pelos seus contemporâneos como possuidor de um talento em outros jogos que se desenvolviam na sua infância. Berlindes, jo-gos de castanha entre outros, tinham nele um dos executantes mais respeitados pelos rapazes da Mafalala do seu tempo.

No que ao futebol diz respeito, Eusébio, tal como outros rapazes do seu tempo, deu os pri-meiros toques nos Brasileiros da Mafalala uma equipa de carácter local que participava em jogos com outras equipas dos barros vizinhos como Xipamanine e Chamanculo. Exímio executante de ambos pés, muito cedo granjeou admiração no seio da comunidade ao ser chamado, ainda júnior de uma das prestigiadas equipas de Lourenço Marques, a jogar com os seniores onde se destacava como um mortífero goleador.

Os primeiros passos de Eusébio e seus companheiros de idade foi dado nos insalubres cam-pos da Mafalala, espaços que hoje fi cam apenas na memória dos mais velhos pois faz tempo que foram ocupados por outros usos. O actual campinho da Mafalala é m espaço edifi cado após a independência como uma réplica dos campinhos de então mesmo para homenagear os talentos que Mafalala foi produzindo no seu percurso.

O campinho actual era no passado, propriedade de um colono que tinha um pomar de onde produzia citrinos que eram comercializados para os restantes moradores do bairro. Com a independência, proeminentes fi guras da Mafalala dos quais se destaca a família Caliano e o próprio Presidente Joaquim Chissano, teriam sido determinantes na transformação daquele espaço num campo de futebol.

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CASA JOAQUIM CHISSANO

Joaquim Alberto Chissano é uma daquelas figuras que no panora-ma político moçambicano dispensa qualquer apresentação. Filho

de pais assimilados oriundos da província de Gaza, Chissano chegou a Mafalala para aí morar e frequentar o Liceu Salazar, um privilégio muito raro entre os jovens negros da sua geração.

Na sua obra Chissano descreve a geografia da cidade de Louenço Mar-ques considerando que “a cidade estava na verdade dividida em zonas. A zona de cimento e a zona de caniço. A fronteira era a Avenida Caldas Xavier. De um e de outro lado desta avenida encontravam-se mulatos e brancos pobres. Na zona do Alto-Maé, muitos mulatos, até ao bairro Malanga. Muitos destes eram um tanto ou quanto diferentes dos mula-tos de caniço, sobretudo daqueles que cresciam a cargo das suas mães indígenas e aprendiam de criança a soprar com a boca a lenha da lareira e a suportar o ardor do fumo nos alhos para aquecer o arroz de on-tem misturado com caril (psikento) para o matabicho ou para o almoço” (Chissano, 2010, p. 123).

Tal como outros moradores, Chissano viveu com a avó e uma tia pri-meiro numa casa alugada. Mais tarde, Chissano e o irmão mais velho construíram a sua própria casa usando conhecimentos adquiridos dos mestres locais. Na Mafalala forjou-se como homem e político tendo participado em actividades como a criação do Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique na companhia de Pasqual Mo-cumbi e outros jovens da época. Foi da Mafalala que Chissano partiu para Lisboa para dar continuidade aos seus estudos e daí fugiu para Paris e mais tarde se juntou a Frente de Libertação de Moçambique em Dar-es-Salam.

Extraído de Chissano, (2010).

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CASA SAMORA MACHEL

Os jovens que vinham de diferentes partes de Moçambique em busca de emprego ou de formação em Lourenço Marques, tinham na Mafalala o seu local de acolhimento. Samora Moisés Machel, Primeiro Presidente da República de Moçambique foi uma dessa

fi guras que foi acolhida na Mafalala e, passados muitos anos, os residentes mais velhos lembram-se da passagem deste destacado nacio-nalista moçambicano pelo bairro.

Carimo (2017), lembra que depois da independência Samora Machel voltou a Mafalala na companhia do Presidente Julius Nyerere com o objectivo de mostrar a este o último local onde viveu antes de fugir de Moçambique para se juntar a Frente de Libertação de Moçambique na Tanzania. Ao irromper no pacato bairro suburbano da Mafalala, a escolta presidencial causou estranheza e sobretudo, quando Samora Machel se direigiu a uma idosa a quem reconheceu como sendo sua antiga vizinha das casas de madeira e zinco.

Como enfermeiro, Samora teve um relacionamento elogiado e lembrado com nastologia pelos residentes da Mafalala mais velhos: ajuda-va aos efemeros que por uma outra razção não conseguiam se deslocar ao hospital em busca de tratamento médico.

Os jovens de então lembram Samora como um homem que se comunicava mais com os mais velhos e que se ocupava mais da sua acti-vidade laboral tendo pouco contacto com as gerações mais jovens que se intertiam no futebol e em outras práticas típicas da sua idade.

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CASA FANY MPFUMO

O ano de 2017 marca a passagem de 30 anos do falecimento de Fany Mpfumo, um dos maiores expoentes da música ligeira moçambicana. Nascido a 18 de Outubro de 1928 na

então cidade de Lourenço Marques, António Mariva Mpfumo nos deixou a 3 de Novembro de 1987, deixando também verdadeiros clássicos para a nossa música popular, como a “A va nsati va lomu”, “Georgina”, “Hodi”, entre tantos outros. Tido por muitos como o “King ya Marraben-ta” (título de uma das suas mais famosas canções), Fany Mpfumo contribuiu, como intérprete e compositor, para a definição e difusão deste género musical genuinamente moçambicano.

O seu envolvimento profissional com a música deu-se na vizinha África do Sul, para onde mi-grou em busca de melhores condições de vida em diversos trabalhos, ainda na década de 1940. Num primeiro momento, adquiriu experiência acompanhando músicos consagrados daquele país, absorvendo algumas influências que veio a incorporar (sobretudo do ritmo kwela) quan-do, já a partir da década de 1950, passou a gravar as suas próprias composições. Estas canções atingiram um sucesso considerável e fizeram com que se tornasse conhecido não apenas entre o público sul-africano, mas também entre os moçambicanos lá residentes que, por sua vez, traziam os seus discos quando estavam de regresso à terra natal depois do trabalho nas minas.

Deste modo, com a carreira consolidada e já bastante famoso, Fany regressa definitivamente a Moçambique em 1973 e, após algum período de readaptação, vai se fixar em casa de alguns familiares na Mafalala. Nesta fase, para além de actuar em diversos concertos no circuito mu-sical da cidade, promovia animados convívios e ensaios musicais em sua casa, que passou a ser frequentada por artistas destacados no cenário local. A vivacidade e o aprendizado patentes nestes convívios informais permanecem até os dias actuais na memória dos familiares, vizi-nhos e antigos contemporâneos que tiveram a oportunidade de conviver com Fany. E, certa-mente, contribuíram também para incrementar a já efervescente vida cultural do bairro.

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O MERCADO MAFALALA

O mercado Mafalala é um recinto cuja actividade principal é a venda de produtos como verduras, frutas, especiarias, capulanas, refei-ções, entre outros artigos. A estrutura do mercado é, fundamentalmente, baseada em bancas e barracas pertencentes aos membros

da comunidade e afi ns. É eleito pela comunidade como uma das referências culturais por ser um espaço de exposição dos produtos do bairro.

O mercado foi fundado por volta dos anos 70 no local onde, actualmente, funciona a secretaria (circulo) da Mafalala. Entre 1972 e 1973 foi transferido para zona designada “Rodrigues”, situada na rua de Goa, passando a chamar-se “Mercado Rodrigues”. As bancas eram feitas de paus que suportavam tabuleiros feitos de chapas de zinco onde eram colocados os produtos. A sua transferência, segundo fontes, deveu-se à concorrência que era desencadeada por um outro mercado, localizado na tourada (praça de touros), alvo de maior procura por parte dos compradores.

Em 1976, um ano após a independência de Moçambique, o mercado foi, uma vez mais, transferido da zona do “Rodrigues” para o local actual. O então Presidente da Câmara de Lourenço Marques e, mais tarde, Presidente do Conselho Executivo da Cidade de Maputo, Al-berto Massavanhane, baptizou o mercado com o nome de “Mercado Organização da Unidade Africana -OUA.”

Em 2014, o Conselho Municipal de Maputo, atendendo ao pedido formulado pelos vendedores, fi nanciou as obras de modernização do mercado OUA. Este acto consistiu na construção de novas bancas em blocos de cimento, substituindo, as antigas bancas de estacas e chapas de zinco. Foram igualmente, construídos os alpendres e os cacifos anexos às bancas. O mercado OUA ou Mafalala, foi assim transformado em mercado municipal.

O mercado obedece a postura municipal que preconiza abertura às 7 horas e o fecho às 17 horas. Entretanto, o horário de maior procura por parte dos clientes é que efectivamente defi ne o fecho do mercado, uma vez que o atendimento ao cliente é considerado imprescindível mesmo que seja depois da hora do encerramento. O mercado Mafalala constitui um lugar de referência no bairro e faz parte do roteiro turístico. 52

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MATLOTLOMANA, GATO PRETO – Memórias de uma prática colonial

O lazer na cidade de Lourenço Marques era, em parte, vivenciado nos subúrbios e a Mafalala era um dos bairros mais credenciados. As cantinas deste bairro eram uma das principais atracções e vendiam, entre vários produtos, o vinho português afamado pela sua má qua-

lidade. Estas situações alimentavam a percepção de que a actividade visava “arrancar dinheiro ao preto”, principalmente, dos trabalhadores urbanos e dos magaíças, os retornados das minas sul-africanas (Zamparoni, 1998, p. 350 e seguintes).

O formato do comércio incluía a presença de meninas e mulheres controladas pelos proprietários das cantinas. Por trás das cantinas encon-travam-se quartos concebidos para a prática de prostituição, uma actividade que respondia a um segmento social menos abastado como a população masculina negra, alguns assalariados portugueses e marinheiros que atracavam os seus navios no Porto. As meninas eram as mais apreciadas e, aparentemente as mais rentáveis. As mais adultas alugavam as suas próprias casas para o mesmo efeito, sem que isso significasse a isenção do controlo dos cantineiros.

Os lugares da Mafalala relacionados a este tipo de práticas são o Matlotlomana, “Gato Preto” e a Lagoa. O Matlotlomana é uma referência para os habitantes do bairro da Mafalala, especialmente para o grupo de moradores mais velhos. Trata-se de um conjunto de casas, que se situava numa zona específica do bairro, próximo do local onde se encontra hoje a Secretaria do Bairro. Etimologicamente a palavra “matlotlomana” provém do verbo ku tlotloma, em changana, que significa “atacar” em referência ao facto de as mulheres terem o hábito de provocar sensualmente os homens que por ali passavam. Nos dias de hoje o local é preservado por via da memória social e já não existe como tal desde a Independência do país, em 1975.

“Gato Preto” é outra referência ligada ao entretenimento da Mafalala colonial. O nome foi atribuído a uma pequena zona que tinha como principal elemento um edifício multifuncional, construído em 1933. Neste edifício exercia-se actividade comercial (loja de diversos produ-tos), e também um snack-bar. Para além do edifício principal foram erguidas, em volta, dependências que eram usadas como residências de funcionários e também como prostíbulos. O seu proprietário era um agente da PIDE daí que a história desta casa esteja também associada às actividades de espionagem da Polícia Internacional e de Defesa do Estado - PIDE. Após a independência nacional, o “Gato Preto” foi nacio-nalizado passando a gestão da Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE) tendo sido arrendada ao actual ocupante. Na década de 1990, no âmbito da alienação dos imóveis pelo Estado, esta residência foi definitivamente atribuída ao seu ocupante.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICASBon, A. L. (2015). Mafalala 1974. Memórias do 7 de Setembro, A Grande Operação . (A. L. Bon, Ed.) Maputo, Moçambique: Movi-mento Editora.

Chissano, J. A. (2010). Vidas, Lugares e Tempos. Maputo, Moçambique: Texto Editores.

Junod, H. A. (1996). Usos e Custumes dos Bantu (Vol. Tomo I). Maputo, Moçambique: Arquivo Histórico de Moçambique.

Laranjeira, I. (2016). A Iverca. Em M. C. Ribeiro, & W. Rosa, Memórias e Espaços de um Lugar (p. 177). Maputo: IVERCA.

Noa, F. (2016). Mafalala: Memória de uma paisagem sociocul-tural. Em M. C. Ribeiro, & W. Rosa, Memórias e Espaços de um Lugar (pp. 21-32). Coimbra: Imprensa Universitária de Coimbra.

Salva-Rey, J. (1974). Ku Femba. Maputo: Minerva Central.

Zamparoni, V. D. (1998). Entre Narros e Mulungos - Colonialis-mo e paisagem social em Lourenço Marques c. 1890-c.1940. São Paulo, Brasil: Universidade de São Paulo.

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Abudo, Alima, entrevista feita por Alda Damas e Mazuze Célia. Membro da Comunidade da Mafalala Maputo: ARPAC, (5 de Agosto de 2016).

Abudo, Wanema, e Alima Abudo, entrevista feita por Alda Damas e Célia Mazuze. Con-selheiros da Comunidade Maputo: ARPAC, (5 de Agosto de 2016).

Adelino, Macula, entrevista feita por Célia Mazuze. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (2 de Agosto de 2016).

Ali, Wassani, entrevista feita por Alda Damas. Dançarina do Grupo Cultural Tufo da Mafalala Maputo: ARPAC, (4 de Agosto de 2016).

Baraza, Sualé Ali, entrevista feita por Ruben Taibo e Marílio Wane. Representante da Mesquita de Baraza Edição: ARPAC. Maputo, (7 de Dezembro de 2016).

Carimo, Chihamadana A. Abdul, entrevista feita por Ruben Taibo e Marílio Wane. Mem-bro da Comunidade Maputo: ARPAC, (15 de Abril de 2017).

Cassamo, Castigo, entrevista feita por Dulámito Aminagi. Membro da Comunidade Ma-puto: ARPAC, (5 de Agosto de 2016).

Cassamo, Zuleica, entrevista feita por Marílio Wane. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (4 de Agosto de 2016).

Cossa, Posidonio Lito, entrevista feita por Alda Damas e Sergio Manuel. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (4 de Agosto de 2016).

Cufasse, Amilcar Agostinho, entrevista feita por Ruben Taibo e Marílio Wane. Membro da comunidade Maputo: ARPAC, (4 de Dezembro de 2016).

Dáfino, Cássimo David, entrevista feita por Ruben Taibo e Marílio Wane. Membro da comunidade Maputo: ARPAC, (12 de Dezembro de 2016).

Faife, Afonso José, entrevista feita por Ruben Taibo e Angélica Munhequete. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (2 de Agosto de 2916).

Mabota, Carlos António, entrevista feita por Ruben Taibo e Marílio Wane. Membro da comunidade Edição: ARPAC. Maputo, (8 de Dezembro de 2016).

Machava, Munhaca Simão, entrevista feita por Ruben Taibo, Dulámito Aminagi e Angé-lica Munhequete. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (1 de Agosto de 2016).

REFERÊNCIAS DE FONTES ORAIS

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Matola, Rofino Pinto, entrevista feita por Ruben Taibo e Dulámito Aminagi. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (1 de Agosto de 2016).

Matsinhe, Lopes António, entrevista feita por Dulámito Aminagi. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (2 de Agosto de 2016).

Momade, Cadria, entrevista feita por Marílio Wane. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (2 de Agosto de 2016).

Momade, Watifa, entrevista feita por Rosário Lemia. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (4 de Agosto de 2016).

Muairete, Juma Abubacar Caetano, entrevista feita por Ruben Taibo e Dulámito Aminagi. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (5 de Agosto de 2016).

Mussagy, Sofia Izidini, entrevista feita por Dulámito Aminagi. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (2 de Agosto de 2016).

Mussane, Manuel João, entrevista feita por Sonia Ajuda e Angélica Munhequete. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (2 de Agosto de 2016).

Saíde, Momade Matane, entrevista feita por Sónia Lopes. Responsável do Grupo Tufo da Mafalala Maputo: ARPAC, (4 de Agosto de 2016).

Sambo, Amélia João, entrevista feita por Ruben Taibo e Angélica Munhequete. Membro da Comunidade Maputo: ARPAC, (2 de Abril de 2017).

Silva, Teresa Maria de Jesus Caliano da, entrevista feita por Ruben Taibo e Marílio Wane. Membro da comunidade Maputo, (15 de Dezembro de 2016).

Sitoi, Telma, entrevista feita por Marilio Wane. Praticante de Medicina Tradicional Maputo: ARPAC, (1 de Agosto de 2016).

Xinavane, Alfredo, entrevista feita por Alda Damas e Marílio Wane. Contador de Estorias Maputo: ARPAC, (2 de Agosto de 2016).

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