Macroambiente e Cenários Econômicos · Investimentos e Novos Negócios. Professor de Economia e...

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Walter Franco L. da Silva Macroambiente e Cenários Econômicos 2008

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Walter Franco L. da SilvaMacroambiente e Cenários Econômicos

2008

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IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

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S586 Silva, Walter Franco L. da. / Macroambiente e Cenários Econômicos. / Walter Franco L. da Silva. — Curitiba :

IESDE Brasil S.A. , 2008.112 p.

ISBN: 978-85-7638-984-2

1. Economia. 2. Política econômica. 3. Política fiscal. I. Título.

CDD 330

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Walter Franco L. da SilvaMestre em Ciências Sociais pela University of London, Institute for Latin American Studies. Pós-graduado em Economia de Empresas. Gra-duado em Administração de Empresas pela Fun-dação Getúlio Vargas (FGV-EAESP). Consultor de Investimentos e Novos Negócios. Professor de Economia e Administração nos cursos de Bacha-relado, Pós-Graduação e Graduação Tecnológica da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID).

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Definindo macroeconomia: breve visão histórica e a teoria keynesiana | 9

Atividade e sistema econômico 27

Nível de atividade econômica | 27

Política fiscal: definição | 30

Política monetária: definição | 37

A análise de um modelo macroeconômico 45

Definindo oferta e demanda agregada | 46

O modelo de curva IS-LM-BP 63

Definindo produção, renda e o fluxo circular | 63

Definindo o modelo da curva LM | 68

Definindo o modelo da curva IS | 72

O equilíbrio das curvas IS – LM | 77

Definindo o modelo da curva BP | 77

Interdependência das políticas fiscal, monetária e cambial

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As recentes transformações nas economias capitalistas | 87

Política econômica e regime cambial | 92

O Plano Real: origens, atualidades e desafios | 94

Gabarito 107

Referências 109

Anotações 111

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icosApresentação

O objetivo deste livro será o de conceituar ma-croeconomia e apresentar de maneira clara os principais determinantes do recente desem-penho da economia brasileira. A partir de uma visão histórica e conceitual, faremos uma aná-lise das principais teorias que regem o estudo da macroeconomia e o comportamento de suas principais variáveis como produto, preço, moeda, juros e câmbio, visualizando sempre o caso específico do Brasil desde as últimas déca-das do século XX e início deste século.Definiremos o termo macroeconomia, bem como a importância e as principais considerações a res-peito do estudo da teoria keynesiana para criar um novo pensamento econômico mundial face às teorias clássicas. Em seguida, alguns aspec-tos do cenário macroeconômico do Brasil à luz desses pensamentos, o recente desempenho dos principais indicadores na atualidade, pers-pectivas e desafios neste novo milênio.Também serão abordados os temas relativos ao nível de atividade e sistema econômico e os fa-tores preponderantes no desenvolvimento da economia de um país. Para tanto, conceituare-mos política fiscal e política monetária e estu-daremos a questão do desenvolvimento através de uma perspectiva histórica, sempre buscando o entendimento e peculiaridades do caso brasi-leiro no que se refere ao nível do emprego e à distribuição de renda no país. Definiremos e analisaremos em detalhes cada um dos nove agregados macroeconômicos: produto, renda, consumo, poupança, investimento, pou-pança externa, absorção, déficit público e inflação.

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Estudaremos de que forma a política econômi-ca adotada por um governo, em conjunto com diversas outras forças externas, determina a po-sição de equilíbrio do mercado monetário e de bens conforme representado pelas curvas LM e IS. Examinaremos também a natureza desse equilíbrio com base no entendimento da impor-tância do cálculo dos valores da taxa de juros e do nível de renda explicado pela curva LM, assim como a curva de equilíbrio de mercado de bens explicado pela curva IS.Por fim, concluiremos este estudo sobre ma-croeconomia discutindo alguns dos principais aspectos e desafios para o estabelecimento de políticas fiscal, monetária e cambial no Brasil a fim de possibilitar o desenvolvimento e a estabi-lidade econômica de longo prazo. Neste estudo daremos destaque ao lançamento do Plano Real e a suas políticas de estabilização, cujo sucesso possibilitou a contenção da inflação crônica, que foi característica da economia brasileira nas décadas de 1980 e meados de 1990.Boa leitura e bom estudo!

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Interdependência das políticas fiscal, monetária e cambial

Neste capítulo estudaremos os principais aspectos e desafios, para o es-tabelecimento de políticas fiscal, monetária e cambial no Brasil, que possibi-litem o desenvolvimento e a estabilidade econômica de longo prazo. Nesse sentido, daremos destaque à consolidação das políticas adotadas no país desde o lançamento do Plano Real em 1994, o importante esforço na busca pela estabilização dos mercados, os empenhos na contenção da inflação crô-nica e a mais recente busca pelo crescimento econômico sustentado e de longo prazo.

Entretanto, a fim de compreendermos as origens desse processo de es-tabilização e os desafios que se impõem ao Brasil neste início do século XXI, é importante tratarmos primeiramente das principais transformações ocor-ridas nas sociedades capitalistas desde meados do século passado e os seus impactos na nossa economia. Transformações que não apenas se caracte-rizaram por suas características comercial, produtiva, financeira ou mesmo institucional nas economias industrializadas da Europa e dos Estados Unidos, mas também pelos significativos reflexos políticos e sociais nas nações em desenvolvimento.

De posse desse entendimento, e compreendendo a importância do Brasil na dinâmica deste novo mundo globalizado, procuraremos traçar um cená-rio de curto, médio e longo prazo para o desenvolvimento de nossa econo-mia, tendo como foco as transformações sofridas principalmente a partir dos anos 1990.

As recentes transformações nas economias capitalistas

Conforme descrito por Gremaud (2004):

No pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo viveu um período de rápido crescimento econômico, que persistiu até o início dos anos 1970. Essa fase, chamada por alguns de “Idade de Ouro” do capitalismo, caracterizou-se por uma forte presença do Estado na economia, na qual ele teria, entre outras funções, garantir um elevado nível de emprego. Predominavam as chamadas políticas keynesianas.

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A partir da implantação dessas políticas de bem-estar social1, tanto os governos da Europa como o dos Estados Unidos focaram as suas ações e políticas públicas nas práticas voltadas à viabilização de uma ampla rede de serviços sociais aos seus cidadãos. Nesse sentido, durante esse período, compreendido desde meados dos anos 1940 até o final dos anos 1970, os governos preocuparam-se em financiar ações voltadas ao crescimento da demanda interna por bens e serviços, garantir a viabilidade de programas de emprego e renda, e principalmente o financiamento de sistemas previdenci-ários e de saúde, assistência social e seguro-desemprego, por exemplo.

Na verdade, através dessas políticas praticadas pelo Estado do Bem-Estar Social e com o significativo aumento dos gastos públicos, garantiu-se não apenas a reconstrução das sociedades européias no pós-guerra, mas a con-solidação do poderio norte-americano nos mercados internacionais. Foi exatamente nas três décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial que o mundo presenciou o enorme crescimento e dinamismo da economia ame-ricana, que passou a exercer enorme papel como o grande motor do cresci-mento econômico do ocidente. Essa influência não se manteve apenas res-trita aos países europeus ou à América Latina, estendendo-se também, até certo ponto, para as economias asiáticas (com destaque para o caso japonês e sul-coreano, por exemplo).

Esse crescimento da influência americana gerou como reflexo uma mu-dança no pêndulo das influências das antigas nações européias em diversas partes do mundo, colocando inclusive um ponto final nas antigas relações coloniais em diversos cantos do mundo. Nesse sentido, veríamos os Estados Unidos surgirem como a grande potência mundial ditando e influenciando os rumos das políticas externas ocidentais e determinando os novos padrões de consumo e, até certo ponto, de comportamento até hoje presentes nas sociedades modernas2. Com o crescimento da locomotiva americana, a cul-tura de massas, as novas práticas empresariais, o foco na eficiência e produ-tividade das empresas multinacionais americanas e o crescimento do pode-rio do sistema econômico mudariam definitivamente o cenário econômico mundial com reflexos sentidos até o dia de hoje.

E serão exatamente esse irreversível processo de internacionalização do capital, o crescimento da influência das grandes corporações multinacionais e o significativo aumento do fluxo comercial entre as nações ocidentais que influenciarão definitivamente os rumos do desenvolvimento econômico do Brasil, especialmente no que se refere às políticas públicas e às ações na esfera econômica nacionais.

1 Também conhecido como Estado do Bem-Estar Social, ou Welfare State.

2 Importante destacar nesse momento o nascimento do período caracterizado como Guerra Fria, que teve início a partir do final da Segunda Guerra Mundial, mais preci-samente a partir da década de 1950. Nesse período, o mundo presenciou as cres-centes tensões bélicas, decor-rentes da “divisão” do mundo entre as duas novas potências mundiais. De um lado, os Es-tados Unidos, que buscavam a hegemonia e o aumento de sua esfera de influência sobre as nações capitalistas, e, do outro, a União Soviética e o seu poderio sobre o mundo dito socialista.

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Com o aumento significativo da liquidez internacional a partir dos anos 1960, o Brasil se verá diante de uma enorme possibilidade de aumento de seu endividamento externo, que servirá não apenas para compensar o baixo índice de poupança interna, mas para fomentar o crescimento e o seu desen-volvimento voltado principalmente à conclusão do processo de substituição de importações iniciado por Getúlio Vargas algumas décadas antes. Servirá também para financiar a modernização de diversos setores de nosso país, especialmente no que se refere à questão da infra-estrutura.

Entretanto, a despeito desse enorme dinamismo e fluxo de capitais, em grande parte resultado dessa nova ordem mundial estabelecida pelos Esta-dos Unidos – com destaque para o papel desempenhado pela moeda norte-americana após a implantação do sistema de Bretton Woods em 19443 – o mundo entrou na década de 1970 com enormes problemas a serem resolvi-dos. Em primeiro lugar, percebeu-se que a política interna e externa ameri-cana, combinadas com um elevado padrão de gastos governamentais, não puderam ser mantidas por muito tempo. Os enormes gastos bélicos decor-rentes da Guerra Fria, as diversas intervenções em outras nações (Guerra da Coréia, Vietnam, Cuba etc.) e o aumento significativo do preço do petróleo colocaram pela primeira vez o sistema do dólar como a grande moeda de troca internacional sob xeque.

Incapaz de manter o padrão-ouro estabelecido em Bretton Woods, o au-mento dos conflitos no Oriente Médio, a necessidade de elevação do déficit público e as instabilidades no mercado internacional de petróleo (que for-çaram uma alta sem precedentes nos preços do barril) levaram o governo norte-americano a romper o sistema monetário vigente. A onda de instabi-lidades teve como conseqüência uma natural elevação da inflação mundial, exigindo dos bancos centrais uma imediata e significativa elevação das taxas de juros tanto nos Estados Unidos como na Europa, o que acabou tendo enormes repercussões na economia mundial.

No caso do Brasil, acostumado a ser financiado externamente a taxas pós-fixadas4, o impacto não poderia ter sido pior. Em um primeiro momento, o governo e empresas endividadas interna e externamente viram-se frente a frente com o fantasma da recessão mundial e a escassez de capital e a re-dução das possibilidades de refinanciamento. Somado a isso, as dívidas em moeda estrangeira cresceram exponencialmente nesse período, fomentadas primeiramente pela desvalorização da moeda local frente às principais divi-sas internacionais e, em segundo lugar, pelo aumento dos juros cobrados pelos mesmos empréstimos.

3 Em 1944, no estado ameri-cano de New Hampshire, re-presentantes, ministros das finanças e delegados de di-versos países se encontraram sob a tutela dos EUA para tra-çarem as novas linhas e dire-trizes das forças econômicas que ditariam os destinos das economias mundiais do pós-guerra. Na ocasião, entre os diversos acordos assinados e resoluções tomadas pelos líderes das forças aliadas, o dólar passou a ser a moeda de referência mundial. Ou seja, todas as conversões e paridades internacionais passaram a ser fixas versus o US$. Nesse momento, aban-donou-se o padrão-ouro que prevaleceu por décadas e instaurou-se uma nova di-nâmica nas transações finan-ceiras e comerciais mundiais, sob a clara liderança e influ-ência dos EUA.

4 Basicamente, qualquer em-préstimo pode ser contraído a taxas pré-fixadas ou pós-fi-xadas. No caso das taxas pré-fixadas, o devedor saberá exatamente a taxa que será cobrada sobre o valor total de sua dívida durante todo o período de sua vigência. Nos acasos dos empréstimos contraídos a taxas pós-fixa-das, o mercado financeiro é quem definirá o valor dos juros cobrados durante todo o período, aumentando sig-nificativamente a imprevisi-bilidade do custo da dívida e conseqüentemente os riscos ao devedor.

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A partir da crise do petróleo em 1973, e com a conseqüente elevação da taxa de juros internacional, o governo brasileiro se viu obrigado a conter e apagar diversos incêndios no mercado interno. De um lado, o Brasil presen-ciava uma escalada inflacionária – gerada principalmente pelos significativos aumentos do preço internacional do petróleo, do qual era muito dependen-te. Por outro lado, já era percebido um enorme desaquecimento da demanda interna, gerado pelo aumento das taxas de juros e pelo aumento do desem-prego. Aliado a esses fatores, o Brasil ainda passou a sofrer com a imediata elevação do endividamento das empresas (como o governo, encontravam-se endividadas em moeda estrangeira e, muitas vezes, a taxas pós-fixadas) e com a necessidade de reajustes drásticos nas contas e nas dívidas públicas, interna e externa.

O mundo entrou, portanto, na década de 1980 com a clara sensação da premente necessidade de efetuar um enorme reajuste no sistema capitalista. O modelo até então adotado; baseado na presença estatal em quase todos os setores da economia, as ineficiências das empresas, a necessidade de au-mento dos componentes tecnológicos, a necessidade de combustíveis alter-nativos e meios de produção mais econômicos forçaram o repensar da estru-tura capitalista implantado principalmente nas quatro décadas anteriores.

Um exemplo importante é o do governo da primeira-ministra Margareth Thatcher, da Grã-Bretanha, que, percebendo as enormes ineficiências dos di-versos setores da economia britânica, iniciou já no final da década de 1970 re-formas em larga escala visando promover o que os economistas chamariam de neoliberalismo. As políticas e práticas neoliberais acabaram por emitir importantes sinais para todos os mercados mundiais no sentido de promo-verem a remodelagem do capitalismo nas duas décadas subseqüentes.

Na visão neoliberalista, era necessário promover a total reforma do siste-ma produtivo das empresas e rever a importância dos setores de serviços, financeiro e principalmente o antigo papel do Estado como motor do desen-volvimento. Em poucas palavras, esse novo modelo baseava-se na drástica redução do papel do Estado do Bem-Estar Social e incentivava principalmen-te a desregulamentação e liberalização dos mercados, isso com o objetivo de promover a maior competitividade das economias mundiais.

Entre as práticas defendidas pelo pensamento neoliberal, estava a redu-ção do papel de sindicatos e associações de classe, o desmantelamento dos serviços sociais oferecidos pelo Estado, a privatização de concessionárias de

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serviço público5, a abertura comercial (com o incentivo à redução de barrei-ras e tarifas de importação/exportação), a liberalização de fluxos de moedas, e a quebra de práticas protecionistas, por exemplo.

O neoliberalismo difundiu-se pelo mundo, levando diversos países da Europa, Ásia e América Latina a adotarem políticas e práticas liberalizantes em linhas com esse novo pensamento. Poderíamos destacar, além da pró-pria Grã-Bretanha, políticas neoliberais adotadas no Chile, México e em di-versos países do Leste Asiático nas décadas de 1980 e 1990. Nesses países em desenvolvimento, diversas políticas de estabilidade e de aberturas de mercados foram implantadas com relativo sucesso, e sempre com o apoio de organismos internacionais, como o caso do Banco Mundial e Fundo Monetá-rio Internacional (FMI), cujos objetivos eram implantar a receita do chamado Consenso de Washington6. Suas bases eram:

disciplina fiscal;

reformas fiscais visando melhorias, ampliação e aumento de arrecadação;

disciplina monetária;

liberdade cambial;

abertura financeira;

contenção de gastos públicos;

garantias e incentivos ao investidor e capital externo;

garantias aos direitos internacionais de propriedade;

promoção das privatizações.

Além dos pontos destacados anteriormente, diversas economias em de-senvolvimento implementaram políticas liberalizantes com o intuito inicial de eliminar (ou reduzir) as enormes vulnerabilidades sofridas pelas crises das décadas de 1970 e 1980, e a fim de atrair capital externo para o fomento do desenvolvimento. Podemos hoje afirmar que algumas dessas ações surtiram efeitos positivos – mesmo a despeito de algumas crises pontuais – primeiro por inserirem diversos países no sistema econômico mundial globalizado neste século XXI. Segundo, por servirem de exemplos a outros países que ainda viviam sob a ótica do protecionismo, inflação e pouca austeridade no trato das contas públicas.

5 Como exemplo de con-cessionárias prestadoras de serviço público, poderíamos destacar a geração, transmis-são e distribuição de energia elétrica; a distribuição de gás natural, água e combustíveis; e os serviços públicos de transporte e telefonia, por exemplo. Todos, aliás, pri-vatizados na Grã-Bretanha durante o período Margareth Thatcher.

6 O termo Consenso de Wa-shington foi cunhado em meados dos anos 1980 para designar políticas e práticas neoliberais em linha com as receitas de estabilidade eco-nômica e de abertura comer-cial defendidas pelas gran-des potências mundiais, com clara influência norte-ameri-cana. Entretanto, não ocor-reu em nenhum momento uma reunião, ou mesmo um consenso formal, por parte dessas autoridades.

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No caso brasileiro, a crise que havia iniciado em meados da década de 1970 se estendeu por toda a década de 1980, gerando como conseqüên-cia baixos crescimentos econômicos, inflação, instabilidade econômica e desequilíbrios fiscal e monetário típicos de períodos muito conturbados no campo macroeconômico e também nas esferas política e social. A entrada da década de 1990, e todo esse novo cenário internacional, colocou um novo e importante desafio aos nossos governantes: era chegada hora de abrir a eco-nomia local e realinhar a política econômica e a economia brasileira como um todo às novas demandas do mundo em processo de globalização. Per-ceberemos que será somente a partir de 1992, durante final do período do governo Collor, que o país começou a dar efetivamente os primeiros passos rumo à abertura econômica e trabalhou mais arduamente no sentido de conter a inflação.

Entretanto, antes de tratarmos dos esforços desenvolvidos pelo governo nesse sentido, e mais especificamente no esforço na contenção da escalada dos preços a partir do lançamento do Plano Real em julho de 1994, vamos conceituar política econômica e regime cambial e a sua relação com as polí-ticas fiscal e monetária.

Política econômica e regime cambialTendo em mente essa visão de globalização discutida até este momento,

não há como analisarmos a política econômica de um determinado país sem pensarmos nas enormes inter-relações existentes hoje entre os mais varia-dos mercados como o mercado de moedas e de taxas de câmbio. No caso específico do Brasil, os regimes de taxa de câmbio tiveram papel crucial du-rante todo o processo de implantação do Plano Real desde 1994. Ainda hoje o preço da nossa moeda local é determinante na análise do equilíbrio das contas externas, na análise da inflação e também no nível de competitivida-de de nossos produtos e serviços no mercado mundial, para citarmos apenas alguns exemplos.

Segundo definição de Froyen (2003), a taxa de câmbio nominal de um país representa as unidades de moeda doméstica necessárias para a aquisição de uma unidade da moeda estrangeira. Dessa forma, o Brasil e a maioria dos países utilizam essa definição para expressar as diferentes taxas de câmbio nominal entre a moeda doméstica e as estrangeiras. Sabemos, também, que as taxas de câmbio são fundamentais para o equilíbrio macroeconômico de

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um país, sendo determinantes no desempenho da balança comercial e de serviços, no comportamento do balanço de pagamentos, nos fluxos de en-trada e saída de capitais e na oferta e demanda por moeda local e estrangei-ra nas mais variadas operações cambiais.

A princípio, podemos definir que toda operação de câmbio entre uma moeda doméstica (o real) e uma outra moeda estrangeira (o dólar, por exem-plo) ocorre quando residentes no Brasil compram bens ou ativos estrangei-ros, ou quando estrangeiros compram bens ou ativos no mercado local. Uma das principais tarefas das autoridades monetárias de um país será, pois, ava-liar constantemente esse fluxo de transações com as respectivas moedas en-volvidas nas mais diversas transações internacionais.

Nesse sentido, o balanço de pagamentos será o principal instrumento contábil que resumirá todas as transações econômicas internacionais do país em um determinado período de tempo. De um lado do balanço de pa-gamentos, são lançados como créditos todos os ganhos que um país obtém com suas relações com o exterior, sejam de residentes ou governo. Do outro lado do balanço, são lançados como débitos todos os gastos efetuados com o exterior7 e que determinarão em última análise a demanda por moeda es-trangeira no mercado local, composto por corretoras e departamentos de câmbio nos diversos bancos.

Ainda segundo Froyen (2003, p. 543),

[...] podemos dizer que a totalidade dos dispêndios de residentes de um país no exterior representa uma demanda equivalente por moeda estrangeira no mercado de câmbio doméstico... Inversamente, todos os recebimentos de residentes de um país oriundos de não residentes refletem entradas correspondentes de moeda estrangeira.

Ou seja, em poucas palavras, um brasileiro que compra um perfume im-portado da França precisará trocar reais por euros no mercado de câmbio, enquanto um exportador brasileiro receberá moeda estrangeira por suas vendas no exterior, trocando-as por moeda local na efetivação da entrada de recursos no país.

A taxa de câmbio será, a princípio, o preço relativo de cada moeda em comparação à outra. O preço relativo será determinado livremente pelo mer-cado em razão da oferta e demanda dessas moedas, caso obviamente não haja intervenções do Banco Central nas cotações.

Conforme descrito nas duas situações abaixo, a demanda por moeda es-trangeira é inversamente proporcional a uma elevação em seu preço (taxa

7 Para maiores detalhes a respeito das contas que compõem o balanço de pa-gamentos, vide descrição no quarto capítulo deste livro. Para um estudo em maior profundidade a respeito do balanço de pagamentos, ver Froyen (2003, p. 537-539).

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de câmbio) no mercado local, ao passo que a oferta dessa mesma moeda estrangeira subirá com a sua desvalorização (taxa de câmbio). Isso se forem mantidos constantes todos os preços nesse mercado.

Situação I: aumento da taxa de câmbio da moeda estrangeira → dimi-nui importação → cai demanda por moeda estrangeira.

Situação II: aumento da taxa de câmbio da moeda estrangeira → au-menta exportação → sobe a oferta de moeda estrangeira.

Aumenta exportação → sobe a oferta de moeda estrangeira.

Nesse modelo descrito acima, estamos assumindo que o país adota o que chamamos de taxas de câmbio flexíveis (ou taxas flutuantes), quando o Banco Central permite que o mercado e que o equilíbrio entre a oferta e a demanda de moedas determine os preços relativos (cotações). Desde meados da década de 1970, diversos países, principalmente as economias industrializadas, vêm adotando o regime de taxas flexíveis. Esse regime veio para substituir o antigo sistema de câmbios fixos estabelecido em Bretton Woods no pós-guerra e que vigorou até 1971. Atualmente esse regime de taxas flexíveis vem sendo bem mais utilizado pelos países, inclusive nações em desenvolvimento, mas sempre com a possibilidade de interferência dos bancos centrais sempre que alguma distorção nos preços dos mercados apresente risco ao equilíbrio macroeconômico.

Uma das principais vantagens da taxa flexível é permitir maior liberdade às autoridades monetárias para se preocuparem com metas macroeconô-micas internas, deixando a questão do equilíbrio do balanço de pagamen-tos (meta externa) a cargo do preço da moeda nos mercados (com base na oferta e demanda). Outra importante vantagem da taxa flexível é a proteção da economia interna de choques externos adversos.

O Plano Real: origens, atualidades e desafiosFoi no governo do presidente Itamar Franco que a questão da inflação e

da estabilidade do mercado brasileiro começou a ser tratada com mais serie-dade. Naquela época, o Brasil ainda vivia sob a sombra de uma inflação ga-lopante e o fracasso de diversos planos de estabilidade cujas características heterodoxas não permitiam a manutenção de uma política séria voltada à contenção dos preços por períodos muito longos de tempo.

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A principal ação para a implantação do Plano Real se deu em 1993 com o lançamento de um plano de ajuste fiscal voltado a equacionar o desequi-líbrio orçamentário do governo. Esse plano foi criado para promover ações voltadas ao corte de gastos do governo (através do Plano de Ação Imediata, PAI), ao aumento da arrecadação fiscal (através da criação do Imposto Provi-sório sobre Movimentação Financeira – IPMF), e pela criação de Fundo Social de Emergência (FSE).

A segunda ação deu-se no sentido de desindexar a economia brasileira e acabar definitivamente com os constantes aumentos e repasses de preços que traziam consigo um enorme componente inercial no índice geral de in-flação. Para tanto foi criada uma unidade de referência de valor (Unidade Real de Valor – URV), que seria então corrigida diariamente e teria paridade fixa com o dólar, de forma que o seu valor fosse exatamente a taxa de câmbio vigente diariamente. Gradativamente, todos os preços da economia brasilei-ra foram sendo transferidos para essa unidade de valor, a URV (que, em 1.º de julho de 1994, valia R$2.750,00), para posteriormente serem convertidos em reais (R$) a essa paridade.

Como parte do processo de contenção inflacionário, o governo agiu através de uma âncora monetária, restringindo enormemente a emissão de moeda (Real) na economia a fim de evitar o renascimento da inflação. Ademais, o governo, em linha com as políticas neoliberais discutidas ante-riormente, promove uma ampla abertura da economia nacional, facilitando a entrada de produtos e serviços externos a preços competitivos (taxa de câmbio do R$/US$ muito valorizada) dado que a nova moeda local estava apreciada relativamente à moeda americana, barateando enormemente todas as importações. Com essa âncora cambial, o governo consegue conter os repasses de preços internos, possibilita a atração de investimentos locais e estrangeiros e força o início da modernização de nossas empresas.

É importante destacar que, com a inflação baixa, o planejamento e ações dos empresários, governos e demais agentes na economia podem se dar de forma mais acertada, incentivando o investimento e promovendo o aumen-to da competitividade. Apesar de seu sucesso inicial, o Plano Real também causou alguns desequilíbrios que tiveram que ser ajustados no decorrer de todos esses anos. O equilíbrio da inflação e o otimismo dos mercados, por exemplo, promoveram enorme entrada de recursos externos logo nos pri-meiros anos do Plano Real, valorizando enormemente a moeda local, mas com importantes reflexos no desempenho das contas externas.

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Por exemplo, para compensar o desequilíbrio na balança comercial devido ao excesso de importações, o governo priorizou a venda de empresas esta-tais via privatizações com ampla participação de empresas estrangeiras – fa-cilitando e promovendo a entrada de moeda forte – de forma a equilibrar o balanço de pagamentos. O governo trabalhou também a contenção da demanda interna, via elevação sistemática da taxa de juros, a fim de segurar o consumo das famílias e diminuir o déficit comercial, o que manteve como resultado o crescimento do PIB muito aquém do desejado, principalmente entre os anos 1996 e 1999, conforme destacado no gráfico abaixo.

Também é importante destacar que essa política de juros altos pressio-nou enormemente a dívida pública interna e manteve o desemprego em patamares altos, e essa política, combinada com o câmbio valorizado por muito tempo, incentivou o aumento do endividamento externo, que cresceu de US$148 bilhões em 1994 para US$241 bilhões em 1999. Em janeiro desse ano o governo resolveu mudar o regime cambial e permitiu a desvalorização do real em aproximadamente 65%.

A partir de 2002, durante o último governo de Fernando Henrique Car-doso, devido a algumas incertezas políticas e econômicas, os mercados co-meçaram a pressionar a economia nacional, exigindo por parte do governo ações para equilibrar ainda mais as contas públicas. A fim de promover um superávit fiscal ainda mais significativo, cortes de gastos foram propostos. Por fim, outras ações restritivas ao crescimento econômico foram tomadas, com o governo agindo diretamente através do Banco Central no sentido de restringir a expansão monetária via aumento da taxa básica de juros e obje-tivando conter a pressão inflacionária e a desvalorização cambial frente ao dólar e principais moedas internacionais.

Portanto, analisando o desempenho da economia brasileira desde a abertura econômica da década de 1990, poderíamos dividir os períodos da seguinte forma:

1992 a julho 94 → períodos de semi-estagnação e crises;

1995 a 2006 → período de lenta retomada e estabilidade.

É importante destacar que a taxa de crescimento médio da indústria de transformação durante o período compreendido entre 1982 e 2006 foi de apenas 1,5 % a.a. em média, ou seja, muito baixo. Dado esse que somente

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começa a apresentar taxas significativas de retomada a partir de 2007 e 2008. Será apenas a partir de 2004 que o PIB iniciará um processo mais sustentado de crescimento, dando sinais de que permanecerá crescendo a taxas de ex-pansão próximas de 4 a 5% a.a., conforme destacamos no gráfico a seguir.

4,00

3,00

2,00

1,00

0,001995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

IBG

E

2005 2006 2007

6,00

5,00

4,22

2,66

3,27

0,13

0,79

4,36

1,31

1,93

0,5

4,9

3,2

3,8

5,4

Brasil – crescimento anual do PIB

A partir do primeiro governo do presidente Lula, a economia, refeita do impacto decorrente das incertezas, inicia processo de lento e gradativo cres-cimento com destaque para a expansão do PIB a partir do ano de 2004, e com perspectivas ainda mais significativas a partir de 2008.

Por outro lado, a despeito dos progressos em diversas áreas, especial-mente no que se refere à retomada da estabilidade econômica, ao fato de a inflação ainda estar sob controle, e dos significativos superávits comerciais e da expansão significativa das exportações (veja tabela abaixo), acreditamos ser a contenção do desemprego o mais importante desafio para o governo no médio e longo prazo. Isso porque, quanto a todo esse esforço implantado desde 1994 no sentido de contenção da inflação e da busca pela estabilida-de dos mercados, o Brasil ainda carece de uma política que realmente baixe o nível de desemprego de forma mais sistemática, gerando mais possibilida-des aos brasileiros e oportunidades de geração de renda em níveis maiores que os observados nesse período.

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Macroambiente e Cenários Econômicos

Exportações US$ Bilhões

2001 58.223

2002 60.362

2003 73.084

2004 96.475

2005 118.308

2006 137.471

2007 160.600

Nos últimos anos, conforme destacado no gráfico a seguir, o desemprego vem se mantendo em um patamar relativamente alto (em média 8 a 9% do total da população economicamente ativa – PEA) nas grandes capitais pes-quisadas; o que ainda exige um trabalho importante e exigirá, certamente, mais investimento em qualificação profissional, taxas de crescimento econô-mico em níveis mais altos que as atuais e, acima de tudo, um longo período de crescimento sustentado da economia.

Muitos empregos com carteira assinada vêm sendo também criados nos últimos anos, o que poderia demonstrar uma pequena retomada do inves-timento e da confiança do consumidor e do empresário na retomada do crescimento econômico. Entretanto, o Brasil ainda carece de um plano de governo de longo prazo que contemple uma alternativa mais viável de cres-cimento sustentado e com taxas de juros reais em patamares bem inferiores aos números apresentados nos últimos anos.

O Plano Real certamente trouxe enormes benefícios aos brasileiros, da mesma forma que a expansão recente do crédito e as ações afirmativas de distribuição de rendas também. Por outro lado, ainda vivemos com o fantas-ma de uma enorme desigualdade social que limita o crescimento e a mobi-lidade social, impedindo que o Brasil dê um salto de crescimento mais quali-tativo e sustentado no longo prazo.

Na verdade, o governo tem pela frente o enorme desafio de equilibrar seus objetivos de superávit fiscal, redução da dívida pública, manutenção da inflação baixa e a atual política de flexibilidade no câmbio para manter a imagem de seriedade e responsabilidade na esfera das contas públicas. Por outro lado, isso alcançado, precisará trabalhar para poder gastar mais e melhor com benefícios ao país e à população. Em poucos anos, o cresci-

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mento econômico sustentado permitirá a manutenção desses níveis altos de arrecadação, permitindo como contrapartida a redução mais rápida da taxa de juros interna. Isso incentivará investimento, gerando emprego, renda e diminuindo o Custo-Brasil dos gargalos e dificuldades encontradas pelo setor produtivo nacional. Tudo isso permitindo maior competitividade nos mercados internacionais através da oferta de produtos melhores, mais com-petitivos e de maior valor agregado.

8,00%

6,00%

4,00%

2,00%

0,00%1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

10,00%

4,50%

5,10%

5,90%

6,90%

7,60%7,80% 7,90%

8,60%8,20%

8,90%

9,40% 9,30%

Brasil – evolução do desemprego

7,00%

5,00%

3,00%

1,00%

9,00%

Ampliando seus conhecimentos

Dezessete anos de política fiscal no BRASIL: 1991-2007

Fabio Giambiagi

Uma periodização de duas décadas

A década de 1980 encerrou-se no Brasil sob a égide de um processo hiperinflacionário aberto, em moldes que, grosso modo, se enquadravam no padrão descrito no artigo clássico de Cagan (1956).

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Macroambiente e Cenários Econômicos

O grau de desordem das finanças públicas nos anos 1980, naquele contex-to institucional, pode ser aferido pela leitura do capítulo 12 do livro em que Maílson da Nóbrega (2005), como participante ativo da tentativa de moderni-zação das instituições monetárias e da contabilidade pública, relata um acon-tecimento que lhe tocou viver então como importante autoridade. No início de 1983, aconteceu um fato gravíssimo: alguns dos novos governadores elei-tos perceberam que seus bancos estaduais podiam fazer saques a descoberto no Banco do Brasil, que era o depositário das reservas bancárias, à ordem do BC. O que levava mais de um mês para chegar ao conhecimento do BC, via balancetes mensais do BB. Não existia um sistema de informações gerenciais, nem serviços em tempo real. O primeiro deles foi o governador do Rio de Ja-neiro. Depois fizeram o mesmo os governadores de Goiás, Santa Catarina e Pa-raíba. O governador desse último estado, Wilson Braga, teve a gentileza de me avisar no dia do saque, em atenção ao fato de eu ser seu amigo e paraibano.

Alertei-o para a gravidade do ato, mas ele retrucou afirmando que precisava pagar o funcionalismo e por isso já havia efetuado o saque (NÓBREGA, 2005, p. 295, grifos nossos). O fato – inimaginável no contexto atual – dá uma idéia de como os bancos estaduais tinham se convertido na prática em verdadeiras Casas da Moeda, sem maior controle por parte das autoridades federais.

Comparativamente àquela situação, as transformações institucionais e/ou reais pelas quais passou o setor público brasileiro nas últimas duas décadas chamam a atenção pela sua magnitude. A rigor, o processo teve início ainda nos anos 1980, com a criação do caixa único do Tesouro através do sistema de con-trole estabelecido com o surgimento da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em 1986, que passou a permitir uma apuração fidedigna do resultado fiscal “acima da linha” a partir do começo da década seguinte. Já nos anos 1990 e na primeira década do novo século, oito transformações merecem destaque:

A privatização de diversas empresas estatais, especialmente importan-te no que se refere às empresas estaduais, o que mudou significativa-mente o resultado primário das mesmas.

A venda de diversos bancos estaduais de propriedade estatal, o que acabou com um mecanismo clássico de financiamento dos déficits pú-blicos estaduais.

O Plano Real, de 1994, que, devido ao fim da altíssima inflação, con-tribuiu para ampliarem muito a transparência das contas públicas, ao

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se poder aferir com maior precisão o verdadeiro significado das variá-veis nominais, o que era impossível quando a inflação era de 3.000% ou 4.000% ao ano.

A realização de três reformas parciais do sistema previdenciário, duas delas no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e uma no governo Lula.

A renegociação das dívidas estaduais em 1997-1998, processo esse que esteve na raiz do ajustamento fiscal pelo qual passaram os estados e municípios a partir de 1999.

A adoção de um sistema de metas razoavelmente rígidas de resultado primário para o setor público consolidado, religiosamente cumpridas desde então, a partir de 1999.

As medidas de aumento da receita para viabilizar um profundo ajuste fiscal, em 1999, prática posteriormente repetida diversas vezes; e a apro-vação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no segundo mandato de FHC, consolidando o processo iniciado com a privatização dos bancos estaduais e continuado com a renegociação das dívidas estaduais e mu-nicipais, fruto de uma reflexão acerca da importância de definir regras formais como parte de uma abordagem fiscal baseada na definição de novas instituições.

O fato de que algumas dessas medidas datem de épocas marcadas pela existência – e, em alguns casos, agravamento – de agudos desequilíbrios fiscais indica não o caráter estéril das mudanças e sim que regras e insti-tuições per se podem ser insuficientes para atingir determinados resulta-dos fiscais se o conjunto das forças políticas dominantes do país não atua na mesma direção. Exemplos disso são as décadas de 1980 e de 1990. Na segunda metade dessas décadas, quando se verificavam alguns dos avanços já citados, a situação fiscal ao mesmo tempo se deteriorava, o que mostra a importância que têm o comprometimento político dos go-vernos com certos padrões de austeridade e/ou as condições políticas na observância de um controle fiscal mais rigoroso.

Analisando mais especificamente os resultados fiscais, o período 1991-2008 pode ser dividido claramente em quatro subperíodos, que corres-pondem a: governos Collor/Itamar Franco (1990-1994); governos FHC

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1995-1998 e 1999-2002 (claramente distintos um do outro nesse aspec-to); e governo Lula como um todo até a conclusão do presente artigo (2003-2007).

O período Collor/Itamar Franco pode ser definido como estando associa-do a um “déficit reprimido”. Com efeito, em contraste com o Governo Sarney (1985- 1990) em cujos cinco anos as Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) no conceito operacional foram de 5,1% do PIB. Nos cinco anos de 1990 a 1994, elas foram em média estritamente “zeradas”, graças a uma combinação de melhora do resultado primário e redução das despesas com juros reais expressas como proporção do PIB. Em parte, porém, essa melhora do resultado primário envolveu um componente algo espúrio, uma vez que a melhora foi baseada na facilidade que a alta inflação permitia para ajustar o valor das despesas reais em função dos objetivos fiscais do governo em um contexto de receitas razoavelmente indexadas à inflação.

Em contraste com isso, os anos do primeiro governo FHC (1995-1998) podem ser definidos como sendo de “déficit aberto”. Com efeito, o resultado primário consolidado do setor público, que, na média de 1990-1994, fora de 2,8% do PIB, tornou-se um déficit de 0,2% do PIB na média de 1995-1998. Isso, somado às despesas de juros – já expressas em termos nominais – de 6,0% do PIB, gerou um déficit nominal médio de 6,2% do PIB no período, em que pese a retórica de austeridade do governo na época. Nesse contexto, a dívida líquida do setor público 1999; (DLSP), que no começo do Plano Real, em 1994, era de 30% do PIB, atingiu 39% do PIB quatro anos depois.

O segundo governo FHC (1999-2002) pode ser definido como sendo de “ajuste com endividamento”, após o forte ajuste primário de 1999. Embora a menor despesa com juros reais e o ajustamento primário tenham diminuído as NFSP nominais do período para 4,0% do PIB, elas continuaram sendo im-portantes. Ao mesmo tempo, o expressivo aumento da importância relativa da dívida pública associada à taxa de câmbio e o reconhecimento de passivos contingentes acabaram elevando a dívida pública para perigosos 51% do PIB no final de 2002.

Finalmente, os anos Lula, de 2003 em diante, caracterizaram-se por uma fase de “controle do endividamento”, com progressiva redução da importân-cia relativa do endividamento público, que, na última informação disponível,

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referente a setembro de 2007, tinha sido reduzido para 44% do PIB. São esses grandes números que iremos analisar em maiores detalhes. Antes, porém, cabe deixar registrada a constância da melhora na qualidade das estatísticas fiscais verificada no período.

Rio de Janeiro, novembro de 2007. Disponível

em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1309.pdf>.

Sugestão de leitura O aluno interessado em se aprimorar no tema deve ler o sétimo capítulo

de Froyen (2003, p. 178-192), intitulado A eficácia relativa das políticas mone-tária e fiscal.

Atividades de aplicação1. O texto afirma que, “com o aumento significativo da liquidez interna-

cional a partir dos anos 1960, o Brasil se verá diante de uma enorme possibilidade de aumento de seu endividamento externo [...]” Esse en-dividamento serviu para o Brasil:

a) financiar apenas os empresários privados.

b) efetuar gastos em portos e aeroportos apenas.

c) financiar investimentos dos estados e municípios na redução dos gargalos.

d) efetuar gastos em infra-estrutura, telecomunicações, e “concluir” seu processo de substituição de importações.

2. O texto afirma que as taxas de câmbio são fundamentais para o equilíbrio macroeconômico de um país, sendo determinantes no desempenho da:

a) conta de turismo externo apenas.

b) importação de tecnologia e bens de capital unicamente.

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c) balança comercial e de serviços, no comportamento do balanço de pagamentos, nos fluxos de entrada e saída de capitais e na oferta e demanda por moeda local e estrangeira nas mais variadas operações.

d) curva de oferta de bens e serviços.

3. O texto afirma que “nos últimos anos [...] o desemprego vem se man-tendo em um patamar relativamente alto (em média 8 a 9% do total da população economicamente ativa – PEA) nas grandes capitais pes-quisadas”. Isso exigiria:

a) uma redução das taxas básicas de juros internas e ações governa-mentais.

b) uma redução de demanda por moeda via redução das taxas de crédito.

c) um aumento do investimento combinado com aumento dos juros internos.

d) um aumento sistemático das taxas de juros internas para promo-ver o emprego.