Maconha e Demência Precoce 2014 Sciambrasil

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    26  Scientific American Brasil | Setembro 2014

    S A Ú D E P Ú B L I C A

    Apesar do discurso liberalizante quanto ao consumo da cannabis ,um amplo conjunto de pesquisas científicas consistentes evidencia osriscos para usuários, em especial aos que se iniciam precocemente. Por Valentim Gentil 

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     www.sciam.com.br 27 Ilustração por Lightspring/Shotterstock

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    Políticos e outras lideranças, convencidos do fracasso daestratégia convencional de enfrentamento do consumo cres-cente de drogas em escala mundial, optaram por liberalizar oconsumo da cannabis com a justificativa de que seria um malmenor. Assim, a descriminalização do consumo seria um ver-

    tedouro aceitável num sistema de contenção tradicional sobreo qual se acumulam pressões.

    Essa opção, no entanto, pode ter sido equivocada, pois osproblemas se agravam, dificultando ainda mais um encami-nhamento consistente para uma situação que, por si própria,é de enorme complexidade. E isso porque a maconha e outraspreparações da cannabis ricas em delta-9-tetra-hidrocanabi-nol (THC) comprovadamente prejudicam o funcionamentocerebral, com redução da memória, aprendizado e inteligên-cia e agravam transtornos mentais preexistentes. Mais queisso: essas substâncias perturbam gravemente o amadureci-mento da personalidade, a integração das experiências emo-cionais e, principalmente, atuam como componente cau-

    sal em psicoses. Por tudo isso, de forma absolutamente preo-cupante, põem em risco a saúde geral da população, com con-sequências que sequer podem ser devidamente avaliadas.

    Um dos possíveis facilitadores dessa atitude liberalizanteem relação à cannabis é que seus efeitos agudos e transitóriossempre chamaram mais a atenção que as ações permanentes eirreversíveis. Talvez por isso se afirme que a maconha é menosprejudicial que o álcool e o tabaco. Na realidade, a discussão

    sobre a legalização de drogas ilícitas tenta transmitir umamensagem de segurança que as evidências absolutamente não

     justificam. A consequência imediata da suposição de menorrisco é o aumento do uso dessas substâncias, o que tem sidoconstatado em vários países, entre eles Estados Unidos e Uru-guai, conforme o Relatório Mundial sobre Drogas de 2013, daOrganização das Nações Unidas (ONU).

     Antes de aprovar leis que comprometam profundamente asaúde pública, vale a pena conhecer os fundamentos dessasafirmações. Relatos de efeitos psicotogênicos (geradores desurtos psicóticos) de preparações da Cannabis indica e Can-nabis sativa constam de textos milenares. Eles aparecem, porexemplo, detalhadamente no livro Haxixe e Alienação Mental

    – estudos psicológicos, de Jacques Joseph Moreau (de Tours),publicado em 1845. Uma psicose por haxixe foi mencionadaem relatório de uma Comissão Britânica na Índia, em 1890.

     Valentim Gentil Filho, psiquiatra, é Ph.D. em psicofarmacologiaclínica pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres,livre-docente e professor titular de psiquiatria da FMUSP. Foidocente do departamento de farmacologia do Instituto de CiênciasBiomédicas da USP e integra o Departamento de Psiquiatria daFaculdade de Medicina da USP. Presidiu o Conselho Diretor doInstituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP durantesua modernização, entre 1994 e 2006. Membro de diversasassociações acadêmicas e profssionais brasileiras e estrangeiras.Seus interesses atuais incluem os mecanismos de regulação dohumor, a importância da angústia como resposta emocional e oaprimoramento dos serviços e políticas de saúde mental pública.

    ebates e interpretações envolvendo legislação sobredependência química vêm se desenvolvendo desde meados

    do século 20. Recentemente, abriu-se maior espaço paratolerância social em relação ao consumo recreativo dacannabis. Mudanças em leis estaduais, nos Estados Unidos,e a aprovação pelo Uruguai de um comércio controlado pelogoverno são prova disso.

    E M S Í N T E S E

    No momento em que se discute a liberalização noacesso e uso de drogas como a maconha é importanterever premissas quanto à sua segurança para a popu-lação. Alterações físicas e mentais associadas à can-nabis são relatadas há milênios e pesquisas científcas

    realizadas nas últimas décadas confrmam essa situa-ção.  A preocupação maior   envolve efeitos agudos,geralmente transitórios, que podem parecer menosperigosos. Além de prejuízos cognitivos, volitivos, in-telectuais, de personalidade e para a saúde geral, as

    evidências são consistentes: constituintes da cannabis exercem ação causal em psicoses do grupo das esqui-zofrenias. Os efeitos potencialmente benécos  decomponentes dessa planta não podem ser confundi-dos com seus riscos para as futuras gerações.

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    George Ewens (1864-1913), médico do exército britânico,cunhou o termo “psicose canábica” em artigo na Indian Medi-cal Gazette, de Calcutá, em 1904. Desde então, discute-se opapel da cannabis como causa, desencadeante ou agravantede psicoses, mania, depressão, ansiedade e pânico, entreoutros quadros psiquiátricos.

    Uma mudança na avaliação dos riscos da maconha, haxixe,skunk e outras preparações da cannabis no Brasil, fica eviden-

    te na comparação das Diretrizes sobre Abuso e Dependência de Maconha da Associação Médica Brasileira de 2002 e 2012. Naprimeira, a droga é considerada “capaz de piorar quadros deesquizofrenia, além de constituir um importante fator desen-cadeador da doença em indivíduos predispostos”. Na segundaconsta que o uso crônico de maconha leva ao “aumento dastaxas de ansiedade, depressão, bipolaridade e esquizofrenia”.

    Minha experiência profissional corrobora essas advertên-cias. Em 1973, atendi um paciente de 25 anos, interna-do no Maudsley Hospital, em Londres, que recebera o diag-nóstico de “psicose canábica”, pois sua doença fora decorrentede uso frequente de cannabis. Dois anos antes, quando saíraem viagem ao exterior, seus parentes e amigos o consideravam

    inteligente, equilibrado, “normal”. Ao retornar, estava psicóti-co – como o personagem do filme Uma longa viagem, de LúciaMurat (lançado em maio de 2012). Não havia história de psico-se em sua família. Além das alucinações auditivas permanen-tes, de falar “sozinho”, apresentar “riso imotivado” e pensa-mentos “mágicos” ou “mirabolantes”, o paciente não respon-dia bem aos tratamentos convencionais. À época, pensei que acannabis fosse apenas um agravante, pois seu quadro psiquiá-trico correspondia ao da esquizofrenia.

    PESQUISAS CONFIRMAM EFEITOS de que o uso de preparações dacannabis piora a evolução dos transtornos mentais e várias

    pesquisas comprovam isso. Já sua participação na gênese daesquizofrenia tem sido questionada com o argumento de quefaltam provas de um aumento significativo na frequência denovos casos dessa psicose no conjunto da população, apesardo enorme crescimento do consumo de cannabis nas últimasdécadas − o número de usuários em todo o mundo está esti-mado em 200 milhões.

     A incidência da esquizofrenia em diferentes países é umaquestão controvertida, mas existem muitas evidências de rela-ção causal em estudos prospectivos realizados desde a segun-da metade do século 20.

    Esquizofrenia é uma psicose grave e irreversível, com dete-rioração da resposta afetiva, das funções cognitivas e da inte-

    ração social correspondendo, em parte, ao conceito de demên-cia, pois o desenvolvimento e potencial alcançados antes dadoença são maiores que os mantidos após sua instalação. Naforma mais grave, a esquizofrenia se inicia na juventude, daíter sido denominada “demência precoce”, por Emil Kraepelin(1856-1926), psiquiatra alemão, considerado o grande sistema-tizador da moderna psiquiatria. Diferentemente das demên-cias decorrentes de trauma de crânio, falta de sangue (“de-mências vasculares”) e da doença de Alzheimer, na esquizofre-nia não encontramos alterações cerebrais visíveis macroscopi-camente. Devido a isso, ela foi considerada uma doença “fun-cional” − sem lesão neurológica − “endógena”, com provável

     vulnerabilidade genética, em que fatores externos e ambien-tais seriam coadjuvantes.

    SÍNDROME COM MÚLTIPLAS CAUSAS 2013,   , psiquiatra britânico e um dos prin-cipais pesquisadores da esquizofrenia na atualidade, alertoupara uma importante mudança conceitual: em vez de umadoença, com uma única causa, o que denominamos esquizo-

    frenia corresponde a um conjunto de sintomas e sinais/altera-ções do comportamento, ou seja, uma “síndrome”, com múlti-plas causas genéticas e ambientais − condições intrauterinase perinatais, infecções, traumas físicos ou psicológicos, drogas,toxinas, etc.

    Uma síndrome esquizofrênica, segundo esse enfoque, poderesultar da interação entre maior ou menor vulnerabilidadeconstitucional e fatores externos como vírus, erros inatos demetabolismo e uso intenso de drogas, entre outros. Assim, acannabis deve ser vista como um possível componente cau-sal com maior ou menor relevância, dependendo do conjun-to de vulnerabilidades, intensidade de uso e de outros fato-res ambientais. Essa mudança conceitual resulta não apenas

    de conjecturas e observações clínicas, mas das evidênciascientíficas acumuladas nos últimos 30 anos, principalmente apartir de pesquisas sobre fatores de risco para esquizofreniana população geral, em vários países. Nesse sentido, tantomeu paciente quanto os milhares de jovens com quadro e his-tória semelhante são vítimas de uma síndrome esquizofrêni-ca, em que a cannabis exerce importante papel causal, mesmoque não exclusivo.

    Em 1987 foi publicada a primeira de uma série de avalia-ções periódicas de um contingente de 50 mil suecos, acompa-nhados sistematicamente desde seu alistamento militar em1969-70, quando tinham 18 anos de idade. Os jovens que àépoca haviam usado cannabis 50 vezes ou mais, tiveram seis

     vezes mais risco de internação por surto esquizofrênico nareavaliação, após 15 anos, se comparados a recrutas que nãofaziam uso da droga por ocasião do alistamento. Esse risco foirecalculado como sendo “apenas” 2,3 vezes maior, após aexclusão de variáveis que poderiam ter contribuído para o des-fecho. Durante muitos anos essa informação foi desvaloriza-da, quase desqualificada, por detalhes metodológicos, mas emespecial por contrariar a visão predominante de que maconhasó produziria efeitos nocivos em pessoas já doentes ou muito

    “Em 1841, quando publiquei

    minhas memórias relacionadas aalucinações, havia apenas iniciadomeus estudos com haxixe. Desde

    então, conduzi váriosexperimentos envolvendo eu

    mesmo e vários outras pessoas(entre elas vários médicos queconvenci a usar haxixe...)”  J.J.M.

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    Se a esquizofrenia é a piorconsequência − por sua irre-

     versibilidade, enorme sofri-mento e grandes prejuízos in-dividuais, familiares e paratoda a sociedade − as ações no-civas sobre o desenvolvimentoindividual são marcantes. Elas

    incluem o transtorno esquizo-típico da personalidade (TEP) ealterações cognitivas, que tam-

     bém podem ser irreversíveis.Em 2012, a revista Schizo-

     phrenia Research, da Schizo-phrenia International ResearchSociety, publicou um estudocom 804 americanos avaliadosentre os 13 e 33 anos, mostran-do que, entre os 567 que algu-ma vez usaram cannabis, osque se iniciaram antes dos 14

    anos tinham maior risco deevoluir para um TEP, caracteri-zado por sintomas psicóticosatenuados – subclínicos −, co-mo experiências sensoriais in-comuns, crenças não comparti-lhadas, comportamento estra-nho e isolamento social.

    DESVIO DE ATENÇÃO nãotem recebido a devida atençãoem nosso meio, mas é reconheci-

    do há décadas por todos os queconvivem com quem se iniciaprecocemente no uso de maco-nha e que vão “ficando para trás”em relação aos colegas, perden-do desempenho e apresentando comportamentos estranhos,além de isolamento social. Diversas pesquisas documentamesses efeitos e seu impacto na carreira profissional. Chamou maisa atenção a divulgação, em 2012, dos resultados de avaliações re-petidas de inteligência aos 13, 18, 21, 26, 32 e 38 anos no grupo de1.037 neozelandeses nascidos em Dunedin, em 1972-73, revelan-do redução de até oito pontos no quociente de inteligência (QI)dos usuários de cannabis. O uso continuado da droga gerou de-

    clínio funcional especialmente entre aqueles que começaram ausar cannabis na adolescência. A interrupção do uso não resul-tou em reversão dessas alterações, o que indica um efeito tóxicopersistente da cannabis.

    Na adolescência o cérebro encontra-se particularmente vulnerável à ação de substâncias como o álcool e drogas emgeral. Nessa fase da vida, os sistemas neuronais do córtex ce-rebral pré-frontal e do córtex parietal, responsáveis pela for-mulação do pensamento de maior complexidade e das fun-ções executivas do adulto normal, devem tornar-se mais efi-cientes através da eliminação de sinapses irrelevantes e dofortalecimento das essenciais. Esse processo de “poda” e me-

    EM HAXIXE E ALIENAÇÃO MENTAL ESTUDOSPSICOLÓGICOS, de 1845, Jacques Joseph Moreau(abaixo) expôs efeitos produzidos pelo consumo de haxixe,

    um derivado da cannabis. Nas págs. 29, 32 e 33, algumas

    das sínteses das conclusões de Moreau. Obras posterioresreforçaram o papel da cannabis como desencadeante ou

    agravante de psicoses, mania, depressão, ansiedade e

    pânico, entre outros quadros psiquiátricos.

       L   I   G   H   T   S   P   R   I   N   G   /   S   H   O   T   T   E   R   S   T   O   C   K   E   D   O   N   F   A   R   R   A   L   L   /   G   E   T   T   Y   I   M   A   G   E   S

    lhora de processamentode sinais é sensivelmenteprejudicado pela ação doTHC e de alguns outroscompostos da cannabis.

    Uma extensa revisãopublicada em 2014 porpesquisadores da Wis-

    consin-Milwaukee Uni- versity confirma: o usohabitual de cannabis naadolescência e início da vida adulta (15 a 25 anos) altera o fun-cionamento cerebral e isso resulta em prejuízos cognitivos −atenção, aprendizado, atividade psicomotora e funções execu-tivas. De acordo com os autores desse trabalho, as pesquisassubestimaram a dimensão do problema, pois os exames foramrealizados após abstinência da droga e não foram avaliados osusuários que já tinham algum diagnóstico psiquiátrico.

    Outro estudo publicado em 2013 no Schizophrenia ResearchTreatment  relata que um grupo de esquizofrênicos que usara

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    cannabis teve melhor desempe-nho cognitivo que pacientes quenão usavam a droga. Isso pode-ria significar que houve umefeito protetor da planta, mas aalternativa mais provável, segun-do autores citados no artigo, éque os pacientes que desenvolve-

    ram psicose sem o uso da canna-bis tinham disfunções cerebraismais graves, a ponto de se torna-rem psicóticos sem esse agravo,o que daria a falsa impressão deuma ação protetora da droga.

     Alterações estruturais ence-fálicas têm sido demonstradasem usuários de doses altas e portempo prolongado de cannabis.Reduções volumétricas nos hi-pocampos, amígdalas cerebraise no cerebelo são mais significa-

    tivas em quem usa a droga − in-dependentemente de terem ounão diagnóstico de esquizofre-nia − que em pacientes com es-quizofrenia, em não usuários, eem controles normais.

    Em dezembro de 2013, o Schi- zophrenia Bulletin publicou arti-go mostrando prejuízos de memória de trabalho − “de curtoprazo” − concomitantes com a redução em estruturas cerebraisque integram os chamados “gânglios da base” (neste caso, ostálamos e estriados) em indivíduos com e sem diagnóstico depsicose que começaram a usar cannabis na adolescência.

    Estados de depressão e transtorno bipolar também são as-sociados ao uso de cannabis. Moreau de Tours considerava a“excitação maníaca” como o efeito primordial do haxixe. Umdos estudos prospectivos holandeses, acompanhando 2.437

     jovens, calculou um risco 2,87 vezes maior de sintomas demania − aceleração, desinibição, irritabilidade, euforia − inde-pendentemente do aparecimento de outros sintomas de psico-se. Os dados são menos consistentes em relação à depressão,possivelmente porque as depressões unipolares − sem a maniaou a hipomania do transtorno bipolar − são duas vezes maisfrequentes em mulheres que em homens e o uso da cannabis é, ainda, muito mais frequente em homens. Entretanto, em2002, uma pesquisa australiana detectou que o uso diário de

    cannabis em adolescentes do sexo feminino aumentara emmais de cinco vezes o risco de depressão e ansiedade aos 26anos de idade e que o uso semanal na adolescência aumentavaem duas vezes esse risco.

    GENÉTICA E VULNERABILIDADE

    - com 57 artigos, com dados de maisde 76 mil indivíduos de ambos os sexos, publicada na Psycho-logical Medicine em 2013, por pesquisadores canadenses, cal-culou que o risco relativo de depressão é 1,62 maior em quemfez uso intenso de cannabis  que em não usuários e usuá-rios menos frequentes da droga.

    Nesse contexto de grande complexidade, se não for possí- vel evitar o uso de substâncias prejudiciais à saúde, seria im-portante saber quem corre maior risco ao usar cannabis. Há

    consenso de que seu uso deve ser evitado antes de o cérebro setornar adulto (talvez até os 25 anos), pelos que tiveram algumaexperiência ruim com a droga − “bad trip”, ansiedade, pâni-co, alucinações, persecutoriedade − e por quem tiver parentespróximos com transtornos psiquiátricos.

     A busca por genes que predispõem ou protegem contra osefeitos nocivos da cannabis apresenta alguns resultados preli-minares. A própria genética das psicoses e dos demais trans-tornos mentais tem se mostrado muito complexa e difícil, de-

     vido tanto à etiologia variada e multicausal das principaissíndromes clínicas quanto pela inconsistência dos atuais cri-térios diagnósticos utilizados em pesquisas psiquiátricas, con-

    COMPROVAÇÃO de efeitos negativos para usuários recreativos da cannabis nãocompromete uso medicinal de seus princípios ativos. Comprometimento da memória,

    no consumo convencional, é uma das constatações mais evidentes.

        C    H    A    R    L    O    T    T    E    L    A    K    E    /    S    H    O    T    T    E    R    S    T    O    C    K

    “Vi, nos efeitos do haxixe sobre asfaculdades mentais, um importante

    meio de explorar a gênese da

    doença mental. Estava convencidode que poderia resolver o enigmada doença mental e chegar à fonteoculta da doença misteriosa que

    chamamos “loucura”  J.J.M.

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    PARA CONHECER MAIS

     Adverse health eects of marijuana use. Nora D. Volkow, Ruben D. Baler, Wilson M.Compton, Susan R.B. Weiss.N Engl J Med 2014; 370:2219-27.

    Considering cannabis: The eects of regular cannabis use on neurocognition in Adolescents and Young Adults. Krista M. Lisdahl, Natasha E. Wright, Christopher

    Medina-Kirchner, Kristin E. Maple, Skyler Shollenbarger. Curr Addict Rep 2014;1:144–156.

     Association between cannabis use, psychosis, and schizotypal personality disor-der: Findings from the National Epidemiologic Survey on Alcohol and RelatedConditions. Glen P. Davis, Michael T. Compton, Shuai Wang, Frances R. Levin, C arlosBlanco. Schizophrenia Research 2013; 151: 197–202.

     What can we learn about schizophrenia from studying the human model, drug-induced psychosis? Murray RM, Paparelli A, Morrison PD, Marconi A, Di Forti M.

     Am J Med Genet 2013; Part B 162B:661–670.

     Adolescent brain maturation, the endogenous cannabinoid system and the neu-robiology of cannabis-induced schizophrenia. Matthijs G. Bossong, Raymond J.M.Niesink. Progress in Neurobiology  2010; 92:370–385.

    siderados úteis por facilitar a comunicação entre profissio-nais, mas sem correspondência objetiva com as doenças sub-

     jacentes. Genes identificados em algumas pesquisas não têmsido confirmados em tentativas de reproduzi-las. Achados ini-ciais mostrando risco aumentado de sintomas psicóticos e es-quizofrenia na coorte de nascidos em Dunedin com um poli-

    morfismo geneticamente determinado na enzima catecol-o-metil-transferase, publicado em 2005, por exemplo, não fo-ram confirmados em quatro tentativas de replicação poroutros pesquisadores. As esperanças são um pouco maioresquanto ao gene AKT1, que codifica uma enzima reguladoradas funções da dopamina − considerada neurotransmissor-chave na fisiopatologia da esquizofrenia − e que atua em uma

     via neuronal ativada pelo THC. Confirmando pesquisa ante-rior, dados de 489 pacientes em seu primeiro surto psicótico,e em 278 controles normais em Londres, indicaram 2,18 ve-zes maior risco de psicose nos usuários de cannabis com ge-nótipo citosina-citosina (C/C) no gene AKT1 que naquelescom citosina-timina ou timina-timina. Esse risco aumentou

    para 7 vezes quando o portador de genótipo C/C fazia usodiário de cannabis.

    Esse conjunto de situações demonstra uma relação diretaentre um fator genético e a intensidade de exposição às subs-tâncias tóxicas da cannabis. Estudos como esses poderão levarà indicação de quem corre maior risco com o uso dessa e deoutras drogas. Ainda assim, estamos longe de identificarquem tem vulnerabilidade ou proteção genética para os efei-tos nocivos da cannabis.

    TEOR DE THC E EFEITOS TÓXICOS já não fosse suficiente-mente preocupante, agora é preciso considerar que a concen-

    tração de substâncias nocivas nas preparações de cannabispode ser muito maior que as do passado.Embora formulações “medicinais” da maconha tentem

    combinar plantas com mais ação terapêutica e menos efeitosprejudiciais à saúde, tem havido claro esforço técnico no sen-tido de aumentar o teor de THC, para uso “recreativo”, não te-rapêutico. Existem concentrados com 90% de THC para seremadicionados a ervas a guloseimas e “alimentos”.

    Uma consequência direta dessa situação é o aumento nafrequência de intoxicações, com risco de vida, o que justificourecente alerta da Sociedade Americana de Cardiologia. Alémdas crises agudas de ansiedade e pânico, dos estados paranoi-

    des e confusionais transitórios, dos transtornos cognitivos epsicóticos persistentes e irreversíveis, os serviços de saúdeestão atendendo um número crescente de problemas renais,cardiológicos e circulatórios, com risco de infarto do miocár-dio, acidentes vasculares cerebrais e morte após o uso dedoses maiores dessas substâncias. Assim, a afirmação de que a

    maconha seria mais segura que o álcool e o tabaco não se sus-tenta. Nem mesmo em termos da saúde física.

    CONJUNTO DE EVIDÊNCIAS  “” deverem ser transitórias erefutáveis, por definição, a convergência de um amplo conjun-to de evidências exige um claro posicionamento em termos desaúde pública quanto ao uso da cannabis. Não há como justifi-car a legalização do uso de drogas como maconha, haxixe,skunk e THC puro, nem mesmo para fins medicinais. Elas têmcomponentes tóxicos altamente perigosos e colocam em riscoa saúde da população. A descriminalização e a busca de com-postos com atuação terapêutica são, evidentemente, questões

    importantes e que justificam abordagens específicas, mas nãopodem ser confundidas com a liberação do uso recreativo in-discriminado, como se essa situação fosse justificável do pontode vista médico-científico ou humanitário.

    Uma atitude mais “ecológica” em relação ao meio interno −e não apenas ao “meio ambiente” − poderia contribuir paramelhorar a saúde do conjunto da sociedade humana. Princi-palmente das futuras gerações.

       L   U   I   S   C   A   R   L   O   S   J   I   M   E   N   E   Z   D   E   L   R   I   O   /   S   H   O   T   T   E   R   S   T   O   C   K

    “Cheguei às seguintes conclusões:(1) Todas as formas, todas as ocorrências de delírio ou de loucura real,

    todas as fxações, alucinações, impulsos irresistíveis, etc, devem sua origema uma mudança mental, primária, idêntica em todos os casos e que é,

    evidentemente, a condição essencial de sua existência.É excitação maníaca. .. “... (2) Temos deduzida a verdadeira natureza daloucura, cujos fenômenos estão incluídos e explicados, sem exceção.”  J.J.M.