Maciel, m.s.m. costa, m. l. hippies na ilha de caratateua

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PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO CENTRO DE REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO AMBIENT AL ESCOLA BOSQUE PROFESSOR “EIDORFE MOREIRA” CURSO TÉCNICO EM MEIO AMBIENTE MYRTES SORAIA MARTINS MACIEL MARIA LUZINEIDE COSTA CONTRACULTURA E MOVIMENTO SUSTENTÁVEL Um olhar sobre a ética da sustentabilidade a partir do movimento hippie “Refúgio da Tribo” (Ilha de Caratateua, Belém-PA) Ilha de Caratateua, Belém Março de 2012

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PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

FUNDAÇÃO CENTRO DE REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL ESCOLA BOSQUE PROFESSOR “EIDORFE MOREIRA”

CURSO TÉCNICO EM MEIO AMBIENTE

MYRTES SORAIA MARTINS MACIEL

MARIA LUZINEIDE COSTA

CONTRACULTURA E MOVIMENTO SUSTENTÁVEL Um olhar sobre a ética da sustentabilidade a partir do

movimento hippie “Refúgio da Tribo” (Ilha de Caratateua, Belém-PA)

Ilha de Caratateua, Belém Março de 2012

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MYRTES SORAIA MARTINS MACIEL

MARIA LUZINEIDE COSTA

CONTRACULTURA E MOVIMENTO SUSTENTÁVEL Um olhar sobre a ética da sustentabilidade a partir do

movimento hippie “Refúgio da Tribo” (Ilha de Caratateua, Belém-PA)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Fundação Centro de Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor “Eidorfe Moreira” como requisito à obtenção do título de Técnico em Meio Ambiente.

Orientador: Prof. Msc. Breno Rodrigo de Oliveira Alencar

Ilha de Caratateua, Belém Março de 2012

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MYRTES SORAIA MARTINS MACIEL

MARIA LUZINEIDE COSTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Fundação Centro de Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor “Eidorfe Moreira” como requisito à obtenção do título de Técnico em Meio Ambiente.

Banca Examinadora:

_____________________________________

Prof. MSc. Breno Rodrigo de Oliveira Alencar (Orientador)

_____________________________________

Prof. MSc. Agnaldo Aires Rabelo (Examinador)

Conceito:_____________________

Belém, XX de março de 2012

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Dedicatória/Epígrafe

Dedicamos este trabalho às pessoas que sempre acreditaram no nosso potencial, e nos apoiaram em nossas decisões. Aos nossos pais, os quais amamos muito, pois os mesmos nos ajudaram através do carinho, amor e compreensão.

“O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”. (Auguste Comte)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus por estar presente comigo a cada passo e a cada decisão tomada.

Muito amor e gratidão à minha família, pelo apoio e compreensão.

Ao meu pai, por me ouvir sempre e pela sua disposição constante a me ajudar nos momentos em que precisava.

À minha mãe, pela sua paciência e compreensão em relação às tarefas da casa que não pude cumprir por razão de estar ocupada com meus trabalhos e projetos.

À minha irmã Michelle Martins, por estar sempre disposta a me ajudar e por ter me apoiado desde o início deste TCC.

Ao meu orientador Breno Rodrigo de Oliveira Alencar, por ter me ajudado na construção deste TCC, sempre acreditando no meu potencial, o que me fez excluir qualquer hipótese de desistência do Curso Técnico.

Por fim, agradeço ao Senhor Paulo Oliveira, da comunidade “Refúgio da Tribo” e da ONG GANV, pelas informações e ensinamentos prestados para a realização deste TCC.

Myrtes Soraia Martins Maciel

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AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente à minha família pelo fato de me compreender em relação aos momentos em que me ausentei de tarefas e compromissos que não pude cumprir por razões específicas voltadas a este TCC.

Agradeço à minha mãe, pela sua compreensão, paciência e motivação, pois com isso me fortaleci na busca da conclusão de meus trabalhos e projetos.

Agradeço a meu pai, pela sua disposição em me buscar na escola, mesmo estando cansado da sua longa jornada de trabalho.

Agradeço ao meu orientador Breno Rodrigo de Oliveira Alencar, pelos seus “puxões de orelha” quando necessário, agradeço também às suas orientações de leitura, que foram fundamentais no decorrer deste trabalho.

Agradeço à comunidade hippie “Refúgio da Tribo” e à ONG GANV, por todas as informações e por terem nos servido como base de todo este trabalho, pois no deram a oportunidade de conhecermos de perto seu cotidiano e seu modo de vida hippie.

Maria Luzineide Costa

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RESUMO

O presente trabalho analisa a relação entre movimentos hippies e

sustentabilidade, buscando compreender as interlocuções entre o discurso

sustentável e a prática desses grupos. O trabalho se baseou em pesquisa

bibliográfica e aplicação de questionário semiestruturado junto a uma comunidade

alternativa de hippies chamada “Refúgio da Tribo”. O ponto principal do trabalho é

mostrar que sociedades assentadas em uma utopia/ideologia ecológica, embora

discriminadas pela sociedade abrangente devido seu comportamento “desviante”,

possuem uma prática ambiental que se tornou modelo de desenvolvimento no

mundo de hoje.

Palavras-chave: Sustentabilidade; Contracultura; Utopia Ecológica.

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ABSTRACT

This paper analyzes the relationship between hippies and

sustainability movements, seeking to understand the dialogues between the

discourse and the practice of sustainable groups. The work was based on

bibliographic research and the application of a semi-structured

questionnaire with an alternative community of hippies called "Refúgio da Tribo". The

main point is to show that societies seated in an ecological utopia/ideology,

though discriminated by the most of society because of its "deviant"

behavior, have an environmental practice that became a model of development in

the world today.

Keywords: Sustainability; Counterculture; Ecological Utopia.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Logomarca da ONG GANV (Grupo Ambiental Natureza Viva)............. 17

Figura 2: Plantio de mudas da Avenida Beira-Mar no bairro do Outeiro............ 20

Figura 3: Conjunto de comportamentos característicos dos movimentos de

contracultura........................................................................................ 22

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 11

1 - HIPPIES E CONTRACULTURA.................................................................... 14

1.1- MOVIMENTO “REFÚGIO DA TRIBO”: IDENTIDADE E IDEOLOGIA............ 15

2 - DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.......................................................... 117

2.1 A ÉTICA DA SUSTENTABILIDADE COMO IDEOLOGIA E IDENTIDADE........ 18

3. REFÚGIO DA TRIBO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL...................... 19

3.1 - A MODA COMO EXEMPLO DE APLICAÇÃO DA ÉTICA DA SUSTENTABILIDADE................................................................................

20

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 22

REFERÊNCIAS................................................................................................. 24

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INTRODUÇÃO

Na metade do século XVIII iniciou-se no continente europeu um processo de

transformação socioeconômica que consolidou o capitalismo como modo de

produção. Surgiu, assim, a Revolução Industrial, um movimento econômico e

tecnológico que inseriu na sociedade a manufatura, fenômeno que alterou o padrão

produtivo, pois substituía a mão-de-obra operária pelas máquinas tecnológicas. Essa

transformação levou as indústrias a produzirem mais mercadorias e enriquecerem

cada vez mais. Como consequência, séculos depois, a sociedade passou a ter à sua

disposição um número cada vez maior de bens de consumo, levando ao surgimento

da Sociedade de Consumo.

Com o desenvolvimento das indústrias, os produtos foram normalizados e os

padrões de consumo massificados. As empresas queriam vender seus produtos e

passaram a adotar as estratégias de marketing na divulgação dos mesmos. Dessa

forma, os consumidores foram levados a consumirem radicalmente. Prova disso foi o

colapso de 1929, quando o número de bens disponíveis foi tão superior ao poder de

compra da população norte-americana que reduziu o valor das mercadorias e quase

levou as empresas norte-americanas à falência.

A sociedade de consumo está ligada à economia de mercado e ao conceito

de capitalismo. Como no capitalismo a reprodução das mercadorias sempre excede

sua demanda, a sociedade de consumo surge da contínua reprodução dos meios que

favorecem a reprodução de mercadorias. Entre eles estão a moda, o marketing e o

ideal de satisfação pessoal embutido nos mesmos. Nesse contexto, os indivíduos se

rendem a um padrão de consumo que possui alta relevância na formação social do

ser humano, na sua aceitação perante os outros e como sinônimo de qualidade de

vida. Com o avanço das técnicas de produção e reprodução dos padrões de

consumo, esse processo leva os indivíduos a perderem sua individualidade e

adotarem um perfil “consumista” de comportamento, uma espécie de cultura do “ter”

sobre a cultura do “ser”. Nesse sentido, a sociedade passa a ser considerada

ambientalmente insustentável, pois para garantir seu padrão de consumo infinito

recorrem à extração de recursos naturais finitos, ameaçando a biodiversidade do

planeta e ocasionando impactos ambientais irreversíveis.

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Após o fim da Segunda Grande Guerra e o apogeu dos Estados Unidos como

maior potência econômica capitalista o padrão de consumo ganhou contornos nunca

antes vistos e chegou a ser denominado “American way of life”, dado o estímulo

daquela cultura em adquirir bens industriais para alcançar qualidade de vida. Como

resultado, entramos no século XXI convivendo com disparidades sociais, nas quais

uma pequena parte da população pode adquirir tais bens, enquanto a grande

maioria convive com o colapso urbano e os efeitos do desmatamento, poluição

hídrica e atmosférica, perda da fauna e flora, visto ocuparem as franjas dos grandes

centros industriais onde se produz cada vez mais bens industrializados, isto é, a

periferia das grandes cidades.

Em meados do século XX, com o avanço do ambientalismo, surgiram

posturas favoráveis aos eventos ecológicos em defesa dos ecossistemas que sofriam

profundas perdas em virtude dos hábitos ostensivos de produção e consumo. De

acordo com Portilho (2005), foi desse cenário que, ao longo da década de 1960,

surgiram os primeiros movimentos anticonsumistas. Os chamados grupos

alternativos ou movimentos de Contracultura exigiam mudanças no padrão de

consumo das sociedades industriais a fim de que produzissem somente o necessário

para sua sobrevivência. Os movimentos anticonsumistas não se preocupavam apenas

com as problemáticas que o consumo causara sobre as sociedades modernas, mas

também com os impactos ambientais decorrentes do mesmo nas gerações futuras.

Entre os críticos do anticonsumo estavam os hippies, partidários de uma

utopia ecológica e social que era contrária ao modo de vida industrial, urbano e

insustentável das sociedades capitalistas. Para eles, as catástrofes ambientais

ocorridas no período (extinção de espécies, derramamentos de óleo, desmatamento,

poluição urbana, acidentes nucleares como o da Usina de Chernobyl) eram

motivadas pela cobiça irrefreável das grandes indústrias.

Preocupados, principalmente, em criticar o estilo de consumo da sociedade

americana, eles passaram a adotar formas alternativas de vida. Sendo assim, os

mesmos deixaram de viver na cidade e passaram a morar no meio natural,

valorizando os aspectos ambientais como alternativa de vida. Os hippies, como

sujeitos sociais e ecologistas, estavam sendo inseridos em uma luta de contestação

social, em que a dimensão ambiental ganhava enorme importância em decorrência

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dos discursos catastróficos provocados pelas sociedades no período dos anos 70.

Esses discursos catastróficos eram provenientes de pesquisas científicas sobre os

impactos ambientais que a humanidade estava observando no planeta.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que surgiam esses discursos

catastróficos, houve um crescente processo educativo que fora assimilado pelos

jovens dessa geração e que acabaram por constituir os principais movimentos

ecológicos do período. Segundo Guattari (1995 apud GUIMARÃES, 2009), nos anos

setenta, surgiram inúmeros movimentos que parecem ter sido cooptados por um

processo de individuação caracteristicamente forjado na própria contradição do

movimento capitalista, o que ele chamou de “subjetivação capitalística”. Assim, ao

mesmo tempo em que configuravam processos de singularização, também

instauravam processos de individualização através de seus ideais educativos, pelos

quais todos aqueles que não estivessem inseridos nos movimentos deveriam sofrer

um processo de conscientização (GUATTARI, 1995 apud GUIMARÃES, 2009).

A preocupação com o consumo e seus efeitos sobre as sociedades

consumistas, no entanto, só se tornaram pauta das políticas governamentais muito

recentemente, em parte devido à forte pressão exercida pelas instituições

intergovernamentais e ONGs que defendem os interesses das populações mais

afetadas pelo desequilíbrio ambiental observado nos últimos anos. Segundo os

críticos do consumo de massa e da sociedade de consumo, tal estilo de vida estimula

os impactos no meio ambiente e precisam ser freados.

Porém, há uma contradição, pois os atuais críticos da sociedade de consumo

são, em parte, aqueles mesmos que perseguiam, prendiam e marginalizavam os

grandes pioneiros das críticas que denunciavam os impactos da produção e consumo

excessivo sobre o meio ambiente ainda na década de 60, as chamadas sociedades

alternativas de utopia ecológica, cuja visão de progresso era alimentada pelo

consumo sustentável e equilibrado dos recursos naturais. Esse movimento discutiu o

ecologismo como forma contestatória do estilo de vida contemporâneo, denunciando

sua faceta materialista e agressora do meio ambiente.

Desse modo, cabe ressaltar que embora o movimento de contracultura dos

hippies fosse considerado como um ponto de partida e um marco inicial na busca da

mudança de padrão de comportamento da sociedade de consumo e um referencial

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em tudo que se relaciona com o meio ambiente, como as criações de políticas

ambientais, os mesmos foram e são discriminados/marginalizados pela sociedade

abrangente por terem uma identidade singular e uma visão de progresso que não se

coaduna ao estilo de vida das sociedades de consumo atuais.

Nesse sentido, este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo

analisar a importância do movimento de contracultura no atual debate sobre

sustentabilidade, enfatizando como referencial de análise a trajetória, o

comportamento, o discurso e as ideologias encontradas num grupo em particular, o

“Refúgio das Tribos”, localizado na Ilha de Caratateua, cujo estilo de vida e práticas

sociais refletem as contradições existentes entre o ideal do comportamento

sustentável e o preconceito derivado do mesmo.

1. HIPPIES E CONTRACULTURA

Entre os anos 50 e 60 do século passado, jovens de diferentes partes do

mundo começaram a questionar o modo de vida capitalista. Genericamente

conhecidos como hippies, eles tinham suas próprias ideias a respeito da natureza, do

mundo e da vida, o que os tornava, aos olhos da sociedade, pessoas com um

comportamento desviante.

Os hippies, junto com a Nova Esquerda e o Movimento dos Direitos Civis, são

o tripé daquilo que ficou conhecido como contracultura, um fenômeno, inicialmente,

caracterizado por sinais bastante evidentes, como cabelos compridos, roupas

coloridas, misticismo, estilo musical particular, uso de drogas e assim por diante. Um

conjunto de hábitos e costumes que, aos olhos das famílias de classe média, tão

ciosas de seu projeto de ascensão social, parecia no mínimo um despropósito, “um

absurdo mesmo” (ALBERTO, 1992 apud PEREIRA, 1992).

Segundo (PEREIRA, 1992) contracultura é a cultura marginal, independente

do reconhecimento oficial. No sentido universitário do termo, é uma anticultura,

obedecendo a instintos desclassificados nos quadros acadêmicos. Dessa forma,

podemos dizer que a contracultura é a identidade própria dos hippies, uma cultura

minoritária caracterizada por um conjunto de valores, normas e padrões de

comportamento que contradizem diretamente os da sociedade, de jovens que

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pertenciam aos grupos e não dependiam da sociedade capitalista, enfrentavam a

mesma para ter o próprio espaço na sociedade.

A palavra ‘Hippies’, – de hip, hipsters, que vem de hep, que quer dizer, estar

por dentro, descolado, bacana, – saiu na imprensa pela 1ª vez no artigo “A New

Haven For Beatniks”, em 5 de setembro de 1965, assinado pelo jornalista de San

Francisco, CA., Michael Fallon. Naquele contexto, eles eram conhecidos também

como “filhos da flor”, denominação que surgiu após uma reunião de “turmas”, na

qual se reuniram jovens que cantavam e dançavam com flores pelo corpo e inclusive

nos cabelos. A manifestação ocorreu na cidade de San Francisco, nos Estados

Unidos, conhecida hoje como a Capital dos Hippies. Esse foi o tempo em que muitas

pessoas se juntaram ao movimento hippie, incluindo músicos e artistas, dentre eles

os Beatles, um grupo de garotos que tinham pensamentos e sonhos semelhantes aos

dos hippies, e na maioria de suas canções faziam apologias aos ideais desse grupo.

1.1 - MOVIMENTO “REFÚGIO DA TRIBO”: IDENTIDADE E IDEOLOGIA

Embora com uma identidade própria e defendendo causas como a “Paz e o

Amor”, ainda hoje os hippies sofrem com o preconceito da sociedade abrangente.

Razão para isto está no seu estilo de vida perfeitamente adaptado às práticas

sustentáveis. Um hippie é aquele que procura se alimentar de produtos orgânicos ou

produz seus adornos a partir de objetos reciclados, assim como rejeita toda e

qualquer forma de interferência sobre sua individualidade. De acordo com Paulo

Oliveira, membro da comunidade “Refúgio da Tribo”, a filosofia de um hippie é

baseada na

“liberdade, pois a aceitação das diferenças faz parte dos padrões impostos nesta sociedade. Atualmente, no século 21, aqueles que andam juntos, são chamados de tribos, no qual são os hippies o melhor exemplo dessa manifestação. Além disso, para entrar no movimento, o principal requisito proposto pelos hippies é a atitude. Ou seja... Pega aquele carro que está ali, abre, liga o motor e se joga em um abismo”.

O movimento do qual Paulo Oliveira faz parte existe há quinze anos. Eles

procuram ter hábitos como: deixar os cabelos compridos, se alimentar de comidas

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típicas (mexilhão, considerada “comida de maluco”, conforme denominado pelos

próprios), artesanatos (brincos, pulseiras, anéis, catador de sonhos etc.),

preservação dos recursos naturais, festivais de dança e roupas leves, semelhantes às

usadas pelos hippies dos anos 60. Esse grupo também possui uma organização

ambiental chamada GANV (Grupo Ambiental Natureza Viva), conhecida pelos

moradores como “Família Oliveira”. Segundo afirma Paulo Oliveira em seu blog,

“Estamos vivendo um momento de declínio da humanidade, onde as sociedades estão cada vez mais consumidoras, conseqüentemente exterminando as florestas, para retirada de matéria prima, onde servirá de milhares de produtos para nós consumirmos e dessa forma saciar nosso desejo, nossa satisfação, convém ressaltar que o planeta pede socorro, está doente, na UTI, precisamos abraçar esta causa e oferecer abrigo ao meio ambiente, oferecer uma mão amiga com a conscientização, contribuindo de alguma forma para a redução da alarmante poluição gerada diariamente por diversos fatores.” (sic)

A ONG é liderada pelo presidente Paulo Oliveira, que é conselheiro escolar da

Fundação Escola Bosque. Essa ONG defende o meio ambiente e trabalha como

entidade socioambiental estimulando crianças e jovens a participarem das atividades

educacionais que são desenvolvidas. O objetivo da organização é tirar essas crianças

e jovens da marginalidade, ensinando-lhes práticas sustentáveis. A ONG recebe

doações de matérias escolares, comidas, entre outras, dadas pelas instituições do

Estado, que incentiva a educação ambiental oferecida para essas pessoas.

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Figura 1: Logomarca da ONG GANV (Grupo Ambiental Natureza Viva)

Lema da Organização Não-Governamental “Grupo Ambiental Natureza Viva”: “Um

olhar ambiental sobre o meio ambiente visando os aspectos naturais na busca da

sustentabilidade”

2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Nos últimos anos tem se observado que os antigos argumentos dos

ambientalistas, os quais relacionavam o desenvolvimento sustentável apenas às

questões ambientais, foram substituídos por versões mais abrangentes e completas,

que levam em consideração os aspectos sociais, econômicos e ambientais da vida.

Do ponto de vista político, essa perspectiva tem sido de grande utilidade, pois

permitiu que a causa do desenvolvimento sustentável fosse adotada por um público

muito maior, muito além dos primeiros devotos, que passaram a ser vistos como

radicais e desagregadores (MURRAY, 2001 apud MAWHINNEY, 2005). Com isso, o

discurso em torno do desenvolvimento sustentável passou a ser gradualmente

incorporado aos modelos de gestão empresarial e públicos em diferentes países do

mundo, pois cada vez mais as sociedades civilizadas, sobretudo as urbanas e com

expressivo desenvolvimento industrial, tem aprendido que ao desmatar, poluir ou

extinguir uma espécie, o homem e suas futuras gerações sofrem os efeitos desse

comportamento. Prova disso está no atual debate sobre os efeitos do aquecimento

global, que, por inúmeras razões, está diretamente ligado ao comportamento

predatório das sociedades capitalista em relação à natureza.

Por desenvolvimento sustentável, consideramos a seguinte definição:

capacidade de preservar os recursos naturais no presente para que as próximas

gerações possam fazer uso dos mesmos no futuro. Nesse sentido, a noção de

sustentabilidade inclui uma ética comportamental que engloba o controle da poluição

urbana e industrial, a eliminação do consumo de produtos que contenham

agrotóxicos, a redução nas produções de resíduos sólidos, o plantio de árvores,

enfim, tudo que possa garantir o equilíbrio no uso dos recursos naturais. Este,

porém, é um comportamento que vai de encontro ao modelo econômico de nosso

tempo, profundamente influenciado por um padrão de consumo que compromete o

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uso racional dos meios naturais, produzindo, assim, a destruição da biodiversidade

que nos envolve.

Segundo Mawhinney (2005), as normas impostas na sociedade geram a boa

conduta de um ser humano. Essa é uma definição de ética. Por sua vez, a

sustentabilidade, conforme descrito anteriormente, define o uso racional dos

recursos naturais de modo que as futuras gerações possam usufruir dos recursos

naturais. Associando-se ambos os conceitos encontramos uma expressão capaz de

traduzir com proficiência o comportamento adequado do homem no sentido da

preservação do meio em que habita: ética da sustentabilidade.

Tal expressão pode ser utilizada como referência para compreendermos a

ideologia hippie, pois esse conceito faz parte da sua identidade. A ideia de respeito

aos recursos naturais vieram desde o surgimento do movimento hippie, que se

iniciou no final dos anos 50 e no começo dos 60. Hoje em dia, a preservação dos

recursos naturais e a filosofia paz e amor fazem parte do dilema dos mesmos.

2.1 - A ÉTICA DA SUSTENTABILIDADE COMO IDEOLOGIA E IDENTIDADE

A noção de ética da sustentabilidade é o resultado de um estudo sobre a

identidade hippie identificado a partir de pesquisas bibliográficas e da análise das

entrevistas decorrentes de estudo de campo realizado junto à comunidade “Refúgio

da Tribo”.

A princípio, o estudo abordava somente a sustentabilidade, mas após

observar os hábitos e comportamentos dos hippies da comunidade “Refúgio da

Tribo”, podemos chegar à conclusão de que esses hippies aderem à ética da

sustentabilidade por meio de uma prática que é, ao mesmo tempo, social e

ambiental, na qual ajudam a preservar os recursos naturais por meio da educação

ambiental, levando o conhecimento que possuem à comunidade em geral.

O artesanato é parte importante nesse processo, pois surge como mais uma

alternativa de usar os recursos naturais de forma consciente. Segundo Paulo Oliveira,

a comunidade “Refúgio da Tribo” extrai esses materiais de maneira sustentável e

utiliza-o como fonte de renda para sua família. Através de práticas sustentáveis como

essas, as pessoas que moram na Ilha de Caratateua conhecem essa sociedade

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alternativa e, até mesmo, as ONGs internacionais que a incentivam. Na confecção

dos artesanatos, são utilizados materiais da natureza, alguns dos quais são

reciclados, gerando os produtos que serão vendidos em Belém e em outros Estados

do Brasil.

Outras características dessa comunidade são as danças e as músicas.

Podemos observar que os mesmos fazem pequenos festivais familiares, em

comemoração ao maior festival da década de 60, que foi o Woodstock, que juntou

muitos hippies na comemoração da liberdade.

2. REFÚGIO DA TRIBO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Em prol de uma vida sustentável, os hippies passaram a ter um contato

maior com o meio ambiente. Por essa razão, adotaram um estilo de vida que se

afasta do padrão consumista da sociedade capitalista. Sendo assim, muitos desses

grupos passaram a morar no campo onde podem cultivar frutas e legumes sem

prejudicar o meio natural.

Tal característica permite afirmar que o grupo “Refúgio da Tribo” adota como

modo de sobrevivência práticas sustentáveis, uma vez que residem em uma área

pouco urbanizada, onde o contato com a natureza os permite consumir o que eles

mesmos cultivam e colhem. Além disso, seus membros plantam árvores a fim de

recuperar áreas degradadas em barrancos, reciclam objetos que encontram no lixo

e, principalmente, levam a educação ambiental para crianças e jovens. O dilema da

preservação levou esses hippies a fazer manifestações em lugares que estão sujeitos

a causar grandes prejuízos à Ilha de Caratateua, como no local do projeto de

construção do Condomínio Horizontal Aphalville, localizado na Avenida Paulo Costa,

próximo ao bairro da Água Boa, cujas obras iniciais já desmataram uma grande área

de reserva natural.

Não há dúvida de que o conhecimento que os hippies da comunidade

“Refúgio da Tribo” possuem sobre os efeitos da degradação se deve à consciência

ecológica herdada e adotada pelos movimentos de contracultura que incorporaram a

sua experiência de vida à ética da sustentabilidade. A preservação dos recursos

naturais, ou seja, a sustentabilidade, sujeita esse grupo a transmitir seus saberes

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para a comunidade, levando-os a mostrar e ensinar a forma adequada de

preservação dos recursos existentes na Ilha. Segundo seus membros, as

consequências dessa destruição estão aparecendo de forma acelerada, provocando o

aquecimento global, e, entre outros efeitos, estão levando a extinção de diversas

espécies que dependem do meio ambiente para sobrevivência.

Figura 2: Plantio de mudas da Avenida Beira-mar no bairro do Outeiro

A fim de combater tal degradação, os membros do grupo, através da ONG

GANV, têm adotado como medida o plantio de mudas na beira do barranco visando

minimizar o processo de erosão das praias locais. A fotografia acima foi tirada após

crianças e jovens terem feito o plantio de mudas na área da Avenida Beira-mar. Tais

plantas são de açaizeiro (Euterpe oleracea) e coqueiro (Cocos nucifera), plantas

adequadas para a recuperação de áreas degradadas.

3.1 - A MODA COMO EXEMPLO DE APLICAÇÃO DA ÉTICA DA

SUSTENTABILIDADE

O movimento de contracultura possui uma identidade que se destaca na

sociedade, não apenas pelas suas atitudes ambientalistas, mas também pelo seu

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modo de vestimenta. Suas roupas lembram o estilo indiano, com cores chamativas,

que são motivadas pelo culto à natureza. Por essa razão, suas roupas são feitas de

materiais reciclados, sandálias feitas de pneus ou camisetas de fibra de cânhamo

(NASCIMENTO, 2011). Atualmente esse modo de vestimenta mudou, pois as roupas

são feitas com elementos colhidos diretamente da natureza, ou seja, transformando-

se no que se convencionou chamar de moda sustentável ou “moda verde”.

Esse estilo de vestimenta pode ser tomado como um exemplo da

manifestação da ética da sustentabilidade, seja por caracterizar a identidade hippie,

ou por se demonstrar formas alternativas de uso dos recursos naturais. A moda, em

propriamente dita, contudo, é vista nesse contexto como algo efêmero, e não subjaz

o princípio da sustentabilidade, pois não procura ser produzida em massa.

Diante do exposto, podemos considerar que, sendo a ética da

sustentabilidade uma forma de todos os seguimentos estarem engajados na busca

de atitudes sustentáveis, essa perspectiva pode ser aplicada na moda, através do

uso consciente de roupas ecologicamente corretas. Os consumidores passariam a

usar roupas cujas técnicas seguem os padrões semelhantes aos adotados pelas

empresas que utilizam elementos naturais na confecção de sacolas ecológicas. O

mesmo pode ser dito dos artesãos que reaproveitam roupas usadas e as

transformam em outro produto, tais como colares, brincos, carteiras e bolsas, tudo

de forma sustentável e consciente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 3: Conjunto de comportamentos característicos dos movimentos de

contracultura

O esquema acima mostra o conjunto de comportamentos vivenciados pelo

movimento de contracultura de ideologia ecológica, surgido após detida análise dos

padrões de comportamento identificados na dinâmica hippie (ver bibliografia).

Em primeiro lugar, nosso estudo abordou o que se convencionou chamar de

Movimento Anticonsumo, surgido após a segunda metade do século XX, muito em

razão dos problemas enfrentados pelas diferentes sociedades no que diz respeito ao

uso dos recursos naturais. A partir dele é possível abordar as diferentes facetas do

que vem a ser o movimento sustentável e suas características junto a grupos como o

analisado neste trabalho, a saber a comunidade “Refúgio da Tribo”.

Por consumo “verde” estamos caracterizando uma forma alternativa adotada

por aqueles que preferem produtos que não agridem o meio ambiente. O movimento

de consumo verde enfatiza a habilidade dos consumidores de agir em conjunto,

trocando uma marca pela outra. Esse tipo de consumo consciente foi adotado por

ONGs, estas mesmas impulsionaram uma política ambiental de que grandes

companhias modificassem seus produtos. Atualmente, esse consumo verde agradou

empresas que adotaram esse comportamento ambiental, passando a criar produtos

corretos que não agridam o meio ambiente e não prejudiquem a vida das pessoas.

Consumo verde Ética ambiental

Movimento anticonsumo

Ética da sustentabilidade

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Enfatizando uma nova conduta, a terminologia “ética da sustentabilidade” foi

criada ao longo da pesquisa, a partir do estudo do comportamento da comunidade

de hippies chamada “Refúgio da Tribo”,

As ações desenvolvidas na comunidade hippie “Refúgio da Tribo”, mostram-

se comprometidas com a ética da sustentabilidade, pois englobam, além da

afetividade do homem com o meio ambiente, a responsabilidade de preservar os

recursos naturais de maneira que os mesmos possam suprir as necessidades das

gerações atuais e, sobretudo, das gerações futuras.

Esta nova ética se assemelha com sua precursora, a “ética ambiental”, que

segundo Carvalho (2008 apud PORTILHO, 2005) integra outros valores e saberes,

onde os sujeitos envolvidos se abrem para novas formas de relação com a natureza

e, em particular, para um processo de formação subjetiva que enfatiza a dimensão

ambiental. Por meio dela a relação com os seres não humanos, como parte de nossa

humanidade, amplia a noção de humanização, assim podendo construir ideais de

convivência amistosa, respeitosa e prudente com o ambiente natural e social.

Por fim, destacamos que através do contato com a comunidade alternativa

associada à ONG GANV (Grupo Ambiental Natureza Viva) esses conceitos (ou

reflexões) contribuíram para nossa compreensão do padrão de comportamento

socioambiental, histórico e cultural desejável. De todo modo, nossa experiência

demonstrou-nos que a ética da sustentabilidade, embora muito comum no discurso

de governos, empresas e autoridades no assunto não significa respeito aos

movimentos que os adotam. A confecção de biojóis e o uso produtos reciclados,

muito pelo contrário, é visto apenas como um estilo de vida alternativa cuja ideologia

ecológica, sendo o norte moral de seu comportamento, é a razão de sua

marginalidade social

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REFERÊNCIAS

GUIMARÃES, Leandro. O apelo à consciência nos movimentos ecológicos e nos

movimentos por educação ambiental. Disponível em

http://www.cefetes.br Acesso em: 18 Jan. 2012.

MAWHINNEY, Mark. Desenvolvimento Sustentável, Uma Introdução ao debate

ecológico. São Paulo: Loyola, 2005.

NASCIMENTO, Dayane. Moda Sustentável. Disponível em

http://www.rdmonline.com.br. Acesso em: 12 Set. 2011.

PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura. São Paulo: Editora

Brasiliense, 1986.

PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania. São Paulo:

Cortez, 2005.