Machado, de Paula, Daker - Parafrenia tardia ou pseudologia fantástica associada à demência -...

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1 ARTIGO ORIGINAL Sessão de Caso Clínico – Congresso Mineiro de Psiquiatria Machado MCL, Vieira JCM, Jardim J, Viana BM, Amaral TS, Vieira UM, Couto TC, Pimenta LCA, Nicolato R, Daker MV. Parafrenia tardia ou pseudologia fantástica associada a demência? Casos Clin Psiquiatria [online]. 2011; 13:[15 p.] www.abpbrasil.org.br/medicos/publicacoes/revista Parafrenia tardia ou pseudologia fantástica associada a demência?* Tardive Paraphrenia or Phantastic Pseudology associated to Dementia? Maria Carolina Lobato Machado, 1 Júlio César Menezes Vieira, 2 Jonas Jardim, 3 Bernardo de Mattos Viana, 4 Tammy da Silva Amaral, 5 Ulisses de Miranda Vieira, 5 Luciana Carlo Araújo Pimenta, 6 Tiago Castro e Couto, 6 Rodrigo Nicolato, 7 Maurício Viotti Daker 8 Endereço para correspondência: [email protected] ; [email protected] Resumo Paciente do sexo masculino, 81 anos, encaminhado pela Geriatria à Psiquiatria Geriátrica por apresentar agitação, agressividade e delírios. Avaliação inicial gera dúvidas quanto às características dos delírios de grandeza e à diferenciação com pseudologia fantástica ou mitomania vaidosa. Trata-se de portador de traços de personalidade narcisista. Discutida também possibilidade de fabulações. Hipertimia expansiva passada e atual, embora as alterações da imaginação nem sempre dependam da expansão do humor. O paciente afirma ser dono da “REFER” (termo relacionado à Rede Ferroviária, em que trabalhou), ter exercido várias profissões, possuir vários imóveis de grande valor. Exalta-se com familiares quando contestado. Relatou ser comandante de avião e ter ajudado os pilotos em uma viagem, bem como ter recebido comenda da Ordem dos Advogados. Do ponto de vista psicodinâmico, mantém-se por meio de suas crenças como provedor autossuficiente e autoritário da família. Há relatos de esquecimentos desde 2008 e piora da orientação espacial. Negam piora progressiva no déficit de memória (corroborado pelo seguimento pelo Mini-Mental), porém a perda funcional pareceu ser progressiva: não consegue ligar a televisão ou usar o telefone. Atualmente é dependente total para as atividades de vida diárias (AVD) instrumentais * Caso clínico apresentado no XIII Congresso Mineiro de Psiquiatria, junho de 2011. Paciente atendido no Centro de Referência do Idoso Jenny Faria do HC-UFMG, coordenado por Edgar Nunes de Moraes. 1 Apresentadora, Residência de Psiquiatria do HC-UFMG. 2 Especializando do Treinamento Profissional em Geriatria e Gerontologia do Núcleo de Geriatria e Gerontologia do HC-UFMG. 3 Neuropsicologia do Centro de Referência do Idoso do HC-UFMG. 4 Especialista em Psiquiatria pelo HC-UFMG e em Psiquiatria Geriátrica pelo IPq-USP. 5 Residência em Psiquiatria Geriátrica do HC-UFMG. 6 Residência de Psiquiatria do HC-UFMG. 7 Professor do Departamento de Saúde Mental da FM-UFMG e Preceptor da Residência em Psiquiatria Geriátrica do HC-UFMG. 8 Professor do Departamento de Saúde Mental da FM-UFMG e Coordenador da Residência em Psiquiatria Geriátrica do HC-UFMG.

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ARTIGO ORIGINAL Sessão de Caso Clínico – Congresso Mineiro de Psiquiatria

Machado MCL, Vieira JCM, Jardim J, Viana BM, Amaral TS, Vieira UM, Couto TC, Pimenta LCA, Nicolato R, Daker MV. Parafrenia tardia ou pseudologia fantástica associada a demência? Casos Clin Psiquiatria [online]. 2011; 13:[15 p.] www.abpbrasil.org.br/medicos/publicacoes/revista

Parafrenia tardia ou pseudologia fantástica associada a demência?* Tardive Paraphrenia or Phantastic Pseudology associated to Dementia?

Maria Carolina Lobato Machado,1 Júlio César Menezes Vieira,2 Jonas Jardim,3 Bernardo de Mattos Viana,4 Tammy da Silva Amaral,5 Ulisses de Miranda Vieira,5 Luciana Carlo Araújo Pimenta,6 Tiago Castro e Couto,6 Rodrigo Nicolato,7 Maurício Viotti Daker8

Endereço para correspondência: [email protected]; [email protected]

Resumo

Paciente do sexo masculino, 81 anos, encaminhado pela Geriatria à Psiquiatria Geriátrica por apresentar agitação, agressividade e delírios. Avaliação inicial gera dúvidas quanto às características dos delírios de grandeza e à diferenciação com pseudologia fantástica ou mitomania vaidosa. Trata-se de portador de traços de personalidade narcisista. Discutida também possibilidade de fabulações. Hipertimia expansiva passada e atual, embora as alterações da imaginação nem sempre dependam da expansão do humor. O paciente afirma ser dono da “REFER” (termo relacionado à Rede Ferroviária, em que trabalhou), ter exercido várias profissões, possuir vários imóveis de grande valor. Exalta-se com familiares quando contestado. Relatou ser comandante de avião e ter ajudado os pilotos em uma viagem, bem como ter recebido comenda da Ordem dos Advogados. Do ponto de vista psicodinâmico, mantém-se por meio de suas crenças como provedor autossuficiente e autoritário da família. Há relatos de esquecimentos desde 2008 e piora da orientação espacial. Negam piora progressiva no déficit de memória (corroborado pelo seguimento pelo Mini-Mental), porém a perda funcional pareceu ser progressiva: não consegue ligar a televisão ou usar o telefone. Atualmente é dependente total para as atividades de vida diárias (AVD) instrumentais

* Caso clínico apresentado no XIII Congresso Mineiro de Psiquiatria, junho de 2011. Paciente atendido no Centro de Referência do Idoso Jenny Faria do HC-UFMG, coordenado por Edgar Nunes de Moraes. 1 Apresentadora, Residência de Psiquiatria do HC-UFMG. 2 Especializando do Treinamento Profissional em Geriatria e Gerontologia do Núcleo de Geriatria e Gerontologia do HC-UFMG. 3 Neuropsicologia do Centro de Referência do Idoso do HC-UFMG. 4 Especialista em Psiquiatria pelo HC-UFMG e em Psiquiatria Geriátrica pelo IPq-USP. 5 Residência em Psiquiatria Geriátrica do HC-UFMG. 6 Residência de Psiquiatria do HC-UFMG. 7 Professor do Departamento de Saúde Mental da FM-UFMG e Preceptor da Residência em Psiquiatria Geriátrica do HC-UFMG. 8 Professor do Departamento de Saúde Mental da FM-UFMG e Coordenador da Residência em Psiquiatria Geriátrica do HC-UFMG.

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(empregada a Escala de Lawton-Brody) e dependente parcial para as AVD básicas (empregado o Índice de Katz). Apresenta apraxia, como certa dificuldade para abotoar a camisa. Testes neuropsicológicos apontam demência, assim como os exames de imagem (demência mista). Demais alterações laboratoriais não justificam o quadro neuropsiquiátrico. As hipóteses diagnósticas são de demência mista, parafrenia tardia ou transtorno delirante com conteúdo de grandeza (os delírios seriam não bizarros e não há alterações da sensopercepção, donde excluída a esquizofrenia), transtorno bipolar igualmente tardio e transtorno de personalidade narcisista. Resta a dúvida se as alterações da imaginação corresponderiam, ao menos em estágio inicial, à pseudologia fantástica, e até que ponto esta se associaria aos delírios de grandeza neste caso. Do ponto de vista clínico geral, há também as impressões diagnósticas de hipertensão arterial sistêmica, hiperplasia benigna da próstata, litíase renal, pangastrite, doença renal crônica classe 2 (leve), hipovitaminose B12 (com reposição regular) e cardiopatia hipertensiva hipertrófica com função sistólica preservada. São mencionadas as diversas prescrições e a introdução da galantamina. Segue-se discussão do caso, em que se inclui a possibilidade de pacientes hipomaníacos atuarem de forma oposta ao que ocorre na pseudodemência depressiva, ou seja, com um desempenho enganoso ou uma pseudohigidez hipomaníaca, o que pode em demências iniciais retardar indesejavelmente o tratamento específico e o uso de anticolinesterásico. Descritores: Parafrenia tardia; Pseudologia fantástica; Mitomania; Fabulação, Demência Abstract Male patient, 81 years, referred by Geriatry to Geriatric Psychiatry by presenting agitation, aggression and delusions. Initial evaluation raises doubts about the characteristics of delusions of grandeur and its differentiation from pseudologia fantastica or vain mythomania. He presents narcissistic personality traits. It is also discussed the possibility of confabulations. Expansive hyperthymia in the past and present, but the changes of the imagination does not always depend on the expansion of humor. The patient claims to be the owner of "REFER", a term related to Rede Ferroviária (network rail), where he worked, to have had several careers, and to own several buildings of great value. He exalts himself with relatives when challenged. He reported to be an aircraft commander and to have helped pilots on a trip, as well as to have received a commendation from the Order of Lawyers. In a psychodynamic point of view, he remains trough his beliefs as self-sufficient and authoritative provider of the family. There are reports of forgetfulness since 2008 and worsening of spatial orientation. Informants deny progressive deterioration in memory deficit (confirmed by follow-up with Mini-Mental), but the functional loss appeared to be progressive: he can’t turn on the television or use the phone. Today he is total dependent on instrumental activities of daily living - ADL (employed Lawton-Brody Scale) and partially dependent for basic ADL (employed Katz Index). He presents apraxia, as some difficulty buttoning his shirt. Neuropsychological tests indicate dementia, as well as the imaging studies (mixed dementia). Remaining laboratory findings do not justify the neuropsychiatric condition. The diagnostic hypotheses are of mixed dementia, late paraphrenia or delusional disorder - content of grandeur (delusions were not bizarre and there were no changes in sensory perception, hence it was excluded schizophrenia), also late bipolar disorder, and narcissistic personality disorder. There remains the question whether changes of the imagination, at least in the initial stage, would correspond to pseudologia fantastica, and to what extent this would be associated with delusions of grandeur in this case. From the standpoint of general practice, there are also diagnostic impressions of hypertension, benign prostatic hyperplasia, kidney stones, pangastritis, CKD class 2 (mild), hypovitaminosis B12 (with regular replacement) and hypertensive hypertrophic cardiopathy with preserved systolic function. Several prescriptions are mentioned, and the introduction of galantamine. It follows discussion, which includes the possibility that hypomanic patients act as opposed to what happens in depressive pseudodementia, namely with a deceptive performance or hypomanic pseudohealthiness, which can in initial dementias undesirably delay specific treatment and the use of anticholinesterasic agent. Descriptors: Delusional disorder; Pseudologia fantastica; Mythomania; Confabulation; Dementia

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CASO CLÍNICO

Identificação

Sexo masculino, leucoderma, 81 anos, casado, três filhos homens e quatro mulheres, sendo a última adotiva. Ferroviário aposentado há aproximadamente 25 anos, trabalhava como escriturário na Rede Ferroviária Mineira. Após aposentar-se, trabalhou 15 anos como encarregado de condomínio e em seguida como porteiro, até há três anos. Possui três anos de escolaridade. Natural de Cruzília (MG) e residente em Belo Horizonte há 45 anos. Mora com a esposa, 2 filhas, 1 genro e 2 netos. Católico.

Motivo da consulta

Encaminhado pela geriatria devido a pensamento delirante, agitação e agressividade.

História da moléstia atual

Início de alterações comportamentais há cerca de 3 anos, quando parou de trabalhar: ficava nervoso, agitado, irritado, brigava com a filha na rua, ameaçando agredi-la. Labilidade afetiva. Às vezes desanimado, indiferente, apático. Em junho de 2009, após viagem e encontro com colega de trabalho (primo), que disse ganhar mais do que ele, passou a apresentar discurso de grandiosidade, afirmando ser dono da REFER (termo relacionado à Rede Ferroviária, em que trabalhou), ter exercido várias profissões, possuir várias propriedades. Exalta-se com familiares quando contestado. Relatou-nos ser comandante de avião e ter ajudado os pilotos em uma viagem, bem como ter recebido comenda da Ordem dos Advogados. Tais sintomas permanecem independentes de elevações do humor significativas. Família refere períodos caracterizados por humor exaltado, taquipsiquismo, logorreia, sem fuga de ideias. A despeito das queixas do paciente de se sentir triste, desanimado, de às vezes dormir o dia todo, familiares não notam sintomas depressivos. Há relatos de esquecimentos desde 2008. Esquecia as datas e piorou orientação espacial, principalmente após episódio de “desmaio”. Negam piora progressiva no déficit de memória, porém a perda funcional pareceu ser progressiva: não consegue ligar a televisão, usar o telefone. Dependente total para as AVD instrumentais. Dependente parcial para as AVD básicas. Apresenta dificuldade para abotoar a camisa (apraxia?). Queixa-se de dor. Por outro lado, há relato de alguma melhora nas AVD básicas: voltou a fazer a barba, a tomar banho sozinho, embora a esposa o enxugue e o ajude a vestir-se. Atualmente em uso à noite de mirtazapina 30mg e risperidona 4 gotas, além de ácido valpróico 500mg/dia (segundo a família, o ácido valpróico o deixou mais tranquilo). Já fez uso também de citalopram até 40mg/dia, sem alteração do quadro.

História pregressa

É o quarto filho de uma prole de sete. Morava no interior de Minas. Tinha bom rendimento escolar. Bom relacionamento com cinco irmãos. Esposa o conheceu com 22 anos. Sempre foi uma pessoa vaidosa: “gostava de se arrumar, de andar perfumado, de namorar, de me passar para trás...”, relata a esposa. Sempre foi tranquilo e trabalhador. Sempre foi um pai rígido e severo, cobrava muito com relação aos estudos: “era o chefe da casa”. Mostrava-se com humor expansivo em seus relacionamentos com os amigos. Nunca teve problemas em setor de trabalho. Houve períodos em que acumulou dois empregos. História de vários relacionamentos extraconjugais, com gastos excessivos com mulheres e jogos (dívidas em bancos, com agiotas), além de uso de bebida alcoólica. Comorbidades: HAS, litíase renal (litotripsia por laser), TBC fevereiro/10 (tratamento até setembro/10).

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História familiar

Negativa para doença psiquiátrica.

Súmula psicopatológica

Aparência bem cuidada Atitude amistosa e cooperativa Consciência clara Orientação: orientado no espaço e parcialmente no tempo Atenção: normovigil e normotenaz Inteligência: compatível com os parâmetros da normalidade Memória: hipomnésia de evocação, fabulações? Linguagem: sem alteração Pensamento: sem alteração do curso ou forma, mas conteúdo com predomínio de grandiosidade. Sensopercepção: sem alteração Afeto: geralmente eutímico, por vezes elação do humor Vontade: sem alteração, embora haja relato de períodos de hipobulia Pragmatismo: levemente prejudicado Psicomotricidade: hipocinesia compatível com a idade Consciência do eu: sem alteração Consciência da morbidade: prejudicada Planos para o futuro: planos de acordo com a grandiosidade

Exames

Exames laboratoriais (14/02/11): EAS: NDN / EPF = neg / PSO = neg (sg oculto). Hb = 15,1 / Hm = 4,63 / VCM = 95 / HCM = 32 / CHCM = 34. Leuc = 10300 (L = 3520/E = 716/N = 5270/M = 671) / Pqt = 195000. CT = 189 / HDL = 49/ LDL = 117 / VLDL = 23 / TG = 117. GJ = 110 / Ur = 46 / Cr = 0,8 / Na = 141 / K = 3,7. Ác úrico = 7,9. Ác fólico = 8,4, Vit B12 = 264. TSH = 5,65 / T4L = 0,9. PSAt = 3,077 / PSAl = 1,418. VDRL não reativo. TCC (10/11/2010): Redução volumétrica do encéfalo e dilatação ventricular supratentorial, mais provavelmente ex-vácuo. Provável leucoencefalopatia isquêmica e infartos lacunares. RNM encéfalo (13/03/2011): - Múltiplas alterações focais de mielina, de aspecto confluente, esparsas pela substância periventricular de centro semioval bilateralmente, associada a múltiplas lesões lacunares isquêmicas antigas envolvendo a topografia de ambos os tálamos, da porção centrolateral direita da ponte e do córtex das porções posterossuperiores e posteroinferiores de ambos os hemisférios cerebelares, usualmente relacionados à doença arterial oclusiva de pequenos vasos, secundárias à hipertensão arterial sistêmica, diabetes e à dislipidemia. Evidenciam-se igualmente múltiplos focos de microssangramentos crônicos esparsos por ambos os hemisférios cerebrais, usualmente relacionados à hipertensão arterial sistêmica crônica. - Redução volumétrica corticossubcortical difusa de ambos os hemisférios cerebrais, associada à redução volumétrica difusa de ambas as formações hipocampais, com alargamento das cisternas peri-hipocampais. - Dentro do contexto clínico de déficit cognitivo deve-se considerar a possibilidade de uma demência mista (Vascular e DA). - Não há evidência de lesões isquêmicas agudas no exame de RM atual.

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Hipóteses diagnósticas DIAGNÓSTICO SINDRÔMICO: Síndrome demencial Síndrome psicótica Síndrome maníaca DIAGNÓSTICO NOSOLÓGICO: - CID 10: Demência mista (F 01.3) Transtorno delirante (F 22) Transtorno bipolar de início tardio (F31.9) Outros transtornos de personalidade, narcisista (F60.8) - DSM – IV: Eixo 1: Demência mista. Transtorno delirante com conteúdo de grandeza TAB, de início tardio Eixo 2: Personalidade narcisista Eixo 3: HAS Eixo 4: nenhum Eixo 5: AGF atual: 40 OUTROS: Parafrenia tardia Pseudolologia fantástica, mitomania AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA

O paciente foi encaminhado à equipe de neuropsicologia para avaliação cognitiva e comportamental mais aprofundada. De acordo com a história clínica, queixas apresentadas pela família e pelo paciente, o exame neuropsicológico se propôs a testar as seguintes hipóteses: 1) comprometimento cognitivo devido a transtorno de humor; 2) comprometimento cognitivo decorrente de transtorno psicótico, e 3) comprometimento cognitivo decorrente de quadro demencial (Demência de Alzheimer, Demência Vascular ou Demência Mista).

As hipóteses foram testadas através de testes psicológicos, neuropsicológicos e escalas de avaliação comportamental (Tabela 1), de forma a permitir um exame mais aprofundado e propiciar evidências convergentes para os testes de hipóteses. O protocolo utilizado baseia-se no modelo hierárquico de inteligência, sintetizado por Salthouse (2004), onde um construto mais geral (a inteligência) se subdivide em domínios específicos (Habilidades Verbais, Espaciais, Memória, Velocidade de Processamento e Raciocínio/Funções Executivas) e estes posteriormente em domínios ainda mais específicos. Os construtos cognitivos avaliados foram a Inteligência Geral, Memória Episódica, Memória Semântica, Linguagem, Habilidades Visioespaciais, Funções Executivas Frias, Funções Executivas Quentes, Atenção, Velocidade de Processamento e Praxias Motoras. Também foram utilizadas escalas para rastreio de demência, sintomas depressivos, medidas de funcionalidade e sobrecarga dos cuidadores. Para interpretação dos resultados o paciente foi comparado a indivíduos de mesma idade, gênero e escolaridade. Os resultados são expressos em desvios-padrão e considera-se de relevância clínica aqueles que ultrapassam os limites medianos (dois desvios ou mais).

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Tabela 1 – Síntese do Exame Neuropsicológico Domínio

Subdomínio Teste Desempenho e Interpretação

Rastreio

Demência Mini-Exame do Estado Mental 22/30 = Escala Mattis 106/144 ↓↓

Disfunção Executiva Bateria de Avaliação Frontal 8/18 ↓↓ AVDs Básicas Katz 12/12 = AVDs Instrumentais Lawton-Brody 16/24 ↓↓

Inteligência Fluida Raven Colorido 21/36 = Cristalizada Vocabulário (WAIS-III) 10 =

Velocidade de Processamento

Testes Verbais 5D (Leitura) 52’’ ↓ 5D (Contagem) 49’’ ↓

Testes Motores 9 Hole Peg Test (Direita) 32’’ ↓ 9 Hole Peg Test (Esquerda) 34’’ ↓

Habilidades Espaciais

Visioconstrução

Pentágonos 10/10 = Mattis (Construção) 6/6 = F-LIN (Cópia) 16,5/24 ↓↓ Cubo de Necker 10/20 ↓↓ Desenho do Relógio 1/5 >↓↓

Construção com Palitos 12/12 = Organização Visual HVOT 16/30 = Closing in Gráfico-Motor Não =

Linguagem e Memória Semântica

Compreensão Token Test 27/36 =

Nomeação TN-LIN 64/65 = Boston Naming (CERAD) 12/15 =

Leitura Palavras 90% = Pseudopalavras 92% =

Escrita Ditado 80% = Vocabulário Vocabulário (WAIS-III) 10 =

Memória Episódica

Curto Prazo RAVLT (A1) 2/15 >↓↓ Dígitos (Direto) 63 = Cubos de Corsi (Direto) 20 =

Aprendizagem RAVLT (Total) 21/75 >↓↓ RAVLT (LOT) 11 ↓↓

Evocação Imediata RAVLT (A6) 3/15 >↓↓ F-LIN (imediata) 4,5/24 >↓↓ Memória Lógica (Imediata) 7/25 >↓↓

Evocação Tardia RAVLT (A7) 1/15 >↓↓ F-LIN (tardia) 2/24 >↓↓ Memória Lógica (tardia) 4/25 >↓↓

Reconhecimento RAVLT (REC) -9/15 >↓↓ Memória Lógica (REC) 7/15 >↓↓

Memória Operacional

Executivo Central Dígitos Inverso 20 = Cubos de Corsi inverso 16 =

Alça Fonológica Dígitos Direto 63 = Esboço Visioespacial Cubos de Corsi Direto 20 =

Funções Executivas

Planejamento Torre de Londres 33/39 = F-LIN (Plan) 1/5 ↓↓

Fluência Verbal Semântica (animais) 8 ↓ Fonêmica (F.A.S) 34 ↑

Controle Inibitório 5D (inibição): Velocidade 107’’ ↓↓ 5D (inibição): Eficiência 9 ↓↓ 5D (inibição): Interferência 36’’ ↓

Flexibilidade Cognitiva

5D (flex): Velocidade 128’’ >↓↓ 5D (flex): Eficiência 29 >↓↓ 5D (flex): Interferência 56’’ >↓↓

Conceituação Mattis (Conceituação) 33/39 = Semelhanças (WAIS-III) 10 =

Tomada de Decisão Iowa Gambling Test -4 ↓↓

Praxias Motoras

Mielocinética BAPX-LIN - = Ideomotora BAPX-LIN - = Ideatória BAPX-LIN - = Conceitual BAPX-LIN - = Marcha BAPX-LIN - = Vestir BAPX-LIN - = Bucofacial BAPX-LIN - =

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Outros

Sintomas Depressivos GDS-15 3/15 =

Sobrecarga (Esposa) Zarit 54/110

Moderada

Sobrecarga (Filha) Zarit 47/110

Moderada

“=”: desempenho dentro da média populacional; “↑”: Desempenho 1 Desvio-padrão acima da média populacional; “↓”: Desempenho um desvio-padrão abaixo da média populacional, “↓↓”: desempenho dois desvios-padrão abaixo da média populacional; “>↓↓”: desempenho inferior a dois desvios-padrão abaixo da média populacional. Escala Mattis: Escala Mattis para Avaliação de Demências, 5D: Teste dos Cinco Dígitos, F-LIN: Figura Complexa do Laboratório de Investigações Neuropsicológicas; TN-LIN: Teste de Nomeação do Laboratório de Investigações Neuropsicológicas; BAPX-LIN: Bateria de Avaliação das Praxias do Laboratório de Investigações Neuropsicológicas; WAIS-III: Escalas Wechsler de Inteligência para Adultos terceira edição; GDS-15: Escala de Depressão Yesavage 15, RAVLT: Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey; HVOT: Hooper Visual Organization Test; AVDB: Atividades de Vida Diária Básicas; AVDI: Atividades de Vida Diária Instrumentais.

O paciente apresentou inteligência geral dentro da normalidade, quer em seus aspectos cristalizados (mais relacionados à aprendizagem e apropriação cultural) quanto em seus aspectos fluidos (relativamente inatos e pouco influenciados pelo contexto cultural). Tais resultados indicam que os déficits encontrados nos demais domínios cognitivos não devem ser decorrentes de um déficit global, mas sim específicos dos subdomínios avaliados.

Na avaliação de rastreio para quadro demencial e disfunção executiva o paciente obteve desempenho limítrofe no Mini-Exame do Estado Mental, sensível à demências corticais, contudo apresentou desempenho abaixo do esperado em uma escala mais ampla, a Escala Mattis para Avaliação de Demências, instrumento sensível a déficits decorrentes de quadros corticais mas também de quadros subcorticais (Figura 1). O a Bateria de Avaliação frontal sugere que o paciente apresenta algum grau de disfunção executiva, embora a mesma deva ser avaliada por testes mais específicos. A avaliação de rastreio para funcionalidade sugere que o paciente mostra-se parcialmente dependente para a execução das atividades de vida diárias instrumentais, contudo, sem comprometimento nas atividades mais básicas.

Figura 1 – Comparação do desempenho do paciente com a população de referência e pacientes com Demência de Alzheimer em Fase Inicial na Escala Mattis para Avaliação de Demências.

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A avaliação de domínios específicos sugere alteração difusa na velocidade de processamento, mensurada de forma convergente por testes verbais e motores. Déficits nesse domínio são mais característicos de quadros subcorticais. O paciente apresenta comprometimento discreto das habilidades visioespaciais, sobretudo nas tarefas mais complexas onde componentes de planejamento (F-LIN) e abstração (Cubo de Necker) são necessários à boa execução. A avaliação da linguagem e da memória semântica não indica alterações substâncias, sugerindo integridade do sistema linguístico, quer nos componentes receptivos (Compreensão, avaliada mediante comandos orais e escritos) e expressivos (leitura e fala), atestando-se ainda a integridade das rotas de leitura fonêmica, semântica e lexical. A avaliação da memória episódica indica comprometimento global na maior parte de seus componentes, excetuando-se a memória de curto prazo, com desempenho muito abaixo da média em todos os testes utilizados. No presente exame utilizaram-se paradigmas de lista de palavras (RAVLT), cópia e evocação de figuras (F-LIN) e rememoração de estórias (Memória Lógica). Os déficits manifestam-se tanto na aquisição e armazenamento de conteúdo quando nos processos de evocação. A memória de reconhecimento, geralmente preservada em quadros de comprometimento cognitivo decorrente de transtornos do humor ou demências subcorticais encontra-se também comprometida, refletindo a incapacidade do paciente em se beneficiar de pistas relacionadas ao componente de familiaridade da memória episódica. O perfil de aprendizagem verbal apresentado no RAVLT é exposto na Figura 2.

Figura 2 – Perfil de Aprendizagem Verbal no Teste Auditivo-Verbal de Rey.

Não foram encontradas alterações significativas da memória operacional. O exame das

funções executivas sugere desempenho relativamente preservado nas tarefas mais relacionadas à circuitaria dorsolateral, como a Torre de Londres e a Abstração, contudo há comprometimento acentuado nas tarefas mais relacionadas à circuitaria ventromedial (com envolvimento do cíngulo anterior) e órbitofrontal, expressas pela grande dificuldade em inibir respostas prepotentes e insensibilidade às contingências ambientais. Ainda no que tange às funções executivas há uma dissociação importante entre a fluência verbal semântica (pior) e fonêmica (melhor), padrão característico de demência por Doença de Alzheimer. Por fim o exame das praxias motoras não indica comprometimento em nenhum dos aspectos observados.

A avaliação de sintomas depressivos realizada pela Escala de Depressão Geriátrica não indica presença de depressão. A avaliação da sobrecarga das duas cuidadores mais próximas (mãe e filha) indica desgaste em intensidade moderada dos cuidadores.

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A figura 3 sintetiza a intensidade do comprometimento cognitivo em vários domínios. Para o gráfico o desempenho médio do paciente nos diferentes testes utilizados foi agrupado nas funções avaliadas e transformado em escores padrão (média=0, Desvio-Padrão=1), com base no desempenho de indivíduos saudáveis de mesmo gênero, idade escolaridade. As linhas paralelas indicam os limites da média populacional. Valores acima ou abaixo de tais parâmetros são indicadores clínicos relevantes.

Figura 3 – Intensidade do comprometimento cognitivo em diferentes domínios.

Em síntese, o perfil cognitivo-comportamental apresentado indica o comprometimento de dois domínios específicos, memória episódica e funções executivas, associados a comprometimento funcional importante. A análise da história clínica e o perfil apresentado não são sugestivos de comprometimento cognitivo decorrente de transtorno de humor ou transtorno psicótico, sendo mais características de quadro demencial. A progressão dos sintomas e déficit cognitivo encontrado, associado ao exame de neuroimagem sugere quadro de Demência Mista (Alzheimer + Vascular) em fase inicial.

A evolução clínica e a avaliação neuropsicológica levaram à introdução da galantamina. DADOS COMPLEMENTARES DA GERIATRIA História clínica • Outubro de 2006, paciente encaminhado para controle de hipertensão arterial sistêmica. • Até final de 2007, paciente apresentava preservação da orientação temporal e espacial. Mas sempre com memória de evocação limítrofe. • Início de 2007 com sintomas de prostatismo.

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• Relato de depressão maior em 2008. logo após tratamento para tuberculose pulmonar durante 6 meses, necessitando de tratamento com antidepressivo. • Ao final de agosto de 2008, paciente reavaliado na geriatria devido a piora cognitiva associada com ideias delirantes de conteúdo de grandiosidade, humor irritado e comportamento agressivo. Iniciou dependência parcial para AVDs instrumentais. • Durante este período houve relato de várias quedas da própria altura, com repercussões da funcionalidade. • As agitações tornaram se cada vez mais frequentes, associadas com delírios de conteúdo persecutório sistematizado. Alterações comportamentais apresentaram resposta parcial com uso de psicofármacos. Atividade de vida diária (Tabela 2)

Tabela 2 – Quadro da atividade de vida diária

AVDs

Independência

Dependência

Instrumentais

(Escala de Lawton-Brody)

Parcial

X

Completa

Básicas

(Índice de Katz)

X

Semi- dependência

Dependência incompleta

Dependência Completa

Cognição/Mini-Mental (Tabela 3)

Tabela 3 – Mini-Mental (Folstein, adaptado por Brucki et al.)

Datas e escores

25/10 2006

01/06 2007

05/10 2008

16/12 2010

17/02 2011

01/06 2011

Orientação temporal (5 pts)

Orientação espacial (5 pts)

Registro (3 pts)

Atenção e cálculo (5 pts)

Memória de evocação (3 pts)

Nomear dois objetos (2 pts)

Repetir (1 pt)

Comando de três estágios (3 pts)

Escrever uma frase completa (1 pt)

Ler e executar (1pt)

Copiar diagrama (1 pt)

5

5

3

5

1

2

1

3

1

1

1

4

4

3

5

1

2

1

3

1

1

1

2

3

3

2

2

2

1

3

1

1

1

2

5

3

0

0

2

1

3

1

1

0

3

5

3

4

3

2

1

3

1

1

1

5

5

3

5

0

2

1

3

1

1

1

Pontuação final (0 a 30 pts)

28

26

21

18

26

27

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Humor Escala de Depressão Geriátrica em 01/06/2011: GDS-5: 0/5 e GDS-15: 1/15. Critérios diagnósticos de depressão DSM IV: 0/9 Inventário Neuropsiquiátrico – NPI (Camozzato et al.) Negativo para alucinação, ansiedade, desinibição, comportamento motor aberrante, euforia/elação e apetite/alterações alimentares. Intensidade leve: apatia/indiferença, disforia, Intensidade moderada: delírios, agitação/agressividade, irritabilidade. Quanto à frequência, ocasionalmente (menos de uma vez por semana): apatia/indiferença; pouco frequentemente (cerca de uma vez por semana): delírios, agitação/agressividade, irritabilidade. Mobilidade 1. Avaliação quantitativa – Timed Up and Go Test (Levantar e andar 3 metros) Duração: ( ) <10 s (X) 10 a 20 s ( ) 20 a 30 s ( ) ≥ 30 s 2. Avaliação qualitativa – Marcha sem alterações significativas. 3. Equilíbrio e locomoção Sem alterações significativas. 4. Incontinência urinária de urgência e noctúria. Jato urinário curto. Comunicação 1. Visão: teste de Snellen simplificado: baixa acuidade visual com uso de lentes corretivas. 2. Audição: teste do sussuro: hipoacusia auditiva – rolha de cerume. 3. Fala/Voz: sem alterações. Revisão dos sistemas

Pele e anexos: onicomicose. Cardiovascular: sem alterações. Genito-urinário: incontinência urinária. Digestivo: dispepsia. Respiratório: sem alterações. Nervoso: sem alterações. Músculo-esquelético: ostoartrose. Aparelho visual: baixa acuidade visual.

Exame físico

BEG, corado, hidratado, acianótico, anictérico. Orofaringe: Edentulismo, uso de prótese dentária. Aparelho cardiovascular: PA: 120 X 80 mmhg (em decúbito), fc: 72 ppm. PA: 120 X 80 mmhg (sentado), fc: 72 ppm. PA: 120 X 82 mmhg (de pé), fc: 62 ppm. ACV: ritmo cardíaco regular sem sopro sistólico. Aparelho respiratório: sons respiratórios normais bilateral sem ruídos adventícios e sem esforço respiratório; FR: 18 irpm. Aparelho abdominal: abdômen livre, indolor à palpação, ausência de visceromegalias, RHA presentes. MMII: sem edema em mmii, com pulsos tibiais posteriores e pediosos cheios e simétricos. Onicomicose. Otoscopia: rolha de cerume bilateral. Exames laboratoriais

Ver acima. Clearance estimado: 65.9 ml/min/1.73 m2. Vitamina B12: 264. Risco de doença arterotrombótica coronária em 10 anos Framingham: 30%.

Exames de imagens

TCC e RNM ver acima.

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US das vias urinárias e rins (09/10/2007): Litiase renal de 7.3 mm, resíduo desprezível, bexiga sem alterações, hiperplasia prostática (33g). Endoscopia Digestiva Alta (22/01/2007): Esofagite e pangastrite enantemantosas. Biópsia: gastrite crônica em atividade, H. pylori positivo. Ecocardiograma Doppler (29/11/06): FEVE:70%; hipertrofia concêntrica moderada. Revisão dos medicamentos (Tabela 4)

Tabela 4 – medicamentos utilizados

Datas

Medicamentos

Outubro 2006

Captopril 25 mg bid, cimetidina 200 mg bid; mudança para captopril 25 mg tid e HCTZ 25 mg mid.

Fevereiro 2007

Captopril 25 mg tid, anlodipino 5 mg mid, vitamina B12 5000 UI esquema de reposição. Tratamento para erradicação para H. pylori.

Agosto 2007

Captopril 50 mg bid, doxazosina 2 mg mid, vitamina B12 5000 UI 3/3 meses.

Agosto 2008

Captopril 25 mg tid, anlodipino 5 mg mid, HCTZ 25 mg mid, vitamina B12 5000 UI 3/3 meses. Final do esquema de 6 meses para TBC pulmonar. Citalopram 40 mg mid.

2009 e 2010

Enalapril 5 mg bid, anlodipino 5 mg mid, Vitamina B12 5000 UI 3/3 meses. Citalopram 40 mg mid e risperidona 1ml/ml 6 gotas à noite.

2011

Enalapril 5 mg bid, anlodipino 5 mg mid, vitamina B12 5000 UI 3/3 meses, doxazosina 2 mg mid. Mirtazapina 30 mg min, risperidona 1mg/ml 4 gotas min. Indicação de antiagregante plaquetário e estatinas como prevenção secundária. Reposição de vitamina B12. Iniciado uso do anticolinesterásico galantamina.

Diagnóstico funcional (Tabela 5)

Tabela 5 – Diagnóstico funcional global

Funções Comprometimento funcional Não Sim

Atividades de Vida diária

Autocuidados

X Semidependência Dependência incompleta Dependência completa

Instrumentais

DEPENDÊNCIA PARCIAL Dependência completa

Cognição

Incapacidade cognitiva DEMÊNCIA? Depressão Delirium

Humor/Doença mental PSEUDOLOGIA FANTÁSTICA? PARAFRENIA TARDIA? TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR?

Mobilidade

Postura/Marcha/ Equilíbrio

X Instabilidade postural Imobilidade Parcial Completa

Capacidade aeróbica

DISPNÉIA AOS ESFORÇOS HABITUAIS

Continência urinária

X Transitória Permanente Urgência Esforço Transbordamento Mista Funciional

Continência fecal

X

Comunicação

Visão

BAIXA ACUIDADE VISUAL COM USO DE LENTES CORRETIVAS

Audição

HIPOACUSIA BILATERAL – ROLHA DE CERUME

Fala/Voz X

Outras funções Orgânicas

Saúde bucal

EDENTULISMO

Estado nutricional

X

Sono

X

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Interação Social

Lazer X

Suporte familiar

X

Suporte social X

Segurança ambiental

X

Hipóteses diagnósticas

• Incapacidade Cognitiva. – Demência Mista (Alzheimer + Vascular)? – Parafrenia tardia? Pseudologia Fantástica? – Transtorno Afetivo Bipolar de Início Tardio?

• Hipertensão Arterial Sistêmica com lesão de órgão alvo. • Hiperplasia Benigna da Próstata. • Litíase Renal. • Pangastrite. • DRC Classe 2. • Hipovitaminose B12 com reposição regular. • Cardiopatia hipertensiva hipertrófica com função sistólica preservada.

DISCUSSÃO (resumo dos debates do congresso) Rodrigo Nicolato

Para Cheniaux,1 a pseudologia fantástica consiste no relato de histórias fantásticas nas quais o paciente é protagonista. Embora não seja comum, pode ocorrer em quadros demenciais e em outros transtornos, como transtornos de personalidade, havendo controvérsias quanto ao paciente acreditar ou não em seus relatos. A pseudologia fantástica, enquanto prossegue com exagero da imaginação, pode se associar a uma alteração da memória, o que pode ser compatível com o quadro do paciente neste relato. Em virtude do comprometimento da memória, no entanto, creio que a distinção entre pseudologia fantástica e delírio não seja tão clara aqui. Essa distinção seria mais facilmente executada em quadros não demenciais, observando-se as reações emocionais durante a manifestação da pseudologia ou do delírio. Neste ponto, o relato do cuidador e escalas como o NPI podem auxiliar um pouco, sobretudo quando estamos cientes de que os antipsicóticos devam ser utilizados com parcimônia por provável aumento da mortalidade nas demências.

Maurício Viotti Daker

Dupré enfatizava a função mental da imaginação e criou o termo mitomania

(originalmente em 1905). Muitas de suas concepções se encontram no livro Patologia da Imaginação e da Emotividade,2 de cerca de 500 páginas, quase metade delas sobre a função mental da imaginação, infelizmente hoje pouco investigada. Além de vários tipos de mitomania, aí se incluem os designados delírios de imaginação, os quadros psicóticos imaginativos agudos ou crônicos e outros transtornos. À pseudologia fantástica, termo que Dupré não empregou (apenas menciona sua origem com Delbrück na Alemanha, em 1891 – p. 44), corresponderia sua mitomania vaidosa, uma das três formas de “fabulação fantástica”, sendo as outras duas a mitomania maligna e a perversa.

No caso da mitomania vaidosa, se algum mal ocorre a alguém em decorrência das mentiras patológicas, isso se dá acidentalmente e não voluntária ou intencionalmente. É o que

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ocorre com nosso paciente narcisista e vaidoso, que com suas mentiras não deseja mal algum a seus familiares ou a terceiros. Tampouco provoca mal a si mesmo, como naqueles casos de autoacusação criminal por parte de mitômanos vaidosos, conhecidos da psiquiatria forense, em que aparecem na mídia etc. Muito menos se trata da mitomania vaidosa que, segundo Dupré, se manifesta pela ação em vez de pela linguagem, qual seja a automutilação para fins de chamar a atenção, hoje nossos transtornos factícios ou síndrome de Münchausen.

O termo pseudologia fantástica, portanto, é utilizado preponderantemente para a manifestação apresentada por nosso paciente, ou seja, para uma mentira patológica em pessoa necessitada de chamar a atenção para grandes feitos ou acontecimentos que a envolvem. Seria uma forma especial de ideia catatímica,3 no caso precipitada, talvez, pelo sentimento de menos-valia em relação ao primo rico.

Geralmente o termo pseudologia fantástica não é empregado para os outros casos de mitomania vaidosa que acarretam prejuízos ao mitômano, assim como não é usualmente empregado para as mitomanias maligna e perversa. Na maligna, que se subdivide em maliciosa e caluniosa, são insufladas mentiras a fim de prejudicar alguém, muitas vezes anonimamente (donde não envolverem, ao menos diretamente, a vaidade). A perversa se aproxima de nosso conceito atual de personalidade antissocial, em que se visam com as mentiras patológicas ganhos materiais ou na esfera sexual.

Porém, todas essas mitomanias podem se apresentar associadas e o termo pseudologia fantástica, em muitos desses casos, é empregado. Vale a pena mostrar o quadro geral das mitomanias segundo Dupré (Figura 4).

Figura 4. Esquema de Dupré para as mitomanias, do original p. 54.2

Tema central de nosso caso, agora sim, é a diferenciação entre pseudologia fantástica e delírio. Aparentemente, a diferença diz respeito ao grau de convicção do paciente de suas crenças. Se a convicção é plena e ininfluenciável por terceiros, estaremos diante do delírio. O

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fato de nosso paciente reagir por vezes agressivamente ao ser contestado é indício de delírio. No entanto, na prática clínica essa diferenciação não é tão simples. Confrontar o paciente, seja na mitomania ou no delírio, pode acarretar ruptura na relação médico-paciente, que é vital para a adesão ao tratamento nesses casos e muitas vezes conquistada de forma delicada e trabalhosa, como conseguiram a médica assistente e a equipe, com consequências muito favoráveis para o paciente e sua família. Além da plena convicção do paciente em sua crença, no delírio há tendência à sistematização e ao envolvimento da pessoa como um todo, e à ampliação.3 Por vezes, observa-se que uma ideia catatímica inicial vai evoluindo para um verdadeiro delírio, o que complica mais essa diferenciação.

No tocante à fabulação (na literatura muitas vezes se traduz o termo de forma inadequada por confabulação), esta é tida como intimamente relacionada a hipomnésia/amnésia ou a déficit da inteligência.3 São clássicas as fabulações que preenchem as lacunas mnêmicas em síndromes amnésticas e demenciais, o que também poderia se aplicar a nosso paciente, muito embora suas manifestações imaginativas aparentemente não decorram do preenchimento de lacunas mnêmicas, o que nos direciona mais ao delírio ou à pseudologia.

Também não parece se tratar aqui de ideias delirioides, uma vez que as manifestações não dependem das oscilações episódicas do humor do paciente.

Enfim, parafrenia tardia (transtorno delirante com tema de grandiosidade) ou pseudologia fantástica/mitomania? Fabulação? E que podem estar associados à personalidade narcisista. São sintomas ou complexos de sintomas que se sobrepõem a um transtorno mental orgânico ou devido a condição médica geral, a demência. Num diagnóstico tradicional hierárquico bastaria a demência, pensando-se no restante como secundário e até irrelevante. No entanto, a sintomatologia que colore cada caso revela muito sobre a pessoa do paciente, sobre a preciosa individualidade de cada um.

Digno de nota, este não é o primeiro caso em que observo certa peculiaridade em pacientes com personalidade hipertímica expansiva ao serem acometidos por demência. Seria um quadro clínico oposto ao da pseudodemência depressiva, em que a hipomania e o que dela decorre como a agilidade de pensamento, o otimismo e a energia ou disposição física, podem ofuscar uma demência inicial, retardando seu reconhecimento e tratamento. Seria um estado de pseudohigidez hipomaníaca.

Bibliografia 1. Cheniaux Jr. E. Manual de psicopatologia. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. 2. Dupré E. Pathologie de l’imagination et de l’émotivité. Paris: Payot; 1925.

http://www.bium.univ-paris5.fr/histmed/medica/cote?152699 3. Challub M. Delírio e formações paradelirantes. In: Rodrigues ACT, Streb LG, Daker MV,

Serpa OD. Psicopatologia Conceitual I. Rio de Janeiro, São Paulo: Grupo Editorial Nacional, in press.