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  • JAQUELINE LESINHOVSKI TALAMINI

    O USO DO LIVRO DIDTICO DE HISTRIA NAS SRIES INICIAIS DO ENSINO

    FUNDAMENTAL: A RELAO DOS PROFESSORES COM OS CONCEITOS

    PRESENTES NOS MANUAIS.

    CURITIBA

    2009

  • ii

    JAQUELINE LESINHOVSKI TALAMINI

    O USO DO LIVRO DIDTICO DE HISTRIA NAS SRIES INICIAIS DO ENSINO

    FUNDAMENTAL: A RELAO DOS PROFESSORES COM OS CONCEITOS

    PRESENTES NOS MANUAIS.

    CURITIBA

    2009

    Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Educao, rea temtica Cultura e Processo de ensino-aprendizage, linha de Pesquisa Cultura, Escola e Ensino do Programa de Ps-Graduao em Educao, Setor de Educao. Orientadora: Prof Dr Tnia Maria Figueiredo Braga Garcia.

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN SISTEMA DE BIBLIOTECAS

    COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS

    Talamini, Jaqueline Lesinhovski O uso do livro didtico de histria nas sries iniciais do ensino fundamental : a relao dos professores com os conceitos presentes nos manuais / Jaqueline Lesinhovski Talamini. Curitiba, 2009. 108f. : il. algumas color. Inclui bibliografia e apndices Orientadora: Prof Dr Tania Maria Figueiredo Braga Garcia Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Paran, Setor de Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao. 1. Histria (Primeiro grau). 2. Livros didticos. 3. Professores de ensino de primeiro grau. I. Garcia, Tnia Maria Figueiredo Braga. II. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.

    CDD 372.89

    Andrea Carolina Grohs CRB 9/1.384

  • iii

  • iv

    Ao meu querido esposo Paulo,

    presena indispensvel em todas as horas.

  • v

    AGRADECIMENTOS

    Dedico o trabalho a todas as pessoas que permaneceram ao meu lado

    durante o perodo em que estive produzindo esta investigao.

    A toda a minha famlia e em especial ao meu esposo Paulo pelo apoio nas

    horas difceis e por compreender que a construo de um estudo srio exige

    momentos de ausncia.

    Aos professores do Programa de Ps-graduao em Educao da UFPR, que

    em suas aulas contriburam com as leituras, atividades e reflexes, e enriqueceram

    os contedos aqui apresentados.

    Aos colegas de Curso, mestrandos e doutorandos, aos colegas do Seminrio

    de Investigao em Educao Histrica, que contriburam com esta pesquisa com

    seu apoio, reflexes, crticas construtivas e partilha de angstias.

    Aos professores Daniel Hortncio de Medeiros e Leilah Santiago que

    compuseram as bancas de qualificao e de defesa. Agradeo ao interesse que

    tiveram por minha dissertao, contribuindo com seus conhecimentos para o xito

    deste trabalho.

    s professoras do municpio de Araucria colaboradoras nesta investigao,

    sem as quais este estudo no poderia ser realizado.

    Agradeo especialmente a minha orientadora Dr Tnia Braga Garcia, que

    sempre me salvou nos momentos de desespero, devido clareza inigualvel de

    suas idias, a forma carinhosa e singela e a capacidade de respeitar as idias do

    outro sem querer impor sua prpria forma de ver as coisas. Normalmente minhas

    dvidas se esclareciam em poucos minutos aps as nossas conversas na

    orientao.

  • vi

    SUMRIO

    LISTA DE ILUSTRAES .........................................................................................vi LISTA DE TABELAS ................................................................................................ vii LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ..................................................... .............viii RESUMO ....................................................................................................................ix ABSTRACT .................................................................................................................x INTRODUO...........................................................................................................01 1. OS LIVROS DIDTICOS E O COTIDIANO ESCOLAR ....................................08 1.1 ELEMENTOS PARA A COMPREENSO DO CAMPO TERICO E DOS

    OBJETIVOS DA INVESTIGAO........................................................................11 1.2 LIVRO DIDTICO: UM OBJETO SITUAO NO ESPAO DE RELAO ENTRE A CULTURA ESCOLAR E A CULTURA DA ESCOLA..................................................18 1.3 SOBRE OS LIVROS DIDTICOS DE HISTRIA: INVESTIGAES EPERSPECTIVAS .....................................................................................................26 .1.3.1. Algumas questes sobres os professores e a escolha dos livros de Histria.......................................................................................................................33 1.3.2. Os livros didticos, os objetivos do ensino e a Educao Histrica................ 35 2. PROFESSORES E LIVROS DIDTICOS DE HISTRIA: TRAJETRIA DA PESQUISA E PRIMEIRAS APROXIMAES .........................................................42 2.1 SITUANDO O CAMPO EMPRICO .................................................... ................44 22. PRODUZINDO AS QUESTES ORIENTADORAS DA PESQUISA PARA A

    DISSERTAO: O ESTUDO EXPLORATRIO..................................................46 2.3. DEFININDO OBJETIVOS DA PESQUISA E SUJEITOS COLABORADORES: O SEGUNDO EStUDO EXPLORATRIO.....................................................................49 2.4. ESTABELECENDO O FOCO E TESTANDO O INTRUMENTO PARA A ETAPA FINAL ........................................................................................................................53 3. AS RELAES DOS PROFESSORES COM O CONHECIMENTO HISTRICO PRESENTE NOS LIVROS DIDTICOS ..............................................................56

    3.1. OS PROCEDIMENTOS E OS SUJEITOS .........................................................61 3.2. A PROFESSORA ANGELA ...............................................................................65 3.3. A PROFESSORA BETRIZ .................................................................................73 3.4. OS LIVROS DIDTICOS DE HISTRIA PODEM AJUDAR A ENSINAR

    HISTRIA? ......................................................................................................80 CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................86 REFERNCIAS..........................................................................................................89 APNDICE A ............................................................................................................96 APNDICE B ............................................................................................................97 APNDICE C ..........................................................................................................101 APNDICE D ..........................................................................................................108

  • vii

    LISTA DE ILUSTRAES

    Capa do Livro CARACOL HISTRIA ........................................................................65

    Figura 1 Atividade do livro Caracol: Histria (pg.30) ...............................................70

    Figura 2 - Atividade do livro Caracol: Histria (pg.31) ...............................................70

    Capa do Livro INTERAGINDO COM A HISTRIA ...................................................73

    Figura 3 - Atividade do livro Interagindo com a Histria (pg.42)................................78

  • viii

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1- Condies para um bom livro de Histria .........................................38

    Tabela 2- Contedos de Histria para a 1 srie..................................................59

  • ix

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ANPUH - Associao Nacional de Histria

    CNLD Conselho Nacional do Livro Didtico

    LD Livro Didtico

    MEC Ministrio da Educao

    PCN Parmetros Curriculares Nacionais

    PNLD Programa Nacional do Livro Didtico

    SMED Secretaria Municipal de Educao de Araucria

  • x

    RESUMO

    Apresenta resultados de investigao sobre o uso do livro didtico de Histria por professores das sries iniciais do Ensino Fundamental. A pesquisa teve por objetivo conhecer e analisar as relaes dos professores das sries iniciais com os conceitos da Histria a partir da relao que os mesmos estabelecem com os manuais didticos no planejamento e desenvolvimento de suas aulas. A preocupao com o uso que os professores fazem dos manuais didticos se justifica devido ao grande investimento que o governo federal faz todos os anos para suprir a demanda escolar; no entanto ainda so pouco freqentes as pesquisas que discutem e analisam as formas de utilizao desses manuais (GARCIA, 2007). Nesse sentido, a presente pesquisa trouxe importantes indicativos de como se processa o trabalho no cotidiano escolar marcado pela presena dos livros didticos. O estudo emprico envolveu professores das sries iniciais (1 e 2 srie), portanto professores generalistas, que atuam em turmas de alfabetizao, e buscou compreender como os professores compreendem, localizam e manipulam os conceitos presentes nos manuais, bem como se selecionam, para o trabalho com os alunos, conceitos histricos ou generalistas (Rsen, 2007). Para responder a essas questes, so utilizados referenciais do campo da Didtica Geral e da Didtica da Histria. Palavras-chave: Didtica da Histria Educao Histrica Manuais didticos

  • xi

    ABSTRACT

    This work presents results from na investigati on about the use of History textbooks by teachers of Basic School initial grades. The research aimed to acknowledge and analyse the relationships between these teachers an History concepts based on the relationship established by them with the textbooks in what regards to the planning and development of their classes. The concern about the textbooks use is related to the large investment made by the federal govermment every year to supress the scholar demand; however the researches which analyze and discuss the ways of use of these textbooks are yet rare (GARCIA, 2007). In this perspective, this reasearch has brought important indicatives about how the daily work related to textbooks is processed. The empiric study involed teachers from initial grades (1st and 2 nd grades), meaning generalist teachers, who work with literacy classes, attempting to understand how teachers comprehend, locate and manipulate the concepts present in the textbooks, as well as how historical or generalist concepts are selected for the workwith students (RSEN, 2007). In order to answer these question, references in the field of General and History Didatics have been used. Keywords: History Didatics Hstorical Education Didatic textbooks.

  • INTRODUO

    A investigao relatada nesta dissertao insere-se no contexto das

    pesquisas em Educao Histrica, centrando-se especificamente em dois focos: as

    pesquisas sobre os manuais escolares e as pesquisas sobre a relao dos

    professores, sujeitos que ensinam com os conceitos trabalhados na disciplina de

    Histria nas sries iniciais do Ensino Fundamental.

    O objetivo principal foi investigar se os manuais podem contribuir na relao

    dos professores com os conceitos da disciplina da Histria, principalmente no que se

    refere questo da temporalidade, compreendida como questo precpua no ensino

    dessa disciplina escolar.

    A realizao deste estudo sustentou-se na pressuposio de que os manuais

    didticos podem contribuir para o conhecimento histrico do professores das sries

    iniciais, especialmente porque, em geral, so profissionais que no possuem

    formao em Histria e, portanto, podem encontrar nesse recurso didtico o

    conhecimento histrico necessrio para ministrar as aulas. Estudos que discutem o

    repertrio de conhecimentos dos professores, como os de Tardif e Lessard (2008) e

    de Gauthier et al (2006) indicam que os livros didticos se constituem em

    reservatrios de saberes curriculares que so incorporados nas prticas de ensino.

    Para explicar a abordagem escolhida, recorre-se a Barca, que afirma:

    O ensino de Histria constitui-se hoje como um frtil campo de investigao, sendo objeto de pesquisa sob diversos ngulos que integram quer perspectivas diacrnicas quer a anlise de problemticas atuais do ensino especfico. dentro desta segunda perspectiva que a investigao sobre cognio e ensino de histria _ freqentemente denominada investigao em Educao Histrica tem-se desenvolvido com pujana em vrios pases (...) nestes estudos, os investigadores tm centrado sua ateno nos princpios, fontes, tipologias e estratgias de aprendizagem em Histria (...) (BARCA, 2005, p. 15)).

    Os questionamentos apresentados nesta dissertao tm origem na minha

    experincia como professora das sries iniciais do Ensino Fundamental no municpio

    de Araucria, regio metropolitana de Curitiba no Paran e dirigem-se na direo de

    compreender os processos de ensino da Histria nas sries iniciais, na perspectiva

    da Educao Histrica.

  • 2

    Atuando como professora desde o ano de 2001 e recm formada no curso de

    Pedagogia, vinha h algum tempo me preocupando com a produo do

    conhecimento de professores e alunos dos nveis elementares, tema que havia

    investigado nos estudos finais de minha graduao. Na pesquisa realizada no curso

    de Pedagogia defendi a idia de professor como investigador em sua prpria sala de

    aula.

    Ao ingressar como profissional no sistema municipal de ensino de Araucria,

    participei de diversos cursos e assessoramentos que buscavam ajudar e orientar os

    docentes quanto metodologia a ser desenvolvida em sala de aula. No entanto

    esses espaos formativos - alguns bastante proveitosos eram sustentados

    predominantemente na idia de um professor receptor de informaes, adotando

    uma metodologia expositiva: os docentes cursistas ouviam o que era transmitido e

    sugerido pelos docentes formadores, situao contrria ao que eu defendia em

    meus estudos.

    Em 2002, por meio de um assessoramento na rea de Histria, comecei a

    fazer parte do Grupo Araucria1 ao participar do seminrio Investigar o ensino de

    Histria, encontro promovido pelo municpio de Araucria em parceria com a

    Universidade Federal do Paran. Para este seminrio foram convidados a participar

    os professores de Histria das sries finais e os professores de 1 srie das sries

    iniciais do Ensino Fundamental, turma em que eu atuava naquele ano. O seminrio

    tinha como proposta o desenvolvimento de uma experincia de ensino e pesquisa

    que levasse em conta os conhecimentos prvios dos alunos, metodologia proposta

    por Barca (2000) e Aysenberg (1994). A partir da utilizao de documentos

    histricos, dever-se-ia observar a construo do conhecimento pelos estudantes.

    O professor, entendido nessa proposta como investigador social, constri

    conhecimento histrico junto com os alunos; investiga o que eles j sabem e, por

    meio da metodologia de investigao de conhecimentos prvios, define as

    intervenes necessrias, realiza a ao de ensino e, finalmente, analisa os

    resultados e tece consideraes sobre sua experincia e a evoluo de seus alunos.

    1 Trata-se de um grupo onde se renem professores e pedagogos para desenvolver atividades sistemticas de investigao, discusso de pesquisas, debates, produo de propostas curriculares e de materiais entre outras, em ao coordenada pela UFPR. Uma descrio mais detalhada dos trabalhos desse grupo pode ser encontrada em Theobald, 2007.

  • 3

    Segundo Theobald (2007), que investigou a relao dos professores do

    Grupo Araucria com as idias histricas na perspectiva defendida pela Educao

    Histrica,

    O professor pode ser tomado na dimenso do intelectual, que investiga, produz e transforma por meio de experincias organizadas, coletivas e situadas, as relaes sociais e as relaes de saber em que est inserido. Investiga e transforma as concepes que tem em relao a si prprio, sua funo, aos alunos em suas relaes com o saber, sua formao e em relao ao conhecimento com o qual trabalha, sua produo e seu ensino. (p.2)

    No Seminrio, ao final de cada investigao desenvolvida em sala de aula os

    docentes eram desafiados a registrar por escrito a sua experincia, fato no muito

    comum nas atividades cotidianas dos professores do Ensino Fundamental,

    principalmente os das sries iniciais. Estas primeiras experincias foram

    transformadas em artigos e posteriormente apresentados e publicados por sete

    professores atuantes nas sries iniciais no XXIV Simpsio Nacional de Histria, em

    Londrina, Paran, em 2004.

    Segundo Theobald (2007), os resultados desse processo de aproximao

    entre professores e investigadores traz resultados positivos e transformaes na

    forma de ensinar Histria:

    A participao de professores de Histria de Araucria, Grupo Araucria, em 2003, do seminrio, Investigar em Ensino de Histria, do curso de Mestrado em Educao da UFPR, deflagrou um processo de reflexo sistemtica sobre elementos da prtica docente, a partir dos trabalho sobre os conhecimentos prvios de conceitos histricos dos alunos, planejamento da interveno pedaggica sobre os conceitos investigados e reelaborao dos mesmos para verificar as mudanas provocadas pela interveno pedaggica. (THEOBALD, 2007, p.01)

    A experincia por mim desenvolvida nesse processo de formao continuada

    versava sobre o trabalho infantil hoje e em diferentes pocas, contedo que faz

    parte das Diretrizes Curriculares para o ensino de Histria em Araucria. Nessa

    experincia ficou evidente que era possvel ensinar Histria para crianas pequenas,

    bem como a importncia das intervenes didticas feitas pelo professor; o que foi

    explicitado ao comparar as respostas dos alunos na verificao de seus

    conhecimentos prvios e as respostas dadas por eles ao final da experincia.

  • 4

    Depois desse seminrio, continuei participando dos encontros com o Grupo

    Araucria, sempre desenvolvendo atividades que buscavam a construo do

    conhecimento histrico dos alunos a partir dos contedos que eram propostos nas

    Diretrizes Curriculares para a disciplina de Histria em Araucria.

    Em outra atividade realizada, um encontro, os professores foram desafiados a

    desenvolver uma aula apoiando-se no livro didtico que eles estavam utilizando na

    escola, para investigar os limites e as possibilidades do uso do manual escolar na

    construo dos conhecimentos histricos com os alunos. Nesse momento meu

    contato com os manuais deixa de ser apenas uma questo do cotidiano da sala de

    sala, tornando-se tambm um objeto de pesquisa e, portanto, de reflexes

    epistemolgicas.

    Assim, comecei a investigar sobre a utilizao dos manuais escolares, em

    primeiro lugar nas minhas prprias atividades como professora, estendendo-se

    depois ao uso feito por outros professores que atuam com crianas pequenas.

    Essas investigaes propostas no seminrio sobre o uso do livro didtico tambm

    foram apresentadas e publicadas em encontros da rea de Histria, como o da

    ANPUH regional de Maring e as VI Jornadas de Educao Histrica, em Curitiba

    em 2006.

    O segundo estudo apresentado nas Jornadas impulsionou a busca de maior

    conhecimento em relao ao ensino de Histria e, ento, a participar da seleo

    para o Mestrado em Educao na Universidade Federal do Paran onde, aprovada,

    iniciei o curso em 2007. necessrio destacar que as experincias de investigao

    foram tomadas como estudos exploratrios e foram incorporadas investigao

    para a dissertao, uma vez que influenciaram e definiram a trajetria de pesquisa,

    apontando elementos relevantes da relao entre professores e livros didticos de

    Histria que necessitava ser esclarecida.

    O presente texto visa, portanto, explicitar os resultados da pesquisa sobre o

    uso do livro didtico de Histria pelos professores das sries iniciais do Ensino

    Fundamental, particularmente com vistas a compreender a relao que os mesmos

    estabelecem com os conceitos que ensinam ao ministrar as aulas de Histria.

    importante ressaltar que os professores que colaboraram nesta

    investigao no possuem formao especfica na rea de Histria, uma vez que a

    maioria deles formada no curso de Pedagogia. Os cursos que formam pedagogos

  • 5

    tm em sua grade curricular, em geral, disciplinas que se preocupam em

    instrumentalizar os professores para trabalhar com o conhecimento histrico; no

    entanto, essa formao pode ser considerada como insuficiente, j que a carga

    horria bastante limitada para abranger a complexidade da formao para o

    ensino das disciplinas especficas. Alm disso, os professores generalistas precisam

    se preocupar tambm com os contedos e metodologias das outras reas de

    conhecimento, j que so responsveis pelo desenvolvimento das aulas em todas

    as disciplinas escolares.

    Outra questo a ser destacada o fato de que, nesse nvel de ensino, os

    professores esto demasiadamente preocupados e no sem motivo - com a

    alfabetizao em lngua materna e, como conseqncia, trabalham pouco com as

    outras reas do conhecimento, dentre elas a Histria, como observei muitas vezes

    nas minhas experincias como professora e informalmente na relao com muitos

    colegas em diferentes escolas.

    Este valor menor muitas vezes atribudo ao ensino de Histria tambm pode

    ser associado, atualmente, avaliao do SAEB2 , sistema sob a responsabilidade

    do Ministrio de Educao, e mais recentemente PROVINHA BRASIL3, que so

    avaliaes que se preocupam fundamentalmente em verificar os conhecimentos de

    Lngua Portuguesa e Matemtica, reforando para os professores a necessidade de

    dedicar mais tempo a essas disciplinas do que s demais.

    Por outro lado, muito se tem enfatizado a importncia do ensino de Histria na

    escola, mesmo para crianas muito pequenas, como nos trabalhos de Cooper

    (2006). No Brasil, os Parmetros Curriculares Nacionais, elaborados na dcada de

    1990, tratam a Histria como uma disciplina especfica, um conhecimento especfico

    que tem finalidades prprias e que deve ocupar tambm um lugar particular no

    currculo, desde as sries iniciais, com a denominao de Histria, diferentemente

    do que acontece em outros pases em que se prope os Estudos Sociais.

    Consideradas essas questes, a pesquisa realizada para a dissertao aqui

    apresentada objetivou investigar como professores generalistas se relacionam com

    2 Trata-se do Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica, implantado em 1990 e coordenado pelo INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. 3 Trata-se de uma avaliao diagnstica que permite auxiliar professores, coordenadores e gestores a identificar o desempenho de alunos em processo de alfabetizao, no 2 ano de escolaridade do Ensino Fundamental.

  • 6

    os conceitos da Histria, se trabalham com conceitos histricos ou apenas com

    conceitos generalistas. Esta preocupao se justifica, pois observei muitas vezes

    tambm em situaes informais, enquanto professora, que alguns docentes

    desenvolviam trabalhos extremante importantes e ricos de detalhes a partir dos

    contedos presentes nas Diretrizes Curriculares para a Histria, mas essas

    experincias muitas vezes deixavam de considerar um elemento essencial

    disciplina, ou seja, a temporalidade, especialmente no que tange relao que deve

    ser feita entre o passado e o presente.

    Para apresentar a trajetria percorrida, o texto foi organizado em trs partes.

    O primeiro captulo constri o caminho terico necessrio para a construo das

    bases que sustentaram o desenvolvimento dos estudos, focalizando principais

    pesquisadores que se dedicam a investigar os livros didticos, sejam nacionais ou

    internacionais. Uma parte da reviso realizada apresenta pesquisas que focalizam

    especificamente os livros didticos de Histria. Nesse captulo, buscou-se articular

    discusses sobre o livro didtico como artefato da cultura escolar e da cultura da

    escola. Tambm foram identificados elementos que dizem respeito ao ensino da

    Histria, na perspectiva da Educao Histrica, no sentido de iluminar o olhar sobre

    os livros didticos.

    O segundo captulo visa apresentar a trajetria da pesquisa emprica em suas

    diferentes etapas. De natureza qualitativa, a abordagem escolhida adequada s

    perspectivas da Educao Histrica, na direo dos fundamentos apontados por

    Schmidt e Garcia (2006). Tambm permite inserir o estudo no campo da Didtica da

    Histria, na perspectiva dos trabalhos de Jrn Rsen (2007), j que ao analisar o

    uso que os professores fazem dos manuais de Histria, no se buscou apenas

    revelar aspectos do domnio da Didtica Geral, mas tambm examinar o uso dos

    livros na relao com o conhecimento histrico, relao esta que se expressou

    objetivamente nos modos como os professores apresentaram formas de utilizao

    dos manuais, na importncia que atriburam a ele para, segundo os prprios

    docentes, buscar conhecimento para quem no formado na rea de Histria.

    Nesse segundo captulo tambm so apresentados resultados das etapas

    iniciais da investigao emprica, que inclui os estudos exploratrios. Destacam-se

    os resultados derivados da aplicao de questionrios a dez professoras

    generalistas, com o objetivo de levantar suas opinies sobre o uso dos livros

  • 7

    didticos de Histria e sobre a importncia que atribuem a esse recurso ao preparar

    e desenvolver suas aulas. A partir dos resultados obtidos, foram selecionadas

    professoras para entrevista.

    O terceiro captulo traz a descrio e a anlise dos resultados produzidos a

    partir de entrevistas realizadas com duas professoras alfabetizadoras de escolas

    pblicas do Municpio de Araucria. Esta ltima etapa do trabalho de campo trouxe

    contribuies para compreender o uso que os professores fazem do livro didtico e,

    na anlise deste uso, pode-se explicitar elementos que indicam como os professores

    se relacionam com os conhecimentos da disciplina de Histria. Aponta-se que

    desenvolvem interessantes estratgias para motivar os alunos e fazer com estes

    compreendam o que se est sendo ensinado, mas que estas estratgias nem

    sempre levam em conta a questo da temporalidade, compreendida como elemento

    constituidor da especificidade da Histria.

    Ao final, apresentam-se as concluses e consideraes finais na direo de

    apontar contribuies da pesquisa realizada para a compreenso do ensino de

    Histria nas sries iniciais, para o entendimento das relaes entre professores e

    livros didticos e para a problematizao da natureza da formao profissional de

    professores e dos conhecimentos que eles necessitam nesse grau de ensino todas

    essas, questes localizadas no campo conceitual da Didtica Geral e da Didtica da

    Histria.

  • 8

    1 OS LIVROS DIDTICOS E O COTIDIANO ESCOLAR

    As discusses sobre a importncia e o papel dos livros didticos no processo

    de ensino e aprendizagem no so recentes. No caso brasileiro, essas discusses

    so marcadas pela existncia de programas oficiais de produo, aquisio e

    avaliao de obras destinadas ao trabalho nas escolas.

    Desde as primeiras dcadas do sculo XX, o Governo Federal tem investido

    em programas que procuram garantir aos estudantes das escolas pblicas de todo o

    pas o acesso a esse recurso didtico; e definiu, nas ltimas dcadas, programas

    com o intuito de avaliar aspectos relativos aos conhecimentos e metodologias

    presentes nesses materiais. Tambm as formas de seleo dos livros passaram por

    transformaes ao longo do sculo, na direo de dar aos professores maior espao

    e autonomia na escolha do material a ser usado em suas aulas.

    Historicamente a presena dos livros didticos, de forma gratuita, nas

    instituies de ensino pblicas est relacionada a vrias aes do Governo Federal,

    iniciadas a partir de 19304. Segundo Brbara Freitag:

    Poder-se-ia mesmo afirmar que o livro didtico no tem uma histria prpria no Brasil. Sua histria no passa de uma seqncia de decretos, leis e medidas governamentais que se sucedem, a partir de 1930, de forma aparentemente desordenada, e sem a correo ou a crtica de outros setores da sociedade. (partidos, sindicatos, associaes de pais e mestres, associaes de alunos, equipes cientificas, etc.). (FREITAG et ali, 1997, p. 11).

    Sem desconsiderar a fora da dimenso legal apontada pela autora, defende-

    se a posio de que o livro didtico no est apenas referida a um conjunto de leis,

    mas deve ser compreendida em estreita um elemento de grande significado na

    cultura escolar e na cultura da escola; portanto, sua histria no relao com a

    Histria da Educao brasileira, especialmente a partir da Repblica.

    A presena dos livros didticos na escola causa interferncias relevantes na

    produo e circulao de idias pedaggicas - como formas de pensar o ensino e a

    aprendizagem - bem como na difuso de mtodos de ensino e de avaliao. Assim,

    eles exercem tambm influncia na formao de professores, como mostram

    pesquisas no campo da Didtica e da Histria da Educao, e em torno desse

    4 As aes desenvolvidas pelo Governo Federal em relao a avaliao, aquisio e distribuio dos livros didticos, organizadas cronologicamente, so encontradas no site www.mec.gov.br.

  • 9

    artefato se configura um campo de investigao complexo e com inmeras lacunas

    a serem preenchidas pela pesquisa educacional.

    O formato atual do Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) teve incio

    em 1996, com a incluso da avaliao dos manuais escolares pelo Ministrio da

    Educao (MEC), a escolha dos mesmos pelos professores e a distribuio destes

    para as escolas, como parte do processo de inscrio para o PNLD 19975. Esse

    processo sofreu transformaes na ltima dcada e atualmente a avaliao feita

    por especialistas das diversas reas do conhecimento. O trabalho de avaliao

    resulta na produo de um Guia de Livros Didticos, documento que contm

    princpios, critrios e resumos dos manuais avaliados, com a finalidade de orientar o

    processo de escolha pelas escolas e professores.

    Vrias crticas tm sido feitas, seja por professores, seja pelas Editoras, sobre

    o processo de avaliao realizado pelos especialistas, consultores contratados pelo

    MEC. Entre os motivos apontados pelas empresas do setor, um refere-se ao fato

    dos especialistas exclurem do Guia algumas obras de vendagem garantida no

    mercado, isto , ttulos que so reconhecidamente preferidos por um nmero

    significativo de professores e que deixam de compor as listas para a escolha. Os

    professores por sua vez, em relao mesma situao, dizem se sentir privados de

    sua deciso de escolha de obras que consideram importantes para a prtica escolar

    e que ficam excludas do Guia pela avaliao dos especialistas.

    Batista e Val (2004), autores que fizeram parte de equipes responsveis pelo

    processo de avaliao de livros escolares apontam alguns aspectos que contribuem

    para esclarecer esse ponto:

    A instituio desse processo de avaliao prvia de livros ocorreu em 1996, para a distribuio a ser realizada em 1997. Essa avaliao se orientou, desde o seu incio, por critrios de natureza conceitual (as obras devem ser isentas de erros ou de induo a erros) e poltica (devem ser isentas de preconceito, discriminao, esteretipos e de proselitismo poltico e religioso). Com a distribuio de livros para 1999, inclui-se um terceiro critrio, de natureza metodolgica, de acordo com o qual as obras devem propiciar situaes de ensino-aprendizagem adequadas, coerentes e que envolvam o desenvolvimento e o emprego de diferentes procedimentos cognitivos

    5 A constituio do PNLD, como um programa do Governo Federal, deve ser entendido pela sua articulao em um conjunto de polticas que inclui a elaborao dos Parmetros Curriculares Nacionais e a instituio de Exames Nacionais com vistas avaliao de desempenho de alunos e escolas brasileiras.

  • 10

    (como a observao, a anlise, a elaborao de hipteses, a memorizao). (p. 11).

    Se por um lado se atribui uma grande importncia a esse recurso de ensino,

    reconhecendo-o como fundamental nas instituies de ensino, principalmente devido

    precariedade de recursos destinados s escolas pblicas, por outro lado so

    freqentes as opinies de pesquisadores e professores que apontam o livro como

    um vilo para o ensino, uma vez que traz - em seu contedo e forma - ideologias,

    preconceitos, incoerncias terico-metodolgicas. Nesse sentido, as avaliaes que

    vm sendo realizadas como parte do PNLD, apesar das crticas que recebe em

    diferentes instncias educativas, parecem ter exercido alguma influncia na questo,

    como apontado por Garcia (2007):

    Segundo as avaliaes oficiais publicizadas, por exemplo, na apresentao dos Guias pelos especialistas avaliadores em cada rea do conhecimento, preconceitos e esteretipos, erros conceituais e incoerncias terico-metodolgicas tornaram-se menos freqentes nas obras avaliadas e selecionadas pelo MEC, apresentadas escolha das escolas. (p.4)

    Mas preciso destacar que, embora se esbocem diferentes opinies sobre a

    presena dos livros didticos nas escolas, pouco se sabe ainda, como resultado de

    produo de conhecimento cientfico nesse tema, sobre a opinio dos professores a

    respeito desse material, tampouco sobre o uso que os mesmos fazem dele. De

    acordo com Freitag, Costa e Guimares (1997), esta ausncia ainda maior quando

    se trata de estudos a respeito da opinio dos alunos sobre os manuais. Tal situao

    refere-se s diferentes disciplinas escolares, de forma geral, e tambm pode ser

    estendida a outros pases, alm do Brasil.

    Como j afirmado, na ltima dcada houve uma ampliao quantitativa de

    estudos que tomam como objeto os livros didticos, o que sinaliza para a

    consolidao de um campo de pesquisa relevante. Uma das finalidades deste

    captulo , ento, apontar pesquisas existentes, destacando aquelas que contribuem

    para sustentar teoricamente a proposta da dissertao e buscando indicar as

    lacunas no que tange compreenso sobre sua utilizao pelo professor. A partir

    disso, focaliza-se a temtica central da investigao realizada e define-se um recorte

    mais especfico sobre o uso do livro didtico de Histria pelos professores das sries

    iniciais, apresentando contribuies de autores que se dedicam questo.

  • 11

    1.1 ELEMENTOS PARA A COMPREENSO DO CAMPO TERICO E DOS OBJETIVOS DA INVESTIGAO

    O livro didtico, objeto de investigao nesta dissertao, pode ser conhecido

    e definido de diversas maneiras (BATISTA, 1999). Dentre as denominaes mais

    comuns, podem ser citadas: manual escolar, manual de texto, material didtico, livro

    escolar ou manual didtico. Embora se possa estabelecer distines entre elas,

    compreende-se aqui as diferentes denominaes como referindo-se a um tipo

    especfico de material impresso utilizado nas escolas e, ao longo do texto, podero

    ser utilizadas indistintamente algumas das diferentes denominaes.

    No entanto, destaca-se que aqui ele compreendido como sendo o tipo de

    texto impresso que contem o contedo especfico das reas do conhecimento,

    tratados didaticamente para o ensino em situao escolar, elaborados desde a sua

    concepo visando o ambiente escolar. Segundo Batista, O termo livro didtico

    usado de modo pouco adequado - para cobrir uma gama muito variada de objetos

    portadores dos impressos que circulam na escola. (1999, p.535).

    Ainda segundo o autor uma das caractersticas a ser observada refere-se

    provisoriedade ou instabilidade do livro didtico, pois:

    Se desatualiza com muita velocidade. Raramente relido; pouco se retorna a ele para buscar dados ou informaes e, por isso, poucas vezes conservado nas prateleiras de bibliotecas pessoais ou de instituies: com pequena autonomia em relao ao contexto da sala de aula e sucesso de graus, ciclos, bimestres e unidades escolares, sua utilizao est indissoluvelmente ligada aos intervalos de tempo escolar e ocupao dos papeis de professor e aluno (BATISTA, 1999, p.529).

    importante ressaltar que na perspectiva aqui defendida, essa

    provisoriedade ou instabilidade dos manuais didticos no tomada como um

    problema, mas como uma condio deste objeto da cultura escolar, cuja natureza

    diferente da de outras obras. Por outro lado, a atualizao das informaes e das

    idias pedaggicas um dos critrios utilizados na avaliao dos livros didticos

    dentro do PNLD e, portanto, estabeleceu-se uma dinmica prpria de

    elaborao/produo/circulao, de conservao/substituio dos livros, que

    regulada tanto pelos critrios de avaliao como pelos perodos ou intervalos em

    que os editais so abertos, os Guias so divulgados e as escolhas ocorrem. A

  • 12

    dinmica dos processos externos escola determina, em parte, as dinmicas dos

    processos que ocorrem dentro de cada escola.

    Portanto, no caso brasileiro, esses livros devem ser compreendidos tambm

    como portadores de caractersticas particulares, pois so avaliados pelo PNLD

    (Programa Nacional do Livro didtico) e disponibilizados de forma gratuita aos

    alunos, e, assim, comercializados de forma especfica por meio de editais do

    Governo Federal, que adquire as obras produzidas pelas editoras e, em princpio,

    escolhidas pelas escolas e professores a partir das definies e normatizaes

    originadas produzidas no espao das polticas educativas.

    Fortalecendo essa afirmao sobre a complexidade do livro enquanto objeto

    de investigao, pode-se citar o que apontam Bufrem, Schmidt e Garcia (2006)

    quando dizem que embora considerados como obras de referncia, so vistos como

    efmeros por se desatualizarem rapidamente; assim, o livro didtico torna-se um

    material ao mesmo tempo intenso por sua aplicao em sala de aula, e frgil, pois

    exige uma renovao constante (p.14).

    Apontando tambm o pouco valor que dado a este objeto da cultura escolar,

    Batista tambm reconhece que o livro didtico desenvolve importante papel no

    quadro mais amplo da cultura brasileira, das prticas de letramento e do campo da

    produo editorial e compreende, conseqentemente, diferentes dimenses de

    nossa cultura. (1999, p.534), o que indica a relevncia do campo cientfico no qual

    se insere a temtica desta investigao.

    A opinio de Lajolo e Zilberman (1999) associa a provisoriedade apontada por

    Batista (1999) a uma desvalorizao dos livros escolares, assim explicitada:

    Apesar de ilustre, o livro didtico o primo pobre da literatura, texto para ler e botar fora, descartvel porque anacrnico: ou ele fica superado dados os progressos da cincia a que se refere ou o estudante o abandona, por avanar em sua educao. Sua histria das mais esquecidas e minimizadas, talvez porque os livros didticos no so conservados, suplantado seu "prazo de validade". (p.120)

    Uma dcada aps essas anlises, h condies para rever alguns elementos

    da conceituao dos livros didticos, como conseqncia da produo cientfica

    sobre a temtica. Dessa forma, acredita-se que investigar o manual didtico

    compreend-lo em toda a sua complexidade, o que inclui a perspectiva da

  • 13

    provisoriedade, assumida como uma de suas caractersticas e no como um

    problema ou como um elemento que diminui seu valor enquanto artefato cultural.

    Isso porque, apesar dos avanos tecnolgicos e da grande variedade de materiais

    curriculares e pedaggicos presentes no mercado educacional - e ao largo das

    crticas que se tm feito a este artefato - os livros didticos continuam se

    constituindo como um material com forte presena no cotidiano das escolas

    brasileiras. Esta realidade lhe confere uma grande importncia, uma vez que,

    estima-se, atravs deles que o aluno na maioria das vezes estabelece as relaes

    com o conhecimento especfico de cada uma das disciplinas escolares, desde o

    incio da alfabetizao at o final do Ensino Mdio.

    interessante ressaltar, ainda, que esta provisoriedade abre espao para

    discutir outra dimenso desse objeto complexo. Trata-se da possibilidade de

    examinar as transformaes e atualizaes no apenas como conseqncia dos

    avanos cientficos, de novas concepes metodolgicas para o ensino das

    disciplinas e da fora de aplicao dos critrios de avaliao, mas tambm como

    parte das relaes entre um produto e o mercado. Afinal, como afirma Apple (2001),

    a produo, a circulao e o consumo de livros didticos envolve interesses

    comerciais o que, no caso brasileiro, significa somas vultuosas de recursos pblicos

    que garantem o faturamento anual de muitas editoras.

    Apesar desta realidade de controvrsias que caracteriza sua existncia na

    cultura escolar, apontada por pesquisadores de diferentes pases, no Brasil,

    principalmente em se tratando das escolas pblicas, os manuais didticos so ainda

    hoje, muitas vezes, o nico material didtico a que tm acesso professores e alunos.

    Esta presena se justifica pela relativa facilidade com que os livros didticos chegam

    escola, devido ao Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) e do PNLEM6.

    Essa indiscutvel presena dos manuais didticos nas escolas, bem como a

    sua contribuio na definio dos contedos ensinados nas diferentes disciplinas

    escolares justifica o aumento do nmero de pesquisas na comunidade educacional,

    constituindo-se hoje em um campo particularmente frtil para o desenvolvimento de

    6 Programa do Governo Federal que consiste na avaliao e distribuio de livros didticos para os alunos de Ensino Mdio das escolas pblicas brasileiras, implementado a parir de 2004 nos mesmos moldes do PNLD.

  • 14

    estudos, uma vez que h ainda com muitas lacunas a serem preenchidas pela

    investigao cientfica.

    De fato, as temticas envolvendo a questo dos livros didticos vm

    despertando a ateno de pesquisadores, no Brasil e no exterior. Estudo avaliativo

    desenvolvido por Reiris (2005) aponta as linhas de investigao a que se dedicam

    vrios pesquisadores em diferentes pases, incluindo-se o Brasil, com diferentes

    abordagens e finalidades.

    A primeira linha de investigao apontada pela autora refere-se a estudos

    crticos, ideolgicos e histricos sobre os livros didticos. Segundo ela, essas

    investigaes apontam que o livro um importante elemento na relao com o

    conhecimento em sala de aula, so numerosos e indagam o que se diz, como se

    diz e especialmente, aquilo que se omite (REIRIS, 2005, p.26).

    A segunda linha de pesquisa identificada por Reiris trata da legibilidade e

    apresentao dos manuais, no que se refere didtica geral e a didtica especfica

    de cada disciplina. Nesta linha no est em destaque a questo ideolgica, mas sim

    a possibilidade e efetividade de sua utilizao enquanto um recurso significativo no

    processo de ensino e aprendizagem. Questes como a linguagem usada, a forma de

    apresentao de textos e imagens so privilegiadas nesses estudos que, assim

    como a primeira tendncia, tm no prprio livro o objeto de pesquisa.

    Finalmente a terceira linha de investigao identificada por Reiris se preocupa

    com as questes editoriais e relativas economia do livro didtico: sua produo,

    circulao e consumo. Essas investigaes pertencentes ao campo da sociologia

    crtica esto baseadas particularmente nos estudos de Apple (1995).

    Outra contribuio a ser destacada como mapeamento do campo

    encontrada em Choppin (2004), especialmente em artigo publicado no Brasil no qual

    faz um balano das pesquisas existentes sobre o livro didtico, enfatizando as

    contribuies no campo da Histria da Educao. Apresenta um levantamento das

    investigaes realizadas em pases ocidentais e orientais, tornando-se assim

    referncia para um campo de investigao em promissor crescimento.

    Choppin (2004) afirma que as investigaes histricas sobre os livros

    didticos foram esquecidas durante muito tempo e que essa negligncia pode ter

    ocorrido pela idia de um status secundrio dos manuais didticos em relao a

    outros livros. No entanto, indica que h cerca de vinte anos essas investigaes

  • 15

    tiveram um crescimento considervel, reconhecendo os manuais escolares como

    fundamentais para a memria da educao7.

    No Brasil, este tambm no um campo novo; no que se refere questo da

    produo e da circulao dos manuais escolares podem ser citadas as pesquisas de

    Munakata (1997, 1999 e 2003). Outros estudos se preocupam em investigar o

    contedo das diversas disciplinas escolares presentes nesses manuais, bem como a

    forma como esses so abordados pelos autores, tendncia que vem sendo

    fortalecida nos ltimos anos, entre os quais se pode citar Abud (1998); Wuo (2000);

    Schmidt (2003); Batista e Val (2004); Fracalanza e Megid Neto (2006); Pampu e

    Garcia (2009). Em relao histria dos livros didticos no Brasil aparecem com

    destaque as pesquisas realizadas por Bittencourt (1993), Gatti (2004) e Schmidt

    (2005), referncias para o caso especfico dos livros de Histria.

    No que se refere ao uso que o professor faz dos livros escolares, os estudos

    avaliativos da ltima dcada apontam ainda uma grande lacuna, como referido por

    Garcia e Pivovar (2008): A busca em diferentes bases de dados revela, ainda, uma

    pequena presena, no conjunto de pesquisas educacionais, de estudos que

    aprofundam a compreenso dos modos pelos quais os professores produzem suas

    aulas, particularmente, quanto apropriao que fazem dos contedos e mtodos

    presentes nos livros que utilizam. (p.2).

    No Brasil, gradualmente, em algumas disciplinas escolares como a

    alfabetizao e a Histria, comeam a ser divulgados resultados de investigaes

    que se aproximam, de diferentes formas, dos processos de apropriao dos livros

    pelos professores e alunos, como os estudos de Garcia (2007, 2008, 2009) que se

    concentram em investigar formas de uso dos manuais buscando esclarecer, por

    exemplo, relaes entre a formao de professores e o uso dos livros, ou sobre o

    uso que os professores fazem das orientaes metodolgicas produzidas pelos

    autores, na forma de sugestes para o trabalho docente.

    O uso que o professor faz dos livros didticos , portanto, uma questo nova

    e relevante que desafia os pesquisadores de manuais didticos, tanto no Brasil

    como no exterior. Tambm essa a percepo de Maheu (2001), ao afirmar que No

    7 Discutindo sobre o valor menor dado aos livros didticos, Batista (1999) indica que esta realidade acaba por desprestigiar tambm os que a eles se dedicam como objeto a investigar (p.529). Isso explicaria porque foi desconsiderado pela investigao educativa durante muito tempo.

  • 16

    Brasil no se tem produo suficiente sobre a utilizao do livro no contexto escolar

    e sobre as implicaes didtico-pedaggicas e sociais que este uso pode produzir.

    (p. 34).

    Especialmente sobre a utilizao dos manuais pelo professor que se

    focaliza a presente investigao, por ser esta uma lacuna nas pesquisas da rea,

    mas principalmente pelo seu significado para a compreenso de como o

    conhecimento produzido nas aulas, sob a influncia dos livros didticos usados

    pelos professores e alunos nas diferentes disciplinas e, neste caso particularmente,

    de uma das disciplinas escolares das sries iniciais do ensino fundamental a

    Histria. Portanto, trata-se de ampliar a compreenso sobre o modo como os

    docentes generalistas compreendem e utilizam esse material e as implicaes desse

    processo na produo do conhecimento histrico a ser ensinado em sala de aula.

    Essa necessidade de buscar uma aproximao entre a pesquisa e o espao

    no qual os docentes realizam efetivamente seu trabalho vem sendo sugerida h

    dcadas, como em Freitag, Costa e Motta (1989), para compreender porque os

    livros didticos se tornam o principal guia da ao docente durante as aulas. (p.125).

    Ainda nesta obra, as autoras apontam a quase ausncia de estudos sobre o uso dos

    manuais por professores e alunos, apontando que no primeiro caso eles existiriam

    ainda em menor quantidade.

    Indicativo de que o campo cientfico pouco mudou em relao a essa lacuna

    a afirmao feita recentemente por Garcia (2007, p.03), ao destacar que a pequena

    presena de pesquisas com essa preocupao deixa uma importante lacuna no que

    se refere relao estabelecida entre os docentes e os livros didticos, muitas

    vezes o nico recurso com que professores e alunos tm contado para a produo

    do conhecimento escolar nas diferentes disciplinas que compem o currculo.

    A pouca produo existente sobre os processos e prticas que ocorrem no

    interior das escolas pode fazer com que o cotidiano real de professores e alunos nas

    instituies de ensino seja compreendido alusivamente como uma verdadeira caixa

    preta, expresso freqente em anlises sobre a pesquisa educacional. As

    investigaes sobre como os professores se apropriam dos manuais que so

    utilizados nas escolas - e presentes em grande parte da rotina escolar - podem

    contribuir para desvelar como ocorrem esses processos muitas vezes to simples e

  • 17

    rotineiros para docentes e alunos, mas ainda to obscuro para grande parte dos

    pesquisadores em Educao dada a sua complexidade.

    Trata-se, ento, de privilegiar o estudo do conhecimento escolar a ser

    ensinado e aprendido, e que, como j afirmado, resulta em grande parte da relao

    dos professores com os livros didticos. Como destacado por Choppin (2004, p.

    558), necessrio que a pesquisa sobre os livros seja ampliada dentro do campo

    das anlises epistemolgicas e didticas.

    Todos os anos o governo brasileiro, atravs do PNLD, investe um grande

    volume de recursos na compra e distribuio dos manuais didticos para todas as

    escolas do pas no ano de 2008 um total de 103 milhes de exemplares foram

    distribudos a alunos do Ensino Fundamental e Mdio, com um investimento de R$

    719 milhes8. H uma preocupao por parte do programa em avaliar as obras que

    sero enviadas s escolas pblicas de todo o pas, garantindo determinados

    padres de qualidade que esto publicados nos editais tanto do ponto de vista do

    contedo, como do projeto grfico. H, inclusive, indicaes para que este processo

    se faa mediante a escolha dos docentes que iro utilizar os manuais. Mas apesar

    de todo o investimento e das aes desenvolvidas pelo Governo Federal, quase

    nada se sabe sobre as formas como os professores os incorporam em suas aulas,

    se os utilizam ou no e de que maneira o fazem. Segundo Garcia:

    A abrangncia do programa e o volume de recursos destinados a ele justificam a preocupao acadmica no apenas com as caractersticas dos livros distribudos, que tm sido abordadas em pesquisas recentes, mas tambm e principalmente - com o uso que os professores fazem dos livros que recebem (2008, p.04).

    Estas so questes ainda pouco abordadas pelos pesquisadores em

    educao, principalmente no que diz respeito a investigaes empricas que tenham

    como estratgia a observao participante e, portanto, efetivem um contato mais

    direto com a realidade escolar. Isso tem explicaes: preciso reconhecer que

    investigar na escola, traz, aos pesquisadores, desafios terico-metodolgicos que

    ainda precisam ser enfrentados pela pesquisa educativa. Para observar prticas de

    sala de aula e publicizar anlises decorrentes desse procedimento so requeridos

    cuidados epistemolgicos e ticos que, muitas vezes, dificultam a deciso do

    8 Dados obtidos em http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=livro_didatico.html

  • 18

    pesquisador para o desenvolvimento de estudos empricos no cotidiano escolar. E,

    por conseqncia, reduz-se a perspectiva de consolidao de um campo relevante

    de pesquisa, qual seja, a investigao sobre os livros didticos em uso por alunos e

    professores.

    Assim, conclui-se esta primeira seo do captulo indicando que a

    investigao apresentada nesta dissertao buscou contribuir para preencher parte

    desta lacuna sobre o conhecimento que se tem sobre o livro no cho de escola e

    sobre o cotidiano de professores e alunos de escolas pblicas. O trabalho do

    professor generalista com o livro didtico de Histria, com vistas ao trabalho na sala

    de aula, pode ser um elemento relevante no preenchimento desta lacuna.

    A segunda seo deste captulo, apresentada a seguir, situa o espao em que

    o livro didtico se localiza teoricamente, na perspectiva dos conceitos de cultura

    escolar e cultura da escola. Em seguida, estabelece elementos para se

    compreender, do ponto de vista didtico, a funo desse artefato no cotidiano

    escolar, direcionando as questes para o caso particular do livro didtico de Histria.

    1.2 LIVRO DIDTICO: UM OBJETO SITUADO NO ESPAO DE RELAO ENTRE

    A CULTURA ESCOLAR E A CULTURA DA ESCOLA

    Situado o campo da Didtica, em especial a Didtica da Histria, e indicado o

    objetivo da investigao na direo de compreender elementos do uso dos livros

    didticos dessa disciplina, por professores generalistas, necessrio apresentar

    elementos que permitam estabelecer relaes entre esse artefato e o cotidiano

    escolar, de forma a explicitar o significado do trabalho escolar com os manuais,

    especialmente no caso particular em estudo.

    A anlise das formas pelas quais os professores utilizam o livro didtico aqui

    pensada considerando os elementos que constituem a cultura escolar e a cultura

    da escola. Para Forquin (1993), a cultura escolar entendida como O conjunto dos

    contedos cognitivos e simblicos que, selecionados, organizados, normalizados,

    rotinizados, sob o efeito dos imperativos de didatizao, constituem habitualmente

    o objeto de uma transmisso deliberada no contexto das escolas (p. 167).

  • 19

    Sobre a cultura da escola, o mesmo autor destaca que A escola tambm

    um mundo social, que tem suas caractersticas de vida prprias, seus ritmos e seus

    ritos, sua linguagem, seu imaginrio, seus modos prprios de regulao e de

    transgresso, seu regime prprio de produo e de gesto de smbolos. (p. 167).

    Nessa perspectiva, o estudo dos livros didticos exige do investigador tanto

    um olhar para a cultura - verificando os processos pelos quais os contedos

    cognitivos e simblicos so selecionados e didatizados para entrar na escola como

    objeto de transmisso - como tambm lanar o olhar para dentro da escola

    verificando as formas particulares pelas quais os livros so apropriados nas

    atividades de planejamento e desenvolvimento do ensino, como elemento relevante

    da vida nas escolas.

    A definio de cultura escolar encontrada em Juli (1993) tambm aponta

    elementos interessantes ao investigador que se dedica ao estudo dos manuais

    didticos, especialmente quanto ao fato de explicitar que o professor que faz a

    mediao entre o conhecimento e os alunos e responsvel por aes especficas

    que estruturam o trabalho nas aulas. Referindo-se cultura escolar a autora afirma

    que ela :

    Um conjunto de normas que definem saberes a ensinar e condutas a incorporar e um conjunto de prticas que permitem a transmisso desses saberes e a incorporao desses comportamentos, normas e prticas ordenadas de acordo com finalidades que podem variar segundo as pocas (finalidades religiosas, sociopolticas ou simplesmente de socializao). Normas e prticas no podem ser analisadas sem que se leve em conta o corpo profissional dos agentes que so chamados a obedecer a essas normas e, portanto, a pr em ao dispositivos pedaggicos encarregados de facilitar sua aplicao, a saber, os professores. (JULI, 1993, p.15).

    Isto significa que os manuais didticos, compreendidos como elementos

    materiais da cultura escolar devem ser situados numa relao de tenso entre

    cultura escolar e cultura da escola, entre as normas e regulaes que definem a

    forma do trabalho escolar e os modos de agir dos docentes em sala de aula.

    Este um primeiro ponto a demarcar na conduo terica desta pesquisa,

    que estabelece um determinado escopo para as anlises feitas a partir do ponto de

    vista dos sujeitos, mas considerando-se sempre as determinaes das normas,

    regulaes e outras aes originadas fora da escola, mas profundamente atuantes

  • 20

    sobre suas prticas cotidianas. Na medida em que a cultura escolar imprime

    modelos de pensamento e ao no prprio livro didtico, na observao das

    situaes em que os professores usam esse material que se pode perceber se e

    como os professores criam suas formas de ao, de interveno e at mesmo de

    subverso ao prprio sistema.

    A importncia dessa compreenso do manual escolar como um elemento da

    cultura escolar enfatizada por Apple (2001) ao afirmar que ele chega at os

    professores como o resultado de um conjunto de processos e escolhas que nunca

    so neutras, na verdade so postas a partir de uma tradio seletiva, da seleo

    feita por algum, da viso que algum grupo tem do que seja o conhecimento

    legtimo. ( p.53). A partir dessa afirmao, o autor estabelece elementos para se

    discutir as relaes existentes entre Estado, professores, instituies de ensino e

    livros didticos, compreendendo os livros escolares como uma mercadoria, como um

    artefato que produzido, distribudo e consumido. Enfatiza que so os livros

    didticos que estabelecem grande parte das condies materiais para o ensino e a

    aprendizagem nas salas de aula de muitos pases e que so os textos destes livros

    que freqentemente definem qual a cultura legtima a ser transmitida .(1995, p.82).

    As questes que dizem respeito s relaes entre o livro didtico e o mercado

    portanto, do mbito da economia poltica do livro didtico - tambm esto

    presentes nas anlises de Bittencourt que aponta que os manuais escolares so

    antes de tudo, uma mercadoria, um produto do mundo da edio que obedece

    evoluo das tcnicas de fabricao e comercializao pertencentes lgica do

    mercado (1998, p.71).

    As relaes estabelecidas por Apple foram tomadas por Medeiros (2005) para

    investigar, na realidade brasileira as condies econmicas e sociais de produo

    de um determinado manual. Medeiros analisou a produo de um livro didtico de

    Histria para o Ensino Mdio, em uma das maiores empresas educacionais e do

    setor editorial no Brasil. Nessa investigao, o autor incluiu os pontos de vista do

    autor do material, de um professor que utilizou o livro em suas aulas e tambm dos

    alunos, buscando, portanto um dilogo com os atores participantes do processo de

    produo e de utilizao do material.

    So duas perspectivas que interessam a esta dissertao: de um lado, as

    questes sobre o livro didtico que precisam ser compreendidas na perspectiva da

  • 21

    cultura escolar e, portanto, entendidas nas relaes que dizem respeito a

    determinaes econmicas e educativas, acompanhando a posio de Apple (2001)

    quando situa este artefato como produto econmico e cultural. Nesse sentido, o

    livro carrega para dentro da escola um conjunto de escolhas, definies,

    conhecimentos, valores que so definidos nos embates sociais, em cada tempo.

    interessante ressaltar que a maioria dos docentes desconhece como ocorre

    o processo de produo e distribuio dos livros escolares e no compreendendo

    esta realidade os professores podem apresentar uma viso romantizada do

    material e trabalho desenvolvido pelo autor do livro, portanto, mantendo uma viso

    acrtica do mesmo. Uma dessas vises equivocadas a idia de que o autor o

    principal responsvel por toda a construo terica e metodolgica do manual,

    ignorando que o mesmo sofre a forte influncia das editoras e, portanto do mercado.

    A respeito dessa fora exercida pelo mercado sobre a produo de um

    material didtico, que nem sempre compreendida pelos professores, Medeiros

    (2006) explica resultados de sua investigao em uma situao especfica,

    destacando que Na entrevista com a Editora foi constatado que a determinao

    principal do livro didtico o cenrio de mercado. E ainda que na deciso entre

    contribuir para melhorar o nvel de conhecimento dos professores e garantir a venda

    de seu material, a empresa no tem nenhuma dvida em optar pela segunda

    opo. (p.76).

    De outro lado, acompanha-se a posio de Medeiros (2005) ao compreender

    o livro didtico como um elemento da cultura escolar, sujeito fora do mercado e

    responsvel muitas vezes pelos modos de agir e pensar dos professores, mas que

    ao ser utilizado e incorporado pelo professor em seu cotidiano de trabalho, torna-se

    tambm, em ltima instncia, parte da cultura da escola, determinado ainda pelas

    formas pelas quais se estrutura o trabalho, pelos currculos e, principalmente, pelos

    objetivos e finalidades da escolarizao no sistema educativo e em cada escola, em

    particular.

    Portanto, a perspectiva terica adotada nesta dissertao situa o livro didtico

    nesse espao de tenso entre a cultura escolar e a cultura da escola. Reconhecidas

    as determinaes econmicas e culturais, assume-se que ao incorporar o livro

    didtico em sala de aula o professor, em alguma medida, apropria-se deste objeto e,

    tomando-o para si, faz adaptaes, ajustes, escolhas, necessrias s suas

  • 22

    condies objetivas de trabalho em uma escola, aos seus mtodos e formas de

    organizar as aulas, bem como s turmas e aos grupos de alunos com os quais

    trabalha.

    Nesta perspectiva, interessa investigao aqui apresentada relatar modos

    de uso do manual didtico pelos professores, mas tambm buscar elementos que

    contribuam para explicar formas pelas quais acontece essa apropriao, em um

    caso especfico o uso de manuais utilizados para ensinar Histria, nas sries

    iniciais do ensino fundamental.

    Aqui se encaminha a questo para um segundo ponto de sustentao terica

    da dissertao. Mesmo que o autor do manual apresente explicitamente os

    contedos que ele considera relevantes e a metodologia que ele pensa ser a mais

    adequada ao desenvolvimento das unidades de ensino, o professor pode

    desenvolver suas aulas de maneira distinta da proposta elaborada, pois os docentes

    no olham para o manual da mesma forma que o autor olhou ao produzi-lo.

    Assim, retomando a idia destacada por Choppin, reafirma-se que o

    conhecimento escolar a ser ensinado nas aulas e aprendido pelos alunos resulta,

    em grande parte, da relao do professor com os livros didticos e, portanto, para

    compreender a apropriao que os professores fazem, no se pode deixar de

    considerar a relao entre conhecimento, docente e livro didtico o que significa o

    desenvolvimento de anlises didticas e epistemolgicas.

    Para isso, interessante recorrer aos estudos de Edwards (1997). Segundo a

    autora os contedos desenvolvidos pelo professor em sala de aula no so

    independentes das formas pelas quais eles so apresentados, pois os contedos se

    transformam na forma. Para ela, a forma tem significados que se agregam ao

    contedo transmitido, produzindo-se uma sntese, um novo contedo.(p. 69). A

    partir de investigaes realizadas em aula de diferentes disciplinas, numa

    abordagem etnogrfica, a autora identificou formas pelas quais os conhecimentos

    podem estar presentes nas salas de aula o que no significa uma identificao de

    tipologias de professor ou de mtodo de ensino.

    Trata-se, segundo Silva (2003), de uma expresso para descrever a

    existncia social e material do conhecimento na escola, considerando-se tanto a

    lgica do contedo os pressupostos epistemolgicos a partir dos quais o

    conhecimento foi formalizado quanto a lgica da interao o sentido que se

  • 23

    objetiva nos modos pelos quais professores e alunos se relacionam e participam das

    aulas.

    Portanto, ainda de acordo com Silva, os contedos que a escola transmite e

    os livros podem ser includos entre os elementos que contribuem com essa

    transmisso so afetados pelas formas que dizem respeito, entre outros elementos

    que esto presentes na atividade do ensino, a aspectos como a seqncia e a

    ordem dos contedos, o controle da transmisso, o tipo de resposta solicitada e

    apresentada, a posio fsica ao responder.

    Segundo Edwards (1997) as formas do conhecimento mais desenvolvidas nas

    aulas so:

    a) Conhecimento tpico: nesta forma os conhecimentos trazidos pelos estudantes,

    bem como a sua participao esto excludas, pois o contedo possui o status nele

    mesmo e considerado como inquestionvel. As respostas esperadas a

    questes apresentadas so nicas, textuais, uma vez que

    O conhecimento se apresenta como tendo um status em si mesmo e no como significante com referente; como tal, se apresenta fechado e delimitando todo o conhecimento sobre o tema. Alm disso, apresentado com um carter de verdade inquestionvel. transmitido tambm pela utilizao de uma linguagem cientfica, estranha aos alunos, com a particularidade de que se apresenta tambm como familiar, sem s-lo. (EDWARDS, 1997, p. 73-74).

    b) Conhecimento como operao: trata-se de uma forma que decorre do intuito de

    orientar o estudante para a aplicao de um conhecimento geral formulado a casos

    especficos, isto , com nfase na forma, na estrutura abstrata, independentemente

    do contedo. O conhecimento se apresenta como um conjunto de mecanismos e

    instrumentos que permitem pensar, dentro de um determinado sistema.

    c) Conhecimento situacional: O conhecimento entendido como significao e,

    portanto, est relacionado ao interesse em se conhecer, idia de que o

    entendimento possvel no e pelo conhecimento prvio do estudante. Nessa forma

    de conhecimento a resposta no ensino no nica, elaborada na interao com o

    mundo e com os outros e, portanto, compartilhada.

    Schmidt (2005) ao se apropriar dos conceitos de Edwards, para examinar o

    conhecimentos produzidos nas aulas de Histria, aponta que:

  • 24

    As formas ou mtodos utilizados pelos professores apresentam caractersticas e significados nos quais se agregam novos contedos aos j trabalhados, produzindo novas snteses, ou seja, um novo contedo. A seqncia adotada nas aulas, o controle da transmisso, a expectativa dos professores quanto as atitudes e respostas desejadas, a prpria situao do espao onde se realiza a aula so elementos que alteram e modificam os contedos. (p.2)

    Assim, pode-se dizer que os livros didticos se inserem nesse espao de

    produo das aulas como um elemento relevante para a definio dos

    conhecimentos a serem ensinados e aprendidos, no apenas por trazerem, em si

    mesmos, os contedos sob determinada forma, mas tambm porque os professores

    e alunos se apropriaro desse artefato, produzindo diferentes resultados do ponto de

    vista do conhecimento.

    Como afirma Schmidt (2005), Os alunos no precisam absorver tudo o que

    os manuais e os professores lhes apresentam ou dizem como historicamente

    significante, mas filtram informaes, adicionam ou modificam, reconstruindo suas

    estruturas de compreenso por meio dos seus valores, idias e disposies.(p.3)

    Essa idia do conhecimento produzido com a contribuio dos sujeitos que

    ensinam e aprendem traz novas possibilidades de interpretar o papel dos

    professores em relao aos livros didticos, no sentido de relativizar algumas idias

    j consolidadas. Apple aponta que Pouca coisa deixada para a deciso do (a)

    professor (a), na medida em que o Estado controla cada vez mais os tipos de

    conhecimento que devem ser ensinados, os resultados e os objetivos desse ensino

    e a maneira segundo a qual este deve ser conduzido. (p. 123).

    De fato, quando se transfere a questo para o sistema educativo brasileiro, no

    qual o primeiro nvel de seleo de livros feita por especialistas contratados pelo

    Ministrio da Educao, parece muito adequado endossar as palavras de Apple,

    reduzindo e minimizando a presena dos professores. No entanto, quando se

    considera o espao da sala de aula a partir de autores como Edwards, preciso

    rever o grau de interferncia exercida pelos professores na produo do

    conhecimento que efetivamente ensinado.

    esse, portanto, o segundo ponto que interessa destacar aqui, como base

    terica para anlises das relaes que os professores generalistas estabelecem com

    os livros didticos de Histria. No Brasil hoje, os livros so produzidos por

    especialistas, so avaliados por especialistas e, aps processos diferenciados de

  • 25

    escolha pelas escolas, so usados nas aulas das sries iniciais do ensino

    fundamental por professores que no tm, como exigncia, formao em Histria.

    Como esses professores se apropriam dos contedos e mtodos presentes nos

    manuais utilizados? O que privilegiam e com que inteno? Que tipo de seleo

    fazem, especialmente em relao aos conceitos que foram selecionados pelos

    autores como relevantes? Como o uso dos manuais afeta o conhecimento que

    ensinado e aprendido?

    Essas questes indicam pontos lacunares na investigao sobre o livro

    didtico que apenas recentemente passaram a ser objeto de pesquisas e que, por

    opo, foram privilegiadas nesta dissertao. Assume-se que no espao de tenso

    entre a cultura da escola e a cultura escolar que algumas respostas podero ser

    encontradas.

    Compreendendo que a cultura escolar dita normas e determinados modos de

    ao, sendo o manual escolar um dos elementos que contribuem para esta

    determinao, acredita-se que nas situaes de uso que se pode analisar se e

    como os docentes criam suas estratgias e modos de agir em relao ao manual, ou

    mesmo se ignoram sua presena dentro da escola. Mas, alm disso, entende-se que

    o estudo da relao dos professores com os manuais pode desvelar outros

    elementos que interessam Didtica Especfica das disciplinas escolares.

    Em particular, no caso da Histria, ao fazer uma anlise de manuais usados

    na formao de professores, Schmidt (2006) afirma que determinados objetos

    contribuem para materializar as disciplinas, entre eles o manual didtico. Trata-se de

    um tipo de objeto da cultura escolar, produzido fora da escola, mas destinado ao uso

    em sala de aula. (p. 1).

    Nessa direo, o manual didtico tambm aqui compreendido como

    elemento de um cdigo disciplinar, conceito construdo por Cuesta Fernandes (1998)

    para explicar a constituio da Histria como disciplina escolar. Para o autor, o

    manual pode ser compreendido como um elemento visvel deste cdigo, que se

    caracteriza como:

    Una tradicin social que se configura histricamente y que se compone de un conjunto de ideas, valores, suposiciones y rutinas, que legitiman la funcin educativa atribuida a la Historia y que regulan el orden de la prctica de su enseanza () las especulaciones y retricas discursivas sobre su valor educativo, los contenidos de su enseanza y los arquetipos de prctica

  • 26

    docente, que se suceden en el tiempo y que se consideran, dentro de la cultura dominante, valioso y legitimo.() lo que se dice acerca del valor educativo de la Historia, lo que se regula expresamente como conocimiento histrico y lo que realmente se ensea en el marco escolar. Discursos, regulaciones, prcticas y contextos escolares impregnan la accin institucionalizada de los sujetos profesionales (los profesores) y de los destinatarios sociales (los alumnos) que viven y reviven, en su accin cotidiana, los usos de educacin histrica de cada poca. Usos que, naturalmente, no son ajenos, todo lo contrario, a la lgica de produccin y distribucin del conocimiento. (1998, p.8).

    Portanto, os estudos sobre os manuais so importantes tambm porque

    podem mostrar elementos de como as disciplinas escolares vo sendo construdas e

    transformadas nos seus contedos e mtodos, e que dependem tambm das

    prticas que so produzidas pelos professores em suas aulas, inclusive pelo uso e

    pela apropriao que fazem dos manuais didticos.

    Na seo a seguir, sero destacados os trabalho que dizem respeito

    especialmente aos livros didticos de Histria, buscando-se apontar as contribuies

    j efetivadas na pesquisa sobre essa temtica e, ainda, definindo elementos que

    foram tomados como direcionadores da investigao aqui relatada sobre o uso dos

    livros didticos de Histria por professores generalistas, nas sries iniciais do ensino

    fundamental.

    1.3 SOBRE OS LIVROS DIDTICOS DE HISTRIA: INVESTIGAES E

    PERSPECTIVAS

    O ensino de Histria, a cada dia e de maneira especial a partir da ltima

    dcada do sculo XX, vem ganhando uma maior importncia e crescendo como

    rea de investigao. Resultados de investigaes que se preocupam com as

    questes sobre o ensino dessa disciplina so apresentados em diversos encontros

    especficos da rea, expressando no apenas a preocupao em disseminar a

    produo historiogrfica como tambm as experincias referentes ao ensino da

    Histria.

    O livro didtico, elemento presente no cotidiano de professores e alunos,

    tambm suscita a ateno de pesquisadores que se preocupam em investig-lo seja

    para analisar sua forma ou contedo, sua produo e circulao, a ideologia

  • 27

    presente em seu texto ou mesmo a utilizao deste por parte dos professores,

    sendo este ltimo foco ainda pouco presente na maioria das investigaes, da

    mesma forma que ocorre nos estudos sobre o uso dos manuais de outras disciplinas

    escolares.

    No que se refere ao uso dos manuais escolares acredita-se que entre as

    regulaes ditadas pela cultura escolar e a realidade construda cotidianamente na

    cultura da escola h muita coisa a ser pesquisada, para compreender um mundo

    ainda pouco explorado, no qual se encontram estratgias, escolhas, resistncias, e

    tambm aes criativas por parte do professor ao se relacionar com os livros.

    As pesquisas voltadas investigao dos livros didticos de Histria j tem

    algumas dcadas de existncia. Segundo Moreira e Silva (2006), em seu estudo

    avaliativo da produo de dissertaes e teses sobre o livro didtico de Histria,

    entre 1980 e 2005 foram localizadas 38 pesquisas sobre o tema, especialmente em

    Programas de Ps-graduao das Regies Sudeste e Sul9. Tambm destacam a

    pesquisa de Maria Laura Franco, na Pontifcia Universidade Catlica - SP como a

    primeira localizada (1981) e indicam que os primeiros registros na Universidade de

    So Paulo so da dcada de 1990, coincidindo com as pesquisas de Circe

    Bittencourt. Segundo as autoras, a maior concentrao de dissertaes e teses

    (52%) est entre 1992 e 2002.

    Para Villalta (1997), que investigou a produo existente at 1997 sobre o

    tema, a maioria dos estudos que envolvem a questo dos livros didticos de Histria

    se ocupava em analisar o seu contedo e isto, segundo ele, seria insuficiente para

    compreender a complexidade desse material. O mesmo autor constatou que at

    aquele momento apenas Bittencourt (1993) e Munakata (1997) apresentavam uma

    ampliao do campo terico sobre o livro didtico de Histria e que os mesmos

    influenciaram sobremaneira outros estudos, o que acabou por contribuir para a

    diversificao dos focos de pesquisa existentes atualmente. importante destacar

    que os trabalhos citados por Villalta inscrevem-se no campo da Histria da

    Educao.

    9 As autoras fazem referncia PUC-SP como a instituio que, dentro do perodo analisado, possui o maior nmero de obras sobre o livro didtico de Histria e abrange o maior tempo de produo sobre o tema o primeiro registro no perodo estudado em 1981, o ltimo em 2005. (MOREIRA e SILVA, 2006, p. 6)

  • 28

    Pesquisas desenvolvidas principalmente por estudantes de Mestrado e

    Doutorado da Universidade Federal do Paran vm se dedicando a investigar

    temticas envolvendo a questo dos livros didticos, desde o incio dos anos 2000.

    So trabalhos concludos e outros ainda em andamento, dentre os quais podem-se

    citar Silva (2003) que realizou pesquisa sobre o uso do livro didtico e as formas de

    conhecimento em aulas de Histria no ensino mdio; Medeiros (2005) que

    investigou a relao entre a conscincia histrica dos alunos e os manuais didticos;

    e Chaves (2006) que se dedicou a investigar a presena da msica caipira em livros

    didticos de Histria para quinta oitava sries, aprovados pelo PNLD, bem como a

    forma sugerida pelos autores para a utilizao das mesmas.

    Cabe especial destaque s pesquisas apresentadas recentemente em

    encontros especficos da rea de Histria, em particular o VI Encontro Nacional

    Perspectivas do Ensino de Histria em 2007 e o VIII Encontro Nacional dos

    Pesquisadores do Ensino de Histria) em 2008, uma vez que se pode observar, por

    meio dos trabalhos apresentados em Grupos de Trabalho, a presena de um

    nmero significativo de pesquisadores envolvidos com a temtica e, portanto, uma

    ampliao desse campo, tendo como foco a anlise dos livros e tambm o uso

    destes por professores e alunos.

    Tomando os prprios manuais como objeto, e, portanto acompanhando a

    tendncia predominante apontada por Choppin (2004), Reiris (2005) e Garcia

    (2007), podem ser citados os trabalhos de Silva (2008) que analisou a mo-de-obra

    indgena, negra e branca em seis livros didticos de Histria; Alberto (2008)

    investigou a censura de livros didticos de Histria na dcada de 1960; Boim (2008)

    investigou a Cultura Afro-Brasileira nos livros didticos brasileiros no Ensino

    Fundamental; Aguiar e Fonseca (2007) analisaram os currculos de Histria no

    Ensino Mdio, tendo como uma das fontes os livros didticos sugeridos nos

    programas da Secretaria da Educao do Estado da Bahia em 1990; e Gally (2007)

    investigou as estratgias textual-discursivas de construo de sentido nos livros

    didticos de Histria no Ensino Fundamental.

    No que se refere ao uso dos livros didticos podem ser citadas as

    investigaes de Carvalho e Fonseca (2007) tendo como foco as experincias de

    utilizao das imagens e a implementao das Diretrizes Curriculares Nacionais

    para a Educao das Relaes tnico-raciais e Cultura Afro-Brasileira e Africana

  • 29

    elaboradas pelo MEC. A investigao apresentada por Garcia (2007) tem como

    objetivo conhecer a forma pelas quais os professores tomam o livro didtico

    enquanto instrumento de trabalho. Moura, Oliveira e Souza (2007) tratam das

    representaes sobre o livro didtico de Histria por professores do Ensino

    Fundamental, tendo como foco a escolha e o uso desses manuais e Timb e Silveira

    (2007) buscando compreender o processo de escolha e uso dos livros didticos por

    professores no Cear.

    Outras temticas envolvendo os livros didticos tambm aparecem nas

    pesquisas apresentadas nesses encontros, como o estudo de Santiago e Dias

    analisando os livros destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental; e Carvalho

    e Santos (2008) que investigam como os professores se relacionam com o Guia do

    livro didtico do Mec no processo de escolha dos manuais.

    A investigao de Moura, Oliveira e Souza (2007) especialmente

    interessante para os objetivos desta dissertao, pois tem como foco a escolha e

    uso dos livros didticos de Histria de 5 a 8 sries, indagando os professores

    sobre a concepo terica adequada no livro didtico e como a temporalidade, as

    imagens e documentos devem ser abordados nesses manuais, buscando

    compreender se h um consenso entre os professores de como devem ser as

    configuraes de um bom manual. A pesquisa apontou que metade dos professores

    investigados (44%) acredita que a temporalidade deve ser trabalhada no livro

    didtico de maneira simultnea e integrada a vrios espaos e destes (37,5%)

    preocupam-se com o desenvolvimento de habilidades e conceitos e no com a

    memorizao de datas.

    Outra pesquisa que merece destaque a desenvolvida por Franco e Zamboni

    (2007), pois investigou como os professores que lecionavam em turmas de 3 srie

    do Ensino Fundamental usavam o livro didtico em sala de aula, buscando

    compreender como estes se apropriavam do saber histrico prescrito nos livros

    didticos, o que aceitavam usar, a que resistiam e tambm o que reempregavam ao

    tomar o manual como recurso na sala de aula.

    A referida investigao optou por uma pesquisa do tipo etnogrfico, pois desta

    forma, ao analisar diretamente o espao da sala de aula, foi possvel aos

    pesquisadores observar de modo mais aprofundado o processo de apropriao dos

    professores em relao aos livros de Histria distribudos pelo PNLD/2004. Nessa

  • 30

    investigao as autoras observaram, durante o ano letivo de 2005, as aulas de

    quatro professoras de 3 srie de quatro escolas estaduais de Uberlndia, Minas

    Gerais, que adotaram o livro Viver e Aprender Histria, de Elian Alabi Lucci e

    Anselmo Lzaro Branco (Editora Saraiva).

    A pesquisa desenvolvida pelas autoras apontou que as professoras

    colaboradoras na investigao ignoravam as atividades do livro que procuravam

    estimular o aluno a fazer sua interpretao a partir do que o texto transmitia. Ao

    invs disso, as docentes direcionavam uma leitura de reproduo e memorizao do

    que era lido, fazendo sua interpretao do texto para toda a turma, esperando que

    os alunos mostrassem a compreenso atravs de atividades de perguntas e

    respostas escritas. A leitura realizada era quase sempre mecnica e os alunos

    pareciam no compreender o que estava sendo dito. importante ressaltar que,

    segundo a pesquisa, uma das professoras entrevistadas procurava explicar os

    objetivos da leitura e fazer um roteiro de pontos para organizar as idias dos alunos

    antes da leitura.

    Em algumas ocasies as professoras relacionavam o contedo trazido no

    livro com a vivncia dos alunos, fazendo com que esta atividade ficasse ainda mais

    rica e interessante do que a forma proposta pelo autor, mas ainda assim, segundo

    anlises das autoras, no predominava a interpretao dos alunos em relao ao

    texto apresentado no livro.

    Em relao prtica dos professores das sries iniciais participantes da

    pesquisa, as autoras apontaram que:

    Acredito que isto ocorre por, pelo menos dois motivos: as professoras ainda entendem que o papel principal do ensino de 1 a 4 sries ensinar os alunos a ler, escrever e contar; e sua formao generalista faz com que no tenham grande domnio de como trabalhar com crianas, a formao do pensamento histrico. Heranas da poca em que eram alunas do ensino fundamental e do magistrio (anos 70 e 80) quando o ensino de Histria nem existia no currculo do primrio. (FRANCO e; ZAMBONI , 2007, p. 11)

    Essa investigao apontou, ainda, que o investimento feito todos os anos pelo

    PNLD procurando favorecer o mtodo dialgico no ensino de Histria no garantiu

    uma significativa transformao nas prticas dos professores, tanto pela conduo

  • 31

    das aulas, pautadas nas tradies de ensino, como por limitaes do prprio manual

    escolar em conduzir esse processo.

    Ainda em relao ao uso dos manuais didticos, outra pesquisa, realizada por

    Santos (2008), pode trazer importantes consideraes. A autora apresenta os

    resultados de uma investigao sobre o lugar do livro didtico no cotidiano de

    docentes do 3 e 4 ciclo do Ensino Fundamental de escolas pblicas de Aracaju,

    durante os anos de 2006 e 2007. A coleta dos dados foi feita utilizando a observao

    participante, e tambm por meio da aplicao de questionrios e entrevistas feitas

    com professores de vinte escolas.

    A autora aponta uma carncia em relao a estudos sobre o uso do livro

    didtico no universo escolar, motivo pelo qual foram estimuladas a se debruar

    sobre tal temtica, investigando a presena dos livros nas aulas em escolas de

    Aracaju. Neste estudo, os professores apontaram usar o livro diariamente. O uso

    combinado do livro didtico com outros materiais pedaggicos tambm se mostrou

    bastante presente na prtica dos professores.

    Quanto metodologia adotada, os professores afirmaram que usam o livro

    promovendo debates, pesquisas e projetos. Outros docentes afirmaram utilizar no

    trabalho a relao entre o conhecimento prvio dos alunos e contedo do livro. Os

    professores afirmaram no usar o livro didtico de forma integral, explicando que

    fazem uso de apenas algumas partes de acordo com a necessidade nas aulas,

    destacando principalmente o desenvolvimento dos exerccios para a fixao da

    temtica dada, ou como tarefa para o aluno realizar em casa. Ainda, afirmaram

    considerar importante o uso do manual escolar por ser este muitas vezes o nico

    recurso ao qual a criana tem acesso.

    Segundo a autora, a pesquisa desenvolvida demonstrou que o livro didtico

    ocupa importante papel no cotidiano dos professores e que, embora o uso seja feito

    de maneiras diversas (tarefa de casa, fixao de exerccios, leitura), esse recurso

    est sempre presente em sala de aula.

    As duas pesquisas aqui apresentadas com maior detalhamento convergem no

    sentido de identificar elementos que explicitam a ao dos professores sobre os

    livros, nos processos de apropriao que fazem do recurso para a produo de suas

    aulas, perspectiva que interessa dissertao. No contexto daquelas pesquisas, as

    professoras no so sujeitos passivos diante do que os livros propem, em relao

  • 32

    estreita com o que o PNLD sugere para o caso da Histria, ressignificando os

    conhecimentos luz de suas experincias. Como conseqncia, p