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( * ) Luiz Roberto Carnier Parece incrível porém 20 anos se passaram desde a primeira vez em que participei de um projeto de Planejamento Estratégico. Na ocasião ocupava um cargo executivo em uma multinacional, e poucos anos depois passei para o outro lado da mesa como consultor no desenvolvimento e implementação de inúmeros projetos semelhantes . Daria para escrever um livro sobre o assunto, não exatamente sobre como desenvolver um Planejamento Estratégico, pois há uma série expressiva de publicações a respeito mas para registrar as aspirações, propostas e visões daqueles profissionais em relação as empresas, concorrentes e principalmente sobre o futuro projetado por centenas de dirigentes e executivos, integrantes desses projetos. Ao ler esta introdução você poderá supor que após todo este tempo fazendo o mesmo exercício eu estaria caindo na tentação da acomodação pela própria tendência da rotina, mas posso assegurar que a prática e experiência nesta área representam uma lição altamente importante de como não se acomodar, pois se há uma atividade em que não há tédio ou monotonia é o desenvolvimento de um Planejamento Estratégico. O Planejamento Estratégico na essência, é um exercício de projetar o futuro de uma empresa, o futuro do investimento dos acionistas, enfim o futuro de todos aqueles que estão envolvidos e comprometidos com o negócio em análise . É fascinante participar como facilitador em um trabalho de Planejamento Estratégico, e testemunhar as reações dos integrantes deste que é o evento de maior envolvimento coletivo em uma empresa, marcado muitas vezes por paixões, emoções, choque de opiniões e não raro diversas discordâncias que se não bem monitoradas podem levar a situações complicadas . È portanto um momento em que afloram diversos sentimentos demonstrando que por mais cartesiano que seja o formato de um Planejamento Estratégico prevalecerá sempre o lado emocional, o que é altamente positivo se devidamente dirigido a produzir resultados lúcidos e realistas . A forma de Planejamento Estratégico que conheci vinte e poucos anos atrás, guarda pouca relação com o que pratico hoje junto aos meus clientes. O mundo é outro, as empresas mudaram o modo de enxergar o próprio negócio, as pessoas são vistas de uma outra maneira, seja no papel de colaborador ou como de cliente da empresa . O fato é que a tecnologia aproximou as pessoas tanto na relação empresa – mercado, como na relação “ one-to-one” . O mundo hoje é muito mais relacional do que transacional, o que obriga a comunicarmos e interagirmos prevalecendo “o aqui e agora” em termos de decisão, mas visando “o todo sempre” ou o “quem sabe, amanhã talvez” . Eu me lembro da “velocidade“ que o telex impôs á gestão de negócios na década de 80 . Em segundos podíamos passar uma informação, mas talvez até pela cadência dos negócios na época as respostas do que solicitávamos não retornavam de forma imediata e todos achavam normal levar algumas horas ou dias para se obter uma resposta . Hoje o mundo é mais interativo e as reações são em tempo real, o que coloca a “velocidade do telex” como sinônimo de lentidão . Estamos em um mundo multicolorido predominado pela Internet e pela linguagem visual onde a interação relacional realiza-se muito mais através de imagens do que a

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( * ) Luiz Roberto Carnier

Parece incrível porém 20 anos se passaram desde a primeira vez em que participei de um projeto de Planejamento Estratégico. Na ocasião ocupava um cargo executivo em uma multinacional, e poucos anos depois passei para o outro lado da mesa como consultor no desenvolvimento e implementação de inúmeros projetos semelhantes .

Daria para escrever um livro sobre o assunto, não exatamente sobre como desenvolver um Planejamento Estratégico, pois há uma série expressiva de publicações a respeito mas para registrar as aspirações, propostas e visões daqueles profissionais em relação as empresas, concorrentes e principalmente sobre o futuro projetado por centenas de dirigentes e executivos, integrantes desses projetos.

Ao ler esta introdução você poderá supor que após todo este tempo fazendo o mesmo exercício eu estaria caindo na tentação da acomodação pela própria tendência da rotina, mas posso assegurar que a prática e experiência nesta área representam uma lição altamente importante de como não se acomodar, pois se há uma atividade em que não há tédio ou monotonia é o desenvolvimento de um Planejamento Estratégico.

O Planejamento Estratégico na essência, é um exercício de projetar o futuro de uma empresa, o futuro do investimento dos acionistas, enfim o futuro de todos aqueles que estão envolvidos e comprometidos com o negócio em análise .

É fascinante participar como facilitador em um trabalho de Planejamento Estratégico, e testemunhar as reações dos integrantes deste que é o evento de maior envolvimento coletivo em uma empresa, marcado muitas vezes por paixões, emoções, choque de opiniões e não raro diversas discordâncias que se não bem monitoradas podem levar a situações complicadas .

È portanto um momento em que afloram diversos sentimentos demonstrando que por mais cartesiano que seja o formato de um Planejamento Estratégico prevalecerá sempre o lado emocional, o que é altamente positivo se devidamente dirigido a produzir resultados lúcidos e realistas .

A forma de Planejamento Estratégico que conheci vinte e poucos anos atrás, guarda pouca relação com o que pratico hoje junto aos meus clientes. O mundo é outro, as empresas mudaram o modo de enxergar o próprio negócio, as pessoas são vistas de uma outra maneira, seja no papel de colaborador ou como de cliente da empresa .

O fato é que a tecnologia aproximou as pessoas tanto na relação empresa – mercado, como na relação “ one-to-one” .

O mundo hoje é muito mais relacional do que transacional, o que obriga a comunicarmos e interagirmos prevalecendo “o aqui e agora” em termos de decisão, mas visando “o todo sempre” ou o “quem sabe, amanhã talvez” .

Eu me lembro da “velocidade“ que o telex impôs á gestão de negócios na década de 80 . Em segundos podíamos passar uma informação, mas talvez até pela cadência dos negócios na época as respostas do que solicitávamos não retornavam de forma imediata e todos achavam normal levar algumas horas ou dias para se obter uma resposta . Hoje o mundo é mais interativo e as reações são em tempo real, o que coloca a “velocidade do telex” como sinônimo de lentidão .

Estamos em um mundo multicolorido predominado pela Internet e pela linguagem visual onde a interação relacional realiza-se muito mais através de imagens do que a simples palavra expressa pelo telex, ou outros referenciais de uma realidade “ em branco e preto ”, cartesiana e determinista que moldava e ditava o conceito do Planejamento Estratégico praticado até então .

Não é por mera casualidade que as mulheres passaram a ter maior destaque dentro das empresas e nas posições de direção. Elas conseguem naturalmente pensar e agir com muito mais habilidade em um mundo marcado por esta nova realidade multifacetada de analisar, avaliar e tomar decisões muitas vezes baseadas exclusivamente na observação , no subjetivo ou na intuição já que não há bases para tomada de decisões inspiradas em certezas absolutas .

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Estamos falando da migração do Planejamento Estratégico para o Pensamento Estratégico pois o mundo claro, preciso e lógico do passado deu lugar ao mercado formado pelo cenário caótico da globalização, da velocidade das mudanças e de inovações, onde o absurdo passa a ser algo que nunca foi feito, até o momento em que aconteça .

Todos os dias testemunhamos diversos absurdos tornarem-se realidade. Alguns exemplos podem ser citados nas mais diversas áreas como: o 11 de setembro em Nova Iorque; a possibilidade de um clone humano ; o surgimento de uma liderança de faturamento em vendas de uma empresa de varejo como a Wal-Mart quando a “lógica” sempre foi de que a força da economia estivesse no setor produtivo, na indústria, dentre outros acontecimentos até então considerados pouco prováveis, onde o termo “probabilidade” era usado para explicar e justificar as decisões tomadas em um Planejamento Estratégico .

O Planejamento Estratégico sempre foi desenvolvido com base em fatos concretos, em análises de cenários com forte ênfase na avaliação de antecedentes históricos, ou naquilo que chamamos de “prever o futuro analisando o passado”,dentro portanto de um conceito linear e mecanicista de previsões .

Em um cenário totalmente imprevisível é necessário considerar “o que vemos e o que não conseguimos enxergar”. Em ambientes complexos é necessário perceber o contexto da situação e ao mesmo tempo o contexto do individual, da unidade e sua interação com o todo, como um caleidoscópio de multifacetas e de diversos arranjos, todos eles imprevisíveis .

No passado com cenários “mais ou menos estáveis” as empresas eram vistas como sistemas auto-reguláveis, igual a um motor por exemplo, que mediante ajustes e correções periódicas ou introduzindo-se as chamadas ferramentas de mudança, os “ treinamentos” episódicos , resolvia-se o problema de rota e direção .

Se as empresas fossem sistemas auto-reguláveis as ferramentas de mudança não proliferariam tanto e não sairiam tão facilmente de moda. Tal acontece porque elas atuam na superfície. Tratam os sintomas, não a doença.

No contexto atual as empresas são efetivamente componentes de um processo complexo e sistêmico interagindo com mercados que se comportam de maneira randômica, nunca de forma linear ou previsível.

É fundamental não confundir complexidade com complicação. Complicação significa prolixidade, desorganização, falta de entendimento.

Complexidade quer dizer diversidade, conviver com o imprevisível, com mudanças constantes e com conflitos - e ter de lidar com tudo isso mobilizando potenciais criadores e transformadores, o que nos leva a concluir que é inútil querer adotar soluções simples para sistemas complexos e que é pouco prudente adotar soluções descontínuas (as supostamente radicais ferramentas de mudança),diante de processos contínuos e imprevisíveis (os modismos passam, mas a realidade do mercado continua).

Hoje portanto o Planejamento Estratégico “per si” não levará a empresa a um destino feliz. È importante o internalização do Pensamento Estratégico pois enquanto o Planejamento é um processo de análise, a Estratégia é um processo de criatividade com base em soluções inovadoras onde entra o componente Pensamento Estratégico.

Pensar estrategicamente é enxergar a realidade por todos os ângulos possíveis, buscando soluções cada vez mais de tom inovador e que coloquem a empresa em uma posição de competitividade sustentável .

Em minhas palestras sobre o tema sempre comento que Competitividade : é saber fazer algo que só você saiba fazer e que represente valor a um grupo expressivo de consumidores. Por outro lado a Estratégia necessária à geração da Competitividade deverá ser original, distintiva e dificilmente copiável pela concorrência, e portanto concebida a partir de muita originalidade.

Como fomos educados a pensar de forma racional percebo que muitos executivos tem ainda a falsa impressão de que quanto maior for o número de controles e fontes de consulta utilizados, melhor será o trabalho do Planejamento e melhor serão as Estratégias, daí o fracasso do Planejamento pois tudo é definido baseado em dados estatísticos, relatórios financeiros e

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“previsões confiáveis”. Este “engessamento” não dá espaço à criatividade , à intuição e não há abertura ao debate.

Para um bom Planejamento o importante é a qualidade das informações e não a ênfase na quantidade. Por outro lado somente com uma Estratégia baseada no Pensamento Estratégico é que as empresas poderão produzir resultados eficazes .

Procure analisar as empresas vencedoras que você conhece e perceberá que todas apresentam Estratégias originais, distintivas e que seguramente foram geradas a partir dos fundamentos que aqui estamos discorrendo

Quando os relógios japoneses invadiram o mercado dominado pelos relojoeiros suíços, de nada adiantou aumentar a precisão dos relógios suíços. Quando a Pepsi aumentou seu market-share de nada adiantou lançar a New Coke com um melhor sabor que a Coca Tradicional.

Como o que interessa é o exemplo e não a veracidade do fato, temos a narrativa de que na segunda guerra mundial os aviões ingleses que retornavam avariados da batalha traziam diversos furos das balas inimigas sempre nas mesmas partes da fuselagem e obviamente eram rapidamente reparadas. Entretanto o número de aviões abatidos era crescente e os que retornavam continuavam a apresentar furos nos mesmos lugares .

Como ninguém poderia examinar os aviões derrubados nunca saberiam o que teria causado a queda, até que alguém teve um “insight” e resolveu reforçar a fuselagem dos aviões nas partes não afetadas ao invés do processo tradicional de reparo . A partir daquele dia em diante o número de aviões abatidos diminuiu drasticamente .

Em um caso mais recente ocorrido em um de meus clientes, percebemos que a empresa inspecionava peça por peça para “ cumprir a norma ISO 9000” - segundo alegação que nos foi dada - pois haviam assumido o compromisso de controle na base de defeito zero na produção. Era muito trabalho envolvendo muito tempo e mão de obra .

Ao estudar o problema percebemos que não havia registro de nenhuma rejeição na inspeção nos últimos 8 meses ao mesmo tempo em que nenhum cliente havia reclamado de defeitos.

Imediatamente eliminamos a árdua e custosa tarefa de inspeção em 100 % das peças e criamos um caderno com uma etiqueta onde se podia ler : RELATÓRIO DE PEÇAS DEFEITUOSAS e que obviamente não continha nenhuma anotação. O fato é que a norma ISO não obriga a inspeção 100 %, ela apenas orienta nesta situação, a criação de controles de defeitos, e assim o caderno passou a ser o registro do controle .

Pensar estrategicamente é enxergar o invisìvel. Para tanto é necessário conhecimento de causa , forte poder de observação e curiosidade constante. O Pensamento Estratégico não ocorre apenas por vontade, desejo ou necessidade. Pensar estrategicamente demanda muita prática, disciplina e metodologia.

Enquanto o Planejamento Estratégico é formulado e revisado periodicamente, o Pensamento Estratégico deve ser praticado e exercitado todos os dias e por todos na organização, seja na definição das estratégias corporativas, na reformulação de processos, na forma de atendimento de clientes ou ainda no desenvolvimento de produtos e serviços, por exemplo.

Assim agindo a empresa sempre terá um Planejamento Estratégico afinado com os altos e baixos de um mercado cada vez mais competitivo .

Conclusivamente podemos resumir nossas observações sobre como desenvolver o Planejamento Estratégico através do Pensamento Estratégico em 10 princípios básicos :

1- Defina claramente a Visão , Missão , Objetivos , Crenças e Valores Poucas empresas dão valor a estas definições, utilizando-as meramente como “efeitos cosméticos”. Em primeiro ligar elas precisam ser verdadeiras,realistas e praticáveis. Em segundo lugar só contrate pessoas que possuam o perfil alinhado a essas definições.

2- Avalie suas chances de Sucesso em função dos Objetivos Corporativos Se as premissas do item 1 forem realistas o próximo passo será a avaliação do Posicionamento Competitivo. Há empresas que subestimam as forças dos concorrentes e minimizam as ameaças

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do mercado. Como dissemos Competitividade é saber fazer alguma coisa que só você saiba fazer e que represente valor a um grupo expressivo de clientes.

3- Pratique o Pensamento Estratégico na Avaliação das EstratégiasSe todos na empresa estão afinados principalmente com os Objetivos e Crenças e Valores, teremos um grupo de pessoas sintonizadas na mesma freqüência em busca de soluções inovadoras e que poderão representar a diferença que faz a diferença . Convide seus principais fornecedores, distribuidores e principais clientes a participar destes exercícios. O resultado será surpreendente.

4- Permita que as pessoas expressem livremente suas opiniões e percepções Lembre-se que a solução de um problema complexo jamais será encontrada no mesmo nível de consciência que o criou, e aqui estamos tratando de complexidade “ stritu censo” , portanto nada é absurdo neste exercício . Se há conhecimento de causa, alto poder de observação, curiosidade constante , é lícito que as pessoas se sintam à vontade para expressar suas opiniões e visões sobre os fatos .

5- Obtenha o Compromisso Coletivo com o Resultado Estamos tratando do futuro da empresa e do futuro de todos. È necessário portanto haver o senso de comprometimento coletivo com os resultados. Se positivos, todos participam das glórias e benefícios, se negativos todos arcam com o ônus. Ninguém acreditará em retóricas ou teorias de mudanças se não houver comprometimento para valer .

6- Identifique e Incentive as Lideranças Se ai déia é a migração para o Pensamento o Estratégico, será natural que neste exercício se despontem as lideranças dentro dos grupos. Lembre-se que ambientes de alta turbulência exigem Estratégias inovadoras e que implicarão muitas vezes em mudanças expressivas. Só os verdadeiros líderes é que poderão conduzir a empresa aos novos caminhos.

7- Elimine o excesso de Peso e feche o Foco na sua Estratégia Há uma regra básica em gestão indicando que para ganhar é preciso deixar para trás tudo aquilo que não está relacionado com a Estratégia. Na medida em que as mudanças exigirem novas posturas estratégicas você terá que rever processos, rever a estrutura organizacional e principalmente ter pessoas realmente alinhadas ás novas competências requeridas pela Estratégia. Tudo mais é dispensável e deve ser eliminado .

8- Ponha imediatamente em prática sua Estratégia Não se apresse em decidir se não estiver convencido de que sua empresa tenha chegado a melhor Estratégia possível . Estude com cuidado todas as variáveis em jogo, tanto visíveis como as não visíveis. Entretanto em um cenário de mudanças constantes é necessário colocar as Estratégias em prática tão logo estejam claramente definidas. O “timing” em Planejamento Estratégico é fundamental.

9- Crie medidores de desempenho Tudo aquilo que não conseguimos medir, não conseguiremos controlar. Portanto você vai precisar de medidores muito precisos e eficazes, até para que haja um certo “descontrole administrável” , pois em um cenário caótico se você tiver controle total da situação “ é sinal que você não estará andando suficientemente rápido” .

10 -Prepare-se para mudar tudo no dia seguinte Se o mercado é dinâmico e mutável você precisará estar pronto para alterar tudo novamente em função da mudanças de cenário, padrões de reação dos concorrentes e principalmente em função de seus próprios erros que com certeza acontecerão .

(*) Luiz Roberto Carnier- Palestrante internacional. Coordenador acadêmico e professor na EAESP da FGV-São Paulo