Lugar de mulher

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LUGAR DE MULHER A maternidade como destino. Relato sobre um grupo de gestantes. Cândida Maria Ferreira da Silva*

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LUGAR DE MULHER A maternidade como destino.

Relato sobre um grupo de gestantes.

Cândida Maria Ferreira da Silva*

Introdução

O Serviço Social iniciou trabalho no Cras Jardim Nova Era, em Nova Iguaçu na segunda semana de Dezembro de 2012, após as formalidades de nomeação e posse. Logo que chegamos ao local de trabalho e começamos a conhecer a realidade local notamos um grande número de adolescentes e jovens grávidas que buscavam inclusão no Programa Bolsa Família.Outra observação foi a de um significativo numero de mulheres com um grande numero de filhos, ainda na faixa de 25, 26, 27 anos. Ou seja, a primeira gravidez muitas vezes havia ocorrido aos 16, 17 anos, mostrando uma tendência muito peculiar no território.

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Em Fevereiro fizemos nossa primeira reunião sócio-educativa, onde procuramos sondar as expectativas de temas para palestras e projetos que os usuários gostariam de verem implementados.Nessa oportunidade pudemos perguntar sobre nossa observação, ou seja, a gravidez precoce no território e o grande número de filhos, após alguns risos o grupo confirmou que sim, a cultura local tinha como cotidiano a gravidez precoce e cada vez mais precoce.Os equipamentos públicos, ONGs, Associação de Moradores, já haviam investido bastante em palestras

sobre contracepção e distribuição de camisinha, além dos equipamentos de saúde do território dispor de anticoncepcionais.Então, o que estava acontecendo? A informação sobre contracepção estava disponível fartamente pelo território, além da distribuição de camisinhas e pílulas contraceptivas, o que faltava para essa conscientização do planejamento familiar? Era o Programa Bolsa Família que estimulava um grande numero de filhos para que os ganhos fossem maiores? Era irresponsabilidade pessoal, moral, falta de perspectivas?Fabrine, 2013, em seu relatório-diagnostico para Visão Mundial assim esclarece: “O resultado disso pode ser observado através do baixo nível de escolaridade, jovens envolvidos com trafico, adolescentes grávidas. O percentual de mulheres até os 20 anos de idade que tiveram filhos em 2009 chegou a 20,2% em Nova Iguaçu, conforme fonte do portal ODM.”

Nossa hipótese era a falta de consciência de si mesma como ser autônomo, controladores do seu destino, seus corpos, e dos seus projetos pessoais de vida.E foi com essa hipótese inicial que procuramos elaborar o projeto de Grupo de Gestantes com objetivo de informar e principalmente conscientizar essas jovens de quem elas eram e seu lugar do mundo.

“Um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a parti de demandas emergentes do cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo.” (Iamamoto, 1998)

Mas, o decorrer do projeto trouxe revelações surpreendentes de entendimento das mulheres que compunham o grupo e da “sociedade” que ali representavam.

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A questão de gênero logo se evidenciou, havia um consenso sobre a “destinação” feminina à gravidez. Em uma de nossas conversas Aline, participante do grupo de gestantes, assim definiu quando perguntada se entendia como um “destino” a gravidez: Sim, para que nascemos?”Sarti, 2003, em seu livro A Família como espelho – estudo da moral dos pobres trabalha a divisão dos papeis sociais em classes populares.A autora encontra papéis bem definidos de homem e mulher. O homem “provedor” da casa através do trabalho “duro”, da disposição ao trabalho, o pai de família e o casamento como alcance de respeitabilidade ao formar família.Da mulher se espera que seja boa mãe, ajudadora nas despesas da família, não tendo o trabalho e a função provedora como principal. Se o homem é o chefe da família, a mulher é o chefe da casa:

“Essa divisão complementar permite, então, a realização das diferentes funções da autoridade na família. O homem corporifica a idéia de autoridade, como mediação da família com o mundo externo. Ele é a autoridade moral, responsável pela respeitabilidade familiar. Sua presença faz da família uma entidade moral positiva, na medida em que ele garante respeito. Ele, portanto, responde pela família. Cabe a mulher outra importante dimensão da autoridade, manter a unidade do grupo. Ela cuida de todos e zela para que tudo esteja em seu lugar. É a patroa (...). A autoridade feminina vincula-se à valorização da mãe, num universo simbólico em que a maternidade faz da mulher, tornando-a reconhecida como tal, senão ela será uma potencialidade, algo que não se completou.” (2003: 64)

Nessa divisão tradicional dos papeis de gênero é ainda sobre a mulher que recai “os cuidados” em relação à contracepção. A pesquisa do Serviço Social assinalou que todas as participantes do grupo conheciam os métodos contraceptivos e todas faziam uso de pílula e por “falha” da pílula a gravidez ocorreu, questionadas sobre o uso de camisinha foram unânimes a dizer que “os maridos não gostam de usar”, “que homem não ta nem aí, quando ele quer, ele quer”.Havia uma dimensão “apaixonada” em relação à gestação. Questionadas sobre o que pensavam como projeto para os filhos, apenas duas se preocupavam com estudos e “dar um bom encaminhamento, porque o mundo esta difícil”. As demais, seis ao todo, tinham projetos generalistas de que “fossem felizes”. Quanto à cor das mulheres elas ficaram assim divididas.

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O Serviço Social trabalhou numa postura reflexiva, com perguntas, que pudessem fazer o grupo questionar e refletir sobre sua vida pessoal e seu lugar no mundo. Assim, quando perguntadas sobre projetos pessoais apenas duas tinham definidamente um projeto de estudo e trabalho, as demais, novamente não tinham idéia do seu próprio futuro, e se saíram com objetivos generalistas sobre trabalhar para ajudar a família.O Serviço Social propôs como intervenção reflexiva-pedagogica, crendo que a reflexão dos conteúdos vividos iriam redundar em fundamentos para transformações posteriores assim tivemos quatro encontros reflexivos, o primeiro onde as gestantes foram recebidas, na segunda onde foram levadas a refletir sobre seu futuro e de seus bebes, a terceira onde trabalhamos o processo de reflexão sobre sua vida existência em sociedade, maternidade, ser mulher e projetos futuros e a ultima quando puderam avaliar o projeto e sugerir novas ações.

“É importante que se defina a natureza da capacidade humana de aprender, isto é, o poder de reter de sua experiência, algo que poderá ser utilizado para transformar uma experiência futura”. (Jovchelovitch, 1989)

O “lugar de mulher” ficou claro na dinâmica que fizemos com perguntas-reflexivas sobre elas mesmas. A pergunta foi o que era ser mulher, a participante Maria Helena assim definiu “mulher tem que se cuidar, porque ela cuida de tudo. Do filho, do marido, da casa. Homem só tem obrigação de trabalhar fora, a mulher sustenta a família”. As demais presentes concordaram e Andressa completou com o raciocínio que a mulher deve gostar de si mesma, se cuidar e “fazer pelo marido”, ter suas obrigações de mãe e esposa. Ainda ressaltou que a mulher ajuda no sustento da casa, mas, “a obrigação é do marido”. Kelly acrescentou que a mulher é “a coluna” da casa, mas, trouxe pela primeira vez a divisão das tarefas domesticas.Quase todas as participantes eram ou já foram membros ou são freqüentadoras de igrejas evangélicas, que no território tem presença marcante. Assim assinala Frabrine: “Na região existem muitas igrejas, na maioria evangélicas onde muitas pessoas que freqüentam não são membros assíduos, porem participam das atividades, como cultos, escolas bíblicas e grupos de oração.” (Frabrine: 20, 2013)A partir de dados do IBGE Frabrine mostra que 37% da população de Nova Iguaçu são evangélicos, contra 33% de católicos, 27% de espíritas, 3% de outras religiões ou não declaradas.A influencia evangélica sobre a submissão feminina é muito forte, principalmente, devido ao numero considerável de igrejas de contorno fundamentalista como as pentecostais e neopentecostais.Esse lugar de mulher, principalmente dito pela “religião”, transformado em dogma de vida, sendo a sua não observância “pecado” ou causador de “derrota no casamento”, faz com que o assunto não seja por vezes pensado, nem discutido e muito menos pretendido ser diferentes.Andressa encerrou essa sessão de reflexão dizendo que estava fazendo um curso na igreja chamado Mulher Única, e o tema era como ser submissa ao marido.Ora, se a mulher nasceu para cuidar da casa, filho e marido, ou seja, esposa e mãe a maternidade é um destino inexorável, sem probabilidade de escolha, uma determinação divina. Do grupo de dez mulheres pelo menos oito entenderam sua gravidez como “determinação divina”, “porque estavam tomando a pílula e mesmo assim engravidaram”. Andressa chegou mesmo a afirmar em uma reunião que “o pastor da minha igreja profetizou que Deus

estava enviando profetas e profetizas para esse lugar (Nova Era), uma nova geração. Depois de mim, mais dez “garotas” estão grávidas”.

Essa concepção conservadora do papel feminino por construção social do papel do gênero e pela influência religiosa é muito

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forte dentro do território. A necessidade financeira, que leva a mulher ao trabalho ou o suporte do Bolsa Família que tem como um dos objetivos o empoderamento feminino não conseguiu transformar essas visões tradicionais de Mulher X Homem, encontradas entre as jovens mães e também nas outras mulheres que são usuárias do CRAS e inseridas no PAIF.É também essa concepção de lugar de mulher que leva a violência de gênero, mesmo quando são as beneficiárias do Bolsa, os maridos não contribuem com o sustento da família, muitas vezes submetem-se a eles devido a moradia lhes pertencer, por doutrinação religiosa, por não ter para onde ir com tantos filhos, pela falta de apoio da família. Família esta em que se origina sua trajetória de violência, a construção do seu “papel feminino” e a “destinação maternal”

Maternidade Sagrada – Uma construção Social

Hoje maternidade se reveste de um manto sagrado, muito se deve a Igreja Católica e sua criação da imagem santa e pura de Maria, como mãe de Deus, mãe sofredora e mãe intercessora. Mas, nem sempre foi assim. Até a metade final do século XVIII e inicio do século XIX amor materno não era nem santo, nem sofredor... Muito pelo contrario. Os séculos anteriores testemunharam mães que enviavam seus filhos para amas logo que nasciam para ser amamentada, a criança, quando voltava, já estava grande de forma que não fosse objeto de muitos cuidados.As mulheres da aristocracia não podiam se dar o “luxo de cuidar de filhos” e deixar sua vida social intensa na corte de lado. A mulher camponesa precisava trabalhar no campo e não podia se dar o luxo de ficar em casa a cuidar de crianças ou tinha que receber outras crianças para amamentar deixando o próprio filho de lado.

“Mas é no século XVIII que o envio das crianças para a casa de amas se estende por todas as camadas da sociedade urbana. Dos mais pobres aos mais ricos, nas pequenas ou grandes cidades, a entrega dos filhos aos exclusivos cuidados de uma ama é um fenômeno generalizado.” (Banditer: 67, 1985).

O nível de mortalidade infantil era altíssimo, principalmente pela negligencia, doenças da infância, outro motivo pelo qual o apego as crianças era muito pequeno visto morrerem com muita facilidade.As mulheres da burguesia ascendente precisavam trabalhar junto com o marido em seus comércios e também faziam uso de amas. Poucos eram os que faziam o uso de amas em domicilio, pois era preferível que a criança fosse enviada para fora de casa. Também os maridos não suportavam “choros de crianças”.Somente ao final do século XVIII e XIX com o trabalho dos pensadores como Locke, Rousseau, entre outros é que o apelo aos cuidados para com os filhos, a condenação das amas mercenárias, a exaltação do lugar da mulher como “rainha do lar”, “dona da casa”, “educadora da nação”, vão levar primeiro as recém ascendidas socialmente mulheres da burguesia a abraçar sua vocação feminina: ser mãe e esposa. Sendo lentamente seguidas pelas falidas aristocratas e por fim pelas trabalhadoras. Lemos, citando Giddens, 1993:

“a invenção da maternidade” faz parte de um conjunto de influencias que afetaram as mulheres a partir do final do século XVIII: o surgimento da idéia de amor romântico; a criação do lar, a modificação das relações entre pais e filhos. O autor assinala que no final do século XIX houve “um declínio do poder patriarcal” com o “maior controle das mulheres sobre a criação dos filhos” referindo-se a um

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deslocamento da “autoridade patriarcal para afeição maternal”. Ele destaca como novo, neste período a forte associação maternidade com feminilidade.”

E ainda, “ser mãe seria pertencer a uma classe especial, ocupar um determinado espaço de poder, ter uma posição de aparente prestigio dentro da sociedade.” (Lemos: 87, 2006)

Não apenas os pensadores da época vão construir esse “lugar de mulher”, a igreja católica principalmente com Santo Agostinho vão criar a polarização entre Eva e Maria. Ou seja, a mulher como mal absoluto e a mulher como santidade absoluta.

“A doutrina do pecado original e da graça foi elaborada por Santo Agostinho nas primeiras décadas dos séculos V. segundo a referida doutrina, embora Eva não seja responsável pela Queda, continua sendo a tentação ou veículo do pecado. (Lemos: 97: 2006)

A maternidade não é tão somente uma vocação social da mulher, seu lugar na maquinaria social, mas, é também sua vocação divina, inspirada em Maria, feita Santa, mãe de Deus, sofredora e desde que santa: mãe de todos os homens. Maria é o símbolo do acolhimento, perdão, intercessão, sacrifício, da santidade obtida através da maternidade.

“Eva cede lugar, docemente, a Maria. A curiosa, a ambiciosa, a audaciosa metamorfoseia numa criatura modesta e ponderada, cujas ambições não ultrapassam os limites do lar. (Banditer: 176, 1985)

E ainda, Murad, citado por Lemos “porque se reverencia Cristo como Senhor no mistério da criação, redenção e recapitulação, considera-se Maria, a mãe de Cristo Nosso Deus, como também a mãe universal de toda humanidade, doadora de vida para toda criação. (Lemos: 93, 2006).

Desta feita a maternidade é uma vocação social e um destino divino do qual nenhuma mulher pode fugir, e aquelas que não o alcançam são fracassadas e infelizes.

“Durante quase dois séculos, todos os ideólogos lhes prometeram mundos e fundos se assumissem suas tarefas maternas: “Sede boas mães, e sereis felizes e respeitadas. Tornai-vos indispensáveis na família, e obtereis o direito a cidadania”. (Banditer: 147, 1985)

Eva é o símbolo do pecado, da perdição do homem, a mulher que quer saber demais, sem governo, é por essa pecaminosidade entranhada na natureza feminina que a mulher precisa ser governada pelo marido e conduzida a sua redenção: ser esposa e mãe.

“A sacralização da figura da mãe surge como uma forma de reprimir o poder e a autonomia da mulher, a partir da construção de um discurso que a culpará e a ameaçará, caso não cumpra o seu dever materno dito natural e espontâneo”. (Banditer, 1985)

E Lemos assim descreve: “O modelo de mãe exemplar se consolidou em uma ideologia que passou a exaltar o papel natural da mulher como mãe, atribuindo-lhe todos os deveres e

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obrigações na criação do (a)s filho (a)s e limitando a função social feminina à realização da maternidade” (Lemos: 89, 2006).

Uma Trajetória Geracional – Trabalho Infantil

Sarti assim escreve: “Os filhos dão à mulher e ao homem um estatuto de maioridade, devendo torná-los responsáveis pelo próprio destino, o que implica idealmente se desvincular da família de origem e constitui novo núcleo familiar. O filho pode, então, tornar-se um instrumento desta desvinculação.” (Sarti: 74, 2003).

Do grupo de dez mulheres que participavam nessa primeira edição do Grupo de Gestantes, sete confirmaram a afirmação de Sarti.

Afirmaram elas que pararam de estudar e passaram assumir as responsabilidades da casa devido à necessidade da mãe precisar trabalhar. Kelly assim nos contou: “Aos sete anos cuidava dos quatro irmãos, minha mãe saia às cinco horas para trabalhar e voltava meia noite. Se não estivesse tudo arrumado eu apanhava”. Havia muito ressentimento na revelação de Kelly, perguntada se ressentia-se dessa responsabilidade, afirmou que sim, porque perdeu a infância e precisou parar de estudar.

Em seguida houve um desabafo no grupo e passaram a contar como perderam a infância, a oportunidade de estudos, como era massacrante a responsabilidade assumida, a violência, a distancia e a incompreensão da mãe. Todas se ressentiam de não ter na mãe alguém próximo para dialogar, pelo contrario, alguém que estava distante e lhe cobrava muitíssimo, aquilo que na idade que tinham ainda não podiam suportar.

O que confirma a literatura sobre trabalho infantil onde problemas de saúde e psicológicos são umas das conseqüências da criança estar exposta muito cedo a responsabilidades e tarefas incompatíveis para sua idade. O amadurecimento precoce, a perda da capacidade lúdica gerando desequilíbrio na fase adulta a limitação e ate mesmo a privação do direito de brincar.

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Do grupo as que enfrentaram o trabalho infantil domestico se autointitularam “stressadas”, com pouca ou nenhuma paciência para com os filhos devido e desgaste com os irmãos.Uma das participantes mostrou sua profunda magoa por ter deixado a casa dos pais para ir para casa de terceiros, “tomar conta de sobrinhos e filhos de outras pessoas”, “eu era amarga e revoltada. Pensava muita coisa ruim.”Sobre receber tratamento diferenciado, uma das participantes deixou isso bem claro “eu sou gêmea do meu irmão e minha mãe somente cobrava de mim os afazeres domésticos. E nós tínhamos a mesma idade. Mas, a cobrança era somente sobre mim.”Perguntadas se o primeiro filho ainda na idade de 16, 17 anos foi uma tentativa de escapar do trabalho infantil em casa foram unânimes em dizer que sim, que essa tinha sido a estratégia para que tendo um filho, casar ou ir morar com o companheiro as “libertassem” do jugo que se encontravam em casa.

Sarti chama atenção para a maior vulnerabilidade das famílias chefiadas por mulheres, “a literatura mostra, em contrapartida, a relação entre pobreza e chefia feminina (Barroso, 1978; Castro, 1989). Isso significa dizer que as famílias desfeitas são mais pobres e, num circulo vicioso, as famílias mais pobres

desfazem-se mais facilmente.”Do grupo de dez mulheres apenas três tinham o pai presente na família durante toda a sua trajetória, as demais o pai “sumira”, “morrera”, ou a mãe trabalhava como ajudadora secundaria, o que as colocava como “filhas mais velhas” no papel de “chefe familiar”, ou seja, no “lugar de mulher” – Dona de Casa: cuidar dos afazeres domésticos, dos irmãos (filhos), “ser a coluna que sustenta a casa”. Esses são os que Salem chamam de “filhos eleitos”. NO caso do filho ser homem ele passará a cumprir a expectativa do “provedor”, do “chefe de família”, dando a família a “estabilidade e a respeitabilidade de ter um HOMEM responsável por ela.” (Sarti, 2006)

E a cobrança das mães se fazia de forma violenta. Caso chegassem em casa tudo não “estivesse em ordem elas apanhavam”. Interessante perceber que nos relatos sobre violência de gênero muitas mulheres se referem sobre as tarefas domesticas como motivo das violências físicas praticadas pelos maridos.

Conclusão:

O trabalho desenvolvido trouxe resultados interessantes. O primeiro e mais imediato foram as informações sobre saúde e saúde emocional que interessaram bastante o grupo e que logo trataram de multiplicar. Apesar de algumas já estarem na segunda ou terceira gestação o conhecimento de questões mínimas sobre sua saúde e de seu bebe, e principalmente do desenvolvimento emocional de sua criança eram poucos ou nenhum.As reuniões reflexivas provocadas pelo Serviço Social iniciou um processo onde cada mulher pudesse pensar em si mesma como individuo e em seus projetos pessoais.O fato de estarmos lidando com questões muito profundas da cultura tanto da sociedade brasileira, como do próprio território nos enseja um trabalho de longo prazo.

Jovchelovitch (1989), citando Medeiros assim escreve: “O Serviço Social é um processo educativo-pedagogico. Tornar o

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homem capaz de ser agente de seu próprio processo de desenvolvimento é torná-lo capaz de questionar as estruturas e estabelecer novos valores”.

Apesar do Bolsa Família ter como um dos objetivos o empoderamento das mulheres na pratica essa transferência de renda é encarada como coadjuvante e ainda o HOMEM tem o papel central de figura de autoridade e respeito, mesmo quando não contribua efetivamente para o sustento da casa.

A maternidade entre elas não é percebida como uma escolha, mas, como uma determinação divina e os maridos, namorados, companheiros, não se vêem como responsáveis pela contracepção e nem elas percebem isso na relação, o que além da gravidez, trás as DST’s, AIDS e Hepatites Virais como perigos constantes a vida de cada uma das mulheres.Novamente nos deparamos com questões de

gênero da submissão a vontade masculina em detrimento a sua saúde e a sua própria vontade.A maioria tinha uma trajetória de trabalho infantil domestico que lhes “roubou” o futuro, lhes tirando os estudos e o estimulo de retomá-los. Poucas tinham projetos futuros que incluíam uma profissão ou independência pessoal, principalmente por ainda ter filhos pequenos e estarem novamente grávidas.Como famílias pobres trabalham não de forma “nuclear”, mas, “em forma de rede”, é possível vislumbrar que as irmãs mais novas logo ocuparão o lugar que um dia foi delas, ou porque a mãe ainda é jovem e tem vida reprodutiva ou porque a própria (gestante) irá ocupar o lugar de trabalhadora na família. O Programa Bolsa Família chega até mesmo impedir que isto ocorra abertamente, mas, por outro lado cria uma dependência geracional: a mãe beneficiária do bolsa família, logo terá a filha e os netos beneficiários do bolsa família, muitas vezes o neto é incluso no bolsa família da avó, principalmente quando a gravidez ao realizar o sonho de “sair de casa”, apenas acrescenta mais um elemento a família.

No grupo de gestantes os maridos não compareceram nem mesmo na festinha de encerramento, mas, todas foram unânimes em dizer que eles se interessaram pelas informações trazidas, a cartilha produzida. Perguntadas se acham que compareceriam a uma reunião disseram achar difícil, mas, concordaram que os maridos se interessariam em materiais que fossem produzidos para eles, como por exemplo, cartilhas.A falta de políticas publicas de habitação, lazer, educação e saúde fazem com que o Bolsa Família sozinho não de conta de transformar a situação social dessas famílias e dessas mulheres.

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Muitas mulheres tem buscado saber quando haverá o novo Grupo de Gestantes o que demonstra que o trabalho foi positivo, principalmente na avaliação do primeiro grupo.O grupo avaliou como positiva as informações da enfermeira Sara e da psicóloga Mariana Fabrine e que as reuniões reflexivas lhe deram muito que pensar mexendo com seu emocional.Avaliamos que as reuniões reflexivas devem nos próximos grupos trabalhar com um universo mais lúdico e com dinâmicas para maior participação de todas e de internalização dos processos propostos.E a participação de profissionais de saúde e psicologia também deverão ser mais exploradas e aprofundadas.A utilização de vídeos informativos produzidos a partir da realidade que nos foi apresentada será muito útil. E a temática de gênero deverá ser mais central no grupo. Na verdade a dicotomia Mulher- Mãe deve ser superada para dar ênfase a Mulher como tema central das próximas discussões.A intervenção do Serviço Social foi de extrema importância, primeiro desvelando o aparente da situação, mulheres grávidas “aos montes” muito jovens, segundo quando se propôs a uma intervenção junto a este grupo buscando trazer reflexões que pudessem incentivar as mulheres a buscar novos caminhos e questionar o “seu lugar” feminino de mãe e esposa.O processo dialógico que o Serviço Social propôs e implementou foi uma escolha metodológica acertada que deverá ser aperfeiçoada nos próximos grupos, visto a procura de gestantes para integrar novos grupos.

* Cândida Maria Ferreira da Silva – Teóloga, Assistente Social, Especialista em Infância e Violência Domestica pela USP, atuando no CRAS Jardim Nova Era.

BIBLIOGRAFIA

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