Luciano Carvalho Cardoso - A Generalidade Lógica No Pensamento Tardio de Frege - Pré-projeto...

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 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA LUCIANO CARVALHO CARDOSO A Generalidade Lógica no Pensamento tardio de Frege Pré -Pr oje to de pes qui sa apr ese nta do ao Programa de Pós-Graduação de Doutorado em Filosofia da Universidade Federal de São Paulo. Pr of. Orie nt ador: Marcelo Silva de Carvalho LINHA DE PESQUISA: Metafísica, Ciência e Linguagem Guarulhos 2015

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Projeto de pré-doutorado em Gottlob Frege.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO PAULOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA

    LUCIANO CARVALHO CARDOSO

    A Generalidade Lgica no Pensamento tardio de Frege

    Pr-Projeto de pesquisa apresentado aoPrograma de Ps-Graduao deDoutorado em Filosofia da UniversidadeFederal de So Paulo.Prof. Orientador: Marcelo Silva deCarvalho

    LINHA DE PESQUISA:Metafsica, Cincia e Linguagem

    Guarulhos2015

  • 2Resumo

    Gottlob Frege desenvolveu, durante toda sua vida, o projeto logicista, projeto este que

    tinha como propsito definir a aritmtica como um campo de verdades analticas.

    Posteriormente, Frege recua em sua posio, reconhecendo que a aritmtica seja sinttica a

    priori. Nosso objetivo demonstrar como o pensamento fregiano utiliza a generalidade como

    eixo que favorece essa ruptura e busca preservar as caractersticas essenciais do logicismo. A

    tenso existente entre o princpio de composicionalidade e o princpio de contexto demarcam

    a trajetria de Frege no desenvolvimento da generalidade e do amadurecimento de sua lgica

    de forma aproximativa s mudanas centrais de seu pensamento.

  • 3Justificativa Filosfica e Desenvolvimento do Tema

    O estudo da generalidade em Frege propicia uma viso privilegiada sobre o

    desenvolvimento e desdobramento da lgica e da filosofia analtica. Presente desde o

    princpio das obras de Frege (na Conceitografia, de 1879, Frege j apresenta um quantificador

    aplicado varivel para expressar generalidade), o tema evolui junto com o pensamento do

    autor, ganhando relevncia em seus textos de maturidade e adquirindo novas dimenses na

    medida em que Frege empreende uma grande mudana em suas concepes a respeito da

    filosofia analtica. O principal fundamento desta consiste na concepo de que as verdades

    derivadas da aritmtica seriam analticas, em oposio direta concepo kantiana, que as

    considerava sintticas a priori. Tomando esse princpio como base, Frege empreendeu um

    longo projeto no intuito de demonstrar o fundamento lgico e analtico da aritmtica,

    constituindo o que ficou conhecido como logicismo.

    Todavia, em seus escritos pstumos, Frege redefine sua posio e realiza uma

    concesso a Kant, ao reconhecer que as verdades oriundas da aritmtica seriam sintticas a

    priori. Essa situao, entretanto, no significou a total descaracterizao do logicismo, pois as

    principais caractersticas dele, o pensamento, a relao entre funo e argumento, conceito e

    objeto, relaes de primeiro e segundo nveis, permaneceram como pressupostos vlidos em

    suas investigaes.

    Como mudar um paradigma fundamental da filosofia analtica, isto , sua analiticidade,

    e ainda manter os principais fundamentos do logicismo?

    Embora os escritos pstumos datados de 1920 sejam muito incipientes, acreditamos

    que a mudana paradigmtica de Frege, explicitamente assumida nesses textos, indicam que

    so enunciados de maturidade, frutos de um processo reflexivo intenso, e que no surgiram

    apenas em seus ltimos anos de vida. Frege desenvolve um conjunto de reflexes a partir das

  • 4Leis Bsicas da Aritmtica (1902) que lentamente conduzem para as concepes de ruptura

    com sua ideia da aritmtica ser analtica, fundamentada na lgica e ser estruturada pela

    teoria dos Conjuntos. E o que percebemos e pretendemos evidenciar que, nesse processo, a

    generalidade torna-se protagonista das reflexes fregianas. Como um eixo fixo que torna

    possvel sua guinada para o campo do conhecimento sinttico a priori sem, entretanto,

    convergir todo seu pensamento ao de Kant, Frege contextualizar os principais pilares do

    logicismo luz da generalidade, em uma possvel tentativa de resoluo de alguns pontos de

    tenso presentes nos desdobramentos do logicismo.

    O ponto de tenso inicial que identificamos evidenciado por Klement (2004), em seu

    artigo intitulado Putting Form Before Function: Logical Grammar in Frege, Russell and

    Wittgenstein, que sinaliza dois movimentos contrrios no pensamento fregiano e, at certo

    ponto contraditrios, no qual, de um lado, Frege defende a ideia de que a totalidade de

    significado de um pensamento dada pelos significados de suas partes constitutivas

    (composicionalidade); e, por outro lado, a ideia oposta de que o significado das palavras s

    pode ser conhecido no contexto em que elas aparecem (princpio de contexto).

    Quando consideramos os textos nos quais essa dicotomia aparece, surgem inmeras

    nuances que se estendem para alm de uma simplista considerao de datas.

    Como o princpio de contexto aparece ainda muito cedo nas obras de Frege, em 1884,

    em Os Fundamentos da Aritmtica, autores como Klement procuram conceber uma certa

    unicidade entre esses elementos. No referido caso, encontramos uma distino na qual,

    quando Frege afirmaria o princpio de contexto, estaria fazendo com relao aos fragmentos

    insaturados do pensamento, isto , conceitos e expresses funcionais. Ao fazer o processo de

    conciliao dos dois elementos, entretanto, percebemos uma balana pendendo para a

    composicionalidade do pensamento.

  • 5Haddock (2006) apresenta um cenrio complementar, no qual, embora o princpio de

    contexto ainda aparea em seus textos maduros, surgiria de forma restrita, aplicando-se

    apenas a variveis.

    De acordo com Haddock:

    O Princpio de Contexto de Die Grundlagen der Arithmetik, o qual era aplicado a

    cada expresso, est agora reduzido trivialidade na qual as variveis s tm

    significado no contexto de uma declarao, enquanto, por outro lado, os nomes

    prprios e expresses relacionais tambm tm significado - tanto sentido quanto

    referncia - quando ocorrem isolados, isto , fora do contexto das

    declaraes.(HADDOCK, G. E. R. A Critical Introduction to the Philosophy of

    Gottlob Frege, pg. 75.)

    A posio de Haddock pode ser confirmada quando recorremos a passagens

    especficas de Frege que parecem evidenciar o Princpio de Composicionalidade. Em Sobre o

    Sentido e a Referncia (1892), Frege afirma:

    Se tudo quanto importa fosse apenas o sentido da sentena, fosse apenas o

    pensamento, ento seria desnecessrio preocupar-se com a referncia de uma parte da

    sentena; pois para o sentido da sentena somente importa o sentido desta parte, e

    no a referncia desta parte [da sentena]. O pensamento permanece o mesmo se o

    nome "Ulisses" tem referncia ou no. O fato de que nos preocupamos com a

    referncia de uma parte da sentena indica que admitimos e exigimos uma referncia

    para a prpria sentena. O pensamento perde valor para ns to logo reconhecemos

    que a referncia de uma de suas partes est faltando. (FREGE, G. Sobre o Sentido e a

    Referncia, 2009, pg.138).

  • 6Aqui temos uma preocupao de Frege em identificar as referncias das partes de uma

    sentena completa, pois exigimos uma referncia para a prpria sentena. A ideia que

    permeia a passagem a de que as partes de uma sentena, bem como seus sentidos e

    referncias especficas, so fundamentais para a apreenso da sentena. Pensamento

    semelhante encontramos no texto Lgica na Matemtica (1914), onde lemos:

    (...) tna mais alto que Vesvio. Com esta sentena ns associamos um sentido,

    um pensamento; ns o entendemos, ns podemos traduzi-lo em outras lnguas. Neste

    sentido, ns temos o nome prprio tna que contribui para o sentido da sentena

    inteira, para o pensamento. Esta contribuio parte do pensamento, ele o sentido

    da palavra tna. (FREGE, G. Logic in Mathematics, in Posthumous Writings, pg.

    225)

    Embora essas consideraes sugiram que o princpio da composicionalidade defina o

    pensamento de Frege, existem algumas consideraes relevantes que precisamos abordar,

    para um maior esclarecimento da problemtica apresentada. relevante observar que o

    princpio de contexto, apresentado pela primeira vez em Os Fundamentos da Aritmtica,

    tenha um carter de generalidade sobre a multiplicidade. Frege, ao apresentar esse princpio,

    combate precisamente o princpio agregacionista acondicionado a John Stuart Mill. A

    comparao feita por Frege a de que no uma soma agregativa que nos fornece a

    compreenso de um dado nmero. Segundo Frege: isto no prova que os nmeros se formem

    de modo particularmente mecnico, mais ou menos como um monte de areia formado de

    gros de quartzo (FREGE, G. Os Fundamentos da Aritmtica, pg. 200-201).

    Tomar o clculo como um pensamento agregativo implica em considerar que os

    nmeros so representaes de objetos empricos e que, portanto, o nmero dois represente

    duas coisas, como duas pedras, por exemplo, ao invs de representar duplicao. O nmero

  • 7um representa uma coisa, e no unidade. E assim por diante. A mesma crtica ocorre no que

    diz respeito linguagem. Para Frege, uma palavra isolada no pode ser totalmente conhecida.

    Somente no contexto seu significado pode aparecer. Isso significa que uma proposio mais,

    em termos de significado, do que a simples soma (agregao) de seus termos isolados. Ela

    tem que ser tomada em seu todo.

    Deve-se diz Frege perguntar pelo significado das palavras no contexto da

    proposio, e no isoladamente. (Idem, pg. 204).

    O que percebemos, por essa oposio, que o princpio de contexto possui uma

    proximidade com a generalidade, pois nos apresenta um sentido geral da proposio que

    escapa aos termos isolados, e tambm porque, ao analisarmos a definio de nmero,

    evidencia-se que, qualquer que seja o nmero dado, suas propriedades compreendem uma

    definio de generalidade que permite com que ele caia sob uma funo que o solicite, como

    o nmero que convm ao conceito F a extenso do conceito equinumrico ao conceito F

    (Idem, pg. 142).

    Considerando essa aproximao entre o princpio de contexto e a generalidade

    quantificacional, Ricketts (2010) nos apresenta um quadro interessante referente

    generalidade em Frege. Ricketts defende que:

    Generalidade quantificacional e identidade esto interligados para Frege.

    Generalidade quantificacional generalidade sobre uma multiplicidade de distintos,

    objetos determinados, quanta determinados, por assim dizer. Diferenciao , assim,

    incorporada concepo de Frege de um objeto: no h entidade sem identidade

    (RICKETTS, T. op. cit., pg. 156).

    Essa passagem corrobora a ideia de Frege, onde dizer que o princpio de contexto se

    sobrepe ao carter agregativo de elementos isolados somados para gerar uma proposio

  • 8equivalente a dizer que a generalidade quantificacional generalidade sobre uma

    multiplicidade de distintos.

    No olhar de Ricketts, a generalidade quantificacional no apenas manteve a importncia

    no trabalho tardio de Frege, mas ainda determinante do contexto lgico de identidade dos

    objetos.

    Essa relao entre generalidade e multiplicidade, na qual a identidade se revela,

    encontra-se presente em Generalidade Lgica (ps 1923), quando investigamos a funo

    atribuda generalidade presente na linguagem. Para o autor, a generalidade no se apresenta

    como recurso prprio da linguagem, mas sim do pensamento. De acordo com Frege:

    A linguagem pode aparecer para oferecer um meio para que, por um lado,

    as sentenas sejam percebidas pelos sentidos e, por outro, elas expressem

    pensamentos. Como veculo para as expresses do pensamento, a

    linguagem tem que modelar a si mesma sobre o que acontece ao nvel do

    pensamento. (FREGE, G. Logical Generality, in Posthumous Writings,

    pg. 259)

    Dessa maneira, Frege concebe a linguagem como uma ponte do perceptvel para o

    imperceptvel (Idem). a partir dessa ponte perceptvel que podemos chegar ao pensamento,

    em geral presente na linguagem. Como a parte visvel aos sentidos consiste nas sentenas, a

    partir delas podemos, como que por um espelho, chegar at o prprio pensamento. Acerca

    disso, Frege afirma:

    Aqui, no uma questo de entender a linguagem do dia-a-dia, de

    considerar os pensamentos expressos nela; uma questo de considerar a

    propriedade de pensamentos que eu chamo generalidade lgica (FREGE,

    G. Idem).

  • 9A generalidade lgica, parte presente nos pensamentos, pode ser expressa na linguagem

    por meio de diferentes quantificadores, como todos, todo, nenhum, etc., e tambm por

    indicadores indefinidos da sentena, como algum, ou letras, como a, b, ou c. Essa estrutura

    de generalidade, Frege denomina linguagem-objetiva, a forma de expresso do pensamento

    enquanto generalidade, em contraposio forma usual na qual escrevemos ou falamos, que o

    autor denomina meta-linguagem.

    Essa forma de generalidade pertencente ao pensamento encapsula os particulares que

    surgem na meta-linguagem, como Napoleo, Csar e toda a multiplicidade indiferenciada na

    forma de linguagem-objetiva.

    Percebemos que Frege, nesse e em outros registros do mesmo perodo, parece traar

    uma arquitetura do pensamento alicerada na generalidade. No caso acima, encontramos a

    identidade subsumida na generalidade lgica e expressa na linguagem-objetiva. Mas tambm,

    no mesmo manuscrito, encotraremos outro fator preponderante para Frege, relativamente ao

    juzo: Segue-se do que foi dito que as sentenas da linguagem-objetiva nunca conferem fora

    assertrica. (Idem, pg. 261).

    A generalidade expressa na linguagem-objetiva no possui fora assertrica, pois ela

    no apresenta nomes prprios e nem pode atuar como premissa para inferncia. Isso

    relativamente importante para indicar que sentenas que contm ou expressam generalidade

    na forma de linguagem-objetiva no possuem valor de verdade, mas conferem condio para

    a gerao de sentenas com valor de verdade.

    A fora assertrica referenciada nesse artigo no consiste em uma novidade em Frege.

    J em Sobre o Sentido e a Referncia (1892), o autor j referenciava que de nada adianta

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    acrescentar o termo verdadeiro a uma sentena, pois o pensamento expresso continua

    sendo apenas um pensamento expresso, e no pensamento asserido. No referido texto, lemos:

    De fato, poder-se-ia dizer: O pensamento de que 5 um nmero primo

    verdadeiro. Porm, um exame mais acurado mosta que essa sentena

    nada acrescenta ao que dito na simples sentena 5 um nmero

    primo. A assero da verdade reside, em ambos os casos, na forma da

    sentena assertiva. E quando a assero perde sua fora usual, digamos,

    na boca de um ator no palco, mesmo a sentena O pensamento de que 5

    um nmero primo verdadeiro contm apenas um pensamento, a

    saber, o mesmo pensamento da simples sentena 5 um nmero primo.

    No presente caso, a fora assertiva reside no fato de que uma sentena deve possuir

    referncia. Na voz de um ator de palco, onde tudo o que se diz fico, no existe fora

    assertiva. Mas tambm no existe essa mesma fora assertiva na generalidade lgica. Os

    motivos, entretanto, seguem de maneira diferente. No primeiro caso, o motivo deve-se ao fato

    da fico, da simulao, da representao que no investiga a verdade das proposies e nem

    tampouco se ocupa das referncias que poderiam ou no possuir. O segundo caso deve-se ao

    fato de a generalidade lgica tornar indistinta a identidade, mas prescrever condies para que

    essa identidade seja asserida por um processo de inferncia e reconhecida em seu valor de

    verdade pelo juzo, embora, em sua forma de generalidade, no possua fora assertrica e,

    portanto, valor de verdade. Essa fora assertrica que aqui mencionamos e que nada tem de

    relao com a adio da expresso verdadeiro sentena, tem relao com outro elemento

    importante na obra de Frege, que consiste na definio ostensiva, parte fundamental da

    dinmica presente em Funo e Conceito (1891) e Sobre Conceito e Objeto (1892). Esse

    processo, no qual a extensionalidade se torna presente na mecnica de subsuno dos objetos

    aos conceitos, parece ser contextualizada na dinmica da generalidade, na medida em que esta,

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    ao se particularizar, abre a entrada para a multiplicidade, sem a qual no pode haver uma

    referncia.

    Mas isso implicaria em uma concepo filosfica da linguagem orientada da

    generalidade para a particularidade? Essa teoria que parece divergir da concepo da tradio

    de comentadores de Frege, como Dummet e Haddock, que partem das estruturas inanalisveis

    e irredutveis, conceito e objeto, no campo da referncia, para a construo do pensamento,

    por meio da construo da linguagem fundamentada sobre a estrutura da funo/argumento.

    Esse fundamento estruturante da linguagem, que se assenta sobre a dinmica de uma

    relao de saturao, consiste no motor da lgica extensional. o movimento da linguagem

    no eixo dessa lgica que origina os critrios de verdade para o juzo, uma vez que no ncleo

    intrnseco a essa lgica de extensionalidade entre conceitos e objetos que obtemos os valores

    de verdade aplicados s sentenas.

    Esse pensamento, presente nas obras mais difundidas do autor, desde Os Fundamentos

    da Aritmtica, de 1884, at Sobre o Sentido e a Referncia, de 1892, entram em contraste com

    seus trabalhos mais tardios e maduros, expressos pelos arcos de cartas e textos que delimitam

    o que ficou conhecido como Os Fundamentos da Geometria, a partir de 1904, e seus textos

    escritos a partir de 1919.

    No contexto dessas obras, a generalidade ganha destaque, expressa nas relaes de

    segundo nvel, nos quantificadores universais e no conceito de existncia e, como foi indicado

    acima, na generalidade lgica, inerente ao pensamento.

    Segundo Frege, a generalidade expressa nos quantificadores fundamental para as

    relaes de segundo nvel, de subordinao entre conceitos, pois elas estabelecem as marcas,

    notas desses conceitos que se tornaro, nas relaes de subsuno, propriedades dos objetos,

    em decorrncia lgica das relaes de generalidades estabelecidas. Esse tipo de orientao

    que observamos sugere, por um lado, um condicionamento lgico de significado por contexto,

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    uma vez que as relaes de generalidade, dentre as quais as de existncia, criam os contextos

    condicionantes dos significados dos objetos e conceitos de primeiro nvel, o que reflete na

    estrutura da linguagem, fundada nos nomes prprios e nas expresses predicativas.

    Por outro lado, parece haver duas orientaes em rota de coliso onde, de um lado,

    temos uma teoria de construo em blocos, partindo da relao objeto/conceito e, de outro,

    por uma teoria da generalidade que condiciona os significados dessa construo ao prprio

    contexto determinado pelos quantificadores.

    Essa questo se reflete diretamente sobre o sentido e a referncia atribudo aos nomes

    prprios e termos conceituais. Em Digresses sobre o Sentido e a Referncia (1892), Frege

    afirma que tanto o nome prprio quanto o termo conceitual possuem, cada qual, sentido e

    referncia. Essa afirmao, no entanto, se torna carregada de problemas e ambiguidades

    diante do conflito que expusemos.

    O sentido o modo de apresentao de uma referncia. tambm o correlato para o

    pensamento. O nome prprio um sentido, um modo de apresentao, ele refere. E sua

    referncia um objeto. O mesmo vale para o termo conceitual, que refere um conceito. Se

    partirmos do princpio que cada objeto e conceito so referncias passveis de muitos modos

    de apresentao, as inmeras combinaes entre eles construir a linguagem e o pensamento.

    Seus sentidos possveis e suas relaes de saturao produziro sentenas e valores de

    verdade. Esse o contexto da construo em blocos.

    Se, em contrapartida, partimos do princpio da generalidade quantificacional, o sentido

    de cada nome prprio e termo conceitual no ser dado por aquilo que eles referem, em

    primeira instncia. Isso porque seus significados so dados a partir de uma relao de segundo

    nvel, entre conceitos de primeiro nvel e conceitos superordenantes. Por essa relao,

    conceitos superordenantes imprimem significado, notas, subordinam conceitos de primeira

    ordem. o caso, segundo Haaparanta (2011), do conceito j mencionado existncia, que

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    preserva sua significatividade enquanto conceito de segundo nvel, mas torna-se vazio quando

    surge como conceito de primeira ordem. A subordinao desses conceitos sobre os demais

    que definir as caractersticas desses conceitos de primeiro nvel em sua estrutura insaturada e

    impingir essas caractersticas na forma de propriedades quando da predicao de um objeto.

    Nessas condies, os conceitos superordenantes que orientariam as relaes entre

    conceitos e objetos ou, em outros termos, os contextos que definiro os significados possveis

    para os nomes prprios e os termos conceituais.

    Acreditamos que essa tenso, produzida pelo principio de composicionalidade em

    contraste com o princpio de contexto tenha ocupado espaos distintos no pensamento de

    Frege e que, tanto quanto o paradoxo de Russell, tenham contribudo para a mudana de

    paradigma que o autor apresentou em seus estudos finais.

    O que depreendemos desses movimentos de Frege consistem no seguinte ponto: se o

    que verdadeiro no pode ser encontrado na linguagem, ao atribuirmos o termo

    verdadeiro sentena, conforme formulado em Sobre o Sentido e Referncia, e se tambm

    no pode ser encontrado na forma lgica do pensamento, dada a generalidade lgica presente,

    que no possui fora assertrica (um movimento ampliativo ao que foi apresentado em Sobre

    o Sentido e Referncia), onde o que verdadeiro pode ser encontrado? Onde residiria a fora

    assertrica? O verdadeiro existiria ainda na extensionalidade, evidenciada na relao conceito

    e objeto? Ele, o verdadeiro, ainda asserido no juzo, mas esses movimentos estabelecidos

    por Frege no sinalizariam um deslocamento do verdadeiro que no seria mais evidenciado

    em um juzo analtico, mas sim em um juzo sinttico? A evoluo da estrutura da

    generalidade poderia ter contribudo para que Frege referenciasse o juzo sinttico para o

    interior da aritmtica?

    Considerando os pontos da investigao apresentados acima, nossa metodologia

    consiste em:

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    1. Identificar as principais tenses oriundas das concepes do princpio de contexto e

    composicionalidade;

    2. Evidenciar a cadeia de relaes que esses princpios desempenham no contexto do

    logicismo;

    3. Investigar o papel da generalidade e o movimento que ela apresenta no pensamento de

    Frege no sentido de solucionar a tenso resultante da implementao dos dois princpios;

    4. Buscar estabelecer uma relao entre a predominncia da generalidade e do Princpio

    de Contexto com a preservao de alguns pilares do logicismo, apesar da recusa do mesmo e

    o reconhecimento do contedo sinttico da aritmtica, constituindo um conjunto de

    pensamentos que no convergem inteiramente filosofia kantiana.

    CronogramaPara execuo do presente projeto, prope-se o cronograma abaixo, dividido em semestre e

    focando as principais atividades necessrias para a eficcia da pesquisa:Fase Descrio de Atividades Semestres

    1 Pesquisa de referncias bibliogrficas de Frege pertinentes ao tema 11.1 Trabalho com material bibliogrfico selecionado

    2 Pesquisa de Referncias Bibliogrficas de Comentadores relacionados ao tema 22.1 Trabalho com material selecionado

    3 Anlise dos temas centrais e correlacionados 33.1 Participao nos grupos de estudo

    4 Elaborao da estrutura central do trabalho 44.1 Elaborao de artigos para publicao em revistas especializadas

    5 Fichamento das principais obras no contexto do tema 56 Elaborao da verso preliminar do trabalho 6

    6.1 Apresentao e debate do material em seminrio nos grupos de pesquisa7 Elaborao de artigos e apresentao em Congressos 78 Elaborao da verso final do trabalho para defesa 8

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    Referncia Bibliogrfica

    FREGE, Gottlob. Posthumous Writings. University of Chicago Press, 1979.FREGE, Gottlob. Sobre o Sentido e a Referncia in Lgica e Filosofia da Linguagem.

    So Paulo: Cultrix/Ed. Da Universidade de So Paulo, 1978.

    _____________. Digresses sobre Sentido e Referncia in Lgica e Filosofia daLinguagem. So Paulo: Cultrix/Ed. da Universidade de So Paulo, 1978.

    _____________. Funo e Conceito in Lgica e Filosofia da Linguagem. So Paulo:Cultrix/Ed. da Universidade de So Paulo, 1978.

    _____________. Conceito e Objeto in Lgica e Filosofia da Linguagem. So Paulo:Cultrix/Ed. da Universidade de So Paulo, 1978.

    _____________. Os Fundamentos da Aritmtica. So Paulo: Nova Cultural, 1989.GEACH, Peter; BLACK, Max, Translations from the Philosophical Writings of

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    RICKETTS, T.; POTTER, M. The Cambridge Companion to Frege. New York: Ed.:Cambridge University Press, 2010.

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    HAAPARANTA, L. Sobre a Existncia em Frege, in Antologia de Ontologia Textos Selecionados. Florianpolis; Ed.: Rocca Brayde, 2011.

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