Frege - Vida e Obra (Os Pens Adores)

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F R EG(1848-1925)

VIDA e OBRAConsultoria de Lus Henrique dos Santos

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OS PNSADORF:S idias que formulou a respeito desses assuntos pode ser estudado de acordo com quatro perodos distintos. O primeiro e marcado pela obra Conceito-

s sistematizaes das leis ideais do pensamento, elaboradas pela filosofia antiga e pelos lgicos da Idade Mdia, podem ser sintetizadas em torno de quatro caractersticas fundamentais. So bivalentes, admitindo como valores lgicos apenas o verdadeiro e o falso; so normativas, apoiando-se no pressuposto de que o verdadeiro deve ser procurado, e o falso, evitado; vinculam-se a uma metafisica essencialista, supondo que os conceitos lgicos expressem a prpria realidade dos seres; permanecem quase completa-, mente presas ao mbito da linguagem corrente. Esse panorama geral da lgica comeou a se alterar na Idade Moderna, em virtude, sobretudo, do surgimento da lgebra. Leibniz (1646- I 716) colocou os princpios de uma lgica simblica, atraves de seu projeto de uma linguagem artificial, desprovida de qualquer ambigidade. Contudo. somente no sculo XIX alguns pensadores conseguiram construir uma lgica formal liberta dos entraves que impediram o desenvolvimento da lgica clssica. Entre os trabalhos nesse sentido, salientam-se os realizados por George Boole (1815-1864), que desenvolveu uma lgebra da lgica, os de Georg Cantor (1845-1918), criador da teoria matemtica dos conjuntos, os de De Morgan (1806-1871) e os de Giuseppe Peano (1858-1932). Mas as investigaes mais importantes nesse perodo foram as realizadas por Cottloh Frege, considerado por muitos historiadores como o verdadeiro fundador da moderna lgica matemtica. Frege nasceu em 1818 na cidade de Wismar, Alemanha. Seus estudos primrio e secundrio foram feitos no ginsio da cidade natal e o superior nas universidades de Gttingen e Jena. \ esta ltima, tornou-se livre-docente, em 1874, e professor titular, em 1896, e nela permaneceu at sua morte, ocorrida em 1925, em Bad Kleinen. Durante toda a sua vida, Frege dedicou-se quase exclusivamente matemtica e lgica. O desenvolvimento das

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grafia, uma linguagemformular do pensamento puro, imitada da linguagem aritmtica, publicada em 1879 e na qualsintetizou suas pesquisas sobre operaes de negao e implicao e sobre os conceitos de identidade e de quantificador universal, alm de desenvolver uma teoria lgica das sries. No segundo perodo, que corresponde a Os Fundamentos da Aritmtica (1884), Frege ocupou-se com o esboo informal da definio lgica de nmero e com a demonstrao lgica das leis aritmticas fundamentais, a partir de leis lgicas. O terceiro perodo estende-se de 1881 at 1903, quando Frege completou a publicao de As Leis Fundamentais da Aritmtica, na qual procurou formalizar e completar Os Fundamentos da Aritmtica e, por essa razo, foi levado a alterar alguns aspectos da sua conceitografia e a inserir em seu contexto a distino entre sentido e significado. Com essas modificaes, Frege tornou possvel o uso generalizado do sinal de identidade, sem provocar perplexidades filosficas, bem como conseguiu explicar por que as equaes aritmticas so ao mesmo tempo analticas e informativas. Alm disso, Frege introduziu a noo de percurso de valor de unes fimo (todo conceito urna espcie de funo. a extenso de um conceito seu percurso de valor e todo nmero urna extenso de certo conceito) e criou uma notao simblica correspondente ao que Russell, posteriormente, chamaria descrio definitiva, isto , expresses do tipo "o tal-e-tal - . A esse terceiro perodo do pensamento de Frege. pertencem, alm de As Leis Fundamentais da Aritmtica, os importantes artigos Funo e Conceito, Conceito e Objeto e Sen-

tido e Significado.Pouco antes da publicao do segundo volume de As Leis Fundamentais da Aritmtica (1903), Frege recebeu de Bertrand Russell uma carta, na qual o filsofo ingls lhe comunicava um problema que, posteriormente, ficaria famoso como "paradoxo das classes". Segundo Russell, o paradoxo das classes

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a ......................... "Quando um conceito, que serve de base a uma importante cincia, oferece dificuldades, torna-se tarefa irrecusvel investig - lo de modo mais preciso e superar essas dificuldades . . ." Frege dedicou toda sua vida investigao dos conceitos fundamentais da aritmtica, desde sua juventude em Gttingen. (Vista de Gttingen, Prefeitura e Praa do Mercado; Foto Biiuerle, Munique.)poderia ser demonstrado no sistema lgico proposto por Frege, o que obrigou este a escrever uni apndice a As Leis Fundamentais da Aritmtica, propondo uma maneira de corrigir seu sistema a fim de evitar a contradio apontada por Russell. Contudo, essa soluo no satisfez a Frege, na medida em que ameaava o carter lgico do sistema, isto , sua evidncia imediata. Iniciou-se ento o quarto perodo, no qual Frege procurou outra soluo para o problema, mas logo desanimou e voltou-se para outros assuntos. A maior parte dos escritos desse perodo somente foram publicados em 1969. Entre eles salientam-se trs artigos, O Pensamento, A Negao, Conexes de Pensamento (dos poucos publicados em vida), que Frege pretendia reunir sob a designao de Investigaes Lgicas. Uma quarta investigao (Generalidade Lgica) ficou inacabada devido morte do autor. Alm desses trabalhos, Frege redigiu dois outros textos pequenos, num dos quais reconhecia explicitamente a imossibilidade de reduzir a aritmtica gica e propunha o novo projeto de reduzi-la a geometria. O projeto, contudo, ficou apenas esboado.

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Uma nova lgicaOs trs primeiros perodos da obra de Frege centralizaram-se no projeto de reduo da aritmtica lgica, projeto que poderia ser sintetizado em dois objetivos. O primeiro consiste em definir toda expresso aritmtica em termos lgicos e com isso mostrar que toda expresso aritmtica significa o mesmo que uma expresso lgica determinada.

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OS PENSADORES truir dedues ilegtimas e toda ilegitimidade pode ser facilmente constatada, na medida em que o conjunto de passagens permitidas pequeno e as regras que as comandam so formais,eisto e, so do tipo "de sentenas de tal tal forma, pode-se deduzir uma sentena de tal outra forma". Com isso, a deduo torna-se um clculo, uma srie de operaes sobre smbolos. importante, porm, notar que, para Frege, isso apenas um recurso til e acidental. Frege no pode, portanto, ser confundido com os formalistas, segundo os quais a lgica simplesmente uma teoria sobre smbolos sem significado. Para Frege, os sinais de conceitografia tm significado e o conjunto de axiomas e regras estabelecido de acordo com esse significado. Ocorre apenas que se pode operar com os smbolos como se fossem vazios, graas ao artificio da formalizao. As duas vantagens da lgica de Frege em relao lgica clssica, isto , a ampliao de seu campo e a formalizao, no devem ser postas em p de igualdade. A primeira fundamental; p ois, sem a nova teoria do conceito e a incorporao da teoria dos conjuntos, / no seria possvel reduzir a aritmtica / lgica. O mesmo no pode ser dito da, formalizao, porque no indispensvel a construo de uma linguagem artificial; bastaria usar a linguagem comum com algumas correes e acrscimos que incorporassem as vantagens da conceitografia. Prova disso encontra-se no fato de Frege usar nos Fundamentos a linguagem comum. Em suma, a ampliao do campo da lgica condio de realizao do projeto de Frege, a formalizao apenas torna as coisas mais fceis.

O segundo objetivo dependeria dos resultados alcanados pelo anterior e, em caso positivo, consistiria em mostrar que as proposies lgicas obtidas poderiam ser deduzidas de leis lgicas imediatamente evidentes. Para cumprir esses objetivos, a lgica clssica mostrava-se duplamente insuficiente. Primeiro, por ser incompleta, pois as relaes e propriedades aritmticas seriam relaes e propriedades lgicas muito mais complexas do que as que a lgica clssica era capaz de representar. Em segundo lugar, esta ltima no suficientemente formalizada, deixando-se contaminar pela impreciso da linguagem comum. Por causa dessas insuficincias, o projeto de Frege passou a exigir a elaborao de uma nova lgica. A essa tarefa, Frege se dedicou na obra Conceitografia, uma linguagem formular de pensamento puro, imitada da linguagem aritmtica e nos artigos Funo e Conceito, Conceito e Objeto e Sentido e Significado. A nova lgica elaborada nesses textos comporta uma nova teoria do conceito, que conduz a uma nova maneira de analisar proposies, ampliao das possibilidades de expresso de propriedades e relaes lgicas e, conseqentemente, ampliao das possibilidades de definio de propriedades e relaes em geral. Alm disso, Frege incorporou lgica a parte da matemtica posteriormente conhecida como teoria dos conjuntos. Por outro lado, a nova lgica elabolgica rada por Frege expressa-se de uma linguagem simblica artificial. A linguagem comum (utilizada pela IOgica clssica) inadequada para exprimir com exatido propriedades e relaes lgicas, em virtude de sua gramtica no se orientar por necessidades puramente cognitivas, servindo tambm a outras necessidades humanas, como a esttica. Uma deduo em linguagem comum contm, assim, lacunas e premissas implcitas que dificultam o reconhecimento das concluses logicamente legtimas. A conceitografia de Frege, ao contrrio, contm um conjunto bem determinado de regras de deduo e de axiomas lgicos, supostamente evidentes. Assim, com a conceitografia, torna-se gramaticalmente impossvel cons-

Lgica e matemticaO ncleo da ampliao do campo da lgica realizada por Frege encontra-se em sua teoria do conceito. Frege substitui a clssica distino entre sujeito e predicado pela distino entre funo e argumento, como par de categorias lgicas bsicas. Essa substituio corresponde a uma mudana mais radical de ponto de vista: a unidade lgica deixa de ser o conceito e passa a ser a proposio.

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Investigando sobretudo o conceito de nmero, Frege lanou novas luzes sobra o problema das relaes entre a matemtica e a lgica. Com isso, constatou us insuficincias da lgica tradicional, particularmente sua incapacidade puro abranger o pensamento matemtico. (Igreja de So Jac, em Gttingen, orat e Cottlob Frege iniciou seus estudos universitrios: Foto Bduerle, Alunique.)

OS PENSADORES Segundo Frege, toda proposio admite um processo de decomposio que a reduz a uma expresso incompleta, comportando um ou mais lugares vazios e a uma ou mais expresses-que-pOdem' preencher esses lugares a fim de recompor a proposio. Assim, "dois um nmero" decompe-se em "dois" e "( ) um nmero". A primeira expresso completa, tem como significado um objeto; , a segunda incompleta, tem como significado uma funo. Essa forma de anlise estende-se a toda espcie de expresso. "A capital do Brasil", por exemplo, decompe-se em "A capital de ( )" e "Brasil", a primeira significando uma funo, a segunda, um objeto. Estende-se, assim, lgica a noo matemtica de funo. Do mesmo modo que em matemtica a expresso "o dobro de ( )" significa uma lei que faz corresponder a cada nmero, tomado como argumento da funo, outro nmero que o valor da funo para o argumento (argumento 1, valor 2; argumento 2, valor 4, etc.), tambm "a capital de ( )" significa uma lei que faz corresponder, por exemplo, o valor "Braslia ao argumento "Brasil" o valor Londres, ao argumento "Inglaterra": No caso de a expresso decomposta ser uma proposio (como no exemplo "dois um nmero"), o valor da funo um valor de verdade, que Frege diz ser "a circunstncia de ser ela [a proposio) verdadeira ou falsa". Os valores de verdade so dois: o verdadeiro e o falso. Assim, o valor da funo "( ) um nmero" para o argumento 2 o valor de verdade verdadeiro, pois preenchendo-se o lugar vazio do nome da funo com o nome do argumento obtm-se uma proposio verdadeira; pelo mesmo motivo, o valor dessa funo para o argumento "Braslia" o valor de verdade falso. Assim, o que tradicionalmente se chama "conceito" nada mais para Frege do que uma funo que tem para qualquer argumento um valor de verdade como valor. Analisar logicamente uma proposio decomp-la em uma parte significando um conceito e uma ou mais partes significando os argumentos. A proposio encarada como nome prprio, expresso que significa o valor de verdade assumido pelo conceito para aquele(s) argu-

Comtemporaneamente a Frege, o matemtico Giuseppe Peano contribuiu de maneira decisiva para a formulao de urna nova lgica, que sanasse as insuficincias da lgica tradicional.mento(s). Essa maneira de conceber a anlise lgica rompeu com toda a tradio e tornou-se o fundamento da lgica moderna e o fio condutor na construo dos modernos sistemas de clculos de predicados. Os conceitos, segundo Frege, podem ser classificados conforme o nmero de lugares vazios, podendo ser preenchidos por diferentes objetos. Em cada um dos exemplos anteriores, trata-se de conceitos simples, com um s lugar vazio. Ao

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A figura acima representa uma etapa na construo de urna curva de Peano. Continuando-se o processo de construo, todos os pontos da superfcie seriam preenchidos pela curva, demonstrando-se, assim, que uma curva, elaborada convenientemerzte, pode ocupar todo a plano. Fatos como esse, considerados "anormais" na poca, exigiram a reformulao das bases lgicas da matemtica. contrrio, o conceito "maior que" comporta dois lugares vazios: trata-se de uma funo de dois argumentos possveis, um conceito relacional. A todo conceito, segundo Frege, est associado um objeto lgico, sua extenso entendida como caso particular de uma noo mais geral definida para funes. Se duas funes assumem os mesmos valores para os mesmos argumentos, diz-se que elas tm o mesmo percurso de valor. 'No caso dos conceitos, assumir os mesmos valores para os mesmos argumentos equivalente a assumir o valor verdadeiro para os mesmos argumentos, ou seja, subsumir os mesmos objetos. Assim, dizer que dois conceitos tm o mesmo percurso de valor apenas outra maneira de exprimir o que a lgica tradicional exprimia como "ter a mesma extenso". A extenso de um conceito pode tambm ser entendida como o conjunto de objetos que caem sob o conceito. Desse modo, Frege incor-

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OS PENSADORES conceito 'eqinumrico do conceito G; sendo assim uma igualdade entre nmeros reduzida a uma igualdade entre extenses de conceito. O ltimo passo consiste em identificar nmeros e certas extenses de conceito. Em suma, os nmeros so definidos por Frege como extenses de conceito. Dizer que algo um nmero dizer que existe pelo menos um conceito F tal que este algo seja extenso do conceito "eqinumrico a F". Na medida em que uma equao numrica assim reduzida a uma igualdade entre extenses de conceito, e na medida em que esta igualdade pode ser regulada por critrios lgicos, toda equao numrica pois reduzida a uma igualdade lgica, definida como proposio da lgica. Estabelecida essa nova concepo do nmero em geral, Frege define os nmeros singulares de maneira recursiva, isto , define o nmero zero como o primeiro da srie dos nmeros naturais e, em seguida, indica como obter a definio do nmero n+ 1 a partir da definio do nmero n. Define ainda os nmeros infinitos. Frege pretende tambm que as leis aritmeticas sejam logicamente demonstrveis a partir de leis lgicas. Em As Leis Fundamentais da Aritmtica, Frege iridica um sistema lgico axiomtico, constitudo por pequeno nmero de axiomas e regras de inferncia lgica, de modo que toda lei aritmtica, transcrita logicamente pelas regras de definio, poderia ser demonstrada. Esse sistema lgico axiomtico, contudo, revelou-se fragil, quando Bertrand Russell apontou a Frege uma inconsistncia fundamental que poderia ser encontrada no axioma lgico referente s extenses de conceito. Segundo Bertrand Russell, a partir desse axioma (conceitos F e G subsumem os mesmos objetos se, e somente se. tm a mesma extenso) pode-se deduzir que (1) para todo conceito F e todo objeto X. F subsume X se, e somente se. X pertence extenso de F. Pode-se deduzir tambm que a todo conceito corresponde uma extenso. Tomando-se, ento, o conceito "extenso de conceito que no pertence a si prprio", como F em (1), e tomando com X a extenso desse conceito, ob-

g ora a teoria dos conjuntos lgica, isto e, teoria que trata de conceitos enquanto elementos possveis de proposies. Para Frege, uma extenso de conceito (conjunto) distingue-se de um mero agregado fisico de coisas, pelo fato de comportar uma mediao lgica: ser determinada por um conceito.

Que o nmero?Assentadas as bases da nova lgica, Frege dedicou-se tarefa de mostrar que as leis aritmticas fundamentam-se nas leis lgicas. O ncleo desse trabalho encontra-se em sua teoria do nmero. O exame dessa teoria vincula-se estreitamente segunda tese exposta em Os Fundamentos da Aritmtica, segundo a qual uma expresso s chega a significar alguma coisa .i3uando no contexto de uma proposio.' Nesse sentido, para definir o nmero necessrio examinar a espcie fundamental de proposio onde aparecem . numerais, ou seja, a equao. Para Frege, equaes da forma "o nmero que convm ao conceito F = nmero clue contm o conceito G" podem ser consideradas como equivalentes a proposies da forma "o conceito F eqinumrico ao conceito G'', ou ainda a proposies da forma "F e G podem ser postos em correspondncia blunvoca". Frege pretende, assim, uma vez que a unidade da anlise lgica, para ele, no o conceito mas a proposio, chegar definio de nmero atravs da anlise dessas proposies. Conforme a lgica de Frege, a todo conceito est associado um objeto lgico: sua extenso. Assim, uma vez que possvel demonstrar que dois conceitos F e G so eqiiinumricos se, e somente se, a extenso do conceito "eqiiinumrico ao conceito F" igual extenso do conceito "eqinumrico ao conceito C"; e uma vez aceito que a proposio "o nmero que convm ao conceito F = o nmero que convm ao conceito G" equivale proposio "F e G so eqiiinumricos", pode-se facilmente concluir que a proposio "o nmero que convm ao conceito F = o nmero que convm ao conceito G" equivale proposio "a extenso do conceito 'eqinumrico ao conceito F' = a- extenso do

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As obras do matemtico ingls George Boole (1815-1864) marcaram poca na histria da filosofia e da cincia. Boole desenvolveu, sobretudo, uma lgebra da lgica e o clculo de classes, habitualmente conhecido como lgebra booleana de classes. Para muitos historiadores, a lgica simblica moderna somente ganhou consistncia e conscincia de sua novidade a partir de Boole.

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OS PENSADORES tentou com o resultado e sentiu comprometido seu projeto de reduo da aritmtica lgica. Em vista disso, passou a procurar os fundamentos da aritmtica na geometria. No abandonou a idia de que a indicao numrica enunciado sobre conceito, mas acreditava que as relaes entre nmeros deviam ser reduzidas a relaes entre segmentos de retas e que toda lei aritmtica reduzida pode ser derivada dos axiomas da geometria. Tudo isso, porm, no passou do nvel de projeto, pois a morte interrompeu suas pesquisas.

Sentido e significadoEspecialmente importante dentro dos trabalhos de Frege a distino entre sentido e significado, surgida quando o filsofo se defrontou com o problema da identidade. Em seu escrito Sentido e Significado, Frege indaga se a identidade seria uma relao entre objetos ou entre os sinais dos objetos. Tomando-se a primeira hiptese como verdadeira, Frege mostra que nesse caso a afirmao "a= b" deveria significar o mesmo que "a= a", se "a= b ' verdadeira. Isso porque se "a = b" uma proposio verdadeira, ento "a" e "b' so dois nomes para o mesmo objeto, e "a = 13" no capaz de informar nada alm de "a = a". A identidade seria uma relao que uma coisa manteria consigo prpria e com nenhuma outra. Assim, essa interpretao das afirmaes de identidade apresenta grandes dificuldades, pois afirmaes do tipo "a = b" so algumas vezes sumamente informativas, e "a = a" jamais o . Foi muito importante, por exemplo, a descoberta astronmica de que a estrela da manh e a estrela da tarde so apenas o mesmo planeta. Frege tambm no aceita a segunda hiptese, ou seja, a de que a identidade uma relao entre nomes ou entre sinais de objetos. Em tal caso, "a = h" afirmaria que o nome "a" e o nome "b" so nomes da mesma coisa. Essa anlise no pode estar correta, segundo Frege, pois o fato de que "a" um nome para a e "h" tambm um nome para a resulta de um acordo puramente arbitrrio acerca dessas marcas ou sons, nada tendo a ver com as propriedades das coisas designa-

O filsofo Gottlob Frege nasceu e passou a infinda em Wismar, no litoral do mar Bltico. Afofo mostra o centro de Wismar, com edifcios em estilo holands renascentista. tm-se o seguinte resultado (2): o conceito "extenso de conceito que no pertence a si prprio" subsume sua extenso se, e somente se, essa extenso pertence a si prpria. Mas dizer que F subsume X dizer que X F, o que converte (2) na contradio: a extenso do conceito "extenso de conceito que no pertence,a si prpria" no pertence a si prpria se, e somente se, pertence a si prpria. O axioma que Frege julgava to evidente revelava-se, portanto, falso. No apenas rua o fundamento de sua crena no carter lgico dos nmeros, como tambm tornava-se dubitvel a prpria possibilidade de se falar coerentemente em extenses de conceito. O prprio Frege ainda tentou salvar o sistema com alguns leves arranhes, mas no se con-

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Quase nada se sabe sobre a vida pessoal de Frege, apesar do papel decisivo que ele desempenhou na histn.tz da cincia. Sua vida foi inteiramente voltada para a reflexo e elaborao de trabalhos filos('fico., alm de dedicar-se ao ensino de lgica e matemtica na Universidade de Jena..-1 foto mostra o edifcio da Faculdade dos Operrios e Camponeses da Universidade de .Icno. das. Tambm neste caso no se poderia explicar que "a = b" tenha valor de conhecimento, transmita informao sobre a coisa nomeada por "a" e "b". Ern virtude de tais dificuldades, Frege estabeleceu a distino entre sentido e significado dos sinais. O significado seria o objeto denominado ou denotado pela expresso; j o sentido conteria o modo de apresentao pelo qual o sinal fornece seu significado. Por exemplo: sejam a, b e c as linhas que ligam os vrtices de um tringulo com os pontos mdios dos respectivos lados opostos; nesse caso, o ponto de interseco de a e b o mesmo que o de b e c. Disso resultam diferentes designaes para o mesmo ponto e essas designaes ("ponto de interseco de a e b" e "ponto de interseco de b e c") indicam diferentes modos de apresentao e, conseqentemente. a afirmao contm conhecimento efetivo. Desse modo, pode-se dizer que as duas expresses ("ponto de interseco de a e b' e "ponto de interseco de b e c") tm o mesmo significado, mas diferem quanto ao sentido. Analogamente, "estrela da manh" e "Vnus" tm o mesmo significado, mas diferem quanto ao sentido. Devido a essa diferena, a afirmao "Vnus a estrela da manh" transmite conhecimento verdadeiro, ao passo que "Vnus Vnus" no o faz, a saber, o conhecimento de que a estrela que aparece pela manh a mesma que aparece tarde. Em determinadas construes de frases, segundo Frege, o significado das palavras refere-se, no ao significado habitual das mesmas, mas ao seu senti-

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OS PENSADORES guir entre o sentido costumeiro e o sentido indireto. O significado indireto de uma palavra corresponde, para Frege, ao seu sentido costumeiro. Todas essas distines estabelecidas por Frege foram extremamente importantes para o desenvolvimento da anlise semntica da linguagem, embora seu objetivo no tivesse sido esse. Frege, na verdade, tinha como alvo a soluo de um problema de filosofia da matemtica. A distino entre sentido e significado permitiu-lhe sustentar, contra Kant, que a lgica no estril por ser analtica, o mesmo ocorrendo com a matemtica.

do habitual. Ao se supor, na afirmao "Paulo sabe que Vnus a estrela da manh", que a expresso "Vnus" tem seu significado habitual, deveria ser possvel substitu-la por qualquer outra que se referisse a Vnus. Mas se a expresso "estrela da manh" for substituda por "estrela vespertina', a afirmao pode se tornar falsa, pois no h qualquer indicao de que Paulo saiba que a estrela da manh e a vespertina so a mesma coisa, ou seja, Vnus. Assim, conclui Frege, necessrio distinguir entre o significado costumeiro de uma expresso e seu significado indireto; da mesma forma, necessrio distin-

CRONOLOGIA1848 Em Wismar, manha, nasce Gottlob Frege. 1850 Herman von l-lelmholtz postula os fundamentos da termodinmica. 1851 O poeta alemoca a Conccitografia. Franz Brentano publica A Psicologia do Ponto de Vista Emprico. 1879 Nasce Albert 1884 -- Frege publica Os Fundamentos da Aritmtica. Edita se Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche. 1891 Morre o matemprofessor titular em Jena. 1899 Hilbert publica Os Fundamentos dit Geometria. 1900 Morre Nietzsche. 1901 Thomas Mann publica Os Buddenhrooks: Decadncia de uma Famlia. 1903 -- Publicam se As

Einstein.

1860 - O matemtico ingls George Boole publica seu tratado acerca do Clculo das Diferenas Finitas. 1874 --- Frege torna-se livre-docente em Jena. Publi-

Georg Riemann.

Teoria sobre as Funes de uma Varivel Complexa, de

Heinrich Heine publica o Romanceiro. Publica se a

tico alemo Lcopold Kronecker. 1892 Poincar inicia a publicao do tratado Mto-

dos Novos da Mecnica Ce leste. 1896 Frege torna-se

1925 Morre em Bad Kleinen. 1969 So publicados alguns de seus mais importantes escritos, at ento inditos.

Leis Fundamentais da Aritmtica, de Frege.

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