Luciana Vieira Dallaqua Vinci · 2017. 10. 7. · Há muito tempo, a temática da democracia é...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Luciana Vieira Dallaqua Vinci
A relação entre democracia e direitos e garantias fundamentais
São Paulo
2017
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Luciana Vieira Dallaqua Vinci
A relação entre democracia e direitos e garantias fundamentais
Mestrado em Direito
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Efetividade do Direito, área de
concentração em Filosofia do Direito, sob a
orientação do Professor Doutor Alvaro Luiz
Travassos de Azevedo Gonzaga.
São Paulo
2017
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Banca Examinadora
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Dedico este trabalho à minha mãe Vera Lúcia,
exemplo de fé e perseverança, que dedicou sua
vida à minha formação pessoal e profissional.
Ao meu esposo Wilson, companheiro de todos
os momentos, e à nossa amada filha Luísa,
luz da minha vida.
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AGRADECIMENTOS
Um agradecimento especial ao meu orientador, Professor Doutor Alvaro Luiz
Travassos de Azevedo Gonzaga, que, com vivacidade, interesse genuíno e
dedicação, revelou-me os caminhos da Filosofia do Direito.
Agradeço também aos Professores Doutores Cláudio De Cicco, Luiz Alberto David
Araujo, Willis Santiago Guerra Filho e Regina Vera Villas Bôas, pelas valorosas
contribuições à minha formação.
Agradeço, ainda, ao Professor André Luiz Freire pelas valorosas contribuições feitas
na ocasião da qualificação deste trabalho.
Não poderia deixar de agradecer, em especial, ao Professor Doutor Vidal Serrano
Nunes Júnior, cujo incentivo para perseverar na vida acadêmica foi fundamental
para a conclusão deste curso.
Todos, sem exceção, são exemplos de professores que mostram, a cada dia, a
riqueza que a academia tem a oferecer.
Agradeço, por fim, ao Ministério Público do Estado de São Paulo, instituição que me
acolheu e que instigou várias das reflexões expostas neste trabalho.
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RESUMO
Há muito tempo, a temática da democracia é objeto de estudo, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O mesmo se pode dizer em relação ao assunto direitos e garantias fundamentais. Contudo, o que ainda não se traduziu em grandes pesquisas acadêmicas é justamente a relação entre democracia e direitos fundamentais. Dessa maneira, o presente trabalho procura analisar quais os principais elementos da democracia e sua relação com os direitos fundamentais. Estuda-se neste trabalho, ainda, se o respeito aos direitos fundamentais ocorre apenas em um regime democrático ou ainda se é possível falar em direitos fundamentais em regimes totalitários. Igualmente, constitui objeto de estudo saber se o relacionamento entre democracia e direitos e garantias fundamentais se traduz como algo indispensável, meramente desejável ou até mesmo irrelevante.
Palavras-chave: Democracia. Direitos humanos. Direitos e garantias fundamentais. Interdependência.
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ABSTRACT
Long time, democracy is object of study, not only in Brazil, but all over the world. The same can be said about fundamental rights and guarantees. However what has not been translated yet into major academic research is precisely the relationship between democracy and fundamental rights. In this way, the present work seeks to analyze the main elements of democracy and its relation with fundamental rights. In this work it will be study whether the respect for fundamental rights occurs only in a democratic regime, or whether it is possible to speak of fundamental rights in totalitarian regimes. Equally, it is an object of study to know whether the relationship between democracy and fundamental rights and guarantees is translated as something indispensable, merely desirable or even irrelevant.
Key-words: Democracy. Human Rights. Fundamental Rights and Guarantees. Interdependence.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 10
2. A NOÇÃO DE ESTADO 13
2.1 O Estado Democrático de Direito 15
2.2 Constitucionalismo 18
3. DEMOCRACIA 22
3.1 O desenvolvimento da democracia 23
3.2 Compromisso brasileiro em ser Estado Democrático 27
3.3 Classificações da democracia 29
3.3.1 Democracia direta e indireta 30
3.3.2 Democracia formal e substancial 32
3.4 Elementos essenciais à democracia 33
3.5 Principais instrumentos democráticos 39
3.5.1 Sufrágio universal popular 39
3.5.2 Separação de Poderes 41
3.5.3 Instituições de controle e fiscalização 43
3.5.4 Participação e controle popular dos Poderes 45
4. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 50
4.1 Antecedentes históricos 52
4.2 Conceito de direitos fundamentais 54
4.3 Diferença entre Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Direitos
Humanitários 59
4.4 Dimensões ou gerações de direitos fundamentais 62
4.5 Características dos direitos fundamentais 66
4.6 O caráter principiológico dos direitos fundamentais 68
4.7 A função contramajoritária dos direitos fundamentais 70
4.8 Eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais 74
4.9 As garantias fundamentais 78
4.10 As garantias institucionais 80
5. FLUXOS E INFLUXOS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
NO BRASIL 82
5.1 Constituição de 1824 82
5.2 Constituição de 1891 84
5.3 Constituição de 1934 85
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5.4 Constituição de 1937 86
5.5 Constituição de 1946 87
5.6 Constituição de 1967 89
5.7 Constituição de 1988 91
6. A RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA E DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS 93
6.1 As dificuldades do sistema democrático face aos direitos
fundamentais 98
6.2 Democracia: um direito fundamental 101
7. CONCLUSÃO 103
REFERÊNCIAS 106
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10
1. INTRODUÇÃO
Diversos livros e artigos científicos já foram escritos no mundo inteiro
sobre o assunto democracia. O mesmo pode ser dito em relação à temática
dos direitos fundamentais.
Todavia, a relação entre democracia e direitos e garantias
fundamentais ainda é matéria pouco analisada até os dias atuais e é
justamente esse o objeto de estudo do presente trabalho.
Nas últimas décadas, o mundo inteiro observou diversas guerras
fundamentadas no esforço para se “levar a democracia” a algum país. Como
regra, há um país ocidental (ou grupo de países ocidentais) tentando
implementar a democracia em um país oriental que não adota esse regime
político. Argumenta-se que, ao impor o regime democrático a um determinado
país, os valores inerentes aos direitos fundamentais também seriam, ipso facto,
internalizados naquela sociedade.
Contudo, não se pode esquecer que a imposição do regime
democrático em algum Estado que não o adote exige diversas mudanças para
adaptação a uma nova realidade social e política. Não se olvide que a
democracia impõe a necessidade de se conferir cidadania às pessoas, para
que possam participar efetivamente da vida política da sociedade, mediante o
acesso à informação, o respeito ao direito de opinião e ao sufrágio universal, a
transparência pública, a imprensa livre, entre outros elementos, consoante será
estudado ao longo deste trabalho.
Desta feita, procurar-se-á verificar quais os elementos essenciais ao
regime democrático, tomando-se por base, primordialmente, a realidade
brasileira.
O estudo da origem dos direitos fundamentais faz revolver todo o
percurso histórico já percorrido pelo próprio ser humano, o que também se
observa em relação ao estudo da democracia.
Desta forma, serão trazidos alguns dos diversos aspectos a respeito da
democracia ao longo da história e do que se idealiza sobre sua realização no
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11
momento histórico atual. Na mesma linha, pretende-se expor os principais
elementos referentes à consolidação da noção de direitos fundamentais
adotada até os presentes dias.
Para tanto, também será traçado um breve histórico das Constituições
brasileiras, destacando-se os principais aspectos que as caracterizaram como
mais ou menos democráticas e em que medida privilegiaram a previsão de
direitos fundamentais, observado o contexto social e político do momento em
que passaram a integrar o ordenamento jurídico-pátrio.
Procurar-se-á relacionar a democracia e os direitos fundamentais para
verificar se são, de fato, duas realidades indissociáveis ou se, ao contrário, os
direitos fundamentais são passíveis de sobrevivência em um ambiente não
democrático, a exemplo de países em que vigem regimes ditatoriais.
Assumindo-se tal objetivo, serão analisados os principais elementos e
instrumentos necessários à concretização da democracia, a exemplo da
liberdade de opinião, de expressão e de imprensa, assim como a separação de
Poderes e a previsão de instituições independentes de fiscalização e controle.
A partir do estudo dessas matérias, procurar-se-á estabelecer as
eventuais conexões entre a democracia e os direitos e garantias fundamentais,
buscando-se, ainda, respaldo doutrinário nacional e estrangeiro a respeito
dessas considerações.
O presente estudo tem por objetivo, portanto, analisar a eventual
dependência entre a efetiva observância aos direitos fundamentais em relação
a sistemas democráticos de governo e verificar se em sistemas não
democráticos há ambiente possível para a real existência dos direitos
fundamentais.
Do mesmo modo, buscar-se-á verificar se a existência dos sistemas
democráticos de governo também depende do efetivo respeito aos direitos
fundamentais e traçar um questionamento sobre a eventual simbiose entre
esses institutos.
Esclareça-se que a pesquisa exposta neste trabalho se relaciona à
realidade ocidental, em especial à brasileira, uma vez que os conceitos de
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12
democracia e de direitos fundamentais na região oriental (especialmente no
Oriente Médio) são totalmente diferentes e renderiam outro estudo de grande
envergadura.
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13
2. A NOÇÃO DE ESTADO
O vocábulo "Estado", etimologicamente, se origina do latim status e
significa “estar firme”, no sentido de conferir certa estabilidade às relações
sociais. Utilizando-se dos ensinamentos de Cláudio De Cicco e Alvaro de
Azevedo Gonzaga1, o Estado é:
[...] uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constituição escrita. É dirigido por um governo soberano reconhecido interna e externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção.
Da definição supra, extraem-se os elementos constitutivos do Estado
como sendo a população (sociedade de pessoas), o território (limites
geográficos) e o governo (forma de exercício do poder estatal).
Para explicar o surgimento do Estado, foram construídas diversas
teorias, que se revelam importantes para o estudo sobre democracia e direitos
fundamentais que se propõe neste trabalho.
Assim, antes de adentrar nos assuntos centrais, é necessário discorrer,
ainda que minimamente, sobre as principais teorias do Estado para que seja
possível cumprir o objetivo proposto, que é o de relacionar referida forma de
governar o Estado com os direitos fundamentais – os quais, como é cediço,
limitam o poder estatal.
De início, é possível afirmar que as teorias do Estado apresentam, em
comum, a noção de que o comportamento dos seres humanos precisa ser
regulado de uma maneira previsível e estável, por uma entidade juridicamente
superior aos indivíduos e detentora do poder estatal, ou seja, o poder de ditar o
comportamento dos seres humanos, afirmando o que pode e o que não pode
ser feito.
1DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 47.
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14
Convém destacar que não há um marco histórico preciso a partir do
qual o Estado tenha surgido, tampouco entendimento doutrinário unânime a
esse respeito.
Nesse aspecto, vale trazer à colação as principais teorias sobre a
origem do Estado, na esteira, uma vez mais, do lecionado por Cláudio De
Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga2: a) Teoria da Origem Natural; b) Teoria
da Origem Familiar; c) Teoria da Origem Contratual; d) Teoria da Origem
Patrimonial; e e) Teoria da Força.
A Teoria da Origem Natural sustenta que o Estado se forma
naturalmente, a partir da conjugação da família, da sociedade e de outras
diversas características, sendo impossível considerar que apenas um desses
elementos, isoladamente, originaria um Estado.3
A Teoria da Origem Familiar, sustentada por filósofos como Aristóteles
e Tomás de Aquino, apoia-se na premissa de que a família é a célula-mãe do
Estado. A partir da família é que nascem os municípios, províncias e, por fim, o
Estado em si.
A Teoria da Origem Patrimonial se funda na ideia de que o Estado
surge da união das profissões econômicas, na esteira da filosofia de Platão,
notadamente em sua obra A República.
A Teoria da Origem Contratual surgiu a partir do século XVII, em
oposição à visão tradicional clássica, e tem como grandes expoentes Thomas
Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Segundo essa teoria, o
Estado se origina de um contrato social celebrado entre indivíduos
independentes e plenamente livres (em "estado de natureza") que, em uma
situação de conflito entre seus interesses, optam, por mútuo acordo, pela
liberdade civil obediente à lei.
Vale dizer: a partir da instituição do Estado, o indivíduo não seria mais
livre para fazer tudo o que tivesse vontade, como permitido outrora no "estado
2DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 63-65. 3DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 63-65.
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15
de natureza". A partir de então, regras de comportamento social deveriam ser
seguidas, sob pena de aplicação de sanção para o indivíduo faltoso. Daí
emerge, também, a íntima relação entre o Estado e o Direito: o Estado se
utiliza do Direito para regular o comportamento social, impondo sanções a
quem desobedecer às regras impostas. O Direito é, por assim dizer, o
instrumento pelo qual o Estado pode impor a violência legítima ao indivíduo
que desrespeitar o contrato social.
A Teoria da Força se destacou no século XIX e por ela se afirma que o
Estado surgiu pela dominação dos mais fracos pelos mais fortes, que
submeteram os primeiros ao trabalho. Vale dizer que a força não se limita ao
aspecto físico, mas também à supremacia política, econômica, militar e social
como um todo.
Conhecer a historicidade da formação do Estado é importante para
analisar os diversos contextos em que a forma de exercício do poder se
estabeleceu e os influxos sofridos com o passar do tempo e as modificações
sofridas pela sociedade.
2.1 O Estado Democrático de Direito
A noção de Estado de Direito, em breve síntese, consolidou-se após a
Revolução Francesa, sob a premissa de sujeição à constituição, tanto dos
particulares quanto do próprio Estado e seus governantes. Jean Rivero e
Hugues Moutouh4 lecionam:
Essencialmente concebido como ordem jurídica hierarquizada, o Estado de direito, para ser consumado, pressupõe necessariamente a supremacia da Constituição, garantida, de um lado, pela submissão ao direito constitucional, do outro, pela sanção de toda violação por um juiz independente. Os pressupostos teóricos do Estado constitucional estão, portanto, em oposição total com os do Estado legal, na medida em que requerem a subordinação incondicional da lei à Constituição.
4RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades públicas. Tradução Maria Ermantina de
Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 144-145.
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16
Frise-se que, até então, os governantes, detentores do poder estatal,
não se sujeitavam a limites. Contudo, a partir desse marco histórico, acentuou-
se a ideia de que a titularidade do poder estatal seria do povo, que manifestaria
sua vontade por meio das leis que, pois, obrigariam a todos.
Entretanto, as leis, por si só, não eram suficientes para controlar as
ações dos governantes. Afinal, “[...] o fato de a lei ser a expressão da vontade
geral de modo algum impediu, como vimos, o legislador republicano de privar
seus inimigos políticos dos direitos e liberdades garantidos a todos”.5
Assim, a partir do Estado constitucional, passou-se a adotar uma
organização normativa hierarquizada, em que cada norma inferior encontra a
condição de sua validade em uma norma de nível superior, sendo a
constituição a norma de maior valor.6 Dessa forma, as leis, de maneira geral,
passaram a se sujeitar aos ditames constitucionais para sua conformação e
validade.
Já a noção de Estado Democrático de Direito traz a premissa de que o
poder do Estado deve se organizar e ser exercido em termos democráticos,
pelo poder político que se origina e é titularizado pelo povo – fator
indispensável para a legitimação do poder.
Nas palavras de J. J. Gomes Canotilho:7 “[...] alguma coisa faltava ao
Estado de direito constitucional – a legitimação democrática do poder”.
O termo “democrático”, portanto, passou a ser adotado para reforçar a
noção acima exposta de que a titularidade do poder estatal não é dos
governantes que, em verdade, são representantes da vontade do povo – esse,
sim, o titular do poder.
A Constituição Federal de 1988 destaca que o Brasil é um Estado
Democrático de Direito já em seu preâmbulo e em seu artigo 1º:
5RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades públicas. Tradução Maria Ermantina de
Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 147. 6 Tal assunto será analisado no capítulo referente ao constitucionalismo.
7CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 98.
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PREÂMBULO
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
TÍTULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Veja-se, portanto, que até mesmo a localização do assunto, já no
preâmbulo e na abertura do texto constitucional, demonstra a importância que
lhe foi atribuída. Para José Afonso da Silva:8
A democracia que o Estado democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, II), em que o poder emana do povo, deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por seus representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único): participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes na sociedade, há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.
8SILVA, José Afonso da. Estado democrático de direito. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, v. 173, p. 15-34, jul-set 1988. Disponível em <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/45920/44126>. Acesso em: 3 jul. 2017.
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18
Cabe salientar que não por acaso a expressão "democrático" sucedeu
o termo "estado", pois é qualificativo deste, e não do direito.
2.2 Constitucionalismo
Para explicar a relação entre democracia e direitos fundamentais,
torna-se indispensável proceder ao exame do movimento conhecido por
constitucionalismo.
De início, vale frisar que os marcos históricos do surgimento do
constitucionalismo contemporâneo são o advento da Constituição Americana
de 1787 e da Constituição Francesa de 1791.
O constitucionalismo surgiu da necessidade de se impor limites ao
poder estatal, exercido de forma abusiva durante o período do denominado
Estado Absolutista. Emergiu, pois, a indispensabilidade de se criar um
documento político-jurídico superior à vontade pessoal do governante de
ocasião, que impusesse limites ao exercício do poder estatal, no intuito de
evitar abusos em sua utilização.
Regra geral, o constitucionalismo contemporâneo se caracteriza pela
normatividade, superioridade e centralidade da constituição, transformando-a
de um documento político com baixa imperatividade para uma norma jurídica
suprema9.
Cabe esclarecer que diversos assuntos passaram a ser incluídos no
texto constitucional, a fim de se evitar que a deliberação de matérias
importantes ficasse a cargo de uma eventual "maioria legislativa de ocasião”,
na expressão de Robert Alexy.10
Assim, a opção pela constitucionalização de diversos assuntos surgiu
como forma de se obrigar os dirigentes dos rumos de cada Estado a respeitar
9BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das
políticas públicas. In: CAMARGO, Marcelo Novelino [Org.]. Leituras complementares de constitucional. 2. ed. Salvador: Jus Podivm, 2007. p. 44. 10
ALEXY, Robert. Los derechos fundamentales en el Estado Constitucional Democrático. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 37-38
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os preceitos constitucionais, tendo em vista que, como é cediço, a partir do
constitucionalismo, a constituição passou a ser o documento mais importante
existente em um ordenamento jurídico.
Essa constitucionalização do Direito origina uma releitura da aplicação
das normas jurídicas que, a partir de então, devem passar por um prévio filtro
constitucional antes de lançarem sua eficácia sobre os fenômenos sociais.
A constituição passa a ser, ao mesmo tempo, o centro e o ápice de
todo o ordenamento jurídico, fornecendo elementos inclusive para a análise e
confronto de opções políticas tomadas pelos Poderes Executivo e Legislativo.
Dessa maneira, no Estado Constitucional, os atos praticados pelo
Poder Público devem obediência irrestrita à Carta Magna, seja em seu aspecto
formal ou material, sob pena de serem considerados inválidos.
Esse cenário permaneceu incólume até o fim da Segunda Guerra
Mundial, quando as barbáries praticadas em seu período suscitaram
discussões a respeito da efetividade e conteúdo das Constituições no que
tange aos direitos fundamentais, bem como à sua força normativa. A este
movimento histórico, atribuiu-se a denominação de neoconstitucionalismo. Nas
palavras de Dirley da Cunha Júnior:11
[...] as Constituições do pós-guerra inovaram com a incorporação explícita em seus textos de valores (especialmente associados à promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais) e opções políticas gerais (como a redução das desigualdades sociais) e específicas (como a obrigação de o Estado prestar serviços na área da educação e saúde).
11
CUNHA JÚNIOR, Dirley. Temas de Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais: neoconstitucionalismo e o novo paradigma do Estado Constitucional de Direito: um suporte axiológico para a efetividade dos direitos fundamentais sociais. Salvador: Jus Podivm, 2007. p. 72.
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20
Para Miguel Carbonell, três elementos são essenciais para o
surgimento do denominado neoconstitucionalismo: o texto constitucional, a
prática jurisprudencial e o desenvolvimento teórico.12
Desse fato advém uma das críticas ao neoconstitucionalismo: tendo em
vista que, em nosso país, cabe ao Poder Judiciário a guarda da constituição
federal e sabendo-se que, para a teoria neoconstitucional, praticamente todo
assunto encontra guarida na Carta Magna (fenômeno da “constitucionalização”
da vida), há quem afirme a existência de uma sobreposição do Poder Judiciário
em relação aos demais Poderes; afinal, é o Poder Judiciário que dita a última
palavra em assuntos variados.
Cabe ressaltar que essa não é uma exclusividade do Brasil, pois o
fenômeno ocorre em praticamente todos os demais países que adotam uma
constituição rígida. Afinal, é possível afirmar que, atualmente, em praticamente
todas as Constituições democráticas, pode ser encontrado um elenco mais ou
menos abrangente dos direitos de liberdade e dos direitos fundamentais em
geral.13
A supremacia do Poder Judiciário pode ser facilmente explicada por um
silogismo: tendo em vista que, com o constitucionalismo, inúmeros assuntos
ganharam status constitucional (premissa maior) e sabendo-se que cabe ao
Poder Judiciário a guarda da constituição (premissa menor), segue a conclusão
de que o Poder Judiciário cresce em importância e adquire um protagonismo
mormente a partir do século XX, que se estende até agora, em pleno século
XXI.
Além do protagonismo do Poder Judiciário, há outras características
inerentes ao neoconstitucionalismo, como a normatividade da Carta Magna
(que, em verdade, já estava presente desde o movimento anterior, do
constitucionalismo) e a aplicação direta dos princípios constitucionais às
relações jurídicas (esta sim uma verdadeira novidade do
neoconstitucionalismo).
12
CARBONELL, Miguel. El Neoconstitucionalismo: significado y niveles de análisis. In: CARBONELL, Miguel; JARAMILLO, Leonardo (orgs.). El canon neoconstitucional. Madrid: Trotta, 2010. p. 154-155. 13
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Trad. Marlene Holzhausen. Revisão
técnica Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 136.
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21
É de se frisar que a aplicação dos princípios constitucionais às relações
envolvendo os indivíduos e o Estado, em especial quanto aos direitos
fundamentais, tem ampla aceitação na doutrina e na jurisprudência. Isso
porque, como os direitos fundamentais possuem caráter principiológico, não se
nega a possibilidade desses princípios serem invocados pelos indivíduos em
face do Estado, principalmente sabendo-se que os direitos fundamentais
surgiram, historicamente, como forma de limitação do poder estatal.
Salienta-se, ainda, que, com o avançar da história, tais princípios
constitucionais, notadamente relativos a direitos fundamentais, foram
assumindo cada vez mais força e importância, passando a incidir, também, nas
relações entre particulares, como se verá adiante no tópico em que se expõe a
eficácia dos direitos fundamentais.
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22
3. DEMOCRACIA
Quando se menciona o vocábulo “democracia”, é frequente a
associação com a democracia ateniense enquanto primeiro modelo dessa
forma de governo, originada no século V a.C.
Em breve síntese, é possível afirmar que os princípios norteadores da
democracia ateniense eram a isonomia, que assegurava a igualdade civil e
política de todos perante a lei escrita; a isocratia, que justificava a concentração
da soberania e do poder no dêmos; e a isagoria, que protegia a liberdade de
opinião e a igualdade de direitos no uso da palavra na Ágora.14
Entretanto, é necessário destacar o contexto em que a democracia
ateniense se desenvolveu. A realidade política daquele momento histórico era
marcada pela força da comunidade familiar e pelo “culto à pólis”: a pólis era,
inclusive, objeto de especial preocupação dos filósofos, pois era o elemento
agregador dos cidadãos. Quem não integrasse a pólis não tinha o
reconhecimento de direitos – como era o caso de estrangeiros e escravos
oriundos das guerras.
Mesmo no interior da pólis, havia uma declarada distinção entre as
pessoas: havia cidadãos e não cidadãos. Somente era considerado cidadão o
homem adulto (maior de idade) livre. Assim, restavam excluídos dessa
definição as mulheres, as crianças, os idosos, os estrangeiros e os escravos –
que eram considerados pertenças do homem adulto livre.
Nesse contexto, somente ao homem adulto livre ateniense era
permitido deliberar sobre o futuro da pólis. É simples constatar, portanto, que a
atividade política era baseada na exclusão, para que, de forma preliminar,
fossem selecionadas as pessoas capazes de decidir o futuro próprio e das
demais, o que é substancialmente diferente da democracia que se imagina
ideal para os dias atuais.
14
GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do Direito: a expansão política do direito. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 158.
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23
Constata-se que nessa configuração de sociedade não se falava em
direitos próprios do indivíduo. Durante a existência da pólis, a preocupação
principal era a de preservá-la, sendo que o indivíduo em si restava em segundo
plano – interessava apenas enquanto integrante da pólis.
No período medieval e no início da idade moderna, a discussão sobre
democracia perdeu força. Tais períodos foram inicialmente marcados por
diversas invasões de territórios e sobreposição de povos vencedores sobre os
vencidos em guerras. Houve grandes reviravoltas culturais, em que se perdeu,
inclusive, a escrita, somente recuperada no fim do século IX.
A preocupação com os ideais democráticos somente ressurgiu a partir
do século XVII, como reação aos antigos ardores religiosos e ao
desvirtuamento da concentração do poder nas mãos de uma só pessoa, típico
do período absolutista – dos abusos da monarquia fez-se a tirania. Essa reação
propiciou ambiente favorável ao aparecimento de governos democráticos, com
a Confederação Helvética e, posteriormente, a República Holandesa.
Merecem destaque, ainda, a Independência Americana, em 1776, a
Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Industrial como fatos históricos
relevantes na concretização dos ideais democráticos.15
Evidencia-se, portanto, que a democracia foi concebida de diversas
maneiras diferentes ao longo da história, da qual sofreu influxos
permanentemente, o que será objeto de aprofundamento nos tópicos que
seguem.
3.1 O desenvolvimento da democracia
O termo “democracia” tem sido utilizado amplamente nas mais diversas
situações, normalmente como um ideal positivo a ser perseguido em todo e
qualquer tipo de sociedade ao redor do mundo. A palavra é cotidianamente
utilizada na linguagem política e na linguagem comum, ou seja, não apenas no
15
GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do Direito: a expansão política do direito. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 162.
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24
ambiente jurídico e filosófico, motivo pelo qual seu sentido não é unívoco.A
tarefa de conceituar o instituto é, assim, especialmente complexa, mas
necessária para o desenvolvimento do trabalho.
Neste trabalho acadêmico, é necessário apontar, o tanto quanto
possível, o que se entende por democracia. Nesse sentido, é evidente que não
basta a análise da etimologia da palavra, aspecto importante mas insuficiente
para a estruturação da ideia a ser desenvolvida. É preciso ir além e trazer a
lume outros elementos capazes de fundamentar a defesa que se pretende
expor.
Etimologicamente, o termo “democracia” remete a governo do povo. De
forma simplória, é possível apreender a ideia central do termo, que se
contrapõe ao governo de um ou de alguns sobre todas as pessoas. Neste
aspecto, Bobbio16 afirma que:
O pensamento político grego nos transmitiu uma célebre tipologia das formas de governo das quais uma é a democracia, definida como governo dos muitos, dos mais, da maioria, ou dos pobres (mas onde os pobres tomam a dianteira é sinal de que o poder pertence ao pléthos, à massa), em suma, segundo a própria composição da palavra, como governo do povo, em contraposição ao governo de uns poucos.
Além da análise etimológica, é imprescindível refletir a respeito da
origem histórica da democracia, qual seja, a sociedade ateniense. É certo que
a democracia grega não é a mesma da atualidade. Afinal, um instituto tão
intimamente ligado às raízes da sociedade sofreu, com ela, modificações ao
longo do tempo e, ainda, do espaço – uma vez que o que se entende por
democracia em determinado Estado pode ser muito diferente do que se
entende em outro.
16
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2013a. 11ª reimpressão da 6. ed. de 1994. p. 31.
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25
Sobre a modificação do sentido de democracia, Niklas Luhmann17
sustenta que:
Com o conceito de democracia, ocorre, por exemplo, algo similar: pode-se optar pela continuidade no uso do termo, devido à sua aceitação social, mas é evidente que ele deve ser empregado com um significado totalmente diverso quanto a se tratar verdadeiramente de um poder do povo.
A continuidade na utilização do termo, portanto, se justifica diante da
permanência da referência principal da democracia, qual seja, a de que o poder
pertence ao povo. Bobbio18 sintetiza esse raciocínio dizendo que:
[...] o significado descritivo geral do termo não se alterou, embora se altere, conforme os tempos e as doutrinas, o seu significado valorativo, segundo o qual o governo do povo pode ser preferível ao governo de um ou de poucos e vice-versa.
Essencialmente, ainda é possível afirmar que o reconhecimento de que
a titularidade do poder é do povo é que caracteriza a democracia desde seu
surgimento.
Nesse sentido, de acordo com Norberto Bobbio,19 confluem três
grandes tradições do pensamento político na teoria contemporânea da
democracia:
a) Teoria clássica – divulgada como teoria aristotélica das três
formas de governo, em que a democracia é o governo do povo, de todos os
cidadãos – aqueles que gozam dos direitos de cidadania – em contraposição à
monarquia, como governo de um só, e da aristocracia, como governo de
poucos. Merece destaque, também, a classificação das cinco formas de
17
LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Trad. Ana Cristina Arantes Nasser. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 162. 18
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2013a. 11ª reimpressão da 6. ed. de 1994. p. 31. 19
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmen C. Varriale et al. 13. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2010. v. 1. p.319-320.
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26
governo descritas por Platão, como sendo a aristocracia, a timocracia, a
oligarquia, a democracia e a tirania. Bobbio ressalta que Platão,20 "distinguindo
as formas más de Governo com base no critério da legalidade e da
ilegallidade", sustenta que "a Democracia é considerada a menos boa das
formas boas e a menos má das formas más de Governo".
b) Teoria medieval – de origem romana, fundada na soberania
popular. Sustenta a contraposição de uma concepção ascendente a uma
concepção descendente da soberania de acordo com o poder supremo: se este
deriva do povo e se torna representativo (democracia) ou se deriva do príncipe
e se transmite por delegação do superior para o inferior (monarquia). Em outras
palavras: se o poder é exercido de baixo para cima, da base para o topo, trata-
se de democracia; se é exercido de cima para baixo, do topo para a base da
sociedade, trata-se de monarquia.
c) Teoria moderna – conhecida como teoria de Maquiavel, nasceu
com o Estado moderno na forma das grandes monarquias. Segundo essa
teoria, as formas históricas de governo são: a monarquia e a república. A
antiga democracia nada mais é que uma forma de república, em contraposição
à outra, que é a aristocracia.
Paulo Bonavides,21 por seu turno, traz a seguinte contribuição:
De tal sorte que a democracia é o princípio contemporâneo mediante o qual se confere legitimidade a todas as formas possíveis de convivência; poder-se-ia até dizer o único princípio legitimante da cidadania e da internacionalidade. Foi princípio filosófico nas revoluções; é jurídico nas elaborações pacíficas de cada sistema de governo que deve reger os cidadãos ou dirigir os Estados nas suas relações mútuas.
Nesse aspecto, vale destacar o lecionado por Willis Santiago Guerra
Filho e Henrique Garbellini Carnio, no sentido de que o conceito mais simples e
significativo de democracia, aceito por importantes politicólogos, é aquele
20
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política.
Trad. Carmen C. Varriale et al. 13. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2010. v. 1. p. 320. 21
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 350.
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27
elaborado por Heródoto de Halicarnasso e ampliado por Lincoln em seu
discurso em Gettysburg: governo do povo, para o povo, pelo povo.
Acrescentam os mencionados autores, ainda, que “[...] a democracia é um
sistema de governo, uma forma de organização do poder, que inclui a
liberdade. Para Kelsen, a democracia é, sobretudo, um caminho: o da
progressão para a liberdade”.22
3.2 Compromisso brasileiro em ser Estado Democrático
A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988
inaugurou um novo período democrático, após a prevalência da ditadura no
lapso temporal imediatamente anterior, de 1964 a 1987.
O preâmbulo da Constituição de 1988 estabelece expressamente que o
Estado deverá ser democrático:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Vale dizer que o preâmbulo expõe valores aos quais deve se destinar a
vocação do Brasil daquele momento em diante. Tem, portanto, natureza
diretiva, no sentido de apontar o caminho e os objetivos a serem perseguidos
pelo novo Estado inaugurado pela Constituição de 1988.
22
GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do Direito: a expansão política do direito. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 152-153.
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28
Frise-se que há vários entendimentos a respeito da relevância jurídica
do preâmbulo. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito,
ocasião em que afirmou que o preâmbulo não constitui norma central, de
reprodução obrigatória pelas Constituições estaduais, não tendo, pois, força
normativa.23
Cláudio De Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga24 ponderam, porém,
que:
Embora a corte máxima brasileira tenha se posicionado no sentido supra e possamos parecer um grito destoante da maioria dos doutrinadores, entendemos, data maxima venia, que o preâmbulo é o supremo paradigma para entender o espírito da Constituição, destinado a sanar qualquer dúvida sobre a intenção dos constituintes, contribuindo até para resolver antinomias entre artigos diferentes da mesma Constituição, sendo este até mesmo superior a uma norma constitucional, pois como assevera Miguel Reale: “O jurista não pode prescindir de certas bases comuns para a compreensão do direito, sem que todo o destino do direito como realidade humana ficaria comprometido”.
Observa-se, assim, que a força oriunda do preâmbulo da Constituição
Federal é reconhecida, em maior ou menor grau, a depender a orientação
doutrinária adotada. Nesse sentido, vale destacar, uma vez mais, as
considerações de Cláudio De Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga25 em
relação ao compromisso democrático expresso no preâmbulo da atual
Constituição Federal: "[...] a intenção clara de criar um Estado Democrático
23
EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2076, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/08/2002, DJ 08-08-2003 PP-00086 EMENT VOL-02118-01 PP-00218). (BRASIL. Constituição (1988). Ementa: constitucional. Constituição: preâmbulo. Normas centrais. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000096542&base=baseAcordaos>. Acesso em: 18 jul. 2017.) 24
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 129-130. 25
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 131.
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29
revela a preocupação com a salvaguarda da democracia, como principal
objetivo, depois de vinte anos de ditadura militar no Brasil".
A Constituição ainda traz a opção pela democracia ao longo de todo
seu texto, de forma explícita ou implícita. O Título I, denominado Dos Princípios
Fundamentais, especifica em dois pontos a adoção do regime democrático.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Em muitos outros artigos constitucionais, aponta-se que o regime
democrático deve permear todas as relações jurídicas. Constata-se, dessa
forma, que houve grande preocupação em reforçar a adoção do regime
democrático, afirmando-o como princípio fundamental da República Federativa
do Brasil.
3.3 Classificações da democracia
É cediço que a classificação de institutos em um trabalho acadêmico é
parte importante para o desenvolvimento do raciocínio a ser exposto. Da
mesma forma, sabe-se que não há classificações corretas ou incorretas, mas
úteis ou não.
Nesse sentido, entre tantas classificações encontradas na doutrina a
respeito da democracia, foram selecionadas aquelas que mais apresentam
afinidade com o tema deste trabalho, a fim de buscar objetividade na análise do
problema.
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30
Assim é que se mostra relevante a separação entre a democracia
direta e indireta, bem como a diferenciação entre a democracia formal e
substancial, consoante adiante exposto.
3.3.1 Democracia direta e indireta
A presente classificação se refere ao modo pelo qual a democracia é
exercida em determinado local.
Como regra, o estudo da democracia desde suas origens remete ao
exercício direto da soberania pelo povo, como originariamente ocorria na
sociedade ateniense. As deliberações eram realizadas pelo voto direto e
pessoal, sem intermediários, o que era possível diante da reduzida quantidade
de pessoas aptas a deliberar, aquelas poucas reconhecidas como cidadãos.
Nesse sentido, Paulo Bonavides26 destaca os elementos da
democracia direta na Grécia Antiga:
Tudo completamente distinto das estruturas sociais do antigo Estado-cidade, da Grécia clássica, onde a cidadania inteira poderia ser congregada e auscultada na “ágora”, no recinto de uma praça pública, para deliberar “viva você” sobre todos os assuntos de Governo; um Estado, enfim, onde, parodiando a célebre imagem de Lincoln sobre a democracia, todo cidadão vivia integralmente da “pólis”, para a “pólis” e pela “pólis”.
O homem político da Grécia, por sua condição de homem livre, se desatara, por inteiro, dos laços profissionais de trabalho com que prover a própria subsistência. Cabia ao braço escravo naquela sociedade de privilégios executar todas as tarefas econômicas essenciais de produção. O ser livre, o cidadão, ao contrário do que ocorre em nosso tempo, ficava desse modo capacitado a consagrar cada hora, cada minuto, cada fração de sua vida às reflexões, meditações e análises do fenômeno político que lhe envolvia a existência e do qual, sem poder separar-se, pendia a segurança de sua liberdade.
26
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 353.
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31
No entanto, com o crescimento das cidades e, posteriormente, dos
Estados, bem como com a crescente complexidade das sociedades, a
democracia direta passou a se tornar de difícil exercício. Afinal, passou a ser
inviável a reunião de todos os cidadãos para deliberar a respeito do futuro
comum a todos.
A partir disso, o regime democrático passou por uma importante
modificação, admitindo-se o exercício da soberania por meio de outras
pessoas, escolhidas para representar a vontade popular nessas deliberações.
Eis aí, então, a democracia indireta ou representativa.
Destaca Norberto Bobbio27 que:
O que se considera que foi alterado na passagem da democracia dos antigos à democracia dos modernos, ao menos no julgamento dos que veem como útil tal contraposição, não é o titular do poder político, que é sempre o „povo‟, entendido como o conjunto dos cidadãos a que cabe em última instância o direito de tomar decisões coletivas, mas o modo (mais ou menos amplo) de exercer esse direito.
Ressalte-se que a democracia direta e a indireta não são institutos
opostos, mas complementares. Vale ressaltar, nesse aspecto, o lecionado por
Bobbio:28
[...] tanto a democracia direta quanto a indireta descendem do mesmo princípio da soberania popular, apesar de distinguirem pelas modalidades e pelas formas com que essa soberania é exercida.
Para Paulo Bonavides,29 o conceito atual de democracia direta não
deve coincidir integralmente com o adotado na Grécia Antiga. Isso porque,
27
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2013a. 11. reimpressão da 6. ed. de 1994. p. 31-32. 28
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2013a. 11. reimpressão da 6. ed. de 1994, p. 34. 29
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 354.
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32
segundo sustenta, a adoção da democracia direta não implica no banimento
das formas de representação. Para o autor, o indispensável para definir a
democracia direta é que o povo tenha ao seu dispor os instrumentos de
controle da democracia, para uma efetiva e desembaraçada participação.
Ressalta o jurista:
Sem isso a participação será sempre ilusória, e o é nas chamadas democracias representativas do Terceiro Mundo, onde aqueles instrumentos compõem, não raro, o biombo atrás do qual se ocultam as mais obnóxias ditaduras sociais de confisco da liberdade humana.
Ressalte-se que há doutrinadores que privilegiam uma ou outra forma
de democracia, exaltando suas características como qualidades. Entretanto,
prefere-se sustentar que as formas direta e indireta do exercício da soberania
possuem, cada qual, aspectos positivos e negativos, sem que haja a
supremacia de uma sobre a outra.
3.3.2 Democracia formal e substancial
A diferenciação entre a democracia formal e a democracia substancial
se revela de suma importância para o desenvolvimento do tema proposto.
A democracia formal se refere à maneira pela qual os assuntos de uma
comunidade são decididos, a partir das escolhas do povo, pelo exercício da
soberania. Entretanto, os assuntos deliberados não são limitados a
determinada esfera ou pauta política. Norberto Bobbio afirma que a democracia
formal está diretamente relacionada à formação do Estado liberal.30 Adotando-
se tão somente a democracia formal, é possível considerar democrática a
eleição de um governante tirano, por exemplo, pelo simples fato de que os
cidadãos foram às urnas para elegê-lo – ainda que tenha sido o único
30
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2013a. 11. reimpressão da 6. ed. de 1994. p. 38.
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33
candidato, ou que tenha violado todas as regras para concorrer ao cargo
pretendido.
A democracia substancial, por outro lado, relaciona-se não apenas à
forma de deliberação e exercício da soberania, mas limita a disponibilidade das
matérias a serem decididas. Como exemplo, é possível indicar a limitação de
deliberação a respeito dos direitos fundamentais. Nesse aspecto, não basta
que o povo decida sobre tal temática, de forma direta ou indireta, mas deverá
fazê-lo sem diminuir o espectro de proteção desses direitos.31
No presente estudo, portanto, essa classificação é de suma relevância,
uma vez que se relaciona diretamente ao cerne da questão, tendo em vista que
ambos os enfoques são igualmente legítimos. No entanto, é de se indagar:
basta a democracia formal para efetivo respeito aos direitos fundamentais? É
possível defender a tutela dos direitos fundamentais em um ambiente apenas
formalmente democrático? Ou a democracia substancial é indispensável para a
tutela dos direitos fundamentais?
3.4 Elementos essenciais à democracia
Após a explanação sobre a noção e a classificação da democracia, é
conveniente refletir a respeito de quais elementos podem ser considerados
essenciais para sua efetiva existência.
Como sobredito, a tentativa mais básica de definição da democracia
parte da ideia de regime político fundado no poder do povo. No entanto, essa
noção não é suficiente para entender como o poder popular pode,
efetivamente, definir o rumo político de um país.
Isso significa dizer que não basta afirmar que a democracia é o regime
em que o poder advém do povo, que definirá seu próprio destino. É necessário
verificar por quais meios e formas a expressão desse poder se dará e o que
será considerado essencial, portanto, para a sobrevivência desse regime.
31
A função contramajoritária dos direitos fundamentais tem relação direta com a democracia substancial e será objeto de um capítulo específico neste trabalho.
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34
Primeiramente, há que se destacar que, para que o povo efetivamente
tenha o poder de decisão, deverá dispor de todas as informações relevantes
para que possa formar seu convencimento de forma livre e consciente. Neste
aspecto, merece destaque o entendimento exposto por Reinhold Zippelius:32
O ideal de uma livre formação da opinião pública tem várias raízes. Devem ser salientados o relativismo político-ideológico, que não admite a monopolização da pretensão da verdade; depois, a confiança na racionalidade da discussão pública; a ideia liberal de uma livre concorrência e de um equilíbrio recíproco das opiniões concorrentes; e, por fim e sobretudo, também a ideia democrática de que cada indivíduo deve participar ele próprio na formação da vontade comum à qual está subordinado. O essencial neste ideal democrático de liberdade é a participação própria na decisão, que não pode ser falsificada por um dirigismo da opinião convertendo-a em mera aclamação.
Thomas Fleiner-Gerster33 adverte que o acesso à informação, a ser
franqueado tanto pelas autoridades públicas quanto pelas particulares, é
indispensável à concretização da liberdade de expressão:
No entanto, a liberdade de expressão sem informar amplamente a população sobre o governo, a administração e a economia é praticamente inútil. O corolário da liberdade de expressão, isto é, a liberdade de informação, necessita, por essa razão, de uma concretização abrangente. Até que ponto as autoridades ou outros grupos sociais dirigentes estão dispostos a informar constitui, muitas vezes, o barômetro para indicar com precisão o grau de realização da liberdade de opinião e da liberdade de imprensa no Estado em questão.
O acesso às informações deve ser, como regra, ilimitado, o que abrange
os assuntos relativos ao governo, assim como a vida pública dos governantes e
32
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 399. 33
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Tradução Marlene Holzhausen.
Revisão técnica Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 154.
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35
dos servidores públicos em geral. O sigilo, portanto, deve ser motivado e
excepcional. Reinhold Zippelius34 se manifesta sobre esse aspecto:
Também a solução das questões concretas da política se deveria encontrar através da discussão pública, livre e racional. Esta ideia moldou o conceito de opinião pública tal como o entendeu o século XIX: não como um estado de espírito emocional, sugerido e irreflectido da multidão, mas como uma opinião fundada em informações objectivas e que se forma através de uma argumentação racional à luz da publicidade.
Nessa linha de pensamento, exsurge a relevância da preservação da
liberdade de imprensa, tendo em vista que os meios de comunicação,
sobretudo os de massa, possuem grande aptidão para trazer a lume e difundir
importantes informações para subsidiar a formação da opinião pública.35
Além disso, o povo deve ter a garantia de livre expressão de suas
opiniões, sem que haja prévia censura ou sanções decorrentes de opções
políticas. Thomas Fleiner-Gerster destaca a relevância da liberdade de
expressão neste aspecto:
O desenvolvimento histórico da liberdade de expressão mostra que ela está intimamente ligada com a edificação dos direitos políticos. Esta liberdade é um pressuposto dos processos de decisão democráticos. De fato, as decisões objectivas tomadas democraticamente pela maioria, e que, em última análise, servem também ao bem comum, não são possíveis senão quando as alternativas em discussão podem ser criticamente avaliadas em um debate aberto e no qual cada um tem uma chance justa de fazer valer o seu argumento em um processo de decisão.
34
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de
Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 402. 35
“São sobretudo os meios de comunicação social que participam decisivamente na formação e na difusão do poder da opinião. Isso sucede em especial por via da seleção as informações – ainda a apresentar – que são tornadas acessíveis ao público, por meio da articulação do processo de formação da opinião (IV 1) e, não menos importante, também por meio da escolha daqueles a quem os „media‟ concedem um lugar influente no fórum da discussão pública (IV 2)”. ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 402.
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36
A forma de tomada de decisões, por outro lado, é sempre lembrada
como a vontade da maioria. Vale dizer, porém, que essa afirmação traduz uma
pequena parte do complexo sistema de tomada de decisões em uma
democracia.
Isso porque a vontade da maioria pode ser considerada, mas esbarra
em limites, tendo em vista que não é possível livremente dispor de todo e
qualquer assunto. No sistema constitucional brasileiro, um desses limites
materiais diz respeito aos direitos e garantias individuais, que não podem ser
objeto de deliberação tendente à extinção.36
Ademais, o sistema democrático deve proteger os direitos das
chamadas minorias, cujas opiniões também devem ser consideradas nas
tomadas de decisões, assegurando-se a liberdade de expressão amplamente
para que sejam entendidas e ouvidas tempestivamente.37 Aqui, vale esclarecer
que não se trata de minoria apenas quantitativa, mas de grupos de pessoas
que, por diversos fatores, encontrem-se em condição de vulnerabilidade.
Frise-se que não é tarefa simples definir em que consiste a minoria. Nas
palavras de J. J. Gomes Canotilho:38
A noção de minorias e de direitos de minorias levanta muitos problemas. Minoria será, fundamentalmente, um grupo de cidadãos de um Estado, em minoria numérica ou em posição não dominante nesse Estado, dotado de características étnicas, religiosas ou linguísticas que diferem das da maioria da população, solidários uns com os outros e animados de uma vontade de sobrevivência e de afirmação da igualdade de facto e de direitos com a maioria.
Nesse aspecto, é possível destacar os direitos das mulheres, dos
idosos, das crianças, dos negros, dos índios, entre outros grupos que são ou
36
A Constituição Federal brasileira dispõe, em seu artigo 60, § 4º, IV, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais. 37
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Tradução Marlene Holzhausen.
Revisão técnica Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 153. 38
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 387.
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37
podem vir a ser considerados especialmente frágeis frente aos demais que
formam a maioria.
Assim é que as maiorias devem conviver de forma harmônica com as
minorias, respeitando-se a igualdade de tratamento quanto à observância dos
direitos fundamentais e também de oportunidades para formar e expressar as
próprias opiniões. Merece destaque o lecionado por Dalmo de Abreu Dallari:39
Eminentes pensadores desenvolveram a ideia de Democracia, que, em síntese, deverá ser uma forma de organização e governo em que seja reconhecida a igualdade essencial de todos os seres humanos, em direitos e dignidade, assegurando-se a todos a satisfação de suas necessidades essenciais, bem como a possibilidade de influir na tomada de decisões sobre questões de interesse comum.
A expressão dessa opinião, ademais, deve ser periódica, por um simples
motivo: o povo se renova a cada momento; não é uma massa estática. Além
disso, a realidade também não é estanque e a opinião popular está sujeita a
mudanças. Assim, as decisões tomadas não são definitivas e podem ser
revistas por seus titulares.
Nesse sentido, o voto é a forma mais conhecida de expressão periódica
de opinião popular, de tomada de decisões pelo povo de maneira direta. Uma
das formas de exercício do voto é a eleição de representantes que, para isso,
deve respeitar certa periodicidade, tanto para que haja uma avaliação
constante dos eleitos quanto para permitir que outros se candidatem a ocupar
cargos públicos eletivos.
Reinhold Zippelius40 elucida que:
39
DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado democrático e social de direito. In: ENCICLOPÉDIA jurídica da PUC-SP. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/70/edicao-1/estado-democratico-e-social-de-direito>. Acesso em: 3 jul. 2017. 40
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 404.
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38
Nas democracias, a opinião pública exprime-se diretamente, através de eleições periódicas, na designação dos órgãos do Estado e numa opção entre alternativas políticas. A formação da opinião pública surge, neste caso, verdadeiramente como „pré-figuração da formação da vontade política do povo‟, se bem que ela própria ainda não seja vontade orgânica do Estado.
Ressalte-se que a periodicidade do voto varia de acordo com cada
sistema constitucional. O objetivo desta característica é evitar a vitaliciedade
nos mandatos eletivos e impor delimitação temporal prévia nos seus exercícios,
viabilizando-se a renovação quanto aos ocupantes de tais cargos. Nas palavras
de J. J. Gomes Canotilho:41 “Poder a tempo, mudado no tempo
constitucionalmente previsto, é, pois, a consequência fundamental do princípio
da renovação”.
Nesse aspecto, também deve ser assegurada ao cidadão a
oportunidade de ocupar cargos públicos, sejam eletivos ou por meio de
processos seletivos, a exemplo de concursos públicos. As exigências para
tanto devem ser pautadas na igualdade, admitindo-se diferença de tratamento
apenas quanto a eventuais vulnerabilidades de determinados grupos de
pessoas. O exemplo mais comum dessa diferenciação legítima é a de formas
especiais de ingresso no serviço público por pessoas com deficiência.
Em outras palavras, em um regime democrático, apenas se pode admitir
o tratamento diferenciado entre as pessoas que concorram a um cargo público
se pautado em discriminações positivas, ou seja, para que se promova a
igualdade material.42
41
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 306. 42
As denominadas ações afirmativas são um exemplo de instrumentos tendentes a assegurar a igualdade material.
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39
3.5 Principais instrumentos democráticos
A democracia pressupõe a existência de instrumentos de controle da
atuação estatal, por meio dos quais é viabilizada a efetiva participação popular.
A existência da democracia tem por premissa, portanto, a existência de certos
elementos instrumentais que a caracterizam, todos relacionados ao exercício
da soberania pelo povo.
3.5.1 Sufrágio universal popular
O sufrágio é o direito de votar e de ser votado. O voto é a forma de
exercer o direito ao sufrágio. Escrutínio é a forma de exercer o voto.
A questão que se coloca é o que se compreende por universal no
escrutínio. Significa dizer quais predicados um indivíduo deverá reunir para ser
considerado apto a exercer o direito de votar e ser votado?
Convém ressaltar que a definição do conceito “povo” variou ao longo
do tempo e ainda varia de acordo com o espaço, pois seu significado sofreu
alterações ao longo da evolução histórica e política e ainda varia de acordo
com a realidade de cada país. Afinal, cada país é que especifica os requisitos
para que um indivíduo seja considerado parte integrante de seu povo.
Ademais, não é suficiente que um indivíduo seja considerado parte do
povo de um país para que tenha capacidade para participar ativa e
passivamente do sufrágio. Assim é que, na Grécia Antiga, considerou-se que
apenas o indivíduo do sexo masculino, adulto e livre poderia exercer o sufrágio.
Excluía-se tal direito das mulheres, escravos, estrangeiros e idosos.
No Brasil, o direito de votar e de ser votado era restrito aos indivíduos
do sexo masculino até o ano de 1932. Somente a partir desse ano é que foi
reconhecido tal direito às mulheres.
Atualmente, considera-se apto a votar no Brasil o indivíduo maior de 16
anos de idade. Não há distinção em relação ao sexo, origem, capacidade
![Page 40: Luciana Vieira Dallaqua Vinci · 2017. 10. 7. · Há muito tempo, a temática da democracia é objeto de estudo, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O mesmo se pode dizer](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022011922/60497950f5fea726d710817f/html5/thumbnails/40.jpg)
40
intelectual ou qualquer outra característica específica. Há hipóteses
constitucionais e legais de suspensão deste direito, o que, por óbvio, são
excepcionalidades.
O sufrágio universal é um dos mais importantes instrumentos para
assegurar a participação popular na condução da vida política da comunidade.
A forma mais conhecida de exercício desse direito é a participação em eleições
periódicas nos diferentes níveis de governo, como acima especificado. No
entanto, o sufrágio não se restringe a essa possibilidade: é também exercitável
nos plebiscitos e referendos, que igualmente constituem instrumentos
valorosos de participação popular.
Convém ressaltar que, em cada uma dessas formas de exercício do
sufrágio, não basta assegurar ao indivíduo a oportunidade de escolha: deve ser
franqueado o acesso amplo às informações necessárias para subsidiar sua
decisão. Do contrário, haverá apenas a observância formal desse direito, e não
substancial.
Em outras palavras, não é suficiente que o indivíduo possa optar entre
o candidato A ou B. É indispensável que haja livre acesso à biografia desses
candidatos, às atribuições que irão exercer se eleitos, quais as propostas de
governo, dentre outras informações relevantes à formação do convencimento
do eleitor.
Ademais, não basta que se estabeleça que os rumos políticos de
determinado povo sejam decididos pelo voto. É necessário assegurar que
todos os votos tenham o mesmo peso, o mesmo valor, para que se admita a
existência de um verdadeiro ambiente democrático.
Quanto a este último aspecto, J. J. Gomes Canotilho43 expõe que:
O princípio da unicidade é um corolário lógico do princípio da igualdade. Se os votos todos têm o mesmo peso, também o cidadão-eleitor é vedado defraudar o princípio um homem um voto. O eleitor só vota uma vez.
43
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 306.
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41
Assim, cada eleitor tem direito a apenas um voto, independentemente
de suas características pessoais, a fim de assegurar o efetivo respeito à
igualdade na formação e expressão da opinião pública.
3.5.2 Separação de Poderes
De início, vale destacar que a separação de Poderes, em verdade,
refere-se à separação das funções do Estado, tendo em vista que o poder
estatal é uno e indivisível. Segundo ensinam Luiz Alberto David Araujo e Vidal
Serrano Nunes Júnior:44
[...] a capacidade de determinar o comportamento de outras pessoas – poder – não pode ser fracionada. [...] sendo uno e indivisível, o poder, no âmbito do Estado, exterioriza-se por meio de funções. Assim, a vontade estatal é única, manifestando-se, porém, por suas funções, a executiva, a legislativa e a judiciária.
Nesse mesmo sentido, Jorge Miranda45 elucida as funções atinentes ao
Estado, ressaltando sua condição de autoridade e serviço:
Mas o Estado não existe em si ou por si; existe para resolver problemas da sociedade, quotidianamente; existe para garantir segurança, fazer justiça, promover a comunicação entre os homens, dar-lhes a paz e bem-estar e progresso. É um poder de decisão no momento presente, de escolher entre opções diversas de praticar os atos pelos quais satisfaz pretensões generalizadas ou individualizadas das pessoas e dos grupos. É autoridade e é serviço.
44
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2014. p. 389. 45
MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 119.
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42
Entretanto, será adotada a expressão “separação de Poderes” neste
trabalho, uma vez que já consolidada na doutrina e adotada na Constituição
Federal.
A Constituição Federal de 1988 expressamente adotou a tripartição de
Poderes, como se verifica no artigo 2º:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Veja-se, assim, que a separação desses Poderes se destina a impedir
que um único indivíduo concentre todo o poder diretivo do Estado, o que
dificultaria, sobremaneira, a fiscalização e controle de suas ações e omissões.
Para Reinhold Zippelius:46
O que interessa em última análise é impedir uma concentração do poder nas mãos de uma e a mesma pessoa. Por este motivo, à separação organizativo-funcional de poderes junta-se à exigência de uma e a mesma pessoa ser proibida de ocupar, em união dinástica, cargos de diferentes sectores do poder. Apenas esta incompatibilidade garante uma verdadeira divisão dos poderes.
A separação de Poderes é, pois, um meio de proteger a liberdade, um
dos valores mais caros à democracia, contra os riscos aos quais pode ser
exposta pela reunião de todas as prerrogativas do poder público em proveito e
a serviço de um único órgão.47
Com a separação de Poderes, cada um deles exercerá funções típicas
e atípicas, bem como haverá um controle recíproco de um sobre os outros: o
controle denominado checks and balances da doutrina norteamericana.
Pretende-se criar, assim, um sistema moderado e controlado do exercício do
poder, com repartição e coordenação das competências estatais.
46
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 468. 47
RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades públicas. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 141.
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43
Nesse sentido, Thomas Fleiner-Gerster48 destaca a necessidade de
respeito recíproco entre os poderes para que se preserve e se garanta a
existência do Estado de Direito:
Mas estado de direito significa também a vinculação do poder executivo às leis elaboradas pelo legislador, bem como o controle de decisões administrativas através de um Judiciário independente. Assim como na ideia do Due Process, as concepções sobre as quais repousam o Estado de direito visam evitar a atribuição de um poder ilimitado ao executivo.
Ressalte-se que Reinhold Zippelius49 relaciona a separação de
Poderes diretamente com a proteção aos direitos fundamentais:
Neste ponto, o princípio da repartição e limitação das funções em nível interno do Estado aproxima-se da ideia dos direitos fundamentais: segundo o entendimento institucional dos direitos fundamentais, certas esferas de acção individual e social devem ser garantidas na sua existência.
Em outras palavras: a separação dos Poderes não é matéria meramente
burocrática, pois assegura a possibilidade de fiscalização de um Poder sobre
os demais, em especial quanto à observância dos direitos e garantias
fundamentais. Esse controle é viabilizado por meio de diversos instrumentos
previstos constitucionalmente, a exemplo das formas de controle de
constitucionalidade dos atos emanados de cada Poder.
3.5.3 Instituições de controle e fiscalização
Neste tópico, convém ressaltar que é necessária a existência de
instituições destinadas à fiscalização dos Poderes, que guardem
48
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Trad. Marlene Holzhausen. Revisão
técnica Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 146. 49
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 459.
![Page 44: Luciana Vieira Dallaqua Vinci · 2017. 10. 7. · Há muito tempo, a temática da democracia é objeto de estudo, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O mesmo se pode dizer](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022011922/60497950f5fea726d710817f/html5/thumbnails/44.jpg)
44
independência e autonomia em suas ações. No Brasil, são exemplos dessas
instituições o Ministério Público e os Tribunais de Contas.
O Ministério Público é instituição que recebeu especial tratamento pela
Constituição Federal de 1988, em que se consolidou como instituição essencial
à justiça. Em seus vários ramos, o Ministério Público tem como atividade
primordial assegurar a efetiva observância da Constituição Federal e da
legislação infraconstitucional, seja por parte dos Poderes Públicos, seja por
parte de quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas.
Dalmo de Abreu Dallari50 afirma a relevância do Ministério Público para
a efetiva observância dos direitos fundamentais:
A todas essas peculiaridades, que são relacionadas com a garantia dos direitos, é importante adicionar a ampliação das competências do Ministério Público. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1988 foram apresentadas propostas para que o Brasil adotasse o “ombudsman”, típico dos países escandinavos, ou o “defensor del pueblo”, como na Espanha. Houve muita discussão e no final foi decidido que fossem muito ampliadas as funções institucionais do Ministério Público, para que ele assumisse também, além das atribuições tradicionais, o papel de verdadeiro Advogado do Povo. Um dos argumentos a favor dessa proposta foi o fato de que o Ministério Público já tem tradição no Brasil e está presente em todas as partes do país. Por esse motivo, com a atribuição de novas funções e a ampliação de sua organização ele poderia atuar imediatamente, dando a proteção necessária aos direitos fundamentais dos brasileiros.
Os Tribunais de Contas são instituições que, de igual modo, tem por
atribuição fiscalizar o estrito cumprimento da Constituição Federal e da
legislação infraconstitucional, notadamente no emprego de bens e verbas de
natureza pública. Apesar de serem auxiliares do Poder Legislativo, detêm
autonomia para o exercício de suas atribuições.
50
DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado democrático e social de direito. In: ENCICLOPÉDIA
jurídica da PUC-SP. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/70/edicao-1/estado-democratico-e-social-de-direito>. Acesso em: 3 jul. 2017.
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45
É certo que há diversas outras instituições e órgãos públicos que
possuem atribuição de fiscalização e controle da prestação de serviços
públicos e da gestão pública: as controladorias gerais, ouvidorias e
corregedorias, todas com previsão na Constituição Federal e em outros
diplomas legais de diversas esferas.
É possível constatar que a distribuição ampla das atribuições de
fiscalização e controle atende aos anseios democráticos, viabilizando maior
transparência no trato da coisa pública. Isso porque, à semelhança da
separação de Poderes, a distribuição do ônus de fiscalização e controle a mais
de uma instituição e, também, a diversos órgãos na estrutura organizacional
estatal, fortalece o sistema democrático por propiciar maior transparência na
tutela do interesse público e impedir que a concentração dessas atribuições em
um único ou em poucos entes conduza à impunidade dos gestores em
eventuais desvios de conduta.
Vale ressaltar que as instituições de controle e fiscalização devem ser
protegidas de eventuais interferências que prejudiquem seu funcionamento e
existência, a fim de que possam cumprir o papel constitucional que lhes foi
atribuído e assegurar o equilíbrio e a solidez do regime democrático. Para
tanto, é de suma importância a previsão das denominadas garantias
institucionais, assunto abordado em tópico específico deste trabalho.51
3.5.4 Participação e controle popular dos Poderes
Para que seja possível alcançar a realidade de um ambiente
democrático, não basta assegurar a oportunidade de eleição periódica de
representantes por meio do sufrágio universal – meio mais comumente
lembrado para exercício da soberania popular. É indispensável garantir a
existência de instrumentos efetivos de participação e controle popular na vida
política de forma contínua, consistente e permanente. Isso porque o voto não
51
Item 4.10 "As garantias institucionais".
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46
transfere a soberania popular ao representante eleito: o representado, que é o
povo, permanece como seu titular.
Nesse sentido, Paulo Bonavides52 expõe que:
O importante e essencial, absolutamente indispensável para definir hoje a identidade da democracia direta, é que o povo tenha ao seu imediato dispor, para o desempenho de uma desembaraçada e efetiva participação, os instrumentos de controle da mesma.
O exercício da soberania popular, portanto, deve ocorrer dia após dia,
viabilizando-se aos representados oportunidades de participar das decisões
atinentes aos rumos da sociedade que integram, bem como de controlar os
atos de seus representantes – já que os votos que os elegeram não podem
servir de justificativa para toda e qualquer conduta no exercício dos cargos
públicos.
Nesse diapasão, Reinhold Zippelius53 afirma que:
O cidadão que se tornou consciente de si próprio já não se contenta – pelo menos tipicamente – com tais diagnósticos e terapias. A chefia do Estado deve ser exposta à luz da opinião pública e submetida ao seu controlo. Todo o poder do Estado deve emanar do próprio povo, devendo criar-se, com vista à decisão dos eleitores, um fundamento que lhes permita julgar e ajustar contas. Isto pressupõe que a ação estatal se efectue – por princípio – sob o controlo da crítica pública.
A Constituição Federal e a legislação infraconstitucional brasileiras são
repletas de instrumentos democráticos de participação e controle popular.
Entre eles, merecem destaque as audiências públicas, a ação popular e a ação
civil pública.
52
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 354. 53
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 408.
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47
As audiências públicas são instrumento de oitiva e discussão de
assuntos de interesse público e têm sido utilizadas de forma cada vez mais
abrangente. Inicialmente, as audiências públicas eram mais empregadas em
procedimentos legislativos ou extrajudiciais. Hodiernamente, porém, são vários
os exemplos de utilização de audiências públicas também em meio a
processos judiciais, pois conferem um caráter democrático à decisão judicial.54
Ressalte-se que não basta a previsão do direito de participação na
condução dos interesses públicos. Deve ser franqueado o acesso a todas as
informações necessárias e relevantes para que a participação seja efetiva.
Nesse sentido, o artigo 5º, em seus incisos XXXIII e XXXIV, da Constituição
Federal,55 é expresso ao assegurar esse direito:
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
Assim é que há necessidade de assegurar a participação popular
efetiva nas decisões políticas, o que somente é possível por meio da
54
As audiências públicas no Poder Judiciário foram formalmente previstas pelas Leis Federais nº 9.868/99 e nº 9.882/99, que disciplinam processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade, ações declaratórias de constitucionalidade e arguições de descumprimento de preceito fundamental. Registre-se que a primeira audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal ocorreu no bojo da ADI 3510, que impugnava dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei Federal nº 11.105/2005), em 20 de abril de 2007. 55
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Brasília, DF, 1988.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017.
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48
disposição de todas as informações pertinentes à formação do convencimento
dos indivíduos.
A ação popular é regida pela Lei Federal nº 4.717 de 29 de junho de
1965 e foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 que, no artigo 5º,
inciso LXXIII, prevê quem pode intentá-la e em quais hipóteses:
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência; [...]56
Destaca-se que a legitimidade ativa desta ação é conferida apenas ao
cidadão, assim considerado o indivíduo que esteja no gozo de seus direitos
políticos. Exige-se, pois, essa especial condição, não se admitindo a
propositura da ação por toda e qualquer pessoa.
A ação civil pública tem sua previsão na Lei Federal nº 7.347 de 24 de
julho de 1985, que também foi recepcionada pela Constituição Federal. A
previsão constitucional se situa entre as funções institucionais do Ministério
Público:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
[...]
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; [...]57
56
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017. 57
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017.
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49
Ressalte-se que a ação civil pública, atualmente, é importante
instrumento de participação popular em juízo, notadamente diante do amplo rol
de legitimados ativos previstos na referida Lei Federal.58 Além disso, se mostra
como relevante meio de solução de conflitos, tendo em vista a possibilidade de
que em apenas uma demanda sejam contemplados os interesses de toda a
coletividade, com tratamento uniforme, privilegiando a segurança jurídica.
Por fim, cabe salientar que as ações recém-indicadas têm em comum o
fato de serem instrumentos de tutela do interesse público em juízo, que não
excluem a participação popular extrajudicial e, ainda, viabilizam o efetivo
controle do Poder Judiciário sobre os atos dos demais Poderes, sobre seus
próprios atos e sobre os atos dos particulares, potencializando o regime
democrático.
58
"Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico." (BRASIL. Presidência da República. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Brasília, DF, 1985. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017.)
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50
4. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Antes de explorar a temática dos direitos fundamentais, é necessário
iniciar a análise do que se entende por “direitos”, o que pode ser feito por meio
de diversas abordagens.
O vocábulo “direito” pode ser utilizado em diferentes situações, uma
vez que possui múltiplos significados. J. J. Gomes Canotilho59 o define em
termos pertinentes e harmônicos:
O direito compreende-se como um meio de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada e, para cumprir esta função ordenadora, o direito estabelece regras e medidas, prescreve formas e procedimentos e cria instituições. Articulando medidas ou regras materiais com formas e procedimentos, o direito é, simultaneamente, medida material e forma da vida colectiva. (grifos do autor)
Tercio Sampaio Ferraz Júnior60 acrescenta à análise do termo o
aspecto de poder e proteção nele contido:
O direito, assim, de um lado, protege-nos do poder arbitrário, exercido à margem de toda regulamentação, salva-nos da maioria caótica e do tirano ditatorial, dá a todos oportunidades iguais e, ao mesmo tempo, ampara os desfavorecidos. Por outro lado, é também um instrumento manipulável que frustra as aspirações dos menos privilegiados e permite o uso de técnicas de controle e dominação que, por sua, complexidade, é acessível apenas a uns poucos especialistas. (grifo do autor)
As definições supra explicitam de forma suficiente a noção de direito
adequada ao objetivo deste trabalho, na medida em que destacam o caráter de
ordenação da sociedade e de limitação estatal.
59
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 243. 60
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2013. p. 9-10.
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51
Prosseguindo-se na análise do tema direitos fundamentais, consoante
destacado por Vidal Serrano Nunes Júnior,61 é importante estudar as razões
pelas quais a certos direitos foi agregada a característica da fundamentalidade.
No período republicano, em que a preocupação com o ser humano
passou a obter destaque no período mais recente da história, os direitos
fundamentais abarcavam exclusivamente os chamados direitos individuais ou
civis, cujo objetivo era frear o abuso na atuação estatal, traduzindo-se em
direitos de resistência do indivíduo face a possíveis arbitrariedades do Poder
Público.
Posteriormente, modificações sociais importantes provocaram a busca
por direitos do indivíduo frente à coletividade em que inserido, exigindo-se a
atuação comissiva estatal por meio de atividades prestacionais, sem prejuízo
dos direitos já conquistados e do dever de abstenção para preservação dos
direitos individuais e civis.
A evolução histórica trouxe, ainda, outras preocupações – originadas
de novidades tecnológicas, do subdesenvolvimento econômico e de conflitos
internacionais – em que se percebeu a capacidade destrutiva do ser humano
em relação a seus pares. Despontou, portanto, a necessidade de tutela de
direitos de fraternidade ou de solidariedade para viabilizar a proteção da
humanidade em amplo espectro – e, até mesmo, proteger o ser humano do
próprio ser humano.
Nesses diferentes momentos, os direitos que atualmente são
denominados, de forma prevalente, de direitos fundamentais, foram designados
por outras expressões, tais como liberdades públicas (mais relacionada aos
direitos individuais) e direitos públicos subjetivos (cujo enfoque é a relação
entre o indivíduo e o Poder Público). Referidas expressões, no entanto,
tornaram-se insuficientes a partir do momento em que se passou a considerar
a necessidade de tutela também nas relações entre particulares.
A expressão direitos fundamentais, por sua vez, revela-se a mais
adequada para abranger todas as dimensões de tutela do indivíduo enquanto
61
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 12.
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52
ser humano, além de ter sido a nomenclatura adotada pela Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Por tais razões, a expressão "direitos
fundamentais" foi a acolhida neste trabalho.
4.1 Antecedentes históricos
Inicialmente, é necessário fazer um breve histórico sobre os direitos
humanos, para que seja possível conceituar direitos fundamentais.
Nesse sentido, é certo que a concepção de direitos humanos é
relativamente recente. Isso porque, na antiguidade, não se concebiam direitos
próprios do ser humano tal como atualmente. Como explanado em capítulo
antecedente, na pólis, o interesse no ser humano dependia de sua situação
perante a comunidade.
Com a queda do modelo da pólis, houve uma mudança de
entendimento a respeito do ser humano e de seus direitos. A partir da
desagregação das sociedades fundadas no citado modelo, verificou-se que o
ser humano estava sozinho, enfraquecido, pois não mais havia aquela proteção
grupal outrora existente.
Nesse momento, é importante destacar o legado dos estoicos,
notadamente de Marco Túlio Cícero, que é considerado um dos primeiros
filósofos a pensar sobre uma certa dignidade do ser humano. Seu pensamento
representa a visão de direito natural dos estoicos e, segundo esse autor, o ser
humano deveria ter direitos preservados por sua natureza humana,
independentemente de quaisquer outras condições e características.62
Ressalte-se que Cícero é apontado por muitos como o precursor das
ideias que, mais tarde, foram defendidas pelo cristianismo quanto aos direitos
do ser humano.
62
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 94-97.
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53
No fim da Idade Antiga, merece destaque o surgimento do cristianismo,
com o pensamento universalista de que todos são filhos de Deus e podem
receber as mesmas benesses.63
Um grande expoente dessa mesma época é Agostinho, cujo
pensamento é marcado pelo platonismo. Para Agostinho, o sujeito temente a
Deus deve se submeter aos poderes terrenos, uma vez que a autoridade a
certo indivíduo somente é conferida por desígnios divinos e, por isso, deve ser
respeitada. Da mesma forma, pela vontade de Deus, as pessoas têm certa
posição na sociedade: os mais altos devem mandar e os mais baixos,
obedecer.64
No início da Idade Média, o pensamento de Agostinho tornou-se
doutrina imediata e oficial da Igreja, até que surgiu o pensamento de Tomás de
Aquino (1225-1274), responsável pela grande síntese da teologia católica com
o aristotelismo. Tomás de Aquino sustenta que indivíduo é capaz de conhecer
a medida do justo, ao mesmo tempo em que não nega a importância da fé.65
Mais adiante, é marcante a importância das revoluções, que foram
propulsoras de pensamentos voltados ao ser humano – notadamente em razão
do período anterior, marcado por arbitrariedades em seu prejuízo,
especialmente durante o absolutismo.
Doutrinariamente, a expressão “direitos humanos” tem sido utilizada
para designar direitos constantes das declarações e tratados internacionais,
bem como para identificar direitos voltados à proteção da liberdade, da
igualdade e da fraternidade que não tenham sido incorporados pelo sistema
jurídico de um país. Vidal Serrano Nunes Júnior enfatiza que os direitos
humanos “[...] remetem a um esforço de criação de um sistema transnacional,
supraconstitucional, que tem por escopo policiar e fazer cumprir as normas
protetivas da dignidade humana em todos os Estados”.66
63
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 100. 64
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 104-108. 65
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 118. 66
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 23-24.
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54
4.2 Conceito de direitos fundamentais
Os direitos fundamentais constituem uma categoria jurídica
constitucionalmente erigida e destinada à proteção da dignidade humana em
todas as suas dimensões.67
Nas palavras de Vidal Serrano Nunes Júnior,68 podem ser
conceituados como:
[...] o sistema aberto de princípios e regras que, conferindo direitos subjetivos a seus destinatários, ora conformando a forma de ser e de atuar do Estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões, a saber: em sua liberdade (direitos e garantias individuais), em suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e em relação à sua preservação (solidariedade).
Em face da aptidão dos direitos fundamentais para a proteção de
múltiplas dimensões do ser humano, evidencia-se a possibilidade de classificá-
los sob diferentes enfoques. Privilegiou-se, neste trabalho, o enfoque relativo
ao conteúdo dos direitos fundamentais, relacionado à proteção da dignidade
humana em todos os seus aspectos. Mais adiante, será exposta a classificação
desses direitos em gerações ou dimensões, oportunidade em que o tema será
aprofundado.
É importante destacar, notadamente para os fins deste estudo, que os
direitos fundamentais assumem dimensão institucional ao pontuarem a forma
de ser e atuar do Estado que os reconhece. Nas palavras de Luiz Alberto David
Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, questiona-se “[...] como cogitar de um
67
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional: revista e atualizada até a EC 76 de 28 de novembro de 2013. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2014.p. 153. 68
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias
de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 15.
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55
Estado Democrático Social de Direito, se liberdades públicas e direitos sociais
não são reconhecidos e protegidos”.69
Além disso, a dimensão institucional é ressaltada no atual Estado
Constitucional. A esse respeito, vale transcrever as lições de Jean Rivero e
Hugues Moutouh:70
Para evitar que os atores do jogo político possam manipular como quiserem o Estado de direito, ele foi posto num sistema de normas fora do alcance deles: as normas constitucionais. Essencialmente concebido como ordem jurídica hierarquizada, o Estado de direito, para ser consumado, pressupõe necessariamente a supremacia da Constituição, garantida, de um lado, pela submissão ao direito constitucional, do outro, pela sanção de toda violação por um juiz independente.
Dalmo de Abreu Dallari71 também se manifestou sobre esse aspecto
por meio das seguintes palavras:
[...] já se definiu um novo constitucionalismo, determinando ou disciplinando mudanças de grande importância na afirmação dos direitos fundamentais, em sua garantia, mas também em sua promoção. Afirmando expressamente a igualdade de direitos e proibindo discriminações, os textos constitucionais incluem a determinação de atuação positiva do Estado, que não deve limitar-se a garantir os direitos, impedindo que eles sejam violados, mas deve também valer-se de meios eficazes, apoiando de muitas formas as populações mais fracas e mais vulneráveis, inclusive com a destinação de recursos materiais, para que a atribuição de direitos implique a real possibilidade de exercê-los.
Dessas constatações exsurge a justificativa para o tratamento dessa
categoria de direitos em nível constitucional, a fim de resguardá-los da vontade
legislativa de ocasião.72
69
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional: revista e atualizada até a EC 76 de 28 de novembro de 2013. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2014, p. 153. 70
RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades públicas. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 144-145. 71
DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao século XXI. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 145.
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56
Ainda é possível conceituar os direitos fundamentais segundo o critério
formal e segundo o critério material. Sob o aspecto formal, direitos
fundamentais são aqueles previstos no Título II da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, em que são expressamente designados. Sob o
aspecto material, porém, não há relevância na localização constitucional das
normas que os preveem; será considerado direito fundamental todo aquele que
se destinar a tutelar a dignidade da pessoa humana em todos os seus
enfoques.
Nesse sentido, Vidal Serrano Nunes Júnior73 elucida que:
[...] analisando o conteúdo dos direitos fundamentais incorporados ao nosso texto constitucional, podemos delimitar que o critério material que deles deflui está consubstanciado em três valores caudatários da dignidade humana: a liberdade, a democracia política e a democracia econômica e social.
Vale dizer que a classificação dos direitos fundamentais sob o critério
material se relaciona com o princípio da universalidade, de acordo com o qual,
nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:74
[...] é possível afirmar que os direitos fundamentais, em regra, são também direitos humanos, no sentido de que não são apenas direitos dos cidadãos de determinado Estado, salvo quando a própria ordem constitucional estabeleça ou quando autorize expressamente o legislador para tanto.
72
A esse respeito: "Quanto à existência de direitos fundamentais criados por lei, portanto, não diretamente deduzidos da Constituição, temos por afastada tal possibilidade no ordenamento pátrio, inclusive em virtude da contradição insuperável que daí resulta, visto que direitos fundamentais são sempre direitos de matriz e hierarquia constitucional. Mas isso não significa que a lei não possa ter relevância nesse processo. Assim, se especialmente se considerarmos o caso dos direitos de personalidade e do próprio direito aos alimentos, verifica-se que, em verdade, não estamos em face de direitos fundados diretamente na lei, mas sim, diante de direitos de fundamento constitucional (pelo menos implícito) regulamentados pelo legislador". SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 121-122. 73
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias
de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 34. 74
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 123.
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57
Konrad Hesse75 destaca que a validade universal dos direitos
fundamentais não supõe uniformidade, uma vez que o conteúdo concreto e a
significação dependem de numerosos fatores extrajurídicos, especialmente da
idiossincrasia, da cultura e da história dos povos.
Nesse mesmo sentido, afirma Thomas Fleiner-Gerster:76
A interpretação e a concretização da liberdade e dos direitos fundamentais não se relacionam somente com as ideias culturais e filosóficas relativas ao desenvolvimento da personalidade, mas também com a ideia particular que um grupo ou que uma nação faz de si mesma. Uma nação em desenvolvimento, cujo sentimento de identidade ainda não se firmou, tolerará menos liberdades no interesse nacional. Ao contrário, uma nação internamente forte tolerará, por exemplo, os ataques individuais de certas pessoas na imprensa ou as objeções de consciência sem se sentir ameaçada.
Observa-se que, a partir das considerações do autor, é possível
estabelecer o liame com a característica de autogeneratividade77 dos direitos
fundamentais: quanto mais tais direitos forem fortalecidos, mais gerarão a
tutela de outros direitos de igual natureza. O autor ressalva, no entanto, a
existência de um núcleo elementar invariável dos direitos humanos:
No entanto, todas estas reflexões não significam que os direitos fundamentais se deixam relativizar completamente. Há, de fato, um núcleo elementar de humanidade que independe de toda situação filosófica, ideológica, cultural, histórica e econômica. A conservação da dignidade humana e o respeito da igualdade básica de todos os homens deveriam pois, independentemente das circunstâncias de lugar e de tempo, ser concretizadas sempre e em toda parte.78
75
HESSE, Konrad. Significado dos direitos fundamentais. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires (trad. e seleção de textos) Temas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 26. 76
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Trad. Marlene Holzhausen. Revisão
técnica Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 139. 77
Assunto abordado no item 4.5 deste trabalho. 78
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Trad. Marlene Holzhausen. Revisão
técnica Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 140.
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58
Konrad Hesse afirma, ainda, que “[...] os direitos fundamentais devem
criar e manter as condições elementares para assegurar uma vida em
liberdade e a dignidade humana”,79 bem como que devem ser observados tanto
sob a ótica do indivíduo quanto em seu convívio social.
O autor prossegue na análise dos direitos fundamentais enquanto
direitos individuais de defesa e de acesso ou participação destacando que a
liberdade de expressão é especialmente relevante para assegurar os demais
direitos fundamentais nesse contexto, uma vez que somente o debate
permanente de argumentos permite a luta entre opiniões que constitui o
elemento vital de um ordenamento estatal livre e democrático.80
Os direitos fundamentais são observados, ainda, sob o enfoque de
limitações negativas às competências legislativas, administrativas e judiciais, o
que o autor denomina de "preceitos negativos de competência". Nessa
condição, "excluem da competência estatal o âmbito que protegem, e, nessa
medida, vedam sua intervenção”81. Porém, há mais fatores além desses. Os
direitos fundamentais passam a exigir do Estado uma atuação positiva, para
assegurar sua efetividade e realização, que decorre da transformação do
Estado moderno em Estado social.82
79
HESSE, Konrad. Significado dos direitos fundamentais. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos;
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires (trad. e seleção de textos) Temas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 33. 80
HESSE, Konrad. Significado dos direitos fundamentais. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires (trad. e seleção de textos) Temas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 35. 81
HESSE, Konrad. Significado dos direitos fundamentais. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires (trad. e seleção de textos) Temas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 36. 82
"Uma obrigação positiva do Estado como a que se acaba de referir constitui um elemento essencial para a evolução progressiva e o desdobramento dos direitos fundamentais. Isso foi manifestado nas mudanças históricas e na conseguinte transformação das condições em que atualmente, e num futuro previsível, se há de desenvolver a liberdade humana (cf. supra sobre isso; cap. I, tit. 1, III, 2, números marginais 26 e ss.): a metamorfose do Estado moderno em Estado social, e o fato de que a liberdade humana resulte ameaçada não só pelo Estado mas por poderes não estatais que atualmente podem ser ainda mais ameaçadores que o próprio Estado". HESSE, Konrad. Significado dos direitos fundamentais. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires (trad. e seleção de textos). Temas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 40-41.
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59
4.3 Diferença entre Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Direitos
Humanitários
Equívoco muito comum na seara jurídica se refere à utilização dos
termos direitos humanos e direitos fundamentais como se sinônimos fossem,
confusão acentuada pela existência da expressão “direitos humanitários”.
Em breve explanação, direitos humanos são os direitos conferidos a
um indivíduo simplesmente por ser uma pessoa. São direitos cujas
características principais são a atemporalidade (aplicáveis a qualquer tempo) e
a universalidade (em todo lugar).
Nas palavras de Cláudio De Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga:83
Os direitos humanos são os direitos derivados da natureza humana, independente de idade, sexo, religião, ideias políticas ou filosóficas, país, etnia ou condição social. Decorrem da dignidade da pessoa humana e tem abrangência universal e supranacional, de modo que todas as pessoas e Estados devem respeitá-los. Sua compreensão é acessível à inteligência humana, isto é, são racionais, independem de
credo, cultura ou nível da educação.
Quando esses direitos humanos são internalizados em um
ordenamento jurídico, em regra por meio de sua alocação em uma constituição,
passam a ser chamados de direitos fundamentais. É possível dizer, portanto,
que os direitos fundamentais são os direitos humanos constitucionalizados.
Para J. J. Gomes Canotilho:84
Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.
83
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 152. 84
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 393.
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60
Os direitos humanitários, por sua vez, são os direitos aplicáveis à
guerra, cujo surgimento precedeu, inclusive, a existência dos denominados
direitos humanos. Dessa maneira, em caso de conflito armado, deverão ser
invocados os “direitos humanitários” para se evitar que uma escola ou um
hospital, por exemplo, sejam bombardeados.
Com essa breve explicação, cabe consignar que não se desconhece
que, para parcela da doutrina, as expressões “direitos humanos” e “direitos
fundamentais” devem ser tomadas como sinônimos, diante do conteúdo
tutelado. Isso porque, de uma maneira geral, afirma-se que, em seu
conteúdo,85 direitos humanos e direitos fundamentais possuem o mesmo
objeto, somente se diferenciando em relação ao âmbito de incidência:
enquanto os direitos humanos seriam previstos em tratados86 e outros
instrumentos e convenções internacionais, os direitos fundamentais seriam
aqueles previstos na Carta Magna de um país.87
Os doutrinadores que sustentam a similitude entre direitos humanos e
direitos fundamentais chegam a afirmar que as expressões podem ser tomadas
como sinônimas ou, até mesmo, fundidas em uma só, a exemplo da expressão
“direito humano fundamental” ou “direito fundamental humano”.
Confira-se, nesse sentido, a posição de Sérgio Resende de Barros:88
85
Pelo conteúdo, tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais objetivam concretizar a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, CF). Tal dignidade, em uma concepção kantiana, pode ser definida como o poder de autodeterminação, liberdade e respeito ao ser humano como um fim em si mesmo, e não como meio ou exemplo para a satisfação de necessidades alheias. 86
Tratados são acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, constituindo fonte do Direito Internacional. (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 43). 87
"Os direitos fundamentais são o conjunto de direitos e liberdades do ser humano institucionalmente reconhecidos e positivados no âmbito do direito constitucional de determinado Estado. Por outro lado, os direitos humanos fazem parte do direito internacional, uma vez que se estendem a todos os seres humanos, independentemente de sua vinculação a determinada ordem constitucional”. DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. pp. 151-152. 88
BARROS, Sérgio Resende de. A difusão dos direitos humanos fundamentais. In: KIM, Richard Pae; BARROS, Sérgio Resende de; KOSAKA, Fausto Kozo Matsumoto (coord.). Direitos fundamentais coletivos e difusos: questões sobre a fundamentalidade. São Paulo: Verbatim, 2012. p. 38.
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61
Mas não há razão por que separar direitos fundamentais e direitos humanos, colocando aqueles numa situação firme e definida e estes em situação imprecisa e insegura. Essa colocação – separando e até obstruindo a humanidade da fundamentalidade e a fundamentalidade da humanidade – é heresia ou, no mínimo, hipostenia do direito. Não há direitos humanos versus direitos fundamentais. Ao invés de diversidade, há integração: todos os direitos humanos são fundamentais e todos os direitos fundamentais são humanos. Seria um absurdo, se assim não o fosse.
Veja-se que a posição sustentada por Sérgio Resende de Barros,
portanto, reforça a premissa de que os direitos fundamentais e os direitos
humanos tutelam o mesmo conteúdo, que é o da dignidade da pessoa humana.
Ocorre que nem todos os doutrinadores concordam com esse
entendimento. Ingo Wolfgang Sarlet,89 por exemplo, sustenta que:
[...] nem todos os direitos fundamentais são direitos humanos embora todos os direitos humanos sejam fundamentais, ou, pelo menos, deveriam ser objeto de previsão e proteção pelas ordens constitucionais internas dos Estados.
É possível afirmar que a própria Constituição da República Federativa
do Brasil90, de 5 de outubro de 1988, acolheu o entendimento de que os
direitos humanos seriam previstos em tratados e convenções internacionais
(art. 4º, inciso II), ao passo que os direitos fundamentais seriam os direitos
humanos constitucionalizados (Título II, artigo 5º, § 1º).
Nesse sentido, Valério de Oliveira Mazzuoli91 sustenta que:
89
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 100. 90
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017. 91
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 672.
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62
[...] direitos fundamentais é expressão mais afeta à proteção
constitucional dos direitos dos cidadãos. Ligam-se, assim, aos aspectos ou matizes constitucionais (internos) de proteção, no sentido de já se encontrarem positivados nas Constituições
contemporâneas. [...] direitos humanos são, por sua vez,
direitos inscritos (positivados) em tratados ou em costumes internacionais. Ou seja, são aqueles direitos que já ascenderam ao patamar do Direito Internacional Público.
Para os fins deste trabalho, as expressões direitos humanos, direitos
fundamentais e direitos humanitários serão consideradas conforme a doutrina
que prefere separar as suas definições, tal como exposto no início do capítulo,
mas com o entendimento de que os dois primeiros têm em comum o objeto de
proteção, qual seja, a dignidade humana em todas as suas dimensões.
4.4 Dimensões ou gerações de direitos fundamentais
No estudo do tema direitos fundamentais, particularmente útil é a
definição da existência de "três gerações de direitos humanos",92 notadamente
para fins didáticos. Conforme já explicitado, parte-se do pressuposto de que o
conteúdo dos direitos fundamentais coincide com o dos direitos humanos,
razão pela qual a presente classificação se torna relevante para o estudo do
tema principal deste trabalho.
Frise-se que, para os objetivos deste trabalho, optou-se por analisar a
temática dos direitos fundamentais para o fim de restringir a pesquisa aos
ditames constitucionais brasileiros. Vale ressaltar, porém, que a menção aos
direitos humanos, de forma ampla, é feita tomando-se por referência o
conteúdo dos direitos, e não propriamente sob o critério formal, de sua
incorporação ou não ao direito interno (a partir do que são denominados
direitos fundamentais).
92
É certo que há autores que sustentam a existência de outras gerações ou dimensões de direitos, a exemplo de Paulo Bonavides.
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63
Os direitos fundamentais, assim como os direitos humanos,
consolidaram-se a partir de um processo evolutivo-cumulativo dos níveis de
proteção de esferas da dignidade humana, o que demonstra a importância da
classificação para compreensão de sua essência.93
Sob a inspiração do ideário da Revolução Francesa, essas três
gerações de direitos são as seguintes: a primeira geração se refere aos direitos
civis e políticos, fundados na liberdade (liberté); a segunda geração, aos
direitos econômicos, sociais e culturais, com base na igualdade (égalité); e, por
fim, a terceira geração se refere aos direitos de solidariedade, em especial ao
direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente sadio, coroando a tríade
com a fraternidade (fraternité).
Cumpre salientar, contudo, que a divisão dos direitos humanos em
categorias distintas é, na verdade, apenas didática, sendo certo que uma
geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage. Assim, afasta-
se a ideia da sucessão "geracional" de direitos, na medida em que se acolhe a
ideia da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos
consagrados, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica
de interação.
Dessa constatação também se extrai a justificativa para a adoção do
termo “dimensões”, e não gerações de direitos, para afastar a eventual
associação a sucessão entre essas categorias e reforçar a ideia de
complementação e coexistência.
Nesse sentido, cabe refletir, ainda que brevemente, a respeito dos
principais diferenciais de cada dimensão:
a) Direitos fundamentais de primeira dimensão – os direitos humanos
foram concebidos, inicialmente, para proporcionar proteção ao indivíduo em
face do Estado, ante o histórico de abusos, em especial, do período
absolutista. Daí exsurgem os direitos classificados na primeira dimensão. Os
direitos civis ou individuais e políticos foram objeto da primeira proteção do ser
93
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional: revista e atualizada até a EC 76 de 28 de novembro de 2013. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2014. p. 157-158.
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64
humano alçada em um nível constitucional, uma vez que surgiram com a ideia
de Estado de Direito, submisso a uma constituição. Nesse momento,
concebeu-se um Estado com divisão de funções entre órgãos distintos,
evitando-se a concentração de poderes e o arbítrio de uma só pessoa ou de
um grupo específico. Esses direitos representam a necessidade de
afastamento do Estado das relações individuais e sociais e de que suas ações
sejam permeadas pelo papel de guardião das liberdades, sem interferir nesses
relacionamentos. Por isso também são chamados de “liberdades públicas
negativas” ou “direitos negativos”, ao exigirem a abstenção estatal.
Vale dizer que não basta a mera omissão estatal para assegurar a
existência efetiva dos direitos de liberdade: se assim fosse, os governantes
relapsos seriam os mais virtuosos. É necessário que a omissão estatal seja
destinada e capaz de assegurar a fruição real desses direitos, que signifique a
ausência de intervenção e opressão sobre a conduta dos indivíduos.
Além disso, é certo que, em diversas situações, a omissão estatal não
é suficiente para assegurar o exercício dos direitos de liberdade. Nesse
sentido, para que o cidadão possa exercer seus direitos políticos, notadamente
o de votar, é indispensável que o estado garanta a estrutura necessária para a
colheita dos votos de todos os eleitores, que zele para que tais eleitores não
sejam coagidos a votar de determinada maneira, entre outras medidas
comissivas aptas a tutelar o exercício desse direito.
É por esse motivo que não é inteiramente correto afirmar que os
direitos de liberdade são os que exigem apenas uma conduta estatal omissiva.
Do mesmo modo, também não é possível afirmar que os direitos de
liberdade não geram custo financeiro ao Estado, porque exigiriam apenas
abstenções. Utilizando o mesmo exemplo, é certo que o Estado deve arcar
com altos custos para assegurar o sufrágio universal, diante da estrutura
necessária para tanto.
b) Direitos fundamentais de segunda dimensão – reconheceu-se que a
autonomia ilimitada da vontade dos indivíduos impunha a constatação de que o
Estado não deveria apenas se abster de invadir a esfera de liberdade do
indivíduo, mas também deveria agir para assegurar o exercício de direitos por
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65
ele. Eis a essência dos direitos classificados na segunda dimensão, que são os
direitos sociais, econômicos e os culturais, cujo enfoque é a preocupação com
as necessidades do ser humano em sua comunidade e traduzem a esperança
de uma participação ativa do Estado para superação das carências individuais
e sociais do ser humano. A atuação estatal positiva passa a ser reclamada a
fim de dotar o ser humano de condições materiais mínimas para o exercício de
uma vida digna para que se estabeleça a efetiva igualdade entre todos os
seres humanos. Ressalte-se, por oportuno, que a igualdade não deve ser
apenas analisada em seu aspecto formal (perante a lei em abstrato), mas
também em seu aspecto material, para a efetiva prestação material estatal, em
casos concretos, com o objetivo de eliminar desigualdades.
c) Direitos fundamentais de terceira dimensão – diagnosticou-se que o
indivíduo deveria ser visto enquanto espécie global, sem que eventuais
fronteiras territoriais, culturais, religiosas, entre outras, pudessem embasar
violação à sua condição de ser humano. Tem-se, aqui, o delineado dos direitos
humanos de terceira dimensão: o conjunto de direitos que enfoca o ser humano
em conjunção com o próximo, sem barreiras físicas ou econômicas, tais como
o direito à paz mundial; ao desenvolvimento econômico dos países; à
preservação do meio ambiente e do patrimônio comum da humanidade; à
comunicação. Nessa dimensão, o ser humano é considerado um membro da
humanidade, onde quer que esteja. A essência da proteção, portanto, é o
caráter de solidariedade e de fraternidade que deve existir em todas as
relações humanas.
As obrigações impostas ao Estado a partir dessa dimensão acarretam
limitações ao exercício do poder pelo governante inclusive frente aos demais
países, pois já não lhe é lícito governar por arbítrio injustificado. A soberania
estatal passa por uma transformação significativa, ao se reconhecer que os
governantes devem se nortear pelos direitos reconhecidos como essenciais à
humanidade.
![Page 66: Luciana Vieira Dallaqua Vinci · 2017. 10. 7. · Há muito tempo, a temática da democracia é objeto de estudo, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O mesmo se pode dizer](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022011922/60497950f5fea726d710817f/html5/thumbnails/66.jpg)
66
4.5 Características dos direitos fundamentais
Como sobredito, os direitos fundamentais constituem uma categoria
jurídica, o que permite analisar características intrínsecas comuns a todos eles
e facilitar o seu reconhecimento no ordenamento jurídico. São elas:94
a) Historicidade – os direitos fundamentais surgiram paulatinamente,
ao longo da história, sem que haja consenso a respeito de qual teria sido o
primeiro momento, no aspecto temporal, em que tenham se verificado. Assim,
é certo que há marcos históricos importantes à consolidação desses direitos, a
exemplo do cristianismo e da época da elaboração das declarações de
direitos95, mas, por outro lado, não é possível atribuir a apenas um ou alguns
deles a responsabilidade pelo advento desta categoria jurídica.
b) Autogeneratividade – as constituições internalizam as disposições
de direitos fundamentais em determinada ordem jurídica, mas, por outro turno,
os direitos fundamentais também são "o alicerce de legitimação da própria
ordem constitucional", nas palavras de Vidal Serrano Nunes Júnior.96 Há, pois,
um ciclo autogenerativo, impulsionado pela existência dos próprios direitos.
c) Universalidade – a razão da existência dos direitos fundamentais
é a proteção do ser humano enquanto gênero, sem restrição a características
de grupo, categoria, classe ou origem de cada indivíduo. Tutela-se a condição
humana por si só, independentemente de quaisquer especificidades de cada
ser.
d) Limitabilidade – os direitos fundamentais, apesar de sua
incontestável relevância, não são absolutos, mas limitáveis, ante a necessidade
de coexistência de todos eles. Há possibilidade de colisão de direitos em casos
94
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 35-42. 95
Nesse sentido: "O alvorecer dos direitos fundamentais teve seu verdadeiro alicerce, no entanto, nas chamadas declarações de direitos humanos, como a Magna Carta Libertatum, o Bill of Rights, a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, na França. Esta, sem dúvida, a de maior significado". NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 36. 96
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias
de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 38.
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67
concretos, situação que exigirá a conciliação dos valores em confronto, por
meio da cedência recíproca, a fim de que nenhum seja completamente
aniquilado, ou da máxima efetividade, para que as disposições de direitos
fundamentais prevaleçam sobre as normas constitucionais sobre direitos de
natureza diversa.97
e) Irrenunciabilidade – tendo em vista que os direitos fundamentais
se referem, intrinsecamente, à condição humana, não há possibilidade de sua
renúncia, que poderia significar, em verdade, a descaracterização de sua
fundamentalidade e a renúncia à própria natureza humana.
f) Possibilidade de concorrência – os direitos fundamentais são
acumuláveis pelo indivíduo e fruíveis simultaneamente. Em outras palavras:
uma mesma situação pode ensejar a proteção simultânea de duas ou mais
normas constitucionais que abriguem direitos fundamentais, sem que uma
prevaleça sobre a outra e, ainda, sem que o indivíduo seja compelido a
escolher uma das proteções em detrimento das demais.
Estas características permitem identificar, portanto, um regime jurídico
próprio dos direitos fundamentais, ressaltando-se que J. J. Gomes Canotilho98
afirma que o regime de direitos, liberdades e garantias pode ser denominado
"regime de direitos qualificados ou de garantias reforçadas".
Da exposição desenvolvida até aqui, vislumbra-se que não há
hierarquia entre os direitos fundamentais. Tais direitos devem coexistir e
mutuamente se fortalecer sem que haja a prévia determinação de prevalência
de um sobre os demais.
Além disso, entre as características dos direitos fundamentais, é
pertinente destacar que constituem uma unidade indivisível, pois são
destinados à proteção integral do indivíduo, em diferentes aspectos, de forma
97
Nesse sentido: "Deve-se, nesse sentido, em harmonia com o entendimento citado, alvitrar duas possibilidades interpretativas: uma de cedência recíproca, quando nos depararmos com a colisão entre os dois direitos fundamentais; e outra de maximização dos direitos fundamentais, quando detectada uma colisão destes com o direito constitucional de natureza distinta". NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 41.
98
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 416.
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68
indissociável. A partir daí, é certo que se revela esvaziado o direito à liberdade
quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua vez, esvaziado revela-
se o direito à igualdade quando não é assegurada a liberdade.99
4.6 O caráter principiológico dos direitos fundamentais
No presente tópico será estudado o fato de os direitos fundamentais
possuírem a natureza de princípios constitucionais, ou seja, será estudado o
significado de se dizer que os direitos fundamentais podem ser considerados
princípios jurídicos.
Não se nega que as disposições relativas aos direitos fundamentais
podem possuir natureza principiológica. Entretanto, por vezes, não há a devida
reflexão sobre quais efeitos isso acarreta.
Princípio jurídico é expressão que sofre mutação em seu significado ao
longo do tempo, sendo classificado em três fases jurídicas distintas, conforme
lição de Ricardo Marcondes Martins.100
Na primeira fase, princípio jurídico significava o início, o começo, a
base de estudo de determinada matéria. Ou seja, sua noção se aproximava da
etimologia da palavra em si. Em uma segunda fase, princípio jurídico
significaria um vetor de orientação da hermenêutica jurídica, a exemplo do
constante na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,101 que, em seu
artigo 4º, estabelece que “[...] quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Tal
preceito legal utiliza o princípio como um vetor de interpretação em casos de
omissão da lei, o que significa que, pelo menos aparentemente, o princípio
jurídico seria inferior às disposições legais entendidas como regras.
99
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 1. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 27. 100
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 15. 101
BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, 1942. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017.
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69
Já hodiernamente, na terceira fase, princípio jurídico é entendido como
espécie do gênero norma jurídica, ao lado das regras jurídicas. Portanto, hoje o
princípio jurídico é norma jurídica, a enaltecer o seu caráter cogente,
compulsório e de observância obrigatória por todos.
O princípio jurídico, ao contrário das regras, é entendido como um
mandamento de otimização, devendo, na lição do jurista alemão Robert Alexy,
ser aplicado na maior medida possível. Nesse sentido:102
[...] princípios são normas que ordenam que algo seja realizado
na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. (grifos no original)
Além disso, um conflito entre princípios se resolve pelo método da
ponderação, ou seja, da proporcionalidade, com a análise de suas subáreas
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Já as regras são consideradas mandados de determinação e
consistem em normas que são sempre satisfeitas ou não são satisfeitas, o que
se afirma também com apoio nas lições de Robert Alexy.103 As regras são
aplicadas a cada caso, portanto, por meio da subsunção, verificando-se, assim,
se o fato se adequa a elas ou não. Eventual conflito entre regras se resolve
pelo método da exclusão de uma em favor de outra regra que melhor se ajuste
ao fato indicado.
Vale mencionar, por oportuno, que referido autor sustenta que as
disposições de direitos fundamentais podem, ainda, apresentar um caráter
102
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 2011. p. 90. 103
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 91.
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70
duplo, se forem construídas de forma a que os níveis de regra e princípios
sejam nela reunidos.104
Passada essa breve introdução, conclui-se que a afirmação de que um
direito fundamental tem a natureza de princípio jurídico implica as seguintes
consequências:
a) eventuais conflitos entre direitos fundamentais deverão ser
solucionados em casos concretos, pelo método da ponderação, mediante a
análise de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, nas
lições de Robert Alexy acima destacadas;
b) admitindo-se que princípios são espécies de normas jurídicas, as
disposições de direitos fundamentais tem caráter cogente, compulsória de
observância geral a todos;
c) as disposições de direitos fundamentais devem ser aplicadas na
maior medida possível, sob os aspectos fático e jurídico (relembrando-se a
característica da limitabilidade, que implica na adoção dos critérios da cedência
recíproca e da máxima efetividade para solução de conflitos, como acima
destacado), diante da constatação de que os princípios são mandados de
otimização.
4.7 A função contramajoritária dos direitos fundamentais
Relevante se faz discorrer a respeito da função contramajoritária dos
direitos fundamentais, tema de suma importância frente ao contexto
democrático, objeto central da presente dissertação.
É evidente que existe uma conexão inafastável entre o princípio
democrático e o princípio majoritário, uma vez que se estimula a participação
popular na tomada de decisões por meio de debates e contraposição de ideias
para a formação da opinião pública, aferível pela análise do consenso da
104
Nesse sentido: "Uma tal vinculação de ambos os níveis surge quando na formulação da norma constitucional é incluída uma cláusula restritiva com a estrutura de princípios, que, por isso, está sujeita a sopesamentos". ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 141.
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71
maioria. No entanto, tal constatação não implica em concluir que há o domínio
da maioria sobre a minoria.
Nesse sentido, é possível afirmar que uma das funções dos direitos
fundamentais é servir justamente de freio aos anseios da denominada “maioria
democrática”, por várias razões.
Uma visão superficial da democracia é a de que se trata apenas de um
regime cujas deliberações políticas são lastreadas somente na vontade da
maioria. No entanto, afirmar que a maioria pode decidir livremente os destinos
da sociedade contraria um preceito básico democrático, que é o de
preservação dos direitos das minorias.
Nesse aspecto, Reinhold Zippelius afirma que o princípio majoritário é
limitado pela observância à dignidade humana :105
Numa palavra, o princípio maioritário encontra-se, em virtude das suas próprias premissas, limitado por princípio pelo imperativo de respeitar e manter a dignidade da pessoa humana e, em particular, a capacidade de participação, permanente e em igualdade de direitos, de qualquer um. Isto compreende a ideia de que as minorias actuais têm de ter a oportunidade de se converterem no futuro em maiorias. Uma decisão maioritária que abolisse esta possibilidade para o futuro ultrapassaria os limites imanentes que se encontram no princípio da maioria correctamente entendido.
Do mesmo modo, Thomas Fleiner-Gerster106 afirma que os direitos
fundamentais constituem uma limitação à maioria democrática:
Enquanto no último século os direitos da maioria eram considerados ilimitados e o legislador, quer dizer, o Parlamento, não conhecia nenhum limite, impõe-se atualmente cada vez mais a ideia segundo a qual os direitos fundamentais constituem limites que devem ser respeitados mesmo pela maioria democrática. Os direitos fundamentais não devem somente proteger o indivíduo em face da onipotência do
105
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de
Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 400. 106
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Trad. Marlene Holzhausen. Revisão técnica Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 115-116.
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72
Estado, mas também oferecer proteção à minoria em face da maioria.
J. J. Gomes Canotilho107 se manifesta no mesmo sentido dos autores
acima citados e ainda ressalta que a limitação aos anseios da maioria pode ser
observada, até mesmo, nas exigências de obtenção de maioria qualificada na
votação de determinados assuntos:
A maioria não pode dispor de toda a “legalidade”, ou seja, não lhe está facultado, pelo simples facto de ser maioria, tornar disponível o que é indisponível, como acontece, por ex., com os direitos, liberdades e garantias e, em geral, com toda a disciplina constitucionalmente fixada (o princípio da constitucionalidade sobrepõe-se ao princípio maioritário). Por vezes, a importância do assunto exige maiorias qualificadas não só para garantir a bondade intrínseca da decisão mas também para a protecção das minorias. (grifo do autor)
Se fosse adotado o entendimento de que a maioria tem o direito de
modificar a constituição quando e como bem entender, a discussão política
seria reduzida a um argumento simplista: o que é supostamente bom para o
maior número de pessoas em um determinado momento deveria prevalecer.
Todavia, a história demonstrou que nem sempre a maioria trilha caminhos que
visam ao bem comum. Para citar apenas um exemplo, basta mencionar que o
governo alemão nazista contava com amplo apoio popular. Assim, não haveria
garantia de que a maioria tomaria boas decisões para a coletividade. Nesse
sentido, Miguel Reale108 esclarece que “[...] a opinião da maioria não traduz, de
forma alguma, a certeza ou a verdade no mundo das estimativas.”
Assim é que as minorias devem ser ouvidas e respeitadas na tomada
de decisões políticas, assegurando-lhes igualdade de condições de
participação nesse processo.
107
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 329. 108
REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 197.
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73
Ademais, os direitos fundamentais são justamente contrapesos à
vontade da maioria, por darem primazia ao indivíduo, considerado
singularmente como um fim em si mesmo, com capacidade de
autodeterminação, e não apenas como mais um membro do corpo social. Não
se desconhece que o ser humano é um “animal político”, como já sustentado
por Aristóteles, cuja expressão foi traduzida para o latim por Tomás de Aquino
como sendo “animal social”.109 Entretanto, não se ignora que, antes de
pertencer à esfera social, o ser humano possui direitos fundamentais pela sua
simples condição de pessoa. Esse é o mote dos direitos humanos e dos
direitos fundamentais.
Por meio da função contramajoritária, os direitos fundamentais servem
justamente como um “escudo protetor” em face da vontade da dita maioria, isto
é, existem justamente para contê-la. E essa contenção ocorre quando a Carta
Magna estabelece meios para se evitar a imposição da “vontade majoritária” a
qualquer custo.
Assim, os direitos fundamentais têm como característica o fato de
conformarem a atuação do legislador ordinário, em um fenômeno denominado
de “paradoxo da democracia” que, nas palavras de Robert Alexy,110 refere-se
“[...] ao antigo problema da abolição democrática da democracia”. Vale dizer: a
própria constituição democrática conforma a atuação democrática do legislador
ordinário. Isso porque não se pode deixar os direitos fundamentais a cargo de
uma “maioria legislativa de ocasião”.
Ainda nas palavras do jurista alemão,111 “[...] como ninguém conhece o
legislador futuro e também as circunstâncias sob as quais ele agirá, ninguém
pode ter certeza de que ele não utilizará [...] aquelas liberdades e
competências de forma desfavorável aos indivíduos”. Esse é, inclusive, um dos
argumentos favoráveis à adoção da teoria da aplicabilidade imediata dos
109
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. 13. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016. p. 33. 110
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 447. 111
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 449.
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74
direitos fundamentais no Brasil:112 não relegar ao futuro legislador ordinário a
incumbência de ser um intermediário entre um direito constitucional e a sua
aplicação no caso concreto.
É cediço que os “direitos fundamentais são „destinados, em primeira
instância, a proteger a esfera de liberdade do indivíduo contra intervenções dos
Poderes Públicos; eles são direitos de defesa do cidadão contra o Estado‟”.113
Segundo o jurista alemão Robert Alexy,114 há três formas de se
contemplar a relação entre direitos fundamentais e democracia: a ingênua, a
idealista e a realista. Pela concepção ingênua, jamais haveria conflito entre
democracia e direitos fundamentais, afinal, seria impossível se pensar em
conflito entre “duas coisas boas”. Pela concepção idealista, o legislador
integrante da chamada maioria legislativa de ocasião não teria qualquer
interesse em defender posições contrárias aos direitos fundamentais, ainda
que, em tese, um conflito entre direitos fundamentais e democracia seja
possível. Por fim, pela concepção realista, aceita pelo autor, os direitos
fundamentais podem ser democráticos ou antidemocráticos. São democráticos
ao assegurar o desenvolvimento da sociedade mediante a garantia de direitos
que auxiliam no processo democrático, a exemplo da igualdade e da liberdade.
Porém, podem ser antidemocráticos ao negar as decisões tomadas pela
maioria legislativa eleita.
4.8 Eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais
Conforme já afirmado neste trabalho, os direitos fundamentais surgiram
para obstar o abuso do poder estatal. Nasceram, assim, para serem freios à
utilização abusiva do poder por parte do Estado.
112
Art. 5º, § 1º, da Constituição Federal: "§1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". (BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017. 113
ALEXY, Robert. Teoria dos d ireitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 433. 114
ALEXY, Robert. Los derechos fundamentales en el Estado Constitucional Democrático. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 37-38.
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75
Na relação entre Estado e indivíduo, em que o primeiro se situa em
posição superior ao segundo, no sentido de que pode determinar o
comportamento deste, é comum que se diga que os direitos fundamentais,
precipuamente, surgiram para tutelar essa relação vertical entre o Poder
Público e o ser humano.
É de se ressaltar que a eficácia vertical dos direitos fundamentais
enseja a aplicabilidade direta e imediata destes, isto é, prescinde da existência
de normas intermediárias para a sua efetivação. Dessa maneira, para se
invocar um direito fundamental em uma relação entre indivíduo e Estado, basta
colhê-lo diretamente da Carta Magna, sem necessidade da presença de
intermediários, tais como lei infraconstitucional ou decisão judicial.
No entanto, os direitos fundamentais também podem ser aplicados às
relações entre particulares. O exemplo clássico ocorre quando uma pessoa é
proibida de sair de um hospital, do qual obteve alta médica, simplesmente por
não ter pago a conta do nosocômio. No mencionado exemplo, a entidade
possui outros meios para cobrança do débito, sem a necessidade de
constranger fisicamente o indivíduo a pagá-la. Diz-se, nesse caso, que há
aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, ou eficácia horizontal
dos direitos fundamentais.
O próprio Supremo Tribunal Federal já admitiu a existência da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais, em acórdão assim ementado:
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não
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76
conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (RE 201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821).115
115
BRASIL. Constituição (1988). Ementa: sociedade civil sem fins lucrativos. Brasília, DF, 2005.
Disponível em:
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77
Convém ressaltar a existência de ao menos três correntes doutrinárias
principais sobre o tema:
1- A corrente que nega a possibilidade de aplicação dos princípios
constitucionais às relações privadas, porque historicamente os
direitos fundamentais surgiram para proteger o indivíduo do abuso
de poder estatal.
2- A corrente que admite a referida aplicação, desde que seja por
intermédio de lei infraconstitucional, objetivando garantir certa
previsibilidade.
3- A corrente que permite a aplicação dos princípios constitucionais
diretamente às relações privadas.
Além das eficácias vertical e horizontal dos direitos fundamentais,
começam a surgir, no campo doutrinário, teorias que sustentam novas
espécies de eficácia, entre elas, a eficácia diagonal dos direitos fundamentais.
Tal ocorre quando os direitos fundamentais, apesar de serem aplicados
em uma relação jurídica privada (o que ensejaria, em princípio, o
reconhecimento de sua eficácia horizontal), o são entre particulares que não
estão, propriamente, em plena posição de igualdade, a exemplo do que ocorre
na relação entre empregador e empregado ou na relação consumerista entre o
fornecedor de um produto ou serviço e o consumidor. Nessas hipóteses, é de
se notar que o poderio econômico e jurídico do empregador e do fornecedor do
produto ou serviço é muito maior do que o dos demais indivíduos, ensejando
uma aplicação diagonal dos direitos fundamentais, no intuito de frear o abuso
que poderia eventualmente surgir. Em outras palavras, o detentor do poder
político (Estado) interfere nessa relação jurídica visando equilibrar uma relação
que, em seu nascedouro, já surge desequilibrada pelo poderio econômico, ou
mesmo técnico, de uma das partes.
Por fim, não se poderia deixar de mencionar a existência da chamada
eficácia vertical com repercussão lateral. Esta existe quando um direito
fundamental de aplicação vertical, a exemplo do direito fundamental à tutela
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000007697&base=baseAcordaos>. Acesso em: 18 jul. 2017.
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78
jurisdicional, gera reflexos laterais na relação jurídica entre particulares
conforme o maior ou menor grau de proteção processual existente no caso
concreto. Assim, uma maior garantia processual pode, reflexamente, gerar
efeitos na relação privada objeto do processo. É de se esclarecer que seria
equivocado afirmar que esse direito se refere à eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, afinal, ele não se destina a regular as relações privadas, mas
sim a relação vertical existente entre um indivíduo e o Estado, marcada pela
superioridade deste último.
4.9 As garantias fundamentais
A Constituição Federal de 1988 traz extenso rol de direitos
fundamentais, mas também de garantias fundamentais, entre elas, os
chamados remédios constitucionais. Veja-se que o Título II é denominado "Dos
direitos e garantias fundamentais", o que permite constatar que se tratam de
institutos diversos, apesar de guardarem afinidade.
Conforme Domingo García Belaunde, “[...] hoje se dá o nome de
„garantia‟ a figuras ou instituições de caráter processual que sirvam para a
defesa imediata de determinados princípios e valores que o texto constitucional
consagra”.116
As garantias fundamentais são instrumentos que asseguram a
obediência aos direitos fundamentais. Desta afirmação já se conclui que a
previsão de garantias é de suma importância, uma vez que é imprescindível
que existam meios para prevenir ou fazer cessar a violação aos direitos
fundamentais.
116
BELAUNDE apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado democrático e social de direito. In: ENCICLOPÉDIA jurídica da PUC-SP. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/70/edicao-1/estado-democratico-e-social-de-direito>. Acesso em: 3 jul. 2017.
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79
J. J. Gomes Canotilho117 descreve a concepção das garantias nos
seguintes termos:
Rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de protecção dos direitos. As garantias traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a protecção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade.
No mesmo sentido, Ingo Wolfgang Sarlet118 afirma:
preciso esclarecer que do ponto de vista de sua condição de direitos fundamentais no sentido ora sustentado, não existe diferença entre direitos e garantias, pois embora o termo garantias assuma uma feição de caráter mais instrumental e assecuratório dos direitos, como é o caso, de modo especial, das garantias processuais materiais (devido processo legal, contraditório) e das assim chamadas ações constitucionais, em verdade se trata de direitos-garantia, pois ao fim e ao cabo de direitos fundamentais.
Em outras palavras, tão importante quanto a previsão de existência de
direitos fundamentais é a dos meios para efetivamente assegurá-los, sob pena
de que a constituição seja concebida como mera carta de intenções.
Conforme se verá adiante, a relação entre a democracia e os direitos
fundamentais é fortemente estabelecida pela existência das garantias –
admitidas, pois, também como direitos. Afinal, de nada adianta a existência de
direitos constitucionalmente reconhecidos se não houver meios de assegurar o
117
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 396. 118
SARLET, Ingo Wolfgang. Conceito de direitos e garantias fundamentais. In: ENCICLOPÉDIA jurídica da PUC-SP. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/67/edicao-1/conceito-de-direitos-e-garantias-fundamentais>. Acesso em: 3 jul. 2017.
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80
efetivo respeito e obediência a tais ditames pelos particulares e, em especial,
pelos governantes.
4.10 As garantias institucionais
Além das garantias fundamentais, é necessário destacar a importância
da existência e do resguardo das garantias institucionais para assegurar a
efetividade do princípio democrático.
Nesse sentido, vale dizer que, conforme o ensinamento de Vidal
Serrano Nunes Júnior,119 o conceito de garantias institucionais foi inicialmente
forjado por Carl Schmitt e encontrou acolhida na doutrina constitucional
brasileira e estrangeira. Parte-se da premissa de que o ser humano ostenta
uma natureza relacional, inserido em uma organização social junto com seus
semelhantes, motivo pelo qual:
[...] existem direitos que não podem ser preservados fora dessa dimensão comunitária, uma vez que se projetam e se realizam em meio a instituições sociais, cuja existência e proteção devem ocorrer exatamente por meio das assim denominadas garantias institucionais.
J. J. Gomes Canotilho,120 no mesmo sentido, afirma que as garantias
institucionais se originam da doutrina alemã, segundo a qual tais garantias não
seriam atribuíveis diretamente a uma pessoa, mas a instituições relevantes à
realidade social e à realização do ideal democrático. Nas palavras do autor:
Assim, a maternidade, a família, a administração autônoma, a imprensa livre, o funcionalismo público, a autonomia académica, são instituições protegidas diretamente como realidades sociais objectivas e só, indirectamente, se
119
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias
de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 139. 120
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 397.
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81
expandem para a proteção dos direitos individuais. Contudo, como atrás já foi salientado, o duplo carácter atribuído aos direitos fundamentais – individual e institucional – faz com que hoje, por exemplo, o direito de constituir família (art. 36.º/1) se deva considerar indissociável da protecção da instituição família como tal (art. 67.º).121 (grifo do autor)
Vale dizer que os referidos autores advertem que o âmbito de
aplicação das garantias institucionais não se limita à esfera de atividades
públicas, mas se estendem a instituições de origem privada, como é o caso da
proteção estatal à instituição da família.122
Ressalte-se, por oportuno, que a proteção propiciada pelas garantias
institucionais assegura a estabilidade social, na medida em que impede
ingerências negativas por parte do poder público sobre a existência e
preservação das instituições.
Assim sendo, é possível concluir que a proteção às garantias
institucionais se aproxima da proteção aos direitos fundamentais quando se
exige a salvaguarda do “mínimo essencial” dessas instituições, também na
expressão de J. J. Gomes Canotilho.123
121
Os artigos mencionados pelo autor são da Constituição portuguesa. 122
Nesse sentido: “Outro dado sensível do tema estudado diz respeito ao âmbito de aplicação das garantias institucionais, que não se limita ao espaço próprio da atividade pública (estabilidade dos servidores, tripartição de funções etc.), estendendo-se também para instituições originariamente oriundas do direito privado (família, estabilidade das relações jurídicas etc.)”. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 141. “Assim, a maternidade, a família, a administração autônoma, a imprensa livre, o funcionalismo público, a autonomia acadêmica, são instituições protegidas directamente como realidades sociais objectivas e, indirectamente, se expandem para a proteção dos direitos individuais”. CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 397. 123
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 398.
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82
5. FLUXOS E INFLUXOS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
NO BRASIL
Imperioso se faz analisar os fluxos e influxos do tema direitos
fundamentais nas Constituições brasileiras, a fim de que seja possível o estudo
do que representam hodiernamente.
Vale destacar que, quanto mais democrático o ambiente do surgimento
de cada constituição, mais atenção foi dedicada aos direitos e garantias
fundamentais e a instrumentos de controle do poder estatal, especialmente das
garantias fundamentais, o que evidencia que os assuntos são indissociáveis.
Da breve análise exposta a seguir, será possível constatar que não
houve uma evolução linear dos direitos e garantias fundamentais nas
constituições brasileiras, mas fluxos e influxos na inclusão dessas matérias,
refletindo o momento histórico e político em que cada uma delas veio a lume no
ordenamento jurídico pátrio.
5.1 Constituição de 1824
A primeira constituição brasileira veio a lume em 25 de março de 1824,
logo após a independência do Brasil e sob o governo do Imperador Dom Pedro
I – por isso conhecida como Constituição Imperial. A constituição surgiu no
período posterior ao da publicação das principais declarações de direitos do
século XVIII, o que trouxe a influência dos ideais liberais clássicos que
permeavam os Estados ocidentais, veiculados na Revolução Francesa e na
Revolução Americana.
Esse contexto histórico foi privilegiado pela Constituição de 1824, que
abarcou importantes direitos fundamentais em seu bojo, à semelhança das
declarações de direitos humanos daquele século. O Estado por ela inaugurado
é de caráter não intervencionista, do tipo liberal, em consonância com os
reclamos daquele momento histórico.
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83
O artigo 179 da Constituição de 1824 é o que concentra o rol de
direitos fundamentais nela enunciados, entre os quais é possível perceber o
destaque às liberdades públicas, tratadas de forma especificada. Nesse
sentido, houve menção expressa à liberdade de manifestação de pensamento,
de expressão e de imprensa – com a responsabilização por abusos e a
proibição da censura –, à liberdade religiosa – desde que respeitada a religião
oficial (que era a católica apostólica romana) – às liberdades de locomoção e
de circulação, à inviolabilidade do domicílio, a restrições à prisão e à previsão
do primado da legalidade e do princípio da igualdade. O direito de propriedade
também foi expressamente assegurado de forma ampla, inclusive a de
natureza industrial. A suspensão de direitos individuais foi prevista de forma
excepcional. Além disso, houve ainda a inclusão de direitos sociais, nela
referidos como socorros públicos e instrução primária gratuita.
Ainda que tenha havido a previsão de tais direitos na Constituição de
1824, é necessário relembrar que, à época, não havia democracia no país:
vigia o regime monárquico, que contava com instrumentos centralizadores do
poder, por meio, igualmente, de previsões constitucionais. O maior desses
instrumentos era o denominado Poder Moderador, titularizado pelo Imperador –
que também era o titular do Poder Executivo. Ademais, é certo que a
escravidão ainda era uma realidade no Brasil, em que pese a expressa
previsão do rol de direito fundamentais. Destarte, não havia meios efetivos de
controle e fiscalização da observância dos direitos fundamentais, tendo em
vista que a palavra final a tal respeito também era do titular do Poder
Executivo.
Conclui-se, portanto, que a previsão da existência de direitos
fundamentais ainda era um anúncio de intenções, distante da realidade
suportada pela maioria da população.
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84
5.2 Constituição de 1891
Em 1889, foi proclamada a República no Brasil, resultado da aliança
entre os cafeicultores e os militares do exército como uma estratégia para pôr
fim ao sistema de governo imperial exercido por Dom Pedro II.124
Em 1890, foi nomeada uma comissão para a elaboração do projeto de
constituição, sob a revisão de Rui Barbosa. Ao fim do processo, a Constituição
de 1891 foi promulgada sob forte influência norte-americana, com a adoção do
modelo presidencialista, federativo e bicameral.
A Constituição de 1891, portanto, foi a primeira constituição
republicana do país. A declaração de direitos, contudo, não inovou
substancialmente em relação à Constituição de 1824. Ao contrário, acabou por
suprimir a previsão de fornecimento dos socorros públicos e da instrução
primária gratuita, direitos essencialmente sociais contidos na constituição
anterior. É possível associar essa modificação também à interferência norte-
americana e à ideia de um Estado pouco intervencionista.
Destacam-se, ainda assim, as seguintes previsões constitucionais
relativas a direitos fundamentais: proibição de penas criminais severas, como
as galés, o banimento judicial e a pena de morte, admitidas exceções, neste
último caso, para as hipóteses contidas na legislação militar e em tempo de
guerra (artigo 72, §§ 20º e 21º). Além dos direitos, também foi prevista a
garantia fundamental do habeas corpus, instrumento constitucional previsto
para tutelar o indivíduo contra violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de
poder, tanto de forma preventiva como repressiva (artigo 72, § 22º).
O Poder Moderador do Império foi suprimido em relação à constituição
anterior, adotando-se a tripartição de Poderes e garantindo-se, assim, equilíbrio
e segurança a todos os partícipes desta Constituição.125
124
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 122. 125
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 123.
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85
5.3 Constituição de 1934
O período que antecedeu a promulgação da Constituição de 1934 foi
marcado por grandes revoluções ocorridas no país – Revolução de 1930,
liderada pelos Estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul; e
Revolução Constitucionalista de 1932, do Estado de São Paulo. Nesse sentido,
Cláudio De Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga126 lecionam que:
A Revolução de 1930 traz a queda do sistema oligárquico, popularmente conhecido como 'República do Café com Leite'. Com o fim deste sistema de governo, surge um novo momento na História: a Era Vargas, responsável por mudanças consideráveis no panorama político brasileiro [...]
Pela demora da promulgação da Constituição, os paulistas insurgiram-se contra Vargas, dando início à Revolução Constitucionalista de 1932. Embora derrotadas, as lideranças paulistas, ainda que sob intervenção federal, continuaram sua resistência de maneira não belicista, buscando apoio da intelectualidade de outros Estados.
Nesse contexto, Getúlio Vargas, que assumiu o governo provisório por
quatro anos (entre 1930 e 1934), nomeou uma comissão para elaborar o
anteprojeto de uma nova constituição. Referida constituição surgiu, portanto,
como resposta ao período ditatorial então vigente, com o objetivo de instaurar
um regime democrático.
A constituição foi finalmente promulgada em 16 de julho de 1934. O
texto constitucional trouxe um título denominado “Da declaração de direitos”
(Título III), composto por dois capítulos: “Dos direitos políticos” e “Dos direitos e
garantias individuais”. Trouxe, ainda, outro título – “Da ordem econômica e
social” – com previsão de direitos sociais, econômicos e culturais (Título IV).
Vislumbra-se, nesses aspectos, semelhanças com a Constituição Mexicana de
1917 e com a Constituição de Weimar, de 1919, que também privilegiaram
direitos sociais.
126
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 123.
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86
Os direitos individuais foram arrolados do mesmo modo que nas
constituições anteriores, com merecido destaque à previsão do direito de
subsistência e hipótese de amparo aos indigentes pelo Poder Público (artigo
113, 35).127
Frise-se, ainda, a disposição de que a educação era considerada um
direito de todos, sob responsabilidade da família e dos poderes públicos, “[...]
de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação,
e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana”
(artigo 149).128
O caráter social da Constituição de 1934 acabou por formatar um
Estado mais intervencionista que o existente sob a égide da constituição
anterior, já que a ordem econômica deveria se conformar com os “[...]
princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que
possibilite a todos existência digna” (artigo 115).129
A Constituição de 1934 teve, contudo, existência breve, uma vez que
foi abolida pelo golpe de 1937, conforme adiante se expõe.
5.4 Constituição de 1937
A Constituição de 1937 foi outorgada após o golpe de estado de 10 de
novembro de 1937 por Getúlio Vargas, que instituiu um regime ditatorial – o
Estado Novo. O texto ficou conhecido vulgarmente como “constituição polaca”
ante as similitudes com a Constituição Polonesa de 1935, de caráter
absolutista.
127
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil (de 16 de julho de 1934). Rio de Janeiro, 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Disponível: 18 jul. 2017. 128
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil (de 16 de julho de 1934). Rio de Janeiro, 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Disponível: 18 jul. 2017. 129
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Rio de Janeiro, 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Disponível: 18 jul. 2017.
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87
Nesse contexto ditatorial, foram concentrados sob a autoridade do
Presidente da República os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –
uma vez que era ele a “autoridade suprema” (artigo 73).130
Merece destaque a consideração feita por Cláudio De Cicco e Alvaro
de Azevedo Gonzaga:131
Da análise desta Constituição, podemos concluir que em muitos momentos havia uma aparência democrática no país, entretanto, era instituído um paradoxo entre realidade e Constituição, pois a verdade vista nas ruas e nos Poderes era muito diferente daquela posta no papel.
Com a ditadura, direitos fundamentais já conquistados com as
constituições anteriores sucumbiram, a exemplo da plena liberdade de
manifestação de pensamento, pois foi instituída a censura. Houve, ainda, a
previsão expressa da pena de morte para dez hipóteses, entre as quais a
prática de crimes políticos e de homicídios por motivo fútil ou com extrema
perversidade (artigo 122, 13).132
5.5 Constituição de 1946
Após o período ditatorial implementado por Getúlio Vargas, foi
promulgada a Constituição de 1946, em 18 de setembro daquele ano.
Historicamente, é indissociável a consideração dos efeitos provocados pela
Segunda Guerra Mundial em seu conteúdo.
130
BRASIL. Presidência da República. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Rio de Janeiro, 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017. 131
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 124. 132
BRASIL. Presidência da República. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Rio de Janeiro, 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017.
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88
Com a redemocratização e as consequências do período pós-guerra,
foram retomados os direitos fundamentais no país, à semelhança da
Constituição de 1934 e sob a inspiração da social-democracia de Weimar. O
Estado retomou o intervencionismo nos aspectos social e econômico para
preservação desses direitos.
Como na Constituição de 1934, foi incluído um título denominado “Da
declaração de direitos”, em que eram contidos dois capítulos: “Da
nacionalidade e da cidadania” e “Dos direitos e das garantias individuais”
(Título IV). Do mesmo modo, foi incluído um título específico sobre a ordem
econômica e social, em que era disposto o dever de conciliar a liberdade de
iniciativa com a valorização do trabalho humano (Título V).
O texto trouxe a previsão expressa do direito à vida e à existência
digna, da assistência judiciária aos necessitados, da vedação da pena de morte
(ressalvadas as exceções dispostas na legislação militar em tempo de guerra
com país estrangeiro), de banimento e de confisco, em contraste com a
constituição anterior.
No ano de 1961, contudo, iniciou-se um período de instabilidade
institucional, que acabou por culminar no regime militar de 1964. A partir deste
ano, com o início de novo período ditatorial, a Constituição de 1946 passou a
perder sua força diante do advento dos chamados “atos institucionais”.
Ainda sob a égide da Constituição de 1946, portanto, foi editado o Ato
Institucional nº 1, em 1º de abril de 1964, em que se dispunha que os
comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica exerceriam o poder
constituinte originário, em prejuízo do período democrático até então
experimentado, com a possibilidade de suspender direitos políticos e cassar
mandatos legislativos, excluída a apreciação judicial desses atos.
Em 27 de outubro de 1965, foi editado o Ato Institucional nº 2, que,
entre outras matérias, suspendeu garantias de vitaliciedade, inamovibilidade,
estabilidade e a de exercício em funções por tempo certo e excluiu da
apreciação judicial atos praticados de acordo com suas normas e Atos
Complementares decorrentes. Em 5 de fevereiro de 1966, adveio o Ato
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89
Institucional nº 3, com outras medidas destinadas a manter o projeto de poder
vislumbrado pelo governo ditatorial que se instalava.
Já em 7 de dezembro de 1966, foi editado o Ato Institucional nº 4, que
convocava extraordinariamente o Congresso Nacional para apreciar um novo
projeto de constituição, apresentado pelo então Presidente Castello Branco. O
texto foi aprovado e “promulgado” (como indicado em seu preâmbulo) em 24 de
janeiro de 1967.
5.6 Constituição de 1967
A Constituição de 1967 teve seu surgimento durante o regime ditatorial,
como sobredito, mas trouxe diversos elementos para aparentar a adoção da
democracia. A título de exemplo, em seu preâmbulo, consta que a Constituição
foi promulgada, apesar de ter sido outorgada.
Com a adoção da chamada doutrina ou teoria da segurança nacional, o
texto justificou a ofensa a direitos fundamentais, ante a essência vaga e ampla
de sua extensão. A concentração de poderes nas mãos do chefe do Poder
Executivo também viabilizou a extrema flexibilização dos direitos fundamentais,
de forma alargada e reiterada. Assim, de nada adiantava a previsão da
existência desses direitos que, na prática, poderiam ser cassados a qualquer
tempo, sob a escusa de violação ou ameaça de violação à segurança nacional
pelos indivíduos.
Veja-se que havia a previsão de diversos direitos fundamentais no
texto constitucional. No entanto, não havia meios suficientes para coibir o
abuso estatal e assegurar a efetiva observância desses direitos pelos
governantes.
O cerceamento aos direitos fundamentais ensejou forte oposição ao
regime militar, refletida por protestos estudantis, de alguns setores do clero e
de trabalhadores, além de movimentos libertários internacionais. Nesse clima
instável, foi editado o conhecido Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de
1968, que concentrou ainda mais poderes na figura do Presidente da
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90
República, que poderia decretar a intervenção nos estados e municípios sem
as limitações previstas na constituição, suspender os direitos políticos de
quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais,
estaduais e municipais. Suspendeu-se, ainda, a garantia constitucional do
habeas corpus para os crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem
econômica e a economia popular, além da já esperada exclusão da apreciação
do Judiciário de quaisquer atos praticados com base neste Ato.
Até o ano de 1969, ainda foram editados outros 12 Atos Institucionais
que diretamente alteravam os rumos do governo, o que permite concluir pela
grande insegurança jurídica que marcou aquele período histórico.
Em meio a essas reiteradas alterações jurídicas, foi promulgada a
Emenda Constitucional nº 1 de 1969 que, de tão abrangente, é considerada por
muitos como uma nova constituição. Tal emenda reforçou o caráter ditatorial do
Estado, notadamente quanto às já existentes restrições aos direitos
fundamentais, como forma de controle da população pelo governante.
Os Atos Institucionais foram expressamente revogados pela emenda
constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978, com vigência a partir de 1º de
janeiro de 1979, que, no entanto, preservou os efeitos de tudo o que for
praticado sob a égide daqueles diplomas, inclusive com a manutenção da
exclusão de apreciação pelo Poder Judiciário neles prevista.
Vale mencionar as considerações tecidas por Cláudio De Cicco e
Alvaro de Azevedo Gonzaga133 a respeito desta Constituição:
Da análise desta Constituição, conclui-se que a História do Brasil teve tristes episódios, que, ao contrário do que dizem alguns, jamais devem ser esquecidos, pois são esses atos que acabam sendo a força motriz para o caminhar da democracia e da igualdade, devendo ser acesos constantemente na memória para que festejemos nossa Constituição cidadã.
133
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 127.
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91
No ano de 1985, o período ditatorial chegava aos seus últimos
momentos, formalmente encerrados com a promulgação da Constituição de
1988.
5.7 Constituição de 1988
Por fim, a Constituição da República Federativa do Brasil foi
promulgada em 5 de outubro de 1988, após longo período ditatorial, com a
aspiração de restabelecer a democracia no país. O momento anterior havia
sido marcado por reiteradas violações a direitos individuais, o que foi
determinante para construção da nova constituição, em resposta ao quanto
experimentado e com a promessa de que tais ofensas não mais seriam
admitidas.
Destaca-se que, já em seu preâmbulo, foram enumerados direitos
identificados como valores fundamentais da sociedade brasileira, para o fim de
nortear seu exercício. Evidencia-se, assim, que não se trata de mero enunciado
abstrato, fora do universo jurídico, mas de verdadeiro norte para a atuação
estatal134.
Diante de tal quadro, a Constituição de 1988 privilegiou a previsão dos
direitos fundamentais, tanto pela inclusão no topo da estrutura do texto
constitucional, qual seja, o Título II, inteiramente dedicado ao assunto, quanto
em relação ao detalhamento dos direitos não somente nesse título, mas ao
longo de todo o seu corpo.
Além da existência de diversos dispositivos constitucionais em que
contidas normas sobre direitos fundamentais, a Constituição de 1988 ainda
trouxe em seu bojo a denominada cláusula de abertura, consistente na
determinação de que “os direitos e garantias previstos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
134
DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao século XXI. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 326-327.
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92
dos tratados internacionais em que a República Federativa seja parte” (artigo
5º, II).135
Além do extenso rol de direitos e garantias fundamentais expressos na
Constituição de 1988, verifica-se a previsão de diversos meios de controle do
poder estatal, seja por instituições como o Ministério Público, por exemplo, seja
diretamente pela atuação de particulares, individualmente ou organizados em
associações.
Assim é que a vocação assumida pela Constituição de 1988 para a
tutela dos direitos fundamentais, portanto, a tornou amplamente conhecida
como “Constituição cidadã”.
135
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 jul. 2017.
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6. A RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA E DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS
Após a explicação até aqui tecida, chega-se ao cerne da questão que é
objeto do presente estudo: qual a relação entre democracia e direitos e
garantias fundamentais?
Assim, pretende-se responder à seguinte indagação: seria possível
sustentar a efetiva existência de direitos fundamentais em um ambiente não
democrático? Ou, ao revés, é possível falar em democracia em um ambiente
alijado de direitos fundamentais?
A história mundial mais recente é repleta de exemplos de intervenções
de certos países em outros, supostamente para a imposição do regime
democrático. Tal postura é adotada e tolerada sob a justificativa de que o
regime democrático é o mais propício para assegurar os direitos humanos e
fundamentais em todo lugar. Essas intervenções seriam, assim, uma espécie
de luta do bem (democracia) contra o mal (tirania).
Entretanto, convém reconhecer que, mesmo em Estados não
democráticos, observa-se a previsão de existência de alguns direitos
fundamentais, ainda que de forma mínima. Nesse sentido, a título de exemplo,
é certo que existem países em que prevalece a tirania, mas em que há eleições
para a indicação do governante – ainda que somente haja um candidato ao
cargo. O sufrágio popular seria suficiente, então, para assegurar a efetiva
existência dos direitos fundamentais?
A partir de tal exemplo, constata-se que não se pode afirmar,
peremptoriamente, que simplesmente inexistem direitos fundamentais ao
arrepio do regime democrático. É necessária uma análise mais aprofundada a
fim de verificar se há interdependência entre a democracia e a efetivação dos
direitos fundamentais e se ambientes não democráticos são totalmente
incompatíveis com a tutela desses direitos.
Evidentemente, tais direitos fundamentais podem ter um âmbito de
proteção mitigado, uma vez que estão previstos em ambiente não propício ao
seu pleno desenvolvimento, já que a liberdade dos indivíduos é extremamente
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restringida e que são fracos ou inexistentes os meios para controle e
responsabilização em casos de violação de tais direitos, especialmente das
garantias fundamentais. A democracia, por seu turno, cria um ambiente
propício ao desenvolvimento dos direitos fundamentais, justamente por levar
em conta a participação popular na vontade política coletiva e disponibilizar
instrumentos para controle da atuação estatal.
Já quando imposta em um ambiente que não respeita os direitos
fundamentais, a democracia também se enfraquece. Isso porque o regime
democrático privilegia a vontade popular, que deve ser formada a partir da
base da sociedade, “de baixo para cima”, sendo certo que sua imposição, ou
seja, sua implementação “de cima para baixo” pode desestabilizar, ainda mais,
as relações existentes na comunidade. Um regime apenas formalmente
democrático, mas não em seu conteúdo, é, em certo ponto, outro tipo de
tirania. Revela-se, portanto, que há certa interdependência entre o regime
democrático e os direitos fundamentais, uma vez que a existência de um sem o
outro é dificultada.
Favorável ao entendimento ora exposto, Flávia Piovesan afirma que
não há direitos humanos sem democracia, tampouco democracia sem direitos
humanos. Ao fim de sua argumentação, complementa dizendo que a
democracia é o regime mais compatível com a proteção dos direitos
humanos136.
Nesse mesmo sentido, destaca Dalmo de Abreu Dallari:137
Desde o século dezoito, com o nascimento do constitucionalismo, e depois com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi incorporada ao patrimônio ético e jurídico dos povos a consciência de que uma Constituição autêntica, legítima e democrática, é o instrumento apropriado para a
136
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 50-51. 137
DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado democrático e social de direito. In: ENCICLOPÉDIA jurídica da PUC-SP. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/70/edicao-1/estado-democratico-e-social-de-direito>. Acesso em: 3 jul. 2017.
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afirmação dos direitos fundamentais da pessoa humana, condição necessária para uma convivência pacífica e justa. Mas para que a Constituição realize seu potencial humanista é indispensável que os direitos nela consagrados tenham efetividade, que eles sejam garantidos não só no sentido de impedir suas violações por atos de autoridades públicas ou de grupos ou pessoas do setor privado, mas também no sentido de poder ser exigida a obediência às normas constitucionais que determinam a destinação dos recursos necessários para a prestação dos serviços e a distribuição dos bens necessários para que todos tenham real possibilidade de gozo dos direitos.
Do mesmo modo, J. J. Gomes Canotilho138 afirma que:
Tal como são um elemento constitutivo do estado de direito, os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático. Mais concretamente: os direitos fundamentais têm uma função democrática [...]
Indagar-se-á quem será o responsável por fazer a avaliação sobre o
caráter democrático dos direitos fundamentais. Em um Estado constituído
sobre a base da tripartição das funções do poder estatal, cabe a cada um dos
Poderes observar e fiscalizar o efetivo respeito aos direitos fundamentais e ao
regime democrático.
O Poder Legislativo deverá agir em consonância com os direitos
fundamentais, obedecendo às limitações quanto às deliberações na votação e
aprovação de novas leis, em sentido geral. Assim, não basta a formação de
maioria dos parlamentares para assegurar o efetivo respeito ao regime
democrático: deve haver a proteção aos direitos das minorias, ressaltando-se
que não se admite, em um regime verdadeiramente democrático, que a
produção legislativa seja capaz de aniquilar direitos dessas categorias de
indivíduos.
Ademais, a essência da Constituição brasileira deverá ser preservada. É
certo que se admite emendas à Constituição de 1988, mas dentro dos limites
estabelecidos pelo poder constituinte originário. Assim, nos termos do artigo
138
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 290.
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60, da Constituição Federal, há limites formais para aprovação de emendas
constitucionais (artigo 60, caput, e §§1º, 2º, 3º e 5º) e limites materiais (artigo
60, §4º), cuja observância é indispensável na atividade legislativa.
O Poder Executivo, por seu turno, deverá assegurar o respeito aos
direitos fundamentais e ao regime democrático em sua atuação típica de
gestão da coisa pública bem como no controle realizado sobre os atos oriundos
do Poder Legislativo, através do veto ou da sanção presidencial.
Ao Poder Judiciário, por fim, cabe excluir do caso concreto (controle
difuso) ou do ordenamento jurídico (controle concentrado) a aplicação de uma
lei (aprovada pela vontade da maioria) que afronte os direitos fundamentais.
Neste caso, é de se perceber que o direito fundamental terá o caráter
contramajoritário, pois prevalecerá frente a uma lei que o contrarie. Em outras
palavras, o controle jurisdicional de constitucionalidade é que determinará se
um direito fundamental estará de acordo com o princípio democrático ou não.
Repare que a lei somente deverá prevalecer caso esteja plenamente
de acordo com os direitos fundamentais, ou seja, se houver plena coincidência
entre a vontade da maioria legislativa e os direitos fundamentais que, nesta
hipótese, serão classificados como “democráticos”. Em havendo dissonância
entre a previsão legal aprovada pela maioria dos legisladores e os direitos
fundamentais, estes últimos deverão prevalecer, ainda que em detrimento da
votação parlamentar, ocasião em que serão classificados como
contramajoritários.
Frise-se que, desta maneira, não se mostra equivocado afirmar que o
Poder Judiciário, em um Estado Democrático de Direito, a exemplo dos direitos
fundamentais, também possui uma função majoritária ou contramajoritária.
Será majoritária caso a decisão judicial coincida com a vontade da maioria
legislativa que aprovou a lei, ao passo que será contramajoritária caso se opte
pela aplicação de um direito fundamental mesmo que ao arrepio da vontade da
maioria dos legisladores infraconstitucionais.
Vale dizer: em um Estado Democrático de Direito, nem sempre a
vontade da maioria prevalecerá, ainda quando exposta em uma lei votada e
aprovada pelo Poder Legislativo. Caso a vontade da maioria prevalecesse a
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qualquer custo, inclusive em detrimento dos direitos fundamentais, não se
poderia falar, verdadeiramente, em democracia, conforme já exposto neste
estudo.
Destaca-se, contudo, que a proteção aos direitos fundamentais e ao
regime democrático não é exclusividade dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário. Em um ambiente verdadeiramente democrático, essa
responsabilidade é de todos, sendo de suma importância a participação
popular nesse processo.
Nesse sentido, a Constituição brasileira dispõe de diversos
instrumentos de participação popular que viabilizam o efetivo controle da
atuação estatal e, também, da conduta de particulares, a fim de que se
harmonizem com o sistema de direitos fundamentais essencial ao regime
democrático.
Assim é que as garantias fundamentais despontam como o elo
existente entre o regime democrático e a tutela dos direitos fundamentais, por
permitirem o controle e fiscalização diretos dos indivíduos sobre possíveis atos
atentatórios à sua observância.
A inexistência de garantias fundamentais enfraquece a existência dos
direitos fundamentais em si: não basta a previsão constitucional desses
direitos, por mais ampla que seja, se não houver meios efetivos de controle de
sua observância e responsabilização pelos atos atentatórios em seu desfavor.
É possível constatar essa realidade na análise das constituições
brasileiras, feita em tópico próprio neste trabalho, em que se verifica que
mesmo naquelas que vigeram em regimes ditatoriais havia a previsão de
direitos fundamentais. Não havia, porém, meios efetivos de controle por sua
violação, sendo certo que sua observância e respeito dependiam da vontade
do governante da ocasião.
Vale salientar, ainda, que a participação popular deve ser franqueada
de forma direta, sem intermediários, para que a democracia seja fortalecida. É
de suma relevância em um regime democrático a existência de instituições
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independentes para fiscalização e controle, como o são o Ministério Público e
os Tribunais de Contas, já mencionados.
Contudo, é importante que cada indivíduo assuma sua
responsabilidade de também ser um fiscal da ordem jurídica, utilizando-se de
todos os instrumentos colocados à sua disposição para fazer valer seus
direitos, notadamente os de natureza fundamental.
Nesse sentido, é conveniente esclarecer que a participação popular na
gestão pública é possível para a fiscalização direta de cada um dos Poderes, e
não apenas para a provocação do Poder Judiciário por meio de ações judiciais.
Cabe aos indivíduos o livre acesso a toda e qualquer instituição pública para
questionar a atuação, solicitar informações e providências, o que deve ser cada
vez mais encorajado. Para tanto, repita-se, a transparência da gestão pública
deve ser a regra, não se admitindo o sigilo sem a devida motivação.
Como sobredito, o exercício pleno da cidadania não se restringe a
votar em representantes de forma periódica. Inclui a atenção e preocupação
cotidianas com os rumos da sociedade, com a boa gestão do erário público,
com o bom desempenho dos representantes eleitos.
Em relação a tudo o que foi exposto neste tópico, deve-se destacar que
a fiscalização da observância aos direitos fundamentais será viabilizada pelas
garantias fundamentais, que permitirão a mais ampla participação popular e o
respectivo controle dos governantes pelo povo, titular da soberania.
6.1 As dificuldades do sistema democrático face aos direitos
fundamentais
As limitações impostas ao Estado pelos direitos fundamentais trazem a
lume o que Norberto Bobbio denomina “problema da relação entre legitimação
democrática e eficiência do poder”.139 Em outras palavras, quanto maior a
139
BOBBIO, Noberto. [Qual democracia?]. In: BUSSI, Mario (Org.). Qual democracia? Prefácio de Celso Lafer. Posfácio de Mario Bussi. Tradução Marcelo Perine. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2013. p. 36.
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participação e a legitimação democráticas, mais difícil será o exercício do poder
de forma eficiente, tendo em vista que a sociedade deve ser ouvida tanto
quanto possível na tomada de decisões. Se dispensada a participação popular
nos processos decisórios, em contrariedade ao ideal democrático, será mais
fácil para o governante decidir de forma rápida e formalmente eficiente. Esta é,
pois, a perigosa e falsa ideia de que regimes totalitários podem ser melhores e
mais seguros à população do que os regimes democráticos.
Hannah Arendt140 indica a eficiência do totalitarismo nesse contexto:
Como técnicas de governo, os expedientes do totalitarismo parecem simples e engenhosamente eficazes. Asseguram não apenas um absoluto monopólio do poder, mas a certeza incondicional de que todas as ordens serão sempre obedecidas; a multiplicidade das correias que acionam o sistema e a confusão da hierarquia asseguram a completa independência do ditador em relação a todos os subordinados e possibilitam súbitas e surpreendentes mudanças de política pelas quais o totalitarismo é famoso. A estrutura política do país mantém-se à prova de choques exatamente por ser
amorfa.
Constata-se que a democracia, por depender da preservação da
liberdade e do respeito aos demais direitos dos indivíduos (considerados de
forma isolada ou coletiva), traz ao governo certa instabilidade e dificuldade de
condução das decisões. A necessidade de transparência na gestão pública e
de prestação de contas aos indivíduos governados impõem alta
responsabilidade ao governante.
O totalitarismo, por outro lado, seduz pela sensação de segurança e
estabilidade que procura transparecer. A engrenagem governamental depende
exclusivamente de um líder, que não deve satisfações aos seus subordinados,
tampouco aos governados.
A eficiência do governo no modelo democrático é colocada à prova
constantemente, ante a maior participação popular na tomada de decisões. Tal
140
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 547.
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circunstância não ocorre nos modelos totalitários, em que apenas uma opinião
é considerada – e não é passível de questionamentos e controle.
Na democracia, portanto, há o dever de admitir opiniões divergentes e
harmonizá-las para gerir a coisa pública da melhor forma possível aos
governados, o que acarreta maiores dificuldades ao governante. Nesse
sentido, Reinhold Zippelius141 destaca:
Ao princípio democrático propriamente dito (a maior participação possível do maior número possível) junta-se de forma complementar a confiança de que, através do confronto público de opiniões, será encontrada a via objectivamente mais razoável da acção política. Mas independentemente de partilhar ou não este optimismo (§ 28 II 2) a verdade é que, enquanto perseverarmos na legitimação democrática do poder do Estado, é legítimo, pelo menos sob o ponto de vista democrático, que os órgãos do Estado, sobretudo o Governo e o Parlamento, se orientem pela opinião pública.
Indaga-se, portanto, por quais razões o regime democrático seria mais
adequado ao efetivo respeito aos direitos fundamentais, diante das supostas
virtudes dos regimes totalitários – segurança, estabilidade e eficiência do
governo.
De início, é simples constatar que as supostas virtudes dos regimes
totalitários se referem ao governo em si, e não aos indivíduos, pois se destinam
a facilitar o manuseio do poder pelo governante independentemente da
necessidade de prestar contas de seus atos. O poder passa a ser encarado
como um fim em si mesmo, e não como um meio ou instrumento para se atingir
o bem comum da sociedade.
A democracia, por certo, não é o melhor regime ao governante: ante a
necessidade de transparência na condução da coisa pública, suas ações
deverão ser expostas ao conhecimento amplo dos governados, que poderão
dele exigir justificativas sobre a tutela do interesse público; os governados terão
141
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado: ciência política. Trad. António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 406.
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101
a oportunidade de controlar a permanência do governante no poder, seja
periodicamente, por meio do voto, ou por cassação do mandato.
Por outra via, em que pese não ser o regime mais simples para o
governante, a democracia se apresenta como o melhor regime para os
governados, entre os já vislumbrados.
A possibilidade de conhecer a vida política da sociedade de forma
ampla, assim como de participar de sua condução de diversas maneiras,
oportuniza o efetivo exercício dos direitos fundamentais, tão almejado e
propagado desde a época das revoluções enquanto direitos humanos.
6.2 Democracia: um direito fundamental
O presente trabalho se dispôs a analisar a eventual existência de
relação de interdependência entre democracia e direitos e garantias
fundamentais. A interdependência entre os institutos é sustentada por diversos
autores, como é possível observar ao longo da pesquisa nele exposta.
Vale dizer, no entanto, que Paulo Bonavides não apenas defende essa
relação de interdependência, mas afirma que a democracia é também um
princípio, e não somente um sistema de governo, uma modalidade de Estado
ou um regime político. Eis o entendimento sustentado pelo autor142:
A democracia é princípio, e os princípios têm sua normatividade, tanto conceitual como positivamente, já definida e reconhecida em algumas ordens constitucionais [...].
De tal sorte que a democracia é o princípio contemporâneo mediante o qual se confere legitimidade a todas as formas possíveis de convivência; poder-se-ia até dizer o único princípio legitimante da cidadania e da internacionalidade. Foi princípio filosófico nas revoluções; é jurídico nas elaborações pacíficas de cada sistema de governo que deve reger os cidadãos ou dirigir os Estados nas suas relações mútuas.
142
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 350.
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102
Paulo Bonavides143 sustenta, ainda, que a democracia, por si só, deve
ser considerada um direito fundamental de quarta dimensão ou geração:
Compõe, assim, esse direito a índole nova da civilização política que, desde já, marca o advento do terceiro milênio. Sendo, de necessidade, um direito fundamental – e esta é a premissa da qual partimos e que tem por argumento mais persuasivo a impossibilidade fática da igualdade e da justiça fora de tal esfera de compreensão [...].
É nessa direção, guiadas por essa bússola, que nossas reflexões caminharão em seguida, buscando justificar tacitamente as conclusões expostas acerca da democracia enquanto direito fundamental da quarta geração.
Com base no entendimento do referido doutrinador de que a
democracia ostenta a natureza principiológica e, ainda, de verdadeiro direito
fundamental, poder-se-ia cogitar, em tese, a respeito da sindicabilidade deste
direito. Ou seja: do direito de exigir a implementação da democracia, já que, em
sendo considerado um direito fundamental com a carga normativa de princípio,
a ele se aplicaria o regime jurídico inerente a essa categoria.
143
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p.
350-351.
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103
7. CONCLUSÃO
A pesquisa trazida a lume buscou investigar se há relação entre a
democracia e os direitos e garantias fundamentais. Partiu-se da análise
histórica dos institutos, tomando-se como referencial principal o conteúdo da
Constituição Federal de 1988, como forma de nortear a análise para a
atualidade e, também, para a realidade brasileira.
É possível constatar que o termo democracia não é unívoco e que seu
significado variou – e ainda varia – de acordo com o tempo e espaço em que é
adotado. Assim é que, apesar de indissociável a origem grega do instituto, é
certo que a democracia sobre a qual se estuda nos dias atuais não é a mesma
idealizada e implementada por aquela sociedade.
Como essencial ao tema, permanece a premissa de que a democracia
é o regime de governo do povo, o regime de muitos, em contraposição ao
regime de poucos.
A análise dos direitos fundamentais, por sua vez, partiu do exame do
reconhecimento da existência dos direitos humanos em esfera internacional.
Optou-se por essa forma de exposição diante da coincidência dos direitos
fundamentais e dos direitos humanos quanto ao conteúdo objeto de proteção,
qual seja, a tutela da dignidade humana em suas diversas dimensões.
As constituições brasileiras foram sucintamente analisadas com o
objetivo de verificar se o rol de direitos fundamentais teve maior espaço nos
períodos em que vigia a democracia. Da verificação no histórico de
constituições brasileiras, então, foi possível constatar que há relação entre o
regime democrático e os direitos fundamentais – quanto mais democrático o
ambiente político, maior a previsão de existência desses direitos.
Entretanto, foi possível perceber que as constituições vigentes em
períodos ditatoriais também traziam em seu bojo a previsão de existência de
direitos dessa natureza. Ou seja: a mera enunciação de direitos fundamentais
na constituição do país não se revelou como diferencial entre as formas de
governo.
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104
O que se mostrou como verdadeiro diferencial, porém, foi a existência
de garantias fundamentais e outros instrumentos de fiscalização e controle
para as hipóteses de violação dos direitos fundamentais.
Assim, constata-se que de nada adianta a previsão de existência de
direitos fundamentais se não houver meios efetivos de controle de sua
observância e de responsabilização em casos de violações. A pesquisa
indicou, pois, ser este o principal elemento que permite a classificação de um
governo como verdadeiramente democrático: a possibilidade de
responsabilização de qualquer pessoa, física ou jurídica, de natureza privada
ou pública, por eventual violação dos direitos fundamentais e os principais
instrumentos para tanto, em nível constitucional, são as garantias
fundamentais.
No Brasil, sob a vigência da Constituição Federal de 1988, várias são
as garantias fundamentais e os instrumentos de controle e fiscalização da
observância dos direitos fundamentais, incluindo-se a existência de instituições
essencialmente voltadas a estas finalidades – a exemplo do Ministério Público
e dos Tribunais de Contas.
Nesse sentido, a previsão de garantias institucionais também se mostra
como meio de implementação efetiva tanto do sistema democrático quanto dos
direitos fundamentais sindicáveis individualmente, na medida em que objetivam
proteger a vida comunitária de cada ser humano. Afinal, o ser humano é, em
essência, um ser social, o que justifica a preocupação com a tutela dessas
instituições.
Além disso, houve o enfrentamento de questões relacionadas às
dificuldades de implementação do sistema democrático que, para o
governante, é mais complexo e limitador que sistemas autoritários de exercício
do poder. Isso porque a necessidade de ouvir e considerar a opinião pública
implica em maior instabilidade na tomada de decisões, o que traz a falsa
impressão de que governos autoritários seriam melhores para o interesse
público.
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Para o fim de enriquecer a pesquisa, foi trazido a lume o entendimento
doutrinário segundo o qual a democracia seria um princípio e também um
direito fundamental por si só.
Conclui-se, portanto, que há supedâneo doutrinário para afirmar que
existe relação entre a democracia e os direitos fundamentais e que esta se
estabelece e se consolida positivamente pela existência de meios de controle e
fiscalização de eventuais atos atentatórios.
As garantias fundamentais, assim, se revelam como o elo que garante
a existência do regime democrático e dos direitos fundamentais, viabilizando
condições para a efetiva tutela da dignidade da pessoa humana, fundamento
da República Federativa do Brasil.
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REFERÊNCIAS
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ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional: revista e atualizada até a EC 76 de 28 de novembro de 2013. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2014.
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