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ENSINO DE LÍNGUAS E LITERATURAS: QUESTÕES DA

CONTEMPORANEIDADE

Aluizio Lendl

Cássia da Silva

José Veranildo Lopes da Costa Junior

Organizadores

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Copyright© dos autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte da obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos dos autores. O conteúdo dos textos apresentados é de inteira responsabilidade dos seus respectivos autores.

Aluizio Lendl; Cássia da Silva; José Veranildo Lopes da Costa Junior [Org.]. Rio de Janeiro:

Oficina da Leitura, 2018. 238 p.

ENSINO DE LÍNGUAS E LITERATURAS: QUESTÕES DA CONTEMPORANEIDADE

ISBN: 978-85-66224-17-7

1. Estudos da Linguagem. 2. Linguística Aplicada. 3. Leitura de textos Literários. 4. Autores. I. Título.

CDD 410

Capa: Mateus Sarmento (URCA)

Conselho Avaliativo

Prof. Dr. Antônio Luciano Pontes (UECE/Brasil)

Prof. Dr. Antônio Suarez Abreu (USP/Brasil)

Profa. Dra. Brenda Carlos de Andrade (UFRPE/Brasil)

Profa. Dra. Eneida Maria Gurgel de Araújo (UEPB/Brasil)

Prof. Dr. Fernando Zolin Vezs (UFMT/Brasil)

Prof. Dr. Marco Antônio Margarido Costa (UFCG/Brasil)

Profa. Dra. Isis Milreu (UFCG/Brasil)

Prof. Dr. Paulo Vinícius Ávila Nóbrega (UEPB/Brasil)

Profa. Dra. Sinara de Oliveira Branco (UFCG/Brasil)

Prof. Dr. Wanderlan Alves (UEPB/Brasil)

Prof. Dr. Wellington Ricardo Fioruci (UTFPA/Brasil)

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Sumário

PREFÁCIO ...............................................................................................................................7

Profa. Dra. Maria Edileuza da Costa

Docente e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do

Estado do Rio Grande do Norte

POLÍTICAS DA RESISTÊNCIA: apresentação ..............................................................10

Aluizio Lendl

Cássia da Silva

José Veranildo Lopes da Costa Junior

CAPÍTULO I ..........................................................................................................................13

ENSINANDO MULTIMODALIDADE: NOTAS SOBRE A CONCORRÊNCIA

IDEACIONAL

Aluizio Lendl

CAPÍTULO II ........................................................................................................................22

REFLEXÕES SOBRE O GÊNERO CANÇÃO NA AULA DE ESPANHOL COMO

LÍNGUA ADICIONAL: UNIDADES DIDÁTICAS INTERCULTURAIS

Antonio Ferreira da Silva Junior

Renata Martuchelli Tavela

CAPÍTULO III ......................................................................................................................36

LITERATURA NA ESCOLA: DA SEQUÊNCIA BÁSICA À IDENTIFICAÇÃO COM

O LEITOR LITERÁRIO

Cássia da Silva

Maria Lúcia Pessoa Sampaio

CAPÍTULO IV .......................................................................................................................50

LIVROS, VÍDEOS, MEMES, LINKS À MANCHEIA: POR UMA PEDAGOGIA DO

DISCURSO E DAS MULTIMODALIDADES

Cláudia Rejanne Pinheiro

José Marcos Ernesto Santana de França

CAPÍTULO V ........................................................................................................................68

POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES PARA A (RE)SIGNIFICAÇÃO E

(RE)CONSTRUÇÃO DE CRENÇAS DO E NO COMPLEXO PROCESSO DE

ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ADICIONAIS

Fábio Marques de Souza

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CAPÍTULO VI .......................................................................................................................79

PLANOS DE CURSO DE LETRAS: UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES DE

ENSINO DA ESCRITA DE GÊNEROS ACADÊMICOS

Hermano Aroldo Gois Oliveira

Francisco Vieira da Silva

CAPÍTULO VII .....................................................................................................................98

CONTRATAMOS PROFESSORES: REFLEXÕES SOBRE A (DES)VALORIZAÇÃO

DOCENTE EM ESCOLAS PRIVADAS DE IDIOMAS

José Veranildo Lopes da Costa Junior

CAPÍTULO VIII .................................................................................................................108

TIC‘S E LITERATURA: INOVAÇÕES E DESAFIOS PARA O ENSINO NA ERA

DIGITAL

Juliana Prestes de Oliveira

Amanda L. Jacobsen de Oliveira

Anselmo Peres Alós

CAPÍTULO IX .....................................................................................................................122

ENSINO DE LÍNGUA INGLESA E INCLUSÃO SOCIAL: DESAFIOS PARA A

FORMAÇÃO DOCENTE

Karyne Soares Duarte Silveira

Márcia Ozinete de Alcântara Pinho Borborema

CAPÍTULO X ......................................................................................................................139

SOBRE IMAGINÁRIO E REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES DE FRANCÊS

COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA EM FORMAÇÃO INICIAL

Lino Dias Correia Neto

Josilene Pinheiro-Mariz

CAPÍTULO XI .....................................................................................................................155

O GÊNERO RESUMO EM DISTINTAS ÁREAS ACADÊMICAS

Nícollas Oliveira Abreu

Jorge Tércio Soares Pacheco

CAPÍTULO XII ...................................................................................................................173

A DIMENSÃO CULTURAL NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA

ESTRANGEIRA EM CURSOS DE GRADUAÇÃO EM LETRAS

Raimundo Expedito dos Santos Sousa

Magda Velloso Fernandes de Tolentino

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CAPÍTULO XIII .................................................................................................................187

A LEITURA LITERÁRIA COMO RETORNO A SI: ANÁLISE DA RECEPÇÃO DE

MORENO (2003) DE BRINA SVIT EM FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA (FLE)

Rosiane Xypas

CAPÍTULO XIV ..................................................................................................................202

O USO DO GÊNERO TEXTUAL TIRINHA COMO INCENTIVO À PRÁTICA DE

LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR

Zuleide Fernandes de Queiroz

Josilene Marcelino Ferreira

POSFÁCIO ...........................................................................................................................213

Prof. Dr. André Rezende Benatti

Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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PREFÁCIO

Com muita exultação aceitei o convite dos jovens pesquisadores Aluizio Lendl,

Cássia da Silva e José Veranildo Lopes da Costa Junior para prefaciar o livro Ensino de

línguas e literaturas: questões da contemporaneidade. Faço-o com imenso prazer, não

só pela relevância do tema, mas também pelo respeito e admiração que nutro pelos

organizadores - doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade

do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. A missão é desafiadora, mas a grandeza do

tema encoraja-me a cumprir com alegria e responsabilidade a missão que me foi

confiada.

O livro Ensino de línguas e literatura: questões da contemporaneidade vai além

de uma simples exposição de problemas relacionados ao ensino de língua e literatura.

Sua leitura não se restringe a discutir perspectivas da contemporaneidade nestes campos

do ensino, mas aborda aspectos relevantes relacionados a essa temática. São XV

capítulos recheados de experiências, saberes, projetos e lutas que nos proporciona uma

viagem recheada de conhecimentos.

Essa viagem se inicia no primeiro capítulo, intitulado de ―Ensinando

multimodalidade: notas sobre a concorrência ideacional‖, em que Aluizio Lendl explora

os elementos fundamentais para a compreensão do gênero meme e de uma poesia

concreta. O texto nos oferece como espaço de discussão a metalinguagem para o ensino

da multimodalidade; uma leitura agradável que comunga com a reflexão relevante

acerca do gênero meme e a elaboração de unidades didáticas de cunho intercultural, no

segundo capítulo: ―Reflexões sobre o gênero canção na aula de espanhol como língua

adicional: unidades didáticas interculturais‖, escrito pelos pesquisadores Antonio

Ferreira da Silva Júnior e Renata Martuchelli Tavela.

Continuando a viagem, desembocamos no terceiro capítulo, ―Literatura na

escola: da sequência básica à identificação com o literário‖, das pesquisadoras Cássia da

Silva e Maria Lúcia Pessoa Sampaio. Redigido em linguagem simples e objetiva, o

texto traz uma bela reflexão sobre o papel do professor de Língua Portuguesa e do

trabalho com o letramento literário, mostrando os desafios de proporcionar, através da

prática social da leitura, o contato com obras literárias. Nesse mesmo sentido, Cláudia

Rejanne Pinheiro e José Marcos Ernesto Santana de França, refletem no capítulo

seguinte, intitulado de ―Livros, vídeos, memes, links à mancheia: por uma pedagogia do

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discurso e das multimodalidades‖, defendendo que a cultura não é só ―letrada‖, no

sentido etimológico, como ―letra‖, como escrita.

Em seguida, a leitura nos leva a refletir sobre a mudança nas crenças de

aprendizes/professores de língua adicional, com Fábio Marques de Souza, no capítulo

―Potencialidades e limitações para a (re)significação e (re)construção de crenças do e no

complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas adicionais‖. Esse texto reforça a

tese de que a experiência com o cinema pode contribuir significativamente na formação

inicial de professores de espanhol como língua-adicional.

Dentro dessa perspectiva, encontramos uma rica investigação sobre as

concepções de ensino de gêneros acadêmicos sugeridas em planos de curso de

disciplinas, através do texto de Hermano Aroldo Gois Oliveira e Francisco Vieira da

Silva que compõe o capítulo ―Planos de curso de letras: um estudo das concepções de

ensino da escrita de gêneros acadêmicos‖. Em seguida, entram em cena, Juliana Prestes

de Oliveira, Amanda L. Jacobsen de Oliveira e Anselmo Peres Alós, com uma reflexão

acerca da necessidade de o docente buscar se informar e aprender sobre e como utilizar

as TIC‘s como ferramenta para melhorar os processos de aprendizagem, no capítulo

―TIC‘s e literatura: inovações e desafios para o ensino na era digital‖.

Seguindo esse mesmo raciocínio e apresentando uma reflexão sobre formação de

professores de línguas estrangeiras, José Veranildo Lopes da Costa Junior, traz o

capítulo ―Contratamos professores: reflexões sobre a (des)valorização docente em

escolas privadas de idiomas‖, em que reflete acerca da valorização e da profissão

docente, bem como da profissionalização dos professores de idiomas estrangeiros. De

fato, o reconhecimento dos desafios inerentes aos contextos de formação docente em

língua inglesa voltados à educação inclusiva é tratado por Karyne Soares Duarte

Silveira e Márcia Ozinete de Alcântara Pinho Borborema no capítulo ―Ensino de língua

inglesa e inclusão social: desafios para a formação docente‖. Ainda mais, alguns

elementos que trazem à tona a necessidade de se discutir sobre a interculturalidade no

ensino de LE, direcionando o foco para as representações interculturais é tratado por

Lino Dias Correia Neto e Josilene Pinheiro-Mariz em: ―Sobre imaginário e

representações de professores de francês como língua estrangeira em formação inicial‖.

Claro que a leitura ainda nos proporciona a experiência do capítulo ―O gênero

resumo em distintas áreas acadêmicas‖, de Nícollas Oliveira Abreu e Jorge Tércio

Soares Pacheco, em que os pesquisadores discutem a importância de compreender esse

gênero e as influências culturais sofridas em sua configuração textual. Assim, o capítulo

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denominado ―A dimensão cultural no ensino-aprendizagem de língua estrangeira em

cursos de graduação em letras‖ dos autores Raimundo Expedito dos Santos Sousa e

Magda Velloso Fernandes de Tolentino, reflete sobre a relevância de se considerar a

dimensão cultural da linguagem no ensino-aprendizagem de língua estrangeira em

cursos de graduação em Letras. Uma vez que tais cursos visam formar professores com

habilidade para lecionar conteúdos linguísticos, independentemente do idioma escolhido

pelo licenciando, há que se oferecer uma concepção de linguagem não apenas como

sistema de regras, mas também como prática social.

No capítulo seguinte, ―A leitura literária como retorno a si: análise da recepção

de moreno (2003) de Brina Svit em francês língua estrangeira (FLE)‖ de Rosiane Xypas

aponta a leitura subjetiva como trunfo no desenvolvimento da formação literária do

estudante de francês como língua estrangeira.

Nos momentos finais da nossa viagem por este livro, Zuleide Fernandes de

Queiroz e Josilene Marcelino Ferreira nos contemplam com ―O uso do gênero textual

tirinha como incentivo à prática de leitura no ambiente escolar‖, afirmando que para

despertar a prática da leitura nos alunos de forma crítica, é preciso utilizar textos que

façam parte do contexto social dos educandos; é o caso do gênero tirinha, que trabalha

com temas contextualizados, utilizando uma linguagem próxima ao cotidiano dos seus

leitores.

Resta-nos, por fim, parabenizar os organizadores e os autores, e estender aos

leitores o convite a conhecer tão importante trabalho.

Profa. Dra. Maria Edileuza da Costa

Docente Adjunta IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL/UERN)

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POLÍTICAS DA RESISTÊNCIA: apresentação

Em seu tão conhecido O que é o contemporâneo e outros ensaios, Giorgio

Agamben (2009, p. 62) argumenta que ―contemporâneo é aquele que mantém fixo o

olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro‖. Buscando, então,

interpretar o sombrio momento político que presenciamos no Brasil de hoje,

acreditamos que não podemos passar apáticos às especificidades deste contexto sócio-

político o qual estamos inseridos. Por esse viés, com Paulo Freire aprendemos que

educar é, em essência, um ato político e, por esta razão, informamos ao nosso leitor que

decidimos iniciar a apresentação deste livro com algumas palavras de teor político.

Resistir. Conservar-se firme. Não sucumbir. Não ceder. Vários são os

significados para o verbo resistir, o qual, possivelmente, tornou-se uma das palavras

mais recorrentes desde as manifestações de junho de 2013 que culminaram com o Golpe

de 2016. A partir disto, nos deparamos com uma agenda política voltada para o

neoliberalismo, para a formação de um estado menos e para a precarização e desmonte

dos serviços públicos.

Queremos reiterar, ainda, a nossa militância por uma escola pública, de

qualidade e para todos, além de partilharmos das palavras de Denise Lino de Araújo

(2012, p. 724)1 para quem um ―projeto de nação tem na formação docente e na

formação de jovens a sua alavanca de sustentação‖. Outrossim, caberia perguntar: Qual

o projeto de nação que estamos construindo no Brasil de hoje, com a reforma do ensino

médio, com o congelamento dos investimentos em educação e com a construção de um

currículo mínimo, que tira do ensino médio disciplinas do pensamento crítico, como a

Filosofia, a História, a Sociologia e o Espanhol?

Consoante, é preciso também resistir ao estrangulamento da ciência, da

educação superior e da pesquisa nos Programas de Pós-Graduação do nosso país. Entre

inúmeros cortes e congelamentos, a pesquisa nacional tenta sobreviver a uma política de

precarização e de sucateamento.

Neste horizonte, o primeiro ponto que queremos enfatizar é que este livro é

organizado por três alunos do curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em

Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – campus Pau dos Ferros.

1 Conferência de abertura do Colóquio Nacional 15 de Outubro, realizada na Universidade Federal de

Campina Grande, em 2012. O texto completo pode ser acessado nos arquivos da Revista Letras Raras.

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Aqui, a nossa resistência tem um significado ainda mais duro: não é nada agradável

elaborar uma tese de doutoramento sem apoio financeiro dos órgãos de fomento.

O segundo ponto que sintetiza a nossa resistência diz respeito ao lugar em que

este livro foi organizado. A UERN tem formado mestres e doutores no interior do Rio

Grande do Norte e, mesmo sabendo da importância da interiorização do ensino superior

para o desenvolvimento do estado, o que presenciamos nestes 40 anos de nossa

instituição é o descaso com a educação pública e de qualidade. Para citar um exemplo,

ainda não conseguimos a autonomia financeira, o que significa dizer que a nossa

Universidade sobrevive de acordo com o bom humor de quem governa este estado.

E é necessário fazer um registro: cobramos respeito. Por mais de vinte meses

consecutivos os professores e técnicos da nossa instituição tiveram atrasos em seus

vencimentos. Infelizmente, este contexto não atingiu unicamente a UERN. Externamos

a nossa solidariedade aos professores de todo o Brasil, da nossa instituição, da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro e de tantas outras cidades e estados.

Presenciamos também o episódio em que os professores da UERN e os

servidores da saúde tentaram dialogar com o governo do Estado e foram recebidos pela

Polícia Militar do Rio Grande do Norte com spray de pimenta e bombas de gás moral.

Muitos desses policiais, alunos e ex-alunos da UERN. Mas, a violência

institucionalizada contra os servidores não se limitou ao nosso estado. Os professores do

Paraná também apanharam, assim como os docentes do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Nós estamos com vocês! Nós somos vocês!

Por último, é urgente reagir a um discurso manipulador de privatização do

ensino superior e da educação básica no Brasil. Não compactuamos com um projeto de

educação como mercadoria e lutaremos incansavelmente por uma universidade pública,

democrática, de fácil acesso, de qualidade e para todos.

Contrariando, assim, um discurso de que a educação pública não é eficiente,

apresentamos o livro Ensino de línguas e literatura: questões da contemporaneidade,

resultante do nosso diálogo com pesquisadores e professores de outras instituições de

ensino superior e da educação básica. O referido livro é composto por 14 capítulos, cuja

autoria é oriunda de instituições como a UERN, a UFCG, a UFMG, o CEFET/RJ, a

URCA, a SEDUC/RJ, a UEPB, a UFERSA, a UFSM, a UFPB, a UFPE e a UECE. Sem

a disponibilidade e o desejo de compartilhar conhecimento dos nossos autores, este livro

não seria possível.

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Ressaltamos, ainda, os nossos agradecimentos à Profa. Dra. Maria Edileuza da

Costa, docente e coordenadora do PPGL/UERN pela escrita do Prefácio, bem como nos

sentimos honrados pelo Posfácio que finaliza este livro, de autoria do Prof. Dr. André

Rezende Benatti, da Universidade do Estado de Mato Grosso do Sul. Gratidão!

Aproximando-nos das palavras finais desta apresentação, enfatizamos que os

capítulos que compõem este livro versam sobre questões de ensino de línguas (materna,

adicionais e estrangeiras) e de literatura, além de ilustrar o compromisso de cada

autora/autor com uma educação de qualidade e para todos – ou nas palavras de

Agamben (2009, p. 65) os textos aqui apresentados também possibilitam ―perceber no

escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não pode fazê-lo, isso significa

ser contemporâneo‖. Por fim, desejamos a todos uma excelente e proveitosa leitura de

cada capítulo que compõe esta obra e como cantou o poeta:

Todos esses que aí estão

Atravancando o meu caminho

Eles passarão...

Eu passarinho!2

Pau dos Ferros – RN, Abril de 2018.

Aluizio Lendl

Cássia da Silva

José Veranildo Lopes da Costa Junior

Os organizadores!

2 Poeminha do contra, de Mario Quintana.

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CAPÍTULO I

ENSINANDO MULTIMODALIDADE: NOTAS SOBRE A CONCORRÊNCIA

IDEACIONAL

Aluizio LENDL

Introdução

Tem se tornado cada vez mais urgente a necessidade de práticas de ensino que

busquem desencapsular o currículo escolar. No ensino de línguas, especificamente, o

cenário que se destaca é o do direcionamento para o texto verbal, com atividades de

leitura e escrita que priorizam uma única semiose. Uma variedade de gêneros de textos

que emergem com composições diversas, explorando recursos de som, vídeo e imagem,

um complexo sistema de mídias discretas, isto é, mídias estáticas, como gráficos, textos

e imagens, e mídias contínuas, ou seja, que dependem do tempo, como vídeo e som.

Tendo consciência da emergência dessa multiplicidade de gêneros, neste

capítulo, nosso foco são as mídias estáticas. Uma poesia concreta e, em sua maioria, o

gênero ―MEME‖, que é construído a partir de expressões semióticas que ganham

repercussão midiática e buscam construir ideias ou conceitos cômicos, críticos ou com

qualquer finalidade de intervenção no contexto social.

No que diz respeito às pesquisas (HORTA, 2015; ARRUDA; LANDGRAF-

VALERIO, 2016; SILVA; PATRÍCIO, 2017) que envolvem o meme, já é possível

perceber uma grande variedade de abordagens com esse objeto de estudo, entretanto

elas evidenciam uma metalinguagem pouco harmônica entre si. No ensino de línguas

isso não parece ser diferente, muitas são as linguagens usadas para ensinar a analisar e

descrever o meme. Desse modo, há necessidade de uma metalinguagem para o ensino

de textos que inter-relacionem imagem-texto, com uma linguagem que possa ser

específica para o ensino da multimodalidade.

Nesse sentido, esse texto se oferece como espaço de discussão sobre a

metalinguagem para o ensino do meme. Buscamos a partir da concorrência ideacional

(UNSWORTH, 2006) uma opção para a compreensão dos sentidos que emergem da

composição do gênero. A concorrência ideacional é uma abordagem que se filia a

Linguística Sistêmica Funcional, que busca compreender a linguagem como um sistema

de comunicação humana.

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Esse conceito foi construído a partir da crença de que o texto é

multidimensional, organizado a partir de três metafunções: ideacional, interpessoal e

textual. A concorrência ideacional se desenvolve a partir da metafunção ideacional, que

percebe que os significados são construídos a partir das nossas experiências no mundo,

sejam elas interiores e exteriores. Isto é, o texto é resultado de um sistema que entende

todo o seu sistema de significados, ele ―é qualquer instância da linguagem, em qualquer

meio, que faz sentido a alguém que conhece a linguagem‖ (HALLIDAY;

MATTHIESSEN, 2004: 3).

A multimodalidade, portanto, é a teoria que assimila essas linguagens, os

múltiplos modos de representar semioses, que busca criar critérios para análises que

combinam vários sistemas de signos e que ―juntamente com as formas particulares em

que estes modos são combinados, possa, por exemplo, reforçar-se mutuamente,

preencher papéis complementares ou ser hierarquicamente ordenados‖ (KRESS; VAN

LEEUWEN, 2006: 20).

Isso posto, para o estudo da metalinguagem, especificamente, a categoria

multimodal que inclui a concorrência ideacional, coletamos exemplares de memes

disponíveis nas redes sociais e uma poesia concreta. Buscamos descrever a interação

intersemiótica, afim de que ela figure como subsídio para professores e alunos nos

processos de leitura e produção de textos.

Rumo a uma metalinguagem para o ensino da multimodalidade

As múltiplas modalidades, dentre as quais citamos a música, o cinema, os

games, os recursos digitais diversos, contribuem para a construção de sentidos e são

elementos essências para os estudos dos multiletramentos. A relação imagem-texto,

enquanto forma de comunicação multimodal, também aparece como nicho que envolve

a negociação de sentido que são (des) (re) construídos a partir das experiências na vida

pessoal, social, política e profissional dos sujeitos.

Com base nisso, o New London Group (1996) salientou sobre a necessidade de

uma metalinguagem para descrever os significados das relações textuais, visuais e

multimodais. No que lhe diz respeito, Unsworth (2006) fornece uma descrição teórica

da dinâmica da interação entre linguagem e imagem na elaboração de significados. Para

o autor, em termos de significado ideacional, essa interação pode ser caracterizada como

concordância ideacional, complementaridade ou conexão.

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Para os efeitos deste capítulo, optamos em explorar a concorrência ideacional.

Deste modo, Unsworth (2006; 2008) explica que a concorrência se refere à equivalência

ideacional entre imagem e texto, tendo sido operacionalizado à medida em que a relação

imagem e texto possuíam configurações equivalentes. Nessa perspectiva, Unsworth

delimita a concorrência ideacional em quatro subcategorias:

Diagrama 01: Concorrência ideacional

Fonte: Adaptado de Unsworth (2006)

O esquema apresentado sintetiza que a concorrência ideacional pode variar em

quatro categorias. A primeira é a redundância, esta categoria implica na duplicação

entre os modos. Não se trata de uma simples repetição semiótica em excesso, mas sobre

situações em que as informações disponíveis nos modos promovem conjuntamente

sentido. Esse grau de redundância é variável em detrimento das combinações o dos

contextos em que a multimodalidade é apresentada. A Imagem 01 mostra um exemplo

de redundância.

Concorrência

Redundância

Exposição

Instanciação

homoespacialidade

de

Imagem instancia o texto

Texto instancia a imagem

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Fonte: adaptado de leninja.com.br

A composição da imagem permite evidenciar a existência de um tema, indicado

a partir do sintagma *banho. Por sua vez, há representação da face do meme

(facememe) e os outros componentes responsáveis por integrar sentido ao meme, o

chuveiro e o basculante. A redundância, portanto, centra-se exatamente na relação

construída entre imagem-texto. Isto é, o chuveiro está soltando água no facememe,

representando banho, enquanto o texto verbal se oferece como equivalente à ação.

A exposição, segunda subcategoria, é uma composição que aqui consideramos

sinônima da redundância. Ela é levantada para explicar que a imagem expõe exatamente

a mesma representação da informação do texto verbal, isso significa dizer que,

conforme Unsworth (2006), estão no mesmo nível de generalidade.

Imagem 02: facememe LOL

Fonte: weknowmemes.com

Imagem 01: redundância em meme

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A imagem 02 apresentou o facememe com a abreviação de laughing out loud ou

lots of laughs (LOL), que em português seria o equivalente a rindo muito alto, rolando

de rir. Nesse sentido, a exposição entenderia que a imagem e o texto estariam em um

mesmo nível de generalidade, cuja imagem é tão geral quanto o texto. A imagem expõe

a informação construída verbalmente. Entretanto consideramos que a exposição é uma

forma de redundância, já que as representações verbos-visuais possuem equivalência

significativa.

Por outro lado, a imagem pode servir-se de instância para o texto ou este, por sua

vez, pode ser usado como instância para a imagem, essa categoria pode ser chamada de

instanciação. Para Unsworth (2006; 2008), nos casos em que a imagem instancia o

texto, as unidades linguísticas transmitem a natureza da atividade, enquanto a imagem

indica uma instância, ampliando o significado do texto verbal.

Imagem 03: imagem instancia texto

Fonte: brasil.elpais.com

O meme anteriormente exposto apresenta um modelo no qual a imagem fornece

significados adicionais ao texto. No texto verbal, dois destaques são apresentados. O

primeiro ―Michel Temer vai cair‖ e o segundo ―Rodrigo Maia assume no lugar‖, ou

seja, Michel Temer será retirado da presidência da república e Rodrigo Maia, atual

presidente Câmara dos Deputados Federais, tornar-se-ia presidente no lugar de Temer.

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São duas informações socialmente divulgadas pela grande mídia brasileira sobre a

situação política do país no ano de 2017. Tratam-se de dados noticiários comuns, se não

fosse a representação construída a partir da imagem a qual foi relacionada. A imagem,

portanto, corresponde a capa de um álbum de músicas de 1966 do cantor Chico

Buarque, cujas posições políticas, socialmente conhecidas, legitimam o

descontentamento da situação presidencial do Brasil.

A concorrência por instanciação na qual a imagem fornece instância para o texto

é evidenciada na imagem 03. Podemos observar que as informações só produzem os

efeitos de sentido pretendido pelo produtor do meme, a partir do redesign de

informações disponíveis. Desse modo, a imagem do cantor ora alegue ora triste serve de

instância para informação verbal, oferecendo significados novos para o texto. A imagem

como instância do texto age como elemento adicional de sentidos, responsável por gerar

significados particularizados para a versão verbal.

A linguagem verbal, por sua vez, pode aparecer como elemento que instancia a

imagem, isto é, como mecanismo responsável por completar o sentido do texto

imagético. O caso no qual o texto instancia a imagem, Unsworth (2006; 2008) explicou

que enquanto a imagem transmite a natureza da atividade, as unidades linguísticas

ampliam o significado da imagem.

Imagem 04: Texto instancia imagem

Fonte: twitter.com

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Na imagem 04 uma face aparece distribuída nos quatro ângulos do close, refere-

se a Nazaré Tedesco, personagem da uma telenovela brasileira transmitida entre os anos

de 2004 e 2005, popularmente conhecida por protagonizar cenas polêmicas, virou meme

que já viralizou entre países como Rússia e EUA (Cf. twitter.com). O meme, mostra,

ainda símbolos matemáticos, que evoluem de gráficos mais simples a equações mais

complexas. O facememe da Nazaré e os símbolos cooperam um com o outro para

promover o sentido geral do meme, mas são os símbolos matemáticos que instanciam a

imagem. A relação imagem-texto a partir da cara confusa da personagem e dos

elementos numéricos legitimam o pensamento da complexidade da ciência em destaque.

Por outro lado, tendo consciência de que o meme é um instrumento muito

versátil, a instanciação ideacional pode ser alterada em decorrência do tipo da

composição visual ou verbal, além dos propósitos comunicativos do sujeito produtor do

texto e dos conhecimentos prévios dos leitores.

O último meio pelo qual a concorrência é alcançada é a homoespacialidade.

Unsworth (2008: 291) explicou que ―refere-se a textos em que dois modos semióticos

diferentes ocorrem em uma entidade homogênea ligada espacialmente‖. A poesia

concreta na imagem 05 mostra essa representação a partir das unidades linguísticas

pluvial e fluvial.

Imagem 05: homoespacialidade

Fonte: Campos (1979)

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20

Como vimos, as representações linguísticas pluvial e fluvial são utilizadas para

construir sentido. Cabe esclarecer que pluvial se refere a chuva, enquanto fluvial diz

respeito aos rios. De um lado, a homoespacialidade, portanto, é produzida a partir da

relação da ideia dos pingos da chuva dispostos como as letras do vocábulo pluvial. Por

outro, as unidades linguísticas que formam fluvial constroem o sentido da ideia de rio.

Isto quer dizer que, a chuva cai e escorre para/no rio.

As representações linguísticas correspondem a entidades que possuem a

semelhança de sua contraparte significativa, ou seja, regularidades espaciais

aproximadas ao seu significado.

Com base no que apresentamos, a homoespacialidade e as outras categorias

anteriormente mencionadas cumprem a função de fazer conhecer uma metalinguagem

para o ensino da imagem, no nosso caso, sua maioria o gênero meme. São gêneros

altamente variáveis, que podem ser desenhados e redesenhados a partir das semioses

disponíveis nas mídias digitais ou com o auxílio de ferramentas digitais específicas. Os

memes são sempre multimodais, pois indicam mais de um modo de linguagem.

Considerações finais

Procuramos explorar, neste texto, os elementos fundamentais para a

compreensão do gênero meme e de uma poesia concreta. Consideramos as relações

entre a imagem e o texto à luz da Teoria da Multimodalidade, sob as bases da

Linguística Sistêmica Funcional, enquanto sistema de comunicação humana. Buscamos

discutir sobre a composição visual a partir da concorrência ideacional de Unswoorth

(2006; 2008), parte de um estudo que procura explorar várias formas de interações

intersemióticas.

Este capítulo, portanto, ofereceu-se como espaço de discussão sobre a

metalinguagem para o ensino da multimodalidade. Levantamos a questão da

necessidade do conhecimento dos elementos que compreendem a linguagem da ação de

exploração desses tipos de textos, afim de que os sujeitos possam fazer uso de uma

metalinguagem uniforme e mais apropriada em contexto escolar.

REFERÊNCIA

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21

ARRUDA, R. M.; LANDGRAF-VALERIO, C. L. Postagens do gênero meme no

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22

CAPÍTULO II

REFLEXÕES SOBRE O GÊNERO CANÇÃO NA AULA DE ESPANHOL

COMO LÍNGUA ADICIONAL: UNIDADES DIDÁTICAS INTERCULTURAIS

Antonio Ferreira da SILVA JÚNIOR

Renata Martuchelli TAVELA

Retomando o assunto: as canções em sala...

Na didática das línguas, normalmente, percebe-se o uso de canções na aula de

idiomas como uma estratégia motivacional e/ou para aperfeiçoamento da competência

auditiva e/ou lexical do estudante. No entanto, notamos que tal visão é reducionista

considerando as potencialidades do gênero canção e as concepções do ensino crítico de

línguas (BAPTISTA, 2010). Em Silva Júnior & Tavela (2017), refletimos sobre o

gênero canção na aula de espanhol em cursos de idiomas através da problematização de

dados gerados mediante o desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa. O foco da

pesquisa esteve em analisar o trabalho do professor ao fazer uso de canções do artista

Alejandro Sanz através da observação de suas aulas e das respostas a um questionário

de pesquisa. Os dados apontaram para a falta de prática com o gênero e/ou o não

reconhecimento do mesmo como um instrumento pedagógico significativo para a

formação crítica do aluno. O contexto investigado foi o do curso livre, porém,

acreditamos que as constatações seriam as mesmas se os dados fossem gerados no

cenário da Educação Básica.

Diante da constatação da ausência de uma abordagem crítica para o ensino de

línguas através do gênero canção, optamos por retomar essa discussão no intuito de

atualizar o debate sobre a inserção desse gênero nas aulas de espanhol como língua

adicional por meio da elaboração de unidades didáticas interculturais. Para isso,

iniciamos a discussão tecendo uma reflexão sobre o ensino de línguas pela perspectiva

adicional (GARCEZ; SCHLATTER, 2009) e sua relação com o conceito de

desentrangeirização (ALMEIDA FILHO, 2010); em seguida, retomamos alguns dados

retratados em Silva Júnior & Tavela (2017), principalmente a observação da prática

docente de uma participante da pesquisa, para refletir sobre as escolhas do professor em

serviço com o uso do gênero canção; posteriormente, associamos o gênero canção à

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perspectiva intercultural de ensino e, por último, apontamos um pensamento sobre o

trabalho com unidades didáticas interculturais.

Por que línguas adicionais?

No Brasil, muitos professores de línguas atuantes em escolas e em cursos livres

ainda desconhecem a expressão ―línguas adicionais‖, além disso, também acabam por

não acompanhar as discussões nos congressos e/ou publicações da área sobre essa

―perspectiva de trabalho‖ – como nomeamos. Por outro lado, na Base Nacional Comum

Curricular (BNCC), a expressão ―línguas estrangeiras‖ começa a ser rechaçada, pois o

documento menciona somente o componente curricular de língua inglesa, única língua a

ser ensinada na Educação Básica. Esse monolinguismo também é decorrente da Lei nº

13.415/2017, responsável por alterar a LDB nº 9394/1996. Entre os efeitos da referida

reforma do ensino médio está a retirada da língua espanhola do currículo e a imposição

do ensino do inglês sob uma perspectiva de língua franca, visão compartilhada pela

BNCC.

Desde 2009, estamos acompanhando no Brasil o emprego da expressão ―línguas

adicionais‖ como uma nova denominação para o componente de línguas estrangeiras. A

primeira aparição do termo deu-se no documento de Referencias Curriculares do

Estado de Rio Grande do Sul, proposta de orientação curricular para as línguas espanhol

e inglês, que esteve sob a supervisão dos pesquisadores Pedro Garcez e Margarete

Schlatter, ambos da UFRGS. Após isso, os professores também publicaram em 2012 o

livro ―Línguas adicionais na escola‖, dando ênfase para as práticas colaborativas de

ensino de língua inglesa. Dois anos depois, os pesquisadores Vilson Leffa e Valesca

Irala organizam o livro ―Uma espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais

no Brasil‖ como forma de ampliar o debate e a problematização sobre as visões e

práticas pedagógicas de diferentes línguas adicionais. Ao mesmo tempo, um grupo de

pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ

também começa a utilizar a noção de línguas adicionais em suas publicações,

dissertações e teses do Programa. Em síntese, para alguns dos autores citados

anteriormente, as línguas adicionais são aquelas que somam ao repertório linguístico do

aluno. Por exemplo, no Brasil, o espanhol ou o inglês unem-se ao português e/ou

demais línguas de domínio dos aprendizes. Os Referenciais Curriculares também

expressam o fato de que as línguas adicionais podem ser empregadas no próprio país em

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que se insere o aluno, portanto, tais línguas de estudo não devem ser consideradas como

estrangeiras. A nomenclatura adota-se para situações de uso entre falantes de mais de

uma língua, principalmente, em sociedades cada vez mais plurilíngues.

Acreditamos que seja difícil homogeneizar as classificações para o ensino de

línguas, já que encontramos referências a termos como primeira língua, segunda língua,

língua estrangeira, língua de herança, língua internacional, franca, adicional. Mostra-se,

inclusive, complicado apagar certas designações e impor outras, principalmente, em um

país que, no decorrer de sua história de ensino, empregou a nomenclatura de ―línguas

estrangeiras‖ para nomear as diferentes línguas no currículo escolar.

Defendemos que o uso da expressão ―línguas adicionais‖ é uma aproximação a

uma postura e prática pedagógica mais política e preocupada com uma educação

linguística plural e adequada às múltiplas realidades locais de nossos alunos. Pelo

exposto, podemos depreender que essa perspectiva de língua adicional foi utilizada pelo

professor Almeida Filho em seus textos de 1993 [2010], quando o pesquisador defende

a noção de ―desestrangeirizar‖ as línguas, já que, segundo o especialista, as línguas

começam a ser vistas como estrangeiras e assim permanecem nos currículos. Tal

conceito de Almeida Filho já aludia um primeiro horizonte da denominação de línguas

adicionais, ou seja, línguas que não são estrangeiras, alheias, distantes ao aprendiz. Para

o pesquisador, ―Língua é para viver, se relacionar, conhecer o mundo e as pessoas, se

apresentar, fazer coisas acontecerem em projetos e assim por diante‖. (ALMEIDA

FILHO, 2012, p. 122), e nesse sentido reside a perspectiva de trabalho com a língua

adicional.

Experiências de uma professora em serviço: a prática de preencher lacunas

Em Silva Júnior & Tavela (2017) apresentamos o estudo desenvolvido com três

professores de espanhol em serviço, atuantes em cursos livres vinculados a uma

universidade pública e escolas de línguas privadas, no contexto da cidade do Rio de

Janeiro, sobre o uso do gênero canção em suas práticas pedagógicas. Naquele momento,

o foco de nossa reflexão estava em analisar a elaboração do material didático com as

canções para apresentação do gênero.

As professoras participantes do estudo receberam um kit (letras + CD com o

áudio + DVD com o videoclipe + questionário de pesquisa) contendo as cinco canções

do artista Alejandro Sanz selecionadas por nós, pesquisadores. O objetivo era elaborar

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25

uma unidade didática a partir da seleção de uma das canções e responder, após a aula

ministrada, ao questionário. Cada participante teve um mês como tempo de preparação

do material didático antes da observação da aula pelos pesquisadores. Após esse

período, ocorreu o agendamento da observação das aulas e a análise do material em uso.

A escolha pelo referido artista deveu-se a necessidade de descontruir a imagem do

mesmo como cantor romântico, já que ele apresenta em seu repertório canções com

temas mais politizados e questões de cunho sociocultural. No entanto, restava saber se

entre as canções oferecidas como material de trabalho às participantes (uma de cunho

romântico e quatro de recorte mais sociocultural), qual estilo temático elas optariam

para desenvolver a atividade em sala.

No presente artigo, optamos por retomar as experiências com o gênero canção de

uma das participantes: a professora atuante no curso livre da universidade pública. A

mesma, na época, cursava o 7º período da graduação e lecionava três semestres no

projeto de extensão. Nossa escolha por essa docente para a atual reflexão deve-se ao

fato de ter sido a única a fazer uso da música de natureza romântica, em particular a

canção ―Nuestro amor será leyenda‖. Além disso, a participante opta pela prática mais

naturalizada com o gênero canção: o exercício de completar lacunas com palavras,

expressões ou tempos verbais estudados em sala, de modo a promover atividades de

compreensão auditiva. A abordagem da professora não considerou em nenhum

momento a perspectiva de trabalho com a língua adicional (ALMEIDA FILHO, 2012;

GARCEZ; SCHLATTER, 2009), porque, simplesmente, ela não se atentou para o

desenvolvimento da criticidade do gênero canção em aula, nem vislumbrou a

possibilidade de aproximação aos aspectos linguísticos e temáticos na letra da música

escolhida por meio da associação à realidade do aluno.

O material didático elaborado pela participante resume-se a entrega de uma folha

com a cópia da letra da música. Portanto, não percebemos nenhuma orientação teórica

explícita em seu material, como, por exemplo, poderia ser das sequências ou unidades

didáticas para o tratamento do gênero como um objeto de aprendizagem. O material

apresenta-se sem uma prévia contextualização e ausente de questões que problematizem

a temática da canção selecionada, aspecto que consideramos importante, independente

de qual seja a vertente da música, seja ela mais romântica ou social. Na observação da

aula, depreendemos que os alunos não se mostraram motivados, ademais, pela proposta

apresentada, a aula foi direcionada para o trabalho com uma ou duas habilidades

linguísticas: a auditiva e/ou leitora, com ênfase numa visão estruturalista da linguagem,

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pois o foco recaiu no léxico e na gramática. A abordagem de trabalho da professora

acaba por distanciar o gênero em questão do cotidiano social do aluno, além de não ser

capaz de promover uma perspectiva de formação mais intercultural, pois, a música é

empregada simplesmente como recurso motivacional ou lúdico, sem atribuição de seu

papel cultural e/ou formativo.

Por meio do questionário aplicado, a professora participante expõe que havia

escolhido tal música porque era a mais fácil entre a lista das cinco propostas. Ela

dedicou os minutos finais de sua aula para a atividade e repetiu a música cinco vezes,

pois nem todos conseguiam completar os espaços. Tal procedimento mostrou a

dificuldade dos alunos na compreensão auditiva, desencadeando uma dispersão da

turma. Entretanto, a participante optou, após a última audição, por apresentar o

videoclipe e perguntou oralmente à opinião da turma sobre a letra, a relação entre a letra

e o vídeo, se eles conheciam o intérprete, se gostavam daquele estilo de música. A partir

de tal momento, houve uma descontração da aula e o envolvimento, inclusive, dos

alunos mais tímidos, que, normalmente, permaneciam calados.

Pela observação da regência, acreditamos que a atividade proposta pela

participante não ficou bem estruturada, pois a professora repetiu a tradição de se usar o

gênero canção como pretexto para ressaltar o trabalho com a compreensão auditiva, em

que os alunos apresentaram muita dificuldade. Aliado ao fato de ter formulado questões

de conteúdo extra-linguístico oralmente e rapidamente, pois já havia levado alguns

minutos com a correção das lacunas. As atividades finais ficaram um pouco

descontextualizadas mesmo com a participação dos alunos. Outro ponto prejudicial à

execução da proposta didática foi que na fotocópia entregue não havia as perguntas

orais, somente a letra da música com os espaços em branco para serem completados,

contribuindo para que o aluno não fosse motivado a exercitar a reflexão escrita na

língua espanhola, por exemplo.

Em relação ao questionário respondido, a docente foi bem objetiva em suas

respostas e, quando indagada sobre o gênero canção, ressaltou que busca trazer músicas

que apresentem conteúdos estudados na sala de aula, justamente para sair um pouco da

rotina de frases isoladas do livro didático. No entanto, na aula observada, vemos que a

participante faz uso do recurso somente como simples exercício de compreensão

auditiva, apesar de ter tentado, durante a aplicação da atividade, gerar uma discussão

sobre o tema da canção, de um amor como lenda, um amor que apesar da distância se

mantinha forte, e que por isso era uma lenda, algo que não se esquece, perpetuando-se.

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Talvez, pelo fato de ser uma canção de temática romântica, seja mais limitado extrair

elementos para o trabalho em sala, o que não aconteceria se a professora optasse pelas

demais canções, que já elas facilitariam um trabalho mais intercultural.

Optamos por reconstruir aspectos da experiência observada junto à professora

em serviço, porque acreditamos que seja possível fomentar um trabalho a partir de

unidades didáticas interculturais com o gênero canção na aula de espanhol como língua

adicional, seja no contexto do curso livre ou escolar. A seguir, tecemos algumas

considerações sobre o gênero canção e a interculturalidade com o objetivo de contribuir

para o entendimento do conceito das unidades didáticas propostas na última seção deste

texto.

Gênero Canção e Interculturalidade

Segundo Bakhtin (2003), o reconhecimento dos gêneros do discurso garante aos

falantes de uma língua o ato de se comunicar. As marcas discursivas (temáticas,

composicionais ou de estilo) diferenciais entre os gêneros servem de apoio à descoberta

de uma remissão a outros textos. Tendo em vista que cada gênero tem as suas

características e que nosso interesse está na aplicação em sala do gênero canção, refletir

sobre ele faz-se necessário.

O gênero canção é um gênero hibrido que une a linguagem verbal (letra) e

musical (ritmo e melodia). Por tal motivo, as funções poéticas, hedonistas, comunicativa

e social, entre outras, vistas como características da literatura lírica, narrativa ou teatral,

também estão presentes nas canções, por isso, há casos de intertextualidade entre

canções e obras da lírica brasileira (COSTA, 2003). E pela canção ser um gênero

híbrido, refletindo o dinamismo e a variabilidade do meio sociocultural, a existência de

intertextualidade intergêneros igualmente deve ser considerada.

Cabe destacar diversos pesquisadores como Simões, Karol e Salomão (2007)

que afirmam ser possível o diálogo das letras de música com o universo dos textos

literários, já que estes também contribuem como mais uma ferramenta de ensino-

aprendizagem. O uso de canções nas aulas é válido pela relação intrínseca que pode ser

estabelecida com a memória e a afetividade de cada sujeito. Pela informalidade e

espontaneidade no trabalho com esse gênero, seu uso permite o desenvolvimento de

uma prática mais dinâmica no intuito de construir, segundo a imaginação do professor e

de seus alunos, os diferentes sentidos para os enunciados. Isso acaba por promover um

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espaço motivador para a aprendizagem, conforme ressalta Abio (2006). A importância

em se motivar o aprendiz na aula de línguas deve considerar o filtro afetivo, pois, ao

pedir ao aluno uma avaliação sobre a aprendizagem recebida, o mesmo responde,

normalmente, pela via emocional e não cognitiva. Tal fato deve-se porque a memória

ativa é influenciada pelas emoções, sejam agradáveis ou não, e se o aluno gosta da aula,

ele consegue compreender com mais facilidade os conteúdos ensinados.

Conforme aponta Abio (2006), o ensino da língua espanhola é como se fosse um

encantamento em que existe tanto o amor (inconsciente) quanto a técnica (consciente),

assim o aluno que estiver satisfeito aprenderá com mais facilidade. Contudo, o que

observamos, principalmente em aulas de línguas, é a preocupação dos professores com a

transmissão de conteúdos e com a aquisição da estrutura básica da língua, sem refletir

sobre o processo de aprendizagem em si e as finalidades sociais e políticas de tal

prática, distanciando do ensino de línguas da perspectiva adicional.

No histórico da didática de línguas, o trabalho com a canção apresenta-se

vinculado ao desenvolvimento da habilidade auditiva e/ou ao mero reforço do conteúdo

sistêmico, em que o professor apresenta uma letra de música repleta de lacunas para que

o aluno complete com verbos ou palavras, de acordo com o que escuta. Notamos que,

nesse histórico, não se revelou uma postura gerenciada por um letramento ideológico

(KLEIMAN, 2005), ou seja, uma preocupação com o contexto de produção dos

discursos. Devido a nossa concepção de linguagem e ensino, acreditamos que a prática

do preenchimento de lacunas a partir do áudio de uma canção leva a uma interpretação

artificial do texto, pois com essa atividade o professor pode não fazer uso da bagagem

cultural de seu aluno. Portanto, mais uma vez, tal abordagem de trabalho não permite

que o aluno vivencie a língua estrangeira e adicione seus usos ao próprio repertório

linguístico (ALMEIDA FILHO, 2012). O emprego do gênero canção deve ir além do

mero exercício de escutar e reproduzir elementos da língua, pois se espera que o

professor aproveite a interpelação musical e a atração que a música provoca nas pessoas

de modo geral. Na junção a um trabalho intercultural com o gênero, Sallés Martínez

(2003) define as canções como:

[…] un material idóneo para trabajar la competencia intercultural, es

decir, la capacidad de ponerse en el sitio del otro, ya que, además de

ser un material vivo y real de la sociedad que las ha creado,

constituyen un puente de acercamiento y de comprensión. Las

canciones, por la propia naturaleza de su componente musical, poseen

una intrínseca interculturalidad, pues pertenecen no solo a la cultura

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de la lengua meta sino también a la cultura del aprendiz (SALLÉS

MARTÍNEZ, 2003, p. 8).

A apreensão do gênero canção como uma arte menor ou mero recurso de

entretenimento em aula precisa ser revisitada, visto que, por ser um texto autêntico, a

letra de música permite um trabalho com aspectos comunicativos, linguísticos e

culturais, ou seja, todas as competências, usos e funções da linguagem. Segundo

Candau (2010), o docente inserido no mundo plural tem muitos desafios, como a

interculturalidade, nomenclatura cada vez recorrente nos estudos, que representa as

culturas em contínuo processo de intercruzamentos. Assim uma experiência pedagógica

desculturalizada não é possível, dado que, assim como existe uma relação intrínseca

entre língua e cultura, também há esta relação entre a educação e a cultura.

Já Paraquett (2005) afirma que o multiculturalismo começa a aparecer na prática

pedagógica de ensino de línguas com a publicação dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (BRASIL, 1997), logo, a partir desse documento, teve início uma série de

publicações, discutindo temas oriundos desses escritos como interdisciplinaridade,

transdisciplinaridade, alteridade, pluralidade cultural, identidade. Entretanto, Paraquett e

Candau preferem o término interculturalidade, pois ele significa um diálogo de culturas

e não somente uma resignação, como no caso do multiculturalismo. Uma perspectiva

intercultural de ensino de línguas resulta num diálogo constante entre culturas sem

juízos de valores ou superioridades entre elas, mas sim complementaridades.

Acreditamos que cada docente deva refletir sobre a adequação de determinadas

letras de música ao planejamento de conteúdos temáticos e linguísticos de sua

disciplina. O professor não deve limitar-se a critérios como ritmo contagiante, música

da moda, letra de fácil compreensão e/ou recorrência de elementos gramaticais, por

exemplo, mas sim fazer escolhas que possibilitem reflexões e debates a respeito do

papel do cidadão, da tolerância, da aceitação das diferenças, das distintas culturas,

religiões e etnias, em um mundo cada vez mais pluricultural.

Cabe ao professor conscientizar os alunos para uma reflexão do emprego de

determinada música e das possibilidades que ela oferece, pois, conforme ressalta

Almeida Filho (2010), tais práticas possibilitam a desestrangeirização da língua

adicional de estudo, uma vez que o aprendiz vai vivenciando-a. E, ao dotar a prática

pedagógica de negociação compartilhada dos procedimentos e do material, estamos

caminhando para o ensino da língua pelo viés crítico e reflexivo. Um cidadão que

aprende a negociar os significados está mais preparado para lidar numa sociedade

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instável e líquida, pois, para Bauman (1998, p. 32), ―[...] o sentimento dominante, agora,

é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria sorte e aos dons de

uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a maneira

corrida de viver nele‖.

A motivação deve ser usada com o intuito de permitir o aluno se conscientizar

de que ele também pode construir e discordar dos sentidos atribuídos para os textos

lidos. O docente até pode usar exercícios de completar lacunas, conforme retratado na

prática da professora participante deste estudo, contudo precisa elaborar atividades que

promovam a reflexão crítica sobre a leitura da palavra e do mundo. A seguir, expomos o

conceito de unidades didáticas e apontamos alguns caminhos para a inserção consciente

do gênero canção em sala.

Unidades didáticas interculturais: alternativas para o trabalho com o gênero

canção

Primeiro, apresentamos o conceito de unidade didática que pautou nossa

reflexão e, segundo, propomos dois exemplos de atividades didáticas que podem

auxiliar o trabalho do professor sob uma perspectiva mais intercultural.

Adotamos o conceito de unidade didática como ―um conjunto ordenado de

atividades, estruturadas e articuladas para a consecução de um objetivo educativo em

relação a um conteúdo concreto‖ (COLL, 1996, p.80). Isso implica um trabalho

sequenciado a partir da escolha de temas e textos de modo que haja uma progressão de

atividades e uma reflexão crítica no final da proposta. De acordo com Matos (2014),

para a elaboração de uma unidade didática o professor deve dividir seu trabalho em três

etapas:

No bloco da preparação, delineiam-se os objetivos da UD para que o

professor tenha um norte e uma visão do que deseja que os alunos

alcancem até a produção final. Escolhe-se o tema sobre o qual será

desenvolvida a UD e selecionam-se os textos para o desenvolvimento

do tema, privilegiando-se o uso de textos autênticos para abordar os

gêneros textuais. No bloco de atividades, o professor vai delinear

quantas atividades sejam necessárias para concretizar os objetivos

traçados, priorizando as que promovam o desenvolvimento da

consciência crítica e cidadã dos alunos. Por fim, no bloco de produção

final, o professor elabora uma atividade de reflexão, que possa

dimensionar se os alunos obtiveram êxito nos objetivos traçados no

início (MATOS, 2014, p. 177).

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Apesar das etapas propostas, Matos (2014) também pauta seu conceito de

unidade didática pela flexibilidade no planejamento didático do professor, de maneira

que esse avalie as necessidades dos alunos e relacione com suas concepções de

linguagem na elaboração do material didático. Assimilamos as visões de Coll (1996) e

Matos (2014) na elaboração de nossa proposta de exemplificação didática, contudo,

dividimos nossas atividades nas etapas de pré-leitura, leitura e pós-leitura, como forma

de exercitar o letramento (BAPTISTA, 2010) dos discentes.

Defendemos a criação de unidades didáticas interculturais em que o professor

seja capaz de incentivar a reflexão e a discussão de costumes, cultura, religião, temas

gerais ou específicos dos países hispano-falantes, com isso, desconstruindo estereótipos

ou qualquer tipo de preconceito quanto a uma determinada cultura. Com a elaboração

dessas unidades, o docente igualmente contempla diversas linguagens e suportes

textuais, de uma maneira integrada e dinâmica, motivando o aluno e auxiliando-o na

aprendizagem do idioma estudado, afastando-o da prática tradicional em que visava

somente à ênfase na gramática e/ou no vocabulário. Nessa perspectiva formalista, o

conteúdo cultural é tido como um apêndice no final de um livro didático ou em uma

folha solta entregue a turma com a letra de uma canção ou de poema, por exemplo,

sendo essa uma prática totalmente descontextualizada ou focada numa única habilidade

linguística e sem reflexividade crítica.

A seguir, expomos dois exemplos de unidades didáticas com o gênero canção

pautadas no desenvolvimento das habilidades leitora e escrita, como forma de

desenvolver o senso crítico, a cidadania e a diversidade cultural, pois, de acordo com

Matos (2014, p. 180), ―o professor intercultural vai atuar como mediador cultural dos

conflitos que possam surgir do embate de ideias‖ em sala de aula.

A primeira unidade toma como referência a música ―Por bandera‖ de Alejandro

Sanz. A proposta tem como base os conceitos de leitura interacional (KOCH, 2002;

JUNGER, 2002), partindo da divisão de pré-leitura, leitura e pós-leitura. A unidade

didática tem como objetivo fazer com que o aluno identifique a temática bélica proposta

pela canção, já que para o artista/compositor as lutas armadas não deveriam existir.

Caberá ao professor explicar que foi uma canção composta com o intuito de alertar, já

na década de 90, após o período da Guerra Fria, sobre o perigo das lutas armadas. Ou

mesmo, sobre o terror instalado a partir do caos iniciado com o episódio dos 11 de

setembro nos Estados Unidos e a invasão ao Afeganistão e, depois, ao Iraque,

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32

ocasionando a morte de muitos soldados e pessoas inocentes. A política militarista de

alguns países sintetiza o tema da canção.

Na pré-leitura, o docente pode explorar o conhecimento de mundo do aluno,

perguntando-lhe se conhece o cantor e compositor espanhol e o que ele espera de uma

canção que receba tal título. Em seguida, o professor pode realizar um trabalho com

alguma fotografia ou outra representação artística a respeito da guerra ou o tema da

violência.

Na etapa da leitura, o docente pode separar a música em estrofes e solicitar a

formação de pequenos grupos com o intuito de sugerir sua ordenação através da

audição. Montada a letra da canção, o professor pode fazer perguntas de compreensão

leitora a respeito da temática. Esse é o momento para confirmar ou refutar informações

sobre o texto, sugeridas na etapa da pré-leitura, levando em conta o contexto de

produção desses enunciados. Nesse momento, também é possível a exibição de um

fragmento do documentário Fahrenheit 11 de setembro, do diretor Michael Moore e

premiado com o Oscar em 2004, em que ele denuncia justamente a política militarista

dos Estados Unidos, que promoveu muitos gastos a economia do país e a perda de

jovens, principalmente os da classe mais baixa, atraídos pelos supostos benefícios em

servir ao exército americano. O professor pode relacionar a canção com trechos do

documentário e também com outras expressões artísticas de Alejandro Sanz, o que

permitirá tanto o entrecruzamento de gêneros/linguagens (o gênero canção, a fotografia,

a pintura, o gênero documentário) quanto o cruzamento de tempo e espaço, pois a

canção foi composta nos anos 90 e pode-se dizer que não especifica qualquer país,

enquanto que o filme foi lançado em 2004 e se direciona aos Estados Unidos.

Na etapa da pós-leitura, o professor pode elaborar uma tarefa em que o aluno se

coloque no lugar desses soldados que retornam da guerra, redigindo um texto (de

determinado gênero) para as autoridades sendo contrário a uma política militarista, por

exemplo, e usando o espanhol na produção textual.

Um segundo exemplo de unidade didática intercultural pode ser pensado a partir

da canção ―Pero nunca te olvidaré‖ do também cantor e compositor espanhol Enrique

Iglesias. Na pré-leitura, o professor pode levantar questionamentos como: ―¿Quién

ustedes no se olvidarán y por qué?‖, ―¿hay algún ente querido que ha fallecido y se lo

echa de menos? ¿Cómo convivir con está perdida y cómo hacer para soportarla?,

¿Conocen al cantautor español Enrique Iglesias?, ¿Saben si él también ha grabado

canciones en otros idiomas y en qué otro estilo musical?, ¿qué opinan sobre este

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33

cantautor y sus recientes trabajos?, ¿Qué esperan de esta canción? O docente igualmente

pode fazer uso de imagens e fotos para trabalhar com diferentes sentimentos e memórias

dos alunos presentes.

Na etapa de leitura, os alunos escutam e acompanham a letra da música. Em

seguida, podem responder perguntas de compreensão leitora, tais como: ¿Sobre qué

trata la canción?, Relacionar el título con la letra de la canción, ¿Qué figura literaria se

conoce por la repetición de palabras o versos?, ¿Se percibe otra figura de lenguaje en el

verso ―Pueden pasar tres mil años‖?, ¿Cuál es y qué sentido(s) provoca‖ e ¿Por qué el

yo lírico eligió el presente como tiempo verbal predominante? Para as questões

propostas, o docente pode ir mediando o debate e aproximando seu aluno das diferentes

superficialidades interpretativas da canção.

Na pós-leitura, o professor pode solicitar para cada discente duas produções

textuais em espanhol a partir da aproximação a outros gêneros do discurso. Pode

solicitar a composição de uma carta ou e-mail a uma pessoa que jamais conseguiu

esquecer e um segundo texto orientando um amigo que sofre da dor de um amor ou a

perda de um ente querido. Ao professor cabe facilitar mostras linguísticas e recursos

para que os alunos consigam produzir o gênero em língua espanhola, além de orientar a

busca por elementos necessários para a escrita e refacção dos textos. Os alunos devem

compartilhar suas produções com os colegas de turma e o docente será o mediador de

todo o processo.

Através dessa breve exemplificação com duas propostas de unidades didáticas,

fica evidente que o professor deve e pode elaborar atividades interculturais com

canções, promovendo uma aproximação e diálogo entre culturas. A permanência de

atividades de mero preenchimento de lacunas, conforme apontado na prática docente

retomada neste artigo, já não dá conta dos objetivos do ensino de línguas na atualidade,

muito menos possibilita o acréscimo de novos elementos linguísticos ao repertório do

sujeito. Limitar o trabalho com o gênero canção ao preenchimento de lacunas reduz o

ensino de línguas à oferta de estruturas linguísticas isoladas. Defendemos, aqui, a

possibilidade de o docente aproveitar a riqueza linguística e cultural do contato com

diversificados estilos musicais para tornar a aprendizagem da língua adicional mais

coerente com a educação linguística do momento atual, um ensino capaz de relacionar

distintas linguagens, suportes e temáticas. Trabalhar a língua por uma perspectiva

adicional permite que o estudante vivencie o idioma em diferentes estágios e se aproprie

da língua no decorrer do tempo de estudo e de suas necessidades.

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34

Para seguir com as canções em sala...

Por meio deste artigo, ressaltamos a importância da reflexão sobre o gênero

canção e a elaboração de unidades didáticas de cunho intercultural. Pelo fato de a

canção ser um gênero muito recorrente no dia a dia das pessoas, o mesmo já consegue

motivar os aprendizes e pode possibilitar discussões sobre diversos temas na língua

adicional.

O gênero canção não pode ser entendido como um mero recurso para

entretenimento ou facilitador de uma habilidade linguística, sendo usado no final de

uma aula sem uma prévia contextualização. Cabe ao docente intercultural aprender a

selecionar textos, temáticas e recursos apropriados ao público discente, objetivando

planejar unidades didáticas que versem sobre temas do cotidiano e da diversidade

cultural. Novas posturas e atitudes pelo docente auxiliam-no na desconstrução de

estereótipos e crenças sobre determinados países, culturas ou costumes culturais.

A reflexão proposta, neste novo artigo, vislumbra caminhos para a manutenção

do gênero canção nas aulas de línguas adicionais para além dos exercícios de

compreensão auditiva. O docente de espanhol como língua adicional precisa conduzir o

aluno a realizar múltiplas tarefas nesse idioma e ser capaz de estabelecer conexões entre

diferentes culturas e discursos. Além de tornar seu aluno em um cidadão consciente de

seu papel na sociedade, que compreende as diferenças, respeita e colabora, assim, para

uma sociedade mais democrática e livre de quaisquer preconceitos.

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36

CAPÍTULO III

LITERATURA NA ESCOLA: DA SEQUÊNCIA BÁSICA À IDENTIFICAÇÃO

COM O LEITOR LITERÁRIO

Cássia da SILVA

Maria Lúcia Pessoa SAMPAIO

Algumas considerações

A literatura e a leitura são formas discursivas dentre diversos meios os quais

transpassam as estruturações linguísticas comuns. Nessa perspectiva, o texto literário

distingue-se de outros meios comunicativos, porque possibilita ao leitor uma maior

variedade de interpretação. Todavia, é importante salientar que, apesar de possibilitar

uma vastidão de visões, é necessária a prudência, a fim de que o objetivo do autor não

seja inteiramente tangenciado. Para evitar esse afastamento de interpretação real do

texto, o professor deve se fazer presente na função de mediador do texto literário e do

seu sentido.

E para que essa mediação aconteça de forma efetiva, não basta o professor

disponibilizar o texto literário ao aluno e se fazer presente em sala de aula, faz-se

necessário uma abordagem didática, uma sequência de ações que possa transformar a

leitura literária em letramento literário. Dessa forma, esta pesquisa visa a conhecer os

resultados da aplicação de uma sequência de atividades destinadas à promoção do

letramento literário em uma turma de ensino fundamental, numa escola do interior do

Ceará. A escolha desta temática deve-se ao fato da relevância e atualidade nos estudos

de atividades escolares que promovam o letramento dos alunos, bem como pela

importância da literatura na escola para formação do sujeito leitor.

O interesse por este tema surgiu embasado em três motivos que se

complementam e justificam o trabalho dissertativo desenvolvido. O primeiro motivo, de

cunho pessoal, provém do sentimento de afetividade com a literatura, este sentimento

que, como professora da Rede Pública, cultivo e tento repassar aos meus alunos da

melhor maneira possível. Número este como primeiro, pois como afirma Oliveira

(2005, p. 51) ao discorrer sobre pesquisa qualitativa: ―É preciso gostar do tema. Para

isso ele deve estar relacionado com a nossa vida, nossas experiências. É necessário que

sintamos prazer em estudar e aprofundar tal tema para nosso crescimento pessoal‖.

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37

O segundo motivo, de caráter profissional, nasce da vontade de poder oferecer

aos meus alunos metodologias diferenciadas para o ensino da literatura como forma de

despertar o prazer de ler e não apenas como mais uma ferramenta de ensino-

aprendizagem da Gramática de Língua Portuguesa. Assim, com essa pesquisa, podemos

(nós, professores de Língua Portuguesa ou/e de Literatura) verificar onde e como

melhorar metodologicamente as aulas de literatura a fim de promover, em sala de aula,

o letramento literário.

O terceiro motivo, de âmbito social, provém da constatação de que a literatura,

ao ser compreendida, analisada e sentida durante a leitura e a escrita de textos literários,

pode se consolidar como modo de unir leitores, de se aproximar, de certa forma, do

outro e de até formar comunidades leitoras. Cosson destaca esse importante papel da

literatura para a sociedade: ―É no exercício da leitura e da escrita dos textos literários

que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos padronizados da

sociedade letrada e se constrói um mundo próprio de se fazer dono da linguagem, que

sendo minha, é também de todos‖ (COSSON, 2014, p. 16).

Feitas essas considerações, passemos agora a descrever a organização deste

capítulo1. A primeira parte versa sobre a temática central: o letramento literário. Nesse

primeiro momento, tratamos especificamente dos pressupostos que compõem a

trajetória do letramento literário. A segunda parte tratará da metodologia abordada com

ênfase na pesquisa qualitativa, bem como a caracterização da abordagem didática

utilizada, abrangendo o campo de estudo e os sujeitos pesquisados. A terceira parte trata

das análises dos dados obtidos que, ao lado de toda a teoria abordada no primeiro

capítulo, fez-nos perceber o quanto é positivo e humanizador o trabalho de ensino de

literatura.

Pressupostos do letramento literário: explorando o terreno

―Era meio sem jeito, mas um belo dia acabaria por aprender‖

(VASCONCELOS, 2008, p. 88).

Ainda hoje há uma confusão entre os significados das palavras letramento e

alfabetização. A discussão gerada entre esses dois termos é realizada frequentemente,

1 Este capítulo resulta da dissertação de mestrado sob o título O uso da sequência básica em prol do

letramento literário em sala de aula (SILVA, 2016).

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38

configurando-se como temáticas importantes e que devem ser bem distinguidas para o

favorecimento da prática pedagógica.

De acordo com os pressupostos de Soares (2000), o termo letramento é novo

no vocabulário da língua materna. Segundo ela, etimologicamente, ―a palavra literacy

vem do latim littera (letra), com o sufixo – cy e denota qualidade, condição, estado, fato

de ser, ou seja, literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e

escrever‖. Relacionado a essa definição estão alicerçados aspectos sociais, culturais,

políticos, econômicos, cognitivos, linguísticos, seja para o conjunto social em que sejam

inseridos, seja para os sujeitos que aprendem a utilizá-la.

Ainda, segundo Soares (2000, p. 18),

tornar-se alfabetizado, adquirir a tecnologia de ler e escrever e

envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita – tem

consequências sobre o indivíduo, e altera seu estado ou condição em

aspectos sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, linguísticos

e até mesmo econômicos.

A diferença entre letramento e alfabetização consiste no fato de que

―alfabetizado nomeia aquele que aprendeu a ler e escrever, não aquele que adquiriu o

estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita, incorporando as

práticas sociais que as demandam‖ (SOARES, 2000, p. 19). É preciso ir além do ler e

do escrever, ir além da alfabetização. É primordial a compreensão dos sentidos de ler e

de escrever e do entendimento do que se leu e do que se escreveu.

O indivíduo letrado não é mais o mesmo tanto no sentido social quanto

cultural, visto que ele passa a apreender elementos de outras culturas, outros costumes,

ampliando os seus conhecimentos e habilidades. Além disso, o letramento promove uma

potencialização do vocabulário em decorrência, por assim dizer, dos diversos contatos

estabelecidos com várias formas de se organizar as letras. O letramento ―é o estado ou a

condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de

escrita‖ (SOARES, 2000, p. 44).

As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e escrever, mas não

necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não

necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita,

para envolver-se com as práticas sociais da escrita: não leem livros,

jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma

declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade

para escrever um simples telegrama, uma carta [...] (SOARES, 2000,

p. 46).

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39

Assim, a alfabetização está relacionada ao ensinamento da leitura e da escrita,

enquanto que o letramento transpassa o universo mecânico do ler e do escrever e

caracteriza-se pelo seu aspecto de apreensão, interpretação e práticas sociais mediante

essas habilidades. A alfabetização é a ação de ensinar e aprender a ler e escrever.

É essencial que existam condições para o letramento, tanto socioculturais

quanto econômicas. A primeira condição refere-se ao acesso à escolaridade. A segunda

relaciona-se com a disponibilidade de material para a prática da leitura. Não adianta

unicamente o saber ler e escrever, é preciso, a posteriori, gerar meios, a fim de que os

alfabetizados se insiram em um ambiente letrado (SOARES, 2000).

É nessa perspectiva que a ação do professor em proporcionar ao educando a

prática da leitura literária, conduzida por tarefas que perpassem o ato mecânico de ler e

fazem com que o aluno a interprete e apreenda habilidades leitoras mais complexas, se

caracteriza como letramento literário. Assim Cosson define:

Na prática pedagógica, o letramento literário pode ser efetivado de

várias maneiras, mas há quatro características que lhe são

fundamentais. Em primeiro lugar, não há letramento literário sem o

contato direto do leitor com a obra [...]. Depois, o processo do

letramento literário passa necessariamente pela construção de uma

comunidade de leitores, isto é, um espaço de compartilhamento de

leituras no qual há circulação de textos e respeito pelo interesse e pelo

grau de dificuldade que o aluno possa ter em relação à leitura das

obras. Também precisa ter como objetivo a ampliação do repertório

literário, cabendo ao professor acolher no espaço escolar as mais

diversas manifestações culturais [...]. Finalmente, tal objetivo é

atingido quando se oferecem atividades sistematizadas e contínuas

direcionadas para o desenvolvimento da competência literária

(COSSON, 2013, p. 1).

Apesar de ser um termo recente, a promoção do letramento literário como

prática em sala de aula é uma preocupação existente há décadas e estudada por diversos

pesquisadores que até então tratavam o que se nomeia ‗letramento literário‘ por ‗prática

de leitura literária‘ e, ainda, quando se trata desta ação na escola alguns usam a

expressão ‗ensino literário‘. Como exemplo de uso da expressão ‗prática de leitura

literária‘, tem-se o conceito definido por Roxele traduzido por Rezende (2013) ―Na

concepção da leitura como prática, como atividade: o interesse se desloca para o campo

literário para os processos de produção e de recepção das obras e para os diversos

agentes desse campo (escritor, edição, crítica, leitores, escola)‖ (p.18).

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Ainda sobre as expressões que antecedem/substituem o termo letramento

literário, percebe-se que Colomer (2007) aproxima a definição do ‗ensino literário‘ à

definição de Cosson (acima exposta): ―[...] o ensino literário se caracteriza pela forte

inter-relação que estabelece entre seus objetivos, seu eixo de programação, o corpus de

leitura proposto e as atividades escolares através das quais o ensino se desenvolve‖ (p.

19).

Dessa forma, tratar de ‗letramento literário‘ envolve a percepção da

nomenclatura atual versus a definição provecta deste, assim, há de se atentar para o

conceito desta prática nomeada por expressões como ‗ensino literário‘ e ‗prática de

leitura literária‘ nas obras de diversos autores no decorrer dos tempos.

Repensando a leitura literária na escola: analisando as plantações

As práticas leitoras construídas pela escola fundamental repercutem

diretamente no desenvolvimento do leitor, pois muitos dos alunos que convivem com

classes regulares do ensino fundamental só encontram no ambiente escolar o lugar

favorável para efetuar o exercício da leitura de maneira sólida, isto é, interagindo de

maneira consciente com o texto escrito.

A leitura da literatura é uma das colunas da educação escolar, uma vez que é

prioritariamente no contexto escolar que as habilidades de leitura e escrita são

ordenadas e desenvolvidas formalmente. Dessa forma, a escola colabora na formação do

leitor literário e essa colaboração será maior ou menor dependendo dos pressupostos que

fundamentam o currículo da instituição escolar (MOLINA, 1992).

A ação de interação entre texto e leitor é o norte para a formação de um ser

letrado. Indo além, no âmbito da literatura, um sujeito letrado é aquele ser capaz de

identificar não apenas o texto literário, como também reconhece, na literatura, uma

forma de transformação, de conhecimento, de prazer e de liberdade do outro e de si

próprio – a sua humanização (LIMA, 2016).

Soares, assim nos adverte quanto à noção de literário variante mediante o

tempo e as culturas:

Não podemos, entretanto, esquecer que, se a própria noção do que é e

do que não é literário varia com o transcurso dos tempos, porque cada

época contém uma ideologia específica e sistemas próprios de

manipulação da cultura, a noção de gênero literário é também

histórico-cultural, obedecendo sempre, como já vimos, a um horizonte

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41

de expectativas. Embora mantenham as obras literárias uma certa dose

de redundância, o trabalho inusitado que elas vêm apresentando leva,

cada vez mais, a utilizar a designação de gênero para uma forma

literária ou até mesmo para uma obra particular (SOARES, 2007, p.

77).

Dessa forma, também é tarefa do professor ajudar o aluno a verificar as

mudanças conceituais sobre o que é ou não literário mediante determinadas culturas e

determinados períodos históricos e ainda alinhar esse conhecimento ao universo de

descobertas que só a leitura pode proporcionar.

Porém, vale lembrar que o contato com textos literários, consultados e

estudados pelos alunos das escolas públicas, na maioria das vezes, se limita ao uso

direto e diário do livro didático impresso e, consequentemente, esse contato tende a

cessar neste material, assim muitos alunos desconhecem a obra integral da qual o texto

literário faz parte e julgam como concluído o conteúdo apresentado no livro em forma

de trecho.

Nesse sentido, os textos literários para serem trabalhados integralmente são,

então, uma proposta motivadora e desafiadora numa abordagem de ensino e

aprendizagem em sala de aula. Pois, ao contatarmos o aspecto social da literatura e ao

inter-relacioná-lo com o âmbito científico, quando estudados em sala de aula, o

educando é desafiado a acionar conhecimentos de várias áreas de estudos e, por diversas

vezes, essa tarefa de acionamento se impõe sobre o despertar do prazer de ler. Diante

desse fator, alguns questionamentos podem ser levantados aqui e a busca por respostas

para estes será um dos alicerces do nosso trabalho: Como despertar no aluno o prazer de

ler textos literários? Como realmente podemos trabalhar com textos literários em sala de

aula, a fim de promover o letramento literário e acionar no educando o prazer de ler?

Sendo a escola uma das principais promotoras e disseminadoras de leitura e

interpretação de textos literários entre os alunos, bem como umas das mais importantes

receptoras de diretrizes que impulsionam o trabalho educacional, a ela também caberá a

reflexão de metodologias que contemplem o ensino de interpretação desses textos, de

maneira motivadora, visando um aprendizado significativo e que propicie o

desbravamento de práticas de letramento.

A leitura literária e a formação do leitor que compreende: efeitos dos frutos

A leitura literária faz-se imprescindível no processo de produção de

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42

conhecimento. É por meio desta prática que se adquire valores essenciais à formação

integral do educando. Além disso, ela constitui-se num instrumento de extrema

importância para a interação entre culturas.

Sobre isso Candido (1995, p. 113) afirma:

[…] a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e

educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como

equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade

preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas

diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A

literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate,

fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.

A problemática levantada acima por Candido em torno da leitura vem

permeando discussões entre educadores, escritores etc., que buscam, desde muito

tempo, a concretização de objetivos em torno da compreensão de um texto no ato da

leitura.

É preciso levar em conta, antes de tudo, que a leitura não é um ato solitário.

É interação verbal entre indivíduos e o contexto sócio-histórico-cultural. O leitor, na

medida em que lê se constitui, se representa, se identifica. A compreensão não é uma

questão só do nível da informação, mas também um processo de interação com o

mundo. Só se aprende com a vivência coletiva, em troca contínua de experiências.

Ao se conhecer o conceito de letramento desenvolvido por Rojo,

perceberemos que essa vivência coletiva, para a compreensão do que está sendo lido,

é uma tarefa primordial para a efetivação de tarefas de letramento. Vejamos:

[...] o letramento busca recobrir os usos e práticas sociais de

linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam

valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo

contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola,

etc.), numa perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural

(ROJO, 2009, p. 98).

Nesse sentido, uma das tarefas de todo o professor de Língua Portuguesa, que

trabalha em prol do letramento literário, é a de perceber como o aluno interpretou um

texto literário e como realmente ele deveria tê-lo feito. Se a interpretação condiz com o

que se esperava ou se foge do objetivo traçado pelo professor ao levar esse tipo de tarefa

para a sala de aula.

Por conseguinte, espera-se, numa tarefa de interpretação disposta a alunos do

Ensino Fundamental, que estes ultrapassem a simples ação de decodificação das

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43

palavras e adentre numa leitura interpretativa, na qual o texto seja compreendido num

todo e essa compreensão se relacione a outros conhecimentos internos e de outras áreas

acionadas pelo educando. Conhecimentos estes que se espera que esses alunos já

possuam para que, finalmente, compreendendo o novo e relacionando-o a outras

competências adquiridas anteriormente, este aluno possa se perceber como ser mais

crítico.

Dessa maneira, esta tarefa corrobora, de certa forma, com o conceito

desenvolvido por Soares (2000) a qual estabelece que ―[...] letramento é o resultado da

ação de ensinar a ler ou a escrever: o estado que adquire um grupo social ou um

indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita‖. Kleiman (2008) dialoga

com esse conceito proposto por Soares (2000) e enfatiza que o letramento deve ser visto

como as práticas sociais que utilizam a escrita como sistema de símbolos, nas mais

variadas situações sociais.

Porém, infelizmente, ainda muito de nossos educandos não possuem

habilidades interpretativas adequadas e sentem ainda uma maior dificuldade, quando

essa habilidade está vinculada a interpretações que demandam conhecimentos de outras

áreas. É perceptível, em sala de aula, que, para a maioria, a ação de interpretar um texto

literário é algo desafiador.

Por isso, trabalhar o letramento literário é unir o útil ao agradável, pois

alinhado ao desafio de interpretar e se conhecer através da prática social da leitura,

estaremos proporcionando ao aluno contato com obras literárias que podem ser

definidas como enunciados de tradição oral ou escrita, nos quais a literariedade, ou seja,

a característica principal do que é literário, daquilo que se define como literatura,

fundamenta toda a enunciação. Esses textos são estudados mediante o caráter científico

de compreensão da arte literária e de forma cultural (ao levar o educando a conhecer

determinadas culturas, tradições e costumes de diferentes épocas). Conhecimentos

esses, associados aos períodos históricos, aos conhecimentos de Geografia, Biologia,

dentre outras disciplinas que fazem parte do currículo escolar e que devem ser

trabalhados de forma holística.

Assim, a obra literária vai ao encontro das abordagens de intervenção nas

escolas e essas intervenções, alinhadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais e às

Diretrizes Curriculares Nacionais, podem ser percebidas, também, como tentativa de

dinamizar as aulas de Língua Portuguesa e permitir ao educando uma melhor noção

teórico-prática do que se propõe ao trabalhar o letramento literário, além de orientá-lo

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melhor na compreensão e interpretação de textos.

[...] um projeto de investigação, um plano de intervenção [...] deve

partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de

explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma

disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários.

Explicação, compreensão, intervenção são processos que requerem

um conhecimento que vai além da descrição da realidade mobiliza

competências cognitivas para deduzir, tirar inferências ou fazer

previsões a partir do fato observado (BRASIL, 2002, p. 88 - 89).

Dessa forma, uma proposta de intervenção alinhada ao letramento literário

pode auxiliar o aluno numa tarefa que exige a compreensão social de textos literários e

desafiá-lo a inter-relacionar esse conhecimento ao universo da interdisciplinaridade, ao

fazê-lo compreender esses textos, consultando, acionando e interagindo com diversas

outras matérias no decorrer do trabalho interclasse.

A sequência básica (sb) e o plano de intervenção: os adubos necessários

―E todos os dias fui tomando gosto pelas aulas e me aplicando cada vez

mais. Nunca viera uma queixa contra mim de lá‖.

(VASCONCELOS, 2008, p. 44).

A criação de um plano de intervenção alinhou-se a essa pesquisa como recurso

metodológico, visto que para se investigar os resultados de uma abordagem que envolve

o letramento literário em sala de aula, faz–se necessário um trabalho interventivo no

ambiente escolar.

Como professora da turma de 8º ano ―E‖ do Ensino Fundamental, vimos neste

grupo de alunos o perfil-alvo para o desenvolvimento dessa investigação. São eles 22

adolescentes de faixa etária entre 14 e 17 anos, justamente a turma com faixa etária

desalinhada a sua série. A turma pesquisada é composta por 4 (quatro) meninas e 18

(dezoito) meninos, matriculados no turno vespertino. São alunos que demonstram

interesse pela leitura em sala de aula, mas que não tinham tanto acesso a ela; esse fato

foi percebido através da observação participante e será descrito nas respostas dadas por

estes educandos ao questionário da pesquisa. Este contou com questões abertas sobre

cada etapa da sequência básica (SB) desenvolvida em sala de aula. As respostas dadas a

esse questionário serão nosso corpus a fim de que possamos compreender como a SB se

constitui uma abordagem motivadora e mediadora para a promoção do letramento

literário.

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45

A intervenção foi pensada de forma a seguir os moldes da SB do autor Rildo

Cosson (2014, p. 48) que assim descreve essa abordagem: ―O caminho que propomos

sistematiza as atividades das aulas de literatura em sequências exemplares [...] O nosso

objetivo é apresentar possibilidades concretas de organização das estratégias a serem

usadas nas aulas de Literatura do ensino básico‖.

A obra indicada aos alunos foi o livro: Meu pé de laranja lima, do autor José

Mauro de Vasconcelos. Percebemos, nessa obra, um grande potencial para a abordagem

que propomos, visto que ela é uma obra curta (189 páginas de textos e imagens), com

uma linguagem muito acessível ao perfil leitor da turma e inteiramente sedutora no que

concerne à imaginação mesclada a aspectos da realidade apresentados num enredo

convidativo aos leitores de primeira viagem.

Com a obra escolhida, partimos para a preparação e uso da SB. Como essa

sequência possui quatro etapas, assim também se estrutura as atividades de intervenção

em sala de aula. A primeira etapa recebe o nome de ―Motivação‖ e, como a própria

nomenclatura indica, é o momento de motivar o aluno para receber a obra literária. A

dinâmica ocorreu mediante um trailler do filme: Meu pé de laranja lima (2013), após

exibir o vídeo, lançamos a pergunta: ―Por que esse título ‗Meu pé de laranja lima‘?‖.

Variadas respostas surgiram; os alunos também questionaram se iriam ver o filme na

íntegra. Aproveitando deste questionamento, lançamos a proposta de todos lerem a

obra. Os educandos mostraram-se bastante interessados.

Já a segunda etapa, nomeada de ―Introdução‖ corresponde ―a apresentação do

autor e da obra‖ (COSSON, 2014, p. 57). Assim fizemos e apresentamos a obra Meu pé

de Laranja lima aos alunos, juntamente com fatos e curiosidades sobre o autor José

Mauro de Vasconcelos.

A terceira etapa desenvolveu-se tranquilamente, visto que as duas anteriores se

complementaram e motivaram o educando à ―leitura‖ da obra, etapa de número três do

processo de letramento literário. Porém, destacamos aqui que não se tratou apenas de

uma leitura mecanizada e tradicional. Cosson alerta que a leitura de livros inteiros

precisa de acompanhamento, porque há um objetivo a ser cumprido e esse não deve ser

perdido. O autor ainda orienta que não se deve vigiar o aluno, mas sim acompanhar o

processo de leitura para auxiliá-lo em suas dificuldades (COSSON, 2014, p. 62).

Realizada a etapa III, a última parte desse processo de letramento é chamada de

―Interpretação‖. Foi neste momento de exposição em que o educando apresentou suas

interpretações sobre a obra lida. ―A interpretação parte do entretecimento dos

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46

enunciados que constituem as inferências, para chegar à construção do sentido do texto,

dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade‖ (COSSON, 2014, p. 64).

Essa interpretação ocorreu mediante contato dos educandos com o questionário

da pesquisa, no qual a última pergunta: ―Se você escrevesse em diário, de que forma

descreveria sua identificação, sentimentos, impressões e experiências com a obra

lida?” Será aqui nosso corpus para análise de como os alunos interpretaram a obra

mediante a SB desenvolvida.

As revelações da pesquisa: alguns frutos da farta colheita

“E vieram as novidades... As descobertas de um mundo onde tudo era novo.‖

(VASCONCELOS, 2008, p. 44).

Neste capítulo, expomos alguns resultados pontuais que obtivemos com a

intervenção da SB em sala de aula, mais precisamente tratamos da etapa de

interpretação.

Os dados apresentados resultam da análise qualitativa feita às respostas dos

alunos ao questionário e tentaremos verificar como as etapas da SB, contextualizadas à

vivência do educando, promovem o letramento literário.

Assim, como exemplos de respostas que se aproximam bastante nas palavras

usadas para definir/descrever os sentimentos ativados durante a tarefa de interpretação

(4ª etapa da SB) destacamos estas, presentes no quadro 1:

Quadro 1 – Categoria Interpretação

3 Resposta transcritas conforme escrito pelos alunos no questionário.

ALUNO

Interpretação

3

A3

―... nós lemos o livro Meu pé de laranja lima, foi muito engraçado, porque o

protagonista era muito travesso e parecia comigo. Eu gostei muito da aventura

dele, porque ele tinha uma todo dia e era interessante e foi bom que eu adquiri o

hábito de ler e eu me senti muito feliz por ler dois livros na escola este ano‖.

A5

―Nas últimas semanas, nós lemos a obra Meu é de laranja lima. É uma história

muito boa ela conta a vida do autor na infância, ele conta que era de uma família

pobre, o pai vivia desempregado, quem trabalhava na casa era a mãe deles, Zezé,

o autor do livro, na infância era um menino muito esperto e sabia de coisas que

alguns adultos não sabiam, no decorrer da história ele faz um amigo que era seu

inimigo e também ele tem um amigo que era uma árvore mas algum tempo

depois o portuga – o amigo que era inimigo – morre e ele fica muito triste pensa

até em se matar mas ele continua com a mesma vida‖.

A6 ―Meu pé de laranja lima, ele é um livro que com ele você aprende a ler mais, nele

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47

Fonte: Autoria própria. (2016).

A título de exemplo, todos esses cinco alunos demonstraram, em suas

respostas, a interpretação livre e com características bem particulares do que sentiram e

de como entenderam a obra. Esses sentimentos mesclados nas interpretações e expostos

nas respostas foram despertados desde a etapa de motivação.

Ao analisarmos a resposta do A3, percebemos que, ao tempo que ele se

identifica com o protagonista do livro, ele também considera que essa leitura ativou nele

o gosto de ler, além de se mostrar feliz por ter lido, na escola, dois livros literários

durante aquele ano letivo.

Já o A4 expõe a interpretação da obra em gênero resumo, utilizando-se dos

conhecimentos adquiridos durante a etapa chamada Introdução (na qual apresentamos a

obra e curiosidades sobre o autor). Este aluno ver no protagonista Zezé a figura de José

Mauro de Vasconcelos e assim faz conexões entre o enredo da obra e o autor em toda a

sua resposta.

Quando tratamos da resposta do A6, percebemos que a interpretação dele é

mais vaga, porém muito centrada nos sentimentos que ele percebeu presentes no

protagonista Zezé, mas precisamente o sentimento de tristeza, o que denota a empatia

do aluno pelo personagem da obra.

Quanto ao A7, este já inicia sua interpretação afirmando que deseja ler

novamente a obra, porque aprendeu muito com ela. E continua afirmando que se

entristeceu com determinadas partes do enredo, mas é precisamente no fato ocorrido no

desfecho da narrativa que, para esse aluno, reside o momento mais triste da história, a

expressão que resume a interpretação deste aluno é justamente a última: ―me comovi‖.

contém uma história de um menino que era desprezado pela família, este menino

tinha um lado bom e um lado ruim, foi essa a história de um menino que era

triste...‖

A7

―... nós temos e ler de novo porque é muito bom de ler porque eu aprendi algumas

coisas com o livro Meu pé de laranja lima. Eu fiquei triste porque ele cortou o pé

com um caco de vidro, ele ficou com medo de levar uma peia dos pais, mas ele

não parava de fazer travessuras, só não gostei muito do livro porque o português

morre e a história ficou muito triste, mas mesmo assim eu me comovi...‖

A9

―Nas últimas semanas nós lemos o livro e me identifiquei com Meu pé de laranja

lima, que eu me identifiquei muito com o garoto Zezé pelas travessuras que ele

fazia, como tentar pegar frutas no quintal dos outros e muito mais, eu só não

gostei muito do livro porque o português morre e a história fica muito triste.

Eu, quando era pequeno, gostava muito de um homem que andava muito comigo,

mas ele ficou lá em São Paulo e eu vim para o Juazeiro e nunca mais o vi assim

senti muita saudade do meu amigo lendo essa história‖.

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Por fim, o A8 inicia sua interpretação demonstrando também identificação com

o personagem Zezé e suas travessuras, porém, a revelação que este aluno traz se

diferencia das outras no que concerne ao fato da obra lida e da abordagem feita em sala

de aula proporcionar a este educando a ativação de sentimentos, memórias e lembranças

durante a leitura. É a denotação de como a literatura pode tocar o interior humano, neste

caso, momentos que pareciam inertes nas lembranças foram ativados no encontro do ser

com a palavra literária.

Considerações finais

Os frutos da intervenção e da pesquisa realizada na escola podem ser

degustados quando conseguimos perceber que encontramos algumas respostas que

buscávamos há algum tempo. Por exemplo, em resposta a nossa questão principal: De

que forma a SB utilizada no trabalho com a obra Meu pé de laranja lima contribui na

prática do letramento literário em sala de aula? E também como resposta ao nosso

objetivo geral: investigar os resultados da Sequência Básica trabalhada numa

turma de ensino fundamental, entendemos que as etapas: Motivação, Introdução,

Leitura e Interpretação (SB) foram/são ferramentas muito importantes para fortalecer e

atrair a atenção do aluno, além de contribuírem para um trabalho de maior interação

entre alunos e professor num engajamento pedagógico.

A partir das análises dos dados, pudemos perceber que as atividades propostas

intermediaram o desenvolvimento do gosto pela leitura literária. A atividade de

motivação utilizando-se do trailer e de perguntas motivacionais favoreceu a efetivação

das etapas de introdução e leitura coletiva, e esta última, no que lhe diz respeito,

preparou o aluno para a interpretação. Todas essas etapas da SB, promovidas em sala de

aula, mediadas e planejadas em prol do letramento literário, foram eficazes no que diz

respeito à ativação, no educando, do sentimento de gosto pela leitura literária e

proporcionaram indícios de formação de leitores.

Em resumo, podemos pontuar, diante dessas interpretações, alguns resultados

que emergem de todo o trabalho desenvolvido: a leitura literária promovida em sala de

aula, mediada e planejada numa sequência básica, proporciona aos alunos o contato

amplo com a obra e, para alguns, este foi o primeiro contato (e leitura integral) de um

livro literário. O segundo resultado provém da constatação de que as etapas da

sequência básica contextualizadas à vivência do educando promovem o letramento

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literário e (re)ativam sentimentos que somente o contato com a literatura poderia

proporcionar. Em ambas as constatações, a ênfase recai no ensino de literatura em sala

de aula e como uma abordagem didática, planejada em prol do letramento literário, pode

ser motivadora e ao mesmo tempo humanizadora num contexto de ensino público onde

ainda há contrariedades e dúvidas sobre o porquê de se ensinar literatura.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da

Educação, 2002.

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cidades, 1995.

COLOMER, T. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global,

2007.

COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.

________. Letramento Literário. In: ______. Termos de Alfabetização e escrita

para educadores. Glossário CEALE. Minas Gerais: Universidade Federal de Minas

Gerais, Faculdade de Educação/ Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita, 2013.

Disponível em: ˂https://goo.gl/xSjPxQ˃. Data de acesso: 21 de outubro de 2017.

DALVI, M. A.; REZENDE, N. L.; JOVER-FALEIROS, R. Leitura de literatura na

escola. São Paulo: Parábola, 2013.

FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Editora Cortez, 1985.

KLEIMAN, A. B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a

prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008.

LIMA, A. J.R. de. Letramento poético no ensino fundamental. Recife: Fasa, 2016.

MOLINA, O. Ler para aprender: desenvolvimento de habilidades de estudo. São

Paulo: E.P.U, 1992.

OLIVEIRA, M. M. de. Como fazer pesquisa qualitativa. Recife: Bagaço, 2005.

ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.

SOARES, A. Gêneros Literários. 7ª edição. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2007.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

VASCONCELOS, J. M. de. Meu pé de laranja lima. Dinapress: São Paulo, 2008.

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50

CAPÍTULO IV

LIVROS, VÍDEOS, MEMES, LINKS À MANCHEIA: POR UMA PEDAGOGIA

DO DISCURSO E DAS MULTIMODALIDADES

Cláudia Rejanne PINHEIRO

José Marcos Ernesto Santana de FRANÇA

Introdução

As questões concernentes ao ensino da língua materna no Brasil com base na

diversidade de gêneros do discurso não são recentes. Além de um longo caminho já

percorrido pela Linguística e por outras ciências da linguagem para fazer com que as

teorias cheguem até o seu público-alvo preferencial: professores (as) e alunos (as) da

educação básica, tais esforços, encontram-se também, pelo menos enunciados, nos

documentos oficiais de ensino desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),

elaborados em 1996, bem como nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio,

documento conhecido como PCNs +, ou seja, PCNs + 10, visto que foi publicado dez

anos depois dos PCNs, em 2006.

Segundo este documento, ensinar a língua materna é, hoje, ensinar

a ler/escrever/pensar/olhar/sentir/questionar/refletir/agir. Nesse sentido, discutiremos

algumas questões elementares, presentes no processo de produção/recepção da cultura

―letrada‖, ou mais propriamente, da cultura multissemiotizada contemporânea. Em vista

disso, discutiremos alguns conceitos oriundos de teorias contemporâneas da linguagem,

tais como discurso e texto, articulando o campo teórico conhecido como Análise do

Discurso Francesa com as teorias das multimodalidades e do multiletramento, no

intuito de pensar o ensino da língua materna mais conectado com a hodierna ―sociedade

do espetáculo‖ (DEBORD, 1997).

Função-autor, efeito-leitor, (inter) discurso, texto e contexto

Chame nome, rasgue o verbo

Somos todos figuras de linguagem

(Flora Fenix)

A princípio parece uma tautologia dizer que no processo de letramento estão

presentes alguns elementos como autor, texto, leitor e contexto. No entanto, no âmbito

dos estudos de linguagem, há muitas diferenças conceituais acerca de tais elementos, de

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51

acordo com os diferentes pontos de vista teóricos pelos quais são vistos. Tais conceitos

estão longe de ser pacíficos, muito menos óbvios. Por isso, a necessidade de

explicitarmos de que forma compreendemos cada um deles.

A nossa tradição escolar está baseada, em geral, no princípio idealista da

linguagem e do autor, segundo o qual o autor é um sujeito consciente das suas emoções,

opiniões, sentimentos e as expressa através dos textos. O leitor, por sua vez, acessaria

essas opiniões e sentimentos por meio da leitura dos textos, bastando para isso ser

usuário do código escrito, que seria a língua. Tal conceito de linguagem como

―expressão dos pensamentos e sentimentos‖ e como algo pacífico, está há muito tempo

superado. Sabemos com diversos teóricos da linguagem, dentre os quais Bakhtin

(1997), que todo ato verbal é um ato de disputa de poder e que a linguagem, para além

da expressão de pensamentos e sentimentos ou como forma de comunicação, é, na

verdade, ―palco de acordo e arena de conflitos‖. Ela é o ―[…] sistema-suporte das

representações ideológicas [...] é o medium social em que se articulam e defrontam

agentes coletivos e se consubstanciam relações interindividuais‖ (BRAGA, 1980 apud

BRANDÃO, 1996), ou mais precisamente, relações intersubjetivas, na perspectiva da

Análise do Discurso Francesa.

Partindo de tais pressupostos, compreendemos o texto, portanto, em duas

perspectivas que se coadunam: 1) como objeto linguístico e/ou multimodal, que

pressupõe um suporte material e 2) como artefato cultural, inscrito numa complexa rede

de elementos sócio-histórico-ideológicos.

Desta forma, o texto é onde os discursos se materializam, mas não de forma

estática, visto que, à medida que são lidos/vistos/ouvidos/sentidos são, a todo momento,

redimensionados, ressignificados. O conceito de texto assim está sintetizado por Orlandi

(2001, p. 64):

[o texto] é uma unidade feita de som, letras, imagens, sequências,

com uma extensão dada, com (imaginariamente) um começo, meio e

fim, tendo um autor que se representa em sua origem como sua

unidade lhe propiciando coerência, não-contradição, progressão e

finalidade.

Já o conceito de discurso, também não é unívoco, não havendo, portanto, uma

Análise do Discurso, mas diversas. Sem a pretensão de adentrar nas diferenças deste

campo, visto não ser objetivo deste trabalho, buscaremos uma síntese que nos apresenta

tanto difícil como perigosa, visto que deixará de enunciar as diferenças no interior do

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próprio campo, como por exemplo, as diferentes concepções de sujeito, discurso e

formação discursiva entre Michel Foucault e Michel Pêcheux, discutidas mais

detalhadamente em Grangeiro (2007, 2013). No entanto, para a maioria dos pontos de

vista teóricos que se ocupam desse objeto, o discurso é concebido não apenas como fala

ou como linguagem, mas como prática social para a qual incidem fortemente as relações

de poder que por meio dele se estabelecem. Por exemplo, se alguém se refere a uma

mulher negra como ―neguinha‖, o sufixo diminutivo pode significar carinho,

afetividade, proximidade, ou em outra situação, preconceito, discriminação étnica e/ou

de gênero, dependendo do contexto, dos sujeitos envolvidos no ato e das relações de

poder que envolvem os sujeitos, considerando, também, a formação sócio-histórica do

Brasil imerso em uma cultura patriarcal com fortes tonalidades racistas.

Desta forma, o discurso não é apenas o que se diz, mas os efeitos de sentido

produzidos pelo que é dito e também pelo que não é dito, pelo que poderia ter sido dito,

pelo que se deixou de dizer, visto que o silêncio também significa. E no mundo

multissemiótico contemporâneo, é constituído também pelo que é visto, ouvido, sentido,

(des) percebido, em relação às condições sócio-históricas de produção e entre os

sujeitos envolvidos nos atos sócio-comunicativos. Orlandi (2001, p. 65) considera,

portanto, o discurso como ―efeito de sentido entre locutores‖, ou mais precisamente,

diríamos, efeitos de sentido entre interlocutores, visto que os sentidos são

construídos/constituídos na e pela interação entre os sujeitos.

Foucault, na Arqueologia do Saber, apresenta suas conceituações pela negativa.

O que o discurso não é, é aquilo que o define. Para o autor:

Gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de

contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o

intrincamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar,

por meio de exemplos precisos, que, analisando os próprios discursos,

vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as

palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da

prática discursiva. [...] não mais tratar os discursos como conjunto de

signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a

representações), mas como práticas que formam sistematicamente os

objetos de que falam. (FOUCAULT, 2000c, p. 56)

É, portanto, nessa perspectiva, que o sujeito vai se constituindo/sendo

constituído no e pelo discurso, esse ―mais do que a língua e o ato de fala‖ do qual fala

Foucault. O sujeito não é uma entidade substantiva, referencial, a quem se chega por

meio da leitura de um texto. Também não é a origem nem o autor do seu dizer e/ou do

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seu não-dizer. Ele se constitui/é constituído na relação intersticial da língua com a

história, com os dizeres/saberes/poderes circulantes do jogo social. É assim que ele ―faz

sentido‖.

Para Foucault, o sujeito não existe a priori, nem na sua origem, nem na sua

suposta essência imanentista. Não há, pois, nenhum tipo de essência identitária per si. A

identidade do sujeito é uma construção histórica, temporal, datada e, como tal, fadada

ao desaparecimento. O sujeito, para Foucault, é disperso, descontínuo, é uma função

neutra, vazia, podendo adquirir diversas posições, inclusive a de autor: ―Somos seres de

linguagem e não seres que possuem linguagem‖ (FOUCAULT, 2000a, p. 20-21).

A questão da autoria foi problematizada por Foucault (2000b, 2011). O que é um

autor? Quem fala? Hoje, com as novas tecnologias da comunicação e informação, tais

perguntas são ainda mais pertinentes: quem é autor no hipertexto, no wikipedia, por

exemplo, em tempos de cibercultura?

Para Foucault, o autor não é entendido como o indivíduo falante que pronunciou

ou escreveu um texto, mas como ―um princípio de agrupamento do discurso‖, ou ainda,

―[...] aquilo que dá à inquietante linguagem da ficção suas unidades, seus nós de

coerência, sua inserção no real (FOUCAULT, 2000b, p. 28).

Isso quer dizer que um nome próprio de autor tem o seu papel no processo de

significação, visto que cria redes de expectativas. Quando dizemos que um texto é de

―Machado de Assis‖, sabemos que é um autor do século XIX, brasileiro, que escreveu

romances realistas, com personagens de fortes conotações psicológicas, o que o faz

diferente, por exemplo, de Arnaldo Antunes, autor contemporâneo que escreve poesias,

letras de canções com traços marcantes do Modernismo e da poesia concreta.

No entanto, o autor não tem o peso que a nossa tradição escolar o atribuiu e

muito menos a pessoa física do autor pode ser confundida com o enunciador do texto.

Confunde-se leitura com o acesso ao ―infinito particular‖ do autor. O que ele estava

sentindo, pensando, o que ele estava ―querendo dizer‖? Na realidade nunca se saberá,

visto que o sujeito não é agente totalmente consciente do seu dizer, nem do seu sentir,

nem do seu pensar, nem do seu saber.

A Análise do Discurso, a partir de Michel Pêcheux, por exemplo, constituiu-se

sob fortes bases psicanalíticas na perspectiva de Lacan (1994, p. 62), para quem: ―O

sujeito não sabe o que diz por uma razão simples: ele não sabe quem é‖. Isso quer dizer

que a função-autor não tem acesso completo ao que diz nem pode prever todas as

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possibilidades interpretativas do ―seu‖ texto depois que ele entra na ―ordem do

discurso‖.

Desta forma, os sentidos se constituem numa teia ininterrupta de

dizeres/saberes/poderes, ditos em outros lugares, em outros momentos, de outras

formas. Assim, todo dito é um já dito em outro lugar, que atua de forma decisiva no

processo de memória/esquecimento, responsável pela ativação de determinadas

representações, culturalmente construídas, arquivadas numa memória discursiva,

cultural, sócio-histórica e responsável pela produção e interpretação dos efeitos de

sentidos produzidos nos diversos enunciados. Pêcheux (1999, p. 54) vai denominar este

fenômeno de interdiscurso e defini-lo como:

Aquilo que, em face de um texto que surge como acontecimento a ler,

vem restabelecer os ―implícitos‖ (quer dizer, mais tecnicamente, os

pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos,

etc), de que sua própria leitura necessita: a condição do legível em

relação ao próprio legível. [aspas do autor]

Nesse sentido, Courtine, trabalhando sobre o conceito de interdiscurso de

Pêcheux, define a memória discursiva:

A memória concerne à existência histórica do enunciado, no seio de

práticas discursivas [...], capaz de dar origem a atos novos, no sentido

de que toda a produção discursiva acontece numa conjuntura dada e

coloca em movimento formulações anteriores já enunciadas.

(COURTINE, 1999, p. 16)

Tal concepção de processos de produção de sentidos coaduna-se com os

documentos oficiais da educação brasileira, a respeito do conceito de leitura:

Ler é uma atividade complexa que faz amplas solicitações ao intelecto

e às habilidades cognitivas superiores da mente: reconhecer,

identificar, agrupar, associar, relacionar, generalizar, abstrair,

comparar, deduzir, inferir, hierarquizar. Não está em pauta apenas a

simples decodificação, mas a apreensão de informações explícitas e

implícitas e de sentidos subjacentes, e a construção de sentidos que

dependem de conhecimentos prévios a respeito da língua, dos gêneros,

das práticas sociais de interações, dos estilos, das formas de

organização textual. (INEP, 2009, p.53).

Imaginar, portanto, que é possível acessar os sentimentos, os pensamentos do

autor através dos textos é uma ilusão psicologizante que não nos conduzirá a nenhum

lugar. Se conseguirmos, com a leitura, recuperar: as relações entre os textos e outros

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55

textos, entre os discursos e outros discursos que os constituem; os implícitos, os

pressupostos, os não-ditos, já é tarefa demasiada e bastante significativa de leitura e de

letramento.

Nesse sentido, todo texto tem um autor, mesmo que o seu nome próprio não

esteja no texto, mesmo que seja anônimo; todo texto tem uma voz que fala, e dada a

concepção de sujeito como atravessado constitutivamente por discursos diversos, a voz

do autor é sempre, em maior ou menor grau, uma voz coletiva. Portanto, a suposta

unidade do autor é nada mais do que um efeito de sentido do discurso e da sua posição

de sujeito. Por exemplo, o editorial de um jornal ou revista em que não consta o nome

do autor, ainda assim, ele está lá enunciando. É este ―princípio de agrupamento do

discurso‖ que enuncia em nome de um grupo de pessoas que assume e se responsabiliza

por aqueles dizeres.

Há um questionamento de Foucault (2011) também quanto à ―obra‖, visto que

há uma série de dispositivos de apagamentos da história dos textos. ―A Bíblia‖, por

exemplo, são textos distintos, transmitidos durante séculos pela oralidade, escritos por

diversos autores, em diversas línguas, em vários momentos históricos diferentes, muitos

dos quais foram interditados pelas instituições religiosas mais hegemônicas e, no

entanto, pensa-se em uma obra, como ―um livro‖. A ―obra‖ do autor também não passa

de um efeito de unidade.

Assim, a função-autor tem sua contrapartida no ―efeito-leitor‖ e este é

pressuposto na materialidade do texto. Não se pode falar do lugar do outro. No entanto,

―[…] pelo mecanismo da antecipação, o sujeito-autor projeta-se imaginariamente em

que o outro o espera com sua escuta, constituído, assim, em sua textualidade, um leitor

virtual que lhe corresponde como o seu duplo‖ (ORLANDI, 2001, p. 61). Por exemplo,

nas revistas direcionadas ao público feminino no Brasil, as temáticas, em geral, versam

sobre beleza, cuidado com o corpo, a pele, o cabelo. Ao mesmo tempo que pressupõe,

constrói imaginariamente um sujeito feminino que, supõe-se, tenha tais temáticas como

questões primordiais das suas vidas.

Como síntese, temos que a função-autor, como unidade de sentido formulado,

em função de uma imagem de leitor virtual, relaciona-se com o efeito-leitor como

imagem de um sentido lido. Desta forma, segundo Orlandi (2001, p. 65), ―Tanto a

função-autor como o efeito-leitor atestam que, no discurso o que existem são efeitos de

sentidos variados, dispersos, descontínuos, sendo sua unidade uma construção da

ideologia e do inconsciente.‖

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56

Nessa perspectiva, se o discurso é, pois, efeito de sentidos entre interlocutores,

os sentidos não são, portanto, propriedade privada, nem do autor, nem do leitor, muito

menos de uma imanência onipotente do texto. Os sentidos são efeitos de troca de

linguagem e são construídos/constituídos na interação conflituosa entre autor, leitor,

texto e contexto, compreendido o contexto, aqui em duas perspectivas: 1) como

condições sócio-históricas ideológicas de produção dos discursos e 2) como um

contexto mais imediato, de interação circunstancial.

Multissemioses e multimodalidades

A grande quantidade de imagens das diferentes práticas de escrita digital

colocou a linguagem visual em evidência. Textos com duas ou mais modalidades

semióticas em sua composição tomaram o lugar das tradicionais práticas da escrita,

provocando efeitos nos formatos e nas características desses textos, resultando no que

foi denominado de ―multimodalidades‖.

Nas palavras de Kress e van Leeuwen (1996, p. 10), ―[…] gêneros orais

combinam a língua e ação em um todo integrado, os gêneros escritos combinam a

língua, a imagem, e as características gráficas em um todo integrado‖. Os

diversos gêneros discursivos produzem significados e estabelecem relações através dos

textos ou discursos neles veiculados. Esses, por sua vez, materializam-se através da

linguagem, seja ela verbal ou não-verbal. Todo o arranjo visual existente no gênero, ou

seja, a diagramação, cores, figuras, tipo de papel (no caso de texto escrito) ou até como

as pessoas se comportam nos textos orais (gestos, entonação de voz, expressões faciais),

Kress e van Leeuwen (op. cit, p. 183), chamam de multimodalidade. Esses elementos

não são apenas ornatio, enfeites, são parte constitutiva dos significados.

Multimodalidade, portanto, refere-se ao uso de mais de um modo de representação num

gênero discursivo. Textos multimodais são, de acordo com Kress e van Leeuwen

(ibidem, p. 183), aqueles que realizam seus significados por meio da utilização de mais

do que um código semiótico.

Desta forma, em todas as esferas da vida social, há uma crescente utilização de

textos multimodais na produção de significados. No entanto, as imagens ainda são

percebidas como um meio de comunicação menos especializado do que o verbal, já que

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a leitura de textos visuais é menosprezada na escola, que acaba produzindo, de acordo

com Kress e van Leeuwen (1996) ―iletrados visuais‖.

Assim como se aprende a ler e a produzir textos verbais, possuindo uma

―gramática‖ específica para tais processos, também é necessário aprender a ler os textos

não-verbais, compreendendo alguns mecanismos e estruturas formais para formulá-los e

interpretá-los.

Nessa perspectiva, com a multiplicidade das semioses contemporâneas, a

Análise do Discurso vem se aproximando da Semiótica e propondo instrumentos de

análise dos textos multimodais. Uma das grandes contribuições dessa corrente, nesse

sentido, é o trabalho de Jean-Jacques Courtine (2011, 2012), dentre outros, sobre a

leitura da imagem e do corpo.

Leituras em Multiletramento

Com a multiplicidade de textos imagéticos, surge, pois, a necessidade de

repensar a concepção de letramento. Para Soares (2002), letramento refere-se a uma

multiplicidade de habilidades que devem ser aplicadas a uma ampla variedade de

materiais de leitura e escrita e compreende diferentes práticas que dependem da

natureza, estrutura e aspirações de determinada sociedade.

Já o termo multiletramento, por sua vez, foi nomeado em 1996 com a publicação

de um artigo intitulado A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures, na

revista Harvard Educational Review (Cazden et all, 1996), por um grupo de dez

pesquisadores americanos, ingleses e australianos, conhecido como e The New London

Group. O argumento usado pelo grupo é o de que nossa vida pessoal, pública e

profissional vem mudando consideravelmente e que essas mudanças transformam nossa

cultura e o modo como interagimos socialmente. Dessa forma, a concepção de

letramento também vai se alterando no sentido de acompanhar tais mudanças.

Segundo Cope e Kalantzis (2009), dois dos precursores deste grupo, o termo

Multiletramento enfatiza duas mudanças importantes e correlacionadas. A primeira, é a

importância da diversidade linguístico-cultural; e a segunda, é a influência da linguagem

das novas tecnologias da comunicação e da informação. O significado emerge, portanto,

de modos variados (multimodais), – escrita, imagens, movimento, áudio – o que requer

um conceito de letramento novo e multimodal, principalmente no tocante ao letramento

visual, haja vista a força que a imagem adquiriu no mundo contemporâneo.

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Nesse sentido, é sabido que as cores, os ambientes, os enunciados das falas, os

textos, os sons presentes nas imagens possuem significados que serão administrados

pelas leituras daqueles que as fazem e daqueles que as assistem. Tanto quem vê quanto

quem produz as representações estão sujeitos a leituras sociais reais. Interpretar uma

imagem é um processo complexo que envolve o verbal e os aspectos mais diversos do

mundo social e cultural.

Assim, apesar de fazer parte do cotidiano dos(as) alunos(as), os textos

multimodais ainda são pouco explorados durante a vida escolar. Não somos

―alfabetizados‖ para ler imagens; em geral, não há nenhum tipo de ensinamento formal

para interpretá-las. O conhecimento escolar é preponderantemente verbal, o que acaba

produzindo, de acordo com Kress e van Leeuwen (1996), o ―iletrismo visual‖.

O letramento visual é um processo que exige prática e sólidas bases teóricas. É

importante ao professor conhecer as linguagens das diversas mídias, dominar a

dinâmica dos textos multimodais com seus links para outros textos. A escola não pode

esquecer que a multimodalidade já faz parte de quase tudo em nosso cotidiano. Kress e

van Leeuwen (1996, p. 183) defendem uma pedagogia que reconhece a natureza

dinâmica da comunicação, a importância de entender e experimentar textos presentes e

culturalmente pertinentes e de projetar novos textos, além da necessidade de questionar,

interpretar e criticar o que é visto e experimentado. Assim, eles defendem a visão

semiótico-discursiva da linguagem, ocupada em considerar o discurso como prática

social.

Nessa perspectiva, a língua é entendida, pois, como parte de um

contexto sócio-cultural. Assim, os elementos visuais, sonoros, gestuais existem dentro

dos sistemas de representações moldados pela cultura e pela história e tais informações

são sempre carregadas de conteúdos ideológicos. Desta forma, não mais é possível

conceber a língua como um conjunto de ―signos verbais‖, conforme o fez, no início do

século passado, o mestre Ferdinand de Saussure (1916, 2006). A língua é um conjunto

de signos verbo-voco-visuais e como fenômeno sócio-histórico e ideológico, necessita

ser aprendido.

No contexto brasileiro, Dionísio (2006) também propõe uma revisão do conceito

de letramento a partir da constatação de uma crescente mudança nas formas de interação

humana, influenciadas pelo desenvolvimento tecnológico. A autora designa por

multiletramento a ―[…] capacidade de atribuir e produzir sentidos a mensagens

multimodais‖ (DIONÍSIO, op. cit, p. 130). Desta forma, a noção de letramento como

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habilidade de ler e escrever não abrange todos os diferentes tipos de representação do

conhecimento existentes em nossa sociedade. Para a autora, ―[…] na atualidade, uma

pessoa letrada deve ser uma pessoa capaz de atribuir sentidos a mensagens oriundas de

múltiplas fontes de linguagem, bem como ser capaz de produzir mensagens,

incorporando múltiplas fontes de linguagem‖ (ibidem, p. 131).

Tal concepção coaduna-se com as Orientações Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio, documento conhecido como ―PCNs +‖, o qual atesta que: ―[...] o objeto

de ensino privilegiado são os processos de produção de sentido para os textos, como

materialidade de gêneros discursivos, à luz das diferentes dimensões pelas quais eles se

constituem‖ (BRASIL, 2006, p. 36).

O documento traça, ainda, o perfil do aluno do ensino médio, na disciplina

Língua Portuguesa:

O aluno, ao longo de sua formação, deverá conviver, de forma não só

crítica mas também lúdica, com situações de produção e leitura de

textos, atualizados em diferentes suportes e sistemas de linguagem –

escrito, oral, imagético, digital, etc. –, de modo que conheça – use e

compreenda – a multiplicidade de linguagens que ambientam as

práticas de letramento multissemiótico em emergência em nossa

sociedade, geradas nas (e pelas) diferentes esferas das atividades

sociais – literária, científica, publicitária, religiosa, jurídica,

burocrática, cultural, política, econômica, midiática, esportiva etc.

(BRASIL, 2006, p. 32)

O documento de 2006 vai além dos Parâmetros Curriculares, de 1996, que

enfatizava mais as modalidades oral/escrita, à medida que incorpora as questões das

multiplicidades semióticas do mundo contemporâneo, povoada de gêneros híbridos,

multimodais, como o hipertexto, os textos da publicidade que utilizam mais de uma

forma de semiotização. Nesse sentido, o conceito tradicional de letramento como

inserção do cidadão no universo da fala e da escrita já não é suficiente para dar conta

das hodiernas práticas multissemióticas.

O multiletramento não deve ser compreendido, ainda, apenas no sentido

linguístico e/ou semiótico. O Brasil é um país culturalmente multifacetado, detentor de

um imenso mosaico social, regional e cultural. Temos um sem número de manifestações

tanto das culturas populares tradicionais como das artes urbanas, as quais, em geral, não

estão incorporadas ao cotidiano escolar. Não é possível mais nesses tempos de

diversidade cultural, nossas escolas e universidades continuarem insistindo, por

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60

exemplo, no monologismo dos discursos literários canônicos, silenciando outras formas

de expressão como, por exemplo, a poesia, o grafite, a música, a dança, elementos

fortemente presentes na cultura hip hop, a Literatura de cordel, grande riqueza

brasileira, além de outras expressões culturais como contos indígenas, afro-brasileiros,

canções de capoeira, tradicionalmente ausentes das escolas.

Propostas pedagógicas em Língua Portuguesa que consideram a diversidade

cultural brasileira foram desenvolvidas por inúmeros autores, dentre os quais Souza

(2011) e Grangeiro (2017).

Análise de discurso de meme da internet

A palavra meme vem do grego mimema que tem a mesma raiz de mimese,

significando, portanto, "imitação". Através da sua forma em inglês mimeme, pelo

processo de aférese (queda de fonemas) virou meme. Segundo Blackmore (2002, s/p):

―Desde 1998 o termo entrou na língua inglesa e aparece no Oxford English

Dictionary onde é assim definido: Meme (mi:m), n. Biol. (abreviação de mimeme…

aquilo que é imitado, a imitação de GENE n.).‖

A princípio, o termo referia-se aos estudos evolucionistas de Richard Dawkins

(2007), para quem o meme é considerado como uma unidade de informação que se

multiplica de cérebro em cérebro ou entre locais onde a informação é armazenada.

Quanto à sua funcionalidade, é considerado uma unidade de evolução cultural que pode

de alguma forma autopropagar-se. Para o autor:

Exemplos de memes são idéias, melodias, slogans, as modas do

vestuário, as maneiras de fazer potes ou de construir arcos. Tal como o

gene se propaga no pool gênico saltando de corpo para corpo, através

dos espermatozóides ou dos óvulos, os memes também se propagam

no pool dos memes saltando de cérebro para cérebro. (DAWKINS,

2007, p. 330)

Podem, portanto, ser ideias ou partes de ideias, sons, desenhos, capacidades,

valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser culturalmente

transmitida. Para Blackmore (2002, s/p):

[o meme] é elemento de uma cultura que pode considerar-se

transmitido por meios não genéticos, em particular através da

imitação. Tudo o que se possa ter aprendido copiando de alguém é um

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meme; cada palavra na língua, cada modo de dizer. Cada história que

se tenha ouvido, cada canção que se conhece é um meme.

Assim, com o advento das novas tecnologias da comunicação e da informação,

os memes transformaram-se em um gênero discursivo marcante e cotidiano na vida de

todos que utilizam as redes sociais. Para o presente estudo, recortamos um meme que

circula na internet, os quais consideramos como um gênero de discurso por conter os

elementos constitutivos de um gênero, na perspectiva de Bakhtin (1997, p. 279):

O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada

uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu

estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua —

recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e

sobretudo, por sua construção composicional. [...]. Cada esfera de

utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de

enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (grifos

do autor)

Temos, portanto, que os memes estão inseridos no interior de práticas discursivas

de interação humana, possuem conteúdo temático: no caso em tela, o papel da mulher

na sociedade; possuem estilo (os enunciados curtos, escolha da personagem

representativa para o desenvolvimento do argumento irônico); circulam na forma

composicional de enunciados verbais sobrepostos a imagens com fotografias, desenhos,

figuras, cujos suportes podem ser o whatsapp, blogs, sites, twitter, instagram etc. ou

podem ser publicados, ainda, na timeline do facebook de alguém e compartilhado em

outras timelines e/ou grupos. Certamente, existem variados conteúdos, estilos e

construções composicionais dos memes, por isso mesmo que são tipos ―relativamente

estáveis‖ de enunciados, e não sempre idênticos a si próprios, sendo, no entanto,

possível, de se admitir regularidades a ponto de aceitá-los como gênero.

O meme que analisamos em seguida, é um exemplo de gênero multimodal

porque combina duas modalidades semióticas: verbal e imagética. Circulou nas redes

sociais, dentre outros da mesma ―série‖, por ocasião das comemorações do Dia

Internacional da Mulher do ano de 2017:

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62

Fonte: Facebook

Se considerarmos os textos isoladamente, temos uma foto clássica de uma

mulher destacada no campo da literatura associada ao enunciado: ―Clarice Lispector

atenta ao orçamento doméstico‖, a princípio, poderiam fazer sentido no interior de uma

formação discursiva sexista, produtora de discursos que imputam ao gênero feminino o

espaço doméstico. Desta forma, para se ter acesso aos sentidos outros produzidos pelo

texto, é necessário recuperar os dizeres aos quais o texto se refere, apelando tanto para

os aspectos linguístico-visuais presentes do texto, como um acontecimento discursivo,

quanto para a memória discursiva.

O nome próprio, por exemplo, ativa um halo de significações, elementos pré-

construídos da memória discursiva do leitor. Clarice Lispector foi escritora, jornalista,

tradutora, contista e ensaísta, nascida na Ucrânia e radicada no Brasil. Uma das figuras

mais influentes do Modernismo e da literatura brasileira, sendo considerada uma das

principais influências de várias gerações de escritores (as). É incluída pela crítica

especializada entre os principais autores brasileiros do século XX. No total, a obra de

Clarice Lispector recebeu mais de 200 traduções para mais de 10 idiomas, do tcheco

ao japonês, sendo mais de 180 traduções integrais de livros e 25 de contos publicados

em periódicos. Seus livros mais traduzidos são os romances: A hora da estrela, A

paixão segundo G. H., Perto do coração selvagem, Laços de família e Uma

aprendizagem ou o livro dos prazeres.

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Considerando, então, tais elementos, qual seria, pois, o efeito de sentido das

expressões verbais: ―Clarice Lispector atenta ao orçamento doméstico‖ associadas à

imagem de Clarice escrevendo? O efeito de sentido lúdico-crítico, que nos chega por

meio do recurso da ironia. A ironia é uma figura retórica que consiste em produzir

sentidos contrários ao que está sendo enunciado. Para Garcia (2003, p. 136):

Conceber a ironia como discurso irônico significa enxergá-lo como

acontecimento discursivo, como um processo peculiar de

ressignificação cujo espaço material é o interdiscurso e cuja

especificidade discursiva, material, constitui-se no intradiscurso

simultaneamente pelos componentes lúdico e crítico.

Tal efeito de sentido nos é indicado pela hashtag (#) Fora Temer, indicado pelo

sinal gráfico # (cerquilha), conhecido popularmente no Brasil por "jogo da velha" ou

"quadrado". A hashtag é utilizada para categorizar os conteúdos publicados nas

redes sociais, os quais ficam disponíveis para qualquer pessoa que acesse a mesma

hashtag sobre o assunto, permitindo-a comentar, compartilhar ou curtir o conteúdo. Na

rede, as hashtags transformam-se em hiperlinks, indexáveis pelos mecanismos de busca.

Tais memes com a hashtag Fora Temer dialogam, portanto, ironicamente, com o

discurso proferido pelo então presidente da República Michel Temer, em 08/03/2017:

[...] De modo que, ao longo do tempo as senhoras, as mulheres, deram

uma colaboração extraordinária ao nosso sistema. E hoje, como as

mulheres participam em intensamente de todos os debates, eu vou até

tomar a liberdade de dizer que na economia também, a mulher tem

uma grande participação. Ninguém mais é capaz de indicar os

desajustes, por exemplo, de preços em supermercados do que a

mulher. Ninguém é capaz de melhor detectar as eventuais flutuações

econômicas do que a mulher, pelo orçamento doméstico maior ou

menor. (PLANALTO, 2017)

O discurso do meme constitui-se, portanto, como uma réplica, um contra-

discurso ao discurso do presidente. Somente colocando-os em relação é que se pode

perceber o efeito de sentido da ironia do meme. O discurso presente nesse texto busca

desconstruir o argumento do presidente de que a ―colaboração extraordinária‖ das

mulheres à economia e ao ―nosso sistema‖ encontrar-se-ia no âmbito da economia

doméstica.

O discurso dos memes faz falar, por meio da crítica irônica, cujo efeito é o do

humor, os silêncios do discurso do presidente. Todo discurso é ―autoritário‖ porque

tende à univocidade, à homogeneidade, a apagar o que poderia ter sido dito. O silêncio é

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constitutivo da linguagem e também operador de discurso. Segundo Orlandi (1997, p.

71):

O silêncio não está apenas ‗entre‘ as palavras. Ele as atravessa.

Acontecimento essencial da significação, ele é matéria significante

por excelência. [...]. É, assim, a 'respiração' (o fôlego) da significação;

um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o

sentido faça sentido.

Tal discurso, do então presidente, esteve, portanto, permeado por não-ditos,

retomados de forma irônica pelo discurso dos memes. Esta fala do presidente foi

amplamente criticada na imprensa e nas redes sociais por proferir dizeres, que, na

contramão dos discursos atuais que destacam o papel da mulher em diversas áreas

profissionais: científica, política, artística, além dos discursos dos movimentos sociais

de mulheres que focam na conquista de mais direitos, o foco do discurso presidencial

recaiu sobre os supostos atributos domésticos do gênero feminino.

Assim, de acordo com o discurso do presidente, ironizado pelo discurso do

meme, a expressão ―Clarice Lispector atenta ao orçamento doméstico‖ seguidas da

respectiva foto, poderíamos, como leitores, inferir e acrescentar outro enunciado

bastante popular e bem difundido nas redes sociais: ―só que não‖.

A partir, portanto, de tal análise, dentre muitas outras possibilidades, podemos

perceber em um meme de internet a quantidade de dizeres, de não-ditos, de interditos,

de elementos sócio-histórico-ideológicos presentes, os quais podem ser discutidos nas

salas de aula, demonstrando como os discursos circulam na nossa sociedade e estão

presentes em diversos suportes e em diversas modalidades semióticas.

Considerações Finais

A cultura não é só ―letrada‖, no sentido etimológico, como ―letra‖, como escrita.

Contemporaneamente, é multimodal, multissemiótica. Nesse sentido, é necessário

ampliar o rol de ―coisas a ler‖, bem como ampliar o significado de letramento, de

leitura, de língua. A clássica definição do mestre Saussure de que a língua é um

conjunto de signos verbais há muito está superada. A língua é um conjunto de signos

verbo-voco-visuais, gestuais, discursivos. A propósito da concepção idealista de leitura

que sedimenta as nossas práticas escolares, esta também precisa ser superada. Ler um

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texto buscando o que o autor quis dizer ou estava pensando ou sentido não nos conduz a

situações minimamente realistas de interação com um texto. Mais produtivo é buscar a

historicidade, fazer as relações do que o que está dito/mostrado com o que não foi dito,

com o que poderia ter sido dito/expresso, ou dito/expresso de outra forma.

Na perspectiva da leitura discursiva de um texto, necessário se faz recuperar os

implícitos, os discursos outros, os discursos dos ―outros‖ posto que é nesse processo

interdiscursivo e intersemiótico que os textos fazem sentido(s).

Certamente, não podemos discutir todos esses elementos, com toda essa

terminologia em todas as séries escolares, mas, dispondo o professor dos meios, das

bases, é possível orientar para as múltiplas possibilidades de leitura, para os múltiplos

possíveis sentidos dos textos, de forma a aumentar o repertório dos alunos,

considerando a variedade de gêneros do discurso que circulam nas várias esferas da

sociedade, na perspectiva também do multiculturalismo, seguindo as diretrizes das

Orientações Curriculares para o Ensino Médio para a área de Linguagens, Códigos e

suas Tecnologias e mais especificamente para o ensino da Língua Portuguesa Brasileira.

Assim, para (não) finalizar, remetemo-nos ao título deste escrito para parodiar

Caetano Veloso que já parodiou Castro Alves, Jair Rodrigues e mais diversos outros

autores em sua antológica canção Língua: livros, vídeos, links, memes à mancheia,

deixe que digam, que pensem, que falem, que escrevam, que postem, que cliquem, que

pensem, que falem...

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CAPÍTULO V

POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES PARA A (RE)SIGNIFICAÇÃO E

(RE)CONSTRUÇÃO DE CRENÇAS DO E NO COMPLEXO PROCESSO DE

ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ADICIONAIS

Fábio Marques de SOUZA

A cultura de aprender e ensinar uma língua adicional baseia-se em teorias

implícitas que são compostas por fatores como crenças, motivações, memórias,

intuições e imagens, dentre outros. Dessa forma, as concepções dos agentes envolvidos

na operação global do ensino de línguas exercem profunda influência em todo o

processo, já que cada indivíduo, permeado por seu contexto sócio-histórico-discursivo,

constitui-se por suas crenças que embasam as atitudes que norteiam seu comportamento

em face do complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas (ALMEIDA FILHO,

1993).

Dessa forma, nosso trajeto, neste capítulo§, inicia-se com a apresentação da

definição de crenças que adotamos, logo após, discute, principalmente a partir de

Barcelos (2007), a mudança de crenças de alunos e professores envolvidos no complexo

processo de aprender e ensinar línguas pela lente teórica da Linguística Aplicada

(In)disciplinar. Apresenta, então, um relato de experiência prática que realizamos em

nossa pesquisa de doutorado (SOUZA, 2014). Encerrando o percurso, uma pequena

reflexão sobre a natureza das possibilidades do trabalho com mudança de crenças,

mesmo quando essa mudança não ocorre.

Neste capítulo, todas as vezes em que adjetivamos o processo de ensino-aprendizagem como complexo,

não nos referimos a um vocábulo que representa a mera oposição ―simples‖ versus ―complexo‖. Fazemo-

nos filiados à teoria da complexidade de Edgar Morin. Para o filósofo, a complexidade, do latim

complexus, vem a representar aquilo que é tecido em conjunto, como fruto ―de constituintes heterogêneos

inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. (...) A complexidade é

efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que

constituem o nosso mundo fenomenal‖ (MORIN, 1991, p. 17). Dessa forma, é inevitável que a

complexidade se apresente ―com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da

ambiguidade, da incerteza‖ (p. 18). Utilizaremos, ao longo deste livro, o termo ―adicionais‖, e não ―estrangeiras‖, ao nos referirmos às

línguas não maternas porque consideramos que o termo ―estrangeiro‖ tem conotações que remetem ao

que é alheio, diferente, oposto. Compartilhando da citação de Almeida Filho (1993) de que aprender

Língua Estrangeira ―é crescer numa matriz de relações interativas na língua-alvo que gradualmente se

desestrangeiriza para quem a aprende (p. 15)‖ e, tendo em vista que a língua, para ser aprendida precisa

se desestrangeirizar num complexo contínuo, julgamos mais adequado nomeá-la como uma língua

adicional, e não estrangeira. Agradecemos a Rosana Rogeri e José Veranildo Lopes da Costa Júnior pela valiosa ajuda na revisão

linguística do presente texto e pelas relevantes sugestões de redação. §Recorte da tese de doutoramento em Educação/USP.

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Definição de crenças e reflexão sobre as possibilidades de mudança

Em relação à concepção de crenças que subsidiará as reflexões que serão tecidas

ao longo desse texto, acreditamos não ser necessário cunhar uma nova definição para o

termo, em meio a tantas outras já existentes na prolífica literatura acerca das crenças

que permeiam o complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas e, por conta

disso, compartilharemos da definição de Barcelos (2006), já que corrobora com o

sentido que temos adotado para as nossas pesquisas:

[As crenças são] uma forma de pensamento, como construções da

realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos,

coconstruídas em nossas experiências e resultantes de um processo de

interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas

também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais (p.18).

São poucos os estudos, em contexto brasileiro, dedicados a colaborar na

construção de conhecimentos a respeito das condições e dos fatores que atuam na

mudança de crenças de alunos e professores de línguas adicionais. Além do trabalho de

Barcelos (2007), que é a nossa base, tivemos contato com as pesquisas de Blatyta

(1999), Araújo (2004), Kudiess (2005), Pessoa & Sebba (2006) e Souza (2014).

Estamos diante de um tema complexo que merece atenção e pode, em alguma medida,

contribuir não apenas com o desenvolvimento de teorias acerca da mudança de crenças

de professores e aprendizes de línguas adicionais, mas sobretudo enriquecer o leque de

possibilidades para melhorar o ensino de línguas adicionais no contexto brasileiro.

A importância de se saber sobre mudança está relacionada ao próprio

contexto educacional. Afinal de contas, educar é provocar mudanças

ou criar condições para que elas aconteçam, sempre partindo de um

lugar que, no caso, são nossas crenças a respeito do mundo que nos

cerca (BARCELOS, 2007, p. 110).

Ao traçar uma revisão a respeito das características das crenças, a autora

apresenta a visão das crenças como uma estrutura mental, pronta e fixa já ultrapassadas

e argumenta que, na abordagem contextual4, estudos apontam a possibilidade de

modificação, desenvolvimento e ressignificação de crenças ―à medida que interagimos e

4 Barcelos (2001) apresenta as características, vantagens, e desvantagens das três abordagens (normativa,

metacognitiva e contextual) para o estudo das crenças. Um quadro-resumo pode, também, ser consultado

em Souza (2014, p. 43).

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modificamos nossas experiências e somos, ao mesmo tempo, modificados por elas‖ (p.

114).

A pesquisadora busca compreender mudanças relacionando este termo a vários

sentimentos como dúvida, incerteza, ambiguidade, caos e lança mão das propostas de

outros autores para traçar as seguintes considerações relevantes a respeito da mudança:

i) nem sempre significa alteração na ação, mas sim, na consciência do que se faz; ii)

pode não ser uma maneira diferente de ensinar ou aprender, mas de pensar a respeito de

como se ensina ou se aprende; iii) é um processo lento, demanda tempo e é resultado de

um processo de reflexão que inclui novas formas de pensar e compreender nossas ações.

Compartilharemos, neste texto, da visão de mudança apresentada por Barcelos

(2007) a partir das reflexões de Simão et. al. (2005): um processo complexo, interativo

e de múltiplas dimensões, que pressupõe a interação entre fatores pessoais e contextuais,

intrinsecamente ligados à aprendizagem e ao desenvolvimento, incluindo mudanças ao

nível das crenças e das práticas e a articulação entre ambas.

Borg (2006), ao apresentar o esquema com os elementos e processos na

cognição de professores, destacou a importância dos fatores contextuais no sistema. No

que se refere à mudança de crenças não seria diferente, nossa atuação é feita via

interação em contextos sociais e permeada por nossas crenças. Dessa forma, somos

sempre influenciados por fatores contextuais.

A partir do trabalho de Rokeach (1968), que busca representar a metáfora de um

átomo para comparar com a estrutura das crenças, as imagens 1 e 2, de Barcelos (2007),

apresentam as crenças como dotadas de uma estrutura complexa, formada por sistemas

e teias. Na imagem 1 podemos observar que as crenças se organizam em centrais e

periféricas.

Imagem 1: Representação da estrutura das crenças como crenças centrais e periféricas a partir da metáfora

do átomo de Rokeach (1968).

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Fonte: Barcelos (2007, p. 118).

Nesta perspectiva, as crenças mais centrais são mais resistentes à mudança e

possuem quatro características, esquematizadas na imagem 2:

(a) são mais interconectadas com outras e, por esse motivo, se

comunicam mais entre si e, dessa forma, trazem mais consequências

para outras crenças; (b) estão mais relacionadas com a identidade e

com o ‗eu‘ do indivíduo; (c) são compartilhadas com outros; e (d)

derivam de nossa experiência direta (―ver para crer‖) (BARCELOS,

2007, p. 117).

Imagem 2: Detalhamento da estrutura central das crenças.

Fonte: Barcelos (2007, p. 118).

É consenso entre diversos pesquisadores que a própria natureza das crenças é um

dos elementos que torna a mudança mais difícil e complexa:

Quanto mais centrais as crenças (ou seja, incorporadas mais cedo,

mais relacionadas com nossa emoção e identidade, e mais inter-

relacionadas com as outras crenças), mais difícil mudá-las porque uma

mudança (adição ou abandono de uma crença) implicaria uma

mudança em todo o sistema, conforme afirmado por Rokeach (1968) e

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Woods (1996). De acordo com Woods, a mudança de uma crença

torna-se difícil então, pois, como estão interconectadas umas às outras,

é preciso que haja uma desconstrução de algumas crenças para que

outras possam ser incorporadas (BARCELOS, 2007, p. 118).

Pajares (1992) cita Posner et al. (1982) para refletir a respeito da substituição de

uma crença. Os autores argumentam que a insatisfação com determinada crença

existente é o pontapé inicial para que ela seja substituída por outra. Para que a troca

ocorra, a nova crença deve ser inteligível, plausível e consistente com as demais que

compõem o sistema de crenças do indivíduo.

A partir do que foi apresentado, Barcelos (2007) recomenda, nos processos

investigativos da alteração de crenças, a observação, análise e descrição o mais

detalhada possível de como crenças e ações se inter-relacionam em determinado

contexto. Ao apresentar as condições para se mudar as crenças, a autora retoma a

sugestão de Borg (2003) a respeito da importância de que a relação entre mudança

cognitiva e comportamental e o mapeamento da mudança no processo de cognição dos

professores seja objeto de estudo.

Blatyta (1999), a partir da operação global do ensino de línguas de Almeida

Filho (1993) sugere a substituição do termo ―ruptura‖ por ―ressignificações‖ buscando

definir a maneira como as mudanças ocorrem, de forma lenta e processualmente, como

fruto de uma relação dialógica. Pessoa & Sebba (2006) propõem que as metamorfoses

nas crenças e ações não ocorrem com facilidade e alertam para o fato de estarmos diante

de um processo gradual. As autoras destacam a importância de se promover

oportunidades de interação e de explicitação das crenças, bem como favorecer o

caminho da reflexão na e sobre a prática de forma a contribuir para a mudança:

Mudar é difícil, mas é preciso. O professor não muda da noite para o

dia, com pacotes de formação prontos. Ele muda procedimentos

simples – a aula é feita deles – para alterar suas teorias mais simples e

elas irem convencendo-o, aos poucos, de que sua filosofia de ensino

deve mudar para obter resultados de aprendizagem mais eficazes. Não

parece haver mágica no caminho do desenvolvimento profissional de

professores (p. 62).

A partir da revisão dos trabalhos de Araújo (2004), Pessoa & Sebba (2006) e

Blatyta (1999), Barcelos (2007) relaciona, respectivamente, movimentos de

reconstrução, mobilização de teorias pessoais e relação dialógica, de forma a apresentar

que ―a mudança das crenças de professores é um processo dinâmico que envolve idas e

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vindas, reconstrução e reavaliação‖ (p. 124). Na seção seguinte, apresentamos o estudo

de caso de nossa tese de doutorado.

A análise e possível (re)construção de crenças mediada pelo cinema

No sentido de compreender a mudança de crenças com a dinamicidade

apresentada na seção anterior, nossa pesquisa (SOUZA, 2014) buscou possibilitar vários

momentos para que a reflexão e a explicitação de crenças fossem a mola propulsora

para a ressignificação ou mudança. Nossa tese teve como escopo analisar as crenças de

professores de espanhol-língua adicional (E-LA) em formação inicial, no que diz

respeito ao processo de aprendizagem da língua adicional e ao tratamento unidade e

diversidade linguística experimentada pelo espanhol no contexto do ensino desta língua

para brasileiros; todas essas reflexões mediadas pelo cinema.

Guiamo-nos pela pergunta de pesquisa: se e como se transformavam, com a

mediação do cinema, as crenças de professores de espanhol em formação inicial acerca

do processo de aprendizagem da língua adicional, e do tratamento da unidade e

diversidade linguística, no ensino de espanhol-língua adicional para brasileiros? Tratou-

se de uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico que se iniciou com a compreensão

panorâmica do nosso contexto e, a partir de um grupo focal, traçou um levantamento

das crenças dos participantes antes, durante e depois das oportunidades de reflexão

propiciadas ao longo do semestre 2013.2, de forma a compreender, no processo, como

elas se transformavam ou não por meio das atividades de reflexão propostas.

Orientamo-nos em Woods (2003) na condução de nossas ações e, a partir da

utilização do cinema como artefato semiótico mediador, buscamos: i) explicitar as

crenças para análise, inspeção e reflexão; ii) promover situações contextualizadas para

que os alunos participantes se engajassem na confrontação e ressignificação de seus

sistemas de crenças; (iii) buscar proporcionar experiências diferenciadas com o apoio da

sétima arte, sempre explicando os objetivos de cada sequência didática.

Kudiess (2005) afirma que o professor tende a manter as crenças que obteve

como aluno de LA, ao passo que aquelas adquiridas na sua prática, ou em cursos de

formação continuada, são menos resistentes à mudança. Neste horizonte, um ponto

positivo de nossa pesquisa foi proporcionar reflexões com o objetivo de propiciar a

potencialização da compreensão do processo no qual estão envolvidos os participantes

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durante a graduação, de forma a construir e/ou (re)construir ou (re)significar crenças

favoráveis ao próprio processo de aprender/ensinar uma língua adicional.

Não é possível fazer grandes afirmações sobre como as crenças

evoluem, mas o que se percebe é que estas, sempre que em contato

com novas experiências, passam por um processo de

―amadurecimento‖, seja através dos questionamentos dos professores,

reflexões, conflitos, dúvidas ou simplesmente pela assimilação de

novos conhecimentos, informações e aprendizagens, podendo vir a se

transformar em outras crenças (sofrem mudanças) ou acomodar novas

informações, fazendo com que os professores adaptem as suas crenças

a uma situação específica (KUDIESS, 2005, p. 79).

Nas atividades propostas em nossa pesquisa (SOUZA, 2014), tivemos a

interação e a reflexão como molas propulsoras de possíveis mudanças e

ressignificações, num processo contínuo de avaliação e reflexão na e sobre a ação,

encorajando a conscientização a respeito das crenças dos participantes, mediadas pelo

cinema e à luz da teoria especializada, de forma a tornar as crenças explícitas à

autoanálise e possíveis (re)construções ou (re)significações.

Em relação ao conceito de mudança de crenças, após consistente reflexão e

revisão bibliográfica, Barcelos (2007) conclui que:

é importante lembrar que (...) ela pode se dar em duas acepções: (a)

uma consciência do que se faz, seguida de uma ressignificação ou

reafirmação da crença e da prática atual. Nesse caso, a mudança não

necessariamente significa sempre fazer algo novo ou diferente, mas

envolver-se na reflexão e conscientização de como compreendemos o

que fazemos; e (b) acomodação da crença e mudança de

comportamento ou da ação (p. 129).

Como explicitado na segunda seção, a mudança é um processo complexo e

multidimensional que demanda tempo e depende das percepções de todos os envolvidos

no complexo processo de ensinar e aprender línguas. Assim, a autora destaca que

compreender o processo dinâmico e multidimensional da mudança demanda ―um

conhecimento a respeito da própria estrutura cognitiva e social das crenças. As crenças

mais centrais, que são baseadas em nossa experiência anterior, mostram forte relação

com nossa identidade e nossas emoções‖ (p. 130).

A sala de aula torna-se um local privilegiado, na perspectiva sociocultural, não

somente como ambiente adequado para aprender e ensinar línguas, inclusive ―para se

aprender a pensar sobre a aprendizagem ou sobre fatores desse processo, como as

crenças, os estilos e as estratégias de aprendizagem e suas mudanças‖ (p. 131). As

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atividades, neste contexto, podem propiciar oportunidades para conscientização a

respeito do que os envolvidos creem a respeito da linguagem e do aprendizado, bem

como as consequências destas concepções para o seu desempenho, sua identidade e suas

escolhas como aprendiz e professor.

O mundo é heterogêneo por natureza e, no nosso contexto, não seria diferente.

Como pode ser observado em Souza (2014), as pessoas são diferentes e percebem o

mundo de maneiras distintas. Dessa forma, a massa heterogênea é a liga social

necessária para que uns acelerem o desenvolvimento dos outros. Dito de outra maneira,

é importante que os cursos de formação inicial e continuada de professores, bem como

as escolas, promovam equipes multidisciplinares de ensino com professores e alunos

com crenças distintas e em diferentes estágios de desenvolvimento, proporcionando a

constituição de comunidades de aprendizagem heterogêneas em que um atue como

mediador mais capaz, auxiliando e potencializando o desenvolvimento do outro.

Pudemos observar que o processo de reflexão das nossas participantes foi

carregado de dúvidas, idas e voltas. Parece haver um conflito constante entre as crenças

arraigadas e os novos olhares propiciados com a mediação do cinema, o que nos leva a

perceber que estamos diante de um processo bastante complexo. Buscamos estimular

nossas participantes a refletir a respeito das concepções de linguagem, língua, língua

estrangeira e ensino-aprendizagem de línguas, bem como o papel do cinema neste

processo de forma a promover uma formação inicial voltada para o desenvolvimento

das competências do professor.

Quanto à nossa pergunta de pesquisa, os resultados da investigação mostraram

que as pessoas reagem de maneira diferente aos diferentes estímulos para reflexão,

(re)significação e (re)construção de crenças e, portanto, estamos diante de um processo

complexo e de evolução gradativa. O cinema possibilitou, na maioria das

oportunidades, a expansão do olhar e do sentir.

Dessa forma, a reflexão mediada pelo cinema, pelo diálogo, pelo intercâmbio e

pela negociação de sentidos entre os envolvidos deve ser incentivada e praticada.

Estamos diante da construção de um processo ativo, dinâmico, instável, possibilitador

de possíveis ressignificações e reconstruções. Lançamos as sementes ao solo e regamos.

Sabemos que as condições estão favoráveis a potencial (re)significação e (re)construção

de crenças, que podem ocorrer de forma lenta e processual ao longo de futuras

experiências e práticas, na medida do possível, mediadas pelo cinema.

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No grupo focal, contamos com três participantes, todas alunas do curso de

Letras-Espanhol de uma universidade pública do Cariri Ocidental paraibano. Não

podemos afirmar até que ponto as crenças de Lourdes Maria e Isabelly foram,

realmente, (re)construídas e proporcionaram ou proporcionarão mudanças em suas

ações, mas temos indícios e acreditamos que as atividades proporcionadas ao longo de

2013.2 contribuíram positivamente nesse sentido e possibilitaram às participantes ter

novos olhares para os temas trabalhados. Elas se engajaram em um processo de reflexão

e ressignificação de suas crenças. Essas participantes demonstraram maior prontidão

conceitual para mudança, já Ana Cecília se mostrou mais resistente e impermeável ao

conteúdo trabalhado o que não impede que sementes tenham sido plantadas em sua

mente e germinem no futuro, já que a relação entre conscientização oportunizada por

conceitos científicos e a transformação de conceitos cotidianos não é linear, do tipo

estímulo-resposta.

Possíveis contribuições do desenvolvimento crítico-reflexivo

Encerrando nosso trajeto em direção à reflexão sobre a mudança nas crenças de

aprendizes/professores de língua adicional, faz-se necessário reconhecer que uma

participante dotada reflexivamente de conceitos científicos pode até não mudar seus

conceitos relacionados à forma como aprende e ensina determinada língua adicional

bem como o tratamento que dá à variação linguística experimentada pelo idioma,

porém, terá condições de saber os motivos de agir da forma como age e de obter, como

consequência, os resultados que obtém.

Dito de outra maneira, parafraseando Blatyta (1999), nossas participantes podem

até optar por uma mesma solução já anteriormente adotada, escolher não mudar diante

das alternativas e visões apresentadas, mas, a partir de uma compreensão crítica, suas

decisões serão por opção e não por falta de alternativas.

A experiência reforçou nossa tese de que o cinema pode contribuir

significativamente na formação inicial de professores de espanhol língua-adicional

promovendo a conscientização linguística a respeito de como se adquire/aprende a

língua, bem como possibilitando o trabalho com a variação linguística no ensino deste

Os perfis de Lourdes Maria, Isabelly e Ana Cecícila podem ser encontrados, respectivamente, a partir

das páginas 246, 229 e 216 de Souza (2014). Os nomes são fictícios e foram escolhidos pelas participantes.

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idioma para brasileiros a partir do cinema, considerado – conforme a perspectiva

sociocultural que adotamos – como artefato cultural, ferramenta de mediação simbólica

potencializadora do desenvolvimento humano.

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79

CAPÍTULO VI

PLANOS DE CURSO DE LETRAS: UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES DE

ENSINO DA ESCRITA DE GÊNEROS ACADÊMICOS1

Hermano Aroldo Gois OLIVEIRA

Francisco Vieira da SILVA

Introdução

Estudantes universitários, ao ingressarem no ensino superior, deparam-se com

uma prática de escrita com a qual não estão familiarizados e, por vezes, são mal

interpretados pelos professores que, em alguns casos, atribuem a falta do domínio da

prática de escritura ao não atendimento à esfera acadêmica (OLIVEIRA, 2016).

Além dessa realidade, no ensino superior, há um consenso de que os alunos

recém-ingressos já sabem certas convenções de escrita, haja vista os doze anos de

escolarização, o que dispensaria o professor universitário de ensinar a esses sujeitos a

escrever (FIAD, 2011). E quando são ensinadas, realiza-se a partir da produção de

gêneros (discursivos/textuais) acadêmicos em que se privilegiam, especificamente, os

aspectos composicionais e os movimentos retóricos (BIASI-RODRIGUES, 1998;

MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010).

No entanto, essas orientações não são suficientes para que se alcancem

resultados esperados. Segundo Fiad (2011.), é preciso que essas orientações sejam mais

situadas ao contexto dos universitários, a fim de que certas convenções de escrita sejam

inseridas em suas práticas acadêmicas, tais como os significados que determinada

prática de letramento tem nesse domínio, o que está envolvido quando um estudante é

solicitado a elaborar justificativas e argumentação de acordo com as convenções de

escrita típica da academia, entre outros fatores, conforme discute a autora.

Essas constatações se intensificam quando direcionamos a nossa atenção para os

cursos de formação inicial, especificamente, nos cursos de Licenciatura em Letras,

espaço no qual se espera um significativo trabalho com a produção escrita e que deveria

1 Este texto apresenta uma versão adaptada do trabalho monográfico, intitulado Concepções de escrita acadêmica em

Planos de Curso de Letras (2017), elaborado pelo primeiro autor, sob orientação do segundo autor, no curso de Pós-

Graduação Lato Sensu em Ciências da Linguagem com Ênfase no Ensino de Língua Portuguesa (CLELP/UFPB).

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se dedicar as dificuldades de escritura, a julgar pelo objeto de estudo/ensino – a

língua(gem).

É nos cursos de Letras que, supostamente, proporciona uma proficiência em

textos escritos frente às demandas de qualificação profissional, uma vez que prepara o

acadêmico para trabalhar com a escrita no ensino de língua materna, que propõe a

relação entre a reflexão teórica e a aplicação prática, mas, também, que encaminha

situações de produções as quais exigem do produtor habilidades para se inserir nas

práticas acadêmicas. Todavia, recentes pesquisas da área mostram que nem sempre foi

assim (HOFFNAGEL, 2010; MENEGASSI; OHUSCHI, 2007; VITÓRIA;

CHRISTOFOLI, 2013).

Não por acaso, como forma de contribuir com o acesso ao letramento

acadêmico, encontramos, de um lado, a presença de componentes, no currículo

universitário, voltados, exclusivamente, para as formas em que os gêneros ―devem‖ se

apresentar ou para a configuração de normas técnicas (HOFFNAGEL, 2010). E, de

outro lado, variado material didático – atual e reeditado – com vista a orientar como

ensinar, mas, também, aprender conceitual e estruturalmente a redação de gêneros

textuais próprias do ensino superior. Esse acervo revela a preocupação de estudiosos

com essa matéria que não é nova2.

Sendo assim, diante dessa realidade, este capítulo se propõe a apresentar

reflexões em torno da questão: que concepções de ensino de gêneros acadêmicos são

sugeridas em planos com foco na produção textual em curso de Letras/Português? Com

o propósito de respondê-la, temos como objetivo geral estudar as concepções sugeridas

a partir dos planos coletados para a análise. Para tal, pretendemos identificar e analisar

as crenças, bem como discutir como estas podem interferir no ensino de escrita no curso

em questão.

Nesse sentido, a fim de dar conta da questão de pesquisa e dos objetivos, o

presente texto encontra-se dividido em cinco tópicos, além desta introdução, na qual,

2 A exemplo, o clássico Comunicação em prosa moderna (1969) de Othon Moacyr Garcia; ou os atuais,

resgatados por Ferreira (2014) e Oliveira (2016), como a coleção Leitura e Produção de Textos Técnicos

e Acadêmicos (2007), coordenada por Anna Rachel Machado, composta por quatro volumes; a obra

Produção Textual na Universidade (2010), de Désirée Motta-Roth e Graciela Rabuske Hendges; e os

mais recentes livros Professora, como é que se faz? (2012), organizado por Elizabeth Maria da Silva e

Ateliê de Gêneros Acadêmicos: didatização e construção de saberes (2014), organizado por Regina Celi

Mendes Pereira; Como escrever e ilustrar um artigo científico (2017), de Björn Gustavii; além, claro, de

manuais de metodologia científica (LAKATOS; MARCONI, 1992; SEVERINO, 2007).

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81

brevemente, situamos o contexto do tema investigado no cenário brasileiro. O segundo

referente à fundamentação teórica, na qual discutimos acerca dos estudos linguísticos

que tematizam a escrita em contexto acadêmico pelos quais traçamos a fim de

compreender e analisar o corpus. O terceiro tópico dedicado aos procedimentos

metodológicos, no qual caracterizamos a natureza e tipo da pesquisa que originou este

capítulo, bem como apresentamos o contexto de coleta de dados. O quarto e o quinto,

concernentes à análise de dados, identificamos e analisamos as categorias

sistematizadas a partir da leitura do corpus. Por fim, apresentamos as conclusões a que

chegamos.

Ensino/aprendizagem de escrita acadêmica: prática social particularizada

Defendemos, neste estudo, a concepção de linguagem enquanto forma de ação

entre os sujeitos, atrelada a uma determinada comunidade discursiva, por meio de

gêneros textuais (SWALES 1990 apud HEMAIS; BIASI-RODRIGUES, 2005). Assim,

os gêneros, nessa perspectiva analítica, constituem-se como ferramenta produtiva para o

estudo da escrita. Isso porque, segundo Miller (2012), para que haja concretização de

um gênero como ação social, é necessária a realização da situação e do motivo, tendo

em vista que ―a ação humana, seja simbólica ou não, só é interpretável num contexto de

situação e através da atribuição de motivos‖ (MILLER, 2012, p. 23).

Desse modo, segundo a autora, situações são vistas como

construtos sociais que resultam, não da ―percepção‖, mas de

―definição‖. Uma vez que a ação humana é baseada em (e guiada por)

sentido e não em causas materiais, no centro da ação encontra-se um

processo de interpretação. Antes de podermos agir precisamos

interpretar o ambiente material indeterminado; definimos ou

―determinamos‖, uma situação. (MILLER, 2012, p. 29. Grifos da

autora).

Com isto, entendemos que a situação representa a construção social e, assim

sendo, não material e nem objetiva, uma vez que necessita de uma interpretação para ser

reconhecida. Neste sentido, para a escrita acadêmica, a situação seria como recorrências

de práticas de produção textual, as quais podem ser identificadas por meio de

comparações, analogias ou similaridades entre situações já determinadas pelo sujeito

praticante.

Por sua vez, o motivo, ainda de acordo com a autora, existe em dependência da

exigência da situação em que o gênero será produzido e é definido como ―produtos

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distintivamente lingüísticos‖ (2012, p. 31). Além disso, Miller (2012) assegura que o

motivo é o que faz compreender a exigência, vista como ―um conjunto de padrões e

expectativas sociais particulares que fornece motivo socialmente objetificado‖

(MILLER, 2012, p.32).

Sendo assim, diante das definições postas pela autora, sobre situação e motivo,

fica fácil compreender a definição assumida por ela acerca de gênero, qual seja a de

―ações retóricas tipificadas fundadas em situações recorrentes‖ (MILLER, 2012, p. 32).

Nessa perspectiva, como já exposto anteriormente, os gêneros são realizáveis em

contextos situacionais e são interpretáveis por regras da situação de recorrência –

tipificados –, embora não sejam estáveis, fixos, visto que são organizados de acordo

com as necessidades de cada contexto social no qual estejam inseridos.

O trabalho desenvolvido por Miller (1984, apud MILLER, 2012) tem ecoado em

outras pesquisas, tais como as desenvolvidas por Swales (1990) e Bazerman (2011). Só

para ilustrar, este último autor (2011) defende uma concepção de gênero que

compartilha o entendimento da escrita enquanto ação social. O pesquisador afirma que

os textos organizam atividades sociais estruturadas e que são influenciados uns pelos

outros.

De acordo com Bazerman (2011), a escrita se constitui pelo o que ele denomina

de fatos sociais que, por sua vez, é o modo como os sujeitos percebem as situações e,

por assim dizer, como configuram o gênero. Isso ocorre porque os sujeitos envolvidos

inserem-se em diferentes comunidades discursivas (SILVA, 2012). Dito de outra forma,

a escrita, mesmo inserida na esfera acadêmica, cuja função, mas não somente, é

socializar saberes, apresenta diversas facetas frente às várias disciplinas do currículo

que constituem contextos discursivos diferenciados da academia

Essa concepção de escrita desconsidera o gênero como estrutura formal e fixa

para considerá-lo como forma dinâmica ou, à luz de uma perspectiva social3

3 Em seus estudos, Reinaldo; Bezerra (2012) destacam três perspectivas analíticas existentes para as

abordagens teóricas de gênero, quais sejam a) perspectivas textuais; b) perspectivas contextuais e; c)

perspectivas sociais. As textuais estão relacionadas aos traços formais dos gêneros para fins de

classificação, descrição e/ou ensino. As contextuais, as quais incluem as sociorretóricas e as

sociodiscursivas, estariam voltadas ao contexto de uma situação de uso. E, por fim, as sociais que

examinam como os gêneros refletem e tornam os participantes capazes de engajar-se em eventos

linguísticos, mas, também, sociais particulares.

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(REINALDO; BEZERRA, 2012), como formas retóricas tipificadas (MILLER, 1984, p.

159 apud BAZERMAN, 2011, p. 27). Desse modo, na esfera acadêmica, os gêneros

solicitados se apresentam com diferenças retóricas em função das exigências e crenças

postas por professores de diferentes áreas do saber em relação com seus alunos.

Para Silva (2012), a escrita vista como prática social é fortemente considerada

pelos teóricos do Letramento, uma vez que atende às particularidades de diferentes

grupos de indivíduos. Outrossim, nessa perspectiva, a escrita, por ser de natureza

situada, estaria voltada às particularidades de um grupo de indivíduos que dialogam

certas exigências e propósitos. Assim, ―escrever é uma prática social orientada por

objetivos específicos dos diferentes membros de uma comunidade‖ (SILVA, 2012, p.

101).

Conforme assinala o autor supracitado, esta abordagem de ensino de escrita

volta-se para um contexto mais amplo, além dos traços formais e discursivos, reflete o

caráter social da linguagem. Reforçamos essa afirmação a partir das considerações

Bawarshi (2003, p. 5 apud SILVA, 2012, p. 100, destaque do autor):

[A virada social nos estudos da composição escrita] reconhece que há

mais em jogo no texto do que aparente cognição autônoma do escritor;

há também várias forças sociais que constituem a cena da produção no

interior da qual a cognição do escritor bem como seu texto estão

situados e moldados.

Logo, a partir do que é posto pelo pesquisador, não seria estranho reconhecer

que as exigências e formas da escrita variem entre as diferentes áreas do conhecimento.

É importante destacar, ainda, que as práticas de escrita são consideradas como

mediadoras das práticas sociais (BAZERMAN, 2007). O principal motivo para isso

ocorrer é que os gêneros fornecem possibilidades de tipificação e reconhecimento das

ações. Nesse sentido, Miller (2012) nos orienta a perceber que, como a escrita é

estabelecida como social, pela situação e pelo motivo, os gêneros seriam ―um meio

retórico para a mediação das intenções privadas e da exigência social‖ (MILLER, 2012,

p. 39).

Assim, diante da explanação sobre a percepção da prática de escrita enquanto

ação social, cuja constituição é feita por indivíduos inseridos em contextos situados e

particularizados, reafirmamos o que já foi posto por Miller (2012) para quem a escrita é

uma ação contextualizada e tipificada. Entendemos por contextualizada porque se vale

de uma situação para se concretizar e ter uma função. Por sua vez, reafirmamos

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tipificação porque, como assegura Bazerman (2007), contribui para a estabilização e

(re)produção das instituições e comunidades sociais. Com isso, evidenciam-se os

gêneros enquanto unidade de ensino/aprendizagem da escrita para situações específicas

de uso em componentes curriculares, como se verá nas próximas linhas.

Currículo e abordagens sobre ensino de escrita

Em linhas gerais, a noção de Letramento acadêmico, concebida dentro da área

dos Novos Estudos do Letramento, compreende que a prática de escrita não pode ser

entendida como atividade neutra e desvinculada dos contextos de uso, mas que estão

associadas às funções e contextos específicos. Desse modo, Lea e Street (1998 apud DA

CRUZ, 2007) defendem que a escrita acadêmica é orientada sob três principais

perspectivas ou modelos, quais sejam: i) estudo das habilidades, ii) socialização

acadêmica; e iii) letramento acadêmico.

O primeiro modelo compreende que a escrita e o letramento são habilidades

individuais e cognitivas das quais os estudantes precisam adquiri-las, como também

desenvolvê-las para, assim, transferi-las aos contextos mais amplos da universidade.

Contudo, priorizar apenas esse modelo é desconsiderar habilidades do estudante

adquiridas no ensino básico, de modo que qualquer dificuldade surgida seria de inteira

responsabilidade deste.

O segundo modelo, o de socialização acadêmica, diz respeito

à aculturação aos discursos e aos gêneros específicos das disciplinas e

dos conteúdos, ou seja, o estudante adquire os modos de falar, de

escrever, de pensar e de usar o letramento que os membros tipificados

de uma disciplina ou área temática usam (DA CRUZ, 2007, p. 8).

Conforme citação, fica a cargo do professor fornecer oportunidades da vivência

acadêmica para que, assim, o estudante, de fato, insira-se na comunidade discursiva.

Neste modelo, há uma concepção de que os gêneros que permeiam a esfera acadêmica

apresentam regularidades que, uma vez identificadas, permitem àquele que produz um

melhor engajamento na esfera em questão.

O terceiro modelo, chamado de letramento acadêmico, visto de forma mais

específica, compreende os múltiplos letramentos existentes na esfera acadêmica. Nele,

está explícito que no currículo universitário há envolvidas práticas comunicativas que se

diferenciam a julgar pelas disciplinas e pelos gêneros acadêmicos em que se inscrevem.

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Ainda de acordo com esse modelo, fica a cargo do estudante desenvolver um repertório

linguístico que esteja em comunhão com as diferentes áreas do saber.

Sendo assim, diante da apresentação dos três modelos sugeridos por Lea; Street

(1998 apud DA CRUZ, 2007), fica evidente que não há uma valorização de um em

detrimento do outro, como também que não há uma exclusão, mas sim um contínuo

entre ambos; como assegura Da Cruz (2007):

Compreendemos que um modelo não exclui o outro, pelo contrário,

hibridizam-se, pois privilegiam eixos de trabalho por cujo intermédio

o estudante compreenderia as práticas de escrita necessárias para

transitar em cada contexto acadêmico (p. 8).

Portanto, ressaltamos que esses modelos apresentados, quando trabalhados em

conjunto, possibilitam aos alunos ingressantes (mas não somente estes) transitarem em

diversos contextos acadêmicos que circundam a universidade.

Outrossim, convém considerar que a seleção dessas abordagens reflete a

identidade de currículo no qual componentes curriculares com foco na escrita estão

inseridos. Nesse sentido, ao estudar sobre currículo, Silva (2002) evidencia o papel

formativo deste documento. Para tanto, considera que o currículo tem representações

para além daquelas aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. ―O currículo é

relação de poder. O currículo é trajetória, viagem percurso. [...] O currículo é

documento de identidade‖ (SILVA, 2002, p. 150).

Desse modo, é preciso reconhecer que a necessidade de contemplar um currículo

sobre escrita reflete o contexto atual de cursos de graduação e pós-graduação, no qual

não há disciplinas (ou quase não há) dedicadas ao ensino da escrita (HOFFNAGEL,

2010), diferentemente da realidade nas universidades americanas, as quais, sob a

influência da internacionalização do ensino do inglês (britânico ou norte-americano)

para fins acadêmicos, propõem iniciativas a partir de abordagens e práticas de escrita (e

leitura) no ensino superior, na tentativa de suprir as dificuldades dos alunos com o

gênero acadêmico (SANTOS, 2014).

Procedimentos metodológicos

A pesquisa, a qual originou este capítulo, é de natureza qualitativa. E assim é,

pois não busca relações entre fenômenos nem cria leis universais, mas, sim, procura

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86

entender, bem como interpretar fenômenos e processos socialmente situados em um

dado contexto (BORTONI-RICARDO, 2008). O pesquisador, nessa perspectiva, integra

parte do processo de conhecimento e, a partir disso, interpreta os fenômenos,

atribuindo-lhes significado. No que concerne à geração de dados, a pesquisa é

classificada como documental, tendo em vista que o foco se volta para a investigação e

análise de documentos impressos. Sobre esse tipo de pesquisa, Severino (2007) afirma

que

tem-se como fonte de documentos no sentido amplo, ou seja, não só

de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de

documentos [...] Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não

tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir

da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise (p.

122).

Assim, este tipo de pesquisa vale-se de documentos os quais não receberam

tratamento analítico, isto é, são vistos ―em primeira mão‖. Nesse sentido, cabe ao

procedimento do pesquisador o devido tratamento com o material examinado, a partir

de técnicas e rigor científico.

Para a reflexão dos dados, o nosso corpus constitui-se da descrição e

interpretação de três planos do curso voltados ao ensino/aprendizagem de produção

textual em Letras/Português de uma instituição federal pública do estado da

Paraíba/Brasil, são eles: 1.1 Leitura e Escrita: Teorias Sócio-cognitivas; 1.2 Leitura e

Escrita: Teorias Sócio-interacionistas – referente ao grupo de componentes curriculares

obrigatórios –, ofertados nos dois primeiros períodos da respectiva graduação; e 1.3

Teoria de Estudos Linguísticos3: Gêneros acadêmicos – referente ao grupo de

componente curricular optativo – ofertado no quarto período4, conforme consta na

tabela a seguir:

3 Ao longo deste trabalho, este termo será retomado como Tel: gêneros acadêmicos.

4 Conforme Resolução nº 10/2013/CNE/UFCG, os componentes curriculares de natureza optativa é

ofertado a partir do quarto período. Desse modo, como se trata de um componente complementar

optativo, não há garantia que especificamente Tel: gêneros acadêmicos seja ofertado, com regularidade,

em todo o quarto período das turmas de ingressantes no curso em questão.

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Tabela 1: Descrição do corpus

A coleta de dados foi realizada, por meio da consulta do Fluxograma do Curso

de Licenciatura em Letras: Língua Portuguesa (Diurno)5, no qual selecionamos os

componentes curriculares que apresentassem já nos títulos o termo escrita ou que

fizesse alusão a este objeto. Dentre a grade curricular oficial do curso em questão, a

composição curricular apresenta, na sua distribuição, núcleos de conteúdos básicos,

complementares obrigatórios e optativos (além das atividades extra-acadêmicas),

conforme tabela a seguir:

Tabela 2: Caracterização da grade curricular do curso de Letras

5 Extraído da Resolução nº 10/2013/CNE/UFCG:

http://www.ufcg.edu.br/~costa/resolucoes/res_16162012.pdf. Acesso em 15 de Outubro de 2016.

Componente curricular Crédito (CR) Carga horária (CH) Característica

Leitura e Escrita:

Teorias Sócio-cognitivas

4 60 Obrigatória

Leitura e Escrita:

Teorias Sócio-

interacionistas

4 60 Obrigatória

Teorias de Estudos

Linguísticos: gêneros

acadêmicos

4 60 Optativa

Fonte: Elaboração própria

Fonte: Resolução nº 10/2013/CNE/UFCG

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Nosso encaminhamento para análise do corpus se dará, essencialmente, sob as

categorias, inicialmente descritas: a) escrita acadêmica como objeto de ensino; b) escrita

acadêmica como objeto de inserção em práticas e eventos de letramentos.

Esse percurso metodológico está articulado à necessidade de desenvolver uma

análise que melhor possa explanar os planos em questão, bem como desenvolver uma

análise que permita desvelar as concepções de ensino de gêneros acadêmicos sugeridas

nos componentes curriculares em foco.

Escrita acadêmica como objeto de ensino

Em outro momento, dissemos que o ensino da escrita no contexto acadêmico é

particularizado por meio do planejamento e produção de gêneros textuais atrelados a

uma determinada comunidade discursiva (SWALES 1990 apud HEMAIS; BIASI-

RODRIGUES, 2005). Não por acaso, percebemos, na leitura do corpus, o apoio a esta

ferramenta como meio produtivo para o estudo da produção escrita nos planos

investigados.

Nesse sentido, claramente, é possível identificar, na seção Conteúdo

programático, gêneros acadêmicos que são estudados conforme o objetivo do currículo

para cada período letivo de atuação do sujeito aprendiz, conforme quadro a seguir:

Quadro 1: Habilidades requeridas conforme vivência acadêmica

Elaboração própria

6 Convém considerar que o nosso foco, nesta investigação, são os gêneros acadêmicos escritos. Logo,

embora estejamos evidenciando todos os gêneros contemplados em cada plano, nos deteremos à análise

essencialmente aos escritos.

Períodos Componentes curriculares Gêneros acadêmicos

1 Leitura e escrita: teorias

sociocognitivas

Resumo e resenha

2 Leitura e escrita: teorias

sociointeracionistas

Seminário6, Artigo científico

4 Tel Gêneros Acadêmicos Esquema, resumo, resenha, artigo científico,

seminário* e relatório

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Assim, de acordo com o quadro, no primeiro período letivo, sugere que o

aprendiz tenha o contato inicial com o que deveria ser a prática de letramentos, a partir

exemplares de gêneros da ordem do expor e do avaliar, representado pelo resumo e

resenha acadêmica. Praticado esses gêneros, é, supostamente, no segundo período que,

mediante a aquisição de habilidades de escrita em virtude do estudo do resumo e

resenha, o aprendiz deva ter contato com o gênero artigo científico cuja essência abriga

sequências linguísticas de exposição e avaliação.

Essa crença de ensino de escrita indica o interesse, pelo currículo do curso, de

oportunizar, mediante o trabalho do professor-formador, a vivência acadêmica do

aluno/participante a partir do contato com gêneros que exijam, de um lado, habilidades

tais como de síntese de um dado documento, por meio do resumo e, de outro,

habilidades tais como de avaliação/posicionamento crítico, por meio da resenha.

Como é possível perceber no Quadro 1, a partir do 4º período, há a oferta da

disciplina optativa7, que parece servir de complementação de possíveis

8 práticas de

letramento acadêmico que envolvem a produção escrita de textos distintos. Isto é,

conforme leitura dos dados, se em um primeiro momento, houve o reconhecimento e o

desenvolvimento de habilidades ao contexto mais amplo da universidade, a partir do

estudo dos gêneros anteriormente mencionados, é no 4º período que, possivelmente,

espera-se que o aprendiz demonstre competência acadêmica de modo que possa

transferir o conhecimento adquirido nos períodos anteriores para o trabalho com

gêneros diversos praticados em um mesmo componente curricular, evidenciado no

plano de curso.

Neste caso, a escrita é vista como um objeto dinâmico e flexível, uma vez que é

requisitada interativamente para responder a expectativas próprias de um grupo de

indivíduos que compartilham certas convenções de propósitos (SILVA, 2012). Essa

assertiva permite compreender a escolha no plano de curso do componente curricular

7 De acordo com a RESOLUÇÃO Nº 10/2013/CNE/UFCG, os conteúdos das disciplinas optativas

dinamizam conforme o interesse da linha de pesquisa do curso, bem como da solicitação da comunidade

discente frente à coordenação do curso. Contudo, estamos considerando que esta disciplina foi ofertada

no 4º período, a partir de indícios informais em conversa com professores, alunos e coordenador do curso

em questão.

8 Optamos por relativizar o nosso posicionamento, por acreditar que a análise do documento nos permite

enxergar concepções do que deveria ser a prática. Isso porque, defendemos que estes documentos deixam

implícitas concepções, as quais podem ser postas em prática ou não, pois o ―real‖ da sala de aula não se

define por esses documentos, mas pelas concepções de letramento e ensino de língua dos professores.

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Tel Gêneros Acadêmicos em contemplar o conjunto de gêneros especificamente

requeridos nos componentes dos primeiros períodos. Além disso, é possível perceber,

nos dados analisados, a inferência a estratégias de ensino da escrita, por meio da

identificação dos objetivos pretendidos para cada ementa dos planos de curso. Ou seja,

notamos no tópico Objetivos (gerais e específicos) – Quadro 2, a seguir – marcas

linguístico-discursivas que operacionalizam ações direcionadas ao aprendiz.

As estratégias de ensino da escrita implícitas evidenciam, nesta perspectiva, o

processo de desenvolvimento de habilidades por meio do contato com gêneros

acadêmicos diversos que são requisitadas no curso de Letras, cuja essência configura a

passagem do perfil de aluno aprendiz a aluno especialista, pois estas habilidades são

consideradas como mediadoras das práticas sociais (BAZERMAN, 2007). E não

apenas, mas também que a escrita por ser estabelecida como social, os gêneros,

instrumentos de ensino do professor, são ―um meio retórico para a mediação das

intenções privadas e da exigência social‖ (MILLER, 2012, p. 39). Para melhor

compreensão, consideramos recortes do tópico Objetivos específicos retirados dos

planos, a seguir:

Quadro 2: Estratégias implícitas de ensino da escrita nos Planos de Curso

Como se percebe, a crença sugerida pelos planos de curso é a de que o ensino da

escrita nas disciplinas é realizado, em um primeiro momento, por meio da identificação

Períodos Componentes curriculares Objetivos específicos

1 Leitura e escrita: teorias

sociocognitivas

―Reconhecer concepções e práticas de [...] de escrita

[...]‖

―Utilizar estratégias [...] de escrita em diversos gêneros

―Analisar e produzir gêneros acadêmicos [...]‖

2 Leitura e escrita: teorias

sociointeracionistas

―Desenvolver a prática de [...] escrita acadêmica entre

os alunos‖

―Desenvolver, entre os alunos, a prática da escrita de

artigo científico‖

4 Tel Gêneros Acadêmicos ―Analisar gêneros acadêmicos, observando sua

estrutura textual-discursiva e lingüística, bem como os

aspectos relativos à sua textualidade‖

―Planejar e produzir textos acadêmicos, considerando

a situação comunicativa e sua estrutura proposta‖

Fonte: Elaboração própria

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91

de características típicas da comunidade científica em questão. É como se o ensino da

produção textual no componente, Leitura e escrita: teorias sociocognitivas, priorizasse,

a priori, a distinção de ―concepções‖ e ―práticas‖ essencialmente acadêmicas

representada pelo verbo ―reconhecer‖, para que fosse possível desenvolvê-las e, a

posteriori, fosse capaz de refletir e produzir modelos de textos reconhecidos na área de

atuação.

Por sua vez, em um segundo momento, conforme objetivos específicos do Plano

de Curso do componente curricular Leitura e escrita: teorias sociointeracionistas, a

crença identificada compreende a prática com a escrita de modo mais efetivo, isto é,

mediante produções textuais representada pelo verbo ―desenvolver‖. Isso porque,

supostamente, o aprendiz já teve o momento para desenvolver certas competências de

percepção da escrita que o permita executar o esperado. Assim, em virtude da aquisição

dessas habilidades, o aprendiz aparenta estar apto a produzir textos acadêmicos. No

entanto, segundo os dados, essa ação deve vir acompanhada da atividade de ―analisar‖ e

―planejar‖, conforme verbos presentes nos Objetivos Específicos, visto que os

componentes curriculares, em suas ementas, apresentam as teorias científicas que

subjazem o estudo, quais sejam: cognitivas e interacionistas.

Ainda convém destacar que o trabalho com os gêneros acadêmicos sugerido

pelos planos considera o contexto situacional – “Planejar e produzir textos acadêmicos,

considerando a situação comunicativa e sua estrutura proposta‖ –, isto é, além de

elementos de natureza linguística, o plano de curso é orientado também por questões

―fundadas em situações recorrentes‖ (MILLER, 2012, p. 32).

Sendo assim, percebemos que as crenças de ensino da produção textual nos

planos de curso analisados são orientadas sob características que evidenciam a aquisição

e o resgate de habilidades valorizadas na área de atuação, concepção que ilustra o

modelo das habilidades de Lea e Street (1998). Além do mais, os dados sugerem que o

contato com os letramentos existentes na esfera acadêmica é realizado por meio do ato

de produzir significativamente gêneros de textos. Não por acaso, no tópico Avaliação,

de cada plano de curso, há a menção ―produção, elaboração, exames escritos‖ como

instrumento de avaliação, o que nos permite afirmar que, aparentemente, a escrita de

texto tem se particularizado, seja pelo domínio do código linguístico, de aspecto da

estrutura composicional do texto, seja pelo reconhecimento do gênero textual em

circulação no curso de Letras.

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As concepções discutidas, nesta seção, ilustram como as ementas e/ou os

conteúdos programáticos sugerem práticas de ensino de gêneros acadêmicos que podem

ser didatizadas àquele que aprende. O contato com os principais exemplares de texto, no

interior do curso, conforme interpretação do corpus, dá-se tanto pelo reconhecimento de

traços formais dos gêneros quanto pelo contexto de situação de uso. Contudo, além

dessa percepção, propomos, na próxima seção, discutir como o objeto estudado nesta

investigação, representado nos planos de curso, pode, também, servir de inserção em

práticas e eventos de letramentos.

Escrita acadêmica como objeto de inserção em práticas e eventos de letramentos

Interessa-nos, nesta categoria, discutir, uma vez analisado os planos de curso

desta pesquisa, como a concepção de ensino de escrita sugerida pelos planos pode

favorecer a inserção em práticas e eventos de letramentos. Inicialmente, a nossa

discussão pauta-se nas ementas de cada instrumento de análise. Dito de outra forma, ao

debruçarmo-nos sobre o corpus, procuramos examinar os pontos essenciais de cada

componente curricular por meio da caracterização do tópico Ementas. Assim, no quadro

3, seguem a apresentação destas em cada plano:

9 As informações presentes nas ementas seguem tal como foram redigidas no documento original. Logo,

embora admitamos o emprego do novo acordo ortográfico vigente, optamos por seguir, fielmente, a

redação do texto, com exceção das ênfases por nós realizadas.

Quadro 3: Descrição das ementas

Períodos Componentes curriculares Ementas9

1 Leitura e escrita: teorias

sociocognitivas

Teorias sócio-cognitivas de leitura e escrita: agentes

sociais, meios de circulação. Processos de compreensão

e planejamento textual. Práticas de leituras e escrita

acadêmicas. Implicações para o ensino.

2 Leitura e escrita: teorias

sociointeracionistas

Teorias sócio-interacionistas e discursivas de leitura e

escrita: sujeito, discurso e condições de produção.

Práticas de leitura e escrita acadêmicas. Implicações

para o ensino.

4 Tel Gêneros Acadêmicos Metodologias de leitura de textos acadêmicos.

Características textual-discursivas e linguísticas de

textos acadêmicos. Produção e revisão de textos

acadêmicos.

Fonte: Elaboração do autor (2016)

Fonte: Elaboração própria

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93

Como é possível perceber nos destaques realizados, os conteúdos e

procedimentos de cada componente curricular, evidenciado nos planos, sugerem a

possibilidade de permitir que o aprendiz adquira, desenvolva, mas, também, transfira as

habilidades aos contextos mais amplos do curso ou reconheça a existência de condições

psicossociais para cada ação de linguagem.

Desse modo, no primeiro período, a partir do componente Leitura e escrita:

teorias sociocognitivas, há o interesse em apresentar modos de escritura a partir do

contato com os gêneros acadêmicos (representados por meio do resumo, resenha e

seminário, conforme já apresentados na categoria anterior). Contudo, convém

considerar, ainda na leitura desta ementa, a indicação de ―meios de circulação‖, pois, ao

que é possível perceber, subjaz a concepção de escrita, mas de gêneros acadêmicos

também, como prática social, uma vez que as possibilidades de tipificação dos gêneros

estão associadas a contextos situados (MILLER, 2012).

Não por acaso, essa regularidade se faz presente na ementa do plano de curso do

componente Leitura e escrita: teorias sociointeracionistas, sob a marcação da

expressão ―condições de produção‖. Essa correlação indica que a escrita, além de ser

um objeto de ensino, é também um objeto de inserção em práticas e eventos de

letramento, visto que proporciona textualizar exemplares de textos conforme condições

de produção. Outro aspecto equivalente entre as ementas dos planos de curso em

questão diz respeito às possibilidades de desempenhar práticas de escrita. Com isso,

entendemos que a inserção acadêmica seja realizada em virtude do contato com as

diversas situações de produção dos gêneros específicos dos planos.

Assim, diante da correlação existentes entre as ideias presentes nas duas ementas

supramencionadas, constatamos que há o interesse por parte do currículo do curso de

Letras em oportunizar ao aprendiz a inserção à comunidade discursiva a partir do

contato com as práticas mobilizadas. Inevitavelmente, as práticas de leitura e escrita

igualmente se cruzam, mediante análise dos planos, o que reforça a afirmação a qual

temos defendido neste trabalho, qual seja: as práticas de leitura e escrita não podem ser

entendida como atividades neutras e nem independentes.

Além da observação de concepções do que deveria ser a prática de escritura na

academia, como é possível depreender dos dados, é permitido perceber a possibilidade

de desenvolvimento de um repertório linguístico comum ao curso, especificamente a

apresentada ao componente Tel Gêneros Acadêmicos. Afirmamos isso, ao consideramos

a atenção dada às características do código linguístico valorizadas na área de estudo

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94

uma vez que centraliza nas ―características textual-discursivas e linguísticas de textos

acadêmicos‖, principalmente porque a universidade, frequentemente, opera com o

letramento dominante.

Nesse sentido, parece ser este o foco do componente, a questões essencialmente

estruturais ou, mais precisamente, a formas retóricas tipificadas (MILLER, 1984 apud

BAZERMAN, 2011). Assim, o contato com essas características da imanência linguística

é adquirido mediante produção e revisão de textos acadêmicos, conforme os dados

expostos no Quadro 3 – Descrição das ementas: características textual-discursivas e

linguísticas de textos acadêmicos (Tel Gêneros Acadêmicos).

Uma significativa atenção às características de textos acadêmicos permite ao

aprendiz o contato com formas de letramentos acadêmicos requeridos e valorizados na

área de estudo. Desse modo, é possível afirmar que o componente em questão se

configura como um instrumento de inserção a práticas de produções textuais

comumente utilizadas no meio. Entendemos, pois, que a concepção de ensino da

produção de gêneros acadêmicos sugerida pelo componente de formato optativo

oportuniza aos interessados ―alfabetizar-se‖, isto é, possibilita dominar o código

linguístico específico da comunidade discursiva, como também direciona para uma

abordagem mais ampla que, além dos traços formais e discursivos, reflete o caráter

social da linguagem (SILVA, 2012).

Com isso, podemos afirmar que as concepções de ensino de escrita sugeridas

pelos planos, aqui discutidas, se aplicadas, interferem efetivamente no modo como o

ensino da escrita é realizado nos componentes objeto de análise. No entanto,

reconhecemos a limitação do estudo em identificar as práticas de ensino da escritura,

que apontem estratégias explícitas, a fim de evidenciar um ensino sistemático e

recorrente, tendo em vista que estas não foram analisadas, defendemos, desse modo, que

as ementas e/ou conteúdos programáticos sugerem práticas que podem ilustrar os

modelos de Lea e Street (1998).

Considerações Finais

Investigar as concepções de ensino de gêneros acadêmicos sugeridas em planos

de curso de disciplinas com foco exclusivamente no ensino desse objeto, permite refletir

sobre as possibilidades de inserção de aprendizes em práticas e eventos de letramentos

acadêmicos realizados por meio do currículo universitário. Além disso, ao estudar esses

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95

documentos, é possível compreender pelo menos dois procedimentos teórico-

metodológicos assumidos e/ou sugeridos, isto é, conhecemos concepções de escrita que

ora a legitime como um posicionamento social e ideológico ora a legitime como um

código linguístico.

Em vista disso, ao respondermos à questão que norteou este capítulo – que

concepções de ensino de gêneros acadêmicos são sugeridas em planos com foco na

produção textual em curso de Letras/Português? – pudemos tornar mais inteligíveis

questões à respeito das dificuldades com a escrita acadêmica ainda pouco sistematizada

na área de investigação científica.

Desse modo, no tocante à questão, poderíamos agrupar duas concepções de

ensino de escrita sugerida pelos planos, quais sejam i) escrita acadêmica como objeto de

ensino; e ii) escrita acadêmica como objeto de inserção em práticas e eventos de

letramentos. Essas perspectivas incluem o desenvolvimento de habilidades necessárias a

contextos da universidade, reconhecimento e uso de letramentos existentes na esfera

acadêmica, especificamente, a partir do trabalho com gêneros acadêmicos.

Sobre tal instrumento de ensino da escrita, defendemos a tese de que, a fim de

desenvolver o letramento acadêmico dos discentes a partir da prática de escritura,

deveria apresentar um currículo de escrita em que fossem contemplados gêneros com

sequências linguísticas mais próximas comuns à realidade daquele que ingressa no

ensino superior, por exemplo: esquemas, como meio de desenvolver estratégias de

leitura e reconhecimento de ideias centrais de determinado conteúdo. Logo após, o

trabalho com resumo, uma vez que o primeiro facilitaria no trabalho deste segundo,

visto que já desenvolvido a capacidade de sumarizar conteúdos, o discente, em contato

com o gênero resumo, poderia ampliar suas competências por meio da organização e

relação, de forma coerente e coesa, de um conteúdo topicalizado. Após o contato com

esses gêneros de natureza mais descritivo, o discente teria contato com o gênero

resenha, uma vez que este exige, além da habilidade de descrição, a presença de

avaliação.

Com esse modelo de ensino, poderia em componentes seguintes o trabalho com

gêneros mais complexos, o artigo acadêmico, por exemplo. O que não foi percebido na

análise dos planos, pois, ao que percebemos, só no quarto período, a partir do

componente de natureza optativa é que o discente teria o contato. No entanto, como se

trata de um componente que não apresenta regularidade na grade curricular, por ser de

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96

natureza optativa, não é possível afirmar que todos os discentes do curso teriam a

mesma experiência de produção textual.

Os resultados aqui alcançados permitem avaliar o desenvolvimento de uma

pedagogia de produção textual, na qual texto e gênero passam a ser trabalhados na

dimensão de quem aprende, e não só, como também permitem agrupar características

organizacionais e constitutivas dos gêneros específicos do curso em questão, aspecto

importante para didatizar a sujeitos iniciantes na atividade acadêmica.

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98

CAPÍTULO VII

CONTRATAMOS PROFESSORES: REFLEXÕES SOBRE A

(DES)VALORIZAÇÃO DOCENTE EM ESCOLAS PRIVADAS DE IDIOMAS

José Veranildo Lopes da COSTA JUNIOR

Localizando a discussão

Este artigo apresenta uma reflexão sobre formação de professores de línguas

estrangeiras e corrobora com uma série de discussões apresentadas, especialmente, nos

últimos dois anos, como resultado das nossas pesquisas no âmbito da formação docente.

Ao focalizar a nossa atenção para as escolas privadas de idiomas, partimos da

asserção de que alguns destes centros de idiomas buscam contratar usuários fluentes de

determinadas línguas estrangeiras em detrimento de profissionais das Letras – com

habilitação em Línguas Estrangeiras.

Recentemente, enfatizamos (COSTA JUNIOR; ARAÚJO, 2017) que a formação

de professores demanda, pelo menos, a constituição de quatro paradigmas formativos, a

saber: a) formação enquanto usuário da língua; b) a formação enquanto pesquisador; c)

a atuação do profissional em um dos paradigmas: tradicional e/ou emergente e d) a

movimentação do professor de línguas no signo da incompletude profissional.

Buscamos, aqui, ampliar a discussão que envolve os movimentos de formação

do docente de Letras – Estrangeiras, tendo como objetivo revisitar três paradigmas

formativos: a) a profissionalização; b) a reflexão; c) a comunicação, tendo como

arcabouço teórico uma pertinente discussão proposta por Almeida Filho (2004). Com

isto, objetivamos, ainda, refletir sobre um contexto laboral específico: o das escolas

privadas de idiomas.

Assim, o presente texto encontra-se dividido em dois momentos que se

complementam. Inicialmente, analisaremos dois anúncios de escolas de idiomas que

buscam contratar usuários da língua para ministrar aulas de línguas estrangeiras. Em um

segundo momento, revisaremos três movimentos formativos (ALMEIDA FILHO, 2004)

que caracterizam a formação docente no contexto de ensino de Línguas Estrangeiras.

Para além desta discussão, esse texto valoriza a formação do profissional de

Letras, pois entendemos que apenas o profissional devidamente capacitado – e em

formação permanente – é capaz de lidar com a complexidade que envolve o

ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira.

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Contratamos professores

Falar sobre formação docente, sobretudo no Brasil, demanda reconhecer que este

é um assunto complexo, comumente alvo de disputas educacionais, ideológicas e

políticas. De igual modo, não se pode negar que a educação, embora seja um tema

recorrente nos mais diversos espaços sociais é, ainda, uma das áreas mais

desvalorizadas pela agenda nacional.

Ainda que nosso texto trate do contexto das escolas privadas de idiomas, é

necessário afirmar que o Estado brasileiro é um dos grandes responsáveis pela

desvalorização de professores, seja no âmbito público ou no contexto das escolas

privadas, pelo fato de que pouco se faz, quando se trata da valorização do profissional

da educação em nosso país, em todas as esferas.

Em 2012, Denise Lino de Araújo expôs uma série de variantes e perspectivas

sobre a formação de professores numa conferência intitulada Das razões para ser

professor (de português) hoje. O profissional de Letras: formação constante. Em sua

exposição crítica, a pesquisadora comentou que: ―já não é de hoje que a profissão

docente, não importa a área de atuação, está entre uma das mais desvalorizadas do

país‖. (ARAÚJO, 2012, p. 725).

Em oposição à desvalorização de professores que parece constituir uma política

de Estado, o principal argumento que ancora a profissionalização do professor de Letras

é a formação constante (ARAÚJO, 2012). Entretanto ao considerar a nossa experiência

laboral em escolas de idiomas, notamos que a formação docente é posta em plano

secundário, especialmente, no caso das escolas privadas de idiomas.

Para ilustrar essa ideia, apresentaremos dois anúncios de contratação de

professores**

em centros privados de línguas, retirados de páginas das próprias escolas

de idiomas no Facebook, sob os quais teceremos uma rápida análise. Para fins

metodológicos, as escolas mencionadas em nosso texto serão nomeadas da seguinte

forma:

Localização da Escola Identificação correspondente

Botucatu Escola A

Recife Escola B

**

Ao longo desse texto, algumas ocorrências para o termo ‗professor‘ estão em itálico e correspondem a

usuários da língua que ministram aulas sem formação acadêmica.

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100

Tabela 01: elaborada pelo autor

Desse modo, iniciamos a nossa discussão analítica com um anúncio de

contratação de professores da Escola A, o qual é reproduzido a seguir:

Escola A

Imagem 01: PrintScreen retirado da página Yázigi Botucatu no Facebook

O anúncio de contratação de professores de Inglês da Escola A, solicita como

requisito para admissão profissional experiência docente anterior e vivência no exterior.

É importante ressaltar que a formação acadêmica sequer é mencionada pelo referido

centro de idiomas. Esse anúncio encontra-se inserido em um paradigma tradicional para

o ensino de línguas (ALMEIDA FILHO, 2004; COSTA JUNIOR e ARAÚJO, 2017),

cuja crença parte da ideia de que se uma pessoa viajou ao exterior, esta pessoa pode

ensinar um idioma. Embora seja uma crença que demonstra desconhecimento para com

o tema da profissionalização do professor de Letras, o requisito exclusivo de ter

vivência no exterior nos remete à ideia de que qualquer pessoa, independente de sua

formação, pode lecionar línguas.

Imaginemos, agora, o contrário. Qual a nossa reação ao encontrar um anúncio de

contratação de professores de Português, numa escola Argentina, por exemplo, cujo

único requisito para contratação é a vivência no exterior? Entende-se, nesse contexto,

que qualquer pessoa que esteve de férias em um país de Língua Portuguesa poderá

ensinar Português. Em consonância com essa análise, Costa Junior e Araújo (2017,

p.192) afirmam:

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101

Em nossa vivência enquanto profissionais de línguas estrangeiras em

escolas de idiomas, notamos que o sujeito que domina e possui

fluência em um determinado idioma é contratado para exercer a

função docente. Ao ser admitido, a formação profissional é posta em

plano secundário, porque a qualificação acadêmica da profissão não é

considerada. Desta forma, o único critério adotado por algumas

escolas de idiomas é o paradigma do ―professor‖ enquanto usuário da

língua.

Em linhas gerais, entendemos que apenas o indivíduo devidamente formado por

cursos de Licenciatura em Letras, em suas respectivas habilitações é o profissional

habilitado a ensinar línguas no Brasil. Essas escolas que ignoram a importância da

formação profissional promovem um processo de sucateamento da educação e do

ensino de idiomas.

De forma semelhante, as pessoas que insistem em lecionar línguas sem formação

acadêmica necessária, além de contribuírem com a desvalorização e o sucateamento do

agir docente, lecionam um idioma sem cumprir com requisitos básicos que envolvem a

profissionalização do professor de Letras, tais como a própria profissionalização, a

reflexividade e a comunicação (ALMEIDA FILHO, 2004).

A seguir, analisaremos um anúncio de contratação de professores de Inglês da

Escola B:

Escola B

Imagem 02: PrintScreen retirado da página CNA Recife no Facebook

Diferentemente da Escola A, o anúncio de contratação de professores de Inglês

da Escola B exige nível linguístico mínimo B2 (Independent User - Vantage) e

disponibilidade para trabalhar aos sábados, além de formação acadêmica. A

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102

problemática do anúncio dessa escola de idiomas diz respeito à contratação de

Pedagogos e Psicólogos para lecionar línguas estrangeiras.

Ao longo desse texto, mesmo correndo o risco da repetição, insistimos na ideia

de que apenas o profissional da área de Licenciatura em Letras pode lecionar um idioma

com legitimidade. Sabemos, por outro lado, que um Pedagogo é o profissional

habilitado a lecionar na educação infantil e no Ensino Fundamental I. Esse profissional,

de extrema importância para a escola, não está habilitado a lecionar línguas estrangeiras

em escolas de idiomas. O que falar, então, da contratação de um Psicólogo para

ministrar aulas de línguas? Nesse caso particular, embora saibamos da existência de

cursos de formação de licenciatura em Psicologia e da inserção de disciplinas do eixo

pedagógico no currículo desses cursos, ressaltamos que o profissional da Psicologia

deve se limitar às funções sob as quais a sua profissão habilita. Poderíamos, inclusive,

questionar: Um profissional de Letras pode atuar como Psicólogo? Um profissional de

Letras pode atuar como um Pedagogo? A resposta para estes questionamentos é,

evidentemente, negativa. Nas palavras de Costa Junior e Araújo (2017, p.192):

[...] o professor de língua(s) estrangeira(s) é o profissional de Letras –

cuja certificação profissional é obtida em cursos de licenciatura.

Àqueles que ministram aulas em escolas de idiomas sem formação

acadêmica, a nosso ver, são usuários fluentes da língua e não

professores profissionais.

A ponto de concluir nossa análise, ponderamos que a Escola A e a Escola B, ao

assumir que a formação docente obtida em cursos de Licenciatura em Letras não é o

requisito central para a contratação de professores, corroboram com um processo de

desvalorização e sucateamento da profissionalização do professor de Letras.

Três movimentos de formação de professores de línguas estrangeiras

Em suas pertinentes reflexões sobre a formação de professores, Paulo Freire

(1991, p. 32) sustenta a ideia de que ―ninguém começa a ser educador numa certa terça-

feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador‖

e conclui este pensamento com as seguintes palavras: ―A gente se faz educador, a gente

se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática‖.

(FREIRE, 1991, p. 32).

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103

Com outras palavras, Paulo Freire aponta que a formação docente se faz na

prática e na reflexão sobre a prática, cujos princípios fazem parte da formação de

professores em cursos de Licenciatura. E assim, bastaria mencionar, como exemplo, a

importância dos Estágios Supervisionados e das disciplinas do chamado eixo

educacional que promovem o agir docente e a reflexão sobre a prática de professores.

Nesse sentido, sabendo que a profissão docente demanda uma série de

movimentos e paradigmas formativos, vários estudiosos, inscritos nas mais diversas

áreas do saber como a Linguística e a Educação, têm se dedicado ao tema da

profissionalização de professores.

Para Almeida Filho (2004), o professor de línguas é formado a partir da

constituição de três movimentos formativos. O primeiro movimento diz respeito à

profissionalização, o segundo a reflexividade e o terceiro, ao paradigma

comunicacional.

Sobre o paradigma da profissionalização docente, Almeida Filho (2004, p. 02)

expõe: ―Esse trabalho ou ocupação de ensinar tem sido visto ao longo do tempo como

arte que se desenvolve com sensibilidade no exercício da prática a partir de bons

exemplos (boa experiência) de outros professores‖. O autor contextualiza a ideia –

sobretudo formada no senso comum – de que a profissão docente é entendida como a

profissão do ‗amor‘ e da sensibilidade.

Um exemplo que ilustra essa ideia da docência enquanto ocupação afetiva

(ALMEIDA FILHO, 2004) é encontrado todos os anos, durante as comemorações do

dia dos professores. Bastaria pensar no teor das mensagens que recebemos nas redes

sociais e/ou nas propagandas que são vinculadas pela grande mídia.

Em 2014, Alexandre Garcia1, durante a programação do jornal Bom Dia Brasil,

discursou em defesa dos professores, afirmando que: ―Será que eles sabem que

professor é um dom; é uma vocação. A pessoa nasce professor. E não tem que se

envergonhar, a não ser com o salário‖ e conclui o seu raciocínio com a questionável

afirmação: ―Professor é mais que vereador, que prefeito, que não lhe pagam, porque

nem é profissão, é missão‖.

Desde 2015, temos recebido o link com essa fala de Alexandre Garcia de

amigos, parentes e alunos (inclusive de licenciaturas). Não é exagero dizer que o

1 Fonte: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2014/08/professor-nao-e-profissao-e-missao-afirma-

alexandre-garcia.html Acesso em: 17. Fev. 2018.

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104

discurso do jornalista da Rede Globo nos causa repulsa e aversão. Aparentemente

inofensivo, a fala de Alexandre Garcia corrobora com a total desvalorização da

profissionalização docente. É fundamental compreender que ninguém nasce professor,

assim como ninguém nasce médico, advogado ou engenheiro. Nós nos formamos

professores, assim como qualquer outro profissional. O discurso de que ‗nascemos

professores‘ desvaloriza a própria profissionalização docente, pois não reconhece a

importância da formação de professores para atuação profissional.

A fala do jornalista da Rede Globo praticamente sugere que ‗professor é missão,

não é profissão, então sequer é necessário pagá-los‘. Recentemente, o apresentador

Luciano Huck2 envolveu-se em uma grande polêmica ao realizar uma propaganda para

uma universidade privada que dizia: ―torne-se professor e aumente a sua renda‖. Os

responsáveis pela campanha de marketing não conseguiram compreender que ser

professor é optar por uma profissão, e não por um ganho de renda extra.

Todavia em 2017, o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori3 chegou

a lançar um programa que convocava professores aposentados para trabalharem como

professores voluntários, ou seja, regulamentou a ausência de pagamento aos

profissionais da educação.

Esses últimos três exemplos, a fala de Alexandre Garcia, a propaganda do

Luciano Huck e o programa do governador do Rio Grande do Sul, têm em comum um

mesmo traço: estão alinhados a uma política que desvaloriza a educação e sucateia o

trabalho docente. Pode-se então afirmar que estes fatos ocorrem porque, em nosso país,

praticamente não se reconhece a importância da profissionalização docente.

Dessa forma, Almeida Filho (2004, p. 03) apresenta algumas características do

professor contemporâneo, a saber:

Os mestres profissionalizados acumulam traços distintivos que vamos

resumir da seguinte maneira, eles são hoje:

Profissionais com certificação, com experiência prática crescente, em

formação especializada contínua, com postura observadora, aberta,

crítica e flexível;

Intelectuais (conscientes, compromissados, éticos) abertos a se pensar

e pensar a profissão;

2 Fonte: https://www.conversaafiada.com.br/cultura/para-huck-professor-e-bico Acesso em: 17. Fev.

2018.

3 Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/rio-grande-do-sul/em-crise-governo-do-rs-abre-vagas-para-

professores-sem-salario/ Acesso em: 17. Fev. 2018.

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105

Leitores e interlocutores no modo oral, interessados que valorizam i

ser professor e ser profissional focalizando dimensões teóricas do

processo de ensinar e aprender língua(s);

Professores que conhecem seu valor, seus direitos e deveres e que

tomam conta de si e de outros colegas profissionais;

Que se empenham em ajudar os alunos a se tornarem aprendentes

melhores (o lado formador que todos os professores têm).

Estas são apenas algumas das características que singularizam o professor

profissional. Outrossim, para Almeida Filho (2004), o segundo paradigma formador que

caracteriza o docente profissional é o reflexivo. Em suas palavras:

Um paradigma é um modo exemplar com que se toma a tarefa

científica de conceber, estudar e articular (verbal e pictoricamente)

uma ordem de fenômenos. No caso da grande área de Teoria de

Ensino e Aprendizagem de Língua(s), o paradigma atual de mais alta

persuasão é o reflexivo. (ALMEIDA FILHO, 2004, p. 04).

Enquanto movimento teórico, o conceito de professor ‗reflexivo‘ surge nos

Estados Unidos, quando Donald Schön iniciou um período de observação do agir

docente, valorizando, em seguida, a experiência e a reflexão como práticas que

deveriam ser incentivadas no cotidiano docente. Entretanto, a prática reflexiva não é

uma tarefa simples, pois demanda uma série de variantes complexas, como a capacidade

de visualizar erros e alcançar mudanças positivas. Para Pimenta e Ghedin (2005, p. 23):

Só a reflexão não basta, é necessário que o professor seja capaz de

tomar posições concretas para reduzir tais problemas. Os professores

não conseguem refletir concretamente sobre mudanças porque são eles

próprios condicionados ao contexto em que atuam.

Para ilustrar a complexidade do ato reflexivo, recorremos à nossa experiência

docente. Em 2014, lecionamos Língua Espanhola em uma escola privada de idiomas no

Estado da Paraíba. A equipe de professores era formada por licenciados em Letras e

professores forma(n)dos em outras áreas do saber, como as Engenharias e a Arquitetura.

Ao analisar a prática docente dos meus colegas, conseguíamos enxergar erros e

inadequações didático-metodológicas evidentes. Eles, não.

Hoje, compreendemos que os meus colegas não eram capazes de realizar a

reflexão em torno de suas próprias práticas docentes pelo fato de que eles não tinham

formação docente. Em outras palavras, eles não eram professores. Nesse sentido, quiçá

a prática da reflexão seja um dos desafios mais importantes para a prática do professor,

pois a reflexão é capaz de promover mudanças e alçar qualidade educacional.

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106

O terceiro paradigma formativo apontado por Almeida Filho (2004) é o

comunicacional. Ora, um professor é um expositor por excelência. Mas o paradigma

comunicacional não se limita apenas a focalizar a oralidade e a capacidade de expressão

do professor. Para Almeida Filho, o paradigma comunicacional é caracterizado pela

constituição de duas macro-filosofias, a saber:

Essas duas macro-filosofias são: (1) a sistêmico-gramatical e, (2) a

interativo-comunicacional. Na primeira categoria estariam métodos

cuja característica é a centralidade/anterioridade da estrutura e do

funcionamento da língua em si (com maior ou menor grau de

explicitude no ensinar e aprender). À segunda categoria pertencem aos

métodos que centram sua prioridade e ação na interação social com

propósitos comunicativos (a cuidadosa construção de sentidos desde o

início com focos opcionais ou justificadamente ocasionais nos

aspectos sistêmicos da língua). (ALMEIDA FILHO, 2004, p. 05).

O que se pode compreender do terceiro paradigma apontado por Almeida Filho

(2004), ou seja, o comunicacional é que apenas o professor profissional é capaz de lidar

com duas macro-filosofias que explicam a constituição da língua na esfera social. Por

esta linha de pensamento, acreditamos que o desafio do professor de línguas

estrangeiras é ainda mais complexo, dado que é necessário considerar que quem ensina

idiomas estrangeiros interage com uma língua que não é a sua e que demanda, nesse

sentido, uma verdadeira sensibilidade para com a cultura do outro.

Algumas palavras não conclusivas

Ao longo desse texto, buscamos valorizar a profissão docente e a

profissionalização dos professores de idiomas estrangeiros. Em um primeiro momento,

analisamos dois anúncios de contratação de professores de línguas no contexto de

escolas privadas de idiomas. Em nossa leitura, enfatizamos que, alguns centros de

idiomas, desvalorizam a profissão docente, ao colocar a formação acadêmica em plano

secundário em detrimento da contratação de usuários fluentes da língua.

Em um segundo momento, revisamos três movimentos formativos: a

profissionalização, a reflexão e o paradigma comunicacional (ALMEIDA FILHO,

2004), com o objetivo de mostrar a relevância da formação de professores de línguas

estrangeiras.

Essa discussão é fundamental para compreendermos que é urgente respeitar a

profissionalização dos profissionais da educação. Esperamos, assim, que esse texto

contribua com a valorização da profissionalização do professor de línguas estrangeiras,

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107

para que possamos promover um ensino profissional, de qualidade, reflexivo e

consciente de idiomas estrangeiros em nosso país.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, J. C. P. O professor de língua(s): profissional, reflexivo e

comunicacional. In: Revista Horizontes de Linguística Aplicada. Brasília:

Universidade de Brasília, 2004.

ARAÚJO, D. L. de. Das razões para ser professor (de português) hoje - o profissional

de Letras: formação constante. In: Revista Letras Raras. Campina Grande:

Universidade Federal de Campina Grande, 2012. Disponível em:

http://revistas.ufcg.edu.br/ch/index.php/RLR/article/view/245 Acesso em: 07. Fev.

2018.

COSTA JUNIOR, J. V. L. da; ARAÚJO, D. L. de. Paradigmas de ensino e atuação de

professores de língua(s) estrangeira(s): de usuário da língua à incompletude

profissional. In: Revista Letras Raras. Campina Grande: Universidade Federal de

Campina Grande, 2017. Disponível em:

http://revistas.ufcg.edu.br/ch/index.php/RLR/article/view/799/465 Acesso em: 14. Fev.

2018.

FREIRE, P. A educação na cidade. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1991.

PIMENTA, S. G; GHEDIN, E. O professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um

conceito. São Paulo: Cortez, 2005.

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108

CAPÍTULO VIII

TIC’S E LITERATURA: INOVAÇÕES E DESAFIOS PARA O ENSINO NA

ERA DIGITAL

Juliana Prestes de OLIVEIRA

Amanda L. Jacobsen de OLIVEIRA

Anselmo Peres ALÓS

Que a era digital faz parte da nossa vida, isso não podemos negar. Mas,

pensando na Educação, como as tecnologias podem contribuir ou atrapalhar no processo

de ensino-aprendizagem?

É partindo desse questionamento que buscamos pensar o uso das Tecnologias de

Informação e Comunicação (TIC‘s) na sala de aula, principalmente no que diz respeito

ao ensino de literatura, visto o advento do desenvolvimento da tecnologia e sua

respectiva expansão em diversas áreas, bem como o fato de que nossos alunos são

nativos digitais††

e, por isso, os vemos em constante contato com essas tecnologias.

Essa geração de estudantes contribuiu para que a Comunicação e a Educação

fossem repensadas, levando os educadores e pesquisadores a atentarem para o potencial

advindo destes jovens e das tecnologias existentes. Verificou-se, então, que o ensinar

baseado em paradigmas retrógrados não é suficiente para atender as novas demandas

destes alunos e nem atinge o resultado desejado, uma vez que os avanços tecnológicos

mudaram a forma de ser, de agir e de pensar da sociedade.

Segundo Coelho (2012, p. 89, grifo da autora),

[...] constata-se que a geração digital também conhecida como

Geração Y cresce em um mundo no qual a comunicação digital tem

um papel fundamental tanto na sua formação quanto na compreensão

da realidade, pois é a partir da expansão das novas tecnologias que

essa geração se expressa e interage seja por meio de sons, imagens e

textos escritos e verbais.

Dessa forma, é preciso levar para a sala de aula as tecnologias que fazem parte

do cotidiano dos alunos, atrelando-as ao conteúdo do currículo escolar. O professor

precisa refletir sobre quais tecnologias poderá utilizar em suas aulas, se elas o auxiliarão

a atingir seu objetivo, a finalidade pretendida, despertar-se-á nos alunos o interesse pelo

††

Segundo Prensky (2001), as crianças nascidas a partir da década de 1980 e 1990 são definidas como

nativos digitais, pois apresentam familiaridade com o universo digital e possuem a habilidade e

competência para realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo.

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109

conteúdo, contribuindo para o aprendizado, e se as tecnologias contribuirão para tornar

a obras literárias do currículo mais interessantes, despertando o gosto pela literatura e

pela leitura.

Assim, como docentes, intentamos refletir acerca dos desafios da implementação

das TIC‘s em sala de aula para o ensino de literatura, bem como acerca das

possibilidades que essas podem nos proporcionar para melhorar nossa prática docente,

bem como para nos aproximar da realidade e vivências dos nossos alunos. Além disso,

pensamos na capacidade das TIC‘s ao tentar aproximar o aluno dos livros literários e

das reflexões que esses podem proporcionar, auxiliando os estudantes a se tornarem

leitores mais ativos e, consequentemente, mais críticos.

Um dos pontos principais para que as TIC‘s sejam incorporadas à prática

docente é o professor; longe de tentar evitar as tecnologias digitais e virtuais, tratando-

as como uma ―tendência de época‖, o professor deve aceitá-las em seu papel de

participante na constituição dessa nova realidade global (em modo crescente na visão

em longo prazo). Veja-se, por exemplo, as mudanças significativas no mercado de

trabalho, que passa a exigir, cada vez mais, profissionais capacitados a trabalhar com

processamento de dados e conteúdos afins. A cada dia que passa, vemos o crescimento

incessante das TIC‘s, e as usamos das mais diversas formas (redes sociais, aplicativos,

websites, softwares e programas), o que mostra que elas têm papel fundamental na

formação intelectual do ser humano e nas atividades cotidianas, descartando a ideia de

que elas não serão mais utilizadas com o passar do tempo.

De acordo com Prensky (2001), os nativos digitais são indivíduos que não

sentem medo ao se depararem com os desafios propostos pelas TIC‘s; eles

experimentam e vivenciam os recursos oferecidos pelos aparatos digitais, conseguindo

realizar múltiplas tarefas. Dessa forma, esses indivíduos, segundo Coelho (2012, p. 89),

―se caracterizam pelas múltiplas competências e habilidades sensórios verbais e visuais

que possuem e utilizam para se comunicarem‖.

Se isso for entendido e aceito pelo docente, o mesmo deve compreender e

adquirir habilidades e competências, por meio de cursos de capacitação continuada ou

pela busca de informações através da internet, para acompanhar esta realidade diversa e

complexa, bem como atentar às mudanças na forma de se comunicar e buscar

conhecimento. Além disso, a escola também precisa acompanhar essas mudanças, pois

novas percepções acerca do ensino-aprendizagem estão surgindo, e ela precisa dar

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110

subsídio para que professores e alunos possam usufruir das tecnologias de maneira

adequada.

Além de informatizá-la, é necessário

[...] repensar o projeto pedagógico da escola, realizando uma reflexão

sobre as finalidades da escola, explicitando seu papel social, bem

como quais ações deverão ser empreendidas pela equipe da escola

(diretores, pedagogos, professores, funcionários, pais e alunos) frente

às TIC‘s. Esse processo deverá envolver o conhecimento sobre a

sociedade, a educação, a escola, o aluno numa dimensão ideológica –

expectativa definida, com base em fundamento epistemológico,

fundamento psicológico e fundamento pedagógico. O refletir sobre

estes fundamentos que consubstanciam a proposta da escola vai

explicitar a concepção de seus atores sobre sociedade, educação e

escola que busca a emancipação humana (ENS, 2002, p. 40).

Com o desenvolvimento tecnológico, o professor precisa estar ciente que os

alunos utilizam os recursos digitais e que, para não se sentir ―obsoleto‖, ele deve fazer o

mesmo, implantando-os na sua prática pedagógica. O professor deve ainda pensar

criticamente em seu papel frente ao novo contexto e arranjo global de vivência e

interação social constituído em função do uso dessas ferramentas, buscando formação

adequada para atender às novas demandas do (aluno) nativo digital.

Segundo Bellei (2012, p. 142), não há dúvida de que as vantagens do uso das

TIC‘s, em sala de aula são reais. Cada vez mais professores e alunos percebem que, com

o acesso à internet, o material de ensino torna-se mais fácil de ser encontrado e usado.

Às vezes esses materiais são mais interessantes e dinâmicos (correspondendo à

interação cotidiana dos jovens) e contribuem mais para o aprendizado do aluno do que

aquele apresentado simplesmente pelo professor – que, na maioria das vezes tem, como

ferramenta, apenas o livro didático impresso.

Ademais disso, a utilização das tecnologias nas mais diversas atividades e

setores tornou o mercado mais competitivo. Com isso, as novas exigências recaem

sobre o ser humano em relação à sua preparação para o mundo do trabalho, colocando-o

em uma posição na qual a busca por qualificação, competência e eficiência deve ser

constante. O indivíduo precisará ter conhecimentos gerais, flexíveis e interdisciplinares,

procurando ser criativo, dinâmico, reflexivo, atuante na sociedade e capaz de se adaptar

às suas mudanças – ou contestá-las de forma contundente.

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111

Diante disso, e do fato de que estamos na chamada era digital, cabe pensarmos

as vantagens e desvantagens do das TIC‘s em sala de aula. A interação com as

tecnologias faz-nos refletir sobre nossas ações e sobre sermos sujeitos da própria

educação. Isso porque, atualmente, a forma tradicional de ensino está desacreditada,

pois não responde aos anseios dos estudantes, ou às expectativas sociais. Ao pensarmos

nisso, e após estudos sobre ensino e tecnologias digitais, percebemos que é preciso levar

o mundo real para a escola, mostrando aos alunos e à equipe docente as mudanças que

estão ocorrendo, preparando-os para os possíveis enfrentamentos a serem encontrados,

tanto no mercado de trabalho quanto na sociedade em geral, de forma a torná-los

agentes ativos e reflexivos diante dos acontecimentos. Segundo Siluk et. al. (s/d), as

TIC‘s contribuem, enquanto instrumentos, para auxiliar no processo educativo; elas

estão a serviço da educação, seja por meio da utilização criativa do computador e da

internet, ou por meio de estudos à distância, os quais proporcionam a oportunidade de

realizar pesquisas (individual e em grupo), ter interatividade (com o computador ou com

outras pessoas), e trocar conhecimentos e informações com outras pessoas.

As TIC‘s, quando usadas de maneira adequada, com planejamento coerente com

a situação e com o público, são excelentes aliadas no processo ensino-aprendizagem. O

resultado em sua utilização poderá ser uma sala de aula em que haverá interatividade,

coletividade, alteridade e interdisciplinaridade, pois pode promover a aproximação de

diferentes áreas do conhecimento através da navegação por páginas, sites, materiais on-

line e relação com conteúdo de outras disciplinas – principalmente em função da

presença de links e hiperlinks que nos ligam a uma rede repleta de páginas e sites de

temáticas relacionadas ao que estamos estudando/pesquisando, ampliando a gama de

conhecimento. Dessa forma, pode-se encontrar e instigar, por exemplo, a relação entre

Literatura, Artes e História, ao pesquisarmos determinado autor ou obra, a partir do qual

se acessa uma página na qual há textos com links que levam ao contexto histórico, que

levam ainda às demais produções e costumes de época (auxiliando assim na

compreensão de determinado assunto), com base no entendimento e apreensão da

formação interdisciplinar de nossa sociedade.

Destarte,

[...] a informática transforma o conhecimento em algo não material,

variável, fluido e indefinido, por meio dos suportes digitalizados,

trazendo consigo processos provocadores de rupturas: a interatividade,

a manipulação de dados, a correlação dos conhecimentos entre si por

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112

meio de links e nós de redes hipertextuais, a plurivocidade, o

pagamento das fronteiras rígidas entre texto-margens e autores-

leitores, a relativização da objetividade do conhecimento e da busca

de verdades definidas (RAMAL, 2002, p. 14).

Apesar da escola, ao fim e ao cabo, ser menos livre que a sociedade, uma vez

que precisa trabalhar com conteúdos contidos em um currículo ou programa (e a

Literatura está submetida a isso), ―não significa que as teorias e [as] práticas sejam

imutáveis. Ao contrário: a escola, assim como todo elemento de cultura, é histórica, e

precisa mudar‖ (REZENDE, 2013, p. 109).

Todavia, é ilusão pensar que somente a informática, um laboratório equipado

com computadores e internet, e a implantação de TIC‘s serão suficientes para melhorar

o ensino, principalmente o ensino-aprendizado de literatura. É também necessário

pensar e construir práticas pedagógicas participativas e de acordo com as necessidades

de cada aluno. O professor deve considerar o contexto sociocultural do aluno e criar

situações de aprendizagem que permitam o desenvolvimento de processos dialógicos e

reflexivos do estudante, possibilitando a busca de novas descobertas e respeitando a

produção individual. Dessa forma, o professor deve ser um mediador, interferindo,

interagindo e articulando o conteúdo literário com as formas tecnológicas disponíveis na

rede, aproximando o conteúdo do cotidiano do aluno, e auxiliando-o na interação com

as informações publicadas e com os recursos tecnológicos, para que consigam se tornar

sujeitos críticos e atentos ao que está publicado na internet, bem como a fazer pesquisas

e investigações de forma autônoma.

Para Nobert Pachler (2014 apud BRATKOWSKI e BAGGIO, 2014),

coordenador do London Mobile Learning, a mobilidade é o âmago do mundo

contemporâneo; por isso, os educadores precisam utilizá-la ao seu favor, sobretudo no

que diz respeito à aprendizagem e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes –

grupos que cada vez mais faz uso dessas plataformas digitais.

Muitas vezes, para incorporar as TIC‘s na sala de aula,

[...] é preciso ousar, vencer desafios, articular saberes, tecer

continuamente a rede, criando e desfrutando novos nós conceituais

que se inter-relacionam com a integração de diferentes tecnologias,

com a linguagem hipermídia, as teorias educacionais, aprendizagem

do aluno, a prática do educador e a construção da mudança em sua

prática, na escola e na sociedade. Essa mudança torna-se possível ao

propiciar ao educador o domínio da TIC e o uso desta para inserir-se

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113

no contexto e no mundo, representar, interagir, refletir, compreender e

atuar na melhoria de processos e produções, transformando-se e

transformando-os (ALMEIDA, 2005, p. 73).

A experiência pedagógica, bem como pesquisa por parte do professor, é

fundamental. Ao conhecer as técnicas de informática para a realização das atividades, e

sabendo o que significa construir conhecimento, o professor conseguirá utilizar o

computador, o laboratório de informática e as TIC‘s para a construção de novos

conhecimentos sobre a literatura e, quem sabe, também para a construção do gosto pela

literatura. De acordo com Valente (2008, p. 1),

[...] o computador pode enriquecer ambientes de aprendizagem, onde

o aluno, interagindo com os objetos desses ambientes, tem chance de

construir seu conhecimento. Neste caso, o conhecimento não é

passado para o aluno. O aluno não é mais instruído, ensinado, mas é

construtor de seu próprio conhecimento.

Pensando nisso, perguntamo-nos se o professor de literatura não pode buscar

atrelar às suas práticas pedagógicas e experiências o seu conhecimento acerca da

informática, bem como procurar fazer cursos de capacitação que ensinem a utilizar as

TIC‘s, alterando o velho método de lecionar literatura. Não estamos propondo que esses

docentes abandonem os livros literários, mas que as TIC‘s sejam utilizadas como

aliadas para levar o aluno até eles e, consequentemente, despertar o interesse dos

estudantes em com eles travar um contato significativo.

De acordo com Rezende (2013, p. 111), uma das maiores dificuldades do ensino

de literatura nas escolas ―não se encontra na resistência dos alunos à leitura, mas na falta

de espaço-tempo na escola para esse conteúdo que insere fruição, reflexão e elaboração,

ou seja, uma perspectiva de formação não prevista no currículo, não cabível no ritmo da

cultura escolar‖, além da falta de bibliotecas, ou de bibliotecas equipadas com os

exemplares que estão no currículo escolar.

Dessa forma, as TIC‘s vêm para auxiliar os docentes e discentes no acesso aos

livros e materiais críticos sobre os mesmos. Como exemplos de acesso livre a conteúdo

digital útil ao ensino de literatura, na internet, é possível mencionar as várias obras da

literatura brasileira disponíveis no website Domínio Público

(<http://www.dominiopublico.gov.br>). Além disso, há obras estrangeiras disponíveis,

também em domínio público (principalmente aquelas de autores falecidos há mais de

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114

mais de 75 anos), que podem ser usadas para despertar o interesse por leitura e serem

trabalhadas em parceria com os professores de Língua Estrangeira. Há ainda páginas,

tais como blogs e revistas – além de vários vlogs disponíveis em plataformas tais como

o Youtube, nos quais leitores assíduos (estrangeiros e brasileiros, muitos deles

professores) empreendem discussões acerca das mais variadas obras – onde se

encontram resenhas, resumos e análises que podem auxiliar na leitura e entendimento

dos livros e ao instigar o aluno a ler. Como afirmam Bratkowski e Baggio (2014, p. 5),

―muitas são as vantagens do livro digital, já que é através da internet que os livros raros

são disponibilizados para o mundo. O acesso a obras literárias torna-se mais facilitado e

pode ser compartilhado por diversas pessoas de diferentes regiões‖; principalmente se

pensarmos no currículo do 1° ano do Ensino Médio, constituído, muitas vezes, de

Quinhentismo, Barroco e Arcadismo, sendo que os textos dessas épocas dificilmente

são encontrados em forma de livro impresso.

Há, no entanto, muitos docentes que se recusam a utilizar os livros digitais, pois

acreditam que eles não substituem o prazer em manusear, segurar e ler um livro

impresso, e que, caso se abra espaço para o livro digital e para a internet, o professor

não será mais necessário. Apesar disso, é preciso entender que, diante de certas

realidades escolares (leia-se, a ausência de exemplares e livros suficientes para todos os

alunos, por exemplo), ―[o] material eletrônico não substitui completamente o material

impresso, e o professor continua a ser indispensável‖ (BELLEI, 2012, p. 143). Por essa

perspectiva, portanto, o material eletrônico funciona ao auxiliar e propiciar novas

possibilidades para os alunos e, principal e essencialmente, para os professores. O livro

digital não substituirá o impresso em nenhum aspecto, é o que acreditamos e

defendemos. Segundo estudos, ambas as formas coexistem e devem ser usadas, pois

uma complementa a outra.

Em relação à ideia de que o professor será substituído, basta pensar que o

computador e a internet podem ser ferramentas pedagógicas que, quando bem

utilizadas, oferecem maior subsídio para uma nova postura na prática docente. Os

professores constituem papel importante para a mediação entre alunos e recursos

digitais, de modo a usufruí-los da melhor forma, tanto em sala de aula como em casa,

pois ―entende-se que os professores são sujeitos dos saberes e mediadores de toda ação

pedagógica que ocorre no interior da escola‖ (COPPOLA e RAMOS, 2009, p. 3). São

eles que indicarão aos alunos como e onde pesquisar, quais os websites mais confiáveis

e os meios mais ágeis e frutíferos, como baixar arquivos de maneira segura, e em que

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115

lugares da internet é possível baixar os arquivos de livros completos. Nisso consiste a

necessidade de que os professores se apropriem ―das novas tecnologias, não apenas para

motivar os alunos, mas para compreender o processo ativo e dinâmico que ocorre nessa

interação entre homem e a máquina‖ (COPPOLA e RAMOS, 2009, p. 3).

Ao introduzir o livro digital e a leitura de textos encontrados na rede, o professor

auxilia o aluno a entender e utilizar a internet como fonte de pesquisa e auxiliadora na

construção do aprendizado, fazendo-os ir além de seu uso somente como acesso de

redes sociais, ampliando assim o seu acesso à informação. Com isso, o aluno passa a

realizar a leitura digital, deparando-se com textos com links e hipertextos, o que rompe

com a linearidade e amplia as possibilidades de intervenção do leitor, permitindo

conexões e acesso a outras fontes de conhecimento, construindo práticas efetivamente

interdisciplinares.

Dessa forma, aquele ensino equivocado da literatura, que abrange apenas

períodos, datas e superficialmente estuda os autores e suas obras (e que não contribui

para a formação de leitores de literatura, tampouco de leitores críticos) amplia-se.

Através da inclusão do aluno em ambientes com conteúdos relevantes, e de uma

abordagem diferenciada, será possível que ele/ela sinta como eram determinadas

épocas, costumes e histórias, podendo refletir a respeito delas, entendendo a nossa

sociedade, e revelando que, por meio dos textos literários, é possível conhecer a nossa

História (e, a partir disso, ampliar nossas perspectivas e opiniões), tornando-o mais

reflexivo, crítico e atento ao modo como nossa sociedade se constituiu e se constitui.

Entretanto, o professor precisa mediar este processo, mostrando ao aluno-leitor a

necessidade de se estar atento para não perder o foco, e a selecionar informações

relevantes para o que está sendo estudado. Para isso, ―é preciso construir uma ponte

resistente entre o mundo que se vive e a sala de aula, estando atento ao cenário cultural

deste grupo de alunos‖ (PACHLER, 2014 apud BRATKOWSKI e BAGGIO, 2014, p.

4).

Além de auxiliar os estudantes a realizarem pesquisas, ampliando a forma de

utilizar a internet, é possível ao professor usar recursos tecnológicos, disponíveis no

computador ou na web, para apresentar os conteúdos, e instigar os alunos à utilização

das TIC‘s na construção de conhecimento. Um dos recursos a ser explorado, e que é

pouco utilizado pelos professores das escolas públicas, é o PowerPoint e o projetor

multimídia. Isso ocorre por vários fatores: ou o equipamento de projeção é inexistente

(ou insuficiente) na escola, impossibilitando o professor de levar o seu notebook

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116

(observe-se que, nessa hipótese, o computador, equipamento essencial, deveria ser

fornecido pessoalmente pelo professor), ou porque o próprio docente não sabe como

criar uma apresentação de conteúdo nesse recurso. Outro meio de apresentar conteúdo

são as Ferramentas da Web. Várias delas têm versões gratuitas, com alguns recursos

reduzidos, mas que são muito funcionais. As desvantagens, novamente, incluem a

necessidade dos equipamentos e o fato de necessitar de acesso à internet para mostrar a

apresentação (ou a necessidade de comprar o pacote completo para poder baixar o

arquivo e exibi-lo posteriormente, em qualquer lugar), uma vez mais se deposita uma

gigantesca responsabilidade (que deveria ser profissional, mas se torna pessoal) ao

professor. Dentre essas ferramentas podemos citar as destinadas à apresentação visual

(tais como Emaze, Prezi, Canva, Genially, Easelly e Google Drive), e as ferramentas

para animações e vídeos (tais como Powtoon, Animoto e Aurasma).

Com o Prezi (<https://prezi.com/>), por exemplo, é possível criar apresentações

com slides, como as do PowerPoint. Não obstante, o primeiro recurso permite fazer

uma apresentação em 3D, com animação, inclusão mais interacional e dinâmica, com

estruturas inteligentes, zoom e movimento livre, podendo o professor, inclusive,

disponibilizá-la na nuvem, sem que o aluno precise baixá-la. O Emaze

(<https://www.emaze.com/pt/>) também permite criar apresentações em 2D ou 3D

visualmente estimulantes, podendo acrescentar imagens, vídeos, links e gifs, de modo a

possibilitar o compartilhamento na nuvem ou nas redes sociais. Com ele também é

possível criar websites, e-cards e blogs. O Canva (<https://www.canva.com/>), da

mesma forma que as ferramentas supracitadas, permite a criação de apresentações.

Além disso, há a opção de produção de cartazes, montagem de fotos e criação de e-

books. O Genially (<https://www.genial.ly/es>) permite criar apresentações em slides

de maneira atrativa, contendo vídeos de apresentação, imagens interativas, jogos,

quizzes, infográficos, mapas e listas, entre outros, podendo os arquivos serem

disponibilizados on-line ou descarregados no próprio computador do aluno para acesso

posterior. Já no Easelly (<https://www.easel.ly/>), é possível criar apenas infográficos,

úteis para montar explicações em forma de esquemas, principalmente quando o assunto

é mais complexo e repleto de ramificações. Por fim, o Google Drive também possibilita

criar apresentações em slides. Mesmo seus recursos sendo mais estáticos (semelhantes

ao do PowerPoint), sua vantagem é a de poder compartilhar a elaboração da

apresentação, que pode ser feita e alterada em qualquer computador com acesso à rede,

possibilitando ao professor acessá-la (para visualização ou edição) no computador da

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117

escola (caso esse tenha acesso à internet); a apresentação final, por sua vez, poderá ser

construída de forma colaborativa, com outros docentes, bastando compartilhar o link via

e-mail.

Das ferramentas para animação, o Powtoon

(<https://www.powtoon.com/home/>) é um dos mais interessantes e fáceis de ser

manuseado. Com ele, podemos criar uma apresentação visual baseada na construção de

pequenos vídeos animados (colocando áudios com nossa própria voz ou inserindo textos

a serem lidos), dispostos em sequência, formando uma apresentação rica em

movimento, conhecimento, informação e diversão. O Animoto (<https://animoto.com/>)

permite a criação de efeitos em fotos e vídeos, que se fundem criando algo de alto

impacto. Já o Aurasma (<https://www.aurasma.com/>), uma ferramenta de realidade

aumentada, pode animar o mundo visto por um smartphone.

Quando se escolhe fazer uma apresentação com uma destas ferramentas, é

preciso entender que a imagem, para o ensino-aprendizagem, não desempenha um papel

meramente decorativo. A imagem escolhida deve estar integrada ao texto, e ambos

devem se complementar, de maneira a melhorar a qualidade da transmissão da

mensagem, avaliando qual o recurso mais adequado para comunicar a ideia em questão

(ilustração, foto, imagem, esquema, cenário...). Por exemplo, quando vamos apresentar

a contextualização histórica de determinada obra literária, podemos muitas vezes

substituir um texto por uma imagem ou gravura que represente determinado

acontecimento; quando vamos abordar artistas plásticos de uma determinada vanguarda,

ou um poema, podemos colocar imagens de pinturas desses artistas, ou quadros e

gravuras que foram produzidas a partir do poema. Sempre que possível, é importante

acrescentar elementos visuais junto ao texto, de maneira equilibrada, uma vez que a

imagem chama a atenção e contextualiza, e sua interpretação pode ser mais subjetiva,

enquanto que o texto informa, descreve pormenores, e sua interpretação pode ser mais

literal.

Com as ferramentas supracitadas, além de o professor usá-las para apresentar o

conteúdo, de maneira mais interativa e atrativa, ele pode propor atividades nas quais os

alunos precisem realizar pesquisas, individuais ou em grupo, sobre um tópico do

assunto estudado e, posteriormente, apresentar aos colegas utilizando uma das

ferramentas sugeridas. Assim, os alunos estarão mais envolvidos na construção do

próprio conhecimento, poderão trocar informações com os colegas, e terão a

oportunidade de aprender a usar os recursos tecnológicos para estudar, além de entender

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118

que a realização de trabalhos em grupo hoje pode ser feita presencial ou virtualmente. O

professor será o mediador desse processo, indicando os caminhos e as realizações

possíveis para a atividade, conduzindo os alunos.

Ao pensar em trabalhos em equipe, temos também as ferramentas para trabalhos

colaborativos, como o Murally, o Padlet e, novamente, o Google Drive. O Murally

(<https://mural.co/>) é um serviço on-line, e permite aos usuários a criação de murais

colaborativos. Nesses, os estudantes podem compartilhar basicamente qualquer coisa:

trechos de textos capturados da internet, imagens, vídeos, links etc., montando um

esquema ou tópicos mais relevantes sobre o tema abordado. Consiste na mesma ideia do

mural físico exposto nas paredes da escola. O Padlet On-Line (<https://pt-

br.padlet.com/>) apresenta-se como um mural, ou quadro, permitindo que os alunos

realizem as tarefas das aulas ou criem as suas próprias ideias. O Google Drive também

permite que os alunos façam um trabalho de maneira colaborativa, tanto em arquivo

Microsoft Word, como uma apresentação de slides. A partir de qualquer uma dessas

ferramentas, pode-se compartilhar a produção em questão na rede, promovendo a troca

de informações entre os grupos.

Com esses recursos, o professor pode planejar trabalhos extraclasse, além de

utilizar as produções dos alunos para entender o modo como organizam seus

pensamentos, sua maneira de aprender e suas maiores dificuldades, auxiliando, assim,

na preparação das aulas subsequentes. Outro recurso tecnológico que pode auxiliar

nesse sentido é o mapa conceitual, disponibilizado pelo Cmaptools

(<https://cmap.ihmc.us/cmaptools/>), que permite ao usuário criar mapas conceituais,

ou esquemas, dispondo conceitos de forma hierárquica, por exemplo.

O blog também poder ser usado pelo professor como uma plataforma onde

alunos poderão postar textos (de sua escolha) sobre o conteúdo e, principalmente, para

acrescentar resenhas, resumos, análises e comentários críticos sobre as obras literárias

estudadas. Dessa forma, o texto produzido pelos alunos não terá somente o docente

como destinatário, e não será lido apenas por ele, mas por todos da turma e por aqueles

que acessarem o blog, sendo que os internautas poderão escrever comentários em cada

texto.

Outro recurso que pode ser incorporado à prática pedagógica é o YouTube. Com

ele, os alunos poderão gravar vídeos das mais variadas temáticas e formas. Como

exemplo, podemos citar uma atividade na qual se solicita aos alunos a elaboração de um

curta-metragem, encenando a história de uma obra literária e/ou adaptando-a; ou em

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119

outro formato que desejarem, desde que se conte o enredo. Também podem construir

―telejornais‖ que relatem acontecimentos de uma obra, mostrando os impactos causados

na sociedade, qual o contexto social que produziu aquele comportamento, e que ligação

tem com a época e o contexto histórico. Como forma de incentivar a leitura, pode-se

fazer vídeos em formato de propaganda, estimulando a leitura de determinada obra.

Enfim, são inúmeras possibilidades e a escolha da atividade dependerá do objetivo a ser

alcançado.

Por fim, os games também podem ser aliados no processo de ensino-

aprendizado. No site ClassTools (<http://www.classtools.net/>), há variados jogos que

podem ser formatados pelo professor de acordo com o conteúdo abordado. Para o

ensino de literatura, pode-se utilizar, por exemplo, o 3D Galery

(<http://www.classtools.net/3D/>). Nele é possível criar uma sala virtual de museu em

3D, selecionando-se obras de arte de determinado período literário, com descrições

sobre autor, nome do quadro, estilo etc., e fazer o aluno percorrer (virtualmente) a

galeria de arte. O famoso Pac-Man (<http://www.classtools.net/arcade/>) possui uma

versão editável, onde o professor pode modificar questões de múltipla escolha sobre

determinada obra, autor, ou o que achar pertinente, a serem respondidas pelo aluno,

possibilitando-o jogar na plataforma efetivamente. Essa pode ser uma ferramenta de

revisão de conteúdo, na qual o aluno aprende jogando. Além dos recursos citados, é

possível pesquisar as indicações feitas pelo Ministério da Educação no Guia de

Tecnologias Educacionais (2009).

Nessa esfera, além do computador e da internet, o celular também pode ser uma

ferramenta utilizada para o ensino de literatura. Ele serviria como uma maneira de fazer

pesquisas durante as discussões em sala de aula, através da busca de figuras, imagens de

obras de arte, localidade das cidades onde as histórias acontecem, ou a origem

geográfica de um determinado autor. Além disso, seria uma ferramenta para acessar

plataformas criadas pela turma em parceria com o professor, nas quais estaria disponível

o material virtual da disciplina, ou para acessar alguns dos mecanismos

supramencionados.

Contudo, não basta somente o docente buscar se informar e aprender sobre e

como utilizar as TIC‘s. É preciso que haja investimento, através da criação de políticas

públicas de acesso ao letramento digital, para que as escolas sejam equipadas com

laboratórios de informática com computadores suficientes para todos os alunos que

compõem a turma. Equipamentos esses com bom funcionamento e manutenção, com

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120

internet de qualidade. Ainda em relação a equipamentos nas escolas, é preciso que a

mesma disponha daqueles destinados à projeção multimídia (se não um em cada sala, ao

menos em espaços estratégicos da escola, de uso coletivo), proporcionando

revezamentos entre os docentes, bem como verbas para manter os equipamentos

funcionando.

Não obstante,

[...] melhorar somente os aspectos físicos da escola não garante uma

melhora no aspecto educacional. Valorizar o salário do professor

certamente contribui para uma melhora no aspecto educacional, como

já foi demonstrado com estudos realizados pela Câmara do Comércio

Brasil-Estados Unidos (1993). Entretanto, essa valorização salarial

deve ser acompanhada como um todo. Isso significa que a escola deve

dispor de todos os recursos existentes na sociedade (VALENTE,

1998, p. 2).

Ademais, para que todos os professores possam ter acesso ao aprendizado sobre

as TIC‘s, faz-se necessário promover cursos de capacitação nos Núcleos de Educação.

Ainda mais, deve haver divulgação mais intensa (entre os profissionais da educação)

dos cursos ofertados por Instituições de Ensino, como Universidades, com a essencial

permissão para a liberação dos docentes – por parte da instituição empregadora – (de

forma organizada e em revezamento), contabilizando esses cursos de alguma forma

(como na progressão de carreira, ou bônus salarial, entre outros), valorizando, assim, o

professor que busca melhorar sua prática docente e que está em constante estudo e

aprimoramento.

Outro ponto importante na implantação das TIC‘s em sala de aula é a

manutenção e ampliação da carga horária da hora-atividade de cada professor. Trata-se

de um período essencial que possibilita ao docente mais tempo para preparar aulas que

envolvam o uso das tecnologias, importante diante da demanda de tempo e da dedicação

na elaboração do uso dessas práticas, no entrelaçamento entre conteúdo e ferramenta

tecnológica, bem como no manuseio e configuração do recurso, de forma a atender às

necessidades dos alunos.

Por fim, todas as considerações aqui tomadas a partir do desenvolvimento da

reflexão, buscando ainda oferecer possíveis ferramentas constituídas pelos recursos

tecnológicos, levam-nos a perceber que as TIC‘s não são a solução dos problemas

educacionais, mas são uma ferramenta para melhorar os processos de aprendizagem. O

seu uso facilita o aprendizado e permite a circulação e armazenamento de informações,

multiplicando possibilidades da utilização.

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121

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mar. 2018.

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CAPÍTULO IX

ENSINO DE LÍNGUA INGLESA E INCLUSÃO SOCIAL:

DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

Karyne Soares Duarte SILVEIRA

Márcia Ozinete de Alcântara Pinho BORBOREMA

Considerações Iniciais

Os contextos de formação docente de língua inglesa enfrentam vários desafios

diários, não apenas no que diz respeito às limitações características dos cursos de

licenciatura em línguas estrangeiras no nosso país, mas também quanto às crescentes

demandas inerentes ao profissional a ser formado.

O professor em formação, além de apresentar habilidades linguístico-

pedagógicas, precisa capacitar-se (mesmo que por conta própria) para saber lidar com as

necessidades mais diversas apresentadas por seus futuros alunos em contextos como:

ensino de inglês para cegos, surdos, autistas, idosos, dentre outros grupos mais

específicos. Conforme esclarecem Celani e Medrado (2017, p. 29), quanto ao que

consideram um dos maiores desafios dos cursos de licenciaturas nos dias de hoje ―[...]

formar professores que estejam dispostos a se transformarem ao longo do processo e da

sua prática e esse posicionamento abrange, a nosso ver, a transformação diante de

contextos inclusivos‖.

Assim, é mister que os cursos de licenciatura contemplem nos seus currículos

disciplinas que forneçam, desde o início, algum suporte teórico e prático sobre inclusão

social, nas suas mais variadas nuances, de forma a capacitar os professores, ainda que

inicialmente, quanto ao desenvolvimento de habilidades necessárias para favorecer a

aprendizagem de seus alunos. Além disso, essa formação deve servir para orientar os

professores quanto à importância de cobrar das instituições de ensino a devida

assistência estrutural para que a prática inclusiva aconteça de forma adequada dentro do

ambiente escolar.

Neste sentido, entendemos que é exatamente esse caráter de compromisso social

das práticas inclusivas (muito mais que seu caráter de prescrição legal) que tem

motivado vários pesquisadores a investigarem sua ocorrência no ensino-aprendizagem

de língua inglesa.

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Dessa forma, desenvolvemos este capítulo com o objetivo geral de apresentar

um panorama de pesquisas recentes que contemplam o ensino de língua inglesa em

contextos de inclusão social como um desafio da contemporaneidade. Para isso

discorremos inicialmente sobre o conceito de Linguística Aplicada Indisciplinar na

perspectiva de Moita Lopes (2002, 2006, 2009), e refletimos sobre a relevância das

questões relacionadas à justiça social para formação docente, segundo Zeichner (2008).

Em seguida, explicamos o termo inclusão social em um caráter mais geral e, de forma

mais específica, quanto ao ensino de línguas e suas implicações no contexto de

formação docente com base em Celani e Medrado (2017), dentre outros, e apresentamos

algumas pesquisas realizadas sobre essa temática e o papel dos professores e suas

respectivas formações nestas experiências (DANTAS, 2015; TONELLI e FERREIRA,

2017; FISCHER e KIPPER, 2016; e BORGES, 2016). Por fim, expomos nossas

considerações finais sobre o tema em tela.

Uma perspectiva indisciplinar da linguística aplicada para o ensino de línguas

Nas últimas décadas, é possível perceber que a Linguística Aplicada (doravante,

LA) tem passado por mudanças influenciadas por diversas áreas do saber, provocando

profundas reações no que se refere aos questionamentos acerca de seu objeto de estudo

e sobre a forma de produzir conhecimentos. Com isso, surge a formulação da LA

indisciplinar, ou seja, ―uma área mestiça e nômade, e principalmente, porque deseja

ousar pensar de forma diferente, para além de paradigmas consagrados‖ (MOITA

LOPES, 2009, p. 19).

É importante ter consciência da maneira pela qual as pesquisas em LA foram se

transformando e sendo motivadas por diversas abordagens teóricas, com a incorporação

de novos ideais, de novos interesses e de novos olhares – principalmente – um novo

olhar aliado às práticas sociais, que é uma das principais características da LA

indisciplinar. Concomitantemente, foi sendo possível detectar a crescente necessidade

de abranger as discussões sobre formação docente e o processo de ensinar línguas em

contextos inclusivos, isto é, chamando a atenção para ―a necessidade de ouvir as vozes

das periferias ou daqueles que foram alijados dos benefícios da modernidade (os negros,

os homossexuais, as mulheres, os povos colonizados etc.)‖ (op.cit., p. 21). Dessa

maneira, a questão da indisciplinaridade passou a ser um posicionamento

imprescindível para quem realiza pesquisas em LA.

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124

Por essa perspectiva indisciplinar da LA, devemos entendê-la como o empenho

dos linguistas aplicados em abordar essa área de conhecimento como ―um modo de criar

inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central‖

(MOITA LOPES, 2006, p. 14), com "múltiplos centros" (op.cit, p. 109) e enfatizando

"problemas do mundo real" (op.cit, p. 138). Com isso, ressaltamos que uma das

maiores mudanças relacionadas às pesquisas em LA foi a relação estabelecida entre as

teorias linguísticas e a elaboração de pesquisas que consideram aspectos da vida social,

visando transformações significativas para os que estão envolvidos de forma (in)direta

em determinado contexto social.

Sob o ponto de vista indisciplinar da Linguística Aplicada, salientamos outra

busca muito importante: a problematização do paradigma objetivista e positivista. É

possível perceber que a partir também da década de 70, os linguistas aplicados

começam a deixar de lado ―a racionalidade técnica e a visão de ensino como

transmissão de conhecimento, assumindo gradativamente uma perspectiva sociocultural

de ensino e aprendizagem (VYGOTSKY, 1978, 1986) e uma perspectiva crítico-

reflexiva (ZEICHNER, 2003, 2008)‖, como explica Vieira-Abrahão (2010). Outro

importante discernimento acerca dessa área de investigação foi perceber que é

fundamental a união de várias áreas de conhecimento, especialmente, aquelas

vinculadas às Ciências Sociais, a fim de compreender, por exemplo, a complexidade

que envolve os processos de ensinar línguas juntamente com a complexidade da

formação docente.

Com base nas novas concepções trazidas pela perspectiva da LA indisciplinar,

entendemos que fazer pesquisa em ciências humanas / sociais é ter oportunidade de nos

entender enquanto sociedade e poder transformá-la através do (re)pensar a linguagem e

de seus estudos vinculados às práticas sociais. Dizemos isso concordando com essa

nova ênfase da LA indisciplinar porque acreditamos que teorias devem ser

desenvolvidas a fim de proporcionar algum impacto na vida social, em outras palavras,

é o fazer ciência através de nossas pesquisas, sem nos conformar simplesmente dentro

delas, mas sim, fazer ciência e produzir conhecimentos, buscando aplicá-los, de fato, de

forma crítica em diferentes contextos da nossa sociedade – isso deve ser o dever de

todos aqueles que se intitulam cientistas.

Atualmente, a busca de participação por / com as vozes do Sul (MOITA LOPES,

2002, 2006; SANTOS, 2004; SANTOS, 2000) é outro aspecto de extrema importância

no campo da LA indisciplinar. Toda a discussão sobre a inclusão dessas tem

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125

enriquecido a área e trazido melhorias para os que conseguem participar de projetos

liderados por pesquisadores conscientes do papel político que ―fazer pesquisa‖ deve

apresentar.

Diante desse cenário e da nossa tomada de consciência sobre o que pesquisas em

LA são capazes de fazer, uma contínua reflexão ainda nos acompanha, uma vez que

percebemos que a grande bandeira da LA indisciplinar hoje está relacionada à produção

de conhecimento aliada a uma agenda político-social, ou seja, ―é crucial pensar formas

de fazer pesquisa que sejam também modos de fazer política ao tematizar o que não é

tematizado e dar a voz a quem não tem‖ (MOITA LOPES, 2009, p. 22). É fundamental

que estudos venham colaborar com o esforço que se tem empregado para estabelecer

mudanças no processo de ensino de línguas com o objetivo de favorecer a formação de

sujeitos capazes de ler e escrever o mundo de forma apropriada e mais crítica, incluindo

um novo sujeito da LA, através das vozes do Sul (MOITA LOPES, 2006), reiterando e

reestruturando o papel das relações sociais que podem ser estabelecidas durante o

complexo processo de ensino de línguas.

Formação docente para justiça social

Abordamos nesta seção algumas considerações sobre a necessidade de romper

fronteiras e ampliar os contextos de formação docente e das pesquisas em LA, tendo

como base as reflexões desenvolvidas por Zeichner (2008) cujo tema principal é

formação docente para a justiça social. Tal tema é abordado através de uma análise

qualitativa de alguns programas de formação docente e procura falar àqueles que, de

forma direta ou indireta, trabalham ―com a formação de professores e que acreditam que

na possibilidade da construção de um mundo mais justo, mais humano, fraterno e

solidário, livre de discriminações e ecologicamente sustentável‖ (op.cit., p. 10).

Ao pensar sobre aspectos da formação docente para a justiça social (doravante,

FDJS), consideramos interessante revisitar a definição de justiça. Procurando por alguns

conceitos que o definissem, encontramos o vocábulo justiça (sf) como sendo:

1.Virtude que consiste em dar ou deixar a cada um o que por direito

lhe pertence. 2. Conformidade com o direito. 3. Ação de reconhecer os

direitos de alguém a alguma coisa, de atender às suas reclamações, às

suas queixas etc (MICHAELIS, 2010, p. 49).

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126

Levando isso em consideração, é possível perceber a importância de o conceito

de justiça fazer parte do dia-a-dia de todos os cidadãos.

Afunilando a nossa discussão para a proposta da presente seção, podemos

enfatizar a necessidade de aliar os programas de formação docente aos conceitos,

interesses e benefícios que envolvem a justiça social. Já sabemos que os fundamentos

de justiça social se organizam por meio da equidade perante a lei, igualdade de

oportunidades para todos, respeitando os direitos destinados a todos os indivíduos que

compõem determinada sociedade, para que haja, assim, equilíbrio social.

Ao discorrer sobre aspectos da FDJS, vimos que essa abordagem teve como

objetivo inicial ―preparar professores a fim de contribuir para uma diminuição das

desigualdades existentes entre as crianças das classes baixa, média e alta nos sistemas

de escola pública de todo o mundo e das injustiças que existem nas sociedades, fora dos

sistemas de ensino‖ (ZEICHNER, 2008, p. 11). Com o passar do tempo, outro

importante objetivo foi acrescentado à FDJS que é o de ―preparar professores para

lecionarem em sociedades em que formas crescentes de ―responsabilidade‖ (do inglês,

acccountability) têm sido impingidas às escolas‖ (op.cit., p. 11). O autor também nos

informa que, atualmente, a agenda de inúmeros programas que trabalham e pesquisam

com/sobre formação docente tem sido ―a agenda de justiça social, que incorpora vários

aspectos do que tem sido referido como educação sócio-reconstrutivista, multicultural,

anti-racista, bilíngue e inclusiva‖ (op.cit., p. 15).

Com isso em mente, os professores que trabalham com a formação de novos

professores devem procurar despertar a conscientização sobre as diferenças que há em

vários contextos desenhados por histórias de segregação e exclusão de uns em

detrimento de outros. Através desse trabalho de conscientização, acreditamos que ficará

mais completa e inclusiva a formação de professores para que atuem como sujeitos de

transformação social e que se engajem em obras que objetivem superar – ou melhor –

erradicar (ainda que seja apenas no âmbito de sua atuação) as diferenças que impedem a

justiça social de ser feita e vivida pelos cidadãos de cada comunidade.

Essa discussão aponta, como vimos anteriormente, para um pilar fundamental do

campo da LA indisciplinar que é a união das pesquisas desenvolvidas nesta área com

uma postura de compromisso social. É necessário que ideais e forças sejam unidos com

o propósito de que a formação docente aconteça de forma mais abrangente, levando em

consideração a possibilidade de ensinar àqueles que se encontram nas margens de seus

contextos sociais para que as linhas que delimitam essas margens sejam apagadas de

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127

nossa sociedade. Bem sabemos que a responsabilidade do apagamento das distâncias

sociais entre os indivíduos de uma mesma sociedade é de responsabilidade de todos,

incluindo aqueles que elaboram e executam as políticas públicas, mas gostaríamos de

enfatizar o poder do ambiente de formação docente, uma vez que acreditamos que há

um grande potencial de transformação social ao formar professores ―capazes de

trabalhar dentro e fora de suas salas de aula, a fim de mudar as desigualdades que

existem tanto no ensino, quanto na sociedade como um todo‖ (op.cit., p. 17).

Gostaríamos igualmente de salientar a relevância de aprofundar as discussões

sobre a implementação de ações para que os objetivos almejados pela FDJS sejam

realmente atingidos nos programas de formação docente, visto que sendo esses

objetivos postos em prática, as dimensões políticas do ensino também poderão ser

ampliadas. Neste sentido, torna-se imprescindível dar atenção ao contínuo apelo feito

por Zeichner (2008) em prol de uma formação docente que tenha como lema ―formar

professores que contribuirão para um mundo mais igual e justo‖ (op.cit., p. 15), ―formar

professores para trabalhar contra injustiças no ensino e na sociedade‖ (op.cit., p. 16) e

―formar professores que assumiriam papéis de liderança na reconstrução da sociedade

para maior igualdade nas oportunidades e resultados entre os diferentes grupos que [a]

constituem‖ (op.cit. p. 19). Dessa forma, os professores podem efetivamente contribuir

para a melhoria da qualidade de vida de seus alunos, seja lá qual for a sua raça, credo,

idade, orientação sexual, poder financeiro, etc. uma vez que ao reconhecer a

necessidade de equidade social, o docente estará contribuindo para a formação de uma

sociedade mais justa.

Inclusão social e ensino de línguas estrangeiras

O termo inclusão social é amplamente difundido e de fácil compreensão. Para

Sassaki (2006, p. 29), inclusão social é ―o processo pelo qual a sociedade se adapta para

poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e,

simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade‖.

Sant‘Ana (2005, p.90), por sua vez, define inclusão como:

[...] a convicção de que todos os indivíduos devem, de forma

democrática, participar ativamente na organização da sociedade, de

modo que possibilite o acesso às oportunidades de desenvolvimento

sociocultural, levando sempre em conta as suas características

individuais.

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128

Observamos nas definições apresentadas pelos autores que o termo inclusão

contempla, por um lado, o respeito às necessidades do indivíduo, o reconhecimento de

seu dever de participar de forma ativa da sociedade, mas também, por outro lado, o

compromisso da sociedade de adaptar-se a essa realidade.

Neste sentido, Pires (2006) discute sobre a ética da inclusão e afirma ser este um

aspecto fundamental ao direito da cidadania, garantindo a todos oportunidades iguais

(inclusive educacionais) e respeito às suas diferenças, direitos estes amplamente

amparados por vários documentos legais, a saber: a Declaração Universal de Direitos

Humanos (ONU, 1 948, Artigo XXVI), a Constituição Federal (BRASIL, 1988, Artigo

205), o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), a Declaração de Salamanca (UNESCO,

1994) e, mais recentemente, a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015).

Apesar da clareza teórica do termo inclusão social e do respaldo legal para a sua

implementação, na prática do contexto escolar percebemos compreensões ainda

equivocadas. É comum encontrarmos instituições de ensino que se dizem inclusivas,

quando na verdade apenas recebem alunos com necessidades específicas em suas salas

de aula sem oferecer nenhum atendimento individualizado, evidenciando as limitações

do aluno, sem sequer ter a infraestrutura mínima exigida para atendê-los adequadamente

(com classes superlotadas, instalações físicas insuficientes, quadros docentes sem a

devida formação, dentre outros problemas). Na realidade essa prática consiste em

excluir os alunos dentro das salas de aula, ou melhor, trata-se de ―incluir segregando‖,

nas palavras de Fidaldo e Magalhães (2017).

Celani e Medrado (2017, p, 35) reforçam que ―[a] inclusão implica a

reestruturação, a recriação, a reorganização e a transformação de espaços e pessoas.‖

Isto é, para que a prática de inclusão ocorra de fato no ambiente escolar é preciso que

toda a comunidade entenda sua responsabilidade e (re)signifique seus papeis

favorecendo a devida capacitação docente, o desenvolvimento de material pedagógico

adequado, uma adaptação curricular, dentre outras iniciativas. Aq ui é possível constatar

a relação direta entre a proposta de ensino inclusivo de línguas com a ideia de

compromisso social assumido pela LA indisciplinar de Moita Lopes (2006, 2009) e pela

concepção de FDJS defendida por Zeichner (2008).

Em se tratando do contexto específico de ensino de línguas estrangeiras, é

fundamental que o professor tenha consciência do seu papel não só na promoção da

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129

aprendizagem de conhecimentos linguísticos, mas também culturais, que, por sua vez,

contemplam, sobretudo, o respeito e devida compreensão das diferenças. Fagundes e

Fontana (apud FONTANA, 2017) falam do papel do professor de línguas estrangeiras

como um mediador intercultural, conforme explicado por Fontana (2017, p. 52):

Isso significa que o docente que ensina línguas é um construtor de

pontes. Ele precisa estabelecer os caminhos para que seus alunos,

imersos em uma determinada cultura, possam tocar com as pontas dos

dedos e, mais tarde, apropriar-se inteiramente de uma nova ou de

novas culturas. São novas maneiras de pensar e sentir. Para ser capaz

disso, o mesmo professor precisa ter muita clareza sobre sua própria

cultura, sobre a cultura de seus alunos e a cultura dos povos cuja

língua estuda. Só assim, conhecendo e respeitando o que pertence ao

outro, ele consegue mostrar o caminho para que seu aluno, sem se

sentir agredido, transponha a ponte e encontre prazer e conhecimento

na cultura alheia.

Para o autor (op. cit.), essa consciência do professor de língua estrangeira só

pode ser desenvolvida por meio de uma formação que o coloque desde o início de sua

carreira docente em contato com os mais diversos tipos de seres humanos e suas

necessidades específicas. Daí a importância, também reforçada por Fontana, de termos

nos currículos das universidades uma prática docente que contemple outros contextos de

ensino-aprendizagem e não apenas o estágio em escola regular. Ideia esta com a qual

concordamos, pois se pretendemos alcançar uma educação de qualidade no nosso país,

precisamos assumir que, inevitavelmente, essa conquista perpassa o reconhecimento e

implementação efetiva da educação inclusiva.

Como sabemos, são vários os desafios inerentes ao ensino de línguas

estrangeiras em contexto inclusivo. Para lidar com esses desafios, além de ser

necessário contar com uma boa infraestrutura geral na escola na qual trabalha, é preciso

que o professor tenha consciência da importância de colocar em prática algumas ações,

dentre elas: entender a necessidade específica de cada aluno, escolher a metodologia

mais adequada, elaborar materiais didáticos específicos que promovam o

desenvolvimento de habilidades linguísticas, promover uma boa interação com os

outros alunos em sala e fazer uso de uma avaliação eficaz da aprendizagem. Para isto,

como afirmam Fidalgo e Magalhães (2017), é fundamental contar com uma formação

inicial e continuada que oriente o professor a ter autonomia para investigar sobre o caso

com o qual se depara, ouvir pais e responsáveis pelos alunos como parceiros no

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130

processo de ensino-aprendizagem e fazer uso da prática da aprendizagem colaborativa

em sua sala de aula, ampliando as possibilidades de trabalho com a língua que ensina.

Com base nessas constatações, descrevemos a seguir algumas pesquisas

desenvolvidas a partir de experiências distintas de ensino de língua inglesa em

contextos de inclusão como forma de demonstrar o compromisso assumido pelos

respectivos professores a partir da formação (ou falta de formação) obtida em busca de

caminhos alternativos possíveis em termos de educação inclusiva para línguas

estrangeiras.

Panorama de pesquisas sobre inclusão e ensino de língua inglesa

Dentre os vários estudos realizados sobre inclusão e ensino de língua inglesa,

descrevemos neste capítulo um panorama envolvendo quatro experiências que referem-

se a contextos distintos de inclusão, a saber: ensino de inglês para deficientes visuais,

para criança autista, para surdos e para idosos1. Entendemos que ao demonstrarmos

casos concretos sobre práticas inclusivas distintas, comprovamos a viabilidade de sua

implementação desde que respeitadas as necessidades específicas de cada grupo e a

devida formação docente, considerando a relevância da sensibilidade e compromisso

social assumidos pelos respectivos professores em cada experiência vivenciada.

Inicialmente descrevemos a pesquisa realizada por Dantas (2015) em um

contexto de ensino de inglês para deficientes visuais em séries do ensino fundamental e

médio de uma escola pública entre os anos de 2012 e 2013. Nesta pesquisa quatro

professores de inglês do referido contexto foram entrevistados, tiveram suas aulas

filmadas e, em seguida, viveram a experiência da autoconfrontação com a mediação da

pesquisadora, isto é, assistiram ao vídeo de uma de suas aulas como forma de refletirem

e comentarem sobre suas práticas.

Dentre as reflexões realizadas, os professores apontaram a ausência de formação

para a educação inclusiva como responsável pelo sentimento de despreparo para lidar

com os conflitos inerentes ao trabalho docente nesse contexto. Eles afirmaram entender

que essa formação não trata-se de uma responsabilidade apenas do próprio professor,

1 Embora o conceito de inclusão esteja mais fortemente associado a pessoas com deficiências físicas e/ou

mentais, esclarecemos que a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015) em seu artigo 3º, inciso IX

contempla os idosos como pessoas com mobilidade reduzida, estando, portanto, também acobertados pela

referida lei.

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131

mas do governo, da escola e dos cursos de formação. Um dos professores colaboradores

resumiu este sentimento revelando a necessidade de ser também incluído nessa nova

proposta (muitas vezes, imposta) de educação. Sobre essa questão, Dantas (2017, p. 19)

afirma: ―[n]esse sentido, a fala [do professor] corrobora o entendimento de que a

inclusão é para todos, e nesse todos incluímos desde o porteiro da escola até, e

principalmente, os professores.‖

Apesar do sentimento de despreparo para lidar com os conflitos associado à falta

de formação, três2 dos quatro professores reconfiguraram suas práticas no ensino de

inglês para deficientes visuais, dito de outra forma, eles fizeram uso da reestruturação

necessária da prática docente como algo inerente ao contexto de inclusão, conforme

descrito por Celani e Medrado (2017). Dentre as mudanças realizadas pelos professores,

Dantas (2015) cita: adaptação de atividades, aprendizagem de braile, preocupação em

falar mais perto dos alunos, auxílio dado na locomoção em sala, dentre outras. Essas

reconfigurações reforçam a afirmação da autora (op. cit.) sobre o cenário da educação

inclusiva como um lócus de conflito, não como algo negativo, mas significativo na

aprendizagem dos alunos e no desenvolvimento profissional.

Dantas (op. cit.) enfatiza ainda, após a análise dos dados de sua pesquisa, a

importância de uma formação docente voltada ao cenário da educação inclusiva não

como um pedido apenas dos professores colaboradores de seu estudo, mas de todo um

coletivo docente, no qual ela própria se inclui. Com base nessa constatação, a autora

aponta uma série de iniciativas a serem implementadas na formação inicial em línguas

estrangeiras (como a oferta de uma disciplina que contemple a temática da educação

inclusiva, a inclusão de uma disciplina de braile, a realização do estágio supervisionado

em contextos com alunos com alguma necessidade específica, dentre outras), bem como

na formação continuada (como a oferta de cursos e oficinas sobre como lidar com

conflitos em sala de aula, a criação de espaços de troca de ideias entre os membros do

corpo docente da escola, a conscientização através de palestras, debates, entre outras).

A segunda pesquisa, realizada por Tonelli e Ferreira (2017) no ano de 2015,

refere-se a uma proposta de Sequência Didática (SD) elaborada para o ensino de inglês

para crianças, tendo um deles o diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo

(TEA). Nesta experiência os autores tiveram como objetivo ensinar inglês por meio do

2 Apenas um dos professores colaboradores desta pesquisa afirmou não ter mudado sua prática devido à

falta de formação específica para lidar com educação inclusiva.

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132

desenvolvimento de capacidades de linguagem de seus alunos através do gênero textual

história infantil.

Tonelli e Ferreira descrevem inicialmente o TEA e as limitações, diretamente

associadas, quanto à capacidade de expressão e comunicação. Em seguida, relacionam

possibilidades de ensino de inglês para pessoas com TEA como forma de favorecer o

seu desenvolvimento através do fortalecimento das referidas capacidades, ampliando,

por consequência, as possibilidades de aprendizagem.

Os autores (op. cit.) relatam como o esquema da SD foi adaptado, desde a

motivação para escolha da história a ser (re)produzida (The Very Hungry Caterpillar), a

forma como o aluno com TEA foi estrategicamente posicionado em sala, a maneira

como os questionamentos sobre a história foram feitos a ele até a sua produção final e

os critérios para sua avaliação.

Os autores concluem apontando o sucesso do dispositivo utilizado no

favorecimento da inclusão, possibilitando o aluno com TEA compreender a proposta da

atividade e envolver-se nos grupos, propiciando o desenvolvimento das capacidades de

linguagem pretendidas, a saber: compreensão dos comandos dados no momento de

apresentação da história; identificação por meio de gestos do que estava sendo

solicitado e reconhecimento dos itens lexicais durante a produção inicial da história;

organização das figuras referentes à história na etapa de produção final demonstrando

compreensão do conteúdo abordado.

Ao final, Tonelli e Ferreira (2017) evidenciam o fato de que, apesar do sucesso

na adaptação e utilização da SD, os desafios sobre o ensino de língua inglesa em

contexto de inclusão ainda são presentes, sobretudo, no que se refere à formação inicial

e continuada, pois requer dos professores o devido conhecimento não só sobre o

dispositivo a ser utilizado (no caso deste estudo, a SD), mas, principalmente, sobre

saber como lidar com a inclusão de modo a não reforçar um rótulo de incapacidade

muitas vezes associado aos seus alunos com necessidades especiais.

Esta experiência reforça o que foi mencionado por Fidalgo e Magalhães (2017)

quanto ao papel da formação inicial e continuada que oriente o professor a ter

autonomia para investigar a realidade de inclusão em sua sala de aula, dentre outras

iniciativas ou, ainda de modo mais abrangente, à luz do conceito de FDJS (ZEICHNER,

2008, p. 17), a formar professores ―capazes de trabalhar dentro e fora de suas salas de

aula, a fim de mudar as desigualdades que existem tanto no ensino, quanto na sociedade

como um todo.‖

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133

A terceira pesquisa, desenvolvida por Fischer e Kipper (2016), consiste em uma

experiência de ensino de inglês (realizada no ano de 2014) para uma turma de alunos

surdos do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública situada no interior do

Rio Grande do Sul. Com este estudo as autoras tiveram o objetivo de analisar as

estratégias e recursos visuais utilizados no ensino da língua alvo.

As autoras (op. cit.) esclarecem que apesar de nem todas as habilidades

linguísticas poderem ser trabalhadas no contexto de ensino de inglês para surdos,

entendem que os alunos têm condições de desenvolver as demais habilidades se forem

oferecidas as devidas oportunidades. Neste sentido, a escola na qual a pesquisa foi

realizada parece atender adequadamente aos critérios de acessibilidade previstos para o

ensino de pessoas com necessidades especiais tanto no aspecto estrutural (sinais

luminosos para indicar início e término das aulas; biblioteca com livros em Libras,

materiais multimídias, dicionários trilíngues), quanto em termos de equipe pedagógica

(professores intérpretes de Libras, professores ouvintes e uma professora surda).

Ressaltamos aqui o quanto essa estrutura geral da escola nos chamou atenção, uma vez

não retratar nem minimamente a realidade da grande maioria das escolas públicas (ou

mesmo privadas) do nosso país.

Segundo Fischer e Kipper (2016), a pesquisa foi iniciada com a observação de

uma aula, seguida de algumas aulas práticas, entrevistas com os alunos surdos, com a

ajuda da professora intérprete (uma destinada a identificar seus interesses e dificuldades

em relação ao inglês e outra com a finalidade de saber quais estratégias e recursos

favoreciam a aprendizagem dos alunos). As autoras entendem que os alunos surdos têm

capacidade de aprender, desde que respeitadas suas diferenças linguísticas e culturais,

compreensão esta que corrobora a noção de Fontana (2017) do professor de línguas

estrangeiras como um construtor de pontes entre culturas (e línguas) distintas.

Ao final da pesquisa, Fischer e Kipper (2016) identificaram nas respostas dos

próprios alunos surdos que a aprendizagem da língua inglesa é favorecida pelo uso de

recursos visuais apresentados com o auxílio de computadores e da Libras, isto é,

concluíram que o uso das tecnologias, especialmente o computador conectado à

internet, contribui na aprendizagem da língua alvo.

Verificamos nesta pesquisa de Fischer e Kipper (2016), tanto em relação à

estrutura da escola em si, quanto nas práticas utilizadas pelas pesquisadoras o cuidado

em vivenciar a inclusão social conforme descrito por Sassaki (2006, p. 29): ―o processo

pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais,

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134

pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir

seus papéis na sociedade‖. Postura essa que revela um verdadeiro compromisso social

(MOITA LOPES, 2006) com a questão da educação inclusiva.

Embora Fischer e Kipper (2016) não tenham citado informações específicas

sobre a formação obtida para realização desta pesquisa-ação, verificamos ao longo do

relato a constatação por parte das pesquisadoras (op. cit., p. 8 e 9, respectivamente)

sobre a importância desta formação tanto no que se refere ao conhecimento de Libras

(―O professor deverá saber se comunicar com seus alunos surdos e para que isso ocorra

é fundamental que o mesmo seja fluente em Libras [...]‖), quanto em relação às escolhas

pedagógicas a serem feitas (―[...]a importância de continuar pesquisando novas

metodologias e incluir cada vez mais o uso de tecnologias no dia a dia dos alunos

surdos [...]‖).

A quarta pesquisa, desenvolvida por Borges (2016), refere-se a uma experiência

de ensino de língua inglesa para idosos de uma Universidade Aberta à Maturidade

vinculada a uma universidade pública no interior da Paraíba realizada no ano de 2016,

cujos objetivos específicos foram:

(1) refletir sobre as implicações dos aspectos sociais, isto é, o impacto

do aprendizado de inglês como língua estrangeira na vida social dos

alunos; (2) analisar os aspectos cognitivos, isto é, memória, acuidade

auditiva, atenção e maturidade cognitiva nesse contexto de

aprendizagem; e (3) entender o papel da emoção (aspecto afetivo) no

ensino-aprendizagem de inglês para idosos. (BORGES, 2016, p.7)

A autora (op. cit.) relata em sua pesquisa-ação de que forma a intervenção

realizada por ela e outro colega professor naquele contexto alcançou os objetivos

descritos. Primeiro, a preocupação com as implicações sociais da aprendizagem de

língua inglesa para os idosos. A autora afirma, a partir de relatos dos próprios alunos

nas entrevistas realizadas, os benefícios da metodologia utilizada pautada na

Abordagem Comunicativa, bem como o uso do dispositivo da Sequência Didática

(desenvolvido a partir de assuntos de interesses dos alunos). Para a professora-

pesquisadora, as escolhas pedagógicas utilizadas favoreceram a interação entre os

alunos e a boa atmosfera geral da sala de aula.

Quanto ao segundo objetivo de pesquisa, Borges (op. cit.) demonstrou a

relevância de o professor conhecer o aluno e suas necessidades específicas para

promover um ensino-aprendizagem de qualidade. Para isso, os professores observaram

o contexto no qual estavam inseridos e repensaram práticas, atividades e materiais

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135

didáticos que pudessem auxiliar os idosos quanto aos aspectos cognitivos característicos

de sua faixa etária. Por exemplo, foi a partir do reconhecimento das limitações de

memória por parte dos alunos que os professores elaboraram um resumo da aula,

denominado de handout (sempre entregue no final de cada aula) para que servisse de

apoio ao estudo em casa, bem como de resgate de conteúdo na aula seguinte. Outro

exemplo de cuidado por parte dos professores em relação às características cognitivas

dos alunos foi com suas limitações visuais, o que os levou a adaptarem o conteúdo das

aulas em slides com fontes maiores, com imagens e em cores visíveis, dentre outros

cuidados.

No que se refere ao terceiro objetivo apresentado por Borges (2016), relacionado

ao papel da emoção neste contexto de ensino-aprendizagem, a autora verificou sua

importância fundamental. Para ela, foi necessário realizar algumas mudanças na postura

e na relação professor-aluno durante a experiência de ensino, tais como: sentar perto,

olhar nos olhos, observar com atenção às expressões faciais e, sobretudo, ouvir mais.

Borges (op. cit.) afirma que o sentimento que prevaleceu nesta experiência de

intervenção foi o de empatia dos professores em relação aos alunos, permitindo-lhes, ao

colocarem-se no lugar do aluno, melhor compreendê-lo, favorecendo, nesta prática

social inclusiva, sua valorização e empoderamento como aprendizes de língua inglesa.

Verificamos nas práticas adotadas pela professora pesquisadora3 o reflexo de sua

recente formação (ainda em andamento na época da pesquisa) em plena sintonia com a

proposta da LA Indisciplinar de Moita Lopes (2006), no que se refere ao interesse do

professor, ao ouvir as ―vozes do sul‖, ser capaz de realizar uma intervenção pedagógica

que contemple aspectos da vida social, promovendo transformações para todos os

sujeitos envolvidos naquele contexto específico.

Diante do exposto, constatamos que, apesar de cada pesquisa retratar um

contexto específico de inclusão e suas respectivas necessidades, todas elas têm em

comum não apenas o reconhecimento do desafio apresentado, mas, sobretudo, a postura

docente reflexiva (desenvolvida a partir da devida formação seja inicial ou continuada),

reforçando uma prática fundamental e inerente em se tratando de educação inclusiva: o

constante (re)pensar e (re)significar do agir e das escolhas pedagógicas a serem feitas,

sobre o que já se sabe e o precisa saber em prol de uma prática efetiva de inclusão.

3 Exemplos de práticas adotadas: escolhas metodológicas, preocupação em conhecer o aluno e suas

necessidades, cuidado na utilização de recursos didáticos, observância dos fatores afetivos na relação com

os alunos, dentre outras. (BORGES, 2016)

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136

Considerações finais

O reconhecimento dos desafios inerentes aos contextos de formação docente em

língua inglesa voltados à educação inclusiva não pode nos impedir de buscar meios

viáveis de superação. Do contrário, é exatamente essa constatação que nos impulsiona a

seguir buscando caminhos legítimos de vivenciar a inclusão em sua plenitude e respeitar

a diversidade de histórias de cada aluno que cruzar as nossas salas de aula. Além disso,

devemos procurar (re)significar constantemente a nossa prática docente a fim de formar

alunos conscientes do papel social que podem desempenhar no mundo e que sejam

aptos para agir pela transformação e melhoramento da sociedade em que vivem

(MOITA LOPES, 2006, 2009. ZEICHNER, 2008).

Ressaltamos ainda que o caráter reflexivo e inclusivo dos programas de

formação docente pode ser considerado um fator decisivo para que os ideais pretendidos

pelos teóricos aqui citados, bem como as práticas dos professores das pesquisas aqui

descritas tornem-se ações ou exemplos de ações que possam impactar diversos

contextos sociais, visando a construção de uma vivência mais igualitária e respeitosa

por/para todos – dentro e fora de sala de aula.

Para concluir nosso pensamento, gostaríamos de advogar a favor dos princípios

encontrados na agenda da linguística aplicada indisciplinar, na agenda da justiça social,

assim como, na agenda daqueles que trabalham com a inclusão social em contextos de

ensino de língua inglesa, uma vez que percebemos que a harmonia em seus interesses

favorece o acesso de todos a uma vida com dignidade. Consequentemente, enfatizamos

a necessidade de nós, professores, sermos sensíveis às diferenças que nos rodeiam e

fazermos o nosso melhor para a garantia da qualidade na educação, almejando, assim,

que esta qualidade se propague para os demais setores da vida.

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139

CAPÍTULO X

SOBRE IMAGINÁRIO E REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES DE

FRANCÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA EM FORMAÇÃO INICIAL

Lino Dias Correia Neto

Josilene Pinheiro-Mariz

Introdução

Há pelo menos quatro décadas, o tratamento do componente (inter)cultural no

processo de ensino-aprendizagem de línguas se tornou objeto de um debate substancial

na didática de línguas estrangeiras (doravante, LE). A evolução dos livros didáticos,

metodologias e abordagens – notadamente, o advento da abordagem comunicativa que,

nos anos 1970, avançava com a noção de competência comunicativa – estabeleceu um

terreno capaz de revigorar a relação entre a língua e a cultura na didática de LE. Desde

então, os debates em torno das perspectivas didático-pedagógicas que colocam em

relevo a interdependência língua-cultura se ampliaram significativamente.

Com a expansão desses debates no campo didático de LE, tornou-se consenso

entender que não basta abordar o componente cultural pelo viés da transmissão de

conhecimentos sobre a cultura do outro; mas, sim, pelo redirecionamento do foco

didático para o desenvolvimento de competências que possibilitem ao aluno a inter-

relação constante com e na diversidade cultural. Nesse contexto, segundo Abdallah-

Pretceille (2005), a perspectiva intercultural se estabelece na didática das LE como um

meio de abordar, na sala de aula, a heterogeneidade cultural, com vistas a desenvolver

nos aprendizes da língua, a capacidade de relacionarem-se com a cultura do outro

tomando como base a alteridade.

No interior dessa perspectiva, as representações sobre a cultura do outro

passaram a ter um espaço fundamental no plano didático. Enquanto um saber do senso

comum, prático e funcional, entende-se que as representações atuam na interação do

sujeito com o mundo e com os outros sujeitos (JODELET, 1999). Com efeito, elas

constituem um dos principais objetos didáticos concernentes ao componente

intercultural no processo de ensino-aprendizagem de LE (GARDIES, 2003; AMOSSY,

2005; LIPIANSKY, 2007; PUREN, 2013). Diante isso, o professor recebe, de certo

modo, o papel de agente cultural (ZARATE, 1986) que, tendo suas próprias

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140

representações sobre a língua-cultura que ensina (GARDIES, 2003), precisa oferecer,

aos seus aprendizes, meios para relativizarem e ampliarem suas representações.

Em vista disso, compreendendo as representações como um objeto central da

perspectiva intercultural para o ensino de LE, no presente texto1, temos o objetivo de

analisar as representações interculturais de professores de francês como língua

estrangeira (doravante, FLE) em formação inicial. Para tanto, procedemos à aplicação

de um questionário semiaberto – que foi elaborado a partir dos campos

representacionais de Boyer (1998) – e, em seguida, à análise de cunho qualitativo-

interpretativista dos dados obtidos.

Começaremos apresentando uma breve retrospectiva da inserção da perspectiva

intercultural no ensino de línguas, acompanhada por uma discussão teórica referente aos

principais aspectos conceituais de cultura e interculturalidade na didática de LE;

trataremos, em seguida, das representações enquanto uma categoria de base da

perspectiva intercultural no ensino-aprendizagem de LE para, enfim, apresentar a

análise das representações interculturais dos professores de FLE que foram coletadas no

contexto deste estudo. Finalizaremos o texto com algumas considerações amparadas na

interpretação do conjunto de representações analisadas.

A inserção da interculturalidade no discurso da didática de LE

Podemos considerar que a entrada do componente intercultural no âmbito

didático se relaciona principalmente a dois fatores. O primeiro, como aponta Cuq (2003)

e Windmüller (2011), diz respeito a um importante crescimento do movimento

migratório na Europa nos anos 1970, acompanhado pela massificação escolar. Nesse

período, em meio a determinações políticas diversas, à escola foi atribuído o dever de

elaborar seus meios de enfrentamento a esse novo contexto no qual os conflitos

culturais ganhavam evidência. Para tanto, a instituição escolar europeia precisou admitir

que, diferentemente do que se acreditava, não seria possível criar uma cultura educativa

unificada; fato que se tornava ainda mais evidente à medida em que a inserção de alunos

imigrantes no sistema educativo se ampliava (CUQ, 2003). Assim, o desafio posto era

encontrar um modelo educacional que não impusesse ―a outra cultura‖; mas, que fosse

dado espaço à interação entre as diferenças culturais, à valorização de culturas

1 Trata-se de um recorte da pesquisa de Mestrado que desenvolvemos no programa de Pós-graduação em

Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande.

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141

minoritárias e ao desenvolvimento da alteridade; em outras palavras, uma escola menos

―civilizatória‖. Nesse sentido, Cuq (2003) afirma que:

Tornava-se cada vez mais claro aos olhos progressistas que, assim

como na sociedade, a cidadela escolar transformava-se em uma

instituição multicultural e que caberia à essa instituição assegurar que

todos e todas participassem de uma mesma referência cultural sem que

cada um perdesse de vista a sua própria. (CUQ, 2013, p. 136)2.

O segundo fator – cronologicamente paralelo ao primeiro, mas especificamente

relacionado ao ensino de LE – se trata do movimento comunicativista que começava a

tomar forma, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos3. Além de revisar

substancialmente as práticas de ensino das habilidades relacionadas à oralidade e à

escrita, a abordagem comunicativa trouxe consigo uma interessante noção de

competência sociolinguística ou sociocultural4. López (2011) analisa que foi a

concepção dessa nova competência que possibilitou a entrada, no processo de ensino-

aprendizagem de LE, de habilidades anteriormente ignoradas, que se agrupam em torno

das regras sociais e culturais necessárias para que o ato comunicativo se adeque a

qualquer contexto linguístico e sociocultural. Do mesmo modo, Petráková (2015)

considera que, no ensino de LE, a abordagem comunicativa teve um papel fundamental

para a inserção da interculturalidade no discurso didático e para a elaboração de outras

abordagens atentas ao componente intercultural.

Em decorrência disso, ao longo dos anos 1980, o debate acerca do componente

intercultural se ampliou significativamente no campo da didática de línguas. Petráková

(2015) relata que, nessa década, instituições como a UNESCO e o Conselho da Europa

passaram a desenvolver, em parceria com especialistas, diversos estudos científicos e

publicações abordando a interculturalidade e sua importante integração ao ensino de LE.

Destaque-se que, entre os objetivos desses organismos europeus, está a constituição de

uma ―identidade europeia‖. Fato criticado por alguns estudiosos da perspectiva

antropológica dos estudos interculturais, já que, segundo aponta Zarate (2003), a busca

por práticas sociais comuns a partir de um prisma universalista parece ignorar aquilo

que pode ser ideologicamente imposto pela própria universalidade. Assim, o que se

2 As traduções de textos em línguas estrangeira são de nossa autoria, salvo menção contrária.

3 Conforme relata Almeida Filho (2001) em sua retrospectiva histórica da abordagem comunicativa.

4 Pode-se afirmar o mesmo em relação a outras abordagens que compartilham princípios semelhantes aos

da comunicativa, tais como a abordagem acional.

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142

propõe nas perspectivas interculturais é que o universal seja tomado como ―uma

categoria epistemológica que possibilita sistematizar as regras da diversidade que é

observável entre as línguas e culturas‖ (ZARATE, 2003, p. 96).

Ainda segundo Petráková (2015), a preocupação com uma perspectiva

intercultural nos 1980 também foi paralela ao início do longo processo de elaboração do

Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas (QCERL) que, desde sua

publicação em 2001, passou a ter um importante papel de parâmetro para professores de

LE e para editoras de materiais didático, até mesmo fora do território europeu.

Definindo sua concepção de ensino-aprendizagem de uma LE e investindo em uma

noção de competência intercultural, o QCERL postula que:

O aprendente de uma língua e cultura segunda ou estrangeira não

deixa de ser competente na sua língua materna e na cultura que lhe

está associada. A nova competência também não é guardada à parte da

antiga. O aprendente não adquire pura e simplesmente dois modos de

atuar e de comunicar distintos e autónomos. O aprendente da língua

torna-se plurilíngue e desenvolve a interculturalidade. As

competências linguísticas e culturais respeitantes a uma língua são

alteradas pelo conhecimento de outra e contribuem para uma

consciencialização, uma capacidade e uma competência de realização

interculturais. (CONSELHO DA EUROPA, 2001, p. 73).

Com a disseminação dos princípios norteadores do QCERL, a perspectiva

intercultural consolidou seu espaço no debate didático como uma resposta às práticas

multiculturalistas que, definidas por Cuq (2013), consistiam no reconhecimento e na

simples justaposição das diferenças culturais, com pouco ou nenhum interesse pelos

fenômenos resultantes da interação entre tais diferenças no processo comunicativo e de

ensino-aprendizagem. Assim, um novo modelo para abordar a cultura na sala de aula de

LE se estabelece com objetivos que vão além da descrição da cultura do outro.

Ao contrário do ensino descritivo de uma cultura estrangeira que, conforme

aponta Abdallah-Pretceille (2005), se limita à transmissão de dados pontuais e fatuais da

cultura-alvo, a abordagem intercultural busca desenvolver no aluno a capacidade de

percepção e relativização das culturas que acompanham a LE. Isso porque, como

explicam Byram et al. (2002), as culturas evoluem constantemente e, por esta razão,

seria impossível antecipar, no processo de ensino-aprendizagem, todos os saberes

necessários à interação entre pessoas de diferentes culturas. Diante disso, limitar-se a

uma abordagem descritiva perde todo o sentido numa perspectiva intercultural, cujo

foco incide sobre o desenvolvimento de um conjunto versátil de habilidades que permite

ao aluno a capacidade de interagir com outros povos e outras culturas através do

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143

entendimento e da alteridade. Nesse contexto, o trabalho sistemático em torno das

representações sobre a língua-cultura alvo ganha relevância no plano didático, como

abordaremos mais adiante.

Cultura e interculturalidade: uma breve retomada conceitual

Do ponto de vista antropológico, Laraia (2008, p. 25) reconhece que Edward

Tylor foi o primeiro a propor um conceito de cultura. Em sua definição, Tylor (1871

apud LARAIA, 2008) afirma que o termo reflete um sistema complexo de

conhecimentos, costumes, leis, artes, moral ou qualquer outra capacidade/hábito

adquiridos ou desenvolvidos pelo homem enquanto membro de uma sociedade. É a

partir dessa definição que a cultura passa a ser observada como um objeto de estudo

sistemático, pois ―[...] possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e

uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a

evolução‖ (LARAIA, 2008, p. 28).

No campo filosófico, o termo cultura ganha, inicialmente, uma definição voltada

à aquisição de conhecimento ou produção intelectual humana. Nessa percepção, como

afirma Chauí (2001), a cultura passa a ser vista como a forma de produção humana para

a resolução dos seus problemas, ou seja, um conjunto de conhecimentos que se aprende

e transmite aos contemporâneos e futuros. Para a autora, tal definição de cultura pode

ser abordada como sinônima de civilização, tendo em vista que ela se relaciona

diretamente com os resultados do processo de formação e educação dos seres humanos,

materializados em instituições, obras e ações nos âmbitos das artes, do trabalho, da

religião e do Estado.

Em seus estudos na área da linguística aplicada, Galisson (1991) propõe uma

distinção entre dois tipos de culturas que parecem sintetizar as concepções filosófica e

antropológica do conceito. Para o autor, há dois gêneros de cultura possíveis: a cultura

cultivée e a cultura partagée. A cultura cultivée seria o conjunto de conhecimentos

enciclopédicos adquiridos por um ser humano como, por exemplo, a literatura, a

geografia, a história etc.; já a cultura partagée corresponde, segundo o autor, aos

saberes e práticas que são transmitidos e compartilhados por um grupo social que tem

uma língua em comum, como os valores, as crenças, as representações, os costumes,

etc. A cultura partagée permite, de acordo com Galisson (1991), que os sujeitos se

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144

identifiquem em seus grupos e contribui diretamente com a construção da identidade

coletiva.

Ainda segundo Galisson (1991), a cultura partagée, embora seja adquirida pelos

nativos no exterior da escola, pode se tornar objeto de reflexão dos estrangeiros no

interior das escolas. Em meio aos modos de desenvolver tal reflexão entre diferentes

culturas – em suas interfaces cutivée ou partagée –, encontra-se a interculturalidade,

que, como define Abdallah-Pretceille (2005), trata-se de uma forma de interagir e

abordar a heterogeneidade cultural, caracterizando-se como uma prática de se relacionar

com o outro tomando como base as relações de alteridade.

Verbunt (2011, p. 45) afirma que, na contemporaneidade, as culturas estão

inseridas numa espécie de turbilhão de trocas, numa inter-relação que leva os diferentes

sistemas culturais a exercerem influência uns sobre os outros, de modo que as fronteiras

linguísticas não correspondem mais às fronteiras territoriais. Na mesma esteira,

Abdallah-Pretceille (2005, p. 56) afirma que ―o indivíduo é cada vez menos

determinado pela sua cultura de origem. Ele não é mais produto da sua cultura, ao

contrário, ele é ator. A cultura perdeu seu valor de determinação dos comportamentos‖.

Assim, o panorama atual não exige apenas que o sujeito possua conhecimentos sobre a

cultura do outro, mas que esteja preparado para desenvolver um conjunto de habilidades

que possibilite a relação constante com a diversidade cultural.

Nesse contexto, conhecer as possíveis barreiras que as diferenças culturais

podem trazer no contato com o outro permite que relativizemos a nossa visão de mundo,

além de ser uma grande fonte de conhecimento. De acordo com Verbunt (2001), quando

estamos em contato com um sistema cultural diferente do nosso não compreendemos

apenas os outros e suas culturas, também entendemos os problemas que o sujeito

advindo de determinada cultura tem para adaptar-se ao nosso sistema cultural. Nos

termos do autor: ―o enriquecimento vem do fato de que, ao concordar em aceitar o

outro, o horizonte habitual alarga-se e outras maneiras de agir, mais eficaz em

determinadas situações, tornam-se familiar‖; portanto, ―a perspectiva intercultural pode

criar uma ordem dinâmica que dá sentido a esse tipo de interação‖ (VERBUNT, 2001,

p. 38).

Assim, a interculturalidade, conforme Cuq (2003), é capaz de dar coerência à

interação diante da diversidade cultural das comunidades discursivas, já que seus

princípios têm como base as trocas entre as diferentes culturas, a articulação, a conexão

e, consequentemente, o enriquecimento mútuo, tanto pelo conhecimento do outro

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145

quanto pelo reconhecimento de si mesmo. Isso se torna possível porque tal perspectiva

preceitua que ―[...] as culturas são iguais em dignidade e, no plano ético, devem ser

tratadas como tal em uma ordem de respeito mútuo‖ (CUQ, 2003, p. 137).

Representação: uma categoria de base das perspectivas interculturais

Para Zarate (2003), a língua é uma manifestação da identidade cultural e, por

consequência, todos os alunos de uma LE carregam consigo elementos visíveis e

invisíveis sobre determinada cultura. A autora afirma que, ao longo do desenvolvimento

e aprendizagem, os sujeitos/alunos desenvolvem algumas imagens sobre a língua-

cultura estrangeira que oscilam do caráter individual ao coletivo. Essa passagem do

individual para o coletivo é explicada como um processo dinâmico e progressivo:

primeiro eles tomam conhecimento das crenças dominantes sobre a língua-cultura; em

seguida, eles percebem as diferentes relações que limitam a construção dessas imagens

e, de certa forma, se tornam sensíveis para transformá-las (ZARATE, 2003). Essas

imagens que, de modo relativamente simplificado, categorizam e reificam o outro, são

denominadas representações sociais; conceito frequentemente abordado na didática de

LE, a partir do que Jodelet (1999) postula:

Representação social designa uma forma de conhecimento específico,

o saber do senso comum do qual os conteúdos manifestam a opção do

processo gerativo e funcional socialmente marcados. Mais

vastamente, ela designa uma forma de pensamento social prático

orientado pela comunicação, compreensão e destreza do meio social,

material e ideológico. Ela apresenta características específicas em um

plano de organização de conteúdo, operações mentais e da lógica. A

marca representacional desses conteúdos e dos processos

representacionais, junto com a comunicação pelas quais elas circulam

e com as suas funções, orientam a interação do indivíduo com o

mundo e com os outros (JODELET, 1999, p. 306).

Partir de uma perspectiva intercultural no ensino de LE pressupõe não

subestimar o papel que as representações operam nos processos comunicativo e de

ensino-aprendizagem. Ao contrário disso, entende-se que, em tal perspectiva, as

representações constituem o principal objeto do trabalho didático concernente ao

componente cultural, uma vez que são elementos fundamentais para a comunicação

entre sujeitos de diferentes referenciais culturais (GARDIES, 2003; AMOSSY, 2005;

LIPIANSKY, 2007; PUREN, 2013). Segundo Puren (2013), o que difere a abordagem

da cultura na perspectiva intercultural é justamente a possibilidade de desenvolver nos

alunos a competência de regular, na interação intercultural, as incompreensões

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146

provocadas pelas representações previamente elaboradas da cultura do outro e

interpretadas a partir do seu próprio referencial cultural‡‡

.

Amossy (2005) considera que, no processo de ensino-aprendizagem de uma LE,

essas representações muitas vezes se constituem próximas ao conceito de estereótipo,

isto é, uma categoria de representação social ilustradora de uma significação ou uma

imagem compartilhada por um grupo e que circula livremente entre seus membros, mas

que não passa de uma profunda simplificação e redução do outro. Por esta razão, explica

a autora, os estereótipos são capazes de prejudicar as relações de interação entre os

grupos, já que se constroem a partir de representações que não condizem com a

realidade ou que limitam a percepção que temos do outro.

No contexto investigativo das didáticas de LE, diferentes estudos têm se

dedicado à análise das representações no processo interativo e de ensino-aprendizagem,

ratificando a importância desse componente em sala de aula. Auger et al. (2012), por

exemplo, reagruparam pesquisas que se apoiam na pragmática e na análise da

conversação para observar os diferentes tipos de trocas comunicativas em língua

francesa entre membros de diferentes comunidades discursivas. Nas análises desses

estudos, diversos aspectos sociopragmáticos são postos em evidência na comunicação

intercultural, mostrando que as representações, sobretudo aquelas que se relacionam a

uma noção de superioridade da cultura do outro ou a uma ilusória equivalência entre

códigos culturais, afetam significativamente a interação intercultural e, por isso, não

podem ser ignoradas no processo de ensino-aprendizagem.

Uma análise das representações interculturais de professores de FLE em formação

inicial

Como qualquer perspectiva didática, a abordagem intercultural vem

acompanhada de um conjunto de saberes didático-pedagógicos que se torna objeto de

reflexão para a prática de professores de LE, sobretudo, quando estão em formação

inicial. Zarate (1986) considera que, dentro dessa abordagem, o professor ocupa o papel

de um agente cultural capaz de colaborar com a educação para a alteridade, que

favorecerá o desenvolvimento de um saber-fazer social e de um ―saber ser‖, permitindo

ao aprendiz e a si mesmo, situar-se em seu próprio universo e tornar-se, então, um

sujeito socialmente crítico e consciente. Não podemos ignorar que, pela própria

‡‡

Razão pela qual, na didática de LE, passou a ser empregado o termo ―representações interculturais‖.

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147

natureza social do seu trabalho, o professor de LE é um dos principais responsáveis pelo

fluxo e pela abordagem dada às representações interculturais que intercruzam o

processo de ensino-aprendizagem de uma LE. Nesse sentido, concordamos com Gardies

(2003), ao afirmar que, assim como qualquer sujeito plurilíngue, os professores de LE

carregam consigo as mais diversas representações sobre a língua-cultura que ensinam e,

por esta razão, devem buscar meios para agir em sentido oposto ao da ancoragem dessas

representações, já que eles podem ser importantes transmissores ou agentes de

relativização e transformação de tais imagens.

Diante disso, nosso interesse se volta para o levantamento e a análise

qualitativo-interpretativista das representações interculturais de dezoito professores de

FLE em formação inicial de duas Universidades situadas no estado da Paraíba. Na

ocasião da coleta de dados, esses professores se encontravam numa faixa etária de 17 a

30 anos de idade e cursavam diferentes períodos letivos da Licenciatura em Letras,

desde o primeiro até o sétimo. No conjunto de participantes da pesquisa, cinco já

haviam tido algum contato com a língua francesa antes de ingressarem na Universidade

e dois deles já atuavam profissionalmente como professores de FLE. Para a coleta dos

dados, utilizamos um questionário semiaberto, elaborado a partir do repertório dos

campos representacionais de Boyer (1998).

Em seus estudos, Boyer (1998) propõe técnicas de coleta e um modelo de

categorização para a análise das representações interculturais na didática de línguas com

base no aporte teórico-metodológico da psicologia social. Para tanto, define cinco

campos representacionais, a saber: 1. percepção global do povo; 2. identificação

institucional; 3. patrimônio cultural; 4. localização geográfica e/ou geopolítica; 5.

caracterização da língua do país; alusões a situações/relações/fatos intercomunitários.

Dentre os campos representacionais propostos pelo autor, escolhemos os três primeiros

para compor o objeto das nossas análises. No questionário aplicado, foi solicitado aos

sujeitos que relacionassem, a partir o termo indutor ―língua francesa‖, até dez termos a

cada um dos três campos representacionais em questão.

Segundo Boyer (1998), o campo representacional percepção global do povo

envolve, de modo bastante amplo, as primeiras imagens representacionais que se têm

sobre os falantes de uma língua-cultura, possibilitando identificar as representações

sobre comportamentos sociais e psicológicos, situação socioeconômica, crenças e

ideologias. Com frequência, as representações que emergem nessa categoria se

organizam em torno da cultura partagée (GALISSON, 1991), pois apresentam um

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148

conteúdo majoritariamente alusivo às imagens elaboradas sobre as práticas e saberes

transmitidos e compartilhados pelos grupos sociais que têm uma língua em comum. O

levantamento das representações inseridas nesse campo representacional se encontra na

tabela abaixo:

G1-i01§§

Educados, cerveja, cigarros, expressão, felizes, inteligentes, alimentação, simpáticos.

G1-i02 Elegância, glamour, status, classe, frieza, reservados, ateísmo.

G1-i03 ***

G1-i04 Frios (personalidade), conservadores.

G1-i05 Educação, liberdade religiosa, alto IDH

G1-i06 Sistema laico, pessoas educadas, inteligentes.

G1-i07 Maneiras de se vestir: elegância, discrição; traços de personalidade: mau humor.

G1-i08 Elegância, esnobe, frieza, antipatia, bons leitores.

G2-i01 Negro, branco, moreno, amarelo, catolicismo, dinheiro, pobreza, ateísmo.

G2-i02 Cristianismos, islamismo, crise.

G2-i03 Chiques, ricos, não tomam banho.

G2-i04 Altos, brancos, educados, isolados, protestantes, ricos.

G2-i05 Pessoas altas, claras, antipáticas, católicas.

G2-i06 Elegância, ateus, boa situação econômica, românticos, altos, brancos, olhos claros.

G2-i07

Povo de estatura mediana, frio (no sentido de não ser íntimo, ou melhor, de não

demonstrar intimidade com as pessoas que não conhecem direito), ateus, situação econômica média.

G2-i08 Pessoas que mal tomam banho, são educados, devem ser protestantes, católicas, bem-sucedido financeiramente, altos, magros, olhos claros.

G2-i09 Povo branco, individualista, ricos.

G2-i10 Pontual, educado.

Quadro 3 – Percepção global do povo

Considerando o caráter avaliativo das representações, encontramos nas respostas

de diferentes informantes (G1-i02, G1-i04, G1-i07, G1-i08, G2-i05, G2-i07, G2-i09) a

predominância de traços de personalidade e de comportamento social prioritariamente

negativos, em detrimento de uma minoria de informantes (G2-i04 e G2-i10) que

mencionam traços positivos de personalidade. Em se tratando dos traços físicos, entre

os informantes que mencionaram esse aspecto, os falantes de língua francesa são

percebidos como altos, brancos, pessoas claras, olhos claros, magros. Contudo, vemos

uma exceção no informante G2-i01 que revela uma representação pluriétnica dos

francófonos.

Quanto à religião, encontramos representações que associam os falantes de

língua francesa ao ateísmo (G1-i02, G2-i01, G2-i06, G2-i07), ao cristianismo (G2-i01,

G2-i02, G2-i04, G2-i05, G2-i08), à liberdade religiosa (G1-i05, G1-i06) e ao islamismo

(G2-i02). De certa forma, podemos observar que a diversidade religiosa presente entre

§§

Legendas: G1 = grupo 1/Universidade 1; G2 = grupo 2/Universidade 2; i01 = informante 01; i02 =

informante 02, e assim sucessivamente.

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os francófonos não é revelada, em proporções próximas à realidade, quando se

considera o conjunto dessas representações. Apenas um dos informantes (G2-i02)

menciona uma religião que não está em consonância com o que foi mencionado pela

maioria. Do mesmo modo, tratando das representações associadas à situação

econômica, encontramos uma imagem do falante da língua francesa ligada à

prosperidade (G1-i02, G1-i05, G2-i01, G2-i03, G2-i06, G2-i08, G2-i09), sendo

contradita apenas em duas representações que mencionam os termos ―crise‖ e ―pobreza‖

(G2-i01, G2-i02).

No campo identificação institucional, são classificadas as referências sobre a

identidade coletiva da língua-cultura em questão. Essa categoria possibilita a análise de

representações associadas aos fenômenos culturais de diferentes naturezas que se

estabeleceram dentro de uma comunidade e que se relaciona às imagens construídas

sobre as identidades dos falantes. O conteúdo das representações desse campo transita

entre as noções de cultura cultivée e cultura partagée (GALISSON, 1991), já

compreendem tanto os elementos de tradição cultural e produção humana, quanto as

práticas dos grupos sociais falantes da língua-alvo. Como afirma Boyer (1998), esse

campo traz com frequência representações associadas a um sistema cultural mais amplo

e, por isso, têm um nível mais reduzido de variações pessoais sobre a língua-cultura do

outro; portanto, podemos encontrar, nessa categoria, traços representacionais associados

à identificação etnográfica, folclórica, gastronômica e turística.

G1-i01 Educação laica, comida refinada de boa qualidade, vinhos, queijos.

G1-i02

Com relação ao folclore acredito que ligação forte se pensarmos/associarmos

algumas datas comemorativas presentes no nosso calendário, um ex. disso é o São João (sabendo que na França a comemoração é diferente).

G1-i03 ***

G1-i04 Política, pluriétnicos.

G1-i05 Glamour, grande população, melhor gastronomia, vinhos, perfumes, moda.

G1-i06 Vinho, queijo, trovadores, museu do Louvre, torre Eiffel, arco do triunfo.

G1-i07 ***

G1-i08 País que mantém sua cultura, conservadores, turismo, gastronomia fortes e

atraentes.

G2-i01 Beleza, cultura boa

G2-i02 África, Europa, arquitetura, União Europeia.

G2-i03 Gastronomia perfeita, tudo perfeito.

G2-i04 Chefs de cozinha, vinho, pão.

G2-i05 Torre Eiffel, queijo podre.

G2-i06 Castelos, lindas universidades, quadrilha, torre Eiffel, chefe de cozinha, museus.

G2-i07 Universidades, arco do triunfo, torre Eiffel e grandes chefes de cozinha.

G2-i08 Castelos, torre Eiffel, scargot, queijos, pães.

G2-i09 Croissant, bailes.

G2-i10 ***

Quadro 4 – Identificação institucional

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150

Nesse campo, a língua francesa é identificada como a língua do turismo, dos

museus e da gastronomia, também representada através de imagens específicas como

―vinho‖, ―queijos‖ e ―pães‖. O que pode ser observado, de início, é uma imagem

predominantemente valorizadora da cultura do outro revelada através de qualificações

tais como ―refinada‖, ―de boa qualidade‖ (G1-i01), ―melhor‖ (G1-i05), ―forte,

atraentes‖ (G1-i08), ―perfeita, tudo perfeito‖ (G2-i03), ―lindas‖ (G2-i06) e ―grandes‖

(G2-i07). Essa lógica de qualificações fica ainda mais clara quando encontramos um

evidente juízo mais generalizante associado à cultura através da representação do

informante G2-i01 que menciona ―cultura boa‖.

Necessário se faz também destacar as representações de G1-i04 e G2-i02 que, ao

contrário das demais, ampliam a identificação institucional da cultura-língua em questão

para além das imagens relacionadas a uma cultura nacional específica e, com isso,

expõem representações ligadas à noção de língua-cultura francófona. É igualmente

interessante observar o paralelo feito por G1-i02 em relação à uma manifestação cultual

que, de forma ―diferente‖, ocorre em seu país de origem e na França.

O campo representacional patrimônio cultural, segundo Boyer (1998), diz

respeito aos elementos materiais ou imateriais que possuem um valor artístico e/ou

histórico de determinada língua-cultura; sendo geralmente utilizado para classificar

imagens representacionais sobre obras, eventos, datas, fatos históricos etc. O conteúdo

das representações desse campo se relaciona estreitamente com a noção de cultura

cultivée (GALISSON, 1991), pois trazem à tona referenciais ligados aos conhecimentos

enciclopédicos, históricos e artísticos sobre a língua-cultura. Destacaram-se, nesse

campo representacional, imagens fortemente relacionadas a uma cultura nacional

específica, como observa-se abaixo:

G1-i01 Museu do Louvre, festival de Cannes, o país da literatura e das manifestações.

G1-i02 ***

G1-i03 ***

G1-i04 Museu do Louvre, Arco do Triunfo, Palácio de Versailles.

G1-i05 Torre Eiffel, boina francesa, piteira, Moulin Rouge.

G1-i06 Edith Piaf, literatura, moda, Monet, Festival de Cannes.

G1-i07 Literatura, pontos turísticos

G1-i08 14 de julho, ―muguet‖, fête de la musique, Notre Dame de Paris, Victor Hugo,

Émilie Zola, Balzac.

G2-i01 Arte, cinema, festival, especial, beleza.

G2-i02 Torre Eiffel, Revolução Francesa.

G2-i03 Torre Eiffel, Arco do Triunfo.

G2-i04 Museu, festa da música, Arco da esperança, 1789.

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151

G2-i05 ***

G2-i06 Telas, 1789.

G2-i07 Le Petit prince, Les Misérables, 1789.

G2-i08 Castelos.

G2-i09 Castelos, palácios, museus, romances.

G2-i10 ***

Quadro 5 – Patrimônio cultural

As imagens observadas nesse campo representacional são caracterizadas por

uma grande presença de artistas de diversas áreas, monumentos e acontecimentos

históricos franceses. Percebemos uma frequência importante de representações oriundas

da literatura que são especificadas nas menções aos escritores e às obras literárias. Os

patrimônios materiais mais citados são a Torre Eiffel (G1-i05, G2-i02, G2-i03) e o Arco

do Triunfo (G1-i04, G2-i03); em aspecto mais amplo, também encontramos referências

aos museus (G1-i01, G1-i04, G2-i04, G2-i09). Do lado imaterial e histórico, vemos uma

predileção aos festivais, manifestações e ao ano 1789, que se refere ao momento

histórico da Revolução Francesa.

A partir das representações levantadas nas três categorias acima, é possível

identificar com clareza algumas zonas de recorrência, indicando que os futuros

professores de FLE compartilham as representações mais comuns e dominantes sobre as

língua-cultura em questão. Cabe também observar que não há uma variação

significativa entre os conteúdos das representações e o tempo ou o contexto de

aprendizagem do FLE; nem em relação ao fato de alguns dos participantes já atuarem

profissionalmente como professores de FLE.

De modo geral, nos campos representacionais percepção global do povo e

identificação institucional, as representações parecem oscilar entre a idealização da

cultura do outro e a elaboração de imagens negativas. Esses campos, como afirma

Boyer (1998), são os mais vulneráveis à elaboração de representações estereotipadas,

cujo conteúdo apresenta um maior distanciamento da realidade. Isso pode ser

observado, por exemplo, nas representações que associam o falante de língua francesa

unicamente ao estereótipo do europeu ―alto‖ e ―branco‖. A constância dessas imagens

pode ser explicada, a partir de Moscovici (2004), pela função que a representação

desempenha na atribuição de uma forma definitiva às pessoas, objetos ou

comportamentos, criando um ―modelo‖.

Embora o termo indutor utilizado no questionário tenha sido ―língua francesa‖,

se destaca o fato de as representações obtidas serem quase exclusivamente relacionadas

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152

a uma única ―cultura nacional‖ europeia. Essa tendência fica ainda mais evidente no

campo representacional patrimônio cultural, em que todas as imagens expressas pelos

participantes se relacionam à França. Cabe destacar que, por um lado, no ensino de LE,

as imagens ligadas ao campo dos conhecimentos prioritariamente enciclopédicos são

abordadas sistematicamente na sala de aula, com o suporte dos livros didáticos. Do

mesmo modo, como aponta Boyer (1998), por se tratarem de conhecimentos concretos,

as imagens expressas nessa categoria revelam um conteúdo representacional menos

provido de estereótipos. Por outro lado, do nosso ponto de vista, a concentração de tais

representações em torno da França expressa, de certo modo, o quanto o processo de

ensino-aprendizagem de FLE ainda carrega a marca de uma única cultura nacional,

mesmo que, em paralelo às perspectivas interculturais para o ensino do FLE, haja uma

importante tentativa de ampliação de tais representações em direção ao ensino-

aprendizagem de uma língua-cultura francófona.

Considerações finais

Ao longo destas reflexões, abordamos alguns elementos que trazem à tona a

necessidade de se discutir sobre a interculturalidade no ensino de LE, direcionando

nosso foco para as representações interculturais enquanto um dos principais objetos do

trabalho didático no interior dessa perspectiva. Apresentamos uma parcela dos

resultados de um estudo que, a partir da categorização dos campos representacionais

proposta por Boyer (1998), realizou o levantamento das representações interculturais de

um grupo de dezoito professores de FLE em formação inicial. A análise desse

levantamento evidenciou que parcela importante dos sujeitos participantes do estudo

compartilham as representações mais comuns sobre a cultura-língua em questão.

Considerando as representações enquanto um saber complexo, no sentido de

revelarem a experiência, o contexto e as condições nas quais elas foram produzidas

(JODELET, 1999), por extensão, nossas análises também colocam em evidência a

necessidade de um investimento didático mais sistemático em torno das representações.

Nesse sentido, torna-se cada vez mais relevante ultrapassar os modelos descritivos e

transmissivos do componente cultural e apreender a perspectiva intercultural como uma

abordagem de natureza genuinamente não-diretiva, a partir da qual é possível suscitar,

deslocar e ampliar as representações dos alunos sobre a língua-cultura estrangeira. Nos

termos de Zarate (2003), se trata de levar os sujeitos a tomarem consciência das

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153

limitações que atingem a construção das representações que eles possuem e, assim, se

tornarem sensíveis à superação das crenças dominantes sobre a língua-cultura.

Cabe-nos acrescentar ainda que a noção de língua-cultura francesa ligada à dita

―francofonia‖ parece-nos, de certa forma, um pouco distante da realidade do professor

de francês em formação inicial. Ora, não se pode esquecer que a língua francesa está

presente nos cinco continentes e ainda nos três grandes oceanos do nosso planeta e é

falada por mais de duzentos milhões de pessoas; entretanto, ainda não é tão presente na

sala de aula quanto a Torre Eiffel ou o Arco do Triunfo. A língua francesa está presente

em ilhas do Oceano Índico, do Caribe, da Oceania; mas, muito provavelmente, como

esta língua francesa do mundo está ausente dos livros didáticos para o ensino do francês

(os conhecidos manuais de FLE) em todo o mundo, os estudantes da língua, professores

em formação, ainda têm pouca familiaridade com essa perspectiva.

Daí, portanto, a necessidade de se formar professores despidos de ideias pré-

concebidas, uma vez que se vive em um mundo que busca a diversidade linguística e

cultural. Por certo, as representações, os clichês etc. são alimentados por elementos

reais, mas, cabe a nós pensar na língua francesa como uma língua aberta, língua da

Organização das Nações Unidas e de outros órgãos internacionais; assim, estaremos

contribuindo para a formação de professores mais abertos para um mundo amplo e

diverso.

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155

CAPÍTULO XI

O GÊNERO RESUMO EM DISTINTAS ÁREAS ACADÊMICAS

Nícollas Oliveira ABREU

Jorge Tércio Soares PACHECO

Introdução

Os estudos sobre os gêneros textuais têm alcançado um espaço relevante na

esfera acadêmica, promovendo uma mudança de posicionamento no que concerne ao

ensino de língua materna na educação básica, visto que os gêneros discursivos

constituem a base para o desenvolvimento dos diversos eixos de aprendizagem (leitura,

compreensão, escrita e análise linguística). Dessa forma, não se é concebível uma

educação voltada para o ensino sem levar em consideração os diversos gêneros textuais

que permeiam a nossa vida cotidiana, profissional e acadêmica. Já na educação superior,

geralmente, são oferecidas disciplinas que discutem os processos de elaboração dos

gêneros, considerando, dentre variados aspectos que os compõem, a relevância que as

pistas lexicais de uma língua trazem para a produção e a compreensão dos gêneros.

Direcionando nosso olhar para os gêneros acadêmicos, em especial o resumo,

podemos mencionar as pesquisas de Bhatia (1993), Biasi-Rodrigues (2009), Motta-Roth

e Hendges (2010), e Bernardino e Valentim (2016). Muitos desses estudos têm

investigado o resumo por se tratar de um gênero recorrente nas mais variadas instâncias

da academia, seja na submissão de um trabalho para um evento, para a concessão de

uma bolsa, seja na composição de outros gêneros acadêmicos, como a dissertação, a

tese, o artigo, entre outros. Embora o referido gênero já tenha sido explorado em muitas

pesquisas anteriores, ainda há muito o que se investigar no que diz respeito ao

comportamento sociorretórico do resumo nas mais diversas culturas disciplinares

(HYLAND, 2000). Salientamos ainda que cada vez mais se faz recorrente o uso desse

gênero na educação básica, por meio de atividades que visam à integração entre a

universidade e a escola, como as feiras científicas que exigem a submissão de um

resumo para a apresentação de um trabalho.

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo analisar e comparar como

o gênero resumo de artigo acadêmico é elaborado nas áreas de Nutrição e Psicologia

quanto à sua organização sociorretórica, considerando as variações disciplinares entre as

áreas investigadas.

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156

Para a realização desse estudo exploratório-descritivo de base quali-quantitativo,

dispusemos de 60 exemplares de resumos de artigos acadêmicos de duas culturas

disciplinares distintas, 30 da área de Nutrição e 30 da área de Psicologia. A descrição

sociorretórica do gênero resumo tomou como norte a proposta metodológica CARS

(Create a Research Space) de Swales (1990), as proposições de Bhatia (1993) e o

estudo retórico de resumos realizado por Biasi-Rodrigues (2009).

No tocante à análise, propriamente dita, contamos ainda com os dados da

literatura das áreas envolvidas, os dados dos periódicos e dos manuais de produção

específicos das duas áreas (International Committee of Medical Journal Editors e

American Psychological Association), como também pelas considerações dos

professores-pesquisadores das referidas áreas1. Em suma, nossa investigação é fruto da

descrição das unidades informacionais prototípicas do resumo que estão em constante

diálogo com as informações presentes na cultura disciplinar das áreas. Nesta pesquisa2,

tomamos como critério de prototipicidade das unidades informacionais do gênero

resumo a frequência igual ou superior a 50%.

Concepções teóricas

Nas palavras de Biasi-Rodrigues (2009), os resumos são como formas reduzidas

dos respectivos gêneros expandidos (artigos, comunicações orais, dissertações, teses

etc), e apresentam, geralmente, uma seleção e distribuição de informações que

delineiam como o texto-fonte é organizado retoricamente. Motta-Roth e Hendges

(2010) sustentam que o resumo carrega consigo a essência do texto integral que o segue,

ou seja, o conteúdo e a estrutura do trabalho que se resume.

Bhatia (1993) se dedicou ao estudo dos resumos em artigos acadêmicos,

procurando identificar como eles eram construídos e quais unidades informacionais

estavam frequentemente presentes. Para o autor, o resumo de artigo acadêmico deve

1 Os participantes envolvidos nesta pesquisa são marcados textualmente com ―C‖ de colaboradores, com

uma inscrição numérica que flutuará do C1 ao C7 para a área de Nutrição e do C1 ao C11 para a área de

Psicologia. Esses sujeitos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, reservando-nos,

assim, o direito legal dos dados obtidos por meio das entrevistas e questionários. 2 A nossa pesquisa está vinculada ao projeto maior Práticas Discursivas em Comunidades Disciplinares

Acadêmicas, o qual se encontra registrado no Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da UECE –

Universidade Estadual do Ceará, processo nº 0671978/2014.

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157

conter informações de quatro aspectos da pesquisa, como: informar o que o autor fez,

como o autor fez, o que o autor encontrou e o que o autor concluiu.

Quanto às unidades informacionais dos resumos, Bhatia (1993) indica que as

que foram observadas por ele correspondem aos quatro aspectos que são descritos nas

pesquisas, a saber: 1) Introduzindo o propósito: momento em que o autor apresenta o

objetivo do estudo ou o problema que pretende resolver; 2) Descrevendo a metodologia:

nesta unidade, o autor discorre sobre dados da amostra, procedimentos ou métodos

utilizados na pesquisa; 3) Sumarizando resultados: são apresentados os achados dos

estudos; e 4) Apresentando conclusões: nesta unidade informacional são interpretados

os resultados e, geralmente, são incluídas as implicações e aplicações dos achados da

pesquisa.

No que tange ao trabalho de Biasi-Rodrigues (2009), a autora investigou um

corpus proveniente de resumos de dissertações de mestrado da área da Linguística.

Como resultados dessa análise, a autora descreveu a organização retórica de resumos de

dissertações em Linguística a partir de cinco unidades retóricas: 1) Apresentação da

pesquisa; 2) Contextualização da pesquisa; 3) Apresentação da metodologia; 4)

Sumarização dos resultados e; 5) Conclusão (ões) da pesquisa.

A proposta de Biasi-Rodrigues (2009), que se inspirou na metodologia CARS

(Create a Research Space) proposta por Swales (1990)3, descreve cinco unidades

retóricas. Podemos observar que, relacionadas às unidades retóricas descritas, são

encontradas variadas subunidades a elas associadas, as quais identificam a função

retórica que exercem. É necessário salientar que, nas descrições do gênero resumo, os

autores utilizam diferentes terminologias para denominar as unidades informacionais.

Biasi-Rodrigues (2009) identifica essas unidades pelos termos unidade retórica e

subunidade. Motta-Roth e Hendges (2010), por sua vez, nomeiam as unidades

informacionais seguindo a nomenclatura movimento e passo, originalmente adotada por

Swales (1990), terminologia que também é utilizada neste trabalho. De acordo com

Bernardino e Pacheco (2017), movimentos e passos são unidades informacionais que

respondem aos propósitos comunicativos de determinada comunidade discursiva por

meio dos gêneros.

3 Teórico relevante para os estudos que se dedicam à análise de gêneros textuais/discursivos. A

metodologia CARS, de sua autoria, foi elaborada a partir da investigação da seção de Introdução em

artigos acadêmicos por meio da descrição das unidades informacionais prototípicas observadas em sua

pesquisa.

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158

Motta-Roth e Hendges (2010) realizaram um estudo descrevendo as unidades

informacionais de resumos de artigos acadêmicos nas áreas de Economia, Linguística e

Química, a partir de 60 exemplares. As autoras obtiveram como resultado a descrição

dos resumos com base em cinco movimentos, são eles: 1) Situar a pesquisa; 2)

Apresentar a pesquisa; 3) Descrever a metodologia; 4) Sumarizar os resultados; e 5)

Discutir as pesquisas.

Bernardino e Valentim (2016), também explorando o gênero resumo, se

propuseram a investigar seis exemplares provenientes de diferentes modalidades: dois

resumos publicados em anais de eventos, um resumo de dissertação, um de tese e dois

resumos de artigos acadêmicos. Vale ressaltar que todos os exemplares são da área de

Linguística. Como resultados dessa pesquisa, foi percebido que as unidades

informacionais mais frequentes foram: apresentação da pesquisa, contextualização da

pesquisa, apresentação da metodologia e conclusão da pesquisa.

A partir da compreensão de como o gênero resumo foi investigado em distintas

pesquisas, passemos, a seguir, para a seção de análise do nosso estudo.

A configuração sociorretórica do resumo na área de Nutrição

O resumo consiste em uma vitrine do artigo acadêmico, isto é, uma carta-convite

curta, clara e objetiva capaz de chamar a atenção para a leitura de seu trabalho,

conforme apontou um dos colaboradores da área de Nutrição (C1). É importante

sublinhar que, muitas vezes, as pesquisas se tornam mais acessíveis por meio dos

resumos que se encontram em diversos bancos de indexação (ICMJE, 2014), tornando-

se possível o filtro de pesquisas relevantes ou não para determinado campo de estudo,

principalmente quando o fluxo de pesquisas é muito intenso, como a área de Nutrição,

demandando assim uma seleção do que é relevante ou não.

A partir da análise de 30 exemplares de resumos de artigos acadêmicos da área

de Nutrição, percebemos que o referido gênero se mostra breve e conciso, apresentando

uma média aritmética de 197,53 palavras, confirmando as orientações da Revista de

Nutrição de que o resumo deve ter entre 150 e 250 palavras. Além disso, 73,33% dos

resumos analisados são estruturados em tópicos (Objetivos, Métodos, Resultados e

Conclusão), confirmando as orientações da Revista de Nutrição de que o resumo deve

ser estruturado, mostrando os objetivos, dados metodológicos, resultados e conclusões

da pesquisa. Um dos professores-pesquisadores sugere que tal fato ocorre por exigência

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159

dos periódicos, como também pelo ―paradigma positivista da área de estruturar e fechar

as coisas‖ (C4).

Depois dessas breves considerações, vejamos uma possível proposta de

configuração sociorretórica para o resumo de artigos originais da área de Nutrição, a

partir de uma amostra de 30 exemplares:

Quadro 01 - Descrição retórica de resumos de artigos originais da cultura disciplinar da área de

Nutrição Movimento 1 - Apresentando os objetivos

Movimento 2 - Descrevendo a metodologia

Passo 1 – Indicando o tipo de pesquisa

Passo 2 – Apresentando dados sobre a amostra

Passo 3 – Relatando processo de análise de dados

Movimento 3- Sumarizando os resultados

Movimento 4 - Apresentando conclusões

Fonte: os autores.

De acordo com o Quadro 01, podemos evidenciar que os resumos na área de

Nutrição são constituídos por 4 movimentos, que vêm marcados explicitamente pelos

tópicos: objetivos, métodos, resultados e conclusões, conforme orientam os periódicos

da área (Revista de Nutrição, Nutrire e Alimentos e Nutrição) e o ICMJE (2014).

O primeiro movimento, Apresentando os objetivos, caracteriza-se por apontar os

objetivos que norteiam o estudo empreendido. O referido movimento é construído por

meio de verbos no infinitivo que remetem a uma avaliação investigativa, tais como:

―analisar, avaliar, investigar, verificar, entre outros‖ e pelo uso da expressão ―objetivo‖,

seja no uso corrente do texto (nos resumos não estruturados), seja no tópico que indica o

início do referido movimento (nos resumos estruturados), conforme os exemplos 1 e 2.

1. O objetivo deste artigo é avaliar a qualidade da alimentação de pré-escolares

beneficiados pelo Programa Bolsa Família (PBF), do município de Viçosa-MG,

segundo a situação de (in)segurança alimentar do domicílio. (RAON114)

2. Objetivo: analisar associação entre práticas alimentares (PrA) com maior ação preventiva

e baixo risco cardiometabólico (RCM) em mulheres obesas. (RAON27)

4 RAON – Resumo de artigo original da área de Nutrição: terminologia utilizada para identificar os

exemplares do corpus da área de Nutrição, os quais são acompanhados pela numeração de 01 a 30.

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160

O segundo movimento, Apresentando a metodologia, é constituído de três

passos, Indicando o tipo de pesquisa, Apresentando dados sobre a amostra e Relatando

o processo de análise de dados. Esses passos têm por objetivo descrever aspectos

relacionados aos caminhos metodológicos empregados nas análises, conforme aponta a

revista Cadernos de Saúde Pública. O primeiro passo, Indicando o tipo de pesquisa,

caracteriza-se por apontar, de forma sucinta, o tipo de estudo/pesquisa realizado (a),

conforme evidenciamos nos exemplos 3 e 4.

3. Estudo de delineamento transversal [...] (RAON20)

4. Métodos: Realizou-se uma pesquisa qualitativa, exploratória, [...] (RAON14)

O segundo passo, Apresentando dados sobre a amostra, configura-se pela

indicação numérica da dimensão da amostra (conforme os exemplos 5 e 6),

corroborando os dados do ICMJE (2014) de que, nessa unidade informacional, faz-se

necessário apontar o tamanho da amostra. Nesse passo, os autores recorrem ainda a uma

breve descrição dos sujeitos/objetos dessa amostra, se se trata de crianças, de mulheres,

alimentos, de pacientes com determinada enfermidade, faixa etária, etc, apontando para

os participantes do estudo (C1). Em alguns exemplares, tal unidade informacional é

marcada pela expressão ―amostra‖, conforme o exemplo 7.

5. [Foi realizado um estudo transversal] com 22 adolescentes sobrepesos ou obesos.

(RAON13)

6. No total, 77 pessoas com obesidade e 105 que fizeram uma perda de peso bem-

sucedida [...](RAON16) 7. A amostra foi composta por 25 pacotes de biscoitos recheados de diferentes tipos e

marcas. (RAON06)

O terceiro passo, Relatando o processo de análise de dados, caracteriza-se por

mostrar os principais caminhos metodológicos seguidos na realização da pesquisa,

desde a coleta de dados até os métodos de mensuração e avaliação desses dados. Nesse

passo, os autores utilizam-se predominantemente locuções verbais que apontam para a

realização de algum procedimento de análise investigativa, tais como ―foi avaliada,

foram coletadas‖, conforme os exemplos 8 e 9.

8. O estado nutricional de vitamina A foi avaliado pelas concentrações séricas de retinol.

O estado nutricional antropométrico foi avaliado utilizando-se os índices peso/altura e

altura/idade. (RAON05)

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161

9. Aplicaram-se duas questões abertas e o conteúdo das declarações foi gravado,

transcrito, analisado, categorizado e tratado, quando possível, com a técnica do

Discurso do Sujeito Coletivo. (RAON14)

O terceiro movimento, Sumarizando os resultados, apresenta brevemente os

resultados obtidos na pesquisa, confirmando as orientações da revista Cadernos de

Saúde Pública de que se faz necessário indicar os principais resultados alcançados no

estudo. Esse movimento foi construído por verbos que apontam para os resultados

alcançados, tais como: ―apresentaram, detectou-se, encontraram‖ (exemplos 10 e 11).

10. [...]Não foi detectada diferença estatística significante em relação ao número de

refeições por merendeira ao dia e ao custo médio da refeição entre os diferentes portes dos

municípios ou índice de desenvolvimento humano (p=0,584). Detectou-se adequação no

número de nutricionistas por aluno matriculado estatisticamente maior nos municípios de

pequeno porte (p<0,001), assim com nos municípios de médio índice de desenvolvimento

humano (p<0,001). (RAON03)

11. Resultados: de acordo com o questionário, 35% das mulheres estudadas apresentavam

risco de desenvolvimento de transtornos alimentares e 75,8% apresentavam-se eutróficas.

Encontramos correlação positiva entre EAT+ e índice de massa corporal no grupo de

estudantes eutróficas. (RAON10)

O último movimento, Apresentando conclusões, tem como função, por meio dos

resultados mais relevantes, responder aos objetivos da pesquisa, apontando para as suas

principais considerações, como indicou a revista de Nutrição. Nesse movimento, as

formas verbais mais evidentes estão relacionadas à apreciação dos resultados, como:

―apresentaram, encontrou-se, obtiveram-se‖.

12. Conclui-se que esse estado de insegurança alimentar pode estar relacionado não

somente à diminuição da quantidade de alimentos como à perda da qualidade nutritiva.

(RAON21)

13. Conclusão: a prevalência de sobrepeso e obesidade encontrada foi elevada,

confirmando a magnitude do problema e a necessidade de ações preventivas. (RAON26)

Depois da descrição de resumos de artigos da área de Nutrição, vejamos um resumo

prototípico dessa área.

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162

Figura 1 – Resumo prototípico da área de Nutrição

Fonte: os autores.

De acordo com a análise, o padrão prototípico para exemplares do gênero resumo

da área de Nutrição se aproximou da proposta de Bhatia (1993). Como podemos

evidenciar, o resumo de artigos acadêmicos da área de Nutrição se mostra enxuto e

organizado, considerando que a maioria dos exemplares se apresenta de forma

estruturada, o que facilita a identificação de cada informação do resumo. Tal fato se

justifica pelas proposições do ICMJE (2014) de que o resumo, por estar presente em

muitos bancos de indexação, é lido por um número maior de pessoas, por isso exige-se

dos autores a apresentação precisa das informações mais relevantes do artigo.

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A configuração sociorretórica do resumo na área de Psicologia

Para a descrição do resumo em artigos acadêmicos empíricos da área de

Psicologia, nos embasamos nas descrições do Manual de publicação da American

Psychological Association - APA (2010) e dos periódicos a partir dos quais os resumos

de artigos analisados foram compilados. Com base na investigação dessas informações,

analisamos um corpus de 30 exemplares de resumos de artigos empíricos, identificando

suas unidades informacionais prototípicas por meio da discussão com as orientações da

APA e das revistas da área, desenhando, assim, a configuração sociorretórica recorrente

do referido gênero.

Ao analisarmos a quantidade média de palavras dos 30 resumos investigados,

chegamos ao resultado de 166,87 palavras por resumo, o que corrobora as orientações

do manual da APA (2010) e das revistas analisadas, as quais defendem que o resumo

deve apresentar uma média de 150 a 250 palavras. A APA (2010) ressalta, a partir de

suas orientações, que não deve ser excedido o limite de palavras estabelecido pelos

periódicos.

Vejamos, a seguir, as unidades informacionais prototípicas encontradas a partir

na análise do corpus de resumos de artigos acadêmicos da área de Psicologia:

Quadro 02 – Descrição retórica de resumos de artigos acadêmicos empíricos na área de

Psicologia

Movimento 1 – Apresentando a pesquisa

Passo 1 – Apresentando o tema

Passo 2 – Apresentando os objetivos

Movimento 2 – Descrevendo a metodologia

Passo 1 – Apresentando dados sobre a amostra

Passo 2 – Indicando os instrumentos utilizados

Passo 3 – Relatando processo de análise de dados

Movimento 3 – Sumarizando os resultados

Passo 1 – Apresentando os resultados

Passo 2 – Interpretando os resultados

Movimento 4 – Apresentando conclusões

Fonte: os autores.

De acordo com o Quadro 02, compreendemos que os resumos da área de

Psicologia são constituídos por quatro movimentos. O primeiro, Apresentando a

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164

pesquisa, o qual tem como função retórica caracterizar o estudo realizado, apresenta

dois passos: Passo 1, Apresentando o tema, e o Passo 2, Apresentando os objetivos. O

primeiro passo visa determinar a temática investigada nos estudos analisados. É

possível observar que, nos resumos, essa unidade informacional antecede as

informações que se referem aos objetivos, sendo realizada a partir da apresentação da

temática e por meio de breves contextualizações, situando o leitor acerca do tema que

será explorado no artigo. Essas informações, geralmente, se fazem suficientes para

apresentar o tema investigado, podendo despertar ou não no leitor o interesse em

prosseguir a leitura, conforme ressalta o C1. Para o C3, o resumo deve trazer um

panorama geral das informações mais relevantes e, dentre elas, o colaborador ressalta

o objetivo da pesquisa. Vejamos, abaixo, os exemplos 1 e 2, os quais ilustram o passo

em questão:

1. A sobrecarga física e emocional associada ao cuidado de crianças com

patologias crônicas pode ocasionar prejuízos na vida cotidiana das mães e de

outros membros da família. O sofrimento psicológico tem sido identificado e

caracterizado, sendo ainda importante a investigação de variáveis preditoras

desse fenômeno (RAEP11***).

2. A empatia é uma habilidade social multidimensional, que torna o indivíduo

capaz de compreender sentimentos, necessidades e perspectivas de alguém,

expressando esse entendimento de modo que o outro se sinta compreendido e

validado (RAEP15).

O segundo passo, Apresentando os objetivos, evidencia os objetivos da pesquisa

desenvolvida e é descrito por expressões lexicais como ―objetivo‖ e suas variações,

como ―objetiva-se‖ e ‗objetivamos‖, que desempenham o propósito dessa unidade

informacional, que é demarcar os objetivos da pesquisa. Acompanhando essas pistas

lexicais, destacamos verbos no infinitivo que se referem a ações investigativas, como

―avaliar, identificar, investigar, verificar‖ etc. Observemos os exemplos 3 e 4, a seguir:

3. Este trabalho teve por objetivo compreender como Psicólogos lidam com esses

pacientes na prática clínica, bem como investigar as questões éticas envolvidas

(RAEP03).

4. Este trabalho buscou investigar se há associação entre queixas e sintomas

depressivos e a estação do ano em que pacientes buscam atendimento na área

da saúde mental (RAEP22).

***

RAEP – Resumo de artigo empírico da área de Psicologia: terminologia adotada para designar os

exemplares do corpus da área de Psicologia, que são acompanhados pela numeração de 01 a 30.

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165

No segundo movimento, Descrevendo a metodologia, são discutidos os dados

referentes aos empreendimentos metodológicos adotados no estudo. Essas informações

dizem respeito à amostra envolvida, aos instrumentos utilizados e procedimentos de

pesquisa. Vale salientar que essas características estão de acordo com o que orienta o

manual de publicação da APA (2010), o qual julga pertinente caracterizar

pormenorizadamente as informações acerca da amostra que devem estar presentes no

resumo, como perfil dos participantes envolvidos, idade, sexo, etnia etc. O primeiro

passo, Apresentando dados sobre a amostra, compreende características das amostras

que contribuíram para o desenvolvimento dos estudos. Esses dados caracterizam a

amostra quanto à dimensão do referido passo, idade, sexo, local de origem, ou seja, são

descritos os perfis dos participantes envolvidos. Podemos compreender essas

informações nos trechos abaixo:

5. Participaram do estudo 122 mães de crianças com paralisia cerebral, em

tratamento na Associação Mineira de Reabilitação, na cidade de Belo

Horizonte (RAEP11).

6. Participaram 50 adolescentes com média de 11,3 anos (DP=0,7),

matriculados em duas turmas de Ensino Fundamental II (6º e 7º anos) de uma

escola pública paulista (RAEP12).

Após a descrição da amostra, na sequência, pode ser observado o passo 2,

Indicando os instrumentos utilizados. Nesse passo, são apontados os instrumentos

adotados para a realização das pesquisas. Vale ressaltar que, na maioria dos exemplares,

apenas são apresentados os nomes dos instrumentos, não sendo frequente a discussão de

dados referentes a esses instrumentos, como podemos ver nos exemplos 7 e 8:

7. Foram realizadas 17 entrevistas semiestruturadas com psicólogas atuantes

na atenção básica à saúde, pertencentes à Coordenadoria de Saúde da região

oeste da cidade de São Paulo (RAEP1).

8. Os instrumentos utilizados foram: perfil gestacional, perfil puerperal,

sessões e materiais produzidos no PNP, Inventário Beck de Depressão, Escala

de depressão pós-natal de Edimburgo questionário avaliativo e completamento

de frases (RAEP8).

Concluindo o Movimento 2, Descrevendo a metodologia, há o Passo 3,

Relatando processo de análise dos dados, o qual caracteriza o passo-a-passo da

metodologia, se referindo a informações como coleta e análise de dados. Essas

informações, de acordo com o manual da APA (2010), são essenciais para esclarecer

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166

relevantes características acerca dos procedimentos metodológicos adotados nos

estudos. Nesse momento, são descritos os procedimentos adotados para obter dados da

amostra, sobre a utilização dos instrumentos e, ainda, discute sobre o processo de

análise dos dados. Atentemos para os exemplos 9 e 10:

9. Aplicou-se um instrumento com 77 questões sobre situações cotidianas e fez-

se análise dos itens relativos à vivência de situações de violência (RAEP5).

10. Os participantes foram divididos em duas condições experimentais. Todos

assistiram ao vídeo de um crime e responderam a um questionário sobre

informações nele descritas. Em uma condição, os participantes preencheram o

questionário individualmente e, em seguida, discutiram suas respostas com um

confederado, que fornecia informações falsas ao participante (RAEP29).

O Movimento 3, Sumarizando os resultados, contém dois passos: o primeiro é

intitulado Apresentando os resultados, já o segundo passo é denominado Interpretando

os resultados. O primeiro passo, como a sua função retórica indica, apresenta os

resultados obtidos nas pesquisas, característica que é enfatizada pelo manual da APA

(2010). Já o periódico Fractal: revista de Psicologia justifica que, na descrição dos

resultados, é preciso sintetizar o que foi encontrado. É pertinente salientar que,

geralmente, os achados dos estudos são destacados pela expressão lexical ―resultados‖,

que vem acompanhada por verbos no pretérito do indicativo, como ―apontaram,

indicaram, mostraram, revelaram‖ etc. Além disso, é possível observar que os

resultados, em muitos casos, vêm seguidos por dados percentuais, já que, conforme a

revista Fractal, se necessário, os autores do resumo devem explicitar as medidas e os

resultados de provas estatísticas aplicadas. Observemos os exemplos 11 e 12 para

entendermos como o referido passo é elaborado:

14. Os resultados apontaram o agrupamento dos itens da escala em três

fatores, correspondentes à meta performance-evitação, performance-

aproximação e aprender, que explicaram 39,41% da variância (RAEP2).

15. Os resultados demonstram que as variáveis preditoras do sofrimento

psicológico foram: severidade dos comportamentos identificados como problemas;

idade da criança e a escolaridade das mães (RAEP11).

No segundo passo do Movimento 3, Interpretando resultados, são discutidos os

dados obtidos nos estudos. Dessa forma, a função retórica desse passo é realizar breves

intepretações acerca dos achados da pesquisa. Quanto às formas verbais, encontramos

variadas expressões que acompanham os resultados e indicam interpretação desses

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167

achados, como ―foi possível observar, demonstraram, ocorreu, ajudam a compreender‖

etc. Podemos verificar como esse passo é construído a partir dos exemplos 13 e 14:

16. Considera-se que o trabalho na política de Assistência Social colocou os

psicólogos diante de uma classe trabalhadora ainda mais pauperizada,

com demandas diversas daquelas tradicionalmente consideradas pela

Psicologia (RAEP17).

17. Tais resultados permitiram diferenciar o desempenho das crianças no

2º e 3º ano daquele de crianças em outros anos escolares, e o

desempenho de crianças com nível intelectualmente deficiente daquele

de crianças com outros níveis intelectuais. Houve correlações positivas

e significativas entre os escores do TLN-C e o quociente de inteligência

total da WISC (RAEP18).

O último movimento, intitulado Apresentando conclusões, tem como função

retórica expressar as conclusões da pesquisa. Para o periódico Saúde em Debate, essas

informações devem constar nas pesquisas, e, segundo a APA (2010), podem vir

acompanhadas das implicações ou aplicações dos estudos. Consoante a revista Fractal, a

conclusão deve estar baseada nos dados discutidos, sendo relevante relacionar aos

objetivos ou hipóteses previamente descritas.

Foi possível notar que essa unidade informacional se faz concisa no corpus

analisado. O Movimento 4 tem como propósito, portanto, realizar um fechamento do

resumo, apresentando, a partir dos resultados e das interpretações desses achados, uma

conclusão geral sobre o estudo executado, conforme defende o periódico Fractal. Vale

ressaltar que conclusões são perceptíveis a partir de expressões lexicais como

―conclusão‖ e ―conclui-se‖, como podemos ver nos exemplos 15 e 16:

18. As análises conduzem à conclusão de que a percepção da violência como fator

de risco precisa ser compreendida no contexto de participação do jovem e na

sua história (RAEP5). 19. Conclui-se, a partir da necessidade dos futuros profissionais, o aprimoramento

de suas habilidades empáticas (RAEP15).

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168

Após descrevermos os resumos em artigos da área de Psicologia, observemos, a

seguir, um resumo prototípico desta área.

Conforme percebemos a partir da análise do gênero resumo da área de

Psicologia, o padrão prototípico se aproximou da proposta descrita por Biasi-Rodrigues

(2009). Compreendemos que o resumo de artigos acadêmicos da área de Psicologia se

apresenta claro e conciso, composto por informações que são descritas pela APA

(2010), visando caracterizar a pesquisa desenvolvida e permitindo que os leitores

pesquisem o conteúdo de um artigo de maneira rápida.

Figura 2 – Resumo prototípico da área de Psicologia

Fonte: os autores.

Comparando o resumo nas áreas de Nutrição e de Psicologia

Os exemplares analisados mostraram-se breves e concisos nas duas áreas, não

ultrapassando a média de 200 palavras por resumo. Tal fato corrobora as orientações

dos periódicos e do ICMJE e da APA, de que os resumos de artigos devem apresentar

uma variação média de 150 a 250 palavras por exemplar do gênero.

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169

Em relação à configuração global do resumo, evidenciamos que na área de

Nutrição o referido gênero apresenta-se estruturado, marcado por meio de tópicos

(objetivos, métodos, resultados, conclusão), promovendo, assim, uma identificação

rápida e clara dos pontos discutidos no resumo, enquanto que, na área de Psicologia, o

resumo apresenta-se através de um texto corrido.

Depois dessas considerações mais gerais acerca dos resumos nas áreas de

Nutrição e de Psicologia, passemos ao quadro comparativo das descrições

sociorretóricas nas duas áreas envolvidas:

Quadro 03 - Comparando sociorretoricamente resumos nas culturas disciplinares das áreas de

Nutrição e de Psicologia

Unidades Informacionais Resumo

(Nutrição)

Resumo

(Psicologia)

Apresentando a Pesquisa

Apresentando o tema X

Apresentando os objetivos X X

Descrevendo a Metodologia

Apresentando o tipo de pesquisa X

Apresentando dados sobre a amostra X X

Indicando os instrumentos utilizados X

Relatando o processo de análise de dados X X

Sumarizando os resultados

Apresentando os resultados X X

Interpretando os resultados X

Apresentando Conclusões X X

Fonte: os autores.

De acordo com o Quadro 03, podemos perceber que o padrão prototípico de

resumos da área de Nutrição se mostra mais conciso do que na área de Psicologia, tendo

em vista que esta área apresenta duas unidades informacionais a mais que aquela.

Embora seja perceptível essa sutil discrepância, as demais informações apresentam

função retórica semelhante.

Os resumos da área de Psicologia iniciam-se pela apresentação do tema, fazendo

uma contextualização da pesquisa para, em seguida, estabelecer os objetivos traçados

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170

para a investigação, enquanto que, na área de Nutrição, a apresentação da pesquisa se

faz presente pela descrição clara dos objetivos estipulados para a investigação, sem

recorrer a maiores rodeios, considerando que tal unidade informacional já vem marcada

pelo tópico ―objetivos‖.

Quanto aos aspectos metodológicos, os autores constroem essa unidade

informacional com teor maior de detalhes, embora os passos que compõem essa unidade

não correspondam fielmente nas duas áreas. Na área de Nutrição, por exemplo, a

descrição dos métodos se inicia pela apresentação breve do tipo de pesquisa, seguindo

da apresentação de dados sobre a amostra, para finalizar com o relato dos

procedimentos envolvidos para a análise dos dados da pesquisa. Já na área de

Psicologia, a indicação do tipo de pesquisa não foi recorrente, por outro lado, a

indicação de instrumento utilizado para análise de dados mostrou-se relevante.

Para a sumarização dos resultados, as duas áreas recorrem à apresentação dos

resultados mais relevantes da pesquisa, no entanto, a área de Psicologia conta ainda com

uma breve interpretação dos achados da pesquisa. Por fim, os autores tentam fazer o

fechamento do resumo, apresentando, por meio dos resultados, as considerações finais

acerca do estudo empreendido.

Salvo as devidas diferenças sociorretóricas pertinentes ao resumo em cada uma

das áreas analisadas, podemos evidenciar que o resumo tem como propósito persuadir o

leitor quanto à apreciação de um trabalho empreendido, talvez por isso a

correspondência entre as unidades informacionais dos resumos e as seções dos artigos

acadêmicos se mostraram evidentes.

Considerações Finais

Mais do que traçar diferenças e semelhanças sociorretóricas do gênero resumo

nas áreas analisadas, o que consideramos importante é compreender que o referido

gênero sofre influências de cada uma dessas culturas disciplinares em sua configuração

textual.

Assim, não podemos engessar o gênero resumo, pois uma característica que se

revela fulcral na configuração do gênero em uma área, em outra pode não se mostrar tão

relevante. Podemos citar, a título de exemplo, a unidade informacional que indica o tipo

de pesquisa, recorrente na área de Nutrição, enquanto que, na área de Psicologia, essa

unidade informacional não recebe a mesma significância.

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171

Esperamos que as discussões aqui lançadas tornem-se profícuas na construção

de saberes, subsidiando professores e alunos na produção do referido gênero da forma

como as áreas o compreendem. Devemos atentar, ainda, para o fato de que os gêneros

acadêmicos, mesmo dentro de certos padrões, apresentam diferenças sutis, como

também mais explícitas, que devem ser levadas em conta.

Para finalizar, acreditamos que essa discussão não está perto de findar, pelo

contrário, há muito a ser discutido no que diz respeito às culturas disciplinares e suas

influências na produção dos gêneros acadêmicos.

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bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/alimentos>. Acesso em: 29.05.2015.

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BIASI-RODRIGUES, B. O gênero resumo: uma prática discursive da comunidade

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172

SWALES, J. M. Genre analysis: English in academic and research settings.

Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

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173

CAPÍTULO XII

A DIMENSÃO CULTURAL NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA

ESTRANGEIRA EM CURSOS DE GRADUAÇÃO EM LETRAS

Raimundo Expedito dos Santos SOUSA

Magda Velloso Fernandes de TOLENTINO

Introdução

Uma vez que as práticas textuais deitam raízes no solo movediço da cultura,

onde a linguagem empresta significado ao aqui-e-agora das relações sociais, conhecer

uma língua não significa apenas aprender as palavras do idioma e saber juntá-las numa

sintaxe que produza sentido compreensível para os que também conseguem fazer a

mesma coisa, ou para os falantes nativos daquela língua. Nesse sentido, uma primeira

questão que nos move neste ensaio consiste na concepção de linguagem que pauta o

processo de ensino-aprendizagem na formação de professores em cursos de graduação

em Letras. Já que compete a tais cursos formar docentes habilitados a lecionarem

conteúdos linguísticos, independentemente do idioma escolhido pelo licenciando, o

currículo universitário deve oferecer uma concepção de linguagem não apenas como

sistema de regras, mas também como prática social. Assim, este ensaio empreende,

numa primeira reflexão, digressões sobre a caráter cultural da linguagem e o papel dos

gêneros textuais, modais e/ou multimodais na exploração desse aspecto.

O ensaio traz, ainda, uma segunda reflexão, articulada à primeira, que desdobra

a reflexão sobre o cariz cultural da linguagem ao discutir o papel que se tem conferido à

literatura no processo de ensino-aprendizagem da língua estrangeira em disciplinas de

linguística em cursos graduação em Letras. Ora, no ensino-aprendizagem oferecido em

tais disciplinas, chama atenção, por vezes, o estatuto disjuntivo conferido à literatura

nas modalidades de licenciatura em Português e Inglês. De um lado, não se discute o

ensino das literaturas de língua portuguesa no currículo de graduação em Português; de

outro, o ensino de literaturas anglófonas costuma ser tratado com reservas na graduação

em Inglês. Por isso, a segunda reflexão que move este ensaio reside na exploração da

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174

literatura como ponto de engajamento do graduando com aspectos culturais da língua

estrangeira.

Linguagem como ferramenta para (re)(d)(escre)(ver) o mundo

Se passarmos em revista as formas por que se tem concebido historicamente os

processos de significação pela linguagem, predominarão, grosso modo, três abordagens

distintas, quais sejam, a reflexiva, a intencional e a construcionista. A primeira, de cariz

especular, presume transparência entre representação e referente, tal que cumpre à

linguagem atuar apenas como ―espelho‖ refletor do real. A segunda, subjetivista, reduz

a representação às intenções do autor ao tomá-lo como detentor único de um significado

restrito às suas pretensões de significação e passa ao largo, portanto, da natureza

interativa da linguagem, uma vez que a construção de sentidos depende de convenções

enunciativas e códigos socialmente partilhados. A terceira, tributária da virada

linguística, reconhece o caráter coletivo dos processos linguísticos, sustenta que os

significados são constituídos na e pela linguagem, não confunde o mundo material com

os processos simbólicos por que esta opera e tampouco refuta a existência deste,

porquanto os significados são forjados não por ele, mas, sim, pelos sistemas linguísticos

atuantes como medium de interpretação, codificação e atribuição de sentidos ao mundo

material. Logo, considera que o sentido, em vez de intrínseco à materialidade do signo,

é construído conforme a função simbólica que lhe é imputada; considera, ainda, que não

refletimos o mundo ao representá-lo, mas de fato o criamos, pois é precisamente a

mediação dos sistemas de significação que o torna inteligível (cf. HALL, 2003).

Como sabemos por dever de ofício, esquemas formalistas circunscreveram, no

passado, o escopo de pesquisas em literatura, linguística e retórica, campos

epistemológicos nos quais as teorias de gênero emergiram. Como corolário desse

ligame, essas teorias, em tempos idos, pautavam seus regimes taxonômicos nas

idiossincrasias formais dos tipos textuais. À medida que o século XX avançava, a

categorização dos textos simplesmente em seu esquema estrutural (narrativo, descritivo

ou dissertativo) perdia crédito por eclipsar a diversidade de competências comunicativas

que transcendem o patamar estrutural. Ao conceber os textos estritamente quanto à

fatura de sua organização interna, esse viés analítico desconsidera a dimensão interativa

dos gêneros enquanto práticas discursivas. Se, pelo menos, desde Aristóteles se tem

procedido à categorização de padrões orais e escriturais, a novidade introduzida por

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175

estudiosos como Mikhail Bakhtin consiste no estudo do gênero antes como práxis do

que como forma por colocar em primeiro plano sua relação com situações de uso, que,

por seu turno, relacionam-se com o contexto sociocultural. Tal concepção de gênero

como construção dinâmica e semiótica coaduna forma e conteúdo, estrutura e função,

texto e contexto, além de reconhecer o caráter social dos processos de significação.

Nessa acepção linguística forçosamente pragmática, taxonomias balizadas estritamente

na instância da palavra são antepostas por categorizações atentas à dimensão

enunciativa na qual a estrutura textual não é senão parte de uma instância discursiva de

mais ampla envergadura. Os domínios da literatura, da linguística e da retórica são

largamente tributários, portanto, do exercício teorético de Bakhtin em definir uma noção

de linguagem que contempla seu aspecto interativo e à qual se colam noções axiais,

como enunciação, dialogismo, polifonia e gênero discursivo. A esse último conceito o

filósofo russo conferiu definição de que ainda nos valemos: ―Qualquer enunciado

considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua

elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos

gêneros do discurso‖ (BAKHTIN, 2000, p. 279; ênfase original). Concebida a

linguagem, à luz bakhtiniana, numa acepção linguística interativa, os gêneros

discursivos, como recursos cognitivos de significação do mundo, são a viga-mestra do

princípio dialógico; por conseguinte, os gêneros, se bem que amoldados à textualidade,

são timbrados por sua extração discursivo-interacionista.

Ainda que um gênero seja investido de relativa estabilidade e se diferencie dos

demais por quesitos como conteúdo temático (assunto), construção composicional

(estrutura formal) e estilo (particularidades escriturais), as categorias, porque forjadas na

cultura e, portanto, sujeitas à sua contingencialidade, não são tão estáveis quanto se nos

afiguram. Em instigante estudo sobre a precariedade dos sistemas classificatórios, o

escritor francês Georges Perec toma como exemplo o modo de organização de seus

livros para concluir ironicamente: ―O que não está ordenado de forma definitivamente

provisória o está de forma provisoriamente definitiva‖†††

(PEREC, 1985, p. 40). Ora,

dadas as indeterminações da cultura, condicionantes de ordem contextual delimitam os

modos de produção, circulação e recepção de gêneros medrados numa comunidade

linguística. Por isso, sem embargo de sua aparente fixidez, o gênero tem inflexão

movediça porque sujeito às contingências históricas, sociais e culturais dos grupos que

†††

Nossa tradução. Doravante, todas as traduções de citações em língua estrangeira são de nossa autoria.

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176

dele fazem uso. Porque a linguagem é social por excelência, à proporção que uma

comunidade linguística se altera, o repertório de gêneros também se modifica, de

maneira que cada âmbito da atividade humana ―comporta um repertório de gêneros do

discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se

desenvolve e fica mais complexa‖ (BAKHTIN, 2000, p. 279).

Embora já sobejamente explorada, a tópica das teorias de gênero permanece

atual devido, sobretudo, à constante e crescente aparição de novas linguagens expressas

em novos suportes linguísticos. Para dar conta dessa multiplicidade semiológica, o

conceito de multimodalidade estende ainda mais o campo perceptual dos gêneros.

Nesses termos, a multimodalidade consiste, sumariamente, no ―uso de vários modos

semióticos no design de um produto ou evento semiótico, juntamente com a maneira

particular em que esses modos são combinados‖ (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p.

20). Trata-se, noutros termos, da ―integração de duas ou mais formas ou modos de

comunicação, de maneira que seu significado como um todo seja maior do que qualquer

modo separadamente ou do que sua combinação simples‖ (DRESSMAN, 2001, p. 71).

A comunicação multimodal implica diversidade de modos comunicativos em sistemas

de signos os mais diversos, que carregam significados conhecidos e reconhecidos por

um grupo (cf. HALLIDAY, 1985; HODGE, KRESS, 1988; KRESS, VAN LEEUWEN,

1996, 2001; BATEMAN, 2010). No campo específico do ensino-aprendizagem, a

abordagem multimodal possibilita aos estudantes diferentes formas de engajamento com

um texto, quer nos pontos de entrada, quer nos possíveis itinerários de exploração, quer,

ainda, nos procedimentos de leitura. Afinal, textos multimodais se notabilizam pelo fato

de que ―cada modo oferece uma maneira diferente de representação e se concentra em

diferentes aspectos do significado‖ (JEWITT, 2005, p. 7).

Uma vez que o estudo de gêneros textuais abrange um sem-número de

possibilidades investigativas, torna-se um instrumento imprescindível para o ensino-

aprendizagem que pretenda contemplar a linguagem em sua dimensão cultural, seja num

prisma teorético, seja num viés empírico. Essa perspectiva de ensino-aprendizagem

como processo socioeducativo de multiletramento permite preparar futuros professores

para formarem cidadãos capazes de ler e criar uma variedade de textos medrados em

diversos sistemas linguísticos, como recomendam os Parâmetros Curriculares Nacionais

(cf. BRASIL, 1998).

Literatura e engajamento cultural com a língua estrangeira

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177

Compagnon, ao proferir a aula inaugural da cátedra de literatura no Collège de

France, em 30 de novembro de 2006, faz algumas perguntas pertinentes: ―Quais valores

a literatura pode criar e transmitir ao mundo atual? Que lugar deve ser o seu espaço

público? Ela é útil para a vida? Por que defender sua presença na escola?‖

(COMPAGNON, 2012, p. 23). Se desdobrarmos essas questões para o escopo dos

currículos de Letras, nos quais se tenta discutir o papel das literaturas na formação do

professor de língua estrangeira, nossas reflexões não seguem a ordem de Compagnon,

mas pretendemos abordar todas as questões colocadas por ele.

Mas antes de tentar responder às questões colocadas por esse teórico, façamos

algumas reflexões. Uma primeira reflexão, que mais nos interessa aqui, é a de qual é o

lugar da literatura nos currículos dos cursos de Letras, se não do lugar da literatura na

vida dos professores das diversas áreas das Ciências Humanas e mesmo na vida da

população em geral. De certa forma, não raro se questiona a validade do ensino de

literatura em cursos de primeiro e segundo

graus, e até a exigência da leitura de textos literários para a prestação de provas

de ingresso em universidades. Pedimos, contudo, licença para buscar numa

manifestação artística bastante popular, o cinema, algumas respostas para a permanência

da literatura na formação da população de qualquer país: no filme Sociedade dos Poetas

Mortos, dirigido por Peter Weir, o novo professor de Literatura Inglesa leva os alunos a

refletirem sobre a poesia e sintetiza: ―Nós não lemos ou escrevemos poesia porque é

bonitinha. Nós lemos e escrevemos poesia porque é paixão, é vida!‖. E de que é feita a

vida, senão de paixão? E o que estaremos fazendo ao perseguir um ideal de profissão e

de vida, ao escolhermos um curso

universitário, senão viver a vida, da melhor forma possível, conforme nossas

aspirações? Outro filme, O espelho tem duas faces, dirigido por Barbra Streisand,

retrata a vida de dois professores universitários. A aula de Matemática é representada

como tediosa e esvaziada, enquanto a de Literatura é mostrada como viva, animada e

cheia de interesse para os alunos. Não se trata aqui de julgar as disciplinas em si

mesmas: o que as caracteriza como de uma e outra forma é a maneira como são

ministradas, e a disciplina de literatura é oferecida como algo que se refere à vida das

pessoas. Para não parecer aqui que adotamos postura preconceituosa em relação às

Ciências Exatas, podemos citar outro momento do mesmo filme, em que a professora de

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178

Literatura tenta mostrar ao de Matemática como este poderia conduzir sua disciplina

mais dinamicamente, aproximando-a da realidade das pessoas.

Ora, a literatura não só retrata a vida como ela é, mas também faz projeções, cria

devaneios, torna reais sonhos impossíveis, coloca-nos frente a frente com culturas

diversas, ensina-nos através da experiência do Outro, e o aprendizado vai além dos

limites da literatura per se, pois, através dela, pode-se levantar questões pertinentes à

História, à Sociologia, à Psicologia, à Antropologia e a tantas outras Ciências. É aqui

que nos reportamos a Roland Barthes, que, também em aula inaugural no Collège de

France, em 1977, declarou:

Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas

disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina

literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no

monumento literário (BARTHES, 1989, p. 18).

De acordo com Barthes, ―a literatura assume vários saberes. Num romance como

Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, botânico,

antropológico‖ (BARTHES, 1989, p. 18). Acreditamos que o mesmo possa ser dito de

um infinito número de obras literárias, e poderíamos passar toda a extensão deste ensaio

citando exemplos do nosso universo de leitura. Mas precisamos ir adiante. Podemos, a

partir dessa visão de Barthes, enumerar como uma das utilidades da literatura a

introdução a saberes variados da escala das Ciências, ao nos introduzir, como já nos

referimos, à História, à Geografia, à Psicologia, à Filosofia, à Antropologia e a tantos

outros saberes. Definir literatura é tarefa

hercúlea. A maioria das definições são de dois tipos: uma que vê a literatura como

linguagem usada com fins de mimese, ou com a finalidade de se criar ficção; e outra

que a vê como linguagem usada com o objetivo de agradar esteticamente, neste caso

chamando atenção para si mesma como um meio. Nenhuma das definições é completa

ou desprovida de verdades,

mas não cabe aqui a preocupação com uma definição categórica, mas introduzir

os diversos interesses que a literatura pode ter para nós, profissionais das Letras...

Voltando a Compagnon e tentando nos reportar às suas questões primordiais,

pensamos: a utilidade da literatura é múltipla e complexa. Em primeiro lugar, não

podemos desprezar a utilidade do prazer que a literatura nos proporciona. Afinal, o ser

humano vive em busca da felicidade, e o caminho é sempre o prazer. Ninguém procura

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179

a felicidade no sofrimento. E talvez

possamos dizer que a utilidade primeira da literatura, em qualquer de suas

manifestações, esteja no entretenimento, que só se busca pelo prazer. Pode não ser a

utilidade principal, mas não deixa de ser de grande importância. Através da literatura o

indivíduo pode viajar por lugares diferentes, por sentimentos diferenciados e perder-se

num mundo outro que não o seu do dia a dia. Ele viaja o mundo, conhece

personalidades diferentes, descobre a história de países com

que jamais sonhou se identificar, percebe as diversas maneiras de viver que o

universo abriga. Agora, nenhum indivíduo não passa por todas as experiências possíveis

em uma só vida – e sabe-se lá se haverá outra? – e, por mais observador que seja,

não vislumbra a multiplicidade de experiências que pode contemplar ao seu

redor e que sejam consideradas universais. Somente a literatura poderá lhe trazer

o conhecimento da variedade de experiências que a vida pode oferecer. O

aprendizado da vida através da literatura trará inúmeros benefícios, pois, através

do conhecimento que a literatura nos dá, podemos aprender a refletir sobre os diversos

aspectos da vida cotidiana ou da vida extraordinária; podemos ter uma ideia de como se

sente um jovem, uma velha, uma rainha, um prisioneiro, uma cortesã, e assim por

diante. São experiências de segunda mão que não poderíamos compartilhar de outra

forma. E essa experiência transmitida através da literatura transcende o espaço e o

tempo. É uma forma de se perceber a alteridade e aprender a conviver com valores e

costumes diferentes. Proust já dizia que a realização de si não acontece na vida

mundana, mas pela literatura. ―Somente pela arte podemos sair de nós mesmos‖ (Proust,

apud COMPAGNON, 2012, p. 24).

No mundo de hoje, em que as experiências são mediadas pelo ciberespaço e

suas ferramentas várias, com os aplicativos e as redes sociais, não resta dúvida de que a

leitura, em sua configuração tradicional, tem se afastado de nossa vida cotidiana de tal

modo que livros não fazem mais parte da vida de crianças e jovens como nos tempos

antediluvianos da criação da internet. No dizer de Harold Bloom,

Existem muitas explicações convenientes sobre o motivo pelo qual muitas

crianças (de todas as idades) não leem mais ou acham difícil ser desafiadas

pelo que leem. A Era da informação enfatiza a tela – imagem em

movimento, televisão e computador pessoal – e o e-book começa a ser uma

alternativa ao livro impresso (BLOOM, 2001, p. 16).

Em que pese o tom pessimista do crítico literário frente às mudanças

operacionais da prática de leitura estimuladas por novos suportes linguísticos, havemos

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180

de concordar com ele no seguinte ponto: se hoje a relação do jovem com os livros tende

a ser mais distante, o que poderíamos dizer de um aluno de Letras que não tem um

mínimo de convivência com a literatura da língua a que se dedica? O aprendizado da

literatura não se restringe ao aprendizado das escolas literárias em seus momentos

históricos e suas características próprias, das teorias

literárias e das correntes críticas. Muito antes, o estudo das literaturas, sejam quais

forem, vão fazer do nosso aluno um leitor crítico em todas as instâncias, e isso eu

coloco como uma de suas utilidades. Se o indivíduo se torna um leitor crítico de um

texto canônico, naturalmente vai ser um leitor crítico de jornais, de propagandas e

comerciais, de programas de televisão, de telenovelas, dos discursos de políticos e da

vida em si mesma. E o leitor crítico é aquele capaz de efetuar mudanças na escola, em

sua vida e na sociedade. Mas a literatura, além de ser um fim, pode também ser um

meio de aprendizado, e aqui também estamos levantando uma utilidade para ela.

O ensino de língua estrangeira em nosso país ainda não alcançou um nível

adequado, mas o lugar que ocupamos, como professores e alunos de cursos de Letras,

fornece-nos um locus de discussão e de luta em prol do objetivo de alcançarmos uma

melhoria nesse setor. Cabe a nós, professores de terceiro grau, e aos alunos que em

breve sairão habilitados a ensinar a língua estrangeira, o papel de lutar para que esse

ensino alcance um patamar desejável,

proporcionando aos alunos de primeiro e segundo graus, tanto de escolas particulares

quanto de instituições públicas, a oportunidade de aprenderem a outra língua em todas

as suas habilidades: ler, ouvir, falar e escrever. Inútil falar em motivações. A

necessidade do conhecimento de uma segunda língua se faz ver a cada momento: no

comércio exterior, na computação, na vida profissional em todas as áreas, nos estudos

avançados de graduação e

pós-graduação, no dia a dia, no turismo – mesmo que este último motivo possa

não ser a prioridade nesse aprendizado, por não ter ainda alcance universal.

Ora, qualquer que seja o objetivo do aprendizado de uma outra língua, sua

respectiva

literatura terá papel fundamental para a formação desse ser aprendiz. Para que

esse aprendizado se dê de forma completa, uma das questões fundamentais é a

do conhecimento da cultura dos países onde a língua de aprendizagem é falada. Isso

inclui conhecimentos socioculturais, tais como vestiário, alimentação, música, sistema

educacional, lazer, costumes etc. Que forma poderia ser mais efetiva para esse

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181

aprendizado que a leitura de textos autênticos produzidos nos países de origem? Nós

incluiríamos aqui não só os textos literários, mas também a absorção de filmes,

documentários, canções populares, jornais e revistas, entrevistas, artigos acadêmicos,

programas de noticiários de televisão a cabo, e qualquer outra forma de se entrar em

contato com a cultura através de manifestações que incluam a linguagem. Quanto aos

textos literários, sejam eles do gênero lírico, épico ou dramático, constituem uma rica

fonte desses conhecimentos extensamente listados em meus últimos parágrafos. Todas

as habilidades que se incluem num aprendizado de língua estrangeira se beneficiarão

desses textos. Além do aprendizado de História, Sociologia e outras ciências, como já

foi dito, há o acréscimo de outros aspectos da cultura que se pode adquirir através da

literatura, como a geografia, o folclore, os hábitos, mapas de cidades, sistema de

comunicação e transporte, entretenimento, e muito mais.

Por meio da literatura aprendemos que o tópico de conversação favorito

dos britânicos é o tempo, apesar de ser necessária uma estadia no país para compreender

o porquê disso – o tempo constantemente chuvoso, a imprevisibilidade da temperatura,

a alegria trazida pelas primeiras nesgas azuis nos céus, prenunciando a primavera, que

levam, num mesmo bolo, os estudantes e os executivos de ternos a andarem descalços

nos parques, assim como a impessoalidade do assunto, já que os britânicos raramente

discutem assuntos

pessoais. E onde mais poderemos encontrar múltiplos exemplos da preocupação com e

da influência que o tempo exerce sobre as pessoas a não ser em textos

literários? Patrícia Nora de Souza e Margarida Salomão (1996) apresentam

resultados de um estudo feito na graduação em Letras da Universidade Federal

de Juiz de Fora, em que diferentes turmas foram submetidas ao estudo de inglês

mediante uso de dois tipos de textos: um grupo fez seu aprendizado através de

textos de um livro didático (da série Break into English) e outro através de textos

literários. Após detalhar as estratégias da experiência, as duas autoras narram a

conclusão a que chegaram: o estudo comparativo demonstra melhor

performance dos leitores de textos literários, confirmando a hipótese de que a

experiência de leitura é grandemente beneficiada pelo uso de textos que são algo

mais do que meros pre-textos para o veículo da informação, isto é, a linguagem;

são também instrumentos numa prática pedagógica que compreende a leitura

como uma busca de coerência. As autoras sugerem, portanto, o uso de textos

literários, mesmo se usados como complementares em atividades de leitura,

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182

como uma forma de levar o aprendiz a um envolvimento com o significado do

texto. O resultado desse estudo reitera a necessidade de ruptura com modelos

obsoletos de ensino-aprendizagem de língua estrangeira pautados unicamente

no método grammar translation, ou seja, memorização de regras gramaticais

descoladas de contexto prático. Essa abordagem tradicional, segundo pesquisadores

como Muhammed, resulta em um ensino-aprendizagem mutilador da criatividade do

aluno:

A educação tradicional não observa as experiências que os jovens podem ter,

nem combina suas habilidades e necessidades, uma vez que impõe suas

regras e fatos sobre o processo de aprendizagem, no qual os alunos ficam em

estado de completa receptividade e obediência. Esse processo deveria ser

visto como uma experiência, uma atividade livre e um desenvolvimento da

individualidade de uma forma que utiliza as oportunidades da vida presente

para familiarizar a geração jovem com o que está acontecendo no

mundo e também prepará-la para o futuro. [...] Estudar, memorizar e aplicar

regras de gramática de um determinado idioma pode induzir à perda da

identidade de um aluno na medida em que a capacidade de auto impressão

provavelmente será interrompida ou invariavelmente obliterada.

(MUHAMMED, 2013, p. 29).

Nesse sentido, para esse autor, com o qual tendemos a concordar, o aprendizado

de uma língua estrangeira por meio da literatura permite ao estudante fazer uso da

imaginação e da criatividade e, assim, não experimentar de forma tão contundente a

sensação de deslocamento que a entrada em um universo linguístico estrangeiro

provoca. Todavia, a introdução de textos

literários em aulas de língua estrangeira ainda é vista com reservas por muitos

professores, seja por despreparo para trabalhar com literatura, seja por considerarem

dispendioso o tempo gasto com a exploração de textos ficcionais:

O uso da literatura em escolas de idiomas [...] ainda é um assunto discutível

entre professores de línguas. Alguns acreditam que o aprendizado de uma

língua deve incluir inteiramente aqueles aspectos relacionados às atividades

do cotidiano (falar, ouvir, e assim por diante). Neste caso, passar muito

tempo tentando entender textos literários provavelmente escritos em inglês

antigo não tem [para eles] nada a ver com o processo geral [de ensino-

aprendizagem].

MUHAMMED, 2013, p. 29).

A propósito dessa clivagem entre estudos linguísticos e estudos literários,

Bassnett e Grundy (1995) escreveram um livro (Language through Literature) com o

propósito de ajudar o aprendizado de língua através da literatura, baseando-se no fato de

que a Divisão que foi levantada entre o ensino da literatura e o ensino da língua não é

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somente infeliz, mas também falso. Foram encontrados professores que pensam na

literatura como irrelevante e que argumentam que o que os alunos precisam é de textos

que sejam ―práticos‖ e ―baseados na

experiência do dia-a-dia‖, e não obras de arte. E foram encontrados professores que

desprezam o trabalho ―meramente linguístico‖, como se textos literários fossem feitos

de algum material etéreo e não construídos pela linguagem. (BASSNETT, GRUNDY,

1995, p. 1). Mais adiante, esses autores acrescentam que ―Quando lemos Shakespeare,

não deveríamos faze-lo porque ele é considerado um mestre, mas porque sua habilidade

no uso da língua é um prazer digno de ser usufruído‖ (BASSNETT; GRUNDY, 1995, p.

2). Isso nos traz à essência da leitura, e

qualquer um que já tenha trabalhado com a habilidade de leitura sabe que, entre

as diversas razões existentes para se ler, uma delas é essencial: o prazer. Bassnett e

Grundy não centram seus objetivos na leitura somente. Uma das razões que eles listam

para embarcar nessa tarefa de criar tal livro é a de desenvolver condições para a

produção escrita criativa por parte do aprendiz, ao invés de fazê-lo parafrasear apenas

ou redigir parágrafos pré-determinados. E a metodologia do livro é baseada na

abordagem colaborativa e centrada no aprendiz, por meio do método comunicativo.

Como categoricamente afirmou o Prof. Kevin Keyes, da Universidade Federal de Minas

Gerais, em palestra proferida por ocasião do III Congresso da Apliemge no CEFET-

Minas, nos anos 1990, a abordagem comunicativa é um marco nas estratégias de

aprendizado de língua estrangeira do qual não se pode fugir – não será possível voltar

atrás; o único caminho é para frente, diferenciando, se necessário, a partir dela.

Ao passar nosso foco da leitura para a produção de textos, poderíamos abrir mais

o leque de interesse do uso da literatura na sala de aula de língua estrangeira e abranger

as quatro habilidades envolvidas na aprendizagem da língua. Susan Stern, em capítulo

do livro Teahing English as a Second or Foreign Language, organizado por Marianne

Celce-Murcia, afirma que

A literatura oferece benefícios potenciais de alta qualidade para

o inglês como segunda língua ou língua estrangeira. Do ponto de vista

linguístico, a literatura pode ajudar o aprendiz a dominar o vocabulário e a

gramática da língua, assim como as quatro habilidades da língua: ler,

escrever, ouvir e falar. [...] Do ponto de vista da cultura, a literatura habilita o

leitor a examinar a experiência humana universal dentro do contexto de um

pano de fundo específico e da consciência de um povo em

particular. Do ponto de vista estético, dentre os benefícios se

incluem o ensino da literatura em si, pelo olhar introspectivo

que ela introduz à existência humana dentro dos limites

artísticos e intelectuais de uma obra literária. (STERN, 1991, p. 11).

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O texto literário tem a vantagem de trazer dentro de si itens do maior interesse,

compactados numa construção que possui tudo o que desejamos trazer para o aprendiz

quando lidamos com uma língua estrangeira: pano de fundo cultural; vocabulário novo;

estruturação natural de frases (mesmo quando se lida com dialetos regionais ou étnico);

coesão, que pressupõe os vários elementos de um texto e depende das falas que

compõem o discurso; coerência, a partir da qual tiramos sentido do discurso, e que

depende do conhecimento do assunto, do conhecimento do mundo, da sequência das

frases no texto, reconhecimento dos

elementos a que as elipses remetem, etc.; pontuação; pares adjacentes. Se quisermos

usar estratégias de leitura, podemos fazer predição (prediction); leitura por alto

(skimming); busca de informação específica (scanning); inferência, exercício mental

para compreensão de qualquer texto autêntico, literário ou não; apreensão de novo

vocabulário, usando indicações contextuais ou informação estrutural; reconhecimento

de esquemas organizacionais do texto e tudo o mais que as estratégias de leitura

preveem.

Retornamos, aqui, às questões de Compagnon: ―Quais valores a literatura pode

criar e transmitir ao mundo atual? Que lugar deve ser o seu espaço público? Ela é útil

para a vida? Por que defender sua presença na escola?‖ (COMPAGNON, 2012, p. 23).

Ora, em termos de valores, a literatura nos transmite tal amplitude de vivência que não

podemos desprezar

os valores éticos, sociais e culturais que ela nos traz. Como afirmamos anteriormente, é

através do nosso senso crítico, muito exacerbado pelo aprendizado por meio de textos

literários, que reiteramos nossos valores, em vista de uma universalidade com a qual só

podemos tomar conhecimento através da leitura, já que não podemos viver em todos os

lugares do mundo e nem experienciar todas as instâncias de vida. E é na escola,

principalmente na escola pública – e aqui nos referimos aos cursos de Letras das

universidades públicas, mas também aos professores dela advindos que poderão inserir

leituras em seus cursos ministrados em escolas de cursos elementar e médio –, que

teremos o espaço para trazer aos aprendizes a oportunidade de abertura a esse mundo de

infinitas possibilidades. Além do mais, a literatura é o guarda-chuva que nos

possibilitará incluir as mudanças em Estudos Culturais que acontecem na academia

desde a metade do século XX.

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Não mais compreendemos os estudos literários como a busca exclusiva de

conhecimento de textos canônicos, mas como um locus que abriga todo tipo de texto. Se

não, em que outro lugar em nossos currículos poderemos achar lugar para trabalhar com

quadrinhos, canções, filmes, propagandas, novelas, séries televisivas e outros textos que

virão a aparecer, como manifestações culturais legítimas? Essa expansão de objetos de

estudo é apenas uma das razões por que os currículos devem ser flexíveis e abraçar

todas as possibilidades para o trabalho acadêmico. A contingência e o dinamismo do

plano cultural resultam que a significação de um texto não se dá, por evidente, apenas

em seus elementos organizacionais internos, tal que tanto os protocolos composicionais

dos gêneros quanto suas matrizes de legibilidade se dão na esfera das práticas sociais,

donde a linguagem emerge e onde é investida de sentido. Embora difiram, em maior ou

menor grau, nas escolhas teórico-metodológicas, os professores de língua estrangeira

devem contemplar uma concepção de linguagem como ferramenta para

(re)(d)(escre)(ver) o mundo, valendo-se de gêneros textuais modais e/ou multimodais e

da literatura como manifestação da língua-alvo.

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187

CAPÍTULO XIII

A LEITURA LITERÁRIA COMO RETORNO A SI: ANÁLISE DA RECEPÇÃO

DE MORENO (2003) DE BRINA SVIT EM FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA

(FLE)

Rosiane XYPAS

Introdução

« L‟attitude de jouissance dont l‟art implique la possibilité et

qu‟il provoque est le fondement même de l‟expérience esthétique ».

Jauss (1978:137)

Faz parte dos estudos dos teóricos da Recepção a análise das reações dos leitores

na leitura das Obras literárias. Mas até onde sou mais livre para inovar o ensino da

Literatura em Língua estrangeira? Qual o papel do sujeito leitor na leitura literária? Que

liberdade nós concebemos ao leitor pela leitura do texto? Se a leitura tem a ver com a

empatia, a projeção e a identificação como afirmou Proust, o que estamos fazendo, nós

professores de Francês língua estrangeira (doravante, FLE), por um retorno do leitor à

cena literária? E de que leitor, falo eu?

Este capítulo propõe apresentar uma análise da Recepção da leitura literária da

Obra Moreno (2003) escrita por Brina Svit, escritora eslovena de expressão francesa.

Apresentaremos neste, as reações de leitura de três alunas de graduação na disciplina de

Literatura Francesa I no que diz respeito à leitura literária como retorno a si. Para tal, a

análise será feita à luz das teorias da recepção a partir dos escritos dos diários de leitura

literária das alunas em questão.

Ora, como se sabe, há exatos vinte anos atrás o professor e crítico francês

Antoine Compagnon (2001) afirmava que o leitor é o elemento literário a ser examinado

com maior urgência nos estudos literários. Mas as teorias sobre esse elemento literário

são radicais a ponto de hoje no século XXI diversos profissionais dos estudos literários

as ignorarem ainda. Exemplo disto? Poucas são as teses em que se preocupam aqui no

Brasil, os pesquisadores com as reações do sujeito leitor na leitura de Obras literárias.

Além disso, os livros didáticos da escola continuam apresentando atividades que

valorizam a dissecação do texto literário limitando a leitura literária no que diz respeito

ao autor e à Obra. Constata-se, pois, que raríssima é a atividade em que se volta para a

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188

análise do deleite do leitor. O pior é que quando uma ou outra se apresenta, ela se

contenta com a pergunta: qual a sua opinião sobre? O que você acha de? E nada mais.

Nenhuma atividade que pense realmente em explorar o prazer da leitura literária do

sujeito leitor, em, por exemplo, explicitar sua subjetividade como marca de construção

de sentidos.

Uma pergunta me vem à mente: até quando se vai continuar alimentando uma

teoria literária estruturalista que só pensa em um funcionamento neutro do texto, que

não põe em prática uma teoria literária que receba o leitor como elemento literário não

ameaçador ou de negação da Literatura? Não quero mais um leitor abstrato, perfeito ou

ideal cotejando a leitura literária ou as atividades que compõem um livro didático.

Quero sim, um leitor real no sentido de Michel Picard (1998) que tantas teorias ainda

tentam ofuscá-lo ou simplesmente ignorá-lo.

Busco compreender os processos do leitor real que convive neste século com

todo tipo de obstáculo no tocante à realidade de sua atividade leitora. Desafio-me a

fazer presente o leitor real na aplicabilidade da leitura literária porque o represento

como àquele que se autoquestiona, se reelabora e sinaliza seus tempos e lugares de

leitura apontando assim uma verdadeira vivência em seu horizonte de expectativa na

Obra lida. Este leitor real mostra-se, explicitando suas reminiscências de leituras

anteriores, percebendo o trabalho artístico com a língua, lutando por dialogar com o

texto, firmando o que chamo, no encontro com o texto literário, de diálogo intercultural,

e por fim, realizando um engajamento pessoal.

Preocupante, portanto é a negação do leitor ou a não presença de pesquisas que

desvendem os processos desse elemento literário. Compagnon (1998/2001) afirma ainda

que a negação do leitor vem tanto do positivismo quanto do formalismo alimentado pelo

New Criticism e por fim, pelo estruturalismo nos estudos literários. Ao que me consta,

os estudos dos textos literários da Literatura Francesa da Idade Média, séculos XV,

XVI, XVII, XVIII e XIX ou outro século qualquer, só se promovem juntos aos

estudantes de graduação ou mesmo da pós, quando esses textos lhes falam algo, quando

se manifestam para o sujeito leitor em seu eterno presente poético! Partindo deste

princípio, precisam-se promover situações que façam repensar a integração do sujeito

leitor como elemento legítimo e participante da Obra.

O professor de FLE pode começar a inserção do sujeito leitor, pensando como

Proust (1907), a saber, no cenário em que lemos: como o leitor ler a Obra? O que ele lê

na Obra? Como a Obra o lê? Em outras palavras, a leitura é vista, neste, como atitude

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empática. Pergunto então, que sensações despertam no leitor? Se a leitura é vista como

projeção, o que acontece para que ele se projete na leitura? Se ela é vista como

identificação, qual seu horizonte de expectativa? Esses processos de leitura são dignos

de um estudo tanto na Literatura de língua materna quanto na dita estrangeira.

Sabendo-se que a explicitação da subjetividade do sujeito leitor será o elemento

privilegiado neste capítulo, a metodologia de análise utilizada será qualitativa visando à

investigação das reações dos alunos encontrados em seus escritos nos diários de leitura

literária deles em relação à leitura do texto literário Moreno (2003) de Brina Svit.

O diário de leitura literária lhes foi pedido desde o primeiro dia de aula e teve

como objetivo de aproximar os estudantes ainda mais de si próprios como leitores

literários, de se aproximarem de cada texto lido como leitura de retorno a si. Esta se

fundamenta tanto na explicitação da emoção sentida quanto na demonstração da

reapropriação do texto do sujeito leitor graças às reminiscências que o texto literário

pode despertar. Esta é a teoria privilegiada na análise do diário de leitura literária na

disciplina de Literatura Francesa I na UFPE. Ela teve como objetivo de verificar os

tempos e lugares da leitura da Obra lida de cada estudante, para explicitação das marcas

subjetivas da construção de sentidos do leitor literário. Vale ressaltar que compreendo

como marcas subjetivas todas as explicitações sobre o texto lido advindas em forma de

descrição, de opinião, de índices de sentimentos pessoais do leitor literário.

A fim de que a análise dos diários seja clara e direta, eu elaborei uma grelha de

análises para verificar se o sujeito leitor apresenta ou não na sua atividade leitora,

partindo de seu horizonte de expectativa: os tempos e lugares da leitura; a insegurança

linguística; a descoberta de novas palavras e/ou expressões em língua francesa e enfim,

a leitura como retorno a si que é tudo que aponta para reminiscências, identificação,

projeção ou empatia do leitor com o texto.

Enfim, busco dar lugar a uma análise dos resultados obtidos da atividade de

leitura literária iniciada desde o primeiro encontro no âmbito da sala de aula de FLE na

universidade até a devolução do diário de leitura das três alunas escolhidas para este

estudo.1

No semestre letivo em questão, foram lidas cinco Obras, todas de prosa. Mas

apresento neste, apenas uma das cinco, visando a uma análise das reações individuais,

1 As três alunas permitiram a utilização de seus escritos encontrados no diário de leitura para fins

científicos na apresentação deste texto. Cada uma delas será apresentada com nomes fictícios para

preservar suas identidades.

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190

primeiramente, e em seguida, das reações coletivas expondo e analisando os pontos

convergentes e divergentes de cada uma com a mesma Obra acima mencionada.

Leitura literária em francês como língua estrangeira (FLE): o alterleitor em ação

Quanto à leitura literária, começo por dizer que não é nada comum a leitura em

língua estrangeira, em geral, e em particular, a de Literatura. O aluno pode até se fazer

violência mesmo em textos ditos informativos, imagine, pois, com textos polissêmicos

no qual a dimensão linguístico-cultural está marcantemente presente podendo

desencadear diversas inseguranças cognitivas e emocionais.

Considero a atividade de leitura literária como atividade que abriga emoções

diversas do leitor literário. A atividade é vista assim como espaço privilegiado nos

estudos literários em língua estrangeira e pode ampliar as dimensões linguístico-

culturais dos estudantes apesar de suas inseguranças. Mas, postulo que sua carga

linguístico-cultural vinculada à língua materna se desdobra nos esforços cognitivo e

emocional que o leitor faz para ler uma Obra em seu idioma original.

Desde 2008, o texto literário me desafia quanto à sua abordagem mesmo que as

teorias sejam diversas para as abordagens desse campo de pesquisa. Em minhas

pesquisas percebi analisando os resultados de uma experiência pedagógica na época

como professora de Português língua estrangeira (PLE) na França que se os alunos não

conseguem atingir uma experiência estética prazerosa a partir de uma crônica literária

lida em língua estrangeira e cheia de humor, não fora o vocabulário que lhes faltara, o

texto estava condizente com o nível deles, o que lhes faltou, para o deleite da mesma,

foi a dimensão cultural e não linguística como normalmente se pensa.

As atividades de leitura literária se encontram igualmente em livros didáticos

(LDs) de Literatura do francês língua estrangeira. Em outros estudos meus, constatei

que há uma relação de força entre o que as teorias dizem e o que é proposto

metodologicamente para a exploração pedagógica da leitura literária em LDs. Fora dos

limites dos LDs, o ler e o ouvir textos literários demanda do sujeito leitor suas

faculdades de leitura e de escuta em língua estrangeira. Ora, relevamos diversos

componentes tais como os linguísticos, culturais e interculturais como dimensões

indissociáveis que devem ser exploradas pelo professor na sala de aula.

Para o leitor, futuros professores de FLE, elaborei uma atividade na qual

desencadeassem as ações para se tornarem um alterleitor em ação. Meu esquema mental

desse alterleitor se apresenta como uma pirâmide na qual, no topo da mesma, se

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191

encontra o leitor e nas bases da pirâmide, à esquerda, se encontram a Obra, e à direita, a

leitura. São esses três elementos que formam a tríade. Como disse em outro artigo2, eu

os considero como um alter que significa amigos inseparáveis fundamentando a

construção desse alterleitor.

O alterleitor é um ser em elaboração, em processo. Ressalto o valor que dou aos

três elementos literários acima citados e ao redor deles indico que o alterleitor só pode

ser constituído, só pode existir a partir desta tríade – leitor-Obra-leitura – dinâmica que

busco compreender nos processos do investimento do imaginário daquele que virá se

tornar um alterleitor. Porém, é só com a atividade leitora que se pode chegar a ser um

Outro diferente. Apenas recolhendo suas impressões de leitura é que se pode

acompanhar o leitor em formação. Assim, recolhi as impressões de leitura das três

estudantes através de seus diários de leitura literária da obra Moreno (2003). A

propósito do diário de leitura literária, Demougin (2004) diz o que segue:

[...] Os escritos reativos e o diário de bordo contribuíram

enormemente a apreender o que o leitor escolar de literatura, até em

seus silêncios e anotações marginais em seus romances, investe em

leitura, compilações integrando marcas do leitor são ferramentas

preciosas para adentrar nos caminhos íntimos do leitor de literatura.

(DEMOUGIN, 2004, p.118).

É assim que os diários de leitura literária ou diário de bordo se apresentam nesse

texto: como instrumento precioso de análise das marcas do sujeito leitor na leitura da

Obra Moreno (2003) escrita por Brina Svit escritora de origem eslovena que escreve em

francês. Essa escritora faz parte da Literatura de expressão francesa conhecida como

Littérature-monde expressão criada por Michel Le Bris para designar uma nova

literatura nascente em língua francesa rica de diversas culturas miscigenada com

pessoas de culturas diferentes3.

Ora, a análise dos escritos encontrados nos diários de leitura literária das três

estudantes só se tornou viável para mim porque busquei apresentar seus escritos criando

classificações inspiradas da noção da leitura subjetiva que adoto:

1. Tempos e lugares da leitura literária

2 Rosiane Xypas. A Leitura subjetiva no ensino de Literatura: O texto do leitor em L‟Analphabète de

Agora Kristof. Revista Eletrônica de Educação – RELEDUC, v. 1, p. 33-48, 2018.

http://portal.fundacaojau.edu.br:8081/journal/index.php/revista_educacao

3 Quem se interessar pela Littérature-monde pode começar lendo o livro Pour une Littérature-monde

organizado por Michel Le Bris e Jean Rouaud, Paris: Gallimard, 2007.

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192

2. Leitura como empatia, projeção e identificação

3. Inseguranças linguísticas

4. Descoberta de novas palavras e/ou expressões em língua francesa

5. Leitura como retorno a si

A leitura literária como empatia, projeção e identificação pode permitir ao

sujeito leitor vislumbrar o texto literário como um espelho no qual ele vai refletir

mesmo que inconscientemente suas aceitações e recusas das ações cometidas pelos

personagens no caso da prosa, mas também do eu poético no sentimento suscitado no

poema. A leitura literária como insegurança linguística é manifesta toda vez que o

estudante, futuro professor de FLE afirmar em seu diário que teme se exprimir em

francês por falta de domínio da língua. A descoberta de novas palavras e/ou expressões

em língua francesa pode levar o sujeito leitor a avançar na parte linguística da língua

estudada mesmo que a leitura do texto literário não intencione nada sobre isto. Enfim, a

leitura literária como retorno a si é o encontro do leitor com o texto de forma peculiar e

particular revelando certa reapropriação da Obra lida.

Das teorias da Recepção, da problemática do ensino da Literatura em FLE às

teorias da leitura subjetiva: Uma breve apresentação convergindo para a

construção do alterleitor

Em busca de compreender a história da experiência estética que ―ainda não foi

escrita‖ como afirma Jauss (1978:145), focalizaremos o estudo da recepção de Obra

Moreno (2003) privilegiando, neste capítulo, a investigação sobre a atividade do sujeito

leitor como dito anteriormente. Partimos da premissa que todo sujeito leitor é um ser

que apreende a Obra com sua experiência de vida, seu intelecto e sua emoção. Mas qual

o lugar deste nas pesquisas em Literatura?

Começando pela teoria da Recepção e aqui me deterei sobre o leitor apenas, há

mais de quarenta anos, os estudos literários falam sobre a importância da Recepção das

Obras literárias. Jauss (1978), perguntando sobre a experiência estética espontânea,

elaborou diversas questões das quais exponho as seguintes: Como o gozo estético se

distingue do gozo sensual em geral? Qual a relação da função estética com as outras

funções da atividade humana na vida quotidiana? O autor em questão afirma que, por

um lado, a experiência estética se distingue de todas as outras atividades, e por outro,

que na atitude de gozo estético, o sujeito é liberado pelo imaginário daquilo que faz a

realidade limitante de sua vida quotidiana.

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193

Mais adiante, Jauss (1978) afirma que se liberando da consciência imaginante

da restrição dos hábitos e interesses, a atitude do gozo estético permite ao homem

aprisionado em suas atividades quotidianas de se liberar para outras experiências. Ele

diz mais ainda que ―a liberação pela experiência estética pode se realizar em três planos:

1.A consciência enquanto atividade produtora cria um mundo que é sua própria obra; 2.

A consciência enquanto atividade receptora busca a possibilidade de renovar sua

percepção do mundo; 3. Enfim, e aqui - a experiência subjetiva conduz à experiência

intersubjetiva – a reflexão estética adere a um julgamento requisitado pela obra ou se

identifica às de normas de ação que ela inicia e no qual cabe a seus destinatários

prosseguir a definição.‖ (JAUSS, 1978:141-142).4

Em 1970, a exatos quarenta e oito anos atrás, pesquisadores dos estudos

literários já se preocupavam com o ensino da literatura aos estrangeiros. Michel Delon

citado por Morot-Sir (1970) afirma que na França, no século XVIII, lia-se então com a

pluma na mão. Poder-se-ia fazer cópias dos excertos que se leu. Penso que quando

acontece isso, o leitor está implicado na atividade leitora e faz cópia do que mais gosta.

Acompanha-se, diz Delon (1970) o texto, as primeiras reações, comentários e marcas de

leitura. Essas prolongam a leitura e fixam-na ampliando-a. Quando o sujeito leitor

anota, ele se apropria da leitura feita do texto, criando o texto do leitor sempre subjetivo.

Chamo a esta atitude de formação do alterleitor condição necessária para a evolução do

processo de leitura e da construção dos sentidos do texto literário. Em sua leitura cada

leitor vai fazer surgir um texto de forma peculiar graças à riqueza de seu mundo interior.

Quando o leitor lê transpõe um trabalho com a língua, um diálogo intelectual e um

engajamento pessoal.

À busca de saber como ensinar a Literatura Francesa aos estrangeiros, desde

1970 especialistas visam ao ensino da Literatura moderna, a conservação do patrimônio

histórico, a definição do texto literário, as hesitações sobre os modos de leitura dos

textos etc. Em 2004, cheguei a pensar na falência do ensino da Literatura e no crivo do

abismo aberto entre mim e a disciplina e, logo naquele ano que eu já contava com um

diploma de Mestre em Teorias Literárias nas mãos! Pensava isso porque nunca me foi

4 La libération par l‘expérience esthétique peut s‘accomplir sur trois plans : la conscience en tant

qu‘activité productrice crée un monde qui est son œuvre propre ; la conscience en tant qu‘activité

réceptrice saisit la possibilité de renouveler sa perception du monde ; enfin, - et ici l‘expérience

subjective débouche sur l‘expérience intersubjective – la réflexion esthétique adhère à un jugement

requis par l‘œuvre , ou s‘identifie à des normes d‘action qu‘elle ébauche et dont il appartient à ses

destinataires de poursuivre la définition. (Tradução nossa).

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falado sobre o que permitem os erros, os silêncios, as ―falhas‖ de leitura, os obstáculos

sobre os quais topam os discursos dos alunos, os saberes, a informação e enfim o que os

pode guiar na apreensão de suas próprias leituras literárias.

Segundo Édouard Morot-Sir (1970, p. 12) ―a mistura de ver a literatura como um

nacionalismo, imperialismo e paternalismo polui a atmosfera cultural. Seria conveniente

substituir o que ele chama de pretensão por uma pesquisa de complementariedade‖.

Não vejo a disciplina em questão como complementariedade no ensino de língua

francesa. A Literatura é uma disciplina por total legítima com suas problemáticas e

conceitos a serem estudados e definidos pelos seus estudiosos. Nessas definições, penso

que as que menos vemos em pesquisas são as que abordam os processos de Recepção da

Obra literária tendo o sujeito leitor como centro da atenção científica. Que atividades de

leitura engajaria o sujeito leitor de FLE? É uma pergunta que não tenho resposta pronta.

Busco meios, abro-me para testar novos instrumentos para a recepção da experiência

estética porque assim como toda teoria evolui, os instrumentos de avaliação também

devem evoluir. Minha preocupação é a de fazer com que não se corte os estudos

literários da vida dos estudantes de Letras.

Albert Audubert (1970, p. 17) afirma que ―as famosas humanidades são

geralmente cortadas da realidade‖. Queremos continuar cortados da realidade no ensino

da Literatura? Penso que não. Mas de que realidade se fala? Vou trocar a pergunta: qual

a Literatura que me interessa e como ensinar no FLE? Já em nossa era, acrescentamos

aos estudos literários, a Literatura com outras artes, nela incluímos o teatro, a pintura, a

música, o desenho, os quadrinhos porque vivemos em uma sociedade semiótica.

Fizemos muito. Mas qual é o lugar do leitor nisso tudo? Em FLE, Audubert (1970, p.

21) vai afirmar o que segue:

[...] desde que os alunos adquirem o gosto da leitura, eles são capazes

de fornecer brilhantes resultados. (...) É preciso tentar se separar da

tradição do ensino da literatura com suas técnicas e hábitos

acadêmicos do formalismo e da retórica, frequentemente da

verbiagem da supremacia dos estudos jurídicos, apoiando-se na

tradição do discurso e do sermão gênero em voga no tempo da

colônia.

Minha experiência na sala de aula pode confirmar sobre a aquisição do gosto dos

alunos pela leitura. Eles são capazes de ‗fornecer brilhantes resultados‘. Conforme,

Audubert (1970) pensa em separar a tradição do ensino da literatura com suas técnicas e

hábitos acadêmicos do formalismo e da retórica, penso em incluir novos hábitos na

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academia relativos à fenomenologia examinando a voz do sujeito leitor na atividade de

sua formação na Literatura.

Dito isso, penso que o leitor não deve ficar fora do jogo, que este deve resistir e

que se trate cada vez mais do leitor real, aquele que segura em suas mãos o livro que lê,

aquele que interrompe muitas vezes sua leitura para fazer outras coisas da academia ou

fora dela, aquele que lê no ônibus em pé ou sentado, aquele que faz estágios em escolas

e que se depara com a realidade árdua do ensino de Literatura nas mesmas, aquele leitor

que sendo real não está querendo ler, não tem tempo, não sabe como fazer, aquele leitor

real que lê em língua estrangeira e não entende, dado a gama de constatações culturais

no tecido do texto literário escrito na língua do Outro. Enfim, quero tratar daquele leitor

que tem direito ao erro, aos enganos, as atrofias oferecidas por eles ao texto literário,

aos desvios do que diz o texto, quero aquele leitor menosprezado pela academia que faz

acontecer a subjetividade acidental, segundo Jouve (2004). É esse leitor em vias de se

tornar um alterleitor que temos todos os dias na universidade. Quero sua voz, suas

marcas de leitura, sua reapropriação do texto lido. Quero conhecer suas reações

individuais às passagens do texto lido e depois confrontá-las com seus iguais para

compreender os pontos convergentes e divergentes, os singulares, os similares na

construção de sentidos de uma mesma Obra.

A Recepção da Obra Moreno (2003) de Brina Svit à luz das teorias da leitura

subjetiva no ensino da literatura

Brina Svit (1957-) nasceu na Eslovênia e foi morar na França aos 25 anos de

idade. Casou-se com um francês e obteve a nacionalidade francesa. Escreveu três

romances em sua língua materna e em 2003 seu primeiro romance publicado pela

Gallimard, intitulado Moreno que estudaremos agora brevemente em uma apresentação

descritiva.

A história se passa em uma casa para escritores situada na Itália. Nessa casa, a

personagem principal que se confunde com a autora, diz que está sendo muito difícil

escrever seu romance em francês porque não sabe como fazê-lo. Primeiro há os

impasses da língua. Não que ela não conheça o francês, mas tenta saber o porquê de ter

trocado sua língua materna por uma língua que não é de sua herança familiar. Ela se

compara com outros autores franceses que fizeram o mesmo: Kristeva, Ionesco,

Cioran... todos deixaram suas línguas maternas pela língua francesa para escreverem

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196

suas obras. O fio condutor do romance além de apresentar sua luta íntima com as

palavras para desejar descobrir porque ela quis trocar sua língua materna pela francesa

não é desenrolado. Ou seja, o leitor não fica sabendo por que ela a trocou. O

personagem – narrador apresenta diversas possibilidades desse trocar, mas não afirma

nenhuma delas e nem as contradiz. Ao leitor de se identificar com essa gama de

possibilidades ou não.

Para o estudante de FLE na universidade, esse tipo de romance de autores da

expressão francesa me parece, como tenho dito em outros artigos, um trunfo para a

reflexão do aluno brasileiro ou de qualquer aluno estrangeiro aprendendo a língua-

cultura francesa. Entretanto, o ensino da Literatura Francesa que pratico é no aluno de

segundo ano cursando Língua francesa IV, ou seja, este já obteve no mínimo 180 horas

aulas de língua. O caso de duas das três alunas que apresentarei neste estudo, portanto, é

atípico: Uma chegou à universidade com nível zero do francês. Isso é mais comum.

Outra morou na suíça francófona mais de quatro anos, e finalmente, a outra, morou dos

cinco aos dezenove anos na Argélia francófona! A língua francesa para esta, não é

língua estrangeira, pois afirma escrever com pouco de dificuldade o português.

No entanto, na hora de ―academicizar‖ o ensino da literatura na universidade,

elas tiveram dificuldade em resolver suas leituras - como leitoras reais que são - para

dar conta do que se foi pedido no âmbito acadêmico. Nenhuma delas tinha hábito com a

escrita em diários de leitura literária. Mas, Anne, Marie e Jeanne aprenderam a escrever

suas marcas de subjetividades de leitura explicitando suas reações de leitura do texto

lido. Vale ressaltar que quando o leitor lê Obras literárias, ele se abre para o mundo que

não construiu e reage a cada linha lida. Ao desvendar esse universo particular do leitor

estou pedindo para que ele se abra para si mesmo, se olhe de outra forma e marque suas

subjetividades desencadeadas pela leitura da Obra escolhida. Eu lhes dou o direito à

escrita sobre o texto que ele leu para que compreenda que ele criou um texto dele a

partir de sua própria leitura às vezes considerada por eles mesmos como um fiasco.

Segundo Langlade (2013, p.32) ―a vida útil de um texto se fundamenta sobre os

martelamentos com as lembranças, as imagens mentais, as representações íntimas de si,

dos Outros, do mundo do leitor‖. É também, dirá o mesmo autor, ―pensar nas

lembranças circulares desencadeadas pelas leituras‖ e eu acrescendo que faz dele um

leitor em ação, um alterleitor que se constrói a cada passo da leitura. Esses ecos de

experiências vividas é um dos postulados das teorias da Recepção. Essas reminiscências

aparecem quando o sujeito leitor se depara com passagens de um texto que lhe sugere

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empatia, em que ele pode se projetar ou se identificar. Esse movimento de adentramento

do texto é ver a leitura como retorno a si, ponte na construção do alterleitor.

Na análise das passagens dos diários de leitura das três estudantes, apresento as

reações individuas de cada uma sobre a mesma Obra. Elaborei uma grelha de análises

contendo: a. tempos e lugares da leitura literária; b. insegurança linguística; c.

identificação, projeção ou empatia; d. descoberta de novas palavras e/ou expressões em

francês e. leitura como retorno a si.5

Recepção de Anne em Moreno (2003)

a. Tempos e lugares da leitura literária; ―Eu comecei a ler este romance no ônibus.”.

b. Insegurança linguística; Sei que será difícil de escrever apenas em francês,

sei que cometerei erros, mas pouco importa. Eu

vou tentar.”

c. Identificação, projeção ou empatia; Eu aprendi com esse livro, novas definições do

amor. Eu gosto muito dessa escritora. Estou

quebrando muito minha cabeça porque ela só fala

o tempo todo de sua dor de ter deixado sua língua

materna. Este livro é fardo para mim. Eu não

gosto do ambiente da história, ele é pesado. Há

passagens lindas neste romance, passagens bem

interessantes... há muito sentimento mas ele fica lá

dentro e não há nada que possa coloca-los aqui.

Enfim, esse livro não foi uma paixão. Sofri muito

para concluí-lo. Pena porque gosto de Brina Svit,

seu modo de escrever... mas este livro aqui (...)

indigesto e repetitivo.”

d. Descoberta de novas palavras e/ou expressões

em francês

Engin (engenho); Pesanteur (gravidade);

Nonchalant (indolente). On pète facilement les

plombs. (Explodir facilmente). J‟en sais quelque

chose (Disso eu sei algo). „J‟ai pressé les oranges

qu‟il m‟a apportées‟ (Anne acrescenta em seu

diário: Senhoras e senhores eu não conhecia esta

concordância)6.

e. Leitura como retorno a si ―Eu não poderia escrever em um lugar voltado só

5 Ressalto que os diários de leitura literária de nossas estudantes foram escritos em língua francesa. Eu

mesma os traduzi para este capítulo.

6 A estudante em questão se refere à concordância do particípio passado em gênero e número quando o

pronome que é precedido de palavra feminina, masculina, singular ou plural.

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198

para a escrita: fechado demais, chato demais.

Meus melhores momentos de escrita são dentro do

ônibus. Os questionamentos de Brina sobre o

trocar de língua, me remetem a minha escrita

acadêmica que é para mim uma produção em uma

língua estrangeira”.

Fonte da autora

Recepção de Marie em Moreno (2003)

a. Tempos e lugares da leitura literária; “Eu li Moreno em meu quarto sobre minha mesa

de trabalho”.

b. Insegurança linguística; Não há.

c. Identificação, projeção ou empatia; “Tudo me parece confuso. Eu sinto dificuldades

quando entram diversos personagens em cena ao

mesmo tempo. Uma língua deve ser regada

regularmente como uma planta se não ela seca e

morre. Que sentir quando se está entre duas

línguas? Os pés nus são como um outro rosto: eu

adoro!

d. Descoberta de novas palavras e/ou expressões

em francês

Não há.

e. Leitura como retorno a si “Condições de escrita na Torre. É tudo que eu

peço às vezes sobre condições ideais para

escrever. “A mudança em direção a Torre é como

um movimento em direção ao isolamento, a

necessária solidão. Escreve em primeira pessoa. A

bicicleta que coloca as histórias em movimento,

como o ritmo da usina, os poemas (Agota Kristof)

o papel do francês no “eu”. Os velhos sapatos de

plástico me fazem lembrar dos sapatos de Habiba

que calçam os mulçumanos”.

Fonte da autora

Recepção de Jeanne em Moreno (2003)

a. Tempos e lugares da leitura literária; “li o romance no ônibus e em meu quarto”. “Eu

lia durante o percurso do ônibus, ou seja, uma

hora e meia. E tentava ler sempre cinquenta

páginas por dia”.

b. Insegurança linguística; Não houve

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199

c. Identificação, projeção ou empatia; “Fiquei muito em dúvida se o relato era

“verdadeiro” ou ficcional. Se for biográfico terei

pena do marido da Brina, pois ela se envolve

muito com o marroquino”. “A baronesa é

insuportável”; “Ela pede que Brina não se misture

aos empregados que são inferiores. Eu achei isso

ridículo”. “Não concordei com o ponto de vista de

Brina, sobre que não há bilinguismo feliz, pois no

seu caso, a língua francesa é sua língua do

“amor”, do “casamento”; Brina não foi obrigada

a nada, foi uma escolha sua”. “Brina escreve algo

muito lindo sobre a língua: “uma língua deve se

regada regularmente como uma planta, se não ela

seca e morre! Estou totalmente de acordo com

essa passagem no romance. “De volta à Paris,

Brina soube que Mohamed tornou-se alcoólatra,

foi despedido, sofreu um acidente de carro e se

encontra no fundo do poço. “Essa parte mexeu

muito comigo, pois já conheci/convivi com alguém

assim, o que marcou muito a minha vida, mas não

irei falar sobre isso”.

d. Descoberta de novas palavras e/ou expressões

em francês

Não houve.

e. Leitura como retorno a si “... Brina entra em contato com o mundo dos

imigrantes que moram na Itália e encontra-se bem

confortável com essa realidade, pois ela também

se sente „imigrante‟. Isso me lembrou que

normalmente os imigrantes costumam fazer

amizades e conviver com outros imigrantes, o que

pode dificultar o processo de adaptação ao novo

país. Em minha experiência no exterior, realmente

eu só fiz amizades com outros brasileiros que

moravam nas proximidades”.

Fonte da autora

Conclusão

O objetivo deste capítulo foi de apresentar as marcas da subjetividade de três

estudantes de Literatura Francesa de graduação da UFPE. Para tal, utilizamos as teorias

da Recepção na Obra literária Moreno (2003) da escritora eslovena de expressão

francesa Brina Svit. Como também as teorias da leitura subjetiva, tendo como pontos

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principais de análise, a leitura como retorno a si através das lembranças de outras

leituras, da aquisição de palavras e/ou expressões em língua francesa, a identificação, a

projeção e /ou a empatia durante a leitura e os tempos e lugares da leitura porque

tratamos o sujeito leitor como leitor real.

Constatamos que Anne, Marie e Jeanne apresentam pontos convergentes no

tocante ao lugar da leitura: Anne lê no ônibus como Jeanne. E Marie e Jeanne em seus

quartos. Quanto ao tempo, cada uma tem um ritmo diferente. Constatei ainda que Anne,

Marie e Jeanne se identificaram com algumas ações dos personagens do romance lido.

Entretanto, Jeanne apresenta uma maior projeção com a Baronesa, a discente a odeia;

quanto à identificação, sente pena do marido da autora e exalta diversas passagens sobre

a língua-cultura e imigração com empatia. Convergem Marie e Jeanne quanto ao

aprendizado do vocabulário novo, pois nem uma nem outra adquiriram novas palavras

ou expressões com a leitura do romance. Diferente de Anne que aprendeu algumas

como ela mesma afirma em seu diário. Finalmente, a leitura como retorno a si pelas

lembranças de outras leituras e/ou vivência: Anne foi remetida à sua própria escrita

acadêmica pelas dificuldades que enfrenta. Marie foi remetida às lembranças de

sandálias que conheceu no país de língua francesa que morou e Jeanne à um momento

trágico em sua vida ao ponto de não querer falar sobre o que de fato acontecera.

Como pesquisadora, fico pensando em minha prática pedagógica com textos

literários na aula de Literatura e constato que eu devo pedir aos estudantes para

apontarem como sair do embaraço causado na leitura de passagens que os remetem às

lembranças dolorosas. Quanto ao gozo na leitura, todas as três alunas tiveram e sugerem

em seus diários o mesmo romance para ser lido por outros.

Enfim, a leitura subjetiva como apoio teórico na análise das marcas de

subjetividade do leitor literário pode ser um trunfo no desenvolvimento da formação

literária do estudante de francês como língua estrangeira. Para concluir, aponto que

houve a utilização do diário de leitura foi importante para recolher a explicitação da

emoção sentida e a reapropriação singular da mesma Obra. Isso suscita a leitura literária

como retorno a si favorecendo um interesse pedagógico da leitura subjetiva no ensino

da Literatura.

REFERÊNCIAS

COMPAGNON, Antoine. O Demônio da teoria. Editora da UFMG, 2001.

Page 201: _lnguas_e _literatura... · Sumário PREFÁCIO...............................................................................................................................7 Profa.

201

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_____AUDUBERT, Albert. Problèmes de l’enseignement de la littérature française

au Brésil. Revista- Le Français dans le monde – L‘enseignement de la littérature

française aux étrangers, décembre, n. 77, pp. 17-22, 1970.

JOUVE, Vicent. La lecture comme retour sur soi : de l‘intérêt pédagogique des lectures

subjectives. In- ROUXEL, Anne e LANGLADE, Gérard. Le sujet lecteur- Lecture

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MOROT-SIR, Édouard. Littérature et action culturelle. Revista- Le Français dans le

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PICARD, Michel. La lecture comme jeu. Collection critique, Paris : Les éditions de

minuit, 1989.

XYPAS, Rosiane. A Leitura subjetiva no ensino de Literatura: O texto do leitor em

L’Analphabète de Agora Kristof. Revista Eletrônica de Educação – RLEDUC, v. 1, n.

1, pp. 33-48, 2018.

_____. Construction langagière héritée et décidée dans Lettres Parisiennes –

Histoire d’exil : le rapport à la langue française de Nancy Huston. Lettres

Françaises. v. 1 (18), 2017. pp. 145-158.

_____. Três Vozes femininas escrevendo na língua do Outro: entre tensão e

sintonia. ORGANON (UFRGS), v. 32, n. 63, 2017.

_____. Da Necessidade do letramento literário em língua estrangeira. Diálogo das

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202

CAPÍTULO XIV

O USO DO GÊNERO TEXTUAL TIRINHA COMO INCENTIVO À PRÁTICA

DE LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR

Zuleide Fernandes de QUEIROZ Josilene Marcelino FERREIRA

Introdução

Saber ler pressupõe não apenas conseguir codificar e decodificar as letras que

constituem uma palavra, mas a possibilidade de utilizar esse conhecimento em forma de

comunicação inserindo-a em um determinado contexto social ou cultural, o que só se

torna possível com a realização da compreensão do que foi lido anteriormente. Visto

que, a leitura é antes de tudo a construção de sentido para o que foi lido.

Porém, a realização de trabalhos que venham a proporcionar um maior interesse

pela leitura, nem sempre é uma tarefa fácil, necessitando disposição tanto do professor

quanto do aluno. Por esse motivo, professores devem procurar alternativas que facilitem

o seu trabalho em sala. Desempenhando, assim, estratégias que venham a envolver os

diversos gêneros textuais, já que segundo Karwoski, Gaydeczka e Brito (2011), o

reconhecimento dos gêneros textuais é uma das condições indispensáveis para a

formação de alunos competentes na realização de leituras aprofundadas e

compreensivas.

Assim sendo, os professores necessitam de métodos que aperfeiçoem a

aprendizagem de seus alunos. Apresentamos assim, o trabalho com os gêneros textuais,

em específico o gênero tirinha, como recurso norteador para o incentivo à leitura em

ambiente escolar.

Sendo conhecedores das dificuldades enfrentadas pelos professores em relação à

formação de leitores competentes, os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN (1998),

sugerem que o ensino esteja embasado em textos dos diversos gêneros, orientando-os a

abandonarem suas metodologias tradicionais, e que trabalhassem conciliando a

gramática ao texto. O que pode ser complementado por Karwoski, Gaydeczka e Brito

(2011), ao assegurarem que o ensino com base nos gêneros deveria inicialmente

orientar-se mais para os aspectos da realidade do aluno, trabalhando primeiramente,

com os que fazem parte do cotidiano dos mesmos para depois introduzi-los a novos

gêneros.

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203

Nada melhor que iniciar o trabalho a partir do gênero Histórias em Quadrinhos-

HQ, visto que fazem parte do contexto dos jovens e crianças abordando fatos

cotidianos, possuindo uma linguagem de fácil entendimento e utilizam a linguagem

verbal e a visual.

Apesar disso, o ensino fundamentado no gênero HQ encontrou grandes

impedimentos no âmbito escolar, chegando até a serem banidos das escolas. Entretanto,

em oposição a essa teoria, estudos demonstram a eficácia de se inseri-las nas aulas

como mecanismo de aperfeiçoamento da leitura.

Este trabalho objetiva-se a desvendar e apontar as possibilidades e contribuições

desempenhadas pelo gênero tirinha na formação de leitores críticos, conduzindo-os a

refletirem sobre a importância do trabalho com gêneros que façam parte da vivência

diária dos educandos, inserindo assim a leitura no contexto dos alunos.

Para o desenvolvimento deste trabalho foi realizado um estudo de natureza

qualitativa de tipo bibliográfica, com o propósito de encontrar subsídios teóricos, foram

analisadas teorias de pesquisadores que abordam e estudam sobre a importância do

trabalho com o gênero quadrinho em sala de aula. Para tanto, tomamos como

embasamentos teóricos estudiosos como: Karwoski, Gaydeczka e Brito (2011), Ramos

(2013a, 2014b), Barbosa (2014), Santos e Vergueiro(2012), Bakhtin (2003) dentre

outros que se fizeram necessários para o aprofundamento de nosso trabalho.

Referencial teórico

Apanhado Histórico do uso dos Quadrinhos em Sala de Aula

Por muito tempo as histórias em quadrinhos foram objeto de fortes críticas e

rejeição por parte de pais e professores, por os mesmos estarem convictos que por

apresentarem narrativas curtas e serem ilustradas, elas poderiam afastar os educandos de

leituras mais desenvolvidas e dinâmicas O preconceito que existia, em relação ao

gênero quadrinho por parte deles, fechava a possibilidade da utilização desse gênero

como recurso de incentivo à leitura. Como afirma Barbosa (2014, p.16), vários são os

motivos que os levaram (pais e mestres) a essa rejeição, entre elas podemos enfatizar

que:

Tinha-se como certo que sua leitura afastava as crianças de ―objetivos

mais nobres‖ - como o conhecimento do ―mundo dos livros‖ e o

estudo de ―assuntos sérios‖ - que causava prejuízos ao rendimento

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204

escolar e poderia, inclusive, gerar consequências ainda mais

aterradoras como o embotamento do raciocínio lógico, a dificuldade

para apreensão de ideias abstratas e o mergulho em um ambiente

imaginativo prejudicial ao relacionamento social e afetivo de seus

leitores.

Fazendo uma retrospectiva histórica com os autores Santos e Vergueiro (2012,

apud CARVALHO 2006, p.32), podemos constatar que, em 1928 surgiram as primeiras

críticas formais em relação ao uso do gênero em sala, a Associação Brasileira de

Educadores (ABE), fez um protesto contra o seu uso, pois acreditavam que os

quadrinhos ―incutiam hábitos estrangeiros nas crianças‖. Em 1939, diversos bispos

reuniram-se, em São Paulo, dando continuidade ao protesto propondo a censura dos

quadrinhos.

Em 1950 ocorreu o auge da rejeição dos quadrinhos, quando foi publicado o

livro Seduction of the Innocent (Sedução do Inocente) do psiquiatra Fredric Wertham

(apud NYBERG, 1998), no qual o autor faz fortes críticas, exageradamente, à cultura de

massa e que levou pais e professores a queimarem revistas nos pátios das escolas,

levando editores a criarem um Código de Ética dos Quadrinhos para as suas

publicações, na tentativa de impedir a censura oficial e reverter a queda das vendas.

Em quase todos os países em que os quadrinhos eram editados ocorreram

manifestações contrárias ao movimento partindo de representantes do mundo cultural,

educativo e científico. Estas manifestações alcançaram resultados positivos, visto que,

segundo os mesmos autores, em 1970 já era possível encontrar narrativas gráficas

sequenciais nos livros didáticos que serviam para sintetizar, exemplificar ou

complementar, de forma mais simplificada, o conteúdo do tópico do capítulo.

Em 1998, depois que os órgãos oficiais de educação, como por exemplo, os

Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN (1998) reconheceram a sua importância no

currículo escolar sugerindo que o ensino da língua estivesse baseado no texto

pertencente a um determinado gênero e começaram a inseri-las em avaliações externas,

principiaram a quebra de alguns rótulos errôneos a respeito do gênero.

A concepção de que o uso das tirinhas em sala de aula acarretaria prejuízos no

rendimento escolar, logo foi quebrada, pesquisas demonstraram porque essa teoria era

errônea.

Os quadrinhos não afastam os jovens da leitura. Pelo contrário. Muitos

adultos que hoje cultivam o hábito da leitura [...], costumavam ler

histórias em quadrinhos durante a infância e a adolescência. Crianças

que tem acesso às histórias em quadrinhos podem ser letradas mais

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205

facilmente e apresentar rendimento superior nos estudos se

comparadas às que não possuem contato com esse material.

(VERGUEIRO e RAMOS, 2009, p.77)

O uso do gênero é mencionado nos PCNs do ensino médio, no volume dedicado

a Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (2008); destacando a importância dos

diversos gêneros dos quadrinhos como fontes históricas e de pesquisa sociológica. Faz-

se presente também, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) onde é cobrado dos

alunos o domínio de leitura de outras linguagens além do código verbal escrito.

O que, de acordo com Barbosa (2014), logo após constatarem que os resultados

foram satisfatórios e percebendo, então, que sua utilização auxiliava o jovem na

consolidação do hábito e do prazer pela leitura, algumas editoras começaram a incluí-

los com mais frequência em suas obras, o que favoreceu a sua volta ao espaço escolar,

agora como um intercessor da leitura.

A presença deles nas provas de vestibular, a sua inclusão no PCN

(Parâmetro Curricular Nacional) e a distribuição de obras ao ensino

fundamental (Por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola)

levaram obrigatoriamente a linguagem dos quadrinhos para dentro da

escola e para a realidade pedagógica do professor. (RAMOS,

2014.p.13)

As história em quadrinhos chegaram, enfim, ao processo de ensino e

aprendizagem. Favorecendo, então, os educadores, a utilizá-las como ferramenta de

trabalho, uma vez que elas podem contribuir para o desenvolvimento da leitura dos

alunos.

A inclusão efetiva das histórias em quadrinhos em materiais didáticos

começou de forma tímida. Inicialmente, elas eram utilizadas para

ilustrar aspectos específicos das matérias que antes eram explicados

por um texto escrito. Nesse momento, as HQs apareciam nos livros

didáticos em quantidade bastante restrita, pois ainda temia-se que sua

inclusão pudesse ser objeto de resistência ao uso do material por parte

das escolas. No entanto, constatando os resultados favoráveis de sua

utilização, alguns autores de livros didáticos – muitas vezes, inclusive,

por solicitação das próprias editoras -, começaram a incluir os

quadrinhos com mais frequência em suas obras, ampliando sua

penetração no ambiente escolar. (BARBOSA, 2014, p.20).

Por apresentar vários recursos textuais, o gênero tirinha, possibilita várias

estratégias para o desenvolvimento do processo de leitura e auxiliar na aprendizagem.

Visto que, estimulam o senso crítico ao conduzir o leitor a analisar a relação existente

entre as linguagens verbal e não-verbal; a fala e a escrita; contribuindo para o

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206

desenvolvimento de seu conhecimento cognitivo e a formação de leitores capacitados

para a vida.

Conforme Barbosa (2014) são vários os motivos que confirmam que os

quadrinhos favorecem o bom desempenho escolar auxiliando a alcançar resultados mais

satisfatórios do que se obteria sem o seu uso.

Por ser um gênero que é aceito por todos os estudantes, a leitura começa a ser

desenvolvida por boa parte dos alunos tornando a aula mais participativa no momento

da realização da leitura e nas realizações das atividades escolares. Auxiliando no

desenvolvimento do hábito da leitura de textos mais extensos, visto que, sua

concentração foi trabalhada durante a leitura dos gêneros curtos, como a tirinha- que é

um quadrinho mais curto, que se utiliza do humor e da ironia para satirizar problemas

cotidianos.

Este gênero abrange vários temas que podem ser trabalhados em qualquer nível

escolar e disciplina, por contemplarem um alto nível de informações diferenciadas que

podem ser trabalhados em todas as disciplinas, de acordo com a demanda do conteúdo e

do professor, reforçando ou aplicando conteúdos, aproximando o aluno do conteúdo

dispensando, na maioria das vezes, que o professor retome as cansativas explicações em

suas aulas. De acordo com os PCN:

O ensino de língua deve dar subsídio para que o aluno possa analisar,

interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens,

relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,

organização das manifestações, de acordo com as condições de

produção e recepção (BRASIL,1998, p.8)

Compreende-se então que a melhor metodologia para proporcionar aos

estudantes esse conhecimento é trabalhar com gêneros que utilizem as várias formas da

língua. Como é o caso dos quadrinhos, que de acordo com Barbosa (2014) ―constituem

um sistema narrativo composto por dois códigos que atuam em constante interação: o

visual e o verbal‖. Ele faz a mescla de desenhos e palavras, onde um sistema de

linguagem complementa o sentido do outro. Capacitando-nos assim a compreender e

utilizar a linguagem de forma mais eficaz nas nossas atividades sociais, como afirma

Karwoski, Gaydeczka e Brito (2011, p. 43):

O domínio dos gêneros se constitui como instrumento que possibilita

aos agentes produtores e leitores uma melhor relação com os textos,

pois, ao compreender como utilizar um texto pertencente a

determinado gênero, pressupõe-se que esses agentes poderão agir com

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207

a linguagem de forma mais eficaz, mesmo diante de textos

pertencentes a gêneros até então desconhecidos.

A percepção de que as histórias em quadrinhos poderiam ir além do

entretenimento e serem usadas de maneira eficaz na transmissão de conhecimentos na

educação, pode ser registrado por Barbosa (2014, p. 17):

[...] as primeiras revistas de quadrinhos de caráter educacional

publicadas nos Estados Unidos, tais como True Comics, Real Life

Comics e Real Fact Comics, editadas durante a década de 1940,

traziam antologias de histórias em quadrinhos sobre personagens

famosos da história, figuras literárias e eventos históricos.

O autor, afirma os benefícios do gênero para os professores trabalharem em sala

de aula, pois as Histórias em Quadrinhos- HQs auxiliam os alunos a ampliar a

compreensão de conceitos e enriquecer vocabulário, obrigando o leitor a pensar na

informação, tem caráter globalizador e também podem ser utilizados em qualquer nível

escolar. O próprio autor explicita:

[...] há varias décadas, as histórias em quadrinhos fazem parte do

cotidiano das crianças e jovens, sua leitura sendo muito popular entre

eles. Assim, a inclusão das historias em quadrinhos na sala de aula não

e objeto de qualquer tipo de rejeição por parte dos estudantes, que, em

geral, as recebem de forma entusiasmada, sentindo-se, com sua

utilização, propensos a uma participação mais ativa nas atividades em

aula. As histórias em quadrinhos aumentam a motivação dos

estudantes para o conteúdo das aulas, aguçando sua curiosidade e

desafiando seu senso crítico (BARBOSA, 2014, p. 21).

Além de que, são várias as maneiras de se trabalhar com elas em sala. Eles

podem ser utilizados para introduzir temas, aprofundar conceitos, dar subsídio a uma

discussão a respeito de um tema, ilustrar ideias, explicar temas difíceis.

Porém como afirma o mesmo autor, para que a sua utilização seja bem

proveitosa em âmbito escolar, é de suma importância que o professor reconheça os

principais elementos de sua composição. Ele não poderá utilizá-las sem objetivos

previstos, pois a aplicação da mesma, deverá se adaptar ao cronograma de sua aula.

Visto que, se não for esse o seu objetivo, os alunos conceberão o gênero tirinha como

apenas ―passa- tempo‖ e os benefícios que poderiam ser alcançados com seu uso serão

limitados. ―Além de ficar evidente para os alunos que eles estão sendo sutilmente

enganados pelo professor, pode gerar desconfiança e mesmo aberta resistência à leitura

e uso de historias em quadrinhos em ambiente escolar [...]‖, (p.27). Dominando esses

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208

elementos e tendo um embasamento para o seu uso, o processo de aprendizagem será

positivo e conseguirá melhores resultados do que os alcançados sem a sua utilização.

A Contribuição do Gênero Tirinha para a Formação de Leitores Críticos:

Sugestões e Possibilidades Metodológicas

Entende-se que o ato de ler é uma das formas mais eficazes de desenvolvimento

social e cultural dos indivíduos. Porém despertar o interesse dos alunos para a leitura em

sala de aula requer esforços e metodologias diferenciadas por parte do professor. Sendo

de suma importância que o mesmo procure envolver o seu público alvo no momento da

realização das atividades de leitura visando um efetivo exercício de cidadania.

Para que se consiga formar alunos leitores críticos faz-se necessário que o

professor torne-se, primeiramente, um leitor ativo e interativo com os alunos.

Esclarecendo aos alunos a importância da leitura para a vida estudantil e pessoal.

Expondo a leitura não apenas como sendo constituída por letras no papel, mas como

uma prática significativa que envolve os conhecimentos que o leitor já adquiriu a

respeito do tema possibilitando-os a fazerem as inferências necessárias para a

construção de sentido do texto. A leitura é uma prática que ocorre diariamente, seja de

modo didático ou de mundo.

A fim de propor novas estratégias para o ensino de leitura em sala de aula, faz-se

necessário compreender, inicialmente, algumas concepções teóricas sobre leitura. Os

PCN afirmam que a leitura:

[...] é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de

construção do significado do texto, a partir de seus objetivos, do seu

conhecimento sobre o assunto [...] não se trata simplesmente de extrair

informações da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por

palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente,

compreensão. (BRASIL, 1998, p. 41)

Assim sendo, nessa perspectiva, a leitura é um processo que abrange desde a

decodificação das letras constituintes de uma palavra até a compreensão textual,

realizando antecipação de ideias, de inferências e da retomada de conhecimentos

prévios, ultrapassando o nível da decodificação tão presente nos materiais feitos

exclusivamente para ensinar a ler no ambiente escolar (com vista à realização de

atividades ou avaliações).

Ler é entender o significado do conjunto dos símbolos decodificados, tentando

descobrir o sentido que o autor deu à narrativa e comparar as próprias experiências com

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209

as que estão sendo descritas no texto, descobrindo novos conceitos e reformulando os

antigos.

A realização e o aperfeiçoamento de uma leitura crítica conduzem o aluno a uma

interpretação de mundo mais consciente, capacitando-os a terem uma participação mais

efetiva em sociedade, dando subsídios para interagirem com o meio e discutindo com

mais segurança o seu posicionamento sobre assuntos que permeiam em seu contexto

social.

Nos dizeres de Karwoski, Gaydeczka e Brito (2011, p.28) ―vivemos em uma era

que integra de maneira bastante fundamental, no cotidiano das forças sociais que

determinam nosso mundo, vários modos de letramento que exorbitam o estritamente

linguístico‖. Não basta conseguir decodificar uma palavra temos que relaciona-la com o

contexto e veiculação em que esta palavra foi transmitida. No contexto histórico atual, o

lidar com imagens requer tratamento minucioso, pois os alunos estão inseridos em um

mundo imagético e textual. As mídias utilizam a todo momento notícias e imagens para

a sociedade, que, na grande maioria das vezes, não faz uma reflexão sobre os

acontecimentos e fatos.

O gênero tirinha, por ser um texto multimodal faz uso tanto da linguagem verbal

quanto da não verbal. Pois em seu contexto está contido a escrita e o desenho. Barbosa

(2014, p. 31), afirma que as histórias em quadrinhos constituem um sistema narrativo

composto por dois códigos que atuam em constante interação; o visual e o verbal; de

modo que cada um ocupa um papel especial reforçando um ao outro.

O gênero tirinha é um texto multimodal pertencente ao hipergênero História em

Quadrinhos, contém suas peculiaridades próprias, apresentando recursos próprios da

linguagem (balões, onomatopeias, entre outros). Segundo Ramos (2014) ―trata-se de um

texto curto construído em um ou mais quadrinhos (suas narrativas são curtas, porém

apresentam introdução desenvolvimento e conclusão), possui personagens fixos ou não

e apresenta um desfecho inesperado no final‖.

Entre os vários motivos para utilizar os quadrinhos na escola como incentivador

da leitura está à atração dos estudantes por esse tipo de material, a união de palavras e

imagens, que representa uma forma mais eficiente de ensino, o alto nível de informação

deles, o enriquecimento da comunicação, o auxílio no desenvolvimento do hábito de

leitura e a ampliação do vocabulário. Como também eles aumentam a motivação dos

alunos para o conteúdo das aulas, estimulando sua curiosidade e desafiando seu senso

crítico (BARBOSA, 2014).

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210

Além do que, ―todo professor tem convicção de que imagens ajudam a

aprendizagem, quer seja como recurso para prender a atenção dos alunos, quer seja

como portador de informação complementar ao texto verbal‖ (KARWOSKI,

GAYDECZKA e BRITO, 2011.p.149).

Sendo assim, a ampliação da familiaridade com a leitura dos quadrinhos

proporciona aos alunos perceberem os benefícios que a leitura trará para as suas vidas,

encontrando mais facilidade em concentrar-se em leituras dos mais diversos gêneros

textuais.

E de acordo com os PCN (1998) é preciso que se ofereçam ao leitor

oportunidades de aprender a ler a partir da antecipação de ideias, da realização de

inferências e da retomada de conhecimentos prévios, ultrapassando o nível da

decodificação tão presente nos materiais feitos exclusivamente para ensinar a ler na

escola, conduzindo o leitor a uma leitura compreensiva do texto.

Ao trabalhar com o gênero tirinha é possível desenvolver as etapas descritas

logo acima. Antecipação de ideias- o gênero apresenta acontecimentos presentes na

realidade dos seus leitores, ao serem utilizadas em sala de aula, será admissível que o

professor em conjunto com os alunos faça um levantamento dos possíveis

desdobramentos do enredo, trabalhando assim o seu conhecimento

enciclopédico/mundo (conhecimento que se encontra armazenado na memória de cada

indivíduo, seja por experiências ou proposições a respeito de fatos do mundo), para logo

após a leitura constatarem se suas ideias foram corretas ou o autor utilizou outro

posicionamento frente ao texto, realizando então, a retomada dos conhecimentos

prévios, que são o que já sabiam sobre o assunto trabalhado na proposta.

Esses aspectos sendo trabalhados pelo professor envolverão a participação do

aluno de forma mais efetiva em suas aulas não só com a leitura do gênero tirinha como

também quando for solicitada a leitura de textos mais extensos. Pois, a partir do

momento que os alunos perceberem que o professor encontra-se apto para construírem

conjunto com eles, um sentido para o texto inferirá que não haverá a enfadonha

atividade de transcrição logo após a sua leitura e sentindo-se mais confiante na sua

leitura e compreensão.

Em outras palavras, por apresentar uma linguagem próxima ao cotidiano e

envolver acontecimentos presentes na realidade dos alunos, torna-se uma leitura fácil e

prazerosa, visto que facilita o entendimento da mensagem num todo sem a necessidade

de consultas a dicionários ou outra fonte de informação, pois o que não foi dito na

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211

linguagem verbal e inserido através dos desenhos já que um complementará ao sentido

do outro.

Considerações

A tirinha é um gênero que há muitos anos está presente na vida dos leitores. Esse

gênero atrai o público não só por sua linguagem acessível a todos os níveis de leitura,

mas por utilizar a linguagem verbal e a não verbal em sua composição.

A realização deste trabalho nos possibilitou percebermos que para despertar os

alunos para a prática da leitura de forma crítica é preciso utilizar textos que façam parte

do contexto social dos educandos, como é o caso do gênero tirinha, que trabalha com

temas contextualizados, utilizando uma linguagem próxima ao cotidiano dos seus

leitores.

Trabalhando desde a predição até a confirmação de ideias, o aluno é conduzido a

analisar de forma coerente a mensagem que o texto está transmitindo, sendo capaz de

reformular seus conhecimentos a respeito do tema como também acrescentar de forma

concisa novas conclusões em relação ao conteúdo, fazendo de forma automática com

qualquer gênero.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Martins Fontes, 2003.

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terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF,

1998.Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf> Acesso

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reflexões e ensino.4.ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.

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http://www.ucpel.tche.br/senale/cd_senale/2013/Textos/trabalhos/80.pdf> Acesso em

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NABÃO, R. M. Um olhar sobre o gênero textual histórias em quadrinhos.

Disponível em: <

http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_rosange

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RAMOS, P. Tira ou tirinha? Um gênero com nome relativamente instável. Estudos

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SCHUTZ; M. D; MÉA C. H. de P. D; GONÇALVES, L; I. CONCEPÇÕES DE

LEITURA - REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DO LEITOR. Disponível em:

<http://sites.unifra.br/Portals/36/artigos%20letras/artigos%20letras/concep%E2%80%A

1%C3%A4es%20de%20leitura.pdf>. Acesso em 20 Jun 2016.

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São Paulo: Contexto, 2009.

Page 213: _lnguas_e _literatura... · Sumário PREFÁCIO...............................................................................................................................7 Profa.

213

POSFÁCIO

Para Adorno e Horkheimer, se existe um sentido para a ciência, tal como a

conhecemos, este está longe de ser algo que nos provoque prazer puro e simplesmente.

Contudo tal prazer trazido pelo conhecimento se faz, talvez, na transformação que o

conhecer provoca na natureza e no homem, tornando-os, quem sabe, em formas mais

amigáveis, moldadas ao gosto das necessidades humanas.

Contudo o conhecimento também é um poder. O poder de ―impor‖ sua própria

vontade pela argumentação daquilo que se conhece. Todavia o conhecimento só se

torna, realmente, poder quando o homem é capaz de refletir sobre a natureza que o cerca

e sobre o próprio ser humano, sobre sua racionalidade, que se confunde com a

operacionalidade da natureza que o cerca. Talvez atingindo um viés político, nos

atrevemos a dizer que o poder do conhecimento é alcançado somente por meio da

linguagem, do saber ler o mundo, seja ele ficcional ou empírico.

Roland Barthes, em Aula nos afirma que a língua está sempre a serviço de um

poder e que seus signos só existem na medida que o repetimos. Barthes ainda afirma

que a língua nos obriga a dizer coisas, que ela é, desta forma, fascista. Quando tratamos

de língua sempre temos a confusão com a qual não podemos lidar da servidão e do

poder. A qual estamos sujeitos?

Se pensarmos à luz de Barthes, o autor afirma que não se poder haver liberdade

dentro de um sistema de linguagem. A liberdade estaria fora dele. Algo impossível pois

a linguagem do homem é fechada, não há um ambiente externo. Todavia, o homem, que

não é um super-herói dotado de poderes fantásticos, nem um cavaleiro das épicas

medievais, mas que é possuidor de todas as fraquezas necessárias, tem, tal como

Lazarillo de Tormes, a trapaça como única maneira de fuga daquilo que o aprisiona, a

língua. O homem trapaceia a língua para poder ser livre. A essa trapaça Barthes chama

literatura.

Se o conhecimento científico é frio e grosseiro, a vida criada na trapaça da

língua é sutil, nos mostra o conhecimento a partir de outra perspectiva. É outro tipo de

poder, talvez muito mais humano. Fala de um conhecer a si próprio também, mas de um

conhecer também o outro.

Os textos que compuseram este livre se permitem, em alguma medida, trabalhar

com o conhecimento, o poder, a língua e a literatura. Lançando novas perspectivas e

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214

averiguando os desafios travados na contemporaneidade para que possamos pensar em

algo diferente. Se para Giorgio Agamben o contemporâneo é aquele que pensa o seu

próprio lugar e tempo, temos a convicção que os estudos que aqui foram apresentados

se firmam enquanto parte da contemporaneidade e que tornam-se eficazes nas raízes

humanas com que abordam os problemas, anseios e desafios que envolvem o ensino de

língua e literatura.

Prof. Dr. Andre Rezende Benatti.

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215

SOBRE OS AUTORES

ALUIZIO LENDL

Doutorando em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),

Mestre em Letras pela mesma instituição, graduado em Letras pela Universidade

Estadual do Ceara (UECE). É integrante do grupo Lexicografia, Terminologia e Ensino

(LETENS – CNPq/UECE) e pesquisa os fenômenos da Multimodalidade em diferentes

textos.

E-mail: [email protected]

AMANDA L. JACOBSEN DE OLIVEIRA

Possui Licenciatura em Letras Português-Inglês pela Universidade Tecnológica do

Paraná – Campus Pato Branco (2014). Participou como voluntária do Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC por dois anos, onde realizou

pesquisas referentes à Literatura Contemporânea. Também foi bolsista de Extensão no

Programa de Extensão Parceria Universidade-Escola, do Curso de Licenciatura em

Letras Português-Inglês da UTFPR, Campus Pato Branco. Tem experiência na área de

Letras, com ênfase em Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas:

literaturas de língua inglesa, literatura contemporânea, literatura, cultura e

interdisciplinaridade. É Mestra pelo programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, e, atualmente, Doutoranda na mesma

instituição, como bolsista CAPES. Participa, também na UFSM, do Grupo de Pesquisa

Trânsitos teóricos e deslocamentos epistêmicos: feminismo(s), estudos de gênero e

teoria queer, liderado por Anselmo Peres Alós.

E-mail: [email protected]

ANSELMO PERES ALÓS

Possui Graduação em Letras (2002) e Doutorado em Letras (2007) pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul. Realizou estudos de Pós-Doutorado na Universidade

Federal de Pernambuco (UFPE). É professor Adjunto III na Universidade Federal de

Santa Maria, na cidade de Santa Maria/RS. Foi Professor-Visitante na Universidade

Federal da Integração Latino-americana (UNILA). Foi Professor-Leitor junto ao

Instituto Superior de Ciência e Tecnologia de Moçambique e Professor-Colaborador do

Centro Cultural Brasil-Moçambique e do Instituto Superior de Comunicação e Imagem

de Moçambique. Tem experiência na área de Letras, com ênfase nos seguintes temas:

Literatura Comparada e Teoria Literária. É Líder do grupo de Pesquisa Trânsitos

teóricos e deslocamentos epistêmicos: feminismos, estudos de gênero e teoria queer.

E-mail: [email protected]

ANTONIO FERREIRA DA SILVA JUNIOR

Possui Bacharelado e Licenciatura em Letras (Português-Espanhol) pela Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialização em Língua Espanhola Instrumental

para Leitura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestrado e

Doutorado em Letras Neolatinas pela UFRJ. Pós-Doutorado em Linguística Aplicada e

Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(LAEL/PUCSP). Atualmente, é Professor do Departamento de Línguas Estrangeiras

Aplicadas do Ensino Superior (Área: Espanhol) do Cefet/Rj, atuando no Bacharelado

em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais e na Especialização

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216

em Ensino de Línguas Adicionais. Atuou como Coordenador Adjunto de Língua

Estrangeira Moderna (Espanhol) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),

Ensino Médio 2018 (Ministério da Educação). Tem experiência na área de Linguística

Aplicada com ênfase nos seguintes temas: formação de professores de Letras/ Espanhol

nos Institutos Federais, narrativas docentes e ensino de espanhol para fins específicos.

E-mail: [email protected]

ANDRE REZENDE BENATTI

Doutor em Letras Neolatinas: estudos literários neolatinos (literaturas hispânicas) pela

Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestre em Letras: estudos literários pela

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2013) e graduado em Letras, habilitação

em Português/Espanhol, pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2009).

Atualmente é professor convocado da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Editor-chefe da REVELL - Revista de Estudos Literários da UEMS. É membro da

Asociación Internacional de Hispanistas - AIH e da Associação Brasileira de

Hispanistas - ABH. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas

Estrangeiras Modernas, na qual desenvolve pesquisas relativas às temáticas da

Violência, Cultura e Modernidade na Literatura Latino-americana e Espanhola,

especialmente na obra de Josefina Plá.

E-mail: [email protected]

CÁSSIA DA SILVA

Possui Graduação em Letras e Especialização em Psicologia aplicada à Educação pela

Universidade Regional do Cariri. Possui, também, Mestrado em Letras pela

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, onde atualmente é aluna regular do

curso de Doutorado em Letras. É professora do curso de Letras da Universidade

Regional do Cariri, Campus Missão Velha.

E-mail: [email protected]

CLÁUDIA REJANNE PINHEIRO GRANGEIRO Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP/FCLAR, com estágio no CEDITEC

(Centre d'Études des Discours, Images, Textes, Écrits e Communications) - Sorbonne - Paris XII e

Pós-Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora Adjunta do

Departamento de Línguas e Literaturas da Universidade Regional do Cariri (URCA). Líder do

DISCULTI (Grupo de Estudos em Discurso, Cultura e Identidades). Pesquisa na área de Análise

do Discurso os temas: Discurso político, Discurso religioso, mídias, multimodalidades, Literatura

de Cordel e Música Popular Brasileira.

E-mail: [email protected]

FÁBIO MARQUES DE SOUZA

Desenvolve e orienta pesquisas dedicadas à compreensão e potencialização do

complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras/adicionais pelo viés

da Linguística Aplicada (In)disciplinar. Atualmente, está credenciado - como professor

permanente - no PPGFP (Mestrado Profissional em Formação de Professores), da

UEPB; no POSLE (Mestrado Acadêmico em Linguagem e Ensino), da UFCG, e no

PPGEduC (Mestrado Acadêmico em Educação Contemporânea), da UFPE.

Coordenador adjunto do Programa de Pós-graduação em Formação de Professores

(PPGFP/UEPB). Editor da coleção "Ensino & Aprendizagem", da EdUEPB. Professor

efetivo do curso de Letras, na UEPB, desde 2011. Cursou estágio de pós-doutorado no

Programa de Pós-graduação em Educação Contemporânea (PPGEduC), da UFPE, com

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pesquisa a respeito da mediação, com o apoio das Tecnologias Digitais da Informação e

Comunicação, do complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas

estrangeiras/adicionais. Mestre e Doutor em Educação, tendo como foco de investigação

o ensino-aprendizagem de Língua Estrangeira/Adicional e a formação de professores de

línguas, obtidos, respectivamente, pela UNESP/Marília (2009) e pela Faculdade de

Educação da USP (2014). Licenciado em Letras (UNESP/Assis - 2006) e em Pedagogia

(UNINOVE - 2014). Líder dos grupos de pesquisa TECLIN, Tecnologias, Culturas e

Linguagens e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras/Adicionais (UEPB) e

membro do grupo de pesquisa Estudos Bakhtinianos (UNESP), cadastrados no DGP do

CNPq. Tem experiência na educação básica e no ensino superior (no âmbito público e

privado) e na autoria de materiais didáticos de Português, Inglês e Espanhol como

línguas adicionais. Atua em educação e estudos da linguagem.

E-mail: [email protected]

FRANCISCO VIEIRA DA SILVA

Doutor em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Letras

pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Especialista em

Ciências da Linguagem aplicadas à Educação a Distância (CLEAD) pela Universidade

Federal da Paraíba (UFPB) Graduado em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba

(UEPB). Professor efetivo de Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Federal

Rural do Semi-Árido (UFERSA), Campus de Caraúbas. Professor Permanente do

Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade do Estado do Rio

Grande do Norte (UERN). Atua, principalmente, nas seguintes temáticas: Análise do

Discurso, mídia e discurso, construção de identidades, bem como a formação de

professores numa perspectiva discursiva. Pesquisador do Círculo de Discussões em

Análise do Discurso (CIDADI), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), do Grupo

de Estudos do Discurso (GRED), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

(UERN) e do Grupo de Estudos do Discurso da Universidade do Estado do Rio Grande

do Norte (GEDUERN).

E-mail: [email protected]

HERMANO AROLDO GOIS OLIVEIRA

Doutorando em Linguística (PROLING/UFPB). Mestre em Linguagem e Ensino

(POSLE/UFCG). Especialista em Ciências da Linguagem com ênfase no ensino de

Língua Portuguesa (CLELP/UFPB). Licenciado em Letras/Português (UAL/UFCG).

Integra os grupos de pesquisas Teorias da Linguagem e Ensino (UFCG) e Estudos em

Letramentos, Interação e Trabalho (GELIT/UFPB/CNPq). Editor do volume especial

PIBID línguas (materna e estrangeiras) da Revista Práticas de Linguagem. Foi professor

substituto na Universidade Estadual da Paraíba, no CCHE, entre 2015 a 2017.

Desenvolve e orienta pesquisas vinculadas à Linguística Aplicada com ênfase nos

seguintes temas: gêneros discursivos/textuais, letramentos acadêmicos, processos de

ensino-aprendizagem de produção textual escolar/acadêmica e escrita na universidade a

partir da relação interdisciplinar construída com a Teoria das Representações Sociais da

Psicologia Social.

Contato: [email protected]

JORGE TÉRCIO SOARES PACHECO

Doutorando e Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em

Linguística Aplicada - PosLA da Universidade Estadual do Ceará/ UECE (2016.1).

Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Cidade de São Paulo/UNICID

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(2010.1). Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Ceará/UFC (2005.1).

Membro do Grupo de Pesquisa em Discurso, Identidade e Letramento Acadêmicos

(DILETA) da UECE. Professor de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Ensino de

Fortaleza.

E-mail: [email protected]

JOSÉ MARCOS ERNESTO SANTANA DE FRANÇA Doutor em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da

Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor Assistente do Departamento de Línguas

e Literaturas da Universidade Regional do Cariri (URCA). Membro-pesquisador do DISCULTI

(Grupo de Estudos em Discurso, Cultura e Identidades). Pesquisa na área de Análise do Discurso

e Sociolinguística os temas: discursos da formação docente e ensino de língua materna; discursos

dos documentos oficiais e livros didáticos sobre variação linguística e ensino.

E-mail: [email protected]

JOSÉ VERANILDO LOPES DA COSTA JUNIOR

Doutorando em Letras/Literatura pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

(UERN). Mestre em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina

Grande (UFCG), Especialista em Ciências da Linguagem com ênfase em Ensino de

Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Licenciado em

Letras/Espanhol pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Integra o Grupo de

Estudos de Literatura e Crítica Contemporâneas (CNPq/UEPB). Em função das

pesquisas desenvolvidas no eixo dos Estudos Literários e na área de Linguagem e

Ensino, interessa-se pelos seguintes temas: Contemporaneidades na América Latina.

Deleuze e Guattari. Literatura e Política. Literatura, gênero e sexualidades. Ensino de

Literatura. Formação e atuação do profissional de Letras.

E-mail: [email protected]

JOSILENE MARCELINO FERREIRA

Professora concursada da Rede Municipal do Município de Santana do Cariri- CE

(Polivalente 1º ao 5º). Professora Temporária da Universidade Regional do Cariri-

URCA- Unidade (UDMV). Pós-Graduada em Gestão Escolar pela Universidade

Regional do Cariri- URCA. Graduada em Pedagogia pela Universidade Regional do

Cariri-URCA. Participante de grupos de estudos relacionados a História da Educação e

Educação e Políticas Públicas. Área do conhecimento: História da Educação, Gestão

Escolar e Avaliação Educacional.

E-mail: [email protected]

JOSILENE PINHEIRO-MARIZ

Possui Graduação em Letras Português-Francês pela Universidade Federal do Maranhão

(1996), Mestrado (2001) e Doutorado (2008) em Letras (Estudos Linguísticos,

Literários e Tradutológicos em Francês) pela Universidade de São Paulo e Pós-

Doutorado pela Universidade Paris 8 - Vincennes-Saint Denis (2013). É Professora

Associada na Unidade Acadêmica de Letras, da Universidade Federal de Campina

Grande, atuando na graduação em Letras - Língua Portuguesa e Língua Francesa e na

Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da mesma Universidade.

E-mail: [email protected]

JULIANA PRESTES DE OLIVEIRA

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É Mestre em Letras Literatura pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Graduada em Letras pelo Curso de

Licenciatura em Letras Português-Inglês, da Universidade Tecnológica Federal do

Paraná - UTFPR - Campus Pato Branco. Participou como voluntária do Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC por dois anos, onde realizou

pesquisas referentes a Literatura Contemporânea, na UTFPR. Foi professora substituta

da Prefeitura Municipal de Santa Maria em 2014, ministrando a disciplina de Inglês

para alunos do Ensino Fundamental. Também foi professora substituta do Colégio

Politécnico da UFSM, no ano de 2015, lecionando as disciplinas de Literatura, Inglês e

Redação para alunos do Ensino Médio, tutora a distância no Curso de Licenciatura em

Letras - EAD da UFSM e professora Da disciplina de Leitura e Produção de textos na

FISMA. atuou em 2015 como coorientadora de PIBIC-EM, desenvolvendo pesquisas

sobre Literatura Africana de Língua Portuguesa. De 2016 a 2017 foi Revisora

Pedagógica de materiais didáticos e Revisora Linguística instrucional no

NEaD/CTISM/UFSM. Atualmente é bolsista de Doutorado pelo PPGLetras da UFSM.

E-mail: [email protected]

KARYNE SOARES DUARTE SILVEIRA

Possui Graduação em Direito (1998) e Letras-Inglês (2006) pela Universidade Estadual

da Paraíba (UEPB), Especialização em Ensino-Aprendizagem (2003) pela Faculdade de

Ciências Sociais Aplicadas, Mestrado em Linguagem e Ensino (2010) pela

Universidade Federal de Campina Grande e, desde 2016, é doutoranda no Programa de

Pós-Graduação em Linguística (PROLING) pela Universidade Federal da Paraíba

(UFPB). É professora do Departamento de Letras e Artes da UEPB no curso de Letras-

Inglês desde 2007. Suas áreas de interesse incluem os estudos sobre: ensino-

aprendizagem de língua inglesa, formação docente, educação inclusiva e docência e

construção identitária do professor.

E-mail: [email protected]

LINO DIAS CORREIA NETO

Possui Graduação em Letras – Língua Francesa pela Universidade Federal da Paraíba

(UFPB) e Mestrado em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina

Grande (UFCG). Atualmente, cursa o Doutorado em Educação (Educação e

Linguagem) na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professor Assistente do

curso de Letras – Língua Portuguesa e Língua Francesa da UFCG.

E-mail: [email protected]

MAGDA VELLOSO FERNANDES DE TOLENTINO

Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1983),

Mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, com pesquisa no

Birkbeck College da Universidade de Londres, (1989) e Doutorado em Estudos

Literários (Literatura Comparada) pela Universidade Federal de Minas Gerais, com

pesquisa na Universidade de Nottingham e no Goldsmiths College da Universidade de

Londres (1999). Foi professora do Mestrado em Letras da Universidade Federal de São

João del-Rei, na área de Teoria Literária e Crítica da Cultura.

E-mail: magda.velloso.gmail.com

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MÁRCIA OZINETE DE ALCÂNTARA PINHO BORBOREMA

Possui Graduação em Licenciatura Plena em Letras (2006), Especialização em Estudos

Linguísticos e Literários em Língua Inglesa (2008) pela Universidade Federal da

Paraíba (UFPB). Mestre em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em

Linguística (PROLING / UFPB - 2011). Trabalha como secretária executiva bilíngue na

UFPB e tutora da disciplina Inglês Instrumental no Curso de Licenciatura em

Computação a Distância. Atualmente, é doutoranda pelo PROLING / UFPB, atuando

principalmente na pesquisa dos seguintes temas: formação docente; letramento;

processo de ensino-aprendizagem de L2.

E-mail: [email protected]

MARIA LÚCIA PESSOA SAMPAIO

Professora adjunto IV do Departamento de Educação e docente permanente do

Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE), no Mestrado Profissional em Letras

(PROFLETRAS) e colaboradora do Curso de Doutorado do Programa de Pós-

Graduação em Letras (PPGL) no Campus Avançado Professora Maria Eliza de

Albuquerque Maia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

E-mail: [email protected].

NÍCOLLAS OLIVEIRA ABREU

Doutorando e Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em

Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e licenciado

em Letras Português pela referida instituição. Membro do Grupo de Pesquisa em

Discurso, Identidade e Letramento Acadêmicos (DILETA) da UECE.

E-mail: [email protected]

RAIMUNDO EXPEDITO DOS SANTOS SOUSA

Doutorando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidade Federal

de Minas Gerais (UFMG), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de Minas Gerais (FAPEMIG); mestre em Estudos Literários pela Universidade

Federal de São João del-Rei (UFSJ), com financiamento da Capes/REUNI.

E-mail: [email protected]

RENATA MARTUCHELLI TAVELA

Possui Bacharelado e Licenciatura em Letras (Português- Espanhol) pela Universidade

do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Especialização em Línguas Estrangeiras com

ênfase na língua espanhola (CEFET/RJ), Especialização em Dança Cigana Artística

pelo Instituto Brasileiro de Aprimoramento Cultural (IBAC), Mestrado em Literatura

Portuguesa (UERJ). Atualmente, é professora de literatura hispânica do Colégio

Estadual Hispano Brasileiro João Cabral de Melo Neto (Seeduc). Atuou como

professora de língua espanhola em cursos de idiomas, em escolas particulares e também

na própria Seeduc, já que é professora concursada de língua espanhola desde 2015. Tem

experiência na área de Linguística Aplicada com ênfase no ensino da língua espanhola e

na área de Literatura, Artes e Dança.

E-mail: [email protected]

ROSIANE XYPAS

Possui graduação em Letras Português/Francês pela Faculdade de Formação de

Professores (1990), Mestrado em Teorias Literárias pela Universidade Federal de

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Pernambuco (2004), Mestrado em Didática de Francês Língua Estrangeira - Université

Catholique de I'Ouest (2010) e Doutorado em Análise Estatística Aplicada na Leitura de

Obras Literárias pela Université de Nantes (2009). É professora pesquisadora da

Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Líder do Grupo de Pesquisa de

Aprendizagem da Língua e Literaturas Francesas - GEFALL. Faz parte da Pós-

Graduação do Mestrado PROFLETRAS da UFPE. Na Graduação ministra cursos de

Didática da Literatura, Língua I, VI e VIII e Literatura dos séculos XVII e XXI. Suas

pesquisas se voltam para a área da Leitura de textos em geral, e dos literários em

particular. Na Pós-graduação leciona a cadeira de Leitura Literária. Membro da CLEFS-

AMSUD.

E-mail: [email protected]

ZULEIDE FERNANDES DE QUEIROZ

Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (1986), Mestrado

em Educação pela Universidade Federal do Ceará (1992) e Doutorado em Educação

pela Universidade Federal do Ceará (2003) e Pós - Doutorado pela Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (2014). Atualmente é professora em cursos de

graduação das instituições: Universidade Regional do Cariri - URCA, Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte - FMJ, Faculdade de Juazeiro do Norte - FJN. Professora

dos Programas de Pós-Graduação: Mestrado Profissional em Educação (MPEDU)-

Departamento de Educação da URCA, PROFHISTÒRIA - Departamento de História da

URCA e PRODER/UFCA. Pesquisa nas áreas de: Educação, com ênfase em História da

Educação e Política Educacional; Saúde e Violência; Feminino e Violência; Infância -

adolescência e Violência. Atua em ações de Extensão nas áreas de: Educação e Saúde;

Educação e movimentos sociais.

E-mail: [email protected]