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ARLINDA CANTERO DORSA
LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL-PANTANEIRAS
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO – 2006
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ARLINDA CANTERO DORSA
LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL-PANTANEIRAS
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos de Pós-Graduados em Língua Portuguesa sob a orientação da Profa. Dra. Regina Célia P. da Silveira. Linha de pesquisa: Texto e discurso nas modalidades oral e escrita.
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO – 2006
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BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Regina Célia Pagliuchi Silveira (Orientadora)
Profª Drª Maria Augusta de Castilho
Profª Drª Marlise Vaz Bridi
Profª Drª Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos
Profª Drª Jeni da Silva Turazza
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DEDICATÓRIA
Ao Antonio, companheiro de todas as horas, aos meus filhos, minhas
noras e meu genro que representam a razão maior de minha vida.
Às minhas netas: Juliana, Lara e Letícia e ao Rafael que virá: vocês
conduzem o meu olhar e minha crença no futuro.
Ao meu pai que do alto tenho certeza, vibra com a minha caminhada, à
minha mãe, meu apoio constante, à minha irmã, cunhada, cunhados e sobrinhos de
quem sempre recebi palavras de estímulo e força.
Aos colegas de trabalho que se tornaram únicos e especiais em minha
vida.
Aos compositores Paulo Simões, Carlos Colman (meu inesquecível ex-
aluno), Zé Du, Celito Espíndola, Aral Cardoso e Aurélio Miranda pela atenção
concedida, pelo prazer das entrevistas.
À profª Drª Albana Xavier Nogueira, o nosso reencontro trouxe-me um
norteio seguro e suas obras contribuíram decisivamente para o encaminhamento de
meu trabalho.
À mestra inesquecível Profª Maria da Glória Sá Rosa.
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AGRADECIMENTOS
Esta tese é resultante de um processo de construção e conhecimento, de
reflexões e estudo, de idas e vindas, inicialmente semanais, de Campo Grande a
São Paulo e de intervenções necessárias ao longo de cinco anos.
Embora formalmente apareça como autoria exclusiva minha, possui co-
autores: as pessoas e a instituição que foram responsáveis pela sua concretização:
A Deus que me fortalece a cada dia em busca de conhecimentos.
À minha orientadora Profª Drª Regina Célia Pagliuchi da Silveira – uma
lição de vida de sabedoria profissional, disponibilidade, confiança estabelecida,
orientações pontuais, sua acolhida foi firme e segura.
Às professoras Marlise Vaz Bridi (inesquecível orientadora do mestrado) e
Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos pelas precisas observações durante a
qualificação, que propiciaram indispensáveis colaborações.
Aos meus professores do Programa de Doutorado em Língua Portuguesa
a quem tive o privilégio e oportunidade de ser aluna e que tanto contribuíram para o
meu crescimento intelectual.
À Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) pela confiança, pelo apoio e
por abrir espaço para a realização do meu mestrado e conseqüentemente do
doutorado.
Às minhas companheiras de trabalho Profa Maria Fernanda Borges Daniel
de Alencastro e Profa. Déa Rímoli de Almeida pelas valiosas intervenções.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Teoria da Memória .......................................................................................49
Quadro 2 Conjunto de papéis da comitiva boiadeira.....................................................53
Quadro 3 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso Científico da Pesquisa .60
Quadro 4 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso Científico da Revisão....61
Quadro 5 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso do Ensaio Científico......61
Quadro 6 Valoração cultural .........................................................................................115
Quadro 7 A representação do MS:................................................................................115
Quadro 8 Vestimenta do Boiadeiro pantaneiro..............................................................147
Quadro 9 Hábitos e lazer pantaneiro.............................................................................147
Quadro 10 A lida diária pantaneira................................................................................148
Quadro 11 A representação do Pantanal para o tocador de boiada .............................165
Quadro 12 A representação da natureza pantaneira para o tocador de boiada............165
Quadro 13 Os grupos sociais e sua valoração..............................................................165
Quadro 14 O movimento do Ir e Vir pantaneiro ............................................................166
Quadro 15 As expressões lingüísticas relativas ao ambiente pantaneiro .....................202
Quadro 16 As expressões lingüísticas representativas do presente .............................206
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SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................................................................12 CAPITULO I - EM BUSCA DE TRAÇOS CULTURAIS DO MATO GROSSO DO SUL ...............................................................................................................................21
1.1 JUSTIFICATIVA ......................................................................................................21
1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA.......................................................................................26
1.3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA ACD ..................................................................26
1.4 MATERIAL DE ANÁLISE ........................................................................................33
1.4.1 Letras Selecionadas...........................................................................................33
1.4.2 Entrevistas com Compositores.........................................................................42 1.4.3 Os Intertextos e Interdiscursos.........................................................................43
CAPÍTULO II - CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS PERTINENTES.................................48 2.1 AS CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO E O DISCURSO ....................................................48
2.2 TEORIA DAS MEMÓRIAS ......................................................................................49
2.3 O PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO NA VERTENTE SÓCIO-COGNITIVA
DA ACD.........................................................................................................................50
2.4 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO ........................................................................53
2.5 O CONTEXTO LOCAL E GLOBAL .........................................................................55
2.6 INTERTERTEXTOS E INTERDISCURSOS............................................................56
2.7 CONTEXTOS DISCURSIVOS ...............................................................................60
2.7.1 O Discurso Cientifico .........................................................................................60
2.7.2 O Discurso da História ......................................................................................62
2.7.3 O Discurso da Geografia ...................................................................................64
2.7.4 O Discurso da Etnografia ..................................................................................65
2.7.5 As Letras de Músicas Regionais.......................................................................67
CAPÍTULO III - QUEM FOI QUE EXPULSOU O ÍNDIO? .............................................68
3.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA................68
3.2 INTERTEXTOS: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS ...........................................73
3.2.1 Intertexto 1 – Nos mares de Xaraés de Moacir e Chico Lacerda ...................73
8
3.2.2 Intertexto 02 – Capim da Ribanceira de Almir Sater e Paulo Simões ............76
3.2.3 Intertexto 03 – Boieiro do Nabileque de Almir Sater e João Ba .....................80
3.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS.......................84
3.3.1 O interdiscurso 1: Discurso da Geografia........................................................84
3.3.1.1 Intertexto 04 – A Planície e os Pantanais..........................................................85
3.3.1.2 Intertexto 05 - O Mito.........................................................................................88
3.3.2 O interdiscurso 02: O discurso da História......................................................91
3.3.2.1 Intertexto 06 ......................................................................................................92
3.3.3 O interdiscurso 03: O Discurso da Etnografia.................................................99
3.3.3.1 Intertexto 07 ......................................................................................................99
3.3.3.2 Intertexto 08 ......................................................................................................103
CAPÍTULO IV - QUEM LUTOU COM O PARAGUAI? .................................................109
4.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA................109
4.2 INTERTEXTO: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS..............................................109
4.2.1 Intertexto 09 - Sonhos Guaranys de Almir Sater e Paulo Simões..................109
4.3 INTERTEXTOS DOS INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS....................116
4. 3.1 O Interdiscurso 01: O Discurso da História ....................................................116
4.3.1.1 O intertexto 10...................................................................................................117
4.3.1.2.Intertexto 11 ......................................................................................................118
4.3.1.3 Intertexto 12 ......................................................................................................122
4.3.1.4 Intertexto 13 ......................................................................................................124
4.3.1.5 Intertexto 14 ......................................................................................................131
4.3.1.6 Intertexto 15 .....................................................................................................133
4.3.1.7 Intertexto 16 .....................................................................................................135
4.3.2. O Discurso da Etnografia ....................................................................................137
4.3.2.1 Intertexto 17 ......................................................................................................137
CAPÍTULO V - QUEM DERRUBOU A MATA? QUEM CULTIVOU O CULTIVAR? ....142
5.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA................142
5.2 INTERTEXTOS: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS ...........................................142
5.2.1 .Intertexto 18 - Peão Pantaneiro de Aral Cardoso ...........................................143
5.2.2 .Intertexto 19 - Comitiva Esperança de Almir Sater e Paulo Simões .............149
5.2.3.Intertexto 20: Emenda com a Galopeira de Carlos Colman............................155
9
5.2.4.Intertexto 21: Pai Nosso Sertanejo de Carlos Colman e Alexandre Saad .....158
5.2.5. Intertexto 22 - Nossa Senhora do Pantanal de Alzira Espíndola e Orlando Antunes Batista ...........................................................................................................161
5.2.6 Intertexto 23 - Pantanal em silêncio de Aral Cardoso .....................................162
5.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS.......................167
5.3.1.O Interdiscurso 01 – O Discurso da História ...................................................167
5.3.1.1 Intertexto 24 ......................................................................................................167
5.3.2 O Interdiscurso 02 – O Discurso da Etnografia ...............................................175
5.3.2.1.Intertexto 25 ......................................................................................................175
5.3.2.2. Intertexto 26 .....................................................................................................179
5.3.2.3. Intertexto 27 .....................................................................................................182
5.3.2.4.Intertexto 28 ......................................................................................................184
CAPÍTULO VI - QUEM GANHOU O LATIFÚNDIO? QUEM VEIO PARA TRABALHAR?..............................................................................................................191
6.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA................191
6.2.1.Intertexto 29 Fulano de tal de Carlos Colman..................................................191
6.2.2. Intertexto 30 – Prazer de fazendeiro de Delio e Delinha ................................195
6.2.3 Intertexto 31 - Peão Baguá de Aral Cardoso ....................................................197
6.2.4 Intertexto 32 – Paiaguás de Guilherme Rondon e Paulo Simões...................200
6.2.5. Intertexto 33 - Canta Saudade de Aurélio Miranda .........................................202
6.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS ......................207
6.3.1 O interdiscurso 1: Discurso da História ...........................................................208
6.3.1.1.Intertexto 34 ......................................................................................................208
6.3.1.2 Intertexto 35 ......................................................................................................212
6.3.2 O DISCURSO DA ETNOGRAFIA ........................................................................214
6.3.2.1 Intertexto 36 ......................................................................................................214
6.3.2.2 Intertexto 37 ......................................................................................................219
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................224
REFERÊNCIAS.............................................................................................................238
10
RESUMO
Fundamenta-se esta tese na vertente sócio-cognitiva da Análise Crítica do Discurso da qual van Dijk, desde 1988, é seu representante e em noções teóricas da Análise do Discurso de linha francesa, tendo por tema um exame de representações discursivas de aspectos culturais do homem pantaneiro sul-mato-grosssense. O objetivo geral é contribuir com os estudos discursivos da cultura brasileira e os objetivos específicos são de examinar por meio de expressões verbais presentes em textos lingüísticos, letras musicais sul-pantaneiras a partir de um texto-base e pela inserção de intertextos e interdiscursos. Nesse sentido, o procedimento metodológico consiste em selecionar e analisar como corpora, letras de músicas regionais, textos do discurso da História, da Geografia e da Etnografia e entrevistas realizadas pela pesquisadora com os compositores. A hipótese que sustenta essa pesquisa considera que as categorias analíticas: Discurso, Sociedade e Cognição, estendem-se para a análise das representações mentais e lingüísticas enquanto organização de conhecimentos avaliativos e crenças culturais e que o movimento de Ir e Vir por grandes extensões geográficas, guia as ações do homem sul pantaneiro. Ambas as hipóteses mostram-se adequadas, pois, as formas de conhecimentos avaliativos são crenças que caracterizam na cognição social, os traços culturais que guiam dinamicamente, a construção de novas significações em cada contemporaneidade, a partir de raízes históricas. Os resultados obtidos das análises indicam que: 1. Os intertextos musicais mostram-se mais adequados para o tratamento dos valores culturais regionais e embora os temas tratados sejam os mesmos, as formas de tratamento dadas pelos interdiscursos são diversificados na medida em que atendem a objetivos diferentes. 2. O discurso da História parte de documentos oficiais que trazem representados em língua, os interesses do Poder; já o discurso da Historiografia trata de diferentes tipos de documentos além dos oficiais e por essa razão representa os acontecimentos com focalização de alguns aspectos culturais. 3. O discurso da Geografia indica que a progressão semântica, decorrente das descobertas científicas da região do Pantanal do Sul de Mato Grosso é opositiva em relação aos conhecimentos regionais tradicionais culturais que estão explicitados nos intertextos analisados de musicas regionais. 4. O discurso da Etnografia que objetiva o tratamento da cultura, complementa ou se opõe a certas representações de aspectos culturais da região sul-pantaneira. Palavras-chave: Língua, Discurso, crença, representação discursiva, aspectos culturais, intertextos, interdiscursos.
11
ABSTRACT
This work is based on the socio-cognitive branch of the Critical Discourse Analysis, whose most important representative, since 1988, is van Dijk. It is also based on the theoretical notions of Discourse Analysis, derived from the French branch. Its subject is the study of discursive representations of cultural aspects shown by the “pantaneiro” - the men from Pantanal area in Mato Grosso do Sul State. The general goal is to contribute for Discourse studies in the Brazilian culture, analyzing its verbal expressions present in lyrics from South-Pantanal regional songs, from a basic text plus insertion of inter-texts and inter-discourses. In this sense, the methodological procedure consists in selecting and analyzing as a whole, local music lyrics, texts from History, Geography and Ethnography Discourses as well as interviews carried out with composers. The hypothesis that supports this research considers that the analytical categories - Discourse, Society and Cognition - extend themselves to the analysis of mental and linguistic representations while evaluative knowledge and cultural creeds; it also considers that the “Come and Go” migrations over large geographic areas guide the initiatives of the South-Pantanal man. Both hypothesis show to be convenient, since the evaluative knowledge forms are creeds imprinted in the social cognition, the cultural traits that dynamically guide, from historical roots, the building of new meanings in each contemporary period. The results from these analyses show that: 1. The lyrical inter-texts show themselves to be more suitable for handling regional culture values and, although the approached subjects are the same, because of serving different goals, the inter-discourses are diversified. 2. The History discourse originates from official documents, which bring in a linguistic form, the interests of Power; the Historiography handles with several different types of documents besides the official ones, and for this reason, they represent the facts focused on some cultural aspects. 3. The Geography discourse indicates that the semantic progression, derived from scientific discoveries in the Pantanal area in South Mato Grosso is opposed to regional traditional cultural knowledge, which is explicit in the lyrics inter-texts analyzed. 4. The ethnographic discourse approaches South-Pantanal culture, complements or opposes certain representations of it. Key words: language, discourse, creed, discursive representation, cultural aspects, inter-texts, inter-discourses.
12
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Fundamenta-se esta tese na vertente sócio-cognitiva da Análise Crítica do
Discurso e em noções teóricas da Análise do Discurso de linha francesa, tendo por
tema um exame de representações discursivas de aspectos culturais do homem
pantaneiro sul-mato-grosssense, a partir de letras de músicas regionais.
Segundo a vertente sócio-cognitiva da Análise Crítica do Discurso há uma
dialética entre as cognições sociais e as individuais, de forma que as sociais guiam
as individuais e estas modificam as sociais. Qualquer forma de cognição é
construída e veiculada no e pelo discurso.
Os discursos são vistos como práticas sócio-interacionais,
convencionadas na e pela sociedade e manifestam-se tanto como discursos que têm
acesso ao público quanto como eventos discursivos particulares.
A sociedade é entendida como um conjunto de grupos sociais, sendo que
cada qual estabelece relações sócio-cognitivas intra, inter e extragrupo.
As cognições sociais são definidas como um marco de conhecimentos
que reúne pessoas que têm o mesmo ponto de vista para focalizar o que acontece
no mundo. Cada ponto de vista é definido por objetivos, interesses e propósitos
comuns às pessoas reunidas num mesmo grupo social. Por essa razão, as formas
de conhecimento construídas pelo grupo resultam em um marco de cognições
sociais que é intragrupal.
Como cada grupo social tem um ponto de vista diferente, as cognições
sociais intragrupais estão em constante conflito.
13
Todavia, há discursos institucionalizados que impõem formas de
conhecimento social extragrupalmente que se manifestam por meio das grandes
instituições sociais brasileiras: a Família, a Igreja, a Escola , a Empresa e o Estado
Desde que se considere que a interação discursiva é uma dialética entre
os discursos institucionalizados e eventos discursivos particulares há uma dinâmica
para as formas de conhecimento social, pois no intragrupo, há interação sócio-
cognitiva entre o individual e o social.
Essa dinâmica interacional das formas de conhecimento propicia que os
conhecimentos velhos construam significações novas, pois os marcos de cognição
social são guias que conduzem, nos eventos discursivos particulares, à adesão, à
complementaridade e à oposição para as formas de conhecimentos sociais.
Logo, embora haja conflito intra e intergrupal para as cognições sociais,
há uma unidade imaginária extragrupal.
Segundo van Dijik (1997), há para muitos autores, uma diferença entre
episteme e doxa. Episteme é uma forma de conhecimento factual, decorrente da
observação do que acontece no mundo e, por essa razão pode ser conferida e, no
caso afirmativo, pode ser atribuído o valor de verdade/falsidade. A opinião é uma
forma de conhecimento avaliativa e, por essa razão, não é conferida no que
acontece no mundo; trata-se da atribuição de valores positivos / negativos a partir de
interesses sociais e/ou individuais. Os interesses sociais constroem a doxa, já a
opinião pública e os interesses individuais constroem a opinião pessoal.
Segundo van Dijk com uma visão multidisciplinar das formas de
conhecimento, não há diferença entre episteme e doxa na medida em que todas as
formas de conhecimento são avaliativas, pois decorrem da projeção de um ponto de
vista para focalizar o que acontece no mundo.
14
Van Dijk (1999), também com visão multidisciplinar, tratou a ideologia, de
forma a apresentá-la como conhecimentos avaliativos plurais que variam de
instituição para instituição, porém sempre relacionados à categoria Poder. Este é
representado por diferentes participantes dependendo do tipo de instituição onde se
instaura.
Cada participante é definido pela sua função e suas ações. Para que o
Poder se mantenha, cria o Controle que é definido por outros participantes que são
responsáveis por fazerem com que as formas de conhecimento do Poder sejam
mantidas a fim de que elas tenham Acesso ao público.
Assim sendo, os conhecimentos ideológicos são persistentes e repetidos
para se obter o domínio das mentes das pessoas para que estas reproduzam os
valores impostos.
A cultura é entendida como forma de conhecimentos avaliativos, relativos
a crenças, a costumes e a normas sociais, passados de geração para geração como
bases dos marcos de cognição social, sendo, todavia, conhecimentos avaliativos
dinâmicos. Nesse sentido, as significações velhas instauradas no marco das
cognições sociais, constroem a cada momento discursivo, novas significações. (cf
van Dijk, 1999).
Segundo van Dijk (1997), a Análise Crítica do Discurso (ACD) tem várias
vertentes, embora todas elas tenham por objetivo denunciar o domínio das mentes
objetivado pelo Poder.
O autor propõe que analisar o discurso de forma crítica requer a inter-
relação de três categorias: Sociedade, Discurso e Cognição.
15
Essas categorias mantêm, entre si, uma inter-relação na medida em que
uma se define pela outra: as formas de conhecimento ideológicas são sociais e
construídas no e pelo discurso.
A partir de 2000, a cultura passa a ser uma questão muito pertinente para
a investigação discursiva. Como a vertente sócio-cognitiva da ACD demonstrou ser
adequada para tratar de conhecimentos ideológicos sociais, esta tese fundamenta-
se nela para abordar a cultura na medida em que esta, se define por crenças,
condutas e tradições enquanto formas avaliativas sociais de significação dinâmica
do mundo.
Esta tese situa a cultura na inter-relação das categorias Sociedade,
Discurso e Cognição, entendendo-a como um conjunto de valores, hábitos e normas
que guiam socialmente as pessoas a se relacionarem com o mundo.
Os conhecimentos relativos à cultura têm raízes históricas e por isso são
persistentes, embora sejam modificáveis em cada contemporaneidade, como formas
de representação tanto em língua quanto em memória.
Logo, entende-se a cultura como um conjunto de valores, hábitos e
normas que têm raízes históricas, pois são relativas ao vivido e ao experenciado
socialmente pelo grupo; mas tem contemporaneidade, na medida em que constrói
novas significações para resolver problemas novos a cada momento, (cf Silveira
2000).
Nesse sentido, tem-se por ponto de partida que um dos aspectos culturais
do homem pantaneiro sul-mato-grossense decorre do movimento de Ir e Vir presente
na miscelânea étnica e cultural que constrói a população do Mato Grosso do Sul,
desde a sua origem indígena até hoje com a chegada do capital estrangeiro. O
capital estrangeiro tem por perspectivas ideológicas estabelecer novos domínios de
16
mentes; por essa razão esta tese se justifica, pois busca resgatar aspectos culturais
que poderão ser modificados futuramente. É desse movimento de Ir e Vir, que os
aspectos culturais serão traçados nesta tese.
Da Análise do Discurso de Linha Francesa, foram selecionadas as noções
de intertextualidade e interdiscursividade, pois elas podem ser examinadas dentro
das formas de conhecimentos sociais que são comuns a diferentes pessoas no intra,
inter e extragrupo.
Sendo assim, esta tese defende que um texto é sempre uma resposta
como forma de adesão, complementaridade ou oposição a um outro texto; logo um
texto se estende em outros textos, de forma a construir uma progressão semântica
para o que acontece no mundo.
Entende-se, também, que cada discurso é uma prática sócio-interacional
que pode ser definida pelas relações mantidas entre seus participantes, suas ações
e suas funções. Portanto, a noção de campo discursivo pode estar associada ao
esquema mental discursivo.
É interessante observar que os campos discursivos mantêm entre si uma
interdiscursividade na medida em que um campo dialoga com o outro, ao tratar de
um mesmo tema, assim sendo, entende-se que um campo discursivo não se define
por temas e sim pela forma de tratar os temas.
Esta tese tem por objetivo geral contribuir com os estudos discursivos da
cultura brasileira, examinada a partir de expressões verbais em textos lingüísticos de
letra musicais sul-pantaneiras. Como se sabe, no Brasil, os estudos da cultura vêm
sendo realizados por historiadores, sociólogos, etnólogos e antropólogos, entre
outros.
Tem-se por objetivos específicos:
17
1. Selecionar um texto-base, para a inserção de intertextos e
interdiscursos.
2. Examinar nos textos musicais, o diálogo mantido com outros intertextos
de diferentes interdiscursos, na busca de representações textuais e
discursivas de aspectos culturais do homem sul pantaneiro.
3. Examinar por interdiscursos as diferentes formas de tratar temas
relativos à cultura da região do Mato Grosso do Sul.
Justifica-se, também, esta tese, na medida em que há uma preocupação
em se caracterizar o Mato Grosso do Sul como uma unidade imaginária em relação
ao Mato Grosso e aos demais estados brasileiros.
A caracterização do Sul de Mato Grosso precisa ser vista dentro de um
prisma de complexidade e diversidade cultural dadas à extensão territorial e
mutabilidade da cultura, não se esquecendo que o estado de Mato Grosso do Sul é
novo e resultante de um produto multifacetado de influências diversas advindas de
várias regiões do Brasil, além das fronteiras Bolívia e Paraguai.
Tem-se por hipótese prioritária que as categorias analíticas Discurso,
Sociedade e Cognição estendem-se para a análise das representações mentais e
lingüísticas enquanto organização de conhecimentos avaliativos e crenças culturais
e como hipótese secundária, o movimento de Ir e Vir por grandes extensões
geográficas, que guiam as ações do homem sul pantaneiro.
Esse movimento tem suas raízes históricas nas tribos nômades que
habitaram a região, mas somado às tribos sedentárias, modifica o Ir e Vir nômade,
na medida em que este está presente nas ações, a fim de se retornar ao lar,
18
avaliado como mundo mágico e sagrado do velho bugre, mito das tradições culturais
locais.
O procedimento metodológico desta tese é teórico-analítico e o material
selecionado para as análises como corpora, é constituído de:
1. letras de músicas regionais;
2. textos do discurso da História, da Geografia e da Etnografia;.
3. entrevistas com os compositores realizadas pela pesquisadora.
A coleta do material teve por critério as expressões lingüísticas explícitas
nas letras musicais, por terem sido consideradas as escolhidas pela avaliação
popular, já que são cantadas pelo povo sul-mato-grossense como as mais
representativas da região.
Após, a busca dos intertextos e interdiscursos teve por critério a
progressão semântica dos temas musicais, de forma a propiciar o diálogo entre
conhecimentos ideológicos e culturais. Entende-se que a linha divisória entre cultura
e ideologia pode ser traçada em cada contemporaneidade, porém, no que se refere
às raízes históricas essa divisória é fluida.
Esta tese está organizada por capítulos que buscam responder um
conjunto de perguntas representadas em língua no texto selecionado como texto-
base para as análises. O texto-base foi selecionado após o exame do corpus de
letras musicais já analisadas.
Os resultados obtidos das análises indicam que, embora “Trem do
Pantanal” seja considerada a mais representativa das músicas regionais do Sul de
Mato Grosso, “Quanta Gente” foi selecionado como texto-base, pois, traz
19
representado em língua, as questões a serem respondidas por intertextos musicais e
por diferentes interdiscursos.
Portanto, a organização dessa tese é a seguinte:
Capítulo I: Em busca de traços culturais do Mato Grosso do Sul.
Este capítulo apresenta a justificação da escolha do tema desta tese, a sua
delimitação e bases teóricas; bem como, o material, os métodos da coleta e as
categorias analíticas.
Capítulo II: Considerações teóricas pertinentes
Este capítulo reúne pressupostos teóricos relativos à Teoria da Memória e ao
Interacionismo Simbólico; busca ainda situar as noções de Intertexto e Interdiscurso,
caracterizando os discursos selecionados para a elaboração dos resultados obtidos
nesta tese.
A partir das questões levantadas no texto-base, foram constituídos os demais
capítulos.
Capítulo III: Quem foi que expulsou o índio?
Este capítulo apresenta resultados obtidos da análise de intertextos e interdiscursos
selecionados para responder à questão do texto-base “Quanta Gente” de Zé Du:
“Quem foi que expulsou o índio”?
Capítulo IV: Quem lutou com o Paraguai?
Este capítulo apresenta resultados obtidos da análise de intertextos e interdiscursos
selecionados para responder à questão do texo-base “Quanta Gente” de Zé Du:
Quem lutou com o Paraguai?
Capítulo V: Quem ganhou o Latifúndio?
20
Este capítulo apresenta resultados obtidos da análise de intertextos e interdiscursos
selecionados para responder a questão do texto-base “Quanta Gente” de Zé Du:
Quem ganhou o Latifúndio?
Capítulo VI: Quem derrubou as matas? Quem cultivou o cultivar?
Este capítulo apresenta resultados obtidos da análise de intertextos e interdiscursos
selecionados para responder às questões do texto-base “Quanta Gente” de Zé Du:
Quem derrubou as matas? Quem cultivou o cultivar?
Os capítulos apresentados buscam progredir semanticamente esta tese
que trata de aspectos da cultura do homem sul-pantaneiro, pelas suas
representações em língua, por letras musicais, seus intertextos e interdiscursos, pois
defende que todas as formas de conhecimento são avaliativas e construídas no e
pelo discurso.
Como se sabe, as culturas são plurais e podem ser diferenciadas em uma
breve síntese em cultura de elite, em cultura grupal e em cultura popular, sendo que
esta tese tem o seu foco projetado na cultura popular.
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CAPITULO I
EM BUSCA DE TRAÇOS CULTURAIS DO MATO GROSSO DO SUL
Este capítulo apresenta a justificativa da escolha do tema desta tese, a
sua delimitação e bases teóricas, apresenta-se, ainda, o material, os métodos de
coleta e as categorias analíticas.
1.1 JUSTIFICATIVA
Hoje, de forma geral, há no Mato Grosso do Sul um movimento para
resgatar suas raízes históricas a fim de se caracterizar o sul-mato-grossense como
um homem que tem identidade cultural própria. Esse movimento decorre da Divisão
Política do Estado de Mato Grosso ocorrido em 1977, dividindo-o em dois estados:
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Tanto antes quanto após a divisão política, o homem pantaneiro sul-mato-
grossense foi identificado sem se considerar essa divisão.
Atualmente, há preocupação em se resgatar o que foi vivido e
experenciado socialmente no Mato Grosso do Sul de forma a diferenciá-lo do que foi
vivido e experenciado no que hoje, politicamente compreende o que é chamado de
Mato Grosso.
Segundo os sul-mato-grossenses, a capital do seu Estado, Campo
Grande, cresceu em função da ferrovia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, pois
foram seus trilhos que trouxeram tantas gerações que hoje constituem na região,
uma miscelânea de etnias e culturas.
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Para eles, há uma geração que está envelhecendo e desaparecendo;
dessa forma é necessário lutar para preservar a sua identidade para as próximas
gerações, a fim de manter viva a epopéia vivida em Mato Grosso do Sul.
Segundo Aral Cardoso, em entrevista feita em outubro de 2004, à
pesquisadora desta tese, o momento é de mudanças radicais, o que coloca em
perigo as raízes históricas e culturais do seu Estado.
Acho que graças a Deus pelo lado dos bichos que não podem falar, pela sorte deles, essa invasão de novos grupos sociais que chegaram e chegam ao nosso Estado foi muito bom para a preservação, pelo cuidado com a terra. Do lado cultural acho perigoso, pois se a gente não preservar o que é nosso, ninguém vai fazê-lo. Vou dar um exemplo: A Fazenda Rio Negro do Orlando Rondon sempre foi uma maravilha, serviu de cenário para a novela Pantanal da Rede Manchete e de repente foi vendida para um grupo suiço. Com ela, outras fazendas não agüentaram a vida moderna, imposta pela tecnologia, com gado controlado pelo computador. Pantaneiro, acostumado com a criação extensiva, não estava acostumado com isso, acabou engolido. Daqui a pouco não teremos mais Pantanal nosso e sim de estrangeiros.
Em entrevista transcrita da obra Memória da Arte em MS: história de vida
(1992, p.111-131), Chico Lacerda, músico e componente do Grupo Acaba já discutia
esta questão quando afirmava com propriedade que:
Um povo só se torna grande e independente quando tem sua cultura preservada e quando tem coragem para assumir sua primitividade; é isso que nos falta em Mato Grosso do Sul, o que nos falta é pesquisar, divulgar essa cultura para que o povo tome conhecimento e dela se orgulhe”. (..) Mato Grosso do Sul é o grande produtor de boi, de grão, mas em que isso contribuiu para mudar o perfil cultural do Estado, visto na mídia como um corredor de tráfico de drogas?
Esta tese se justifica, na medida em que busca resgatar traços culturais
do sul-mato-grossense, de forma a seguir a indicação dada por Paulo Simões em
entrevista concedida a esta pesquisadora, em novembro de 2004, em sua
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residência, quando afirma que na verdade o tesouro não está nas festas dos peões
e sim na memória dos sul pantaneiros.
De forma geral, os textos relativos à cultura dos sul pantaneiros são de
tradições orais e relativos às benzeções, lendas, lembranças, à vida cotidiana, rituais
e festas, entre outros.
Esta tese selecionou letras de músicas regionais, a fim de se analisar
traços culturais dos pantaneiros do sul, representados em língua por seus
compositores.
O tema dá abertura a uma pesquisa ao longo dos vinte anos de letras da
música do MS feitas, antes e após a Divisão do Estado, e que tiveram como tema o
pantanal, além de contemplar aquelas que ao longo da história não possuem
fronteiras regionais e se notabilizaram como populares de Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul. Esta pesquisa vai ao encontro da preocupação de significativa
parcela de nossa sociedade e da própria Fundação de Cultura de buscar formas de
discutir a Identidade cultural.
Em entrevista concedida por Paulo Simões (in Rosa, Menegazzo e
Rodrigues, 1992 p. 82-83), o compositor afirma que:
A música de Mato Grosso do Sul é um produto multifacetado, diferente da música popular internacional ou da “world music” que também é multifacetada". A nossa provém de diversos pontos cardeais. A música branca e rural tem origem em Minas e São Paulo, de onde saíram as entradas e bandeiras, e as primeiras levas de desbravadores brancos portugueses, que ocuparam o espaço hoje chamado de Mato Grosso do Sul. Numa camada abaixo, pode-se considerar a existência ou resistência de uma música autótocne, indígena, muito mal conhecida e registrada, mas presente no ar. Virando-se à esquerda, deparamo-nos na fronteira com o Paraguai e a Bolívia, com a colonização espanhola com suas histórias de idas e vindas de fronteira, de marcos, de influências dos ritmos platinos entre os quais eu englobaria a polca paraguaia , que é uma derivação regional da polca européia erudita. A polca, a guarânia, o rasqueado e o chamamé fazem parte da mesma família de ritmos ternários, dotados de mil variações e
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possuidores de uma consistência artística que lhes permitem atravessar décadas e décadas. [..] Com a implantação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, intensificou-se não apenas o fluxo de mineiros e paulistas,como de outras subdivisões de nacionalidades que se dirigiam para cá, como os da populações limístrofes do Paraguai e Bolívia em direção a São Paulo. [..]Passou a haver uma mão dupla de influências e de trocas migratórias que se prolongou até a década de 70 (p.82-83).
Delimita-se essa tese às letras de músicas regionais sem se preocupar
com a melodia e o ritmo, embora estes sejam muitos importantes ao público. Dessa
forma, está situada na linha de pesquisa Texto e Discurso nas modalidades oral e
escrita e fundamentada na Análise Crítica do Discurso com vertente sócio-cognitiva
da qual van Dijk, desde 1988, é seu representante.
Buscar nesta diversidade cultural a identidade do MS é entender que:
nessa diversidade há uma unidade para onde convergem nossas tradições e costumes e que propicia a caracterização do brasileiro como um povo, uma nação, um conjunto de valores, escolhas e ideais de vida que definem uma identidade, na nossa diversidade cultural. (SILVEIRA, 2000:10).
Mato Grosso do Sul foi habitado durante séculos por indígenas e,
também, serviu de passagem a espanhóis e paulistas em suas conquistas
desbravadoras. A partir do século XIX, passa a receber sucessivas correntes
migratórias externas (libanesas, italianas, portuguesas, sírias, armênias, turcas).
Conforme Sá Rosa (1992):
linguagem, hábitos, alimentação e cultura e o Estado do MS passou então, a sofrer transformações substanciais, tornando-se um centro de vir a ser, na qual as pessoas deixaram de ser objetos, para se tornarem sujeitos de transformações, de ambientes, de coisas, materiais e principalmente de consciência.
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Nesse sentido, a cultura sul-mato-grossense torna-se bastante complexa
de ser analisada, uma vez que há diversidade de fatores, que tipificam distinções
das influências migratórias internas e externas, das diferenças regionais, sociais e
étnicas, que resultam na formação de um povo com características específicas. Para
Silveira (2000) apesar das diversidades, há uma unidade cultural que define uma
unidade imaginária, a memória social para onde converge um conjunto de valores,
escolhas e idéias.
Para Tornelli (2000):
Indiscutivelmente estamos diante de uma encruzilhada cultural no estado de Mato Grosso do Sul, encruzilhada esta que aponta para duas questões fundamentais: 1) a de descobrir qual é realmente a identidade cultural sul-mato-grossense? ; 2) em que medida essa cultura se aproxima da cultura nacional brasileira? De fato, toda e qualquer cultura vive em constante processo de transformação e uma sociedade democrática não necessita de uma cultura unidirecionada. Sob este prisma de análise, a identidade da cultura sul-matogrossense se aprofunda na sua própria diversidade, acentuada pelo processo histórico envolvendo a fronteira. [..] Entretanto se pensarmos mais alto, se tomarmos como parâmetro de que a América Latina é nossa nação por excelência, ainda que também seja um projeto não devidamente concluído, podemos constatar que a encruzilhada cultural sul-mato-grossense pode ser o elo unificador de diferentes culturas regionais latino-americanas: hispano-guarani, hispano-andina, hispânica e luso-afro-brasileira. Espaço privilegiado de intercâmbio cultural,o Estado de Mato Grosso do Sul está, ao que tudo indica, destinado a ser um pólo irradiador de uma cultura sui generis própria à criatividade e ao diálogo, colocando fim aos preconceitos que separaram historicamente, os universos culturais dos habitantes das vertentes atlântica e pacífica deste diverso e uno continente que é a América Latina. (2000, p. 40)
Este trabalho, ao longo de sua elaboração buscará mostrar dados
culturais de diferentes grupos sociais do sul de Mato Grosso, focalizando o Pantanal
e a maneira pela qual o que foi e é experenciado pelos seus nativos expressa em
língua, a partir de textos musicais, dados culturais.
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1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA
Desde que se defende que todas as formas de conhecimento são
avaliativas e que a cultura é uma delas, esta tese tem suas bases teóricas na
vertente sócio-cognitiva da ACD, para resgatar nas letras de músicas populares
regionais, a memória social do sul pantaneiro, entendendo-a como um conjunto de
representações mentais avaliativas a respeito do que foi vivido e experenciado
nessa região geográfica.
Em síntese, buscam-se as tradições, as normas e os valores
armazenados na memória social de longo prazo do sul pantaneiro, de forma a guiá-
lo em seu percurso narrativo histórico do que foi vivido e experenciado socialmente
pelo povo.
1.3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA ACD
De forma geral, a Análise Crítica do Discurso é caracterizada por
diferentes vertentes, embora todas tenham por objetivo analisar o Discurso, de forma
crítica, para denunciar como ele é capaz de dominar a mente das pessoas a partir
de discursos institucionais públicos.
A Análise Crítica do Discurso originou-se na Inglaterra e tem como
proposição os estudos de exemplos concretos de interação tanto em textos
lingüísticos quanto em parcialmente lingüísticos.
Fairclough e Wodak (1997) justificam que o discurso é uma prática social
e, como tal, necessita ser depreendido como uma relação social onde ocorre uma
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dialética entre as situações discursivas institucionais e os eventos discursivos
particulares, definidores das práticas discursivas sociais.
Essa retroalimentação contínua provoca a interação do individual com o
social. Consideram os autores que a vertente sócio-cognitiva da ACD instaura-se
como uma disciplina multidisciplinar, ligada às ciências sociais e cognitivas, surgindo
graças à real importância da linguagem na vida social. Na concepção dos autores
em questão, como os indivíduos não têm consciência do poder intervencionista do
discurso no controle e molde das cognições sociais, analisar o Discurso de forma
crítica é poder denunciar o quanto as práticas discursivas controlam a mente das
pessoas.
Afirmam, também, que a prática discursiva, enquanto interação social,
exerce uma grande contribuição para sustentar, reproduzir, transformar os eventos
discursivos particulares.
A Análise Crítica do Discurso, de forma geral, considera tanto dados do
social – a sociedade e os grupos sociais - quanto do individual, pois os membros de
um grupo quando no uso da linguagem, tanto falam quanto escrevem, ao entender-
se socialmente ou individualmente. A unicidade do discurso de cada indivíduo
permite que ocorra variação individual, disparidade, oposições em relação ao grupo
social, ainda que haja semelhanças sociais, no tocante ao defini-lo como membro de
um grupo social.
Quando se trata de entender o uso da língua no e pelo discurso, como
forma de interação social, a análise focalizará suas estruturas lingüísticas -
sintáticas, morfológicas, semânticas, fonológicas, retóricas e estilísticas - em sua
relação entre o social e o individual.
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A ACD com vertente sócio-cognitiva privilegia as ciências cognitivas no
eixo da transdisciplinaridade. Essa vertente propõe analisar criticamente o discurso
como interação social a partir de intertextualidade como uma dialética entre os
eventos discursivos particulares e os discursos públicos e institucionais.
Para van Dijk (1997), a melhor forma de analisar criticamente o discurso é
delimitá-lo às categorias analíticas: Sociedade, Cognição e Discurso.
Segundo o autor, a inter-relação dessas categorias analíticas, quando se
trata de discursos institucionais públicos precisa ser analisada também, a partir do
contexto discursivo. Esse contexto é analisável por três outras categorias, a saber:
Poder, Controle e Acesso.
Cada uma dessas categorias é definida por participantes, funções e
ações. Assim, por exemplo, segundo Guimarães (1999), no que se refere ao
discurso jornalístico:
1 O Poder - tem como participante, os donos da empresa de jornal que
definem como função o que é de interesse para eles e suas ações que
são direcionadas para fazer com que o Controle execute suas
intenções.
2 O Controle - é definido por um conjunto de participantes tais como:
pauteiro, repórter, redator de reportagem e redator-chefe; esses
participantes têm como função construir a notícia a fim de que ela
controle ou construa a opinião dos leitores.
3 O Acesso – tem por participantes, entre eles, o diagramador e o
paginador, cujas funções são de fazer com que a notícia chame a
atenção do leitor a fim de que ela construa a opinião pública segundo o
Poder.
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Dentro desse contexto, se o Poder busca controlar a mente do público,
esse mesmo Poder interaciona as cognições sociais com a ideologia do grupo de
Poder, através de um conjunto de estratégias retóricas.
Por conseguinte, é justamente por intermédio do Discurso que há por
parte dos participantes do Poder, a construção de cognições sociais como forma de
domínio das mentes, (cf.van Dijk 1997).
Sendo assim, o objetivo mais relevante da ACD é denunciar como ocorre
o domínio das mentes tanto nos textos escritos quanto por meio dos orais. Como o
Poder é inerente às práticas e interações sociais, ele controla os discursos
institucionais, assim como controla os veículos de comunicação, como por exemplo,
na mídia, o discurso jornalístico e no político, o discurso da História.
Logo, o discurso para a vertente sócio-cognitiva, inter-relaciona-se à
Sociedade e Cognição, em uma interação constante do individual com o social.
Enquanto as representações sociais participam da memória social, pois
são guiadas por suas crenças e práticas discursivas, poder-se-ia dizer que a cultura
participa dessas representações sociais, enquanto formas de crenças dinâmicas.
Nesse contexto, o autor em questão, propõe que para compreender as
relações entre Discurso, Sociedade e Cognição, é necessário analisá-las numa inter-
relação avaliativa.
No tocante aos processos sócio-cognitivos, o discurso deve ser analisado
a fim de se resgatarem formas de conhecimentos, atitudes, tradições que possam
explicar a produção de sentidos durante a interação sócio-cognitiva.
Na inter-relação: Sociedade, Discurso e Cognição, van Dijk (2000)
privilegia as noções de memória social e individual, de discurso como ação e
interação, de contexto global e local e de papéis sociais.
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Em suma, são postuladas três grandes categorias analíticas: Discurso,
Sociedade e Cognição. Essas categorias são inter-relacionadas, na medida em que
uma se define pela outra.
O Discurso é visto como uma prática sócio-interacional convencionada na
e pela Sociedade. Esta prática é representada por um esquema mental que define o
contexto global discursivo, entendido como participantes, suas ações e funções. No
contexto discursivo, ocorre o texto; este, no caso desta tese, é verbal e se define
como um produto que traz representado em língua formas de conhecimento social e
individual.
A Análise Crítica do Discurso postula uma dialética entre o social e o
individual, pois, o social guia as ações e formas de representação do individual,
assim como o individual, modifica o social.
Por essa razão, os textos de músicas regionais selecionados foram
considerados discursos públicos e as entrevistas realizadas com os compositores,
eventos discursivos particulares, porém ambos guiados pela memória social,
depositário da cultura do homem sul-mato-grossense.
A Sociedade é vista como um conjunto de grupos sociais; cada grupo é
definido pela reunião daqueles que têm os mesmos objetivos, interesses e
propósitos.
Assim sendo, cada grupo social tem um ponto de vista específico para
focalizar o mundo de modo a selecionar características e cancelar as demais,
embora todas pertençam a um único referente.
A Cognição é definida como formas de conhecimento que são
representações mentais do que é focalizado como acontecimento no mundo. Os
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conhecimentos sociais de cada grupo são designados marco de cognições sociais
(MCS) e são relativos ao que é experenciado no mundo.
A Sociedade define-se por uma diversidade de grupos sociais, cada qual
com o seu marco de cognição social construído por um conjunto de conhecimentos,
que são formas avaliativas de representação do mundo, decorrentes do ponto de
vista, com o qual cada grupo observa o que acontece no mundo.
A memória social de uma nação assim como os marcos de cognição
social dos grupos que a compõem, contém a Cultura como forma de representações
mentais e avaliativas e as ideologias, de acordo com Silveira (2000).
A Cultura, conseqüentemente, é decorrente de raízes históricas e da
contemporaneidade dos marcos de cognição social de um grupo, podendo ser
definido como a memória social de um grupo quando responde às questões: Quem
eu sou? / Quem é você? / Quem é ele ? / Quem somos nós? / Quem pensamos que
somos?
A inter-relação dessas categorias propicia que se sintetizem as bases
teóricas da seguinte forma: os conhecimentos sociais são construídos no e pelo
Discurso que tem acesso ao público, por instituições como família, escola, igreja,
estado e empresa.
Dessa forma, um grupo social não se define de forma material, como
etnia, idade, região, sexo, classe econômica e sim, como grupo de pessoas que
partilham os mesmos conhecimentos a respeito do mundo.
Esses conhecimentos são construídos no e pelo Discurso, visto enquanto
evento discursivo particular ou como prática discursiva institucional.
Os conhecimentos avaliativos não são constatáveis no mundo e, por isso,
divergem de grupo para grupo, enquanto crenças sociais. Todavia, há possibilidade
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de se identificarem os membros de um grupo social, a partir de uma unidade
imaginária que são os conhecimentos extragrupais. Sendo assim, são passíveis de
identificação, nas crenças dos brasileiros, a forma de representação da expansão
territorial do país. Mas, é necessário considerar que dependendo dos grupos sociais
e seus interesses, a nossa expansão territorial é representada por crenças
diferentes.
No Discurso, constrói-se o texto que decorre de como se pode e deve
dizer em uma determinada prática discursiva, ou seja, a formação discursiva. O texto
é visto como a representação em língua das formas de conhecimento construídas na
memória.
Cada designação explicitada no texto-produto, pode ser examinada
enquanto lexia, vocábulo e palavra. Uma lexia é uma unidade memorizada pelo
locutor e faz parte do sistema da língua enquanto forma de conhecimento social. O
vocábulo é a lexia em estado de dicionário e para ser dicionarizada depende da
instituição Poder. A palavra é a lexia-ocorrência no texto-produto; o conteúdo das
palavras depende de relações coesivas referenciais, ou seja, da inter-relação entre
as lexias – ocorrências no texto verbal.
Nesse sentido, as designações usadas como palavras no texto, contêm
outras predicações que ultrapassam a dimensão do dicionário como implícitos, que
não foram explicitados no texto-produto; esses implícitos são decorrentes tanto das
intenções de quem enuncia quanto dos valores culturais incorporados no uso da
palavra.
Esta tese busca tanto segmentos lingüísticos explícitos quanto implícitos.
Os explícitos são relativos ao que o texto traz representado em língua e os
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implícitos, aos valores culturais que precisam ser explicitados para se resgatarem
traços culturais de um grupo social.
1.4 MATERIAL DE ANÁLISE
O material selecionado para análise foi diversificado e constitui o seguinte
corpora a saber:
1.4.1 Letras Selecionadas
Foram selecionadas 17 letras de músicas regionais tendo por critério a
representação em língua de tradições orais do pantaneiro do Sul de Mato Grosso.
Essas letras são relativas às músicas premiadas em festivais, músicas de
repercussão regional ou gravações de grande venda de compositores regionais e
têm os seguintes títulos:
1.Trem do Pantanal –Paulo Simões e Geraldo Roca
2.Quanta Gente – Zé Du
3. Nos Mares de Xaraés - Moacir de Lacerda e Chico Lacerda
4. Capim da Ribanceira – Almir Sater e Paulo Simões
5. Boieiro do Nabileque – Almir Sater / João Bá
6. Sonhos Guaranys - Almir Sater / Paulo Simões
7. Peão Pantaneiro – Aral Cardoso/Wilson Maciel
8. Comitiva Esperança - Paulo Simões e Almir Sater
9. Emenda com a Galopeira – Carlos Colman
10. Pai Nosso Sertanejo – Carlos Colman / Alexandre Saad
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11.Nossa Senhora do Pantanal – Alzira Espíndola Orlando Antunes
Batista
12. Pantanal em Silêncio - Aral Cardoso
13. Fulano de Tal – Carlos Colman
14. Prazer de fazendeiro. Delio e Delinha
15. Peão Baguá - Aral Cardoso
16. Paiaguás - Paulo Simões/ Guilherme Rondon
17. Canta Saudade – Aurélio Miranda
Como era necessário definir um texto-base para a seleção dos intertextos
e interdiscursos, em um primeiro momento, optou-se pela letra musical Trem do
Pantanal, por ser considerada a música símbolo do Estado de Mato Grosso do Sul.
Trem do Pantanal (Geraldo Roca e Paulo Simões)
Enquanto esse velho trem
Atravessa o Pantanal
As estrelas do Cruzeiro
Fazem um sinal
De que esse é o melhor caminho
Pra quem é como eu
Mais um fugitivo da guerra.
Enquanto esse velho trem
Atravessa o Pantanal
O povo lá em casa espera
Que eu mande um postal
Dizendo que eu estou muito bem
E vivo
Rumo a Santa Cruz de la Sierra
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Enquanto esse velho trem
Atravessa o Pantanal
Só meu coração está
Batendo desigual
Ele agora sabe que o medo
Viaja também
Sobre todos os trilhos da Terra
Rumo a Santa Cruz de la Sierra
Sobre todos os trilhos da Terra.
O intertexto Trem do Pantanal foi composto por Geraldo Roca e Paulo
Simões em plena época de contradições na concepção dos jovens da década de 70.
De um lado, a ditadura militar, ou seja, o governo de revolução de 64 que
é representado em língua pela palavra guerra. Do outro lado, pela forma de viver e
conceber o mundo na concepção de paz e amor, típico do movimento hippie e que é
representado em língua pelas palavras “trem do pantanal”, pois a viagem assume a
representação de espaço para respirar, pensar, descobrir a própria identidade,
atitude típica dos jovens cabeludos e mochileiros que cruzavam constantemente os
trilhos pantaneiros saindo de São Paulo com destino a Corumbá e
conseqüentemente a Bolívia e depois Matchu Pitchu (Cuzco-Peru).
Durante as entrevistas realizadas com os compositores das músicas
selecionadas, Paulo Simões afirmou para esta pesquisadora:
Em 1975, já formado e não disposto a trabalhar no Rio de Janeiro, em plena ditadura, tive como opção sair pela esquerda e vir fazer show aqui ou em qualquer outro lugar. [..] Fiz uma viagem intuitiva, espontânea para o Peru com Antônio João Figueiredo, cujo pai era coronel, membro do SNI e amigo pessoal do presidente Médici.
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Saímos às escondidas do pai dele e um fato me marcou profundamente. Minha mãe foi se despedir de mim na estação que pessoas sem uma mínima sensibilidade estão transformando em outras coisas e tentou me dissuadir a voltar para o Rio de Janeiro e arranjar um emprego. Subiu no vagão e perguntou o que eu ia fazer pelas aquelas bandas e com o meu senso de humor, devo ter colado de algum filme, eu respondi: -Mãe, vou em busca do meu destino. [..] Durante a viagem, fizemos (eu e o Geraldo Roca, que nos acompanhou nesta aventura, um pedaço da letra captando o momento; Inicialmente fomos cantando e as pessoas se interessando. Era mais tema instrumental e a letra começou a caminhar por cima desta situação. Se a gente tivesse ficado em Campo Grande, talvez não tivesse esse caráter. Foi condensando coisas de uma geração que estava na estrada porque não se sentia bem em suas casas. [..] Essa música pespegou não sei se um rótulo de compositor regional que eu não aceitava.Ela foi construindo a história, hoje tenho uma visão diferente muito crítica; foi importantíssima para minha vida, de certa forma respondi às perguntas de minha mãe, pois acabei encontrando parte de meu destino naquela viagem singular.
A história do trem representa a própria história do Estado, pois, o trajeto
dos trilhos da ferrovia começou a definir as transformações que originaram o
progresso de algumas cidades do ainda Mato Grosso, entre elas Campo Grande.
Antes da vinda do trem, brasileiros de todos os lugares somavam-se aos imigrantes
que antes chegavam pelos portos de Corumbá, cidade pantaneira, cujos rios
Paraguai, Paraná e Prata eram o único meio de comunicação.
O percurso do trem do Pantanal envolvia a Companhia Paulista, pois ele
saía de Bauru (SP), passava por Lins e Araçatuba (SP), entrava no então Mato
Grosso, denominando-se Ferrovia Noroeste do Brasil; passando pelas cidades mato-
grossenses de Três Lagoas, Ribas do Rio Pardo, Campo Grande, Aquidauana,
adentrava, então, na região pantaneira de Miranda, Porto Esperança e Corumbá.
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Figura 1 O percurso do Trem
S d Fonte: http://www2.correioweb.com.br/cw/edição20020904/suplug Acessado em 18/03/2003, Correio
Brasiliense 04/09/2002.
É importante que se atribua a Corumbá, durante vários séculos a
responsabilidade de ter alavancado o desenvolvimento do Estado; graças à hidrovia
do Rio Paraguai, por sua posição privilegiada, a cidade era o ponto de ligação entre
a capital do Estado e a capital do País com um relevante papel na vida
administrativa e comercial de Mato Grosso.
Circulavam, diariamente, até a década de 80, cerca de vinte e cinco
vagões com capacidade de 70 lugares em cada um deles; saíam de Campo Grande
com destino a Corumbá, e alguns de seus vagões serviam também de transporte de
cargas e encomendas que em 24 horas chegavam a seus destinos.
A diversidade de produtos que também era transportada em seus vagões
variava entre cimento, óleo diesel, madeira e transporte de bois, tanto de Bauru a
Corumbá e conseqüentemente servia à exportação em sentido inverso com destino
a São Paulo.
Os trilhos da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) mudaram
o curso da história e da economia de grande parte das cidades mato-grossenses,
exercendo uma força contraditória tanto na fragmentação de alguns latifúndios
quanto na formação de outros nas proximidades de cidades exportadoras de gado,
pois com eles vieram o progresso, os povos, a economia; por ela partiam gente da
terra em busca de novos caminhos.
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Eles serviram de pólo irradiador de gentes da terra que por eles cruzaram
buscando novas opções de vida; na verdade a ferrovia foi responsável pela
mudança no curso da história do estado do MS.
Com a extinção gradativa do Trem do Pantanal, substituído pela política
da rodovia da ditadura militar do Brasil, a característica cultural do conservadorismo
regional passa a representar esse trem, como símbolo do Mato Grosso do Sul, de
forma a simbolizá-lo por uma semia cultural de liberdade, opção de vida nova,
coragem, desbravamento e conquista.
A análise realizada com este texto propiciou que se obtivessem alguns
resultados:
Palavras-chave: “já formado”, “em plena ditadura”, “como opção sair pela esquerda”,
“viagem intuitiva para o Peru”, “coronel, membro do SNI”, “presidente Médici”,
“saímos às escondidas”, “vou em busca do meu destino”, foi condensando coisas de
uma geração que estava na estrada porque não se sentia bem em suas casas,
acabei encontrando parte de meu destino
Implícitos: A partir das palavras-chave, foram construídos explicitamente os
implícitos do texto-produto. A música foi criada pelos seus autores na época da
ditadura militar no Brasil quando o regime mais rígido foi imposto pelo Presidente
Médici. Os jovens politizados para fugir de enfrentamentos ou possíveis prisões por
serem considerados de esquerda saem do Brasil em busca de seu destino. Grande
parte deles saíram pelo Pantanal do Mato Grosso do Sul e após atravessaram a
fronteira para a Bolívia, conduzidos pelo Trem do Pantanal.
Em busca das tradições locais: Alguns jovens politizados cruzaram a fronteira com a
Bolívia conforme o que o texto traz representado em língua. Porém este mesmo
texto representa a saída para a Bolívia, com objetivo de jovens aventureiros que
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queriam conhecer o Peru. Essa representação não tem tradição cultura local.
Aqueles jovens que saíram pela fronteira da Bolívia para fugir da ditadura militar
brasileira, foram em busca da liberdade, mas esta representação não tem relação
com as tradições culturais locais na medida em que elas implicam o Ir e o Vir.
Como se pode verificar na letra Trem do Pantanal, o referente está
focalizado na fuga de um perigo, com possibilidades de perseguição. Claro está que
uma grande quantidade de pessoas foi para o Mato Grosso do Sul para fugir de
perigos iminentes.
A letra Trem do Pantanal foi selecionada como símbolo de Mato Grosso
do Sul após ter sido premiada em um concurso realizado pela Televisão Morena,
filiada à Rede Globo, em momentos seguidos à Divisão do Estado, ocorrida em
11/10/1977.
Por essa razão, o jogo ideológico dos grupos de Poder, em conflito
durante o período da revolução militar brasileira, pode ser explicitado na fala do
pesquisador Ângelo Arruda, fundador da Ação Cultural Ferroviária-Ferroviva, que dá
adesão à escolha da música “Trem do Pantanal” como símbolo do MS.
Para ele, o grande sentido da escolha está ligado à nossa própria
identidade, pois a música Trem do Pantanal está para Mato Grosso do Sul como o
Frevo Vassourinhas está para Pernambuco.
Segundo o pesquisador, a popularização da música deve-se a seu
significado afetivo cultural, pois ela está ligada ao movimento do Ir e Vir de todos que
fizeram a história do MS e como fio condutor da história cultural de Mato Grosso do
Sul, na medida em que ela traz a representação do progresso, da revolução
tecnológica, da ocupação por pessoas com seus hábitos e novos costumes.
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O texto traz representado em língua duas designações para a expressão
“trem”, que assumem valor positivo:
Simultaneamente, trouxe todos os povos da terra que metaforicamente representa a
multiculturalidade que constitui o povo do MS, ou seja, o sentido mais global.
O Pantanal é a zona da travessia que significava para uns: esconderijo; para outros,
mudança de vida ou simples lazer.
Assim por exemplo, o trem do Pantanal possui para os grupos sociais
diferentes focalizações:
Para o grupo social 1: (nativos sul-mato-grossenses) é focalizado como desbravador
de extensa região geográfica que causou o nascimento de cidades, o
desenvolvimento do comércio, o transporte leve e pesado entre outros; por essa
razão é avaliado positivamente enquanto elemento propiciador das raízes culturais
da região.
Para o grupo social 2: (empreendedores econômicos estrangeiros e nacionais, assim
como políticos), é focalizado em uma ótica de obtenção de lucros, às vezes sem
nenhuma preocupação nem cultural nem ambiental. O investimento volta-se para a
área turística, de pesquisas ou para a implantação de indústrias que poderão
ocasionar sérios danos ambientais.
Para o grupo social 3: (traficantes de drogas) é focalizado como transporte mafioso e
ilícito, mas que propicia lucros.
Após os resultados obtidos da análise de outras letras musicais, optou-se
pelo texto-base Quanta Gente de Zé Du, na medida em este traz representado em
língua um conjunto de questões que para serem respondidas, exigiam progressão
semântica intertextual, seja por adesão, seja por complementaridade, seja por
oposição.
41
A busca de respostas para as questões existentes no texto-base propicia
a defesa desta tese que trata a cultura como um depositário de conhecimentos
avaliativos na memória social e que se diferencia de conhecimentos ideológicos
avaliativos impostos, de forma persistente pelas classes de Poder.
Dessa forma, o texto-base é a seguinte letra musical: Quanta Gente ( Zé
Du)
Quanta gente tanta
De pioneira coragem
De tribos com terra santa
Com festa e dor na bagagem.
Quem foi que expulsou o índio?
Quem lutou com o Paraguai?
Quem derrubou a mata?
Quem cultivou o cultivar?
Quem ganhou o latifúndio?
Quem veio para trabalhar?
Viu tanto trecho de Campo Grande
Grande de se admirar
Quem não te viu Bonito
As águas claras de um rio
Um peixe, um tucano, uma onça
Tatu, onde que tu tá?
Tanta gente quanta
42
Hoje sorri no teu colo
Nem sabe da história tanta
Vivida neste teu solo.
1.4.2 Entrevistas com Compositores
O material analisado compreendeu, também, entrevistas gravadas que
foram realizadas por esta pesquisadora com os compositores das letras
selecionadas. As entrevistas seguiram o seguinte roteiro:
1. Falar sobre a vida do compositor.
2. Tecer considerações sobre as letras selecionadas.
3. Tecer considerações a respeito da cultura e a sua influência nas
composições.
Os resultados obtidos dessa coleta estão distribuídos nos diferentes
capítulos dessa tese e foram importantes para a caracterização das tradições orais
do pantaneiro do sul guiadas por valores, hábitos de vida e normas de conduta.
1.4.3 Os Intertextos e Interdiscursos
Para se explicitar implícitos culturais, como formas de representação de
elementos sul-pantaneiros com respectivos valores positivos e negativos, contidos
no material de análise anteriormente selecionado, foram pesquisados diferentes
discursos em interdiscursividades com o texto-base e outras letras musicais
43
selecionadas. Entre esses discursos, foram selecionados alguns relativos às
Ciências Sociais, ou seja, o discurso da História, da Geografia e da Etnografia.
A partir do texto-base e pelos segmentos selecionados , buscou-se
intertextos do discurso das Ciências Sociais de autores sul-mato-grossenses, que
propiciassem a sua progressão semântica.
Foram selecionados, também, intertextos de divulgação cientifica
publicados em revistas de História, tendo por critério a seleção temática, para o
confronto intertextual. De forma geral, são autores paulistas:
PEREIRA, PATRÍCIA. Briga entre Hermanos. Conspirações, Outras Versões e
Revisionismos Editora Abril, maio 2005, p.41.
PINTO, JÚLIO PIMENTEL. Brasil X Argentina: Quase um jogo de compadres.
Revista História Viva. Editoras Segmento e Ediouro. Junho 2006. p.84 – 87.
Os intertextos de Geografia foram selecionados do seguinte artigo:
BOGGIANI, PAULO CÉSAR. A Planície e os Pantanais, disponível no site,
www.corumba.com.br . Acesso em 20/04/2004.
BOGGIANI, PAULO CÉSAR. O Mito, disponível no site www.corumba.com.br .
Acesso em 20/04/2004.
Os intertextos de História foram selecionados das seguintes obras ou
artigos:
44
RODRIGUES, J. BARBOSA. História de Mato Grosso do Sul. São Paulo: Editora do
Escritor,1993.
CARVALHO, JOSÉ MURILO & SOARES PEDRO PAULO . Guerra superou a
Independência e a República como fator de construção da identidade nacional
disponível no site:http//www.militar.com.br/artigos2000/guilhaume/histparaguai.htm,
acessado em 25/05/2005.
SQUINELO, ANA PAULA. A Guerra do Paraguai, essa desconhecida: ensino,
memória e história de um conflito secular. 2.ed. Campo Grande: UCDB, 2003.
CORRÊA, LÚCIA SALSA. História e Fronteira: o Sul de Mato Grosso. Campo
Grande: UCDB, 1999.
WEINGARTNER, ALISOLETE DOS SANTOS DE. Movimento Divisionista no Mato
Grosso do Sul. Porto Alegre: Edições Est,1995.
Os intertextos da Etnografia foram selecionados das obras dos seguintes
autores:
BARROS, ABÍLIO LEITE DE. Gente Pantaneira (crônicas de sua História). Rio de
Janeiro: Lacerda Editores, 1998.
PROENÇA, AUGUSTO CÉSAR. Pantanal: Gente, tradição e história. Campo
Grande, MS: Ed. UFMS, 1977.
NOGUEIRA, ALBANA XAVIER. Pantanal: homem e cultura. Campo Grande, MS:
Ed.UFMS, 2002.
LEITE, EUDES FERNANDO. Marchas na história: comitivas e peões-boiadeiros no
Pantanal. Brasília: Ministério da Integração Nacional; Campo Grande, MS: Ed.
UFMS, 2003.
45
As análises realizadas são relativas à seguinte hipótese:
As categorias analíticas, Discurso, Sociedade e Cognição podem ser
estendidas para a análise das representações mentais e lingüísticas enquanto
organização de conhecimentos avaliativos e crenças culturais.
Nesse sentido, esta tese dialoga com a vertente sócio-cognitiva da
Análise Crítica do Discurso de forma a complementá-la com o estudo de aspectos
culturais do Pantanal do Sul de Mato Grosso.
O termo Cultura inserido na intersecção das categorias Discurso,
Sociedade e Cognição é entendido como um conjunto de crenças, costumes e
normas, passadas de geração a geração, relativas ao vivido e experenciado em
Sociedade pelas pessoas.
Segundo Silveira (2000), entende-se que a cultura tem raízes históricas e
são formas de conhecimentos avaliativos armazenados na memória de longo prazo
das pessoas, de forma a guiá-las na resolução de problemas novos que se
apresentam com contemporaneidade.
Dessa forma, o procedimento de análise seguiu os seguintes passos:
1. Seleção de um texto-base para a análise.
2. A segmentação do texto-base de forma a resgatar o referente textual, a
sua focalização e a sua progressão semântica.
3. A inserção de intertextos na busca da explicitação de implícitos
culturais do texto-base e após dos textos intertextualizados.
4. O levantamento de áreas temáticas para propiciar o agrupamento de
letras regionais selecionadas para a análise a fim de responder as
questões explicitadas no texto-base.
46
5. O levantamento de representações culturais do sul-pantaneiro a partir
da expansão do texto-base em seus intertextos, de forma a caracterizar
adesões, complementaridade e oposições avaliativas.
6. A diferenciação textual das letras dos compositores, dos textos das
Ciências Sociais atende à caracterização das formas de tratamento de
temas sul-mato-grossense por grupos sociais diferentes em suas
práticas sociais discursivas.
7. As análises foram realizadas com um procedimento teórico-analítico, de
forma a atender a diversidade de tais práticas discursivas
selecionadas.
7.1 Nas Letras musicais, as Categorias analíticas são:
• Valores contidos nas formas de representação em língua.
• Recursos lingüísticos utilizados pelos autores.
7.2 Nos textos dos interdiscursos, as categorias analíticas são:
• Esquema textual utilizado pelo autor.
• Valores contidos nas formas de representação em língua de discursos
públicos institucionalizados.
Essas categorias analíticas são relativas à organização textual do
discurso científico (cf., Silveira 1994), em:
• Discurso envolvido – tipo narrativo
• Discurso envolvente – tipo opinativo
As análises realizadas objetivaram responder, a partir de formas de
tratamentos discursivos diferentes, as seguintes questões explicitadas no texto-base:
47
1. Quem foi que expulsou o índio?
2. Quem lutou com o Paraguai?
3. Quem ganhou o latifúndio?
4. Quem derrubou a mata?
5. Quem cultivou o cultivar?
48
CAPÍTULO II
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS PERTINENTES
Na década de 60, do século XX, um conjunto de insatisfações, relativas
ao estudo da língua na dimensão da frase, a partir do sistema da língua, levam os
lingüistas a dar atenção à fala e a tratá-la pelo texto e pelo discurso.
Durante os estudos do sistema em busca das regras gramaticais, a língua
foi estudada com visão unidisciplinar (a língua pela própria língua), de forma a ser
tratada fora de seu uso efetivo. Com o aumento progressivo das insatisfações, a
atenção dos lingüistas é voltada para os processos de produção textual e discursivo.
Para tanto, foi necessária uma visão inter e multidisciplinar, pois era
preciso dar conta das intenções de quem enuncia, das formações discursivas e
ideológicas que controlam as práticas discursivas; dos implícitos, da enunciação,
que diferencia “o que se disse” de “o que se quis dizer com aquilo”; dos focos
projetados nos referentes, de forma a construir para eles um determinado “estado de
coisas”, dos procedimentos de textualização e de compreensão; entre outras
buscas.
Logo, foi necessário recorrer às Ciências da Cognição e às Ciências
Sociais.
2.1 AS CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO E O DISCURSO
Com as contribuições dadas pelas Ciências da Cognição, aparecem as
Teorias de Memória, o Interacionismo Simbólico e o desmembramento do Sujeito
realizado desde Freud.
49
No século XIX, a Psicanálise de Freud, ao desmembrar o Sujeito em Ego,
Superego e Id, diferencia o individual do social e do instintivo, no século XX, outras
contribuições foram dadas, para o tratamento discursivo.
Relaciona-se o conceito de memória à Psicologia da Cognição que estuda a
memória humana a fim de entender as formas de armazenamento e processamento
realizadas pela inteligência humana. A Psicologia Social, contemporaneamente,
apresenta modelos para o Interacionismo Simbólico que trata dos papéis sociais
tanto na estrutura da sociedade quanto nos processos funcionais dessa estrutura,
quanto na maneira pela qual a Interação Simbólica é realizada pelo verbal..
2.2 TEORIA DAS MEMÓRIAS
Relaciona-se o conceito de memória à Psicologia da Cognição que trata a
memória humana, a fim de entender como o vivido e o experenciado é representado
mentalmente e de que forma é armazenado na mente das pessoas.
Atkinson e Shiffrin apresentam em 1968, um modelo de memória por
armazém: memória de curto prazo e memória de longo prazo que mais tarde é
revisto no modelo de armazéns, memória de curto prazo, de médio prazo e de longo
prazo:
Quadro 1 Teoria da Memória
Memória de curto
prazo
• Entrada sensorial da informação com capacidade quantitativa limitada e designada : chunck.
• Responsável pela entrada de informação verbal linear; é limitado em seu armazenamento.
• Necessidade de constante esvaziamento para o processamento da informação (memória de médio prazo), caso contrário esta será perdida.
50
Memória de médio
prazo
• Articulada com a memória de curto prazo produz uma área de trabalho, para o processamento da informação, entrada pela memória de curto prazo.
• A memória de trabalho é qualitativa e transforma a informação verbal em sentidos. Para tanto, é necessário explicitar implícitos e fazer inferências.
• Em síntese, a memória de trabalho, na produção de sentidos, tanto expande a informação em sentido secundário quanto a reduz em sentidos globais, de forma a refrigerar o chunck da memória de curto prazo.
Memória de longo
prazo
• É o armazenador de lembranças, como um depositário de conhecimento construído durante a vida das pessoas.
• Nesse arquivo são diferenciados dois grandes armazéns: • Social ou semântico que armazena o conjunto de conhecimentos
construídos em sociedade, principalmente, pelos discursos públicos institucionalizados. Por essa razão, há diferentes sistemas de conhecimento, tais como, os conhecimentos de língua, os enciclopédicos e os de interação social. A memória social armazena os conhecimentos sociais intra e extra-grupais. Nos conhecimentos extra-grupais, situam-se os conhecimentos culturais.
• Individual ou episódico: Conjunto de conhecimentos construídos por experiências individuais e pessoais com o mundo, embora essas formas de conhecimento sejam guiadas pelo social.
• Desde que se considere a dialética entre conhecimentos sociais e individuais, entende-se que os conhecimentos sociais guiam a construção de conhecimentos individuais e estes modificam os sociais.
2.3 O PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO NA VERTENTE SÓCIO-COGNITIVA
DA ACD
Em 1973, van Dijk, a partir de estudos realizados como gramático de texto
diferencia texto-produto de texto-processo.
Kinstch e van Dijk, entre 1975 e 1983, desenvolvem investigações
interdisciplinares no sentido de estudar o processamento de informação,
diferenciando o texto produto de natureza lingüística de texto processo, de natureza
memorial, a fim de investigar como as pessoas constroem sentidos durante o
processamento das informações.
51
A expansão de sentidos é realizada pela ativação de conhecimentos da
memória de longo prazo e constrói sentidos secundários. Como cada sujeito
processador constrói um número diferente de sentidos, a partir de suas lembranças
em estratégias de ativação dessas para a memória de trabalho, van Dijk define a
base de texto como um n-tuplo de proposições para poder explicar porque um
mesmo texto não tem a mesma leitura por leitores diferentes, e mesmo por um único
leitor em momentos diferentes. A redução de sentidos secundários constrói o sentido
global.
Os autores em (1983), após pesquisas realizadas com informantes para a
produção de resumos de textos lidos, propõem que o conhecimento do esquema
textual designado por eles superestrutura, facilita a construção dos sentidos globais,
com a redução da informação dos sentidos secundários.
A partir de 1988, van Dijk defende que esquemas mentais ativados como
modelos de situação durante o processamento da informação recebida são,
também, responsáveis pela construção dos sentidos mais globais, contribuindo,
também, para explicar as diferentes leituras de um mesmo texto.
Os modelos de situação são ativados da memória individual de longo
prazo e como as experiências vividas são individuais, explicam as diferentes leituras
de um mesmo texto.
Tanto Kinstch quanto van Dijk afirmam que após pesquisas realizadas
com informantes, a memória de longo prazo só armazena sentidos globais. A
superfície do texto-produto, também, pode ser armazenada a longo prazo, como
uma gravação desde que haja estratégias para tanto.
Segundo Bandini (2003:18), os autores abandonam a noção de regras
ordenadas da gramática de texto e postulam a existência de estratégias recursivas
52
que são apreendidas pelo leitor e utilizadas por eles, durante a compreensão
discursiva. Assim sendo, o texto é de natureza cognitiva e explicado por meio do
processamento cognitivo das informações.
No entanto, essa multiplicidade proposicional não é desorganizada e sim
feita de forma recursiva na memória de trabalho onde o processador expande,
construindo sentidos mais globais (macro-proposições) que, em seu conjunto,
constroem a macro-estrutura do texto.
O ato de ativação de conhecimentos passa a ter o movimento de expandir
e reduzir continuamente, recursivamente, e não mais em 73 como foi proposto; o
indivíduo maduro, cognitivamente, tem a possibilidade de construir um número maior
de proposições do que um indivíduo imaturo porque tem um repertório maior
armazenado na memória de longo prazo e também porque conhece as estratégias
de ativação desses conhecimentos.
Toda vez que se lê um texto, o texto processo se define por uma
microestrutura e por uma macroestrutura: os textos bem formados são formalizados
por uma superestrutura, ou seja, um esquema textual vazio.
A partir de 1988, Van Dijk passa a se dedicar à Análise Crítica do
Discurso e situa-se em sua vertente sócio-cognitiva, devido a seus estudos
anteriores na área das Ciências da Cognição.
Os estudos realizados pelo autor são direcionados aos tratamentos dos
preconceitos raciais como o racismo das sociedades européias. Para tanto, foi
necessário buscar contribuições na Psicologia Social, sendo assim, o autor dá
adesão ao Interacionismo Simbólico.
Entender os grupos sociais a partir de papéis que definem sua estrutura e
seu funcionamento, propiciou que van Dijk a partir de 1988, passasse a defender o
53
modelo de contexto. Este é social e define-se como um esquema mental que guia a
relação entre os participantes da prática discursiva. Mais tarde, a partir de 1998, van
Dijk busca outras contribuições na Psicologia Social com o Interacionismo Simbólico.
2.4 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO
A visão interacionista considera a sociedade tanto como uma estrutura
quanto um funcionamento. A sociedade, vista como estrutura, é definida como um
conjunto de papéis sociais, o que implica na caracterização semântica de cada
participante da estrutura, de forma a considerar as suas ações e funções sociais.
Assim por exemplo, na estrutura do homem do sul do Pantanal há a
comitiva boiadeira e ela se define por um conjunto de papéis:
Quadro 2 – Conjunto de papéis da comitiva boiadeira
Capataz • lugar tenente do dono da boiada;
Cozinheiro
• responsabiliza-se pelas bruacas (baús onde se levam as tralhas da cozinha)
• dita as regras do jogo (onde acampar, onde pernoitar, o que comer);
• vai sempre na frente das comitivas com os cargueiros (quatro burros transportadores das tralhas e das bagagens dos peões ).
Ponteiro
• auxiliar direto do capataz, responsável pela travessia da boiada;
• ele é o guia, escolhe os melhores caminhos e maneja o berrante com seus toques específicos.
Fiadores ou cabeceiras
• Auxiliares direto do Ponteiro.
Meeiros ou Esteiras
• Responsáveis pelo gado não debandar ou entrar no mato.
Culatreiros • Controladores da movimentação da boiada e da ponta traseira.
54
A Sociedade, enquanto estrutura de um grupo social, vista como
funcionamento, define-se pela relação estabelecida entre esses papéis, que no caso
da comitiva são relacionados por: dono da boiada e capataz para o contrato da
comitiva e capataz com os demais membros da comitiva, para a realização das
tarefas.
De acordo com Mergulhão (2002), o modelo do Interacionismo Simbólico
compreende a interação social pela linguagem e está mais preocupado com o
funcionamento do que com a estrutura social.
Muitos discursos encontram sua funcionalidade e racionalidade em
estruturas sociais e culturais. Dessa forma, van Dijk (1997) distingue o contexto local
ou interacional e o contexto global ou social. No contexto local, os atores interpretam
seus papéis de acordo com a contemporaneidade da situação discursiva; já a noção
do contexto global como esquema mental propicia que se diferenciem as práticas
discursivas entre si, tanto como institucionais quanto como eventos discursivos
particulares.
De acordo com Sellan (2001, p.51):
Devido à interação entre discursos institucionais e eventos discursivos particulares, o próprio discurso é flexível. O mesmo ocorre com a interação entre contexto local e global. Logo, é possível que os participantes possam negociar uma mudança de papéis a serem interpretados e, nesse sentido, os discursos podem estar condicionados pelos contextos, mas também exercem influência sobre os mesmos e os constroem. Isto é, os discursos é uma parte estrutural de seus contextos, e suas respectivas estruturas se influenciam mútua e continuamente.
55
Sendo assim, os papéis se estabelecem a partir de uma interação social.
Como esta interação é realizada pelo discurso com o verbal, é designada interação
simbólica.
Segundo Van Dijk (1997), o discurso como uma prática sócio-interacional
simbólica define-se por papéis sociais e as relações estabelecidas entre eles.
Para o autor, o discurso se define por um esquema mental armazenado
na memória de longo prazo social designado contexto discursivo.
Nesse sentido, as pessoas escolhem que papéis querem representar nas
práticas interacionais comunicativas, logo, a escolha é individual, mas o papel é
social e, dessa forma, o social guia o individual e este, modifica o social.
2.5 O CONTEXTO LOCAL E GLOBAL
Van Dijk (1997) apresenta a noção de contexto como esquema mental
definido por participantes, suas funções e ações na estrutura social. A noção de
contexto é importante para o autor, na medida em que, segundo ele, são nas
estruturas sociais e culturais que muitos discursos encontram sua racionalidade e
funcionalidade.
O autor diferencia dois tipos de contexto: o global e o local. O contexto
global enquanto esquema mental é ativado à memória de trabalho para se
compreender em qual prática social discursiva, os atores participantes da cena
possam ser reconhecidos pelos papéis que representam.
Dessa maneira, o conhecimento do contexto global é ativado da memória
de longo prazo para identificar quais são os papéis representados pelos atores na
cena discursiva.
56
Segundo van Dijk(1997) os discursos públicos institucionalizados têm em
seus contextos globais as categorias:
Poder, Controle e Acesso.
PODER: Compreende em última instância, a elite da instituição que toma decisões,
a partir de seus interesses, objetivos e propósitos.
CONTROLE: Compreende um conjunto de participantes que tem por função realizar
os objetivos do Poder, garantindo a satisfação dos seus interesses e propósitos.
ACESSO: Compreende um conjunto de participantes que fazem com que a
informação atinja o público, após ter sido controlada em sua elaboração conforme os
interesses e objetivos do Poder.
Diferentemente do contexto global, no contexto local, os atores enquanto
pessoas dão especificidades aos papéis interpretados de acordo com a
situacionalidade social mais global; há, portanto, uma constante interação de papéis
e a sua relevância torna-se fundamental para o discurso na medida em que esta
interação define o contexto local.
2.6 INTERTERTEXTOS E INTERDISCURSOS
A concepção bakhtiniana é resgatada, a partir dos anos 70,
estabelecendo os princípios gerais da reflexão sobre a linguagem. Para Bakhtin
(1979), as palavras são tecidas, a partir de uma multidão de fios ideológicos, e
servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios.
Bakthin ao associar os fenômenos ideológicos às condições e formas de
interação social, afirma que os signos ideológicos são os resultantes dessa interação
materializada.
57
Segundo o autor, o discurso é a manifestação subjetiva e ao mesmo
tempo, da sociabilidade e de múltiplas subjetividades, de forma a torná-lo
essencialmente heterogêneo. Dessa forma, o discurso utiliza sempre as palavras
dos outros de forma ativa por meio de citações intencionais e de forma passiva, por
meio do uso de palavras aprendidas socialmente ou herdadas de gerações
anteriores.
Essa heterogeneidade torna o dialogismo uma característica essencial da
linguagem. Na concepção do autor, o diálogo se estabelece de um texto para outros,
a partir das relações que ele mantém com outros textos. Logo, concentra a sua
atenção na intertextualidade, de forma a considerá-la não só um diálogo face a face
entre pessoas, mas, também, o diálogo entre textos de várias pessoas, pois cada
texto é visto como uma resposta a outros textos.
Por se tratar de vários intertextos, um texto é definido pelo dialogismo
como um “tecido de vozes entrecruzadas, complementadas ou polemizadas.’’
A intertextualidade de acordo com Kristeva (1981) pode ser explicada ao
se considerar o texto como ideologema, isto é, função intertextual presente nos
distintos níveis da estrutura organizacional de cada texto, conferindo-lhe suas
coordenadas históricas e sociais.
Ao dizer que o texto é fruto de uma intertextualidade, Kristeva argumenta
que há uma permutação, absorção e transformação de uma multiplicidade de outros
textos que se estabelecem como uma rede de conexões internas e externas.
Para ela, a construção de um texto é uma dinâmica textual e a
intertextualidade funciona como uma permutação de textos, um lugar de reciclagem
de fragmentos textuais, pois construir um novo texto é partir sempre de textos já
construídos que são decompostos, negados ou retomados.
58
A posição de Kristeva coloca-se na perspectiva do que Authier-Revuz, a
partir de Maingueneau (1989) denomina de heterogeneidade constitutiva.
Authier-Revuz (1982,1985,1995) distingue a heterogeneidade constitutiva
do discurso e a heterogeneidade mostrada no discurso. A primeira está presente no
texto, como o processo constitutivo do discurso, de forma radical, pois há a presença
da exterioridade do discurso no próprio discurso; a segunda, como o processo de
representação textual de um discurso em sua constituição: representa, assim, a
consciência do sujeito falante, da inconsistência de seu discurso.
Maingueneau (1989) trata dos intertextos, estendendo-os ao discurso,
como interdiscursos em uma heterogeneidade discursiva que também é constitutiva
ou mostrada. Nesse sentido, o conjunto de interdiscursos constrói o universo
discursivo que é muito amplo para ser analisado. Maingueneau propõe que analisar
o discurso implica delimitar os campos discursivos e seus espaços discursivos que
estão em interdiscursividade no universo do discurso.
Segundo o autor, os campos discursivos podem ser observados de forma:
Explícita: na heterogeneidade constitutiva (interdicurso) e na heterogeneidade
marcada (discurso direto e indireto).
Implícita: (o não dito que está presente na produção de sentidos).
Para o autor, o interdiscurso passa a ser o espaço de regularidade
pertinente, neste aspecto, os diversos discursos não seriam senão componentes,
sendo assim, eles têm a sua identidade estruturada a partir da relação
interdiscursiva e não independentemente uns dos outros para depois serem
colocados em relação entre si.
Nesse sentido, segundo Maingueneau, o sujeito da enunciação é apenas
um sujeito histórico, um porta-voz de um amplo discurso social.
59
As publicações realizadas por van Dijk desde 1975 até 2006, não
explicitam a palavra “intertextualidade” nem “intertextos”. Porém, o autor postula a
interação sócio-comunicativa como discurso. Essa interação, de certa forma, implica
intertextos e interdiscursos, na medida em que, são formas de conhecimento
armazenadas na memória de longo prazo, que expandem e reduzem a informação
nova durante o seu processamento memorial.
Em síntese, a partir dos estudos realizados por Bakthin, Ducrot
desenvolve a teoria da polifonia e Kristeva a da intertextualidade.
Ducrot (1987) mostra, segundo a perspectiva da Semântica da
Enunciação, como mesmo num enunciado isolado é possível detectar-se mais de
uma voz. O autor parte da pressuposição de que o sentido do enunciado é uma
descrição de sua enunciação e, para essa descrição o enunciado fornece
indicações.
Tavares (2004, p.124) busca sintetizar as noções tratadas neste item da
seguinte forma:
O vocabulário utilizado, pelos intertextos é a soma das palavras dos textos existentes. Opera-se, portanto, uma espécie de separação no nível da palavra, uma promoção ao discurso com um poder infinitamente superior ao do discurso monológico corrente. Basta uma alusão, para introduzir no texto centralizador, um sentido, uma representação, uma história ou um conjunto ideológico. O texto de origem lá está virtualmente presente, portador de todo o seu sentido, sem que seja necessário enunciá-lo. Isso confere à intertextualidade uma riqueza e uma densidade excepcionais. Em contrapartida, é preciso que o texto citado admita a renúncia à sua transitividade: ele já não fala, é falado.
60
2.7 CONTEXTOS DISCURSIVOS
Entende-se discurso como uma prática sócio-cognitivo-interacional,
convencionada na e pela sociedade. Essa convenção pode ser descrita como um
contexto discursivo (cf.van Dijk1997).
Dessa forma, cada prática social discursiva é convencionada pelos seus
próprios participantes e os papéis que cada qual representa na interação sócio-
comunicativa.
Este item apresenta os contextos do discurso científico, do discurso da
História, por já terem sido descritos, e faz menção aos contextos discursivos da
Geografia e da Etnografia.
2.7.1 O Discurso Cientifico
Silveira, desde 1989 até 2006, vem tratando de caracterizar o discurso
científico, no Brasil.
A autora diferencia o discurso científico da pesquisa, o discurso científico
da revisão e o ensaio científico.
Quadro 3 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso Científico da Pesquisa
• É designado discurso primário e suas funções que caracterizam os papéis do contexto discursivo podem ser resumidas na “descoberta nova”. Define-se por dois discursos: envolvido e envolvente. Discurso envolvido do tipo narrativo, que relata a descoberta realizada pelo cientista. O seu enunciado narrativo é:
• Situação Inicial - (problema a ser resolvido). • Fazer Transformador - (a pesquisa realizada a partir de Material e Métodos).• Situação Final – (resultados obtidos -resolução).
61
• Discurso envolvente, do tipo opinativo que divulga a descoberta realizada para a comunidade científica. O seu esquema é argumentativo e compreende:
• Premissa (s) - Hipótese (s) - Pressupostos que orientam a projeção da pesquisa.
• Justificativa – Conjunto de argumentos de legitimidade e de reforço: • Resultados obtidos da investigação apresentados como prova. • Conclusão– Avaliação do cientista a partir da discussão dos resultados
obtidos.
Quadro 4 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso Científico da Revisão
• É secundário, na medida em que o cientista-revisor é sujeito do discurso envolvente e o discurso envolvido da descoberta é produzido por outros sujeitos.
Quadro 5 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso do Ensaio Científico
• Dispensa o aparato científico – Material e Métodos além de Modelos Teóricos.
• É apenas opinativo.
Dessa forma, segundo Silveira, há um diálogo constante entre o cientista
e o paradigma vigente. Este é definido como um conjunto de problemas já
resolvidos, de problemas a serem resolvidos e de teorias e métodos acatados pela
comunidade cientifica a partir da categoria Poder (autoridade de reconhecido saber
científico na comunidade), que tem por Controle (Conselhos e Editoriais, Bancas de
Defesas, Bancas de Concursos etc). O que tem acesso ao público é controlado pelo
Poder.
62
2.7.2 O Discurso da História
A partir da visão inter e multi-disciplinar para os estudos lingüísticos, uma
das questões importantes discutidas é relativa à ficção e não-ficção.
Desde que se entenda que o texto-produto não fala do que acontece no
mundo como fechamento dele, mas que se trata de uma forma de representar o que
acontece no mundo, a partir das intenções de quem enuncia, na seleção dos
intertextos e dos interdiscursos, a referida distinção torna-se problemática. Os
estudos realizados apresentam resultados que abrem perspectivas para outras
buscas de caracterização do que seja ficção e não ficção.
Sanches (1992) trata do discurso da História e afirma que este se quer
como não ficção científico: como ciência, parte de documentos para resgatar a
História dos acontecimentos.
A autora conclui com suas investigações, que a História tem como
material de análise relatos de não-ficção na medida em que estes são
testemunháveis. Porém, afirmar que o documento trata do acontecido no mundo
como o vivido, experenciado e testemunhado não satisfaz a definição do gênero
discursivo da História, pois o que o documento traz representado em língua,
depende de um ponto de vista projetado pelo seu autor no acontecido.
Tavares, (2004 p. 127-128)), revendo Sanches conclui:
Não há relatos de não-ficção, porque todos os textos são construídos por uma versão do acontecido e esta tem a sua lógica interna que ultrapassa o mero registro do real, na medida em que constitui uma outra realidade regida por leis próprias que são institucionais. Pode-se afirmar que o discurso da História como um discurso público institucionalizado produz e reproduz ideologia e simultaneamente, intertextualiza-se com seu interdiscurso enciclopédico.
63
Por essa razão, entende-se que Goldman (1989), ao tratar do discurso da
História afirma que o historiador como construtor textual ao examinar os documentos
existentes não se preocupa com a reconstituição dos fatos acontecidos, mas sim
com as próprias versões que ele, como historiador pode reconstruir tornando-o um
fato histórico.
Segundo a autora, a função do papel social do historiador é tornar
monumento, dados de um acontecimento, a fim de fabricar heróis e vilões.
Nesse sentido, a partir da revisão anteriormente feita neste item, pode-se
dizer que a povoação do Pantanal do Sul de Mato Grosso, pelo discurso da História,
assume um papel fundamental na construção, para seu público, das representações
mentais avaliativas dos fatos passados nessa região. Mesmo porque, os textos do
discurso da História trazem representados em língua, acontecimentos que não foram
nem presenciados nem vividos pelas pessoas para as quais eles são ensinados na
escola.
Dessa forma, obriga-os a acreditar no que o historiador diz, de forma a
dominar as suas mentes por um discurso institucionalizado.
Logo, o discurso da História, construído a partir do Poder estatal que
controla o que um historiador diz, é ideológico e difere das crenças genéricas e
específicas instauradas como cognição social, na memória social do sul-pantaneiro,
na medida em que essas são culturais e implicam as tradições locais. Essa
conclusão, os capítulos que se seguem buscam justificar.
Este pressuposto orientou esta tese na seleção dos intertextos do
discurso da História analisados.
Em síntese, poder-se-ia, à guisa de conclusão deste item, citar Tavares,
no que se refere ao discurso da História: (2004,p.128):
64
Cancela, dependendo de seus interesses, os valores sociais que considera negativos para si, e maximiza outros valores que lhe são favoráveis, de forma a construir uma nova escala de valores que passa a ser projetada nas cognições sociais. Logo, o discurso da História como um discurso público institucionalizado, produz e reproduz ideologia e, ao mesmo tempo, está intertextualizado com seu interdiscurso enciclopédico.
2.7.3 O Discurso da Geografia
A pesquisa realizada não encontrou uma análise específica do discurso
da Geografia. Todavia, para uma provisória caracterização de seus contextos, esta
tese recorreu a resultados obtidos por Silveira (1994) na medida em que os
resultados obtidos na investigação desta tese indicam que os textos do discurso da
geografia são organizados pelo esquema textual da descrição. A autora trata o
descritivo em duas dimensões: a cognitiva e a textual discursiva.
Na dimensão cognitiva, a descrição é um processo analítico do homem
que propicia que na sua percepção de mundo, ele segmente um todo em suas
partes, de forma a construir uma representação mental por síntese.
O texto descritivo, no que se refere ao seu esquema textual, foi
apresentado com especificidade por Marquesi (1996).
Segundo a autora, a organização textual de um texto descritivo pode ser
definida por blocos descritivos, ancorados tematicamente, a partir de um
determinado ponto de vista que mantém o tema nos diferentes blocos descritivos.
Embora Silveira não tenha publicações específicas a respeito dos textos
do discurso da Geografia, em aulas ministradas na disciplina “O discurso cientifico e
seus tipos de textos”, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da PUC-São Paulo, afirma que no discurso da Geografia, há
hierarquicamente a seleção do descritivo para a organização do discurso científico
65
envolvido, na medida em que este apresenta resultados obtidos da análise do
geógrafo. Este, no seu discurso envolvente, opina ideologicamente, a partir do
Controle do Poder Estatal, a respeito dos resultados obtidos de sua investigação.
Logo, o discurso da Geografia é organizado pela categoria Poder e, nesta
tese, os intertextos desse discurso indicam que há limites geográficos que dividem a
fronteira do Paraguai com o Brasil, politicamente.
Todavia, os resultados obtidos das análises indicam que há fronteiras
geopolíticas porém não culturais, pois as nações indígenas mantém-se como
unidade imaginaria extra grupal.
2.7.4 O Discurso da Etnografia
De acordo com a sua acepção original, a palavra etnologia significa o
estudo das sociedades primitivas, no entanto, com o desenvolvimento dos estudos
da Antropologia, essa expressão passou a ser desusada por trazer em si o
preconceito étnico.
Assim, passou-se a usar a denominação de etnologia ao estudo de
qualquer agrupamento - povo ou grupo social - microssociológico, isto é, de
pequenas dimensões, onde em geral os membros têm entre si, interações
comunicativas.
Segundo Taylor,(1947) ao se referir à etnologia, como ciência relativa
especificamente do estudo da cultura, esta seria o complexo que inclui
conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos
adquiridos pelo homem como membro da sociedade.
66
Sendo assim, intertextos relacionados à etnologia e selecionados nesta
tese, perpassam pelos estudos da antropologia e sociologia pois, correspondem às
formas de organização do povo sul pantaneiro, seus costumes e tradições que são
transmitidos de geração para geração a partir de uma vivência e tradição comum,
que se apresentam como a identidade desse povo.
Em sua obra Antropologia Estrutural, Lévi-Strauus, (1972) propôs uma
tentativa de universalização dos termos etnografia e etnologia. A etnologia
corresponde ao primeiros passos de uma pesquisa pois se refere à observação,
descrição e trabalho de campo; já a etnografia refere-se à síntese pois tende para
conclusões suficientemente extensas que podem ser trabalhadas em três direções:
1. Geográfica – visando à integração de grupos vizinhos.
2. Histórica – quando se visa reconstruir o passado de uma ou várias
populações.
3. Sistemática, enfim quando se isola, para lhe dar uma atenção
particular a um determinado tipo de técnica, de costume ou de
instituição.
Para o autor, a etnologia compreende a etnografia como seu passo
preliminar, e constitui seu prolongamento. É o que encontramos tanto no Bureau of
American Ethnology da Smithsonian Instituion, como na Zeitschritft für Ethnologie ou
no Institut d`ethnologie de L`Université de Paris.
Em sua concepção, os termos antropologia cultural ou social estão
ligados a uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões
da etnografia e da etnologia. Ao contextualizar a visão de antropologia, nos países
67
anglo-saxônicos o autor afirma que se visa a um conhecimento global do homem,
abrangendo seu objeto em toda sua extensão histórica e geográfica, aspirando a um
conhecimento aplicável ao conjunto do desenvolvimento e tendendo para
conclusões, positivas ou negativas, mas válidas para todas as sociedades humanas.
Em síntese: de acordo com Lévy Strauus, os termos etnografia, etnologia
e antropologia não constituem três disciplinas diferentes ou três concepções
diferentes dos mesmos estudos. São, de fato, três etapas ou três momentos de uma
mesma pesquisa, e a preferência por este ou aquele destes termos exprime
somente uma atenção predominante voltada para um tipo de pesquisa, que não
poderia nunca ser exclusivo dos dois outros.
Embora, a pesquisa realizada sobre Etnologia, Etnografia e Antropologia
apresente resultados para suas diferenciações e similitudes, não foi encontrado
nenhum estudo específico sob seu contexto discursivo.
Todavia, a Etnografia como toda produção científica é controlada pelo
Poder (reconhecido saber).
2.7.5 As Letras de Músicas Regionais
O contexto discursivo das músicas regionais da pesquisa realizada não foi
ainda definido. Esta tese não tem por objetivo defini-los e sim tratar de seus textos
para um exame da cultura sul-pantaneira.
Em síntese, este capítulo buscou apresentar as direções teóricas que
foram utilizadas no referido procedimento analítico teórico do item 1.4.4 do capítulo I.
68
CAPÍTULO III
QUEM FOI QUE EXPULSOU O ÍNDIO?
Este capítulo apresenta os resultados obtidos da análise das formas de
representação em língua do texto-base, relativas a seu referente textual - terra sul-
mato-grossense apresenta, também, a partir da segmentação da 1ª questão do
texto-base, seus intertextos e interdiscursos, a fim de responder a questão
selecionada, confrontando formas avaliativas de representação da história da terra
sul-mato-grossense.
3.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA
Quanta Gente ( Zé Du)
Quanta gente tanta
De pioneira coragem
Que te buscou Terra Santa
Com festa e dor na bagagem.
Quem foi que expulsou o índio?
Quem lutou com o Paraguai?
Quem derrubou a mata?
Quem cultivou o cultivar?
Quem ganhou um latifúndio?
Quem veio para trabalhar?
Viu tanto trecho de Campo Grande
69
Grande de admirar
Quem não te viu Bonito
As águas claras de um rio
Um peixe, um tucano, uma onça
Tatu onde é que tu tá?
Tanta gente quanta
Hoje sorri no teu colo
Nem sabe da história tanta
Vivida neste teu solo.
O texto-base Quanta Gente traz representado em língua a narrativa
sintética da povoação da terra sul-mato-grossense:
Estrutura textual narrativa:
Enunciado narrativo 1:
Situação Inicial: O passado histórico da região: a população indígena, grandes
extensões de terras com capacidade de produção e beleza natural, presença de
animais, Terra Santa.
Fazer Transformador: A chegada das pessoas de pioneira coragem em busca de
uma vida melhor; lutas para conquista; cultivo desordenado de grãos, derrubada das
matas, etnia variada.
Situação Final: Expulsão dos índios e destruição da natureza, realização econômica,
ignorância da história regional.
Enunciado narrativo 2:
70
Situação Inicial: A terra sul-mato-grossense é representada com valor positivo, Terra
Santa, por palavras hipônimas “Campo Grande”, “grande de se admirar”, “Bonito- as
águas claras de um rio, um peixe, um tucano, uma onça”.
Fazer Transformador: A chegada de pessoas para povoar a região. A representação
em língua tem avaliação positiva; “gente de pioneira coragem”, “que te buscou com
festa e dor na bagagem”.
O fazer desta gente é representado de forma negativa, na medida em que expulsa
os nativos; luta por extensões maiores de terra; causa mortes e prejuízos; depreda a
natureza com a derrubada de matas e ocupa irregularmente grandes extensões de
terra; transforma as terras em latifúndio; a demanda de mão de obra nos latifúndios
para criação extensiva do gado e por vezes para o cultivo de grãos.
Situação Final: A terra sul-mato-grossense é representada por duas metonímias:
• Campo Grande – região da capital do novo Estado; a designação lexical
contém valor positivo pela extensão das terras.
• Bonito – região atualmente turística devido à beleza natural.
Ambas as representações metonímicas são positivas, porém, são construídas em
paradoxos na medida em que ao mesmo tempo contêm valor positivo e negativo:
• Campo Grande
Valor positivo – grande extensão de terra
Valor negativo – grande extensão de terra povoada irregularmente por etnias
diferentes e interesses múltiplos
• Bonito
Valor positivo – beleza natural
Valor negativo – depredação da natureza (tatu, onde tu ta?).
71
A grande quantidade de pessoas de etnias variada que habitam atualmente, a terra
do Mato Grosso do Sul é representada de forma negativa na medida em que
exploram a região e desconhecem a sua história.
• Recursos lingüísticos para a construção textual
Metáforas - O autor representa a terra sul-mato-grossense caracterizada pela
grandeza numérica de pessoas, de extensão de terra e de produtividade econômica.
Tanto a situação inicial quanto a situação final são representadas de forma
metafórica:
Situação Inicial: a terra do Sul de Mato Grosso é representada pela felicidade e a
tranqüilidade dos índios.
Situação Final: a terra do Sul de Mato Grosso é representada pela felicidade e
realização econômica dos que ali chegaram.
Em síntese, as metáforas utilizadas representam sempre a terra sul-mato-grossense
como lugar em que a sua gente é feliz por ser realizada em seus sonhos.
• Os recursos-chave são:
Adjetivação de gente:
Quanta gente tanta (fazer transformador): caracteriza a enorme quantidade de
pessoas de etnias variadas que vieram para a terra sul-mato-grossense com
pioneira coragem.
Tanta gente quanta (situação final): Caracteriza uma quantidade indeterminada mas
numerosa de pessoas que hoje habitam a região de modos diferentes como
latifundiários, trabalhadores, capital estrangeiro, modificadores da natureza de forma
a causar desequilíbrio ecológico.
Inversão silábica geradora de novos sentidos:
• tatu onde tu tá?
72
• tu –metonímia utilizada para representar em língua as terras despovoadas
cobertas de matas e povoadas por uma quantidade pequena de índios.
• Onde tu tá? Com o fazer transformador, as matas foram derrubadas e o
cultivo irregular de pastos e produção de grãos propiciam o
desaparecimento de animais e a depredação da natureza.
• História tanta: tanta – caracteriza a quantidade e os modos diversos de
modificações ocorridas na terra sul-mato-grossense desde a chegada dos
primeiros europeus até o momento atual. Essa caracterização apresenta
paralelismo com gente tanta.
Em síntese, os recursos lingüísticos utilizados representam de forma
paradoxal a terra sul-mato-grossense:
valor positivo: Os habitantes que hoje sorri no teu colo.
valor negativo: Os habitantes que hoje ignoram a sua história: nem sabe da história
tanta vivida neste teu solo.
A partir da representação paradoxal das pessoas que habitam
atualmente, as terras sul-mato-grossenses, o autor representa em língua diferentes
questões que devido à ignorância da história acontecida na região, as pessoas que
lá habitam não conseguem responder.
São estas as questões que foram segmentadas para a busca dos
intertextos em diferentes interdiscursos.
As palavras explicitadas no texto-base, para a construção da narrativa histórica são:
Nomes: “quanta gente tanta”, “pioneira coragem”, “tribos”, “terra santa”, “festa e dor
na bagagem”, “índio”, “Paraguai”, “mata”, “latifúndio”, “Campo Grande”, “grande de
73
se admirar”, “Bonito”, “águas claras de um rio”, “um peixe”,”um tucano”, “uma onça”,
“tatu”, “tanta gente quanta”, “teu colo”, “história santa”, “teu solo”.
Verbos: “te buscou terra santa”, “expulsou o índio”, “lutou com o Paraguai”,
“derrubou a mata”, “cultivou o cultivar”, “ganhou o latifúndio”, “veio para trabalhar”,
“sorri no teu colo”, “viu tanto trecho de Campo Grande”, “te viu Bonito”, “onde tu tá?”,
“nem sabe da história tanta, vivida neste teu solo”.
Pronomes: o pronome mais representativo do texto é “quem”, que equivale à que
pessoa? Esse pronome representa a ignorância da história regional que caracteriza
os atuais habitantes da terra sul-mato-grossense.
3.2 INTERTEXTOS: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS
Este item apresenta um conjunto de intertextos que foram selecionados
entre as letras de músicas regionais pesquisadas. Ao se segmentar o texto-base na
palavra ‘tribos’, insere-se o seguinte intertexto:
3.2.1 Intertexto 1 – Nos mares de Xaraés (Moacir e Chico Lacerda )
No velho Brasil Central
Cerrados e pantanais
Na lenda dos Kadiwéus
Terra e mar de Xaraés.
Antigos donos da terra
Galopando em pêlo nu
Na luta com os “guaicurus”
74
Cavaleiros Guaicurus.
Resistentes de uma raça
Nhandewá e kaiowá
Tupis, Terenas, Guatás
Guaicurus e Paiaguás.
Seus cavalos puro-sangue
Não tem mais toda beleza
“Perpétua paz e amizade”
Com a Coroa Portuguesa.
Na Serra da Bodoquena
“Cem léguas de pasto e mata”
Filho chora e não nasce
No vento dos Kadiwéus.
Resistentes de uma raça
Nhandewá e Kaiowá
Tupis, Terenas, Guatós
Guaicurus e Paiaguás.
Este intertexto 01 progride semanticamente a narrativa histórica das terras
sul-mato-grossenses.
Estrutura textual narrativa:
Enunciado narrativo 01
75
Situação Inicial – Diferentes tribos indígenas com convivência pacífica.
Fazer Transformador - Chegada dos portugueses para a posse de novas terras.
Situação Final – Conflito entre tribos indígenas e paz – amizade dos Kadiwéus com
os portugueses.
Enunciado narrativo 02
Situação Inicial: Luta entre tribos – paz e amizade dos Kadiwéus com os
portugueses.
Fazer transformador: Devastação portuguesa para o domínio das terras.
Situação Final: Confronto e a inimizade dos Kadiwéus, infanticídio indígena.
Este intertexto representa em língua dois grupos sociais indígenas em conflito:
Grupo I: Kadiwéus – são resistentes de uma raça Nhandewá, Kaiowá, Tupis,
Terenas, Guatós, Guaicurus e Paiaguás.
Grupo II: Guaicurus que se separam dos Kadiwéus e passam a lutar contra eles por
não serem amigos da coroa portuguesa.
O intertexto I traz representadas em língua, duas designações:
Pelos brancos: No velho Brasil Central cerrados e pantanais
Pelos índios: Na lenda dos kadiwéus, terra e mar dos Xaraés
O intertexto 01 traz focalizada em língua, a situação final do segundo enunciado
narrativo: o conflito entre tribos, o conflito de índios com portugueses e o infanticídio
indígena.
Recursos lingüísticos para a construção textual
O texto é construído com três recursos lingüísticos - chave:
Retomada por modificação: o uso de segmentos entre aspas: “guaicurus”, “Perpétua
paz e amizade”, “Cem léguas de pasto e mata” .
76
Retomada com repetição: A retomada por repetição realça os grupos sociais
indígenas descendentes de irmãos de uma mesma raça que se tornam inimigos
devido à ação devastadora da Coroa Portuguesa.
Cavaleiros guaicurus: Resistentes de uma raça, Nhandewá e Kaiowá, Tupis,
Terenas, Guatós, Guaicurus e Paiaguás·.
Retomada por modificação: há uma retomada de segmento textual com a mudança
nominal:
• Na lenda dos Kadiweús;
• No vento dos Kadiwéus.
A palavra vento contém semanticamente <<corrente de ar resultante de
variações do peso específico da atmosfera, ar atmosférico que se desloca seguindo
determinada agitação. Nesse sentido, a palavra vento é um recurso metafórico para
representar a mudança territorial constante dos kadiwéus devido às lutas tribais e
após com a coroa portuguesa.
Segmento entre aspas:
Os seguintes segmentos textuais são explicitados com aspas: “guaicurus”, “perpétua
paz e amizade”,“cem léguas de pasto e mata”
O recurso das aspas realça segmentos-chave que contêm implícitos culturais que o
intertexto 1 não explicita, de forma a orientar a pesquisa e a seleção de textos do
discurso da História e Etnografia da terra do Mato Grosso do Sul.
3.2.2 Intertexto 02 – Capim da Ribanceira de Almir Sater e Paulo Simões
Na madrugada e eu na beira da estrada
A lua cheia e minguada e de repente
Apareceu um cavaleiro de bota e chapéu de couro
77
Me lembrando o velho mouro e lá “fiquemos”
Ele e mais eu, cruzou os pés,
“apiou” o seu cavalo,
Deixou a “rédia” num talo de uma roseira sem flor
Diz que seguia pelo mundo
solitário e quebrava todo galho apartando a toda dor.
Quem não ouviu falar
Quem não quis conhecer
Aquele cavaleiro que vive pelas fronteira
Divulgando a reza brava do Capim da ribanceira.
Enquanto o bule de café bulia, a brasa da
fogueira refletia o seu olhar e eu pude ver
que ele sabia coisa até do outro mundo e
Essa noite eu fui aluno do seu estranho poder
Com sete pontas de uma rama trepadeira e uma
Arruda e a piteira o meu corpo ele tocou.
Naquele instante me bateu uma zonzeira e
Duma tosse cuspideira o velhinho me livrou.
E quem não ouviu falar, quem não quis conhecer
Aquele cavaleiro que vive pela fronteira
Divulgando a reza brava do Capim de ribanceira.
O intertexto 03 expande a palavra pioneira coragem do texto-base e tem
por referente o colonizador espanhol “velho mouro” caracterizado pela introspecção
da cultura indígena da cultura indígena.
78
O intertexto 02 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-
mato-grossense focalizando o colonizador espanhol e português “mouro” que veio
da Península Ibérica. O texto está organizado pelo seguinte enunciado narrativo:
Estrutura textual narrativa:
Situação Inicial: O desbravador mouro das terras sul-mato-grossenses.
Fazer transformador: A miscigenação cultural do mouro com o índio nativo.
Situação Final: É o velho mouro solitário caracterizado como curandeiro indígena.
Os autores representam em língua valores positivos atribuídos aos conhecimentos
indígenas para curar pessoas. Nesse sentido, a miscigenação cultural implica o
cancelamento dos traços culturais do mouro para aquisição da cultura indígena
nativa. “Curar com chá do Capim da Ribanceira”.
Os valores negativos são atribuídos ä solidão do velho mouro: “Aquele
cavaleiro que vive pela fronteira divulgando a reza brava do Capim da Ribanceira”.
Em síntese, o referente do intertexto 02 é o colonizador espanhol, o velho
mouro. O foco é projetado nos conhecimentos relativos à cura de doenças por
plantas: capim da ribanceira. O velho mouro é avaliado positivamente como
poderoso e dotado de muito conhecimento, o que lhe propicia uma magia para a
cura de doenças.
Segundo o autor, todas as pessoas que vivem na região sul-pantaneira já
ouviram falar desse curador, e quem ainda não o conhece quer conhecê-lo, pois ele
é objeto de crença com avaliação positiva na medida em que cura males.
É interessante observar que o mouro violento, dominador, conquistador e
guerreiro neste intertexto, está representado pela transformação devido à adesão da
cultura local, em mito de colaborador-curandeiro, dessa forma quem expulsou o
79
índio “colonizador ibérico” garante a preservação da cultura indígena por ser ela
mais forte, na região do Mato Grosso do Sul.
Recursos lingüísticos para a construção textual
O cenário representado em língua expressa uma situação ‘de pouca luz’:
“na madrugada eu na beira da estrada, a lua cheia e minguante, e de repente
apareceu um cavaleiro”.
Adjetivação: Recurso metonímico que caracteriza a figura do colonizador ibérico:
“cavaleiro de bota e chapéu de couro”.
Mito do colaborador-curandeiro: O velho mouro parece ser representado pelo
“fazeres do cavaleiro”:
“cruzou os pés, apiou de seu cavalo, deixou a rédia num talo de uma roseira sem
flor”
Este segmento constrói uma ruptura com a expectativa anteriormente
criada pela chegada de um “cavaleiro de bota e chapéu de couro que lembrava o
velho mouro”.
Os fazeres desse cavaleiro são representados em língua com avaliação
positiva, pois, age como amigo e companheiro, curando o mal presente “na tosse
cuspideira”.
Os autores progridem semanticamente o texto por uma coesão referencial
a saber:
“Um cavaleiro de bota e chapéu de couro”, “velho mouro”, “ aquele
cavaleiro que vive pelas fronteiras divulgando a reza brava do capim da ribanceira”,
“Ele sabia coisa do outro mundo”, “o seu estranho poder com sete pontas de uma
rama trepadeira e uma arruda e piteira, o meu corpo ele tocou”, “duma tosse
cuspideira, o velhinho me livrou”.
80
Pela coesão referencial, tem-se o recurso lingüístico dos autores para
transformar a crueldade do colonizador em mito de colaborador.
As expressões lingüísticas “reza brava, do capim de ribanceira”, contêm
implícito cultural relativo ao conhecimento indígena nativo, para a cura de doenças.
Os autores representam em língua o mito de curadores dos males
atribuindo à fronteira Brasil / Paraguai apenas uma divisão política, na medida em
que o dado cultural do colaborador-curador ultrapassa essas fronteiras: “quem não
quis conhecer aquele cavaleiro que vive pela fronteira divulgando a reza brava do
capim da ribanceira”.
O movimento do curador que se desloca espacialmente pela fronteira
deixa implícito o movimento de “Ir e Vir” que caracteriza um aspecto importante da
cultura sul pantaneira.
3.2.3 Intertexto 03 – Boieiro do Nabileque de Almir Sater e João Ba
Vai boieiro, rio abaixo
Vai levando o gado e a gente
O sal grosso e a semente
Eh! Porto de Corumbá
O amor, toda beleza
Como canto de nobreza
Deslizar navegar na água
Eh! Rio Paraguai
Rio acima, peixe bom
Passarada, matagal
Velho bugre entoando
81
Seu antigo ritual pantaneiro.
O intertexto 03 expande a palavra Paraguai do texto-base, retomada
como Rio Paraguai. Este rio é o referente do texto focalizado no seu movimento de
rio abaixo e rio acima pelas embarcações que nele transitam, de forma a retomar um
aspecto cultural do Pantanal sul-mato-grossense ou seja, “o Ir e Vir”.
O intertexto 03 progride semanticamente, de forma descritiva um estado
de ‘coisas” que tem aspecto permansivo para o transporte realizado no Pantanal.
Essa descrição focaliza o momento atual da movimentação de produtos
transportados pelos navios-boieiros no Rio Paraguai. A descrição é construída no
intertexto 03 por dois grandes blocos descritivos:
Segundo Marquesi (1996), o esquema textual descritivo é definido por um
conjunto de blocos descritivos ligados entre si por uma ancoragem semântica que se
define como um fio condutor textual.
Estrutura textual descritiva:
Bloco 1: rio abaixo – O boieiro leva gado, a gente, o sal grosso e a semente para o
Porto de Corumbá.
Os produtos transportados são representados de forma positiva: “o amor”, “toda
beleza”, ”como canto de nobreza”, deslizar, navegar na água Eh! Rio Paraguai.
Bloco II: rio acima - O boieiro sobe atravessando outros pantanais. De forma
implícita, os outros pantanais são representados como um todo em relação às suas
partes por Pantanal, na medida em que é visto como um único Pantanal.
No “rio acima”, o misticismo das crenças é representado em língua por “peixe bom,
passarada, matagal e velho bugre entoando seu antigo ritual pantaneiro”.
Recursos lingüísticos para a construção textual.
82
Os dois blocos descritivos estão ancorados no “Ir e Vir” do boieiro e cada bloco é
assim caracterizado:
Bloco I: “Ir”- transporte das mercadorias para o porto de Corumbá que representa
com valor positivo a produção de riquezas do Pantanal.
Bloco II: “Vir”-retorno ao Pantanal representado com avaliação positiva da natureza e
a presença do velho bugre. Com o recurso lingüístico da seleção das palavras “velho
bugre entoando seu antigo ritual pantaneiro”, os autores representam com valor
positivo, o Pantanal:
Velho bugre: a designação bugre contém vocabularmente <índio selvagem do Brasil,
ferozes, e não civilizados>. O substantivo “bugre” está adjetivado por “velho, antigo,
ancestral” que se mantém no momento descritivo atual.
O sintagma “velho bugre” em sua relação inter-lexias como palavras do
texto contém o implícito cultural da cultura indígena local que é representada com
valor positivo em suas raízes históricas até a contemporaneidade atual pelo seu
antigo ritual pantaneiro”.
Embora o conteúdo vocabular da designação “bugre” seja <homem
selvagem, grosseiro>, nas relações interlexicais das palavras do texto, há
ressemantização de forma a se opor à visão de mundo do dominador branco, pois o
misticismo do Pantanal é representado pelo segmento textual “velho bugre entoando
seu antigo ritual pantaneiro”, que progride de forma coesiva “peixe bom”,
“passarada”, “matagal” que são designações que contêm avaliação positiva.
Dessa forma, o velho bugre caracteriza um papel na estrutura social do
Pantanal do Mato Grosso do Sul. A sua ação apresenta similitude com a vivência
solitária do velho mouro do intertexto 02.
83
Nesse sentido, pela intertextualização “velho mouro” assemelha-se ao
“velho bugre”. Ambas as designações são relativas a implícitos culturais, na medida
em que há, para ambas, uma ressemantização, pois elas designam um depositário
das tradições indígenas ainda presentes na região e que permanecem no branco
com valor positivo.
Os resultados das análises realizadas com as letras das músicas
intertextualizadas com o texto-base e apresentados anteriormente indicam que:
1. São atribuídos valores positivos à tradição cultural dos índios nativos
da região pantaneira.
2. São atribuídos valores negativos à fronteira estabelecida politicamente
entre Brasil/Paraguai.
3. São atribuídos valores positivos aos colonizadores que abandonam
sua cultura nativa e aderem às tradições da cultura indígena local.
Os resultados obtidos das análises indicam também, que as raízes
históricas do marco de cognição social do pantaneiro estão presentes nas
representações em língua das letras musicais analisadas de forma que o “velho”
constrói o “novo” a partir da cultura local para representar a Guerra do Paraguai, a
fronteira Brasil/Paraguai, a navegação do Rio Paraguai, os colonizadores europeus
ibéricos europeus.
Em síntese, estes resultados indicam que há ressemantização de
vocábulos enquanto lexia dicionarizada pela instituição colonizadora, pois valores
negativos dicionarizados são ressemantizados como valores positivos pelas
interlexias dos textos musicais, como por exemplo: “mouro,” e “ bugre”.
84
A ressemantização constrói significações novas mantendo, os valores
culturais indígenas nativos, de forma a construir nas letras musicais, uma simbologia
para o Pantanal.
Logo, os resultados obtidos indicam que, pela intertextualização há
progressão semântica, para se opor à cultura do branco dicionarizada e retomar
valores tradicionais da cultura indígena.
Conclui-se que o índio foi expulso para rio acima e ele é representado em
língua pelo “velho bugre que entoa rituais antigos pantaneiros”, embora tenha
deixado uma raiz “sonhos guaranys”, presentes em um conjunto de pessoas
miscigenadas etnicamente, caracterizadas culturalmente pelas crenças indígenas
locais.
3.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Foram selecionados como interdiscursos, o discurso da Geografia, da
História e o da Etnografia, por serem representativos dos discursos
institucionalizados pelo Poder da Ciência.
A seguir são apresentados os seguintes discursos científicos:
3.3.1 O interdiscurso 1: Discurso da Geografia
Foram selecionados, para análise, dois textos do discurso da Geografia, a
partir de segmentos do texto-base e de seus intertextos, já apresentados, no item
3.2. Os intertextos foram selecionados em 30/09/2004, no site www.corumba.com.br
85
e são de autoria de Paulo César Boggiani, professor da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul.
3.3.1.1 Intertexto 04 – A Planície e os Pantanais
Os intertextos apresentados, no item 3.2 de músicas regionais foram
segmentados, a partir das palavras: “terra, Campo Grande, Bonito, rio, Mato Grosso,
fronteira Brasil-Paraguai, porto de Corumbá, rio acima e rio abaixo, velho Brasil
Central, cerrados, pantanais, terra e mar de Xaraés, serra da Bodoquena”.
O intertexto 04 expande semanticamente informações relativas à região
designada Pantanal:
O Pantanal constitui extensa área plana, com altitudes que variam de 80 a
150 m acima do nível do mar, circundada por planaltos escarpados, situada
no centro da América do Sul. A planície pantaneira apresenta área
aproximada de 140.00 km quadrados, que equivale uma vez e meia ao
tamanho de Portugal.
[...] A principal característica desta região é a de estar sujeita a inundações
periódicas. Isto ocorre porque, de norte para sul, o Rio Paraguai, que constitui
o principal escoadouro e regulador das cheias, tem declividade praticamente
inexpressiva, o que dificulta o escoamento das águas.
[..] Apesar das inundações alternadas com intervalos de seca, o clima do
Pantanal é semi-árido, comparável ao da Caatinga Nordestina. Suas águas
têm origem principalmente nas partes altas, nas cabeceiras dos rios e a
inundação desce lentamente rumo ao Sul, como a gigantesca e vagarosa
onda. Desta forma, apesar do período chuvoso compreender os meses de
86
dezembro a fevereiro, é nos meses de maio a julho que as chuvas atingem o
seu nível máximo na planície.
O que se denomina Pantanal são paisagens diversificadas dentro da planície,
ou seja, o Pantanal, na verdade, distintos relacionados principalmente às sub-
bacias hidrográficas do Rio Paraguai. Desta forma temos, de norte para o sul,
o Pantanal do Jauru-Paraguai, Pantanal do Cuiabá, Pantanal do Itiquira-São
Lourenço, Pantanal do Taquari, Pantanal do Paiaguás, Pantanal do Rio
Negro, Pantanal do Miranda-Aquidauana e Pantanal do Jacadigo-Nabileque.
No Pantanal do Miranda-Aquidauana, por exemplo, parte das águas do Rio
Miranda tem origem na Serra da Bodoquena, onde o maciço calcário contribui
com grande quantidade de carbonato de cálcio dissolvido, fornecendo, assim,
o característico gosto salobro de suas águas.
No Pantanal, as feições de relevo apresentam também toda uma terminologia
popular. Alguns termos são curiosos como a denominação “cordilheiras”,
empregada para os cordões arenosos de um a dois metros de altura,
elevados da superfície pantaneira, encontrados geralmente circundando
baías. A denominação baía é empregada como sinônimo de lagoa e as
drenagens são conhecidas como vazante. Já os corixos, ao contrário das
vazantes, são canais de drenagem permanente, bem delimitados e
entalhados na planície arenosa. As superfícies das cordilheiras e capões
(porções elevadas circulares) são geralmente arborizadas e dificilmente
atingidas pelas cheias normais, servindo assim de refúgio à fauna silvestre e
ao gado.
Este intertexto se opõe ao intertexto 01, “Nos mares de Xaraés” na
medida em que, pela descoberta cientifica atual, o Pantanal é representado como
uma planície interna descrita por um conjunto de outras sub-planícies.
87
Não se trata de mar, mas sim de uma depressão geológica que é
inundada com intervalos de seca durante o período anual e a sua água de gosto
salobro, resulta de uma grande quantidade de carbonato de cálcio dissolvido do
maciço calcário.
As diferentes bacias hidrográficas são do Rio Paraguai e recebem
designações diferentes dependendo da região geográfica inundada, embora todas
elas tenham clima semi-árido. O autor opõe-se, também, às anteriores designações
atribuídas ao relevo geográfico regional:
• “O que se denomina Pantanal são paisagens diversificadas dentro da
planície, o Pantanal é um conjunto de pantanais distintos relacionados
às sub-bacias do Rio Paraguai”;
• “No Pantanal, as feições de relevo apresentam, também, toda uma
terminologia popular.
Alguns termos são curiosos, como a denominação cordilheira.“A
denominação cordilheira empregada para os cordões arenosos de 01 a 02 metros
de altura”. “A denominação baia é empregada como sinônimo de lagoa e as
drenagens são conhecidas como vazantes”.
A organização do intertexto 04 segue o esquema textual descritivo (cf
Marquesi, 1996). Seus blocos estão ancorados na descrição geológica.
Segundo esta tese, a ancoragem é vista pela focalização dada no
referente pelo seu produtor. Nesse sentido, o referente textual é Pantanal, focalizado
na sua constituição histórico-geológica.
O referente textual é a região designada genericamente Pantanal e os
blocos descritivos são:
88
Estrutura textual descritiva
Bloco 1: A extensão da região pantaneira.
Bloco 2: As características da planície pantaneira.
Bloco 3: O clima do Pantanal e suas inundações.
Bloco 4: O Pantanal como um conjunto de pantanais distintos relacionados,
principalmente, as sub bacias do Rio Paraguai.
Bloco 5: A Divisão dos pantanais.
Bloco 6: O Relevo no Pantanal.
3.3.1.2 Intertexto 05 - O Mito
Este intertexto progride semanticamente o intertexto 01 Mares de Xaraés
de forma opositiva, na medida em que opõe os conhecimentos culturais regionais
com a descoberta científica do geólogo.
Muita gente ainda pensa que o Pantanal foi um antigo mar interior. Isto ocorre
em função de ser uma região muito plana e deprimida, com inúmeras "lagoas
salinas". Antigamente, nos primórdios de sua exploração, meados do século
XVI , acreditava-se que a região era um imenso lago de água doce, o qual o
historiador alemão Schmidel batizou, em 1555, como Lago dos Xaraés, em
referência a uma tribo indígena que habitava a região. Esta denominação
continuou sendo empregada mesmo após a constatação de que não se
tratava de um lago e sim de uma planície sujeita a inundações. Foi apenas no
começo deste século que a região passou a ser conhecida como Pantanal,
denominação também imprópria, uma vez que não se trata de uma região
permanentemente alagada e muito menos de um pântano, como o nome
89
pode sugerir. O mito de que no Pantanal já havia existido um mar teve grande
repercussão na década de trinta, evocado pelos defensores da idéia de que
nele existiriam grandes reservas de petróleo, em continuidade às jazidas
petrolíferas da Bolívia. Àquela época, em 5 de dezembro de 1936, foi
publicado nos jornais de São Paulo um manifesto da Companhia Mato-
grossense de Petróleo que relacionava uma série de argumentos favoráveis à
tese da existência de petróleo no Pantanal. Um dos principais líderes deste
movimento foi o escritor e político Monteiro Lobato que, até mesmo nas suas
famosas publicações infantis, ajudou a difundir a idéia errônea de que ali
havia existido um mar interior, posteriormente soterrado por sedimentos
provenientes dos Andes.
Investigações geológicas na área, empreendidas tanto pelo antigo Conselho
Nacional do Petróleo como pela PETROBRÁS (década de 60), não
demonstraram a existência de petróleo e muito menos qualquer evidência da
presença de ingressões marinhas na região. As abundantes conchas
encontradas são de água doce e as "lagoas salinas" apresentam, na verdade,
águas bicarbonatadas, não tendo nenhuma relação com a água do mar.
Este texto é organizado pelo esquema textual opinativo que atribui valores
negativos às tradições culturais que representam o Pantanal como o mar dos Xaraés
e valores positivos à descoberta científica institucionalizada pelo discurso científico.
Assim sendo tem-se a seguinte relação opinativa:
Conhecimento regional tradicional 1:
O Pantanal foi um antigo mar interior, uma região muito plana e deprimida com
inúmeras lagoas salinas. Antigamente, nos primórdios de sua exploração, meados
90
do século XVI, acreditava-se que era um imenso lago de água doce, o qual o
historiador alemão Schmidel, batizou em 1555, como Lago dos Xaraes.
Opinião do autor: “Esta denominação continuou a ser sendo empregada mesmo
após a constatação de que não se tratava de um lago e sim de uma planície sujeita
a inundações”.
Conhecimento regional tradicional 2:
Apenas no começo deste século (XX), a região passou a ser conhecida como
Pantanal.
Opinião do autor: “Denominação também imprópria, uma vez que não se trata de
uma região permanentemente alagada e muito menos de um pântano como o nome
pode sugerir”.
Conhecimento regional tradicional 3:
Houve grande repercussão, na década de 30, sobre o mito de que no Pantanal já
havia existido um mar; este fato foi evocado pelos defensores da idéia de que nele
existiriam grandes reservas de petróleo, em continuidade às jazidas petrolíferas da
Bolívia.
Opinião do autor: “O escritor e político Monteiro Lobato ajudou a difundir a idéia
errônea”.
O Conselho Nacional de Petróleo como pela PETROBRÁS (década de 60) “não
demonstraram a existência de petróleo e muito menos qualquer evidência de
ingressões marinhas na região.
Conclusão do autor: “As abundantes conchas encontradas são de água doce e as
salinas apresentam água bicarbonatadas não tendo nenhuma relação com a água
do mar”.
91
Em síntese, os resultados obtidos da análise dos intertextos do discurso da
Geografia indicam que a progressão semântica, decorrente das descobertas
científicas da região do Pantanal do Sul de Mato Grosso são opositivas em relação
aos conhecimentos regionais tradicionais culturais que estão explicitados nos
intertextos analisados de músicas regionais.
As opiniões com valores negativos para representação das tradições culturais
regionais estão sustentadas pelo Poder científico que controla os conteúdos que tem
acesso ao público.
3.3.2 O interdiscurso 02: O discurso da História
Os intertextos apresentados, no item 3.2 de músicas regionais foram
segmentados, a partir de três elementos referenciadores: Guaranis, Guaicuru e
Paiaguás.
Guaranis: “índole pacífica apesar de guerreira, facilmente aceitou a
convivência com os conquistadores espanhóis e portugueses, tornando-se seus
colaboradores na colonização de partes do Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai, era
um povo amoroso com a família, sedentário, dedicou-se à caça, pesca, extração de
frutos silvestre, erva mate, conhecia a cerâmica, confeccionava vasilhames
domésticos.”
Chaquenho bolivianos e paraguaios: destaca-se o destemido Guaicuru:
“cavaleiros, orgulhosos, crentes em se constituírem um povo superior, assaltantes;
invasores, posseiros de terras, ladrões de ouro, aliados dos Paiaguás para se
defender da colonização portuguesa e dos ataques ferozes dos bandeirantes que
escravizavam índios para servir-se de mão de obra.”
92
Paiaguás: canoeiro, nômade, senhor absoluto da bacia paraguáica e
aliados dos guaicurus.
Foi selecionado o intertexto 06 da obra História de Mato Grosso do Sul de
Rodrigues J. Barbosa , São Paulo: Editora do Escritor, 1993, p.14-21.
Este intertexto expande semanticamente o intertexto 01 Mares de Xaraés
ao abordar novas tribos indígenas situadas nas diferentes margens do Rio Paraguai
e se opõe, na medida em que aborda os índios guaicurus avaliando-os de forma
negativa pelos seus fazeres: posseiros de terras de outros índios, ladrões de ouro,
costumes diferentes adquiridos há séculos em lutas com outras tribos, cavaleiro “de
posse de tal transporte, o Guaicuru encontrou maior facilidade na luta contra as
tribos espalhadas pelo planalto e pela baixada”
No intertexto 01, os Guaicurus são avaliados positivamente como
cavaleiros corajosos e resistentes que se opuseram à Coroa Portuguesa.
3.3.2.1 Intertexto 06
O povo Guarani
[..] Constitui um dos maiores grupos indígenas que habitava vasta extensão
da América do Sul, De índole pacífica, apesar de guerreira, para com os seus
vizinhos , facilmente aceitou a convivência com os conquistadores espanhóis
e, mais tarde com portugueses. Era um povo de estatura mediana, amoroso
para com a família, principalmente com as crianças. Sedentário, dedicava-se
à lavoura, à caça, à pesca, e à extração de frutos silvestres. Conhecia a
cerâmica, confeccionando vasilhames domésticos adornados com pinturas
primárias.
93
No Mato Grosso do Sul, dezenas de tribos do povo Guarani ocupavam as
margens dos rios desde o Paraná até o Miranda e do Paraguai ao Apa.
(..) A colonização de partes do Brasil, da Argentina, da Bolívia e do Paraguai
contou com a colaboração da gente guarani. Até os nossos dias este último
país ostenta a influência guaranáica no sangue de sua gente que conserva
viva a língua, mesclada de vocábulos espanhóis, desses primitivos
habitantes.
[..] A erva-mate, herdada dos primitivos habitantes da terra, ainda é
consumida pelos habitantes do Rio Grande do Sul e Paraguai sob as formas
de chimarrão e tereré. O nhanduti, magnífica renda tecida artesanalmente em
muitos lares paraguaios, que encanta pela beleza de sua arte, constitui
herança do povo guarani.
[..] A decadência do povo guarani, em Mato Grosso do Sul, com o
conseqüente desaparecimento de suas tribos, foi ocasionada primeiramente
pelas entradas dos bandeirantes paulistas à procura de braço escravo.
Calcula -se que somente da província de Guairá, ainda nos estados de São
Paulo e Paraná, foram arrebanhados 100 mil homens.
O povo Guaicuru.
Rarefeita que fora de gente guarani a região compreendida pelo atual estado
de Mato Grosso do Sul, em virtude das sangrentas entradas dos mamelucos
de Piratininga, chefiados primeiramente por portugueses e posteriormente por
paulistas seus descendentes, o rio Paraguai passou a ser transposto por
tribos outrora fixadas na região do Chaco paraguaio e boliviano, possuidoras
de índole bravia e costumes diferentes, adquiridos, por séculos, em luta em
território até hoje paupérrimo e feraz. Aos poucos a Guaranilândia foi sendo
invadida pelos chaquenhos, destacando-se em pouco tempo o destemido
Guaicuru que, apossando-se da terra, deu expansão ao seu espírito de
conquista secularmente contido nas extensas e ardentes planícies que se
94
estendem além da corrente paraguaia até as encostas das elevações
andinas.
Crente na lendária origem de sua gente, o Guaicuru assalta inúmeras tribos
sedentárias, impondo-lhes um regime de suserania, sendo estas obrigadas a
fornecer-lhe alimentos e tecidos para o seu abrigo, sob pena de serem
escravizados, aumentando a sua horda.
[..] Orgulhosos, crentes que se constituíam um povo superior, procuravam
dominar os povos vizinhos -Caiapó, Guató, Caiuá, Guaná, Bororo,etc com os
quais viviam sempre em luta.
O aparecimento do cavalo, introduzido na América do Sul pelos espanhóis no
século XVI, em 1535, modificou em futuro não muito distante os hábitos dos
Guaicurus. Enquanto para outros povos indígenas o cavalo surgira como uma
nova caça, para o Guaicuru constituiu um meio de transporte rápido.
De posse de tal meio de transporte, o Guaicuru encontrou maior facilidade na
luta contra as tribos espalhadas pelo planalto e pela baixada, as quais foram
sucessivamente submetendo-se às suas imposições, inclusive fornecendo-lhe
“escravos”, mulheres e crianças que, com o passar do tempo, tratadas
condescendentemente, se ambientavam vivendo como se Guaicuru tivessem
nascidos.
Quando o ouro de Cuiabá foi descoberto, e as Monções começaram a singrar
as águas do Paraguai e seus afluentes, o Guaicuru se aliou ao terrível
Paiaguá, senhor quase absoluto da bacia paraguáica, cujas águas cortava
com as suas igaras, ligeiras canoas feitas de grossas cascas de árvores. Os
“monçoeiros” nas suas idas e vindas de São Paulo a Cuiabá e vice-versa,
quase sempre eram vítimas dos ataques inesperados e às vezes destruidores
dos aliados Guaicuru-Paiaguá que lhes infligiam pesadas perdas, estimulados
que eram pelos espanhóis do Paraguai que lhes compravam o ouro
apresado.
95
Fortes militares e pequenos povoados fundados por esses dois povos
conquistadores, eram, freqüentemente, assaltados pelo Guaicuru ou pelo
Paiaguá que lhes não davam sossego. Senhores absolutos das regiões que
habitavam- no Planalto, o Guaicuru cavaleiro e na Baixada o Paiaguá
canoeiro- eram forças que se antepunham à penetração pacífica dos
conquistadores que eram obrigados ao emprego de armas de fogo contra os
primitivos donos da terra.
O povo Paiaguá
[..] O Paiaguá canoeiro praticamente vivia sobre as águas do Paraguai, dentro
de suas canoas, desde o limite das terras do Guaicuru até o fecho dos
Morros, no atual município de Porto Murtinho. Era nômade. Nas suas
embarcações, manejadas com rapidez, excursionava até a foz do Paraná e
subia até a região das grandes lagoas (1993,p.14-21).
Este intertexto é organizado pela narrativa histórica das tribos indígenas
do Pantanal do Sul de Mato Grosso e envolve a vida das tribos que povoavam a
região do Mato Grosso do Sul, antes e após a chegada dos brancos europeus.
O intertexto não é uma simples narrativa de ações seqüenciadas no
tempo, mas caracterizada por mudanças importantes de estado e ações e
categorizadas por uma estrutura de enunciados que explicitam o percurso gerador
de sentidos: a representação dos povos indígenas x europeus que habitavam a
região que hoje é Mato Grosso (Sul e Norte)
O referente do texto são os povos indígenas representados em sua
progressão semântica do intertexto 01, por uma narrativa histórica.
Estrutura textual narrativa
96
Enunciado narrativo 01
Situação Inicial: Sedentários, amorosos e pacíficos povoando uma das margens do
Rio Paraguai.
Fazer transformador: A chegada dos colonizadores iberos.
Situação Final: Os guaranis colaboradores da colonização das terras pelos iberos.
Enunciado narrativo 02
Situação Inicial: Os guaranis colaboradores da colonização européia.
Fazer transformador: Ações de crueldade praticadas pelos bandeirantes
portugueses e descendentes paulistas com a descoberta do ouro em Cuiabá.
Situação Final: Dizimação do povo guarani por uma grande perda de vidas.
Enunciado narrativo 03
Situação Inicial: Os guaicurus em seus diferentes fazeres na outra margem do Rio
Paraguai e os Paiaguás, canoeiros nômades das águas do Paraguai.
Fazer transformador: A numerosa perda de vidas dos guaranis.
Situação final: As tribos dos guaicurus e paiaguás aliados contra os portugueses
assaltando Fortes Militares e pequenos povoados, deixando os colonizadores sem
sossego.
A seqüência desses enunciados narrativos guia a representação da aliança
Guaicurus-Paiaguás de forma negativa, na medida em que esses índios se opõem à
penetração pacífica dos conquistadores auxiliados pelos colaboradores-guaranis.
O intertexto 06, do discurso da História focaliza o povo guarany em sua
decadência e os guaicurus-paiaguás na resistência à colonização do branco ibérico.
Com relação à ocupação do espaço no MS, as tribos do povo guarani no
Mato Grosso do Sul encontravam-se às margens dos rios: do Paraná ao Miranda e
do Paraguai ao Apa; os guaicurus ocupavam a região do Chaco paraguaio e
97
boliviano e os paiaguás no limite das terras dos guaicurus até os fechos dos Morros,
hoje Porto Murtinho.
Com relação à expressão lingüística gente, contida no texto base, os
Guaranis são representados com:
• valores positivos (+) por terem sido colaboradores dos colonizadores,
como é específico na prática discursiva da História e os
• bandeirantes sendo paulistas são representados com valor negativo (-)
pelo povo guarani, na medida em que o transformou como braço
escravo, propiciando a sua aculturação ou a sua morte.
A mesma prática discursiva representa o povo paiaguás como nômade
tendo suas ações ligadas a um Ir e Vir como canoeiro, sobre as águas do Rio
Paraguai, de forma, a se deslocar desde o limite das terras dos guaicurus até os
Fechos dos Morros, atual município de Porto Murtinho.
É interessante observar que o povo paiaguás é representado de forma
minimizada em relação aos guaranis, pois sendo nômades não foram colaboradores
nem adversários na invasão dos europeus ibéricos e na sua posse de terras.
Já o povo guaicuru é representado com valor negativo (-) por representar
o conquistador tenaz, o dominador; por se aliarem aos paiaguás eram forças que se
antepunham à penetração pacífica dos conquistadores que eram obrigados ao
emprego de armas de fogo contra os primitivos donos da terra.
Do povo guarani é mantida a índole pacífica, do povo paiaguás a
movimentação contínua por canoa nas águas do Pantanal e do povo guaicuru a sua
agressividade, o seu espírito dominador e a sua oposição à conquista dos europeus.
98
É interessante observar que o povo paiaguás é representado pelo traço
cultural sul - mato-grossense no movimento do Ir e Vir, como povo nômade canoeiro
no Rio Paraguai.
De forma implícita, o fazer dos bandeirantes implica também a
representação do traço cultural no movimento “Ir e Vir”.
O povo guarani por ser sedentário é disseminado, embora as suas
tradições culturais tenham permanecido nos atuais habitantes do Mato Grosso do
Sul, a erva mate como forma de tereré e chimarrão, o nhanduti, magnífica renda
artesanal, tecida em muitos lares paraguaios, herança do povo guarani.
O intertexto 06 representa os guaranis como responsáveis pelas raízes
históricas da região, já os guaicurus e os terríveis paiaguás são intertextualizados
com o bugre selvagem e guerreiro que se opôs à colonização européia, com um
conjunto de “fazeres” representados com valor negativo.
É interessante observar que a progressão semântica do intertexto 06 em
relação ao intertexto 01, decorre de uma representação ideológica do Poder-Estado,
pois na cultura do homem sul-mato-grossense, o velho bugre contém implícitos
culturais, assim como os pacíficos guaranis.
Em síntese, os resultados obtidos nas análises do intertexto da História
indicam que a progressão semântica em relação ao texto-base e intertextos das
letras de músicas regionais é realizada por oposição de valores ainda que a
progressão semântica seja feita por complementaridade, como por exemplo, a
focalização das tribos indígenas que povoavam a região sul-mato-grossense.
99
3.3.3 O interdiscurso 03: O Discurso da Etnografia
De forma geral, o discurso científico da Etnografia pode ser definido como
o estudo da cultura dos povos.
Foram selecionados, para análise, dois textos do discurso da Etnografia, a
partir de segmentos do texto-base e de seus intertextos, já apresentados:
Intertexto 07: Barros, Abílio Leite de.Gente Pantaneira (crônicas de sua História) Rio
de Janeiro: Lacerda Editores, 1998, p.196.
Intertexto 08: Proença, Augusto César. Pantanal: Gente, tradição e história. Campo
Grande, MS: Ed.UFMS,1977 p.26.
3.3.3.1 Intertexto 07
O intertexto 07 trata dos índios Guaicurus e Paiaguás de forma a situá-los
como a presença indígena em Mato Grosso do Sul. Este intertexto foi selecionado a
partir de segmentos do texto-base “tribos”, “índio” e do intertexto 01 “Filho chora e
não nasce” “no vento dos Kadiwéus”.
Os guaicurus e paiaguás são nações irmãs, ambas originadas na região do
Chaco paraguaio. Pela semelhança lingüística, informaram os etnólogos,
teriam a mesma origem, o que mais os assemelhava, entretanto era o feroz
espírito guerreiro. Os guaicurus aprenderam com os espanhóis o uso do
cavalo na guerra. Os paiaguás usavam as canoas com o mesmo fim em
guerras de guerrilhas. Enquanto estiveram unidos no combate ao branco
invasor, impediram a progressão dos espanhóis ao norte e dos bandeirantes
a oeste de nossos territórios. Desse bloqueio aos espanhóis teria resultado
100
indiretamente os limites sul dos nossos territórios. No fim do século XVIII, os
guaicurus se aproximaram de portugueses e brasileiros e os paiaguás se
aliaram aos espanhóis.
[..] Em 1940, Max Schmidt, tentando pesquisar a cultura paiaguá, não
encontrou em Assunção mais de quatro índios dessa nação.Deduz-se, assim,
que esse povo guerreiro, famoso em nossa história no século XVIII, já não
estava entre nós no século seguinte. Sempre foram índios paraguaios em
realidade. Assim, distantes no tempo e no espaço, parece claramente que
quase nenhum vestígio cultural terá deixado nos pantanais corumbaenses.
[..] Os guaicurus, o contrário dos aruaques, como sabemos, eram cultores da
guerra, visceralmente um povo agressivo. Combateram violenta e
impiedosamente espanhóis e portugueses como usurpadores de seus
domínios. Eram invencíveis em terra pela habilidade no uso do cavalo.
[..] A decadência dos guaicurus se deu no sentido moral e demográfico. A
decadência moral e política tem muito a ver com o maior contato com os
civilizados-brancos, negros ou mulatos. E o grande veículo dessa degradação
foi o álcool. Ainda no século XVIII, o padre Sanches Labrador fala em
“contínuas bebedeiras” dessas tribos. Quanto à redução demográfica, ela
resultou da sistemática prática do aborto e infanticídio. Raramente se
encontravam, entre os guaicurus casais com mais de um filho. As mulheres
praticavam o aborto sistemático até depois de 30 anos, quando afinal
admitiam o nascimento. Quando não abortavam, praticavam o infanticídio,
matando os recém-nascidos. Era a forma de se manterem em condições de
acompanhar os homens em suas vidas nômades, e se mostrarem mais
atraentes aos seus maridos e amantes; não havia muito ciúme entre os
guaicurus. (1998, p.196-198).
O intertexto 07: é organizado por enunciados narrativos:
101
Estrutura textual narrativo
Enunciado narrativo 01
Situação Inicial: Guaicurus e Paiaguás, nações irmãs na região do Chaco Paraguaio,
ferozes com espírito guerreiro.
Fazer transformador: Chegada dos espanhóis com o cavalo.
Situação Final: Guaicurus - hábeis cavaleiros e os Paiaguás - hábeis canoeiros para
defesa de suas terras, impedindo a progressão dos espanhóis ao norte e dos
bandeirantes a oeste do Pantanal sul-mato-grossense.
Enunciado narrativo 02
Situação Inicial: Guaicurus e Paiaguás guerreiros unidos na defesa de seus
territórios.
Fazer transformador: A entrada de portugueses e brasileiros no fim do século XVIII.
Situação Final: Guaicurus com portugueses e brasileiros e os Paiaguás com os
espanhóis.
Enunciado narrativo 03
Situação Inicial: Guaicurus com portugueses e brasileiros e Paiaguás com os
espanhóis.
Fazer transformador: A colonização espanhola no Paraguai.
Situação final: Em 1940, apenas quatro índios Paiaguás em Assunção, deixando
pouco vestígio cultural nos pantanais corumbaenses.
Enunciado narrativo 04
Situação Inicial: Os Guaicurus guerreiros agressivos na defesa de seus territórios.
Fazer transformador: Espanhóis e portugueses em busca do domínio das terras
ludibriando os Guaicurus com ações não guerreiras.
102
Situação Final: Decadência moral dos Guaicurus pela degradação pelo álcool.
Enunciado narrativo 05
Situação Inicial: Os Guaicurus ferozes guerreiros com deslocamento espacial rápido
devido ao uso do cavalo.
Fazer transformador: As mulheres guaicurus acompanhavam seus maridos no
deslocamento temporal, mantendo-se desejáveis por eles.
Situação Final: Disseminação da raça guaicuru pelo aborto e infanticídio materno.
O intertexto 07 progride o intertexto 01 por complementaridade, no que se
refere ao aborto e ao infanticídio entre os guaicurus, embora progridam os Paiaguás
como “resistentes de uma raça”. Todavia, apresenta oposição ao que se refere aos
“resistentes de uma raça”, na medida em que os enunciados narrativos do intertexto
07 apresentam uma progressão semântica para o extermínio tanto de Guaicurus
quanto de Paiaguás.
Logo, ambas as nações foram disseminadas por espanhóis, portugueses
e brasileiros que são apresentados de forma implícita como “mais poderosos
guerreiros para a posse de territórios”.
As representações em língua explícitas nesse intertexto da etnografia,
apresentam:
• valor positivo para os guerreiros Guaicurus e Paiaguás na medida em
que estes ao impedir a progressão dos espanhóis ao Norte e a dos
bandeirantes a Oeste construíram as linhas divisórias dos territórios
sul-mato-grossenses.
• valor negativo para os guerreiros Guaicurus e Paiaguás pois embora
ferozes guerreiros foram vencidos pelos europeus. Os Guaicurus foram
103
exterminados como raça tanto pelo álcool quanto pelo aborto e
infanticídio praticado pelas mulheres.
As mulheres Guaicurus são representadas com valor negativo na medida
em que praticam o aborto e o infanticídio para se manterem atraentes e
acompanharem seus maridos, de forma a romper com a representação cultural de
família.
Barros deixa explicitado nesse intertexto, que ambas as nações
Guaicurus e Paiaguás quase não deixam vestígios culturais nos pantanais
corumbaenses. Todavia, o intertexto 06 do Discurso da Geografia traz representado
em língua o mito do Pantanal, lago ou mar dos Xaraés que se mantém vivo até hoje
em nossa cultura embora seja combatido pelo discurso cientifico da região. Um outro
dado cultural é relativo ao traço “Ir e Vir” do homem sul-pantaneiro com a presença
da canoa de raízes históricas paiaguás e do cavalo com suas raízes históricas
guaicurus.
O intertexto 07 propicia responder à questão: Quem foi que expulsou os
índios?
Os índios Guaicurus e Paiaguás não foram expulsos e sim exterminados
pelos portugueses e espanhóis como raça, ao se aliarem a eles.
3.3.3.2 Intertexto 08
O intertexto 08 foi selecionado a partir de segmentos do texto-base
“tribos” e “índios”, e dos demais intertextos que explicitam palavras relativas ao povo
nativo indígena nativo do Pantanal.
104
Sejam quais forem os caminhos percorridos pelos homens pré-
históricos que chegaram ao Pantanal, o certo é que os índios legaram
à terra muitas contribuições, até hoje manifestadas na dança, música,
culinária e nas demais expressões culturais do folclore pantaneiro.
[..] introdutores de lendas, costumes que haveriam de ficar enraizados
na cultura do novo mato-grossense e, além disso, tiveram papel
fundamental na formação histórica e territorial da então esquecida
Província, abrindo picadas, ensinando o caminho aos civilizados, com
os quais algumas tribos mantiveram contato pacífico, subjugando-se a
eles como besta de carga, servindo de instrumento às ambições de
conquista, submetendo-se a uma triste e vergonhosa escravidão.
[..] Por toda a parte ficaram vestígios da presença indígena. Nas lendas
que criaram sobre bolas de fogo, enterros luminosos, luzes aparecendo
em cima das matas e nas superfícies das baías e dos rios, objetos
redondos que julgavam ser panelas descendo para raptar criancinhas e
os velhos a fim de levá-los para o céu. Nos campos que os guaicurus
galopavam em manobras guerreiras. Nos casos de cerâmica dos
bororós e zagaias utilizadas pelos guatós em caçadas de onças. No
sangue dos vaqueiros que campeiam a planície, enfim, em tudo foram
deixando marcas de tal forma que, até hoje, ainda resta um eco das
antigas vozes se levantando em homenagem ao canto e ao vôo das
caracarás.
Havia entre eles e a natureza uma espécie de tratado de paz, que só
se quebraria coma chegada dos brancos, penetrando com a
imprudência das canoas, invadindo campos que lhes pertenciam,
105
usando a força das armas para subjugá-los. E dessa quebra de
vínculos com a natureza resultou o enfraquecimento das tribos que,
vítimas do domínio dos colonizadores, perderam suas liberdades, seus
valores e entregaram-se à cachaça, á fome e ao extermínio das balas.
( 1977, p. 26)
Este intertexto é do tipo opinativo e defende uma tese justificada por um
conjunto de argumentos:
Estrutura textual opinativa
Tese: Os indígenas nativos do Pantanal deixam traços culturais na miscigenação
étnica dos que para lá foram.
Justificativa: Argumentos de probabilidade:
Argumento 1: Legaram à terra muitas contribuições até hoje manifestadas na dança,
musica, culinária e nas demais expressões culturais do folclore pantaneiro”.
Lendas: “bolas de fogo, enterros luminosos, luzes, objetos redondos”.
Costumes: “cerâmica dos bororos e zagaias dos gados, o campear dos vaqueiros”.
Regra de causalidade: Os índios nativos do Pantanal foram subjugados, humilhados
e exterminados, embora, no seu contato com o branco tenha deixado formas de
conhecimento culturais.
O intertexto 08 progride semanticamente tanto o texto-base quanto os
intertextos de músicas regionais, mas se opõe ao intertexto 08 ao defender a tese da
presença cultural indígena nas crenças sul-pantaneiras.
Este intertexto traz representado em língua, diferentes valores relativos ao
branco e ao índio nativo:
106
• Valor positivo atribuído ao índio, representado como colaborador do
branco para facilitar a sua penetração na região e respeitador da
natureza, convivendo em paz com ela.
• Valor negativo atribuído ao índio, representado pela quebra de vínculos
com a natureza, após ser subjugado pelo branco pois “perdendo suas
liberdades, seus valores, entregaram-se à cachaça, à fome ao
extermínio das balas.
O intertexto 08 traz representado em língua, valores atribuídos aos
colonizadores brancos:
• Valor negativo na representação do colonizador como subjugador e
exterminador do povo nativo.
• Valor positivo atribuído ao colonizador por ter a posse das terras
tiradas dos indígenas, de forma a representá-los como frágeis e fracos,
na medida em que rompem vínculos com o seu passado.
Os resultados obtidos apresentados, nesse capítulo, relativos às análises
realizadas com o texto-base, seus intertextos e interdiscursos indicam que, embora
os Kadiwéus fossem considerados os antigos donos da terra sul-pantaneira e
compreendessem diferentes tribos indígenas (Intertexto 01 – “Nhandevá, e Kaiowá,
Tupis, Terenas, Guatás, Guaicurus e Paiaguás”), as tribos Guarani, Guaicurus e
Paiaguá recebem realce especial.
107
Os Guaranis, de índole dócil e com similitude de concepção familiar com
os europeus, facilmente foram dominados por eles e tornaram-se seus
colaboradores, permitindo a posse das terras pelo invasor português e espanhol.
Os Guaicurus e Paiaguás de índole guerreira lutaram ferozmente com o
invasor branco e por isso, foram responsáveis por garantir as fronteiras políticas de
Mato Grosso do Sul. Todavia, com o domínio feroz do invasor branco,
progressivamente os guaicurus aliaram-se aos portugueses brasileiros e os
Paiaguás aos espanhóis.
Do contato indígena com o branco invasor resultou o extermínio ou a
redução indígena enquanto etnia. Todavia, esse contato foi extremamente
importante para a construção de novas formas de conhecimento para o invasor
branco ao se deparar com o desconhecido Pantanal.
Dessa forma a questão Quem expulsou o índio? poderia ter a seguinte
resposta:
Os Guaranis foram expulsos para o Paraguai, os Guaicurus e Paiaguás
foram reduzidos ou exterminados. Os responsáveis pela expulsão da etnia indígena
das terras pantaneiras foram os colonizadores europeus: espanhóis e portugueses;
porém as suas raízes culturais permanecem de forma extra-grupal nos diferentes
grupos sociais sul-pantaneiros.
Só foram expulsos os índios que não mantiveram contato pacífico com os
invasores, porque aqueles que o fizeram, permaneceram no território escravizados,
obedientes e aculturados; aqueles que não aceitaram a escravidão foram mortos,
exterminados.
Os índios que mantiveram contato pacífico com os dominadores legam a
eles suas tradições culturais relativas ao Ir e Vir por terra e por água e que estão
108
presentes no boiadeiro e no canoeiro sul-pantaneiro, além de hábitos de sua vida
cotidiana.
No movimento do Ir e Vir, “quem foi”, “foi para ficar”. Após a porteira da
fazenda, o Ir e Vir é o deslocamento do peão pantaneiro nos seus fazeres relativos à
lida pantaneira.
Os resultados obtidos indicam, também, que os interdiscursos das
Ciências Sociais e o discurso musical regional apresentam formas diversificadas
para tratar do mesmo tema: a presença indígena no atual pantanal sul-mato-
grossense.
As diferenças são constatadas pelos valores atribuídos aos mesmos
elementos:
• Nas letras musicais, de forma geral, os nativos indígenas são
representados com valores positivos embora subjugados pelo
colonizador branco.
• Nos interdiscursos das Ciências Sociais, os nativos indígenas são
representados com valores negativos por terem sido subjugados e
exterminados por alianças, por quebra de pacto com a natureza, pela
assimilação descontrolada de hábitos, como o álcool e pelo infanticídio.
• A contribuição para a cultura do homem sul-pantaneiro manifesta-se na
dança, na culinária, nas crenças, nos hábitos cotidianos, e nas demais
expressões culturais do folclore pantaneiro.
109
CAPÍTULO IV
QUEM LUTOU COM O PARAGUAI?
Este capítulo tem como ponto de partida o texto-base, Quanta Gente de
Zé Du e busca por meio de intertextos e interdiscursos responder à questão: “Quem
lutou com o Paraguai”?
4.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA
A resposta buscada para a questão que intitula este capítulo decorre do
segmento do texto-base “Quem lutou com o Paraguai?” Os resultados das análises
do texto-base estão no item 3.1 do capítulo III.
4.2 INTERTEXTO: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS
Este item apresenta um conjunto de intertextos que foram selecionados
entre as letras de músicas regionais pesquisadas. Ao se segmentar o texto-base a
partir da expressão “Sonhos Guaranys” inserem-se os seguintes intertextos:
4.2.1 Intertexto 09 - Sonhos Guaranys (Almir Sater e Paulo Simões)
Mato Grosso encerra
Em sua própria terra
Sonhos Guaranys
Por campos e serras
110
A história enterra
Uma só raiz
Que aflora nas emoções
E o tempo faz cicatriz
Em mil canções
Lembrando o que não se diz
Mato Grosso espera
Esquecer quisera
O som dos fuzis
Se não fosse a guerra
Quem sabe hoje era
Um outro país
Amante das tradições
De quem me fiz aprendiz
Por mil paixões
Sabendo morrer feliz
Cego e o coração que trai
Aquela voz primeira
Que de dentro sai
E às vezes me deixa assim
Ao revelar que eu vim
Da fronteira onde o Brasil
Foi Paraguai
O intertexto 09 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-
mato-grossense focalizando a Guerra do Paraguai. O texto está organizado pelo
seguinte enunciado narrativo.
111
Estrutura textual narrativa
Situação Inicial: Um único território acalentado por sonhos guaranys: “da fronteira
onde o Brasil foi Paraguai”.
Fazer Transformador: Guerra do Brasil com o Paraguai de forma a tomar posse de
terras.
Situação Final: A terra Guarany dividida pela fronteira Brasil e Paraguai: “o tempo faz
cicatriz em mil canções, lembrando o que não se diz.”.
O intertexto 09 assim como o intertexto 01, são letras musicais
construídas pela intenção de seus autores de resgatar, da memória social, as
tradições culturais que caracterizam o Mato Grosso do Sul, na medida em que elas
foram esquecidas ou desconhecidas pelas pessoas que atualmente habitam esta
região.
Os autores representam em língua valores positivos ao território dos
guaranis, os valores negativos são representados pela guerra e pela divisão das
terras guaranis pela fronteira política Brasil e Paraguai sintetizados como:
• Mato Grosso encerra.
• Mato Grosso espera.
A seqüência dos verbos progride a narrativa da Guerra do Paraguai e seu
efeito para as cognições sociais sul-mato-grossenses.
A seqüência “Mato Grosso encerra”, tem por objeto o fato histórico
acontecido que no texto, progride semanticamente, com os segmentos: “a história
enterra”; “uma só raiz que aflora nas emoções”; “o tempo faz cicatriz em mil
canções.”.
112
Essa seqüência de segmentos está sintetizada em: “lembrando o que não
se diz”, através da metáfora “enterra”, e da metonímia “cicatriz”.
Dessa forma “Mato Grosso encerra”, representa em língua, as lembranças
do povo sul-mato-grossense, relativas às suas raízes históricas e que estão
intertextualizadas com as palavras: “Chaco – Guaicurus – Paiaguás”, no intertexto
07, e com “as margens dos rios desde o Paraná até o Miranda, e “do Paraguai até o
Apa”, os Guaranys, no intertexto 06.
Os autores também representam em língua o segmento “lembrando o que
não se diz”, para por intermédio dos textos musicais se referirem aos antepassados
indígenas: Guaicurus e Paiaguás = ferozes guerreiros e Guaranis = índole dócil.
A seqüência “Mato Grosso espera”, representa as formas culturais de
conhecimento que guiam, como raízes históricas do passado, a construção de novas
significações em cada contemporaneidade.
O que “Mato Grosso espera” é esquecer que já foi Paraguai, porém não
pode esquecer porque é aí que se encontram suas raízes históricas, logo “Mato
Grosso encerra” x “Mato Grosso espera” propicia o diálogo entre cultura x ideologia.
A ideologia do ibero controla a definição vocabular da designação “bugre”
<.índio selvagem como: índio selvagem do Brasil>; <nome que se dá, com sentido
depreciativo, aos indígenas ferozes e não civilizados; (fig) homem selvagem,
grosseiro (do fr bougre)>, conforme o Dicionário Brasileiro (1996).
As definições contidas nas predicações vocabulares da designação
“bugre” representam a ideologia do conquistador para caracterizar o conquistado.
Todavia, nas raízes históricas do povo sul-mato-grossense, a expressão
“bugre” traz a representação cultural com valor positivo, pois simboliza o nativo da
113
terra, heróico, defensor de seus direitos e de sua terra que foi violenta e cruelmente
invadida.
O intertexto 09 representa em língua a opinião dos autores a respeito da
atual fronteira Brasil e Paraguai: “Mato Grosso espera esquecer quisera o som dos
fuzis, se não fosse a guerra quem sabe hoje era um outro país”.
Nesse sentido, explicita-se culturalmente “velho bugre” do intertexto 03,
que incorpora novas significações < depositário de coragem e sabedoria>.
Na medida em que o ibero torna-se conquistador do “velho bugre”, este o
conquista culturalmente. E, dessa forma, é possível de se explicitarem significados
culturais para o segmento “velho mouro” do intertexto 02, Capim da Ribanceira.
Conseqüentemente, a opinião explicitada pelos autores do intertexto 09,
tem valor negativo para a divisão territorial política que progride no texto por “cego é
o coração que trai aquela voz primeira” que representa a falta de lembranças dos
ancestrais indígenas.
Os autores representam em língua valores positivos ao território dos
guaranis, já os valores negativos são representados pela guerra e pela divisão das
terras guaranis pela fronteira Brasil e Paraguai, e pelo “não querer ver” suas raízes.
Recursos lingüísticos para a construção textual
O intertexto 09 é construído por:
Metáforas: “Mato Grosso encerra em sua própria terra sonhos guaranys” e “uma só
raiz”. Ambos os segmentos representam metaforicamente a raça indígena que
habitava a terra, atualmente dividida pela fronteira Brasil/Paraguai.
114
A palavra “sonho” tem similitude com o pensamento dominante dos guaranis que
aspiravam à felicidade e a paz em suas terras, por serem de índole dócil, de fácil
convivência.
Metonímias: A palavra “cego” metonimicamente, constrói no texto, o sentido de:
<quem não pode ver, quem não quer ver> que caracteriza os “fazeres”das pessoas
que atualmente, moram na região.
A palavra “raiz” é uma metonímia utilizada pela similitude com a parte inferior da
planta fixada no solo para nutri-la, de forma a designar as bases da povoação da
terra sul-mato-grossense tanto do lado do Brasil quanto do lado do Paraguai.
Este intertexto retoma a palavra Paraguai do texto-base, de forma a
apresentar uma progressão semântica. É interessante inserir, aqui, dados obtidos na
entrevista da pesquisadora com o autor da letra Paulo Simões.
• O momento vivido pelos autores, ao criarem o referido intertexto, é
relativo à visita à fazenda do compositor José Boaventura. A ocasião
proporcionou tanto a leitura atenta da obra “Genocídio Americano” de
Júlio Chiavenatto que traz uma marca opinativa do autor sobre a
Guerra do Paraguai quanto a discussão sobre o episódio conhecido
como Guerra das Malvinas, conflito envolvendo o nosso país vizinho
Argentina e a Inglaterra pela posse das ilhas.
• O momento da criação: obra e episódio foram decisivos para a
construção da opinião textual do autor da letra, que representa com
valor negativo o genocídio indígena na América do Sul, dividindo-a em
fronteiras, dependendo da guerra para a posse de terras, ainda que
houvesse uma cultura unitária guarany além dessas fronteiras.
115
Enquanto forma de conhecimento, o intertexto deixa implícito o
sentimento de reflexão crítica e a necessidade de esquecimento dos fatos que
marcaram a Guerra do Paraguai, a demarcação de terras em nosso Estado e a
consciência da própria origem do povo mato-grossense e sul-mato-grossense.
No entanto, é importante inserir algumas considerações sobre as raízes
históricas do Estado, para que se possam estudar os implícitos culturais de Mato
Grosso do Sul.
Os versos da música Sonhos Guaranys podem ser relacionadas às
considerações da pesquisadora Sá Rosa em sua obra Memória da Cultura e da
Educação em Mato Grosso do Sul (1990, p.53), quando afirma que:
A história de Mato Grosso do Sul estreita semelhanças com a de nosso País. Habitado no século XVI por dezenas de tribos indígenas, vê seu território ser invadido por estrangeiros de diferentes raças e nacionalidades, que aqui buscam a riqueza fácil, não hesitando em aprisionar, escravizar e dizimar os índios.
Sendo assim, poder-se-ia visualizar:
Quadro 6 Valoração cultural
Valor Positivo Valor Negativo • Traz as marcas culturais da miscigenação ocorrida no processo de formação e colonização do povo. • Provoca lembranças e emoções no reconhecimento da própria origem.
• Traz as marcas da violência em busca da posse de terra e do espaço geográfico conquistado e que envolveu guerra, luta, morte, dizimação de índios.
Quadro 7 Mato Grosso é, portanto, representado:
Terra • Campos, serras, país, fronteira, Brasil, Paraguai.
Homem • Aprendiz, “vim da fronteira”. História • “raiz, som dos fuzis, guerra,” tradições.
116
Essas representações em língua referem-se ao percurso daqueles que
fizeram a História, no movimento do “Ir e Vir”, que representa o Estado do Mato
Grosso do Sul.
O intertexto 09 progride semanticamente o texto-base. Todavia, faz-se
necessário buscar outros intertextos para responder à questão: “Quem lutou com o
Paraguai”?
4.3 INTERTEXTOS DOS INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
4. 3.1 O Interdiscurso 01: O Discurso da História
A questão da Guerra do Paraguai é tratada de forma diversificada, por
estudiosos das Ciências Sociais.
Foram selecionados quatro intertextos do discurso da História na busca
de se responder à questão do texto-base analisado: “Quem lutou no Paraguai” ?
O número de intertextos selecionados, neste item, é maior, pois há
oposição de visões teóricas para a representação dessa guerra, de forma, a opor
documentos oficiais, (visão revisionista da Guerra do Paraguai) do historiador com
outros documentos, objeto dos historiógrafos (visão neo-revisionista da Guerra do
Paraguai).
A visão revisionista é relativa à teoria conspiratória inglesa e a neo-
revisionista à teoria de disputas regionais de poder.
Intertextos 10 e 14 – PEREIRA, PATRÍCIA. Briga entre Hermanos. Conspirações,
Outras Versões e Revisionismos. Editora Abril, maio 2005, p. 41.
117
Intertexto 11 e 15 – SQUINELO, ANA PAULA. A Guerra do Paraguai..essa
desconhecida: ensino, memória e história de um conflito secular. Campo Grande:
UCDB, p.19-20,128.
Intertexto 12 e 16 – PINTO, JÚLIO PIMENTEL. Brasil X Argentina: Quase um jogo
de compadres. Revista História Viva. Editoras Segmento e Ediouro. Junho 2006.
p.84 – 87.
Intertexto 13 – CARVALHO, JOSÉ MURILO & SOARES, PEDRO PAULO. Guerra
superou a Independência e a República como fator de construção da identidade
nacional.
http:www.militar.com.br/artigos/artigos2000/guilhaume/histguerraparaguai.ht
acessado em 24/07/2004.
4.3.1.1 O intertexto 10
Segundo Patrícia Pereira, em seu artigo: Briga entre Hermanos, a versão
sobre o conflito disseminado pelos livros didáticos é que o Brasil, a Argentina e o
Uruguai foram usados em uma guerra disseminada pela Inglaterra para arruinar o
Paraguai.
[..] A Guerra do Paraguai se estendeu por mais de cinco anos, de
dezembro de 1864 a março de 1870. Logo que ela terminou surgiram
relatos sobre as batalhas e seus heróis, mas as causas históricas
que motivaram o conflito foram relegadas ao segundo plano. Isso
porque ninguém questionava o fato de o presidente paraguaio
Solano López ter sido um ditador sanguinário e megalomaníaco que
conduziu seu país a guerra sem chances de vitória. Odiado por
todos, López era visto como o grande causador do conflito.
118
[...] Mas foi no final da década de 1960 que a teoria conspiratória
inglesa ganhou força. Intelectuais nacionalistas e de esquerda, com
inspiração marxista, criaram a imagem de López como líder
antiimperialista. O Paraguai era apresentado por esses estudiosos
como uma república autônoma, um país que havia conseguido o
equilíbrio social e o desenvolvimento econômico. Tal condição
representaria uma ameaça para a Inglaterra que perderia uma fonte
de matéria-prima no exterior e um comprador de seus produtos
industriais. Assim, os ingleses teriam manipulado o Brasil e a
Argentina para que destruíssem o Paraguai. (p.38-39)
O intertexto 10 é organizado pelo seguinte enunciado narrativo:
Estrutura textual narrativa
Situação Inicial: Brasil e seus vizinhos Argentina, Uruguai e Paraguai.
Fazer Transformador: Conspiração inglesa manipulando os países fronteiriços da
América do Sul.
Situação Final: Guerra do Paraguai.
Logo, a versão tradicional é guiada ideologicamente, por interesses do governo
brasileiro, de forma a se eximir como responsável pelo conflito.
4.3.1.2.Intertexto 11
Ao romper a década do século XIX, a Bacia Platina foi tomada por uma série
de acontecimentos, dentre os quais destaco os seguintes: o vencimento da
moratória fronteiriça entre Brasil e Paraguai e também com a Argentina,
sendo que nenhuma das pendências havia sido resolvida, e a morte de
119
Carlos Antonio López, que foi substituído por seu filho Francisco Solano
López, o qual contava na época 36 anos de idade e prometia dar
continuidade à política do pai. Entre os anos de 1862 e 1865, as contradições,
os problemas existentes há décadas no Prata, afloraram, ocasionando a
Guerra do Paraguai.
Em apoio a Venâncio Flores, em 12 de setembro de 1864, o Brasil invadiu o
Uruguai, sendo que o Paraguai já havia alertado a Argentina sobre a
necessidade de preservação da independência uruguaia. Essa intervenção
brasileira foi vista, pelos paraguaios, como uma agressão e um ato de guerra.
Em represália, o Paraguai aprisionou, em Assunção, o navio brasileiro
Marquês de Olinda, que transportava o novo governador da província de Mato
Grosso, e no mês seguinte invadiu Mato Grosso, o que representou uma
declaração de guerra. Na intenção de bloquear o Rio Grande do Sul e o
Uruguai, que poderia ser utilizado para uma ofensiva brasileira, o Paraguai
fez um pedido a Mitre para cruzar o território argentino, o que lhe foi negado.
O governante paraguaio optou, então, pela invasão de Corrientes em abril de
1864, como estratégia para a ocupação do Rio Grande do Sul, que se
efetivou em maio de 1865.
Em resposta às atitudes de Solano López, em 1º de maio de 1865, Brasil,
Argentina e Uruguai assinaram o Tratado da Tríplice Aliança, que tinha como
objetivo legitimar a Guerra com o Paraguai e, assim, submetê-lo ao sistema
político dominante no Prata. Os aliados planejavam a derrubada de Solano
López e a livre navegação dos rios da bacia do Prata. Sonhavam ainda,
anexar aos seus territórios as terras litigiosas.
A maior parte do solo brasileiro não se constituiu em palco de guerra.
Somente duas províncias vivenciaram episódios belicosos, isto é, o Rio
Grande do Sul e o sul de Mato Grosso; nesta última ocorreu o episódio da
120
Retirada da Laguna (maio / junho.1867), que retratou o fracasso da expedição
brasileira organizada para deter o avanço paraguaio.
O Paraguai ocupou a região litigiosa do sul de Mato Grosso em duas frentes
de batalha: por via fluvial, enviando aproximadamente 3.200 homens, e por
via terrestre, armando cerca de 3.500 combatentes. A partir da derrota da
célebre batalha de Riachuelo, o Paraguai ficou isolado e incapacitado de
receber armas e qualquer auxílio do exterior. Por outro lado, a vitória
brasileira permitiu que as forças aliadas levassem a Guerra para o interior do
país, nas proximidades de Assunção. Os aliados cruzaram o rio Paraná em
abril de 1866, iniciando, assim, a invasão do território inimigo.
A partir desse momento, o rio Paraguai tornou-se palco de uma seqüência de
batalhas entre duas forças: Passo da Pátria, Tuiuti, Humaitá e a Dezembrada
que caracterizou a ofensiva final dos aliados, numa série de vitórias
consecutivas nas batalhas de Itororó, Avaí, Lomas Valentinas, Angostura e
Peribebuí. Esses episódios são analisados por inúmeros autores, dentre os
quais destaco Silva.
Solano López conseguiu escapar do cerco em Lomas Valentinas, refugiando-
se na direção da cordilheira situada a leste de Assunção, cidade já ocupada
pelo então comandante das tropas brasileiras, Marques de Caxias, que
considerou a Guerra concluída e retornou ao Brasil.
O conflito findou com o cerco a Cerro Cora, onde Solano López foi morto
pelas tropas brasileiras. O trágico destino do líder paraguaio permitiu que a
discussão da livre navegação no rio Paraguai fosse dirigida pelos países
vencedores, particularmente Brasil e Argentina.
Os acordos de paz que se configuraram após a Guerra consolidaram os
anseios dos grandes leões platinos.
O Tratado de Paz e Amizade Perpétua e de Limites imposto ao Paraguai pelo
Brasil e assinado em 09/01/1872 garantiu a esse último, posse do território
121
entre os rios Apa e Branco, no atual Mato Grosso do Sul, conforme
reivindicação anterior ao conflito.
Outro tratado assinado em fevereiro de 1876, cedeu os territórios litigiosos
das Missiones, entre os rios Bermejo e Pilcomayo, à Argentina.
O intertexto 11 progride o texto-base e o intertexto 09 Sonhos Guaranys e
opõe-se ao intertexto 10, na medida em que nega a teoria conspiratória inglesa e
defende a tese do interesse regional brasileiro de apoderar-se de terras e ter o
domínio regional.
O tratado de paz e a amizade perpétua impostos pelo Paraguai ao Brasil,
garantiram a esse ultimo posse do território entre os rios Apa e Branco no atual Mato
Grosso do Sul, conforme reivindicação anterior ao conflito.
O intertexto 11 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-
mato-grossense focalizando a Guerra do Paraguai. O texto está organizado pelos
seguintes enunciados narrativos:
Estrutura textual narrativa
Enunciado narrativo 01
Situação Inicial: Interesses de domínio regional pelo Brasil.
Fazer Transformador: Fazeres brasileiros que ocasionam a Guerra do Paraguai.
Situação Final: Interesses brasileiros satisfeitos.
Enunciado narrativo 02
Situação Inicial: Interesses de domínio regional pela Argentina.
Fazer Transformador: Fazeres argentinos que ocasionam a Guerra do Paraguai.
Situação Final: Interesses argentinos satisfeitos quando recebe os territórios das
Missiones entre os Rios Bermejo e Piocomayo.
122
Em síntese, este intertexto defende a tese de que a Guerra do Paraguai foi causada
por interesses regionais da Argentina e do Brasil: “os anseios dos grandes leões
platinos”, de forma a se opor à tese da conspiração inglesa.
4.3.1.3 Intertexto 12
E que interesses eram esses? O Brasil não esperava uma guerra contra o
Paraguai, mas, depois de iniciada, apostou que o conflito poderia colocar fim
aos problemas de fronteira entre os dois países e às ameaças por parte do
Paraguai de impedir a livre navegação pelo rio que dava acesso ao Mato
Grosso. Também vislumbrou na guerra uma chance de conter a influência da
Argentina sobre o Paraguai. Na época, os estados nacionais ainda estavam
se formando e o Brasil temia que Buenos Aires incorporasse o território
paraguaio e formasse uma república grande e forte na região, nacionalizando
os rios platinos e criando obstáculos à navegação.
Para a Argentina, a guerra era a chance de consolidar o Estado centralizado,
derrotando o apoio externo dado por Solano López à ala federalista, contrária
à unificação argentina. O país tinha interesses no território do Chaco, até
então de soberania paraguaia.
O próprio Paraguai tinha seus propósitos. López via a chance de fazer de seu
pais uma potência, e de ter acesso pelo porto de Montevidéu (o Paraguai)
havia se aliado à oposição –os blancos- no Uruguai).
Já o Uruguai, que vivia um conflito civil com blancos e colorados, na disputa
pelo poder, era um país dividido e sem autonomia. Ele tinha no apoio militar
paraguaio dado aos blancos contra argentinos e brasileiros uma chance de
impedir que esses dois países continuassem a intervir em sua política. E foi
exatamente desse apoio que começou a guerra: tropas brasileiras, com aval
123
argentino, entraram no Uruguai para realizar uma intervenção. O Paraguai
reagiu invadindo o Mato Grosso e Corrientes na Argentina, atos que levaram
à formação da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) para enfrentar
Lopez.
O intertexto 12 progride o texto-base e o intertexto 09 e opõe-se também,
ao intertexto 10 na medida em que a nega e defende a tese do interesse regional
brasileiro de apoderar-se de terras e ter o domínio territorial.
O intertexto 12 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-
mato-grossense focalizando a Paraguai.
O texto está organizado pelos seguintes enunciados narrativos:
Estrutura textual narrativa
Enunciado narrativo 01
Situação Inicial: Conflitos na região fronteiriça e impedimento para a livre navegação
brasileira.
Fazer Transformador: Conjunto de fazeres ancorados nos interesses brasileiros.
Situação Final: A invasão do Brasil ao Uruguai com o aval argentino e a
conseqüente invasão paraguaia às terras sul-mato-grossenses, causando a Guerra
Brasil e Paraguai.
Enunciado narrativo 02
Situação Inicial: A Argentina em busca de unificação territorial ampla.
Fazer Transformador: Conjunto de fazeres argentinos ancorados em suas intenções
de definição ampla territorial para poder enfrentar o amplo território brasileiro
unificado.
Situação Final: Argentina forma com o Uruguai e o Brasil a Tríplice Aliança.
124
Enunciado narrativo 03
Situação Inicial: O Paraguai em busca de seus próprios interesses na guerra.
Fazer Transformador: Conjunto de fazeres paraguaios ancorados em querer
transformar seu país em potência e ter acesso ao mar por Montevidéu.
Situação Final: Reação paraguaia à invasão brasileira ao Uruguai, com a invasão do
Mato Grosso.
Este intertexto representa a Tríplice Aliança e a invasão de Solano Lopez
com valor negativo, no entanto, deixa implícito o valor positivo para a unidade
regional.
Em síntese, ao propor e defender a Guerra do Paraguai como luta de
interesses regionais para domínio da Argentina, do Brasil e o próprio Paraguai, o
intertexto 12 rejeita a tese do revisionismo histórico a favor da conspiração inglesa.
4.3.1.4 Intertexto 13
A Guerra do Paraguai foi o fator mais importante na construção da identidade
brasileira no século passado. Superou até mesmo as proclamações da
Independência e da República.
A Independência provocou forte mobilização em apenas alguns pontos do
país, Rio de Janeiro, Bahia, Pará. As grandes lutas internas, desde a
Confederação do Equador até as da Regência, foram localizadas e muitas
vezes separatistas. A idéia e o sentimento de Brasil, até a metade do século,
eram limitados a pequena parcela da população. A proclamação da
República, por sua vez, foi o que se sabe. Em contraste, a guerra pôs em
risco a vida de milhares de combatentes, produziu um inimigo concreto e
mobilizou sentimentos poderosos. Indiretamente, afetou a vida de boa parte
125
dos brasileiros, homens e mulheres, e todas as classes, e em todas as partes
do país.
[..] A força de terra que lutou no Paraguai compunha-se de 135 mil soldados,
dos quais 59 mil pertenciam à Guarda Nacional e 55 mil aos corpos de
voluntários. Pela primeira vez, brasileiros de todos os quadrantes do país se
encontravam, se conheciam, lutavam juntos pela mesma causa. E muitos não
o faziam por coerção. A preocupação em denunciar a coerção tem
predominado nos estudos sobre os voluntários. Mas é preciso distinguir os
vários momentos da guerra.
[..] Sem dúvida, à medida que o conflito se prolongava, reduzia-se o
entusiasmo e surgiam resistências, aumentando, em conseqüência, o
recrutamento forçado. Mas, no momento inicial, houve entusiástica e
surpreendente resposta ao apelo do governo. Corpos de voluntários
formaram-se em todo o país. Descrições da partida desses voluntários
indicam tudo menos coerção. Em Pitangui, interior de Minas, 52 voluntários
despediram-se em meio a celebrações religiosas e cívicas a que não faltaram
os discursos patrióticos, a execução do Hino Nacional e a entrega solene da
bandeira ao primeiro voluntário, feita por uma jovem vestida de índia. Na
corte, que forneceu quatro corpos de voluntários, as despedidas, sempre
acompanhadas do toque do hino e a exibição da bandeira, contavam ainda
com a presença do imperador.
[..] Alguns exemplos de voluntários são paradigmáticos. No interior da Bahia,
um negro livre, Cândido da Fonseca Galvão, dizendo-se inspirado pelo
sacrossanto amor do patriotismo, reuniu 30 voluntários e se apresentou para
defender a honra da pátria tão vilmente difamada. Feito alferes honorário do
exército, cuja farda usava com orgulho, Galvão viveu o pós-guerra no Rio de
Janeiro, dizendo-se Príncipe Obá 2º d'África, segundo nos conta Eduardo
Silva.
126
Em Teresina, a cearense Jovita Alves Feitosa, de 18 anos, cortou o cabelo,
vestiu roupa de homem e se apresentou como voluntário da pátria para bater-
se contra os monstros paraguaios que tantas ofensas tinham feito a suas
irmãs do Mato Grosso.
[..] Descoberta sua identidade, foi mesmo assim aceita como voluntária no
posto de sargento. Nas capitais provinciais em que aportou o navio que a
trouxe ao Rio de Janeiro, foi cercada de homenagens oficiais e populares.
A retórica patriótica a transformou em heroína, Joana d'Arc nacional. Um
negro pobre e uma mulher pobre, de descendência indígena, representantes
dos mais baixos escalões da sociedade, queriam lutar por uma abstração que
era a pátria. Algo de novo nascia no mundo dos valores cívicos.
[..] A poesia popular e erudita, a música, popular e erudita, e os cartuns,
atestam o esforço de mobilização e o êxito alcançado. As revistas ilustradas
da corte, embora freqüentemente críticas do governo, dos partidos e dos
políticos, contêm farta produção de símbolos destinados a construir o
sentimento de identidade. O Brasil aparece com freqüência, representado por
um índio, unindo as províncias acima dos partidos e do governo. Alguns
episódios são dramatizados, como o de dona Bárbara, a mãe espartana de
Minas Gerais. Um cartum de H. Fleiuss, da Semana Ilustrada, a representou
entregando ao filho um escudo gravado com as armas nacionais. A exemplo
das mães espartanas, dona Bárbara adverte o filho de que deve voltar da
guerra com o escudo ou sobre ele. O texto que encima o quadro é o verso do
Hino da Independência: "Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil". Pela
primeira vez, o verso de 1822 deixava de ser retórica e se tornava
potencialmente trágico.
[..] A imprensa contribuiu também para construir a imagem do inimigo, fator
crucial para a construção da própria identidade. A tarefa era fácil porque a
presença do inimigo era convincente. Outros inimigos, como o português e o
127
inglês, prestavam-se menos à tarefa. O primeiro era parte de nós mesmos, o
segundo aparecia esporadicamente, como na Questão Christie. López, ao
contrário, invadira o país, matara centenas de brasileiros e comandava
milhares de soldados leais até o fanatismo. Foi apresentado pelo governo,
imprensa e intelectuais como ditador, cruel opressor de seu povo, símbolo da
barbárie e da selvageria.
Angelo Agostini o representou em 1869, na "Vida Fluminense", como o Nero
do século 19, de pé sobre uma montanha de ossos de paraguaios. A ele se
opunha a civilização brasileira, marcada pela liberdade política e pelo sistema
constitucional e representativo de governo. Até o discreto Machado de Assis
mostrou-se escancaradamente patriótico: a guerra era pela pátria, pela
justiça, pela civilização.
Do lado paraguaio, naturalmente, houve esforço idêntico de despertar o
sentimento patriótico. Também lá se tentou criar imagem negativa do inimigo.
O jornal de campanha, o Cabichuí, representava os brasileiros como
macacos, referência racista à grande presença de negros entre as tropas
imperiais. Caxias era "El Macaco-Jefe", o imperador, "El Macacón". Até hoje
perdura, mesmo entre nossos antigos aliados argentinos, o estereótipo do
brasileiro como macaco.
É inegável a força da guerra como elemento de formação da identidade
brasileira (e paraguaia). Mas é de lamentar que, além dos milhares de mortos,
o processo tenha custado ainda o preço da desumanização do outro. O
inimigo, dos dois lados, deixou de ser gente: era monstro ou animal.
O intertexto 13 expande semanticamente o intertexto 09 Sonhos
Guaranys ao abordar a Guerra do Paraguai.
128
Esse intertexto é organizado pelo esquema textual opinativo e defende
uma tese justificada por um conjunto de argumentos:
Estrutura textual opinativa
Tese 1: A Guerra do Paraguai foi o fator mais importante de construção de
identidade brasileira
Justificativa: Argumentos de probabilidade:
Argumento 1: A Independência provocou forte mobilização em apenas alguns pontos
do país, ou seja, idéias e sentimentos limitados à pequena parcela da população: “A
Independência provocou forte mobilização em apenas alguns pontos do país, Rio de
Janeiro, Bahia, Pará”.
Argumento 2: O grande número de combatentes negros.
Argumento 3: Produziu um inimigo concreto (Solano Lopez-Paraguai).
Argumento 4: Os combatentes vieram de todos os lugares do país.
Regra de causalidade: Mobilização pelo espírito nacional brasileiro + voluntários
combatentes.
Tese 2: Os combatentes brasileiros serviram de exemplos de heroísmo .
Justificativa: Argumentos de reforço:
Argumento 1: A adesão de um negro livre Cândido da Fonseca Galvão do Rio de
Janeiro que arregimenta de 30 voluntários dispostos a lutar pela honra da pátria.
Argumento 2: A adesão de uma jovem cearense, de nome Jovita Alves Feitosa de
18 anos, que para não ser reconhecida veste-se de homem e se apresenta como
voluntário da pátria “para bater-se contra os monstros paraguaios que tantas ofensas
tinham causado a suas irmãs no Mato Grosso”.
129
Argumento 3: A entrega de um escudo para um filho por uma mãe de Minas gerais
com os seguintes dizeres: "Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil". Pela primeira
vez, o verso de 1822 deixava de ser retórico e se tornava potencialmente trágico.
Argumento 4: Indicam as várias nacionalidades daqueles que combateram
voluntariamente, o Brasil na Guerra do Paraguai.
Regras de causalidade: Houve mobilização nacional e ações voluntárias por causa
da invasão de Solano López no Mato Grosso do Sul e que houve no Brasil, de
acordo com os autores, uma forte mobilização de sentimentos e ações voluntárias
de adesão à Guerra do Paraguai.
Tese 3: A imprensa contribuiu para a construção da imagem negativa do inimigo,
fator crucial para a construção da própria identidade.
Justificativa: Argumento de legitimidade:
Argumento 1: A imprensa noticia que os paraguaios invadiram o país, mataram
centenas de brasileiros e comandavam milhares de soldados leais até o fanatismo”.
Argumento 2: “Solano López foi apresentado pela imprensa e intelectuais como
invasor de terras brasileiras, ditador, cruel opressor de seu povo, símbolo da
barbárie e da selvageria”, devido à invasão.
Argumento 3: “Até o discreto Machado de Assis mostrou-se escancaradamente
patriótico: a guerra era pela pátria, pela justiça, pela civilização”.
Regras de causalidade: A imprensa noticia, de forma a representar com valor
negativo a invasão paraguaia por causa do Poder.
Tese 4: A imprensa paraguaia contribuiu para a construção da imagem negativa do
inimigo brasileiro, de forma a construir a sua mobilização nacional
Justificativa: Argumento de legitimidade:
130
Argumento 1: O jornal de campanha, o Cabichuí, representava os brasileiros como
macacos, referência racista à grande presença de negros entre as tropas imperiais.
Argumento 2: Caxias era "El Macaco-Jefe", o imperador, "El Macacón".
Regras de causalidade: A imprensa paraguaia noticia as forças brasileiras de forma
negativa e metonimicamente, caracteriza a tropa brasileira pelo combatente negro
que passa a ser designado “macaco”.
Na Guerra do Paraguai, os respectivos inimigos de cada país foram representados
negativamente, pela violência que separou irmãos da mesma terra.
Tese 5: Logo, os respectivos na Guerra do Paraguai, deixaram de ser gentes para
serem animais.
Justificativa: Argumentos de probabilidade:
Argumento 1: Milhares de mortos.
Argumento 2: A desumanização do outro.
Regra da causalidade: A luta feroz travada pelos exércitos inimigos.
A seqüência das teses apresentadas representa de forma geral, o valor
negativo atribuído à mobilização nacional dos países envolvidos na Guerra do
Paraguai. Dessas raízes históricas culturais mantém-se, na contemporaneidade a
designação “macaco” para o brasileiro.
Portanto, o intertexto 13, tem por referente a Guerra do Paraguai
focalizada pela importância atribuída à mobilização nacional brasileira de forma a
construir a identidade nacional brasileira. Dessa forma, minimiza o fato do ser
humano ter se tornado animal como “desumanização do outro”.
Ele expande a expressão lingüística Guerra do Paraguai, presente no
texto-base e no intertexto 09, de forma a apresentar uma oposição entre o papel
ideológico do Poder brasileiro com relação à guerra em oposição à visão cultural (o
131
sul-mato-grossense é paraguaio em suas tradições, a fronteira é apenas política) do
intertexto 09.
Neste contexto, a Guerra do Paraguai é avaliada positivamente como
fator de identidade nacional e argumentada a partir de provas:
• Por ter conseguido mobilizar mais de 55.000 voluntários de diferentes
regiões brasileiras que lutavam pela mesma causa, diante de um
efetivo total de 135.0000 combatentes.
• Por ter conseguido um espaço de mobilização na imprensa, nos textos
de poetas, músicos, cartunistas.
• Por exemplificar voluntários paradigmáticos em várias regiões
brasileiras que serviram de exemplo de coragem, transformando-se em
verdadeiros heróis.
À guisa de conclusão são apresentados fragmentos dos historiógrafos
neo-revisionistas que buscam contestar a idéia de que houve uma causa motivadora
para a Guerra do Paraguai: a conspiração inglesa.
4.3.1.5 Intertexto 14
“Não existe um documento, de qualquer origem, que mostre a vinculação ou o
interesse do governo inglês em fazer uma guerra contra o Paraguai” afirma o
historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra – Nova História da
Guerra do Paraguai, livro que marca o neo-revisionismo no Brasil e fortalece
a tese de que o conflito foi motivado por interesses regionais. O historiador
encontrou uma carta do representante diplomático britânico em Buenos Aires,
132
Edward Thornton, dirigida ao governo paraguaio, em dezembro de 1864, na
qual oferecia seus préstimos para evitar uma guerra entre o Paraguai e o
Brasil.
Doratioto rebate ponto a ponto os argumentos dos intelectuais da década
de 60. “É bom lembrar que o império do Brasil estava com relações rompidas com a
Inglaterra e só restabeleceu em outubro de 1865, quando Mato Grosso foi invadido
pelo Paraguai em dezembro de 1864” diz Doratioto, ao contestar a possível intenção
da Inglaterra de apoiar o Brasil na guerra. Doratioto, e toda a corrente neo-
revisionista, afirma que as causas da guerra foram as disputas regionais. “Não há
‘bandidos’ ou ‘mocinhos’, como quer o revisionismo infantil, mas sim interesses”,
escreve em seu livro.
Este intertexto expande semanticamente o intertexto 09 “Sonhos
Guaranys”, ao abordar A Guerra do Paraguai e opõe-se, também, ao intertexto 10,
na medida em que nega a teoria conspiratória inglesa e defende a tese do interesse
regional brasileiro de apoderar-se de terras e ter o domínio regional.
O intertexto 14 é do tipo opinativo e defende uma tese justificada por um
conjunto de argumentos:
Estrutura textual opinativa
Tese 1: O conflito que motivou a Guerra do Paraguai foi levado por interesses
regionais.
Justificativa: Argumentos de probabilidade:
Argumento1: A inexistência de documentos que comprove a tese da conspiração
inglesa na Guerra do Paraguai.
Argumento 2: Carta do representante diplomático com oferecimentos de préstimos
para evitar a guerra entre Brasil e Paraguai.
133
Argumento 3: O Brasil estava de relações diplomáticas rompidas com a Inglaterra,
restabelecendo-a quando houve a invasão dos paraguaios em Mato Grosso.
Regra de causalidade: A existência de documentos que comprovam a não
vinculação da Inglaterra com a Guerra do Paraguai.
O intertexto 14 progride o intertexto 12 por complementaridade, no que se
refere à negação da teoria conspiratória inglesa na Guerra do Paraguai, no entanto
expande-o pela expressão lingüística “revisionismo infantil” ao comprovar que pela
ausência de documentos, a tese não tem credibilidade.
Logo, o intertexto 14 opõe-se à tese de que a teoria da conspiração
inglesa foi a causa motivadora da guerra do Paraguai ao afirmar que “não há
bandidos ou mocinhos como quer o revisionismo infantil e sim interesses” e é
expandido pelo intertexto 15 que retoma o assunto em questão.
4.3.1.6 Intertexto 15
Realizando um levantamento historiográfico, pude averiguar que, do final do
conflito até os dias atuais, a historiografia acerca da Guerra do Paraguai foi
alvo de manipulações ideológicas, estando, por vezes, exposta ao sabor dos
interesses oficiais.
Três momentos marcaram essa produção historiográfica: o primeiro, que
abrange os livros escritos por protagonistas ou não do conflito, no período
que se estende do final da guerra até a década de 1960, oferecendo uma
visão patriótica do conflito, como, por exemplo, as obras de Fragoso e
Pombo; o segundo, que compreende os estudos divulgados a partir da
década de 1960, que desenvolveram a visão imperialista do litígio, como os
de Pomer e Chiavenatto; e, finalmente, o terceiro, que agrupa obras editadas
134
a partir da década de 1980, dentre as quais destacam-se os livros de
Doratioto e Sales, inovadores e menos tendenciosos.
[..] Os memorialistas brasileiros, como já assinalei, esforçaram-se por
transformar constantes fracassos militares em vitórias épicas e monumentais.
Os paraguaios, igualmente, redimensionaram suas derrotas, valorizando-as e,
justificando-as. As duas versões foram portadoras de ideologias: as
divulgadas no Brasil procuraram construir e preservar uma memória nacional
vinculada aos desígnios da elite dominante; as paraguaias, por sua vez,
tentaram unificar a nação, sob a égide de diferentes momentos nacionalistas.
Estas últimas ganharam relevo, por exemplo, durante a Guerra do Chaco-
que teve início no ano de 1932 e prolongou-se até 1935- com o intuito de
servir como exemplo de um povo sempre empenhado na defesa da soberania
nacional.
Este intertexto expande semanticamente o intertexto 09 “Sonhos
Guaranys” ao abordar as causas que originaram a Guerra do Paraguai assim como
os intertextos 12 e 13, pois ao apresentar as versões historiográficas sobre tal fato
histórico, afirma que elas foram “alvo de manipulações ideológicas, estando, por
vezes, exposta ao sabor dos interesses oficiais.”
Logo, este intertexto complementa a tese do interior 14, reforçando-a, pois
as versões dos historiadores ao enaltecerem os heróis, procuram manipular
ideologicamente os fatos construindo uma visão de preservação da memória
nacional:
• No Brasil: Vinculada aos desígnios da elite dominante.
135
• No Paraguai: Vinculada à tentativa de unificar a nação paraguaia, sob a
égide de diferentes momentos nacionalistas.
4.3.1.7 Intertexto 16
[..] O auge das ações militares brasileiras na região, porém, aconteceu na
Guerra do Paraguai (1864-1870). Iniciada pelo empenho bélico paraguaio, a
guerra uniu circunstancialmente o Brasil e Argentina contra Solano López (O
Uruguai, terceiro pólo da Aliança, era à época, fortemente influenciado pelo
Brasil).
É curioso o saldo da guerra para os dois países. A Argentina, ainda que não
estivesse totalmente unificada, foi quem mais se beneficiou. Enquanto o
Brasil consumiu muitos recursos na guerra, precisando inclusive tomar
empréstimos externos, a Argentina teve seu comércio e sua produção quase
intocados pelo conflito, aproveitou as chances de enriquecimento que se
abriam e ainda impulsionou sua unidade por meio da centralização militar e
da oportunidade de reprimir os focos localistas que restavam. Mas a guerra e
seus frutos acenderam também tensões e cuidados entre os dois países.
Domingo Faustino Sarmiento, presidente argentino, achou conveniente o
ocasião para reiterar o velho sonho de unidade platina, que andava em
banho-maria desde 1816. Numa nota, observou ser uma boa hora para tentar
levar adiante a fusão entre Argentina, Paraguai e Uruguai e “criar um Estado
de língua castelhana que responda ao Brasil pelos seus atos”) (citado por
Luiz Alberto Moniz Bandeira, em Conflito e integração na América do Sul,
Revan, 2003).
Do lado de cá da fronteira, também não eram poucas as vozes que
defendiam maior presença brasileira no Prata: influência política e
136
investimentos na região poderiam compensar perdas da guerra e oferecer
boa ocasião de desenvolvimento nacional.
Estava montado o cenário da rivalidade. Era secundário, no caso, que as
economias pudessem se complementar e tivessem interesse na parceria. O
embate político prevalecia e construía o perfil de uma disputa pela hegemonia
regional.
O intertexto 16 progride o intertexto 15 por complementaridade, no que se
refere aos interesses regionais advindos da Guerra do Paraguai, no entanto ao
abordar a união circunstancial do Brasil e Argentina complementa que “a Argentina,
ainda que não estivesse totalmente unificada, foi quem mais se beneficiou” com
essa guerra.
Ao afirmar que a Argentina foi o país que mais se beneficiou com a
Guerra do Paraguai, o autor dimensiona o fato com uma representação ideológica
brasileira que atribui valor negativo aos ganhos argentinos e às perdas brasileiras.
Em síntese, os textos do Discurso da História buscam representar,
ideologicamente, por progressões de complementaridade ou oposições, a luta com o
Paraguai da seguinte forma:
• Historiadores: Quem lutou com o Paraguai foram heróis brasileiros, que
mobilizados por um sentimento patriótico, defenderam a nação
brasileira contra a conspiração inglesa que originou a invasão de
territórios brasileiros por Solano López.
• Historiógrafos: Quem lutou com o Paraguai foram milhares de
brasileiros recrutados para defender os interesses da Coroa no Brasil.
137
4.3.2. O Discurso da Etnografia
Foi selecionado o seguinte intertexto do discurso da Etnografia que
possibilita responder à questão do texto-base analisado: Quem lutou com o
Paraguai?
Intertexto 17 – PROENÇA, AUGUSTO CÉSAR. Pantanal: gente, tradição e História.
Campo Grande, MS: Ed.UFMS, 1997, p.83-85.
4.3.2.1 Intertexto 17
A 27 de dezembro de 1864, os paraguaios tomam o Forte de Coimbra e
seguem para atacar Corumbá. O Forte de Coimbra estava sob o comando do
Tenente Coronel Hermenegildo de Albuquerque Portocarrero e, em Corumbá,
se encontrava o Comandante das Armas da Província, Coronel Carlos
Augusto de Oliveira. Ambos não deram à História nenhuma prova de bravura
ou heroísmo. O Comandante de Armas, por exemplo, ao saber que o forte
havia sido tomado pelos inimigos, sob o comando do Coronel paraguaio
Vicente Barrios, ordenou que todos os moradores saíssem da Vila e ele e
seus comandados partiram para Cuiabá, abandonando Corumbá à sua
própria sorte. O invasor, então, sem encontrar resistência, ocupou facilmente
a Vila, encontrando apenas alguns estrangeiros que permaneceram certos de
que não seriam aprisionados. O restante da população evadiu-se com bem
podia, embrenhando-se pelos matos das periferias ou por água, sendo
aprisionados mais tarde. “Em conseqüência da lamentável queda de Coimbra
e da infortunada ocupação de Corumbá, os paraguaios por quase três anos
ficaram senhores absolutos da navegação fluvial e com o domínio completo
do território ao Sul da Província, do São Lourenço ao Apa, em condições de
138
ameaçar Cuiabá. Talharam os campos, roubaram o gado, destruíram
fortificações, devastaram os povoados e maltrataram a população. Se não
mais fizeram foi em decorrência da derrota final de seus exércitos em
Humaitá, Lomas Valentinas e Cerro Cora” (Lécio Gomes de Souza, História
de Corumbá, p. 60).
A fronteira Sul foi toda ela arrasada. A Fazenda das Piraputangas invadida e
saqueada. A Fazenda Firme teve o seu gado apreendido pelo vapor Japorá,
que o transportou para Assunção em várias viagens, e assim abasteceu o
contingente militar paraguaio. As plantações foram dizimadas. As fazendas
desorganizaram-se. A economia da região, já enfraquecida, sofreu violento
abalo. O centro comercial de Corumbá, que vinha florescendo paulatinamente
antes da guerra, foi desfalcado. O comerciante mais próspero da Vila, Manoel
Cavassa teve a sua casa comercial do porto totalmente destruída. A
Alfândega e a Mesa de Rendas ficaram paralisadas com a interrupção da
navegação fluvial. Tudo era abandono e desolação na Vila de Corumbá. As
fazendas também foram abandonadas pelos seus proprietários.
A referência textual é a Guerra do Paraguai e a focalização é dada na
ausência de heroísmo por ambas as partes, na medida em que a ação devastadora
do Paraguai não representa prova de bravura e a ação de fuga dos brasileiros é
prova de covardia.
Em outros termos, os acontecimentos históricos referentes à Guerra do
Paraguai são representados pelo autor, de forma avaliativa negativa, no que tange
aos envolvidos na Guerra: brasileiros e paraguaios, pois:
• Com relação aos brasileiros, ao avaliá-los de forma negativa, o autor
implicita a ausência do espírito de coragem, bravura e responsabilidade
139
dos comandantes à frente das tropas brasileiras que ordenam a saída
dos moradores e abandonam Corumbá à sua própria sorte.
• Com relação aos paraguaios, como não encontraram resistência
nenhuma, ficaram quase três anos senhores absolutos da navegação
fluvial e com o domínio do território ao Sul da Província, do São
Lourenço ao Apa.
• Ao avaliá-los de forma negativa, o autor implicita a idéia de poder, de
ausência de moralidade, respeito e violência do povo paraguaio,
representados pelas expressões lingüísticas que indicam destruição,
pois eles “talharam os campos”, “roubaram o gado”, “destruíram
fortificações”, “devastaram os povoados” e “maltrataram a população”.
Há diferentes enunciados narrativos relativos a sentidos secundários
contidos na representação em língua do intertexto 17.
Esses, todavia, podem ser sintetizados em um único enunciado narrativo
de sentido mais global:
Estrutura textual narrativa
Situação Inicial: Os paraguaios ameaçam a população brasileira regional.
Fazer Transformador: Fazeres do comando brasileiro e do invasor paraguaio.
Situação Fina: A população regional brasileira abandona suas terras permitindo que
os paraguaios fiquem na região por três anos.
É interessante observar a importância de uma análise intertextual, pois os
interdiscursos e seus respectivos textos propiciam a retomada à índole pacífica dos
guaranis, apresentada no capítulo III “Quem expulsou os índios”? e à índole
agressiva dos guaicurus e paiaguás.
140
A índole pacífica dos guaranis guia-os, culturalmente a não se
confrontarem com o invasor-ibero, de forma a torná-los seus colaboradores.
Conseqüentemente, a nação guarani não é disseminada e mantém-se
historicamente, na região com a sua memória social.
A ferocidade dos guaicurus e paiaguás guia-os a serem adversários do
invasor ibérico, de forma a disseminá-los como nação, deles a memória social
guarda o mito do “velho bugre”, estendida para o “velho mouro”.
Na questão, “Quem lutou no Paraguai?”, o movimento do Ir e Vir assume
dupla significação:
• O Ir representa pessoas que foram lutar na Guerra.
• O Vir representa os respectivos estados de naturalidade, de forma a
deixar implícito o IR e Vir do peão que se mantém como aspecto
iterativo e os que vieram e voltaram como aspecto conclusivo.
Em síntese, as relações estabelecidas entre o texto-base, seus intertextos
e interdiscursos propiciam a explicitação dos implícitos contidos nas palavras que
ocorrem no texto-base. Estas explicitações decorrem da mudança de foco projetada
em elementos que compõem a região pantaneira de MS.
Os resultados obtidos das análises, apresentados neste capítulo,
possibilitam responder à questão: Quem lutou com o Paraguai?
• Segundo a ideologia do Poder brasileiro: foram heróis brasileiros que
com Duque de Caxias defenderam o território nacional.
• Segundo raízes culturais: foram exércitos ferozes que exterminaram
milhares de pessoas e instauraram uma fronteira política divisória (com
141
maior ganho para a Argentina), mantendo as tradições e sonhos
guaranis de um povo que tem a mesma raiz.
142
CAPÍTULO V
QUEM DERRUBOU A MATA? QUEM CULTIVOU O CULTIVAR?
Este capítulo apresenta resultados obtidos da pesquisa realizada com
interdiscursos e seus intertextos, na busca de responder duas questões: “Quem
derrubou a mata”? “Quem cultivou o cultivar”? do texto-base “Quanta Gente” de Zé
Du.
5.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA
A resposta buscada para a questão que intitula este capítulo decorre do
segmento do texto-base. Os resultados das análises do texto-base estão no item 3.1
do capítulo III.
5.2 INTERTEXTOS: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS
Embora tenha sido feita a pesquisa de letras musicais regionais do Mato
Grosso do Sul, relativas ao cultivo regional com a derrubada da mata, não foi
encontrada nenhuma letra que traga representado o momento das origens deste
Estado.
Este é relativo à mineração e aos engenhos de açúcar instalados às
margens do rio Paraguai. Não há também representação em língua da erva mate
local.
O resultado da pesquisa propicia dizer que o que é relativo à mineração,
aos engenhos de açúcar e à extração da erva mate não estão representados nas
143
tradições histórico-culturais do homem sul pantaneiro presentes nas letras musicais
sul-pantaneiras e sim a atividade pastoril e a criação extensiva de gado.
As referências a este momento encontram-se nos demais interdiscursos
que serão apresentados a seguir.
As letras musicais trazem, portanto, representado em língua, o universo
pantaneiro sendo que alguns componentes importantes emergem num movimento
de Ir e Vir, onde o lar é o seu ponto de partida e volta.
As características culturais do peão boiadeiro se fazem presentes na lida
pantaneira, nas indumentárias, em seu lazer, nos hábitos, crenças e valores que
trazem uma somatória das influências diversas que receberam os sul-mato-
grossenses pantaneiros.
5.2.1 Intertexto 18 - Peão Pantaneiro de Aral Cardoso
De manhã cedinho, quando o sol desponta
Pego o meu cavalo raça pantaneira
Ouço a seriema e o quero- quero
Que ficam cantando bem junto à porteira.
O meu velho apeio tem muitas argolas
É todo trançado de focinho a cola
Tomo tereré, tomo chimarrão
Levo o meu destino na palma da mão.
Tenho um cachorro que é um companheiro
E nas comitivas é o melhor vaqueiro
Uso bom pelego pra aliviar o trote
Se a viagem é longa, conto com a sorte.
144
Tempo de festança ao som da viola
Danço o siriri e o cururu
Polca paraguaia toca a noite inteira
Enquanto a peonada levanta poeira.
Saio para o campo de olhar atento
Pra contar boiada, não uso instrumento
A lida é dura para o pantaneiro
Pois vaca alongada não pára em mangueiro.
Todo o fim do dia quando o sol se põe
Olhando pro céu eu faço um sinal
Pedindo a Deus para que abençoe
Este santuário que é o meu pantanal.
O intertexto 18 progride semanticamente de forma descritiva, com a
focalização das ações cotidianas que caracterizam a vida do homem pantaneiro, no
movimento do Ir e Vir da casa ao campo e que representam a lida pantaneira.
Esse intertexto está organizado pelo esquema textual do descritivo e está
construído, por dois blocos:
Estrutura textual descritiva
Bloco I: O pantaneiro em suas ações cotidianas tendo por lugar na sua casa na
fazenda: “tomo tereré”, “tomo chimarrão”.
Bloco II: O peão nas lidas pantaneiras no campo da fazenda, após a porteira: “tenho
um cachorro que é companheiro”, uso bom pelego, saio para o campo, o meu velho
apeio tem muitas argolas: “se a viagem é longa conto com a sorte”, “pra contar
boiada não uso instrumento”.
145
Os dois blocos descritivos estão ancorados no movimento cultural do “Ir e Vir” do
cotidiano dos fazeres do homem pantaneiro assim caracterizados:
Ir: Da casa da fazenda para o campo onde realiza uma série de ações “ e
Vir: Do campo para sua casa na fazenda, volta-se a Deus em oração para abençoar
este santuário que é o Pantanal.
Esse Ir e Vir é designado “lida” e o intertexto traz representado em língua a
caracterização da atitude do peão em sua lida, pelo espírito de religiosidade.
Recursos lingüísticos na construção textual.
Todo este intertexto está construído intencionalmente por um conjunto de
recursos lingüísticos. Porém, para o estudo das crenças culturais dois segmentos
textuais importam:
I) “Levo o meu destino na palma da mão”; “Se a viagem é longa conto com
a sorte”.
II) “este santuário que é meu Pantanal”
Os intertextos já analisados em capítulos anteriores permitem que se
explicite para esses segmentos a miscigenação de crenças religiosas:
• Mouro – A expressão lingüística “destino na palma da mão” explicita a
crença moura de que o destino do homem está traçado nas linhas da
palma da mão. Esta é objeto de leitura para uma cigana, pois contar
com a sorte implica cumprir o destino com felicidade.
• Índio - O destino na crença indígena regional, é traçado antes de
nascer e para que ele possa sr realizado com felicidade, a sorte
decorre do respeito e bom relacionamento do homem com a natureza.
146
• Cristão católico – Para ele, não há destino nem sorte, o homem é livre
para tomar decisões e por essa razão, quando infringe as leis da Igreja
peca e precisa de absolvição. Deus, Jesus e Nossa Senhora e demais
santos são responsáveis por proteger o homem e conduzi-lo a tomar
boas decisões.
Essas três crenças estão miscigenadas na religiosidade da cultura
pantaneira.
Recursos lingüísticos na construção textual:
Metonímia: “destino na palma da mão”: As linhas da mão representam o destino
traçado para seu dono e é um recurso lingüístico metonímico da crença moura.
“Conto com a sorte”. A seleção da palavra sorte como objeto do verbo contar contém
um implícito cultural da crença indígena local de que a sorte indígena decorre da sua
relação com a natureza.
Metáfora: Com o recurso metafórico, o autor cria uma zona de similitude entre a
natureza do Pantanal e o santuário católico. A expressão “santuário” retoma o
segmento “terra santa” do texto-base, progredindo-a semanticamente: Santuário:
<lugar consagrado pela região como parte mais sagrada do Templo de Jerusalém,
onde se guardava a Arca da Aliança; sacrário, relicário.(cf Dicionário Globo).
Na tradição cultural pantaneira, a expressão “santuário” é metáfora de
Pantanal, legitimada pelo pantaneiro que o considera um lugar sagrado, “depositário
de crenças”.
A expressão “lida” designa na linguagem do dicionário, <luta, afã,
trabalho>; na tradição cultural pantaneira, sintetiza um conjunto de ações da vida de
um peão.
147
Peão: representação de vida no Pantanal. O intertexto explicita um conjunto de
conhecimentos relativos à designação “peão” com valor positivo. Essa explicitação é
de implícitos culturais e não está contida no verbete “peão”, enquanto vocábulo. A
expressão “peão” é designada como <homem que se ajusta para o serviço do
campo; serviçal de estância, amansador de animais de sela> e na tradição cultural
pantaneira, sintetiza a crença local do homem que povoa o Pantanal Sul. Em relação
aos demais homens / mulheres e seus fazeres, “peão é uma metonímia para
representar a lida pantaneira”, no seu Ir e Vir.
Em síntese, o intertexto representa tantos os fazeres quanto as atitudes
do peão em realizá-los, enquanto lida, com valores positivos.
Com relação à vestimenta pantaneira, o intertexto 18 apresenta:
Quadro 8 Vestimenta do Boiadeiro pantaneiro
Apeio ou tralha/traia
• Conjunto de elementos que fazem parte da montaria
Pelego • Pele de carneiro que fica sobre o arreio, ou seja, aparelho de montaria, composto de três conjuntos de peças principais: peças de cabeça, peças de barriga, peças de garupeira.
Guaiaca • Cinto largo de couro com bolso próprio para se guardar dinheiro, revólver ou objetos miúdos.
Esporas • Instrumento de metal que se coloca na bota/botina para cutucar a barriga do cavalo.
Chapéu • • Feito com a palha de carandá ou carnaúba
Quadro 9 Hábitos e lazer pantaneiro
Tereré • Tipo de mate frio, herança paraguaio-guarani, hábito obrigatório na região pantaneira estendida para todo MS por todas as gerações.
Chimarrão • Tipo de mate quente, hábito que acompanhou os vaqueiros em suas andanças pelo pantanal, tornou-se mais popular a partir das migrações gaúchas. Obedece a todo um ritual que vai do horário, ao uso adequado da guampa, cuia e bomba, três utensílios indispensáveis para uma roda de chimarrão.
148
Som da viola
• Denominada viola de cocho, possui quatro cordas, fabricada manualmente de chimbuva ou sara, usada para tocar cururu, siriri.
Quadro 10 A lida diária pantaneira
Cavalo • Instrumento de sua eficiência profissional, símbolo de sua
liberdade, é a sua montada, cavalo e vaqueiro formam uma só
unidade, dá ao vaqueiro um sentimento de dignidade e
superioridade.
• O cavalo pantaneiro é uma raça genuinamente pantaneira, é
rústico e adaptado às regiões do Pantanal.
Cachorro • Companheiro fiel do vaqueiro.
Mangueiro • Local onde o gado ou os cavalos são presos para serem
trabalhados; equivale a curral.
Vaca alongada
• Aquela que foge e se esconde no mato.
De acordo com Barros (1998, p. 156):
Campeiro não anda a pé. Laço e cavalo se igualam em serventia. A habilidade do vaqueiro e sua afirmação pessoal também estão intimamente ligadas ao domínio da montaria. Cavalo e vaqueiro formam uma unidade. (..) Andar a pé no Pantanal tem conotações insólitas. Um rastro humano encontrado no campo sinaliza nervosa expectativa e mistério. Ele é logo examinado em sua orientação ou destino, tentando-se uma explicação. Quem pode ser? (..) A razão é simples; só um paria total, fugitivo, andarilho ou louco , não tem, no Pantanal, um cavalo para seu transporte (1998.p.156).
Em síntese, o cavalo e o campeador têm suas raízes culturais na
Espanha, passa pelos guaicurus e se mantém na contemporaneidade no peão.
Tanto o campeador espanhol quanto o guaicuru são representados como
heróis (guerreiros lutadores e hábeis cavaleiros), de forma a se manter como
conhecimento cultural na representação do peão sul-pantaneiro, que devido à índole
pacifica do guarani constrói novas significações para o homem sul-pantaneiro.
149
O intertexto 19 é expandido pelo intertexto 18, progredindo
semanticamente, o Ir e Vir” do peão sul-pantaneiro. O referente textual é a Comitiva
Esperança focalizada no Ir no momento da vazante pantaneira que propicia o
transporte da boiada.
5.2.2 Intertexto 19 - Comitiva Esperança de Almir Sater e Paulo Simões
Nossa viagem não é ligeira
Ninguém tem pressa de chegar
A nossa estrada é boiadeira
Não interessa onde vai dar
Onde a Comitiva Esperança
Chega já começa a festança
Através do Rio Negro,
Nhecolândia e Paiaguás
Vai descendo o Piquiri
O São Lourenço e o Paraguai.
Tá de passagem, abre a porteira
Conforme for, pra pernoitar
Se é gente boa, hospitaleira
A comitiva vai tocar
Moda ligeira que é uma doideira
Assanha o povo e vai dançar
Ou moda lenta que faz sonhar
Quando a Comitiva Esperança
Chega já começa a festança
Através do Rio Negro
150
Nhecolândia e Paiaguás
Vai descendo o Piquiri
O São Lourenço e o Paraguai.
É tempo bão que tava por lá
Nem vontade de regressar
Só voltamos vou confessar
É que as águas chegavam em janeiro
Deslocamos um barco ligeiro
Fomos pra Corumbá.
O intertexto 19 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-
mato-grossense e está organizado pelo seguinte enunciado narrativo:
Estrutura textual narrativa
Enunciado narrativo 01
Situação Inicial 1: A comitiva pantaneira na fazenda.
Fazer Transformador: O Ir na vazante sul-pantaneira .
Situação Final: A Comitiva e boiada chegam no lugar de venda.
Enunciado narrativo 02
Situação Inicial: Comitiva e boiada no lugar de venda.
Fazer Transformador: Começo da cheia.
Situação Final: o Vir no começo da enchente sul-pantaneira.
Os autores representam em língua valores positivos atribuídos ao Ir
devido à vazante sul-pantaneira que permite o encontro de pessoas, festas e danças
regionais.
151
Recursos lingüísticos para a construção textual
Metáfora:A comitiva pantaneira é designação de um grupo que tem diferentes
fazeres, mas todos orientados para a mesma finalidade, levar a boiada, presentes no
item 2.4 do capítulo II. Os segmentos verbais: “comitiva esperança chega”, “começa
a festança”, “abre a porteira”, “pernoitar”, “comitiva vai tocar” constroem um percurso
que produz uma expectativa inicial que se rompe ao iniciar o baile e “assanhar o
povo”. Sendo assim, os autores progridem semanticamente o texto por uma coesão
referencial, avaliada positivamente.
Verbos: Os recursos lingüísticos verbais maximizam os valores positivos de “Ir”
“nossa viagem não é ligeira”, “ninguém tem pressa de chegar”, “onde a comitiva
chega”, “ já começa a festança ”; “para pernoitar”, “se é gente boa e hospitaleira, a
comitiva vai tocar”, “moda ligeira” e “vai dançar” ou “moda lenta que faz sonhar”; “é
tempo bão que tava por lá nem vontade de regressar”.
O 2º enunciado narrativo é construído com a seleção de três verbos: “é
que as águas chegam em janeiro”; “deslocamos um barco ligeiro”, “fomos para
Corumbá”. O Ir a cavalo mantém a tradição dos guaicurus e o Ir de barco a dos
Paiaguás.
Os fazeres dos membros da comitiva são representados em língua com
avaliação positiva, pois agem como expressão cultural de um povo que possui uma
convivência feliz e hospitaleira, acolhedora e barulhenta quando surgem estas
ocasiões especiais e por representarem o meio mais tradicional de condução de
gado utilizado na região pantaneira.
O movimento do Ir e Vir traz o percurso das comitivas boiadeiras expresso
pelos segmentos: Rio Negro, Nhecolândia, Paiaguás, Piquiri, São Lourenço e
Paraguai que designam respectivamente regiões e rios do Pantanal.
152
Enquanto formas e conhecimentos culturais, algumas expressões
assumem no pantanal uma significação diferenciada:
• O segmento lingüístico “comitiva”, de acordo com o Dicionário
Larousse Cultural (lat.comitiva) significa <grupo de pessoas que
acompanham> ; na linguagem do pantanal identifica a condução de
boiada em que prevalece de forma hierárquica, uma divisão de
responsabilidades.
• O segmento lingüístico “Abrir a porteira” – Na linguagem do dicionário,
porteira significa <portão móvel que fecha a entrada de uma
propriedade rural>.Na linguagem do pantanal, impregna-se de
misticismo, pois, se refere a um local mal-assombrado propício à
aparição de seres de outros mundos dispostos a molestar a quem ousa
cruzá-los após o entardecer.
A comitiva pantaneira, em seu movimento de Ir e Vir, atravessa uma
região que se estende por Mato Grosso do Sul, reconhecida na região pantaneira
pelo nome de: Pantanal do Aquidauana, do Miranda, do Taboco, de Nhecolância, do
Paiaguás, do Tereré, do Nabileque, do Paraguai, do Abobral, do Rio Negro, do
Jacadigo.
Sendo assim, a comitiva pantaneira representa a designação “Travessia”,
que assume valor positivo ao retratar o movimento das comitivas como uma cultura
arraigada aos hábitos pantaneiros e associada ao contexto de alegria, apego aos
hábitos e ânsia de mobilidade presente nos membros das comitivas.
153
Os grupos sociais relativos ao Pantanal são definidos pelos seus
conhecimentos avaliativos e pela forma como os membros de um grupo cultural
falam entre si e são:
• Os membros das comitivas: aliam trabalho à diversão, pois a estrada é
o seu próprio mundo.
• Os donos de fazenda: a preocupação central é a manutenção da
fazenda e o lucro com a venda do gado.
• Os capatazes: assumem o lugar do dono da fazenda; bons
negociadores.
O contexto local é relevante, pois por meio dele podemos situar o
momento focalizado, pois, ao aludirem à Comitiva Esperança, os autores nos remete
a duas situações:
• Momento focalizado: resultante de um projeto patrocinado pelo governo
do Estado, para que os autores Almir Sater e Paulo Simões, junto a
outros artistas realizassem um documentário sobre a viagem a cavalo e
lombo de burros das comitivas pantaneiras.
• Momento de criação: O intertexto explicita a viagem das comitivas
pantaneiras como representação efetiva dos hábitos e costumes
presentes na vida pantaneira.
Este projeto compreendeu o período entre novembro de 1983 e fevereiro
de 1984, e a comitiva era formada pelos compositores, o maestro e violonista Zé
154
Gomes, o jornalista Zuza Homem de Melo e o fotógrafo Raimundo Alves Filho com o
objetivo de percorrer o Pantanal do Paiaguás, Nhecolândia, São Lourenço Abobral e
Piquiri. A viagem durou três meses e sobre este assunto, Paulo Simões em
entrevista concedida a esta pesquisadora afirmou:
Chamou-nos atenção a linguagem, os hábitos o isolamento físico, coisa muito preciosa para o pantaneiro, fiel depositário de palavras e tradição oral. Ouvimos moradores, peões de comitiva, mascates e outros representantes da comunidade pantaneira e percebemos que muita coisa já perdeu sentido; estávamos vivendo em outros lugares uma fase de transição em que os meios de comunicação com a chegada da eletricidade e da antena parabólica estavam rondando o Pantanal. É a velha dicotomia do progresso: ou vivemos felizes miseráveis ou modernos, estressados.
A análise realizada do texto de entrevista propiciou que se obtivessem
alguns resultados:
Palavras-chave: “linguagem”, “hábitos”, “isolamento físico”, “fiel depositário de
palavras e tradição oral”, “fase de transição”, “dicotomia do progresso”.
A letra do intertexto busca resgatar as tradições culturais sul-pantaneiras antes que
elas se modifiquem com a chegada da eletricidade e dos meios de comunicação na
região, levados pela “dicotomia do progresso”.
Em busca das tradições locais: Este projeto traz a representação das tradições
culturais locais na medida em que elas implicam o movimento do Ir e Vir.
Com relação à contemporaneidade, ao se referir às comitivas boiadeiras,
na lembrança de muitos peões, ainda estão vivas as travessias de até vinte mil bois,
do Paraguai para São Paulo, conforme Nogueira (2003, p.113); esse trabalho
desempenhado pelas comitivas ao longo dos tempos, está sendo substituído pelos
caminhões-boiadeiros pelas estradas brasileiras.
155
Enquanto os caminhões, as gaiolas, os boieiros vão, aos poucos, substituindo uma tradição de séculos, os berrantes, dependurados nas paredes das salas de visitas ou nas varandas, testemunham, calados, o desaparecimento de mais um costume típico, devorado pelas garras do progresso, que substituíram os tropeiros e os boiadeiros pelos caminhoneiros. NOGUEIRA (2002, p. 113).
A partir dos segmentos do intertexto 19, “moda ligeira”, “assanha o povo”,
“começa a festança”, insere-se o intertexto 20: “Emenda com a Galopeira” . Este
intertexto expande o intertexto 19 por complementaridade ao abordar as festas
pantaneiras e os costumes arraigados no povo da região.
5.2.3.Intertexto 20
O sanfoneiro encara todo o desafio
E mete bronca e tá pro que der e vier
Tem jeito de quem já comeu muita poeira
Mas aprendeu como fazer o povo feliz.
Toca uma moda lenta
E a moçada se apaixona
E a cantoria sai em verso bem cuidado
Mas quando vê que a coisa já está desandando
Sabe que é hora de tocar um rasqueado
E o baile fica bom
E dê-lhe polca a noite inteira
E quando já vai clarear
Alguém arranja uma parceira
E pro namoro não parar
Ele emenda uma galopeira.
156
O intertexto 20 retoma o lazer relativo às festas tradicionais que
acontecem nas fazendas e que tem nos bailes uma das suas maiores diversões.
Além de explicitar determinados hábitos arraigados aos costumes da região.
De acordo com Barros (1998, p, 181), ao fazer uma dicotomia entre
passado e presente com referência às grandes festas oferecidas no Pantanal, ele
afirma:
As grandes festas tinham datas conhecidas ou eram marcadas com antecedência. Quase sempre homenagem a santos: Senhor Divino, São João, São Benedito e São Sebastião eram os mais festejados. Os convites eram feitos com a bandeira sagrada, mas eram dispensáveis, pois a notícia de boca em boca atingia incríveis distâncias.
Esse intertexto tem como referente o papel do sanfoneiro focalizado na
sua responsabilidade de conduzir uma festa pantaneira. O contexto é relevante para
situar o momento focalizado, pois ao representar em língua, as festas pantaneiras, o
intertexto remete-se a duas situações:
• Momento vivido: O intertexto “Emenda com a Galopeira” foi composto em
homenagem ao pai do compositor Atílio Colman considerado um dos mais
tradicionais sanfoneiros da região pantaneira.
• Momento de criação: O intertexto explicita as festas tradicionais que ainda
acontecem na região pantaneira e enfatiza o importante papel dos
sanfoneiros responsáveis por garantirem um costume presente até os nossos
dias, ou seja, um baile pantaneiro animado por uma sanfona e um violão.
157
O intertexto 20 ao complementar o intertexto 19 traz um conjunto de
expressões lingüísticas regionais: “encarar o desafio”, “meter bronca”, ”comer
poeira”, “dar-lhe polca a noite inteira” e emendar uma galopeira”.
Essas expressões regionais contêm:
• Encarar o desafio; meter bronca = fazer acontecer, não hesitar em
realizar algo.
• Dá-lhe polca: é tocar repetidamente polcas paraguaias.
• Emenda com a galopeira: A designação vocabular contida no dicionário
é < emenda = correção de erro; lugar onde se ligam duas peças;> <
galopeira = sem indicação no dicionário>.
Todavia, nas raízes culturais históricas sul-mato-grossenses, a
designação indica dançar sem dar intervalo qualquer tipo de música que estiver
tocando ou por parte dos músicos, tocar uma música após a outra sem dar intervalo,
estabelecendo-se entre as pessoas uma disputa para ver quem consegue resistir até
o conjunto parar. Outro aspecto observado na cultura pantaneira é a religiosidade,
herança trazida do “velho mouro” e percebidas nos intertextos a seguir.
O intertexto 21 progride o texto-base a partir da expressão “terra santa” e
expande por complementaridade o intertexto 17, na medida em que tem como
referente a Deus focalizado no pedido para que Ele atenda às necessidades do
homem do sertão.
158
5.2.4 Intertexto 21: Pai Nosso Sertanejo de Carlos Colman e Alexandre Saad
Patrão do céu, peão do coração.
Acudi a nós que somos
Crente e rente na oração
Do rancho branco do céu azul
Olha pra nós do sertão
Manda chuva aí de cima
Pros lugar de precisão
Alumia o cerrado, a campina e a pastagem.
Da água benta dá bica a toda santa ramagem
Afasta os medos da gente
Que nós, os bichos temente.
Agradecemos, obrigado e amém.
Dirige a comitiva da vida e abençoa
O milho e o trigo do pão repartido
Seja feita a sua vontade
Em todo canto desse sertão
O pão nosso de toda safra
Dai-nos sempre com fartura
Sua hóstia sem custodia
De levar no peito, de levar no “zoio”
De levar na alma
Alumia o cerrado...
Perdoa os nossos vacilos de “tantas veiz”
Como devemos fazer igual
Com os nossos irmãos da lida
E quem vacila com vosmecê
159
Não permita as coisas ruim
Acontecer nesse estradão
Nos livre e guarde da tristeza
A parceira ingrata
Da marvada solidão
Alumia o cerrado.
O intertexto 21 tem como referente o pedido a Deus, aqui designado
como “patrão do céu”, “peão do coração”, para que proteja o peão de possíveis
desastres no seu percurso do Ir e Vir, representado pela expressão “estradão”, e na
“lida de sobrevivência realizada na fazenda”.
Esse intertexto está organizado como uma prece que representa a
religiosidade do sul-pantaneiro.
A prece implica a relação de participantes - Deus – pedintes – que neste
intertexto, têm seus atores designados por expressões que integram o vocabulário
regional:
• Deus: “patrão do céu”, “peão do coração” e “vosmecê”.
• Pedintes: “nós, crente e rente na oração”, “nós do sertão”, “os medos
da gente”, “os bichos temente”. “Os nossos vacilos de tanta veiz”,
“nossos irmãos da lida”, “quem vacila com vosmecê”.
• O pedido: “acudi a nós”, “olha pra nós do sertão”; “manda chuva ai de
cima pros lugar de precisão”, alumia o cerrado, a campina e a
pastagem”; “dá bica (água benta) a toda santa ramagem”; “afasta o
medo das gentes”; “dirigi a comitiva da vida”; “abençoa o milho e o pão
repartido”, “o pão nosso de cada safra dai-nos sempre com fartura”; “
160
não permita as coisas ruim acontecer nesse estradão” , “ nos livre e
guarde da tristeza, a parceira ingrata da marvada solidão” .
• Recursos lingüísticos para construção textual
Para a prece católica: “agradecemos, obrigado, amem”, “seja feita a sua vontade”;
“perdoa nosso vacilos” (..) “ como devemos fazer igual com os nosso irmãos da lida”.
Os recursos lingüísticos utilizados pelos autores intertextualizam a oração
“Pai Nosso” com o intertexto 21.
Metáforas: Representam metaforicamente, os seguintes segmentos: A expressão
“Deus” tem similitude com o pensamento dominante dos nativos da terra que o
representam como “patrão do céu”, “peão do coração”, “vosmecê”.
A expressão “pantanal” é utilizada pela similitude com o ambiente
regional, e representado por “estradão” e “canto desse sertão”.
Em síntese, os povoadores do Pantanal possuem uma fé que se
manifesta na evocação de santos e santas, na passagem de trechos da Bíblia, fé
esta que pode ser definida como ingênua, dogmática e mística segundo Barros
(1998). Junto aos princípios mais antigos das elites dirigentes, a fé forma os
substratos definidores fundamentais da cultura do povo pantaneiro.
É importante evidenciar que quando da chegada dos bandeirantes em
terras do Pantanal, eles encontraram aqui tribos indígenas com cultura e traços
lingüísticos próprios. A adaptação e assimilação dessas variadas culturas foram a
base para garantir a sua sobrevivência na vasta região pantaneira.
161
5.2.5 Intertexto 22 - Nossa Senhora do Pantanal de Alzira Espíndola e Orlando
Antunes Batista
O intertexto 21 expande-se semanticamente, no intertexto 22 pela
complementaridade ao explicitar o sentimento de religiosidade que move o povo
pantaneiro, numa identificação completa do homem com a natureza e com o
misticismo religioso.
Nossa Senhora do Pantanal
Quero cantar meu Pantanal
A pesca do peixe, o mundo natal
Da seriema livre no quintal
Nossa Senhora do Pantanal
Minha canção vem do coração
Não tem mal, tem o som do sabiá
O mugido do novilho
As manhãs feridas de orvalho
Nossa Senhora do Pantanal
Canto essa canção no portal do Pantanal
Deixando no ar o sinal do violão
Quebrando os males que me matam
Vejo a vida refletida no espelho do corixo
Minha querida santa
quero te adornar
Com aguapés que nascem nas
Águas dos nossos rios
Lambendo meus pés.
162
Este intertexto tem como referente a figura mítica de Nossa Senhora
designada como do Pantanal e focalizada na sua importância de protetora espiritual
do ambiente pantaneiro. Organiza-se como uma homenagem dos compositores à
figura de Nossa Senhora designada como Nossa Senhora do Pantanal e também
representa a religiosidade como crença católica cultural do sul-pantaneiro, avaliada
de forma positiva.
O intertexto 22 representa em língua a homenagem feita por:
• “Nossa Senhora do Pantanal quero cantar meu Pantanal”, “Nossa
Senhora do Pantanal, minha canção vem do coração”; “Minha querida
santa, quero te adornar com aguapés”;
• Recursos lingüísticos para a construção textual
Os autores constroem o canto com recursos lingüísticos que explicitam
um conjunto de hábitos daqueles que povoam o Pantanal sul: “a pesca do peixe”; “a
seriema livre no quintal”, “o som do sabiá”, “o mugido do novilho”, “as manhãs
feridas de orvalho”, “a presença dos aguapés”.
De forma geral, os recursos lingüísticos utilizados são metafóricos:
“Deixando no ar o som do violão”, “manhãs feridas de orvalho”. Há também o uso de
prosopopéia como representação da natureza: “Manhãs feridas de orvalho”, “águas
de nossos rios lambendo meus pés”.
5.2.6 Intertexto 23 - Pantanal em silêncio de Aral Cardoso
E por esse caminho que eu traço
No meio do mato
163
Deixando um sinal
Vou seguindo meu velho destino
Que sempre me leva pro Pantanal.
Deixo o rancho já quase tapera
E vou me atolando nesse lamaçal
Prá buscar neste mundo de Deus
O sentido da vida no meu Pantanal.
Ê pantanal sonho infinito
Dum caboclo caipira
Tocando a boiada
Soltando seu grito.
Ê Pantanal dos jacarés
Que vão movendo em silêncio
Na beira da águas
Entre os aguapés.
Onça pintada, arara, tucano
Bugio, tatu, tamanduá.
Vou seguindo no meio da mata
O caminho da faca do homem que mata
E por esse caminho que eu traço
No meio da mata deixando um sinal
Vou cantando o lamento tristonho
Dos bichos que morrem pelo Pantanal.
O intertexto 23 progride semanticamente e retoma o intertexto 17 no
movimento do Ir e Vir pantaneiro, representado pela expressão “velho destino que
164
sempre me leva pro pantanal”; “vou me atolando nesse pantanal pra buscar nesse
mundo de Deus o sentido da vida no meu pantanal”.
O intertexto traz designado o homem sul-pantaneiro por “caboclo caipira”;
essa designação contém a raiz histórica da vida do índio sul-pantaneiro que vive em
“rancho tapera”, “toca a boiada aos gritos” e convive com o movimento silencioso
dos jacarés, com a onça pintada, a arara, o tucano, bugio, tatu e tamanduá.
O intertexto retoma a crença indígena na sorte que para ter felicidade ao
cumprir o destino depende de se manter uma relação de respeito e amizade com a
natureza. A matança de animais e a depredação da natureza são avaliadas pelo
autor da letra musical de forma negativa: a crença cultural cria significações novas
para avaliar as atitudes dos caçadores e coureiros que destroem a natureza do
Pantanal.
Recursos lingüísticos de construção textual
O intertexto 22 é construído por:
Metáforas: Pantanal é representado por similitude como “nesse lamaçal”, “mundo de
Deus”, “sonho infinito”, “pantanal dos jacarés”, a fim de progredir semanticamente
“pantanal em silêncio”.
Prosopopéia: “vou cantando o lamento tristonho dos bichos que morrem”.
O autor atribui valor positivo ao Pantanal que é representado pela
expressão em língua: “caminho”, representado por “lamaçal”, “sonho infinito”,
“pantanal dos jacarés”, associado a uma necessidade premente de valorizá-la e
preservá-la.
Atribui valor negativo também à expressão lingüística “caminho”, que é
representado pelas expressões: “homem que mata”, “lamento tristonho dos bichos
165
que morrem no Pantanal”, “faca”, “bichos que morrem”, que se remete às formas de
exploração e violência usadas no Pantanal em nome do lucro e da ganância.
A expressão “caminho” se remete ao texto-base “Quanta gente” à medida
que passa a representar o movimento do Ir e Vir do pantaneiro em sua preocupação
constante com a preservação da região pantaneira e procura responder à questão:
“Quem derrubou a mata”?
No intertexto “Pantanal em Silêncio”, a expressão lingüística mais
freqüente é Pantanal, que passa a ser identificado por um valor positivo e negativo a
partir da caracterização dos diferentes grupos sociais a partir do que é vivido.
Para o tocador de boiada, o Pantanal tem:
Quadro 11 A representação do Pantanal para o tocador de boiada
Valor positivo, pois representa Valor negativo, pois representa • velho destino • Caminho da faca • busca do sentido da vida • Caminho do homem que mata • sonho infinito e mundo de Deus • Lamento tristonho dos bichos qu
morrem
Quadro 12 A representação da natureza pantaneira para o tocador de boiada
Água • jacarés, aguapés Terra • lamaçal, regiões inundadas,onça, tamanduá, tatu
Ar • arara, tucano, bugio
Esses valores representativos do Pantanal são os locais de percurso do
IR e VIR; já o homem é representado com:
Quadro 13. Os grupos sociais e sua valoração.
Valor positivo pelo Valor negativo pelos caboclo pantaneiro (os que estão
dentro do pantanal). caçadores, coureiros
contrabandistas (os que vem de fora).
166
Como elemento preservador daespécies animais e da próprianatureza.
como elemento destruidor daespécies animais e da próprianatureza.
O intertexto Pantanal em Silêncio traz como raízes históricas e
contemporâneas, a representação da travessia do pantanal feita pelo tocador de
boiada que traça o seu próprio caminho, tocando o berrante para conduzir a boiada
e se faz observar pelas expressões lingüísticas que indicam as ações: “que traço”,
“deixando um sinal”, “vou me atolando”, seguindo no meio do mato e pelas
expressões que traduzem os aspectos permansivos e que representam “o velho
destino” para “ buscar o sentido de vida” .
Quadro 14 A representação do movimento do Ir e Vir pantaneiro
Valor positivo, pois: Valor negativo, pois:
• indica a travessia como o sentido
da vida pantaneira garantindo a
sua própria subsistência.
• Indica a travessia como o
movimento do Ir e Vir contínuo
dos caçadores, coureiros,
contrabandistas ou mesmo de
turistas que invadem diariamente
o pantanal.
Nesse movimento contínuo, é possível situar dois momentos históricos:
• Momento histórico 1 – Índios colonizadores e pioneiros.
• Momento histórico 2 - Os caçadores, coureiros, contrabandistas, ou
mesmo turistas que são devastadores, exploradores, orientados pelos
seus próprios interesses.
167
Em síntese: As relações estabelecidas entre o texto-base e os intertextos
de letras musicais analisados propiciam a explicitação dos implícitos contidos no
texto-base de forma a responder à questão: Quem derrubou as matas?
As matas foram derrubadas pelos nativos da região, pelos pioneiros e por
fazendeiros-boiadeiros. Atualmente, vem sendo derrubada por interesses
econômicos que depredam gradativamente, a natureza.
Quem cultivou o cultivar foram os mesmos que derrubaram as matas e
que cultivaram grãos, e dedicaram-se à criação extensiva de gado.
5.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Novos intertextos foram selecionados do Discurso da História e da
Etnografia. A seguir são apresentados os resultados obtidos.
5.3.1 O Interdiscurso 01 – O Discurso da História
Foi selecionado o seguinte intertexto referente ao Discurso da História:
Intertexto 24. CORRÊA, LÚCIA SALSA. História e Fronteira: o Sul de Mato
Grosso.Campo Grande, MS: UCDB, 1999.
5.3.1.1 Intertexto 24
O espaço que correspondeu aos territórios de Mato Grosso e de Mato Grosso
do Sul, em pleno coração sul-americano, foi percorrido por europeus pela
primeira vez, durante o século XVI, quando aventureiros espanhóis
168
exploraram a foz do Prata e a rede fluvial que os levaria até as regiões
andinas.
[..] O passo seguinte foi o surgimento das Missões por iniciativa de jesuítas
espanhóis, com objetivos estratégicos de, através da nucleação indígena,
ocupar espaços em áreas intermediárias dos Impérios ibéricos no Novo
Mundo. Em 1719, Pascoal Moreira Cabral fundou o arraial de Cuiabá.
Entretanto, a despeito de toda a euforia causada pela descoberta de ouro
nessa região, que atraiu grande número de paulistas e muitos outros colonos
portugueses para esses sertões tão remotos, o chamado Ciclo de Ouro de
Cuiabá revelou-se de curta duração com o rápido esgotamento das lavras,
pelas suas características de ouro de aluvião e pela transferência das
descobertas ao Norte, dando seqüência ao Ciclo guaporeano.
Em conseqüência, essas crises foram acompanhadas de todo o cortejo de
misérias e provações rotineiras em assentamentos pioneiros, provocando o
deslocamento da população para novas lavras e a criação de novos núcleos
de povoação. Além disso, durante todo esse processo de apropriação de
terras e alargamento das fronteiras de Portugal, colonos e aventureiros
europeus chocaram-se com grandes agrupamentos indígenas, ali
estabelecidos anteriormente, sobretudo na região pantaneira.
Bandeirantes, apresadores de índios e aventureiros em busca de riquezas em
Mato Grosso sedimentaram as posses lusitanas na fronteira americana dos
Impérios Ibéricos e atravessaram imensos territórios que corresponderam
mais tarde ao sul-mato-grossense, resultando em novas mediações entre as
Coroas Ibéricas para formalizar essas posses.
[...] Os formosos campos de Vacaria que se estendem das nascentes do rio
Anhandui às cabeceiras do Dourados, com 200 léguas quadradas, com malha
fluvial conectada aos grandes rios Paraná e Paraguai, este atingido através
da navegação do Miranda, em embarcações de pequeno porte, prestaram-se
169
de forma muito apropriada à criação extensiva de gado e à instalação de
fazendas que se moldaram às suas peculiaridades ambientais. A Vacaria está
delimitada pelos municípios de Campo Grande, Ponta Porã e Dourados e
inclui Rio Brilhante, Sidrolândia e Maracaju. Atraíram pioneiros na primeira
metade do século XIX, procedentes de São Paulo e Minas Gerais. Nas
últimas décadas do mesmo século, chegaram as caravanas de gaúchos.
[..] Nos vales dos rios Ivinhema, Brilhante e Dourados estenderam-se os
ervais nativos, que permitiram a extração da erva-mate, tornando-se famosa e
rentável pela sua boa qualidade. Os ervais revestiam também a Bacia do
Amambaí e a serra de Maracaju, aparecendo na paisagem de matas tropicais
ou áreas de planícies, campos e cerrados, estes últimos conhecidos em Mato
Grosso como Caatins.
[...] O extremo sul de Mato Grosso apresentou o ambiente propício à
produção de erva-mate, competindo em qualidade e em quantidade com
outras regiões nacionais, bem como a produção paraguaia(Corrêa Filho,
1957). Entretanto, esses ervais sofreram, nas décadas finais do século XIX e
começos do XX, um processo de devastação intenso, em virtude de sua
exploração extensiva e predatória, agravada pela ocorrência da extração
clandestina e do contrabando via Paraguai.
Além disso, no ano de 1896, o Presidente do Estado de Mato Grosso
manifestava suas preocupações com incêndios criminosos, causados pelos
ervateiros independentes que reagiam contra o monopólio da extração
ervateira da Companhia Matte Laranjeira, assim como por contrabandistas,
incêndios provocados de forma criminosa por exploradores clandestinos,
todos adversários da poderosa companhia ervateira. A erva-mate
representou uma das principais atividades econômicas do Estado de Mato
Grosso, nos fins do século passado, até início do século XX, considerada
170
responsável pelo povoamento e pelo desenvolvimento de sua fronteira
extrema.
[..] Todavia, os vastos territórios do Sul de Mato Grosso aqui focalizados, não
haviam sido incorporados, de forma plena, ao sistema de produção capitalista
até a metade do século XIX. Na verdade, por muito tempo ainda, essa
fronteira teria o seu desenvolvimento econômico propriamente dito,
retardatário, visto que uma de suas características principais foi a
sobrevivência de um modelo tradicional e anacrônico de ocupação extensiva
e exploração primitiva e predatória de seus recursos naturais.
[..] É consenso que, em linhas gerais, onde a penetração do Capital
impulsionou a indústria, a agricultura e a pecuária, com grandes
investimentos e tecnologia moderna, com produção em larga escala e
trabalho assalariado, o impacto ambiental foi mais rápido, maior e mais
agressivo.
[..] Exemplos de uso abusivo dos recursos naturais nessa fronteira foi o caso
das matas ciliares, queimadas ou exploradas para abastecimento de lenha
das embarcações a vapor que realizavam o intercurso fluvial da Bacia do
Prata e do Baixo-Paraguai, dando início à degradação e assoreamento das
margens e leitos dos rios navegáveis, com desdobramentos inevitáveis sobre
o equilíbrio natural dos Pantanais.
[..] Também com queimadas e derrubadas de matas virgens, os criadores de
gado da região de Vacaria faziam uso de recursos não-renováveis do
ambiente sem a preocupação de preservação, e mesmo nos campos
alagadiços dos Pantanais, para ampliar as pastagens e abrir espaços para
roças de subsistências. Contudo, provocavam o desaparecimento de capins
nativos, destruíam “barreiras” naturais e mananciais, pela falta de cuidado e
de investimentos.
171
[..] Em 1887, o então Presidente da Província mato-grossense, Dr José
Joaquim Ramos Ferreira, observava que a atividade agrícola era praticada
em todo Mato Grosso com a devastação das matas. Derrubava-se a machado
árvores de cedro, jacarandás e outras espécies nobres, ateando-lhe fogo. As
sementes eram lançadas ao solo sobre as cinzas e sem a menor
preocupação de limpar o terreno de forma conveniente, que apenas recebia
uma tosca cerca de troncos de árvores queimadas para impedir o avanço do
gado.
[..] Foi, portanto, com a penetração de relações capitalistas, assumindo
formas peculiares (convivendo com formas anacrônicas de uso de solos) na
fronteira Sul de Mato Grosso, que se iniciou um processo de impacto
ambiental deformador / transformador de seu exuberante espaço e da rica e
diversificada cadeia vital de sua natureza. Assim, a relação estabelecida entre
a penetração do Capital na região e seu meio ambiente, não deve ser
entendida de forma direta e simplista, porque foi, em última análise, uma
relação histórica peculiar, marcada pela complexidade e interatividade,
resultado da conjugação de múltiplas determinações econômicas, sociais e
culturais num espaço singular de fronteira.
A partir da seleção do segmento do texto-base, “Quanta gente tanta”,
insere-se o intertexto 24 que tem como referente textual a ocupação do espaço
territorial no então Mato Grosso sendo que a focalização é dada ao impacto
ambiental causado pela penetração do Capital tanto na indústria, pecuária e
agricultura.
Situa-se o intertexto no discurso da História e segue um percurso
narrativo relativo à ocupação territorial do Mato Grosso e MS.
172
O texto está organizado pelo seguinte enunciado narrativo que contém
um sentido mais global.
Estrutura Textual narrativa
Situação Inicial 1: A natureza preservada pelos nativos indigenas.
Fazer Transformador: A depredação da natureza por desbravadores bandeirantes,
mineradores, plantadores de erva-mate e fazendeiros, extração irracional de madeira
nobre, roças de subsistência e a criação extensiva de gado.
Situação Final: O território sul-mato-grossense depredado.
A narração histórica é representada por vários tempos:
Durante o século VVI: Aventureiros espanhóis exploraram a região do Prata.
Século XVII: Surgimento das Missões por iniciativas de jesuítas espanhóis para
ocupar espaços.
Século XVII: e princípios do século XVIIII - Avanços portugueses em direção à
fronteira oeste de sua colônia para disputar a região com os espanhóis.
Século XVIII: Fundação do arraial de Cuiabá e descoberta de ouro nessa região, de
forma a atrair grande número de paulistas e de outros colonos portugueses (ciclo de
ouro de Cuiabá).
Século XVIII: e 1ª metade século XIX – Bandeirantes e aventureiros em busca de
riquezas em mato Grosso que sedimentam as posses lusitanas na fronteira
americana dos impérios ibéricos. Este alargamento atravessou imensos territórios
que correspondem hoje a Mato grosso do Sul.
2ª metade do século XIX: Criação extensiva de gado e instalação de fazendas que
atraem paulistas e mineiros e nas últimas décadas do mesmo século, os gaúchos.
No cultivo da erva-mate.
173
Nas décadas finais e início do século XX: Processo de devastação intenso,
decorrente da exploração extensiva e predatória da erva-mate agravados pela
ocorrência da extração clandestina e do contrabando via Paraguai.
A erva-mate representou uma das principais atividades econômicas, nos
fins do século passado até início do século XX, considerada responsável pelo
povoamento de sua fronteira extrema.
Em 1867, José Joaquim Ramos Ferreira, Presidente da Província de
Mato Grosso, observa que a atividade agrícola era praticada com a devastação das
matas.
Também com queimada e derrubadas de matas virgens, os criadores de
gado da região faziam usos de recursos não renováveis sem a preocupação de
preservação para ampliar pastagens e abrir roças de subsistências.
A partir do percurso narrativo histórico, a autora opina a respeito do atual
ambiente sul-mato-grossense quando afirma que “a penetração de relações
capitalistas na fronteira sul de Mato Grosso, iniciou um processo de impacto
deformador depredador de sua natureza.”
No intertexto, as atividades econômicas são representadas em
ambientação diversa na região do sul de Mato Grosso:
• agricultura: Bacia do Amambaí e Serra de Maracaju, Vales dos rios
Ivinhema, Brilhante e Dourados, representada pela extração da erva-
mate, a pecuária pela criação de gado e o comércio pela venda de
lenhas para abastecimentos das embarcações que faziam, o percurso
na Bacia - Paraguai.
174
• pecuária: campos de Vacaria localizados das nascentes do rio
Anhanduí às cabeceiras do Dourados.
As atividades agrícolas, voltadas ao cultivo da erva-mate são avaliadas de
forma positiva:
• Por representarem: rentabilidade, competitividade, quantidade e
qualidade.
• Por serem a principal atividade econômica do Estado em fins do século
retrasado, responsáveis pela povoação e desenvolvimento da fronteira
do MS.
• Por outro lado, são avaliadas de forma negativa:
• Por representarem o processo de devastação e exploração extensiva
da erva-mate de forma predatória.
• Por ter propiciado extração e contrabando clandestino via Paraguai.
• Pelos incêndios clandestinos provocados por parte dos ervateiros
independentes que reagiam contra o monopólio da Companhia Matte
Laranjeira.
De forma positiva na medida em que caracterizam a lida pantaneira e a
obtenção de lucros, no entanto maximizando a avaliação negativa pela depredação
irracional da vegetação nativa de forma a propiciar a deformação fluvial.
175
5.3.2 O Interdiscurso 02 – O Discurso da Etnografia
Foram selecionados os seguintes intertextos referentes ao Discurso da
Etnografia:
Intertexto 25: NOGUEIRA ALBANA XAVIER. Pantanal: homem e cultura Campo
Grande, MS: Ed. UFMS, 2002.
Intertexto 26: BARROS ABÍLIO DE. Gente Pantaneira: crônicas de sua História. Rio
de Janeiro: Lacerda Editores, 1998.
Intertexto 27: PROENÇA, AUGUSTO CÉSAR. Pantanal: Gente, tradição e história.
Campo Grande, MS: Ed.UFMS, 1997.
Intertexto 28: LEITE, EUDES FERNANDO. Marchas na História: comitivas e peões-
boiadeiros no Pantanal. Brasília: Ministério da Integração Nacional; Campo Grande,
MS: Ed. UFMS, 2003.
5.3.2.1.Intertexto 25
[..] O aparte é uma atividade de rotina: apartam-se os animais para ferrar,
sinalar, vacinar, desterneirar, castrar, separar o gado comercializável.
Às vezes, na época do aparte, é necessária a contratação de novos peões
campeiros; os diaristas, ou changueiros que, finda a temporada são pagos e
dispensados.
[..] É nos currais, no momento da apartação que se ouvem muitas expressões
lingüísticas que merecem registro como: vaca mojada, vaca parida de novo,
vaca boiadeira, fazer o descarte, desterneiras, refugo, etc. (2002, p.87-91)
[..] A bagualeação é uma atividade tipicamente pantaneira e consiste na
caçada ao gado bagual, nas matas e/ou capões, nos pantanais. Se em
176
tempos idos, essa prática era uma rotina na vida do vaqueiro do Pantanal,
hoje limita-se a algumas fazendas que se tornaram famosas por possuírem
gado bagual.
Denomina-se bagual, o gado arisco, que se alonga nos fundões do campo,
aquele que sempre viveu solto e livre nas partes mais sujas e intransitáveis
das matas cerradas. Fora do alcance do homem, no convívio exclusivo com a
natureza, esse gado aprende a entender até o canto dos pássaros e trata de
esconder-se ao ouvir qualquer barulho suspeito.
[..] A carneada é uma atividade que faz parte do metier pantaneiro. Um peão
que não sabe carnear, na é pantaneiro de fato. Como todas as outras
atividades, também o ato de abater o animal, para o consumo da fazenda,
denominado carneada, tem o seu ritual mais ou menos padronizado, com
pequenas variações, que não cabem ser abordadas neste momento.
Dependendo do número de pessoas que trabalham na firma, entre gerentes,
capatazes, peões da sede e, até dos retiros, as carneadas podem ocorrer
mensalmente, semanalmente e até mais de uma vez na semana.
Muitas fazendas possuem processos modernos de abate, como nos grandes
frigoríficos. A introdução da geladeira e do freezer concorreu para que muitos
hábitos da carneada fossem mudados.
[...] Hoje, a carneada é realizada por um ou dois peões ou até por vários
deles que estiverem de folga. A carne é levada ao açougue e os peões a
compram por quilo. Em algumas fazendas os peões recebem seu quinhão de
carne de graça; em outras, adquirem-no por preço bem mais baixo que o do
mercado comum. Há fazendas onde o peão é responsável pelo açougue:
compra a matula, paga-a e vende a carne para os demais peões.
[..] Conduzir boiadas por estradas de chão, chamadas de estradas boiadeiras,
era, outrora, prática rotineira em todos os pontos do país. Durante muito
tempo, nos sertões, somente o som do berrante, o barulho dos cascos dos
177
animais, o estalo da guaxa e o berro dos bois quebravam o silêncio das
estradas. Em muitos casos, as comitivas boiadeiras representavam o único
elo entre o sertão e as cidades.
[..] Nas comitivas bem organizadas, não faltam alimentos para os vaqueiros
que bebem café, tomam seu infalível tereré, almoçam e jantam arroz
carreteiro, macarrão , feijão, farofa, carne seca ou uma caça: porco do mato
ou queixada
[..] Nos dias atuais, os caminhões-boiadeiros vem gradativamente,
substituindo o transporte pelas estradas de chão com destino às chatas
(embarcação de fundo chato, puxada por rebocadores e que comporta cargas
pesadíssimas)aos navios boiadeiros e alguns, diretos aos frigoríficos.
[..] Enquanto os caminhões, as gaiolas, os boieiros vão, aos poucos,
substituindo uma tradição de séculos, os berrantes, dependurados nas
paredes das salas de visitas ou nas varandas, testemunham, calados, o
desaparecimento de mais um costume típico, devorado pelas garras do
progresso, que substituíram os tropeiros e os boiadeiros pelos caminhoneiros.
(2002, p. 87-113)
O referente textual são as atividades básicas do universo pastoril, ou seja:
o aparte, a bagualeação e a condução das boiadas e a focalização se volta ao
pantaneiro como um incansável construtor de sua cultura.
Este intertexto traz representado em língua um conjunto de tradições
pantaneiras: o aparte do gado, nas fazendas pantaneiras, a bagualeação, a
carneada, o conduzir boiadas por estradas de chão e o papel das comitivas
boiadeiras.
Esses aspectos da tradição cultural pantaneira em vias de extinção são
substituídos, no momento atual, pelos caminhões, gaiolas e boieiros, o que guia o
178
boiadeiro-pantaneiro a “pendurar os berrantes nas paredes das salas de visita ou
das varandas”, pois propicia “o desaparecimento de mais um costume devorado
pelas garras do progresso que substituíram os tropeiros e boiadeiros pelos
caminhoneiros”.
Este intertexto progride semanticamente o texto-base, dando adesão aos
valores representados que são os mesmos:
• Valores positivos atribuídos às tradições culturais.
• Valor negativo atribuído ao esquecimento das tradições devido ao
progresso.
A autora utiliza as designações referentes ao presente: caminhões-
boiadeiros que vêm gradativamente substituindo o transporte pela estrada de chão e
os berrantes dependurados nas paredes testemunham o desaparecimento de mais
um costume típico da região com valor negativo por representarem a perda de
valores históricos culturais da região.
A expressão lingüística “passado” assume valor positivo, pois, é
responsável pelo conjunto das tradições culturais sul-pantaneiras e valor negativo à
lida na região, devido à entrada de capitais e introdução de novas tecnologias.
A opinião emitida nesse texto é ponto de partida que justifica a pesquisa
utilizada na elaboração dessa tese. Neste contexto, as designações “caminhão-
boiadeiro”, “gaiolas”, “boieiros”, assumem valor negativo para os boiadeiros-
pantaneiros, pois implicam perda de serviço, substituição, aposentadoria,
afastamento do meio ambiente e valor positivo para o grupo social dos fazendeiros
por implicarem rapidez, rentabilidade e lucros mais rápidos.
179
5.3.2.2 Intertexto 26
O intertexto 26 é expandido semanticamente, pelo intertexto 25, por meio
das expressões: “atividade pastoril” e “bagualeação” e se remete ao texto-base ao
procurar responder à questão: Quem cultivou o cultivar?
No Pantanal, foi a geografia que levou o homem à atividade pastoril. Lá não
cabe a lavoura, a mineração ou qualquer outra atividade de caráter
sedentário. Aquela imensa planície é terra de bois e vaqueiros por vocação.
Aqueles sitiantes do Livramento, plantadores de banana e cana foram aqui
moldados pela vocação da terra. Tornaram-se vaqueiros. Mas os velhos
pioneiros e seus companheiros trazidos para o serviço sentiam-se, no
começo, ainda desajeitados no manejo do laço e cavalo.
Seus descendentes, entretanto, já na primeira geração, mesmo os
fazendeiros doutores, acabaram dominando a arte com destreza e maestria.
Acabaram adquirindo também a postura que a própria atividade pastoril
imprime. Nesse sentido, entendo que a atividade campeira, mais do que a
geografia define os traços de caráter do vaqueiro pantaneiro.
A lida no Pantanal tem características muito próprias. Em primeiro lugar, a
pecuária é extensiva, feita em grandes áreas, pelo diminuído suporte dos
campos. O Pantanal é formado de áreas abertas, os largos, semelhantes ao
pampa gaúcho, mas também de capões de mata e cordilheiras de cerrados,
às vezes extensos.
[..] O simples ato de reunir o gado exige técnica, habilidade, inteligência e um
certo faro da situação. Ao ver o gado de longe, nos campos limpos, ou supô-
lo próximo, em cerrados, o vaqueiro precisa ser capaz de previsão do
180
comportamento dos animais para traçar a estratégia de sua
contenção.Quando se trata de bagualeações, essa estratégia tem logística
militar.Bagual é a rês alçada, insubmissa ao mundo do vaqueiro, mau
elemento, no seu dizer.
[..] Assim, os vaqueiros pantaneiros além da inteligente estratégia na reunião
do gado, devem associar à destreza do laço a coragem das correrias nos
cerrados, para “ rasgar o mato” como dizem.
E, com a mesma habilidade, devem também saber passar do cavalo às
canoas leves e ligeiras das grandes travessias. Têm a destreza do gaúcho
em campo aberto, o destemor do vaqueiro nordestino das caatingas e
revivem , no rio, a agilidade dos Guató e Paiaguá, nossos índios canoeiros.
Essa múltipla habilidade, exigência da lida pantaneira, dá ao nosso vaqueiro
uma certeza interior de maior valia, um sensível orgulho de sua capacitação
e, por certo, um sentimento de superioridade. Sente-se como profissional
qualificado. (1998, p. 146-147).
O intertexto 26 tem como referente a atividade pastoril no Pantanal como
definidora do caráter do vaqueiro pantaneiro e a sua focalização se volta a afirmar
que o Pantanal não é região para lavoura, mineração ou qualquer atividade
sedentária e sim para a criação de gado.
Este intertexto é organizado pelo esquema textual opinativo e defende
uma tese justificada por um conjunto de argumentos:
Estrutura textual opinativa
181
Tese: A lida pantaneira dá ao vaqueiro um sentimento de superioridade de ser um
profissional qualificado.
Justificativa: Argumentos de probabilidade:
Argumento 1: O ato de reunir o gado exige habilidade, técnica, destreza e um certo
faro da situação.
Argumento 2: A bagualeação é uma estratégia que tem logística militar por
necessitar traçar .
Argumento 3: A coragem das correrias nos cerrados para rasgar o mato como
dizem.
Argumento 4: A habilidade à atividade campeira foi quem definiu os traços do caráter
do vaqueiro pantaneiro, para passar do cavalo às canoas leves nas grandes
travessias.
Argumento de reforço:
Argumento 1: A destreza do gaúcho em campo aberto.
Argumento 2: O destemor dos vaqueiros nordestinos nas catingas.
Argumento 3: Reviver no rio, a agilidade dos Guatós e Paiaguás, nossos índios
canoeiros.
Regras de causalidade: No pantanal, foi a geografia que levou o homem à atividade
pastoril.
Este sentimento de superioridade do vaqueiro pantaneiro é avaliado de
forma positiva e superlativa e representado como traço cultural mais forte do homem
sul – pantaneiro, pelo autor.
O segmento lingüístico “sentimento de superioridade” condensa um
conjunto de traços culturais dos indígenas nativos da região, dos colonizadores
182
ibéricos e da migração populacional brasileira, de forma a selecionar para este
conjunto populacional apenas traços culturais que são avaliados de forma positiva.
5.3.2.3 Intertexto 27
O intertexto 27 expande semanticamente o intertexto 26, ao focalizar o
referente: cultura sul-pantaneira pela miscigenação cultural.
[..] Do índio veio a mania de dormir em redes, de tomar banho sempre que
possível nos rios e corixos, de se encostar indolentemente nas paredes e nos
troncos das árvores, de andar descalço (costume que está desaparecendo),
de falar pausadamente. Dele o pantaneiro pegou o costume de respeitar os
animais, a arte das mulheres de tecer redes nos teares, o gosto de andar a
cavalo, de locomover-se (nomadismo), certas desconfianças e cismas, o
desgosto pela enxada, pelo trabalho nas lavouras (sedentarismo), a mania de
concordar com tudo para livrar-se do interrogatório ou agradar o interlocutor,
a timidez, o amor à liberdade, o costume de festanças, a mania de botar fogo
no campo, o vício do guaraná ralado, importado dos índios maués da
Amazônia, etc.
[..] O vaqueiro do Pantanal tem muito mais do bugre que de negro, embora
tenha havido uma importação bem grande de negros para o trabalho da
mineração. O fato é que o sangue negro parece que não se espalhou, em
virtude da longa predominância exercida por Vila Bela e mais tarde por
Cuiabá sobre outras povoações do Estado.
[..] A influência paraguaia é notória na culinária e na música. Depois da
Guerra do Paraguai, muitos paraguaios não encontrando meios de
sobrevivência no seu País, vieram para o Brasil trabalhar na lavoura e na
183
pecuária, introduzindo seus costumes, influenciando, inclusive, no linguajar do
pantaneiro do sul. Na música deixaram as guarânias, as polcas, os
chamamés. Na culinária deixaram o puchero, a sopa-paraguaia, a chipa, o
hábito de tomar tereré com água fria, que é o mate dos gaúchos tomado com
água quente.
[..] Da Bolívia vieram várias contribuições entre as quais o arroz-boliviano, e
ainda a salteña. O cuiabano, o livramentano, o poconeano, quando desceram
para povoar o Sul trouxeram, além dos seus hábitos, as suas comidas, como
a farofa com a banana, a farofa de carne, o caribéu (carne seca com
mandioca), o quebebe com mamão, o doce cristalizado, o licor de piqui, o
pacu assado, frito ou ensopado. (1977, p.159 –160)
O recorte apresenta o intertexto 26 que segue uma estrutura textual tipo
explicativo e progride semanticamente pela apresentação de informações das partes
(traços culturais diversificados) que compõe o todo (cultura sul-pantaneira).
• A influência da cultura indígena:
Hábitos: “dormir em rede”, “tomar banho sempre que possível em corixos ou rios”,
“andar descalço”, “falar pausadamente”, “respeito aos animais”; “a arte das mulheres
de tecer redes nos teares”; “o gosto de andar a cavalo”; “o desgosto pela enxada,
pela lavoura”.
Costumes: certas desconfianças e cismas, a mania de concordar com tudo para livrar-se
do interrogatório ou agradar o interlocutor, a timidez, o amor à liberdade.
• A influência paraguaia na culinária e na música pantaneira:
Hábitos musicais: Ouvir guarânias, polcas e os chamamés.
Hábitos culinários: o arroz carreteiro, a chipa e tereré.
184
• A influência boliviana:
Hábitos culinários: o arroz-boliviano e a saltenha.
• A influência cuiabana, livramentana e poconeana:
Hábitos culinários: farofa de banana, a farofa de carne, o caribéu (carne seca com
mandioca).
Logo, o intertexto 26 progride semanticamente, os intertextos já analisados, 24 e 25,
a fim de explicitar informações a respeito das diferentes contribuições culturais que
se condensam na cultura sul-pantaneira, sintetizada pela designação do intertexto
anterior “sentimento de superioridade” do vaqueiro-pantaneiro, devido às suas
“múltiplas habilidades”.
5.3.2.4 Intertexto 28
O intertexto 28 foi selecionado para justificar a bovinocultura, ou seja, a
criação de gado como um tipo de cultivo da região sul-pantaneira sendo a mais
característica para as tradições culturais locais.
[..] Na região pantaneira, as grandes fazendas de gado, no princípio,
estabeleceram-se como centros viabilizadores de uma pecuária quase
rudimentar, até configurarem-se como propriedades responsáveis pela
ocupação econômica da região, incorporando novidades que interferiram
diretamente nos hábitos e nas peculiaridades locais.
[..] Embora esses trabalhadores (condutor e peão –boiadeiro) ocupassem- e
ainda ocupam – papel destacável na introdução e expansão da pecuária, sua
presença na história é precariamente tratada. As representações
concernentes ao condutor, ao boiadeiro e às comitivas ganham notoriedade
185
na música caipira e na literatura. A presença deles nos textos de História
subordina-se às discussões sobre a pecuária enquanto atividade econômica,
a qual depende de forma antiquada de transporte.
Considerado o elo mais forte entre o fazendeiro e o rebanho, o peão tem
consciência de que boa parte do crescimento qualitativo e quantitativo do
rebanho depende dele.
[..] No Pantanal, os condutores de boiada e seus peões-boiadeiros podem ser
tomados como representantes de práticas e trabalho, instrumentalizadores de
um tipo de cultura conhecida como rústica. Mas se essas práticas tomadas
como rústicas, arcaicas ou até mesmo primitivas não sobrevivem
isoladamente, elas podem ser olhadas como uma peça destoante, diferente
no mínimo, da história desse século. Personagens da história, os condutores
e peões-boiadeiros fazem permanecer de forma reformulada práticas e
representações anteriores à modernidade, que no Pantanal chega por meio
das avançadas técnicas de produção e reprodução e engorda de gado e,
ainda, pela própria reconstrução da noção de Pantanal. Uma vez que a
modernidade pode ser historiada e ainda representada pela informática, pelas
telecomunicações, pelos avanços na biogenética, pela ampliação do universo
nas conquistas espaciais, pela implosão das fronteiras econômicas, pelo
tempo veloz e virtual, e por outro lado, pelo caos urbano, deterioração das
relações sociais, desemprego e violências crescentes, essa mesma
modernidade contém nos sertões antigos saberes e fazeres imprescindíveis à
própria existência do novo.
[..] Se na região norte-matogrossense, a pecuária chegou como subsidiária à
mineração só no século XVIII, no sul, e, especificamente no Pantanal, a
bovinocultura foi a principal atividade econômica motivada por fatores ligados
à geografia da região, grandes extensões de terras a serem incorporadas,
sem esquecer o ocaso da própria mineração ainda no século XVIII. Nessa
186
trajetória, os homens que empurraram grandes manadas de bovinos, eqüinos
e cavalares moldaram práticas socioeconômicas e culturais que vieram a
contribuir para a construção de um tipo de imagem regional assentada na
chamada bovinocultura. (2003,p.25 -92)
O intertexto 28 tem como referente textual o boiadeiro-pantaneiro
focalizado na sua representação sócio-econômica-cultural no Pantanal.
Esse intertexto é organizado pelo esquema textual opinativo e defende
uma tese justificada por um conjunto de argumentos que se organizam por um
enunciado narrativo, de forma a representar a bovinocultura como tradição cultural
mais representativa da tradição cultural sul- pantaneira:
Estrutura textual narrativa
Enunciado narrativo 1
Situação Inicial: A bovinocultura pela tradição de comitivas e peões.
Fazer Transformador: A adesão ao progresso pelas novas tecnologias da informática
e das telecomunicações.
Situação Final: A bovinocultura modernizada.
Enunciado narrativo 2
Situação Inicial: Grandes fazendas (grandes extensões de terras), com pecuária
rudimentar.
Fazer Transformador: Fazeres relativos às técnicas avançadas de modernidade:
produção e reprodução e engorda de gado, a inserção da informática, das tele
comunicações.
187
Situação Final: Grandes fazendas com métodos e tecnologias altamente
desenvolvidas.
Esse enunciado narrativo é envolvido pelo esquema textual opinativo que se opõe à
tese defendida no intertexto 24:
Estrutura textual opinativa
Tese 1: Intertexto 24: A tradição cultural da pecuária sul-mato-grossense está
desaparecendo ou já desapareceu.
Regra da causalidade: Entrada de modernas tecnologias que transformam a cultura
extensiva do boi.
Tese 2: (Intertexto 26) A introdução de modernas tecnologias faz parte da história da
bovinocultura que mantém tradição cultural da pecuária de forma que suas raízes
históricas culturais constroem significações novas culturais dinâmicas, mantendo,
embora modificada, a tradição pecuária da região.
Regra da causalidade: A pecuária garante os interesses de lucro dos grandes
interesses de lucro da região. Dessa forma, tanto na bagualeação, quanto na criação
atual, a tradição pecuária se mantém.
Ao designar “os condutores de boiada e peões-boiadeiros como
personagens da história”, o autor os representa de forma positiva como
responsáveis:
• Pela reformulação de práticas e representações anteriores à
modernidade (avançadas técnicas de produção e engorda de gado).
• Pela construção dinâmica da noção de Pantanal, por meio da pecuária
modernizada.
• Pelas práticas sócio-econômicas e culturais moldadas e responsáveis
pela construção de uma imagem assentada na bovinocultura.
188
Sendo assim, os condutores de boiada e os peões-boiadeiros passam a
ser focalizados com valor positivo por serem responsáveis pela principal atividade
econômica motivada por fatores ligados à geografia da região que é a bovinocultura.
Em síntese, os resultados obtidos dos intertextos, na interdiscursividade
das Ciências Sociais, trazem a oposição de duas teses para caracterização cultural
nativa no Mato Grosso do Sul:
Tese 1: A história transforma as tradições culturais regionais com a entrada de
novas tecnologias, de forma a fazê-las desaparecer.
Tese 2: Independente da história (modernas tecnologias introduzidas), a tradição
cultural se mantém produzindo significações novas para a bovinocultura.
Os resultados obtidos propiciam responder da seguinte maneira às
questões, relativas ao sujeito agente que derrubou as matas:
• Índios nativos da região para o plantio de subsistência.
• Jesuítas espanhóis, nas Missões para o aldeamento indígena e posse
de terras.
• Os desbravadores e colonizadores espanhóis da região em busca de
estradas (passagem para cruzar os Andes).
• Bandeirantes portugueses e brasileiros para escravizar índios.
• Mineradores na busca do ouro.
• Pioneiros vindos para a região para formarem fazendas.
• Militares dirigentes e combatentes da Guerra do Paraguai para
delimitarem politicamente, as linhas divisórias de fronteiras.
• Agricultores responsáveis para cultivo da erva-mate.
189
• Pecuaristas responsáveis para criação extensiva do gado.
Todos os sujeitos agentes, de certa forma, podem ser caracterizados pelo
Ir e Vir:
• Os que vieram e voltaram da região.
• Os que vieram e voltaram, permanecendo na região representados
culturalmente, pela “lida sul-pantaneira.
O Ir e Vir está focalizado na bovinocultura, após a porteira da fazenda
para quem derrubou as matas e cultivou o cultivar, veio para ficar e se instaurar
como proprietário de terra. O Ir e Vir significa simultaneamente, transporte da boiada
a seus lugares de venda e volta com o lucro.
Os resultados obtidos propiciam responder da seguinte maneira às
questões, relativas ao sujeito agente “Quem cultivou o cultivar”?
• Agentes que cultivaram a cultura de subsistência.
• Agentes que cultivaram a cultura católica.
• Agentes que cultivaram a mineração.
• Agentes que cultivaram a erva-mate.
• Agentes que cultivam a pecuária.
As respostas obtidas são organizadas em uma narrativa histórica, de
onde são cancelados vários fatores culturais que dinamicamente, são modificados
pela raiz histórica cultural: a pecuária, analisada neste capítulo na índole dócil, no
guerreiro combativo, no selvagem resistente e heróico, no pioneiro corajoso, na
190
capacidade de domínio, na inteligência estratégica, na alegria das danças e festas,
na culinária sul-pantaneira.
191
CAPÍTULO VI
QUEM GANHOU O LATIFÚNDIO? QUEM VEIO PARA TRABALHAR?
Este capítulo tem como ponto de partida o texto-base, Quanta Gente de
Zé Du e busca por meio de intertextos e interdiscursos responder às questões:
“Quem ganhou o latifúndio?” “Quem veio para trabalhar?”
6.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA
A resposta buscada para a questão que intitula este capítulo decorre do
segmento do texto-base “Quem ganhou o latifúndio? “Quem veio para trabalhar?" Os
resultados das análises do texto-base estão no item 3.1 do capítulo III.
6.2 INTERTEXTO: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS
Este item apresenta um conjunto de intertextos que foram selecionados
entre as letras de músicas regionais pesquisadas. Ao se segmentar o texto-base a
partir da expressão “mata” insere-se o seguinte intertexto:
6.2.1 Intertexto 29 Fulano de tal de Carlos Colman
A partir dos segmentos do texto-base “latifúndio”, insere-se o Intertexto:
Fulano de Tal de Carlos Colman.
Sou moço aqui do interior
192
Família conhecida, bem criado
Nasci para reinar
Meu patrimônio tá no campo
A terra é quem cuida
Eu nunca vi nenhum chifre de boi.
Ser bom de laço e de rodeio
Até que eu queria
Mas o calo atrapalha o violão
E a serenata pras mocinhas
É minha paixão, só nessa hora
É que me chamam de peão.
O intertexto 29 tem como referente o filho do dono de um latifúndio e está
focalizado na sua falta de compromisso com a propriedade paterna.
Esse intertexto tem como esquema textual o tipo descritivo e progride
semanticamente pela apresentação de informações da vida de um rapaz filho de
fazendeiro a partir de traços culturais diversificados, que se opõe a de um peão
pantaneiro:
Estrutura textual descritivo
Dados pessoais: moço do interior, família conhecida.
Patrimônio familiar: campo = lá - “meu patrimônio tá no campo”, “chifre de boi”,
“peão é ser bom de laço e de rodeio”.
Onde vive: cidade = cá: “O violão e a serenatas pras mocinhas” e a “paixão por
mocinhas”, “nasci pra reinar”.
193
Esses blocos descritivos estão ancorados na falta de compromisso com a
propriedade familiar do futuro herdeiro. No seu conjunto, o intertexto progride o
segmento lingüístico que é o seu título: “fulano de tal”.
O intertexto 19 “Emenda com a Galopeira”, presente no capítulo V, é
expandido por complementaridade por esse intertexto ao focalizar na expressão,
“mas o calo atrapalha o violão e a serenata pras mocinhas”, uma informação sobre o
jovem filho de fazendeiro que faz serenatas e sendo assim possui uma das
características tradicionais pantaneiras: “ser violeiro seresteiro” .
O contexto local é relevante, pois por meio dele podemos situar o
momento focalizado e, ao aludir à expressão “eu nunca vi chifre de boi”, os autores
nos remetem à seguinte situação contextual:
Como a maioria dos jovens, filhos de fazendeiros, foram acostumados a
se ausentar das fazendas para estudarem nos grandes centros: São Paulo, Rio de
Janeiro ou Curitiba, a maioria deles, com raras exceções, não possuía nenhum trato
com a terra e só viam a fazenda como “lazer” no período de férias escolares.
Exceção feita àqueles que se tornaram “doutores” e retornaram às suas
fazendas para administrá-las. Sobre esse assunto, o intertexto 28 progride
semanticamente ao retomar o intertexto 25, presente no capítulo V, quando o autor
afirma que “[..] seus descendentes, entretanto, já na primeira geração, mesmo os
fazendeiros doutores, acabaram dominando a arte com destreza e maestria”.
Recursos lingüísticos de construção textual
A expressão: “meu patrimônio tá no campo” tem valor metonímico, pois se refere à
boiada que é a “terra quem cuida”.
O intertexto 29 traz designado o filho de fazendeiro por “fulano de tal”,
essa designação contém implícitos com valor positivo atribuído ao poder econômico
194
regional que está presente na representação em língua do filho do dono do
latifúndio. A expressão “fulano de tal” pode assim ser explicitada: fulano tem por
referente qualquer individuo descendente de família proprietária de latifúndio; tal =
chefe da família rica e que tem o latifúndio.
A ocorrência da expressão “Fulano de tal” diferencia dois grandes grupos
sociais:
• Grupo 1 – Os que têm o poder – proprietários do latifúndio.
• Grupo 2 – Os que não têm poder - servem aos proprietários.
Os dois grupos são avaliados de forma superlativa: superior x inferior,
essa avaliação está sintetizada no segmento lingüístico “nasci para reinar”.
O descompromisso com a propriedade está contido nas expressões
lingüísticas: “a terra é quem cuida”, “eu nunca vi nenhum chifre de boi”, “eu até
queria ser bom de laço e rodeio, mas o calo atrapalha o violão”. “E a serenata é a
minha paixão”.
Os únicos traços de similitude entre o futuro herdeiro do latifúndio com os
seus antecedentes são: “a música, o violão e a serenata pras mocinhas”.
Em síntese, extragrupalmente, a avaliação positiva é atribuída à
designação do traço cultural regional: “ser peão”, “só nessa hora me chamam peão”,
e remete-se ao único traço cultural que o filho de fazendeiro tem com o peão
pantaneiro: “ser violeiro seresteiro”, a quem o autor representa no texto com valor
positivo.
Recurso lingüístico na construção textual
O autor utiliza diferentes recursos lingüísticos dentre eles:
195
Hiperônimos: “fulano de tal”. Esses hiperônimos são expandidos semanticamente
por uma coesão referencial de hipônimos: “moço do interior”, “família”, “nasci pra
reinar”.
Os hipônimos que progridem a expressão hiperonímica são representados pela
relação sintagmática nominal: substantivo e adjetivo.
O hipônimo verbal que representa em língua uma ação enquanto fazer do filho do
dono do latifúndio é “fazer serenata pras mocinhas” que estabelece relação com a
designação “peão”.
Os verbos-ocorrência no texto são: “nasci” e “queria”, “atrapalha e me chamam”,
estes verbos não designam fazeres do filho do dono do latifúndio.
O intertexto 30 Prazer de Fazendeiro de Delio e Delinha, pode ser
inserido no segmento do texto-base: “gado”, de forma a expandi-lo.
6.2.2 Intertexto 30 – Prazer de fazendeiro de Delio e Delinha
O maior prazer na vida
Já estou acostumado
Abraçar moça bonita
E dançar um rasqueado
Carregar dinheiro aos maços
E viver sempre folgado
Lenço branco no pescoço
Trinta e oito niquelado.
Na garagem um automóvel
Na cidade um sobrado
Tenho tropa no piquete
196
Na invernada tenho gado.
Se me chama fazendeiro
Digo sou remediado
As garotas carinhosas
vivem sempre ao meu lado.
Não tenho nada
Não posso ter
O que eu tenho
Dá apenas para viver
O referente do intertexto 30 é a vida divertida do fazendeiro decorrente da
posse financeira. Esse referente expande do texto a expressão “latifúndio” e está
intertextualizado com o intertexto 28 “meu patrimônio está no campo”. O referente
”fazendeiro” é tematizado pela oposição ser x parecer.
Dessa forma, são atribuídos dois valores culturais:
• Valor positivo: À naturalidade e à simplicidade.
• Valor negativo: À ostentação e ao exibicionismo.
O jogo entre o ser rico e parecer remediado “é tratado por Silveira (1999)
como forma de ocultamento social do brasileiro.
Recursos lingüísticos para a construção textual:
O autor utiliza os seguintes recursos lingüísticos para progredir semanticamente a
representação lingüística do “que o fazendeiro é” e “o que quer fazer parecer ser”.
197
Ser
Poder econômico: “carregar dinheiros aos maços”, “viver sempre folgado”, “lenço
branco no pescoço”, “na garagem um automóvel”, “na cidade um sobrado”, “na
invernada tenho gado”.
A proteção do fazendeiro: “trinta e oito niquelado”, “tenho tropa no piquete”.
O prazer do fazendeiro: “abraçar moça bonita” e “dançar um rasqueado”, “as garotas
carinhosas vivem sempre ao meu lado”.
Parecer ser:
Poder econômico: “sou remediado”, “não tenho nada, não posso ter, o que eu tenho
dá apenas pra viver”.
Os recursos lingüísticos utilizados pelos autores propiciam que as representações
em língua sejam construídas pelo binômio caracterizado pelo “fazendeiro” e seus
caracterizadores, “do que é” e o “que faz parecer ser”.
Em síntese: as relações estabelecidas entre o texto-base e seus
intertextos propiciam a explicitação de implícitos contidos nas palavras que ocorrem
no texto base.
Estas explicitações intertextuais decorrem da mudança de foco projetada
em elementos que compõem a história de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde
a figura do fazendeiro como dono da terra é um elemento forte e dominador da
região.
6.2.3 Intertexto 31 - Peão Baguá de Aral Cardoso
Eu sou vaqueiro desde menininho
Nasci no campo ao lado de um mangueiro
O meu destino eu traço sozinho
Na minha guaiaca tem muito dinheiro.
198
Clube do laço agora é rotina
É só largar que eu já to na cancha
Meu parelheiro esvoaça a esmo
E a mulherada toda se desmancha.
Minhas esporas são da cor de ouro
O meu chapéu é de carandá
A minha tralha é toda de couro
E meu apelido é peão baguá.
Peão baguá, peão baguá
Eu sou pantaneiro lá de Corumbá
Peão baguá, peão baguá
Sou mais respeitado que caraguatá.
O intertexto 31, “Peão Baguá” retoma o intertexto 17 “Peão Pantaneiro”,
presente no capítulo V ao progredir semanticamente, de forma descritiva as ações
que caracterizam a vida do homem pantaneiro, no movimento do Ir e Vir , no entanto
se opõe a este intertexto, quanto à focalização de um peão pantaneiro valorizado
positivamente, pelas suas habilidades o que lhe dá superioridade e bom ganho em
dinheiro.
Este intertexto retoma o intertexto 25, dando adesão a ele e progredindo o
seu segmento “sentimento de superioridade” que representa em língua, o peão
pantaneiro com múltiplas habilidades.
E por essa razão, opõe-se ao intertexto 17, quando explicita “meu
destino”, “eu traço sozinho”, na medida em que o seu sucesso depende
exclusivamente da sua própria capacidade pessoal.
199
Este intertexto está organizado por um enunciado narrativo construído
por:
Estrutura textual narrativa
Situação Inicial: “menino pobre”, “nascido no campo ao lado de um mangueiro”.
Fazer Transformador: Habilidade para executar um conjunto de fazeres que resultam
em ganho financeiro.
Situação Final: O peão ainda rude, sem trato social, mas com muito dinheiro.
Logo, este intertexto permite responder à questão: “Quem veio para
trabalhar?” da seguinte maneira:
Quem veio para trabalhar foram pessoas pobres, rudes, extremamente capacitadas
e hábeis e algumas delas enriqueceram como peões, embora houvesse falta de
trato social.
Recursos lingüísticos na construção textual
O autor usa como recursos lingüísticos um conjunto de palavras hipônimas:
Situação Inicial: Seleção metonímica: “campo”, “mangueiro”, “guaiaca, muito
dinheiro”.
Fazer Transformador: O autor recorre também, a metonímias: “clube do laço”,
“cancha”.
Situação Final: parelhereiro”, “mulherada”, “esporas”, “chapéu de carandá”, “esporas
da cor de ouro”, “tralha de couro”.
Na expressão “ser mais respeitado que caraguatá”, o vocábulo
“caraguatá” contém a seguinte definição: < uma espécie de bromélia formada em
touceiras, com folhas fibrosas e chatas, além de muitos espinhos que impedem a
penetração de animais nos cerrados, principalmente de bovinos e eqüinos>
200
Ao relacionar essa espécie de planta rústica do Pantanal ao segmento
“Peão Baguá”, o autor constrói similitude sêmica, com a designação vocabular
bagual: < rude, sem trato social>; na linguagem pantaneira: < animal criado à solta,
sem nunca vir ao mangueiro>. Essa similitude metaforicamente caracteriza o peão
sul-pantaneiro como um ser: < social, com poder aquisitivo, porém rude e livre,
senhor de seu destino>.
6.2.4 Intertexto 32 – Paiaguás de Guilherme Rondon e Paulo Simões
Este intertexto expande o intertexto 30 por complementaridade ao abordar
a presença do nativo da terra em seu movimento de Ir e Vir ao Pantanal.
Sobre o Taquari voa um avião
Sobrenatural ave de metal
Me leva feliz.
Lá no Paiaguás por o pé no chão
Fruta do quintal, leite do curral
Rede pra dormir
Bem eu devia dali nunca nem sair.
Mundo de aguapé parece ilusão
Água de cristal doce visual
Um céu tão azul
Polca ou chamamé
Primeira canção
Roda o tereré canta quem quiser
Lua vai ouvir
Bem que eu queria dali
201
Nunca mais sair.
O intertexto 32 tem como referente o habitante atual da região do
Pantanal do Paiaguás focalizado no amor à sua terra que o faz voltar para lá. Esse
intertexto progride semanticamente, o Ir e Vir de um nativo que tem posses, pois o
seu deslocamento espacial é feito por avião.
Dessa forma, refere-se a um outro grupo social “pessoas de posse”,
diferente do grupo social, “peões”.
É interessante observar que este intertexto progride semanticamente os
demais que se refere ao peão sul-mato-grossense, por trazerem o mesmo traço
cultural de apego à terra, com valor positivo.
Recursos lingüísticos para a construção textual
O intertexto 32 traz representado em língua, metonimicamente, um
conjunto de hábitos sul-pantaneiros: “fruta no quintal, leite no curral, rede pra dormir,
polca ou chamamé, roda de tereré, canta quem quiser”.
O autor recorre também a repetições com progressão: “bem que eu devia
dali nunca nem sair” e “bem eu queria dali nunca mais sair”.
À medida que representa por meio dos verbos “devia” e “queria” o
sentimento de estar permanente na terra natal e não como um eventual visitante, o
intertexto expande os intertextos já analisados que reforçam o sentimento de apego
à terra natal do nativo da terra e passa a representá-lo com valor positivo.
A expressão lingüística “Paiaguás” assume significações diferentes:
202
• Para o nativo da terra, a expressão Paiaguás tanto pode ser o Pantanal
onde se localizam as fazendas quanto o nome de uma delas, assim
como é o lugar de origem, retorno às origens, descanso, lazer.
• Para o discurso da Geografia, a expressão Paiaguás significa sub-
região pantaneira, situada na região de Corumbá, sul de Mato Grosso e
cortada por um dos principais rios do Pantanal, o Taquari e que hoje
assoreado ocasionou a inundação de mais de 1.000.000 hectares na
região.
• Para o discurso da História, Paiaguás remete-se a uma tribo indígena
encontrada na região desde o século XVI, conhecida por índios
canoeiros que tinham por hábito pilharem as tribos inimigas; junto aos
guaicurus passaram a representar a grande resistência contra as
expedições portuguesas e espanholas, atacando-os sem trégua nem
piedade, considerados os mais implacáveis inimigos dos
desbravadores e colonizadores iberos”, acometendo-os bárbara e
impiedosamente, conforme destaca Proença (1977, p.29).
O intertexto Paiaguás passa a ser representado por um valor positivo,
pois significa retorno às origens, apologia da natureza e dos hábitos presentes na
região e valor negativo pela saudade e conscientização de que distante da terra
perde o contato com a natureza e com o mundo existente no local.
Quadro 15 As expressões lingüísticas relativas ao ambiente pantaneiro
Rio • Taquari, água de cristal, mundo de aguapé. Céu • tão azul, lua.
Região • Paiaguás. Hábitos • rede, leite do curral, tereré, polca, chamamé.
203
6.2.5 Intertexto 33 - Canta Saudade de Aurélio Miranda
Ao retomar a questão: “Quem veio para trabalhar?” contida no texto-base
Quanta Gente, o intertexto 33: “Canta Saudade”, traz à tona a dicotomia do presente
e do passado na tradição cultural pantaneira.
Velhos tempos que passava o gado
Na porteira velha,
Naqueles confins, lá no meu sertão
A gente ouvia ao longe na estrada
O tropel da boiada, rompendo espigões
Seus cascos faziam poeira no chão
Na travessia um sol causticante
Tocava o berrante e gritava o peão.
He boi!...Canta Saudade
O bom tempo que se foi!
Lida arriscada que estoura a boiada
Rês de arribada, leva o sinuelo
Para ir atrás
Cruzar os pântanos e rios de cheia
E assim campeia pelos pantanais
Fogoso baio e o cavaleiro
E raça
Que o destino traça, se vem ou se vai,
Velhas cantigas, contam sua história
Trançados de glórias, que não voltam mais
He boi! Canta saudade
204
O bom tempo que se foi!
Traje de couro, gibão e guaiaca
Tralhas na bruaca, relíquia esquecida
Num velho galpão
E cachimbando, sentado no alpendre
Um ancião atende ao seu novo patrão
Que é agora o progresso que antes
Calou seu berrante e atou suas mãos
Rugas no rosto de saudade e mágoas
Que desaba em lágrimas o fim do peão.
O intertexto Canta Saudade retoma os demais textos analisados pelo
movimento do Ir e Vir do pantaneiro, o referente textual é o peão sul-mato-grossense
focalizado positivamente no passado na lida pantaneira.
Esse intertexto é organizado por um esquema textual que progride
semanticamente por um esquema textual. Esse intertexto está organizado pelo
esquema textual narrativo:
Estrutura textual narrativa
Situação Inicial: A lida do peão no passado.
Fazer Transformador: A chegada do progresso representado pelas novas
tecnologias para a bovinocultura.
Situação Final: O fim do peão no presente.
O intertexto “Canta Saudade” passa a ser representado por valor negativo atribuído
ao presente com o fim do peão, assim como a intersecção entre passado x presente
é representada pelas palavras: “velhos tempos“, “canta saudade”.
Recursos lingüísticos para a construção textual
205
O autor utiliza os seguintes recursos lingüísticos para representar o
passado:
Existe um limite espacial que é desligado espacialmente pela palavra
“porteira”. De um lado da porteira, na fazenda fica “a gente”. Do outro lado da
porteira, a lida do peão em seu Ir e Vir com a boiada (vazante e enchentes dos rios
pantaneiros).
O traço cultural dos peões é o Ir e Vir campeando, representado pela sua
lida e que tem avaliação positiva; já o presente para o peão é avaliado
negativamente pela não aceitação das mudanças trazidas pelas novas tecnologias e
que tem levado gradativamente, ao desaparecimento da figura do peão.
Essa avaliação negativa da moderna tecnologia que muda a lida do peão
é uma significação nova guiada pelos conhecimentos avaliativos culturais do homem
sul-pantaneiro.
O texto está intertextualizado com os seguintes intertextos por:
• Adesão: Intertexto 24 (ver capítulo V).
• Oposição: Intertexto 27 (ver capítulo V).
Os intertextos das letras musicais não tratam de questões relativas a
quem ganhou o latifúndio. De forma geral, tratam de quem veio para trabalhar e
como no momento atual se encontra como classe social.
Há consciência de que o progresso trouxe:
206
• Novas técnicas de administração nas fazendas com o surgimento de
superintendentes, diretores administrativos, assessores, supervisores,
veterinários, agrônomos, técnicos.
• Novos proprietários surgiram de grupos econômicos ou de conhecidos
empresários que não residem mais na fazenda e entregam a
administração a esse sistema administrativo já citado.
• O capataz assumiu hoje uma classe intermediária, mantém um contato
mais efetivo com os patrões, reside na propriedade, diferentes dos
peões que mantêm uma relação mais distanciada, fixam-se em
ranchadas (vila dos peões) ou residem nos galpões das fazendas.
Hoje, a substituição gradativa do meio de transporte: carroça, carro de boi
e cavalo, camionetes, caminhões, aviões torna-se cada vez mais comum.
O quadro abaixo traz a representação do presente na vida do homem
pantaneiro:
Quadro 16 As expressões lingüísticas representativas do presente.
Calou seu berrante Atou suas mãos
• Ou seja, a sua forma de vida, sua liberdade e mobilidade.
• Ou seja, a retirada de sua forma desobrevivência, o seu trabalho.
Sendo assim, o autor representa com valor positivo o passado vivido nas
fazendas, tipicamente representativo da cultura pantaneira e ao presente pelo
progresso, responsável pelo surgimento de estradas e pela construção do maior
sistema pantaneiro de estradas de rodagem, (Corumbá-MS a Cuiabá-MT),
atravessando grande extensão do Pantanal.
207
O autor representa com valor negativo o presente, pois as construções de
estradas têm-se configurado como uma das grandes contribuições para a quebra do
equilíbrio ecológico da fauna e flora locais assim como são responsáveis pela
transição de costumes rurais para a absorção de hábitos e cultura global que
segundo Xavier (2001,138), “traz conseqüências que só o tempo poderá dar
condições de avaliação”
O texto traz marcas não só do passado que explicitamente representa a
vida do boiadeiro pantaneiro, quanto do presente que traz em suas representações
as marcas da morte com a extinção gradativa do papel do boiadeiro no pantanal.
As representações lingüísticas presentes no intertexto apresentam uma
realidade cada vez mais presente nas fazendas pantaneiras: a sua venda para
grupos empresariais voltados à criação de gado, agricultura de grande porte e
empreendimentos turísticos.
Estas fazendas, a partir da venda, passam por um processo de
remodelação total: são informatizadas, passam a ser administradas por uma
estrutura moderna com a presença de profissionais ligados à área: gerentes,
veterinários, agrônomos, técnicos e administradores rurais que muitas vezes não
têm nenhuma ligação cultural com o ambiente.
Muitos peões continuam a realizar o seu papel ainda que de forma menos
ostensiva, mas sem as funções específicas e compromissos que era acostumado.
Em síntese, os intertextos das letras musicais não tratam de questões
relativas a quem ganhou o latifúndio e não são letras musicais que se referem à
bovinocultura; os intertextos progressivamente assumem o papel de mostrar a
responsabilidade profissional do boiadeiro-pantaneiro com capacidade de ação
208
caracterizada pela sua superioridade advinda de suas múltiplas habilidades de forma
a marcar um dos traços culturais regionais.
6.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Foram selecionados como interdiscursos, o discurso da História e o da
Etnografia, por serem representativos dos discursos institucionalizados pelo Poder
da Ciência.
A seguir são apresentados os seguintes discursos científicos:
6.3.1 O interdiscurso 1: Discurso da História
Foram selecionados, para análise, dois textos do discurso da História, a
partir de segmentos do texto-base e de seus intertextos, já apresentados, no item
3.2.
Os intertextos selecionados são:
Intertexto 34 – CORRÊA, LUCIA SALSA. História e fronteiras: o Sul de Mato Grosso
1870-1920. Campo Grande: UCDB, 1999.
Intertexto 35 WEINGARTNER, ALISOLETE ANTÔNIA DOS SANTOS. Movimento
Divisionista no Mato Grosso do Sul – Porto Alegre: Ed.Est, 1995.
6.3.1.1 Intertexto 34
209
Os conflitos pela legitimação de posses, somados às pretensões territoriais
entre os Estados vizinhos, acabaram por traumatizar e marcar a ferro e fogo o
Sul de Mato Grosso, envolvendo a região num processo de lutas
intermitentes. E, neste caso, a tensão dos primeiros povoadores de origem
européia em Mato Grosso, e a vigência de um estado de permanente
vigilância (e insegurança) caracterizaram os fenômenos de fixação ou
mobilidade dos núcleos de povoamentos coloniais, fossem estes fortificações,
vilas ou pólos de mineração em área de fronteira, o que acabou por conferir à
História colonial de Mato Grosso a marca de violência. Deve-se considerar,
portanto, como raiz desse contexto histórico a herança dos conquistadores
europeus e seu confronto com nações indígenas, dominantes nesse território
lindeiro por muitos séculos, assim como as bases coloniais implantadas e, de
forma anacrônica, conservadas por longo tempo em Mato Grosso. (1999, p.
55).
[..] O desbravamento ou, melhor definindo, a conquista e incorporação de
terras no continente sul-americano, cuja maior parte era território indígena,
alargando as fronteiras internas através de seus imensos sertões, tanto
ocorreu em íntima consonância com o desenvolvimento da economia
mercantil exportadora, como recebeu o impulso de, pelo menos, três outros
fatores derivados do movimento irradiador das relações capitalistas. O
primeiro desses fatores correspondeu às ondas migratórias que se
deslocaram tanto em âmbito interno quanto externo, possibilitando uma
exploração vertical de grandes extensões de terras incultas e redefinindo
antigos núcleos populacionais.
[..] O segundo fator responsável pela interiorização da expansão capitalista
específica no Brasil foi a Abolição da mão-de-obra-escrava, enquanto fato de
grande poder transformador e com repercussões bem conhecidas em nossa
História. Apesar da Abolição, entretanto, em Mato Grosso o trabalho
210
compulsório teve ainda larga utilização, envolvendo índios aculturados,
bolivianos, paraguaios e, de modo geral, trabalhadores pobres nas atividades
agrícolas (usinas de açúcar do Norte de Mato Grosso), nos ervais e nos
campos de criação bovina, na fronteira Sul.
[..] Por fim, o terceiro fator, e fenômeno concomitante aos demais nesse
movimento expansionista pelos sertões, correspondeu ao regime de posse
extensiva de terra, em proporções até mesmo inédita no Brasil, (lembrando
que Mato Grosso foi uma das regiões onde se constituíram os maiores
latifúndios do País) viabilizando a incorporação de terras indígenas, para
desenvolver a produção em larga escala. Uma das conseqüências mais
relevantes do regime de latifúndio em Mato Grosso foi a formação de uma
elite de proprietários rurais, que passou a atuar na política regional ao lado de
fortes comerciantes dos centros urbanos ao longo dos grandes rios.
Estabeleceu-se na política mato-grossense, um estado de permanente
conflito, onde as relações de poder dependiam em certa medida dos
interesses hegemônicos da economia regional, ora deslocando-se para a
classe de produtores (usineiros, pecuaristas) ora para os grandes
comerciantes dos portos.(1999, p. 147-149).
O intertexto 34 tem por referente o binômio patrão x empregado
representado por: “quem recebeu o latifúndio” e “quem veio para trabalhar”.
Esse intertexto progride os intertextos anteriores complementando-os
pelas atividades agrícolas da cana de açúcar e dos ervais e pela complementação
do capital através dos latifundiários e dos grandes comerciantes dos portos.
O texto está organizado pelos seguintes enunciados narrativos que
contêm um sentido mais global:
211
Estrutura textual narrativa
Enunciado 1
Situação Inicial: A posse de terra pelos indígenas nativos.
Fazer Transformador: Confronto pela posse da terra.
Situação Final: A posse de terras pelos europeus iberos.
Enunciado 2
Situação Inicial: Conquistadores sem mão de obra.
Fazer Transformador: Escravização e aculturação dos nativos: bolivianos e
paraguaios.
Situação Final: Atividades agrícolas: cana de açúcar, erva mate e criação bovina.
Enunciado 3
Situação Inicial: Posse de terras pelo colonizador ibero.
Fazer Transformador: Política colonial expansionista.
Situação Final: Doação de latifúndios.
Os enunciados narrativos apresentados compreendem o discurso envolvido da
cronologia histórica regional. O discurso envolvente, do tipo opinativo, compreende:
Tese: O estado sul-mato-grossense foi estabelecido por uma política de permanente
conflito de poder de forma a progredir o jogo de interesses do Poder, desde as
posses das terras pelos iberos à doação de latifúndios para a manutenção da
política extensionista e povoamento regional, por ultimo a visão capitalista do lucro
pela cultura agrícola e pecuária de forma a enriquecer não só o produtor quanto os
grandes comerciantes dos portos.
Os enunciados narrativos são hierarquizados pelo esquema textual
opinativo de forma a se agruparem na categoria Justificativa da tese.
212
• O desbravador, a conquista, a incorporação de terras.
• Escravização e aculturação do índio nativo, do boliviano e do
paraguaio.
• Formação da elite de proprietários rurais e de fortes comerciantes dos
centros urbanos.
Os fragmentos que compõem o intertexto 36 de Weingartner (1995,p.18-
22), é expandido pelo intertexto 37 e insere-se ao texto base “Quanta gente” de
forma a explicitar a formação da região do MS dos que vieram para lá, pois os
nativos eram apenas os índios.
6.3.1.2 Intertexto 35
Os portugueses estabeleceram-se no litoral atlântico até São Vicente, os
espanhóis mais ao Sul, na região Platina e no litoral do Pacífico. Os
conquistadores europeus fixam marcos, organizam povoações, a fim de
garantir a ocupação da terra conquistada, porque o Tratado de Tordesilhas
não é claro na delimitação das terras do Novo Mundo, sendo assim: fundam
as Missões do Itatim no Sul de Mato Grosso, introduzem o gado, na região, e
iniciam a exploração da erva-mate. A miscigenação entre índios e paraguaios
resulta nos paraguaios e, nos séculos XVII e em XVIII, índios e paraguaios
remanescentes das missões jesuíticas permanecem no Sul de Mato Grosso
como donos da terra.
[..] A importância sócio-econômica e política do Sul de Mato Grosso acentua-
se, na medida em que ocorre a sistematização da criação de gado, a posse
da terra e a formação de vilas e de cidades; concomitante a esses fatores,
213
ocorre a instalação da Companhia de Matte Laranjeira e a ligação ferroviária
entre o Sul de Mato Grosso e São Paulo.
[..] O desenvolvimento econômico do Sul de Mato Grosso proporciona o
fortalecimento político de um grupo composto de grandes proprietários rurais
da região que praticam a pecuária extensiva, cuja atividade econômica exige
grandes extensões de terras. Sendo assim, este grupo fundamenta seu poder
político e econômico no latifúndio e na associação a outros fazendeiros e não
proprietários estabelecendo laços de interdependência. As complexas
relações sócio-econômicas e políticas entre proprietários e não proprietários
fortalecem, politicamente, alguns grupos de famílias, dando origem a
formação das oligarquias sulinas desvinculadas das já existentes no Norte.
(1995, p.22).
O intertexto 35 está situado no discurso da História e segue um percurso
histórico dos povos que vieram para o MS: brancos, negros e mamelucos. Este
intertexto focaliza a legitimação e demarcação da posse de terra e do gado nativo
como sistema de criação extensiva.
O intertexto é progredido por quatro enunciados narrativos no seu
discurso envolvido a saber:
Estrutura textual narrativa
Enunciado 1
Situação Inicial: Os índios Guaicurus guerreiros e seus fazeres nativos.
Fazer Transformador: A chegada dos cavalos com os iberos.
Situação Final: Os Guaicurus como primeiros fazendeiros da região criando cavalos.
Enunciado 2
Situação Inicial: Chegada dos jesuítas e o contato dos índios.
Fazer Transformador: Construção das Missões.
214
Situação Final: Jesuítas e índios com posse da terra.
Enunciado 3
Situação Inicial: Pioneiros na região.
Fazer Transformador: Plantações de erva-mate e cana de açúcar e construções de
usinas e a pecuária de forma a produzir lucros econômicos.
Situação Final: Proprietários e não proprietários de terras ligados à política tomam as
terras dos antigos donos e constroem-se assim as oligarquias sulinas.
Enunciado 4
Situação Inicial: Produção local.
Fazer Transformador: Instalação de vias de transporte.
Situação Final: Possibilidade de exportação de riquezas dos latifúndios.
O discurso envolvente é organizado pelo esquema opinativo:
Tese: As complexas relações econômicas e políticas dos proprietários e não
proprietários fortalecem alguns grupos de família, dando origem à formação das
oligarquias sulinas desvinculada das já existentes no Norte.
Justificativa: O conjunto de enunciados narrativos apresentados justifica a formação
das oligarquias sulinas na medida em que quem recebeu terras foram os pioneiros
(proprietários ou não de fazendas) que passaram a ser produtivos economicamente
e ligados ao poder político brasileiro da época.
Dessa forma, a justificativa apresentada responde à questão: ”Quem ganhou o
latifúndio?”.
6.3.2 O DISCURSO DA ETNOGRAFIA
215
A contribuição dada pela Etnografia permite resgatar os papéis da
estrutura social de MS a partir da sua história. Selecionaram-se para ser
apresentado os seguintes intertextos:
Intertexto 36 – NOGUEIRA, ALBANA XAVIER. Pantanal: homem e cultura de Albana
Xavier Nogueira (2002, p 43).
Intertexto 37 – BARROS, ABÍLIO LEITE DE. Gente Pantaneira: crônicas de sua
História. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1998.
6.3.2.1 Intertexto 36
Muita coisa há para se desvendar a respeito do Pantanal, essa enorme
planície, que constitui, no seu conjunto, um dos maiores impérios de
fazendas, neste país. Foi com a instalação delas que teve início, de fato, o
processo de povoamento da região pantaneira. Vários fatores concorreram
pra isso, dois, entretanto, foram básicos: a decadência das minas de ouro de
Cuiabá e a política de ocupação do solo, empreendida pelo então Governador
da Capitania de Mato Grosso, Luis de Albuquerque de Melo Ferreira e
Cáceres, empossado a 13 de dezembro de 1772 e conservado no poder por
17 anos.
Tal política tinha por meta o povoamento, em primeira mão, das chamadas
faixas de fronteira. Para sua implantação, foi efetivado o programa de
concessão de sesmarias aos requerentes, que se comprometessem a cultivá-
las e a defendê-las do ataque dos índios e da ameaça estrangeira. Efetivada
a política das sesmarias, os posseiros foram chegando e os latifúndios foram
se ampliando.
Mas o incipiente processo de povoamento e ocupação das terras foi
violentamente interrompido com a eclosão da Guerra do Paraguai, só
216
recomeçando ao findar a guerra, com a volta dos posseiros, que tinham sido
obrigados a abandoná-las.
O desmembramento dos latifúndios, levado a efeito por força de sua
distribuição entre os herdeiros, que foram surgindo, pelos anos afora, bem
como o auge da crise da pecuária, em 1970, quando alguns fazendeiros
típicos venderam suas fazendas e vieram para as cidades, foram os dois
fatores principais no desencadeamento de uma série de transformações no
habitat pantaneiro. (2002, p. 43).
O intertexto 36 remete-se aos intertextos anteriores ao retomar as
expressões lingüísticas “violência” e “conflito” que marcaram inicialmente o programa
de concessão das sesmarias e posteriormente à formação de latifúndios.
O intertexto retoma dos intertextos já analisados o referente textual que
trata da povoação da região pantaneira e expande a informação ao focalizar a
política de ocupação de solo que deu origem às sesmarias.
Este intertexto retoma o segmento “sesmarias” dos intertextos anteriores
a fim de progredi-lo, semanticamente, pelo esquema textual opinativo, construído a
partir da seguinte estrutura:
Estrutura textual opinativa
Tese: Os latifúndios eram doados pelo governo para atender à política de
povoamento das terras.
A Justificativa: é feita por um conjunto de enunciados narrativos relativos:
Argumento 1: A chegada de pioneiros para a posse de terra.
Argumento 2: Retorno dos proprietários e posse da terra após abandoná-los durante
a Guerra do Paraguai.
217
Argumento 3: Os grandes proprietários para se aproximar do governo acabam se
tornando políticos.
Argumento 4: Os políticos mais influentes eram os maiores proprietários.
O intertexto segue um esquema textual narrativo, pois, progride
semanticamente, a partir dos seguintes enunciados narrativos:
Estrutura textual narrativa
Enunciado 01
Situação Inicial: Terras não legalizadas.
Fazer Transformador: O programa de concessão das sesmarias motivada pela ação
decisiva do então Governador da capitania de Mato Grosso, Luís Albuquerque de
Melo Ferreira e Cáceres que assumiu o poder por 17 anos, com relação ao
programa de concessão de sesmarias e pela exigência aos requerentes de se
comprometer a “cultivá-las, defendê-las do ataque dos índios e da ameaça
estrangeira”.
Situação Final: Os latifúndios se instalam.
Enunciado 02
Situação Inicial: Latifúndios instaurados.
Fazer Transformador: Interrupção violenta do processo de povoamento e ocupação
de terras em razão da Guerra do Paraguai e recomeço só após o término da Guerra.
Situação Final: Latifúndios abandonados.
Enunciado 03
Situação Inicial: Latifúndios abandonados.
Fazer Transformador: Fim da Guerra do Paraguai.
Situação Final: Retorno dos proprietários.
218
Enunciado 04
Situação Inicial: O latifúndio e seus proprietários.
Fazer Transformador: O desmembramento das terras devido aos herdeiros e crise
na pecuária em 1970.
Situação Final: Transformações no habitat pantaneiro.
Este intertexto permite responder à questão “Quem ganhou o latifúndio?”
• Pessoas que vieram povoar as chamadas faixas de fronteiras e que
solicitaram a concessão de sesmarias que lhes foram concedidas
desde que defendessem dos ataques dos índios e das ameaças
estrangeiras.
• Ganharam também os herdeiros graças ao desmembramento das
terras da sesmaria por meio de herança familiar.
• Compradores das fazendas de antigos fazendeiros que ao enfrentar a
crise pecuária em 1970, mudaram-se para as cidades.
O programa de concessão de sesmarias é representado com valor
positivo, por permitir o cultivo da terra até então inexploradas e por defender-se das
ameaças estrangeiras; é representado por valor negativo porque também permitiu
que se iniciasse uma luta intermitente contra os índios considerados a partir da
concessão governamental como “invasor” e não como seu legítimo dono, cabendo
aos novos donos da terra “defendê-las do ataque dos índios”.
O desmembramento dos latifúndios é representado com valor positivo,
pois a morte de seus antigos proprietários permitiu a distribuição de terras entre seus
219
herdeiros, ao longo do tempo e garantiu a continuidade das tradições culturais
locais.
A crise da pecuária em 1970, a venda das fazendas para grupos
estrangeiros ou mesmo nacionais que não tinham nenhuma ligação com a tradição
cultural da região e a conseqüente volta de seus antigos donos à cidade são
representados com valor negativo, pela perda gradativa de valores culturais, pois
novos donos trouxeram seus hábitos e costumes.
O retorno definitivo destes fazendeiros à cidade e a perda de seus fazeres
diários retoma os intertextos 32, 33, 34 deste capítulo ao representar o passado
como a perda de valores, ou seja, a sua própria morte.
Os resultados obtidos nesse capítulo, na análise de intertextos e
interdiscursos, propicia responder às questões: “Quem ganhou o latifúndio?” “Quem
veio para trabalhar?”
• A política de ocupação do solo pantaneiro e o desmembramento dos
latifúndios foram marcados pelo jogo de poder, de violência, de
especulação imobiliária e de força política.
• O fazendeiro pantaneiro sempre manteve o poder e o domínio da
região e transmitiu esse poder aos descendentes assim como a posse
de terra.
• Os peões pantaneiros dedicaram-se na criação extensiva do gado e
junto aos fazendeiros garantiram os grandes latifúndios, assim como a
criação de gado como a principal atividade.
6.3.2.2 Intertexto 37
220
No Pantanal, informa-nos Virgilio Correa Filho, generalizou-se a sesmaria de
uma légua de frente por três léguas de fundo, equivalente a mais ou menos
13.000 hectares, quase quatro vezes maior que as sesmarias agrícolas do
planalto. Deveu-se essa diferenciação ao limitado uso da terra pantaneira, em
função das enchentes.
Com muita freqüência, uma vez adquirida uma sesmaria, por concessão do
governo, novos requerimentos se sucediam para alargamento das áreas.
Quanto maior o prestígio do requerente, maiores e mais fáceis as liberações.
Disso resultou que os grandes proprietários, pela necessidade de
aproximação com os governos, acabassem se tornando políticos e os
políticos mais influentes se tornassem grandes proprietários. Estes nem
sempre com intenção de uso da terra, mas apenas como especuladores
imobiliários, pensando em venda futura.
[..] Ocupadas as áreas ribeirinhas agriculturáveis, o boi e o homem seguiram
o seu caminho descendo os rios e penetrando pelo interior, formando
fazendas já de exclusiva atividade pecuária. Os bandeirantes faziam o
caminho de volta, no sentido norte-sul, ao arrepio das correntes migratórias
monçoeiras, que do grande pantanal conheceram apenas as barrancas dos
rios, com temor e pressa navegados.
Como acontecem sempre em movimentos avançados de ocupação pioneira,
essas fazendas foram sempre grandes, vivendo dentro de um sistema
latifundiário de exploração. Os lucros eram desproporcionais ao tamanho das
áreas. Mas o que se buscava, antes de tudo, era a simbologia social da
grande posse, o prestígio, força política e respeitabilidade.
Nesse movimento migratório de ocupação, alguns cuiabanos, cacerenses e
poconeanos atingiram o pantanal sul, nos municípios de Miranda, Aquidauana
221
e Porto Murtinho, e mesmo o planalto de Maracaju, como é o caso dos Morais
Ribeiro. (1998, p.232).
Este intertexto retoma o segmento “sesmarias” dos intertextos anteriores,
de forma a progredi-los, semanticamente, pelo esquema textual opinativo.
Estrutura textual opinativa
Tese: Quanto maior o prestigio do requerente, maiores e mais fáceis a liberação de
terras pelo governo brasileiro.
Argumento 1: A extensão maior de terra doada decorre de um tamanho muito maior
no Mato Grosso do sul da terra doada, pois cada légua é quatro vezes maior em
função das enchentes pantaneiras.
Argumento 2: O alargamento das áreas das sesmarias por novos requerimentos dos
seus proprietários.
Argumento 3: Os grandes proprietários pela necessidade de aproximação com o
governo tornaram-se políticos e os mais influentes tornaram-se os maiores
latifundiários; os políticos proprietários das maiores terras nem sempre tiveram
intenção no uso da terra e sim como especulações futuras imobiliárias.
Logo os resultados obtidos e apresentados pelos intertextos analisados
na interdiscursividade das letras musicais com as Ciências Sociais permitem
responder às duas questões orientadoras deste capitulo:
Questão 1:
• Quem veio para trabalhar?
Pessoas que serviram de mão de obra para desenvolvimento econômico
da região, em menor escala pela agricultura e em maior escala pela pecuária.
222
Questão 2
• Quem ganhou o latifúndio?
Requerentes de prestigio econômico e político.
Os resultados obtidos representam o Mato Grosso do Sul em dois
tempos:
• Tempo anterior: grandes latifúndios e a conservação das tradições
culturais na “lida pantaneira”.
• Tempo posterior: desmembramento dos grandes latifúndios pelo
desinteresse dos herdeiros que têm duas representações com relação
aos grupos sociais, a saber:
Grupo 1: Herdeiros descompromissados com suas terras, abandonando-as ou
vendendo-as, de forma a objetivar apenas o prestigio social econômico.
Grupo 2: Herdeiros compromissados com suas terras, trazem tecnologias modernas
para melhor explorá-las economicamente.
Dessa forma, permitiu-se a entrada de capital estrangeiro e nacional de
outras regiões do país objetivando lucros, com o desenvolvimento econômico.
Logo, essa mudança no tempo recebe nas letras musicais valor positivo
para o tempo anterior, na memória social regional “repertório das tradições culturais
regionais” e valor negativo ao tempo atual para se opor aos intertextos
apresentados, os novos capitais e as tecnologias modernas.
É interessante inserir que as tradições culturais regionais contidas na
memória social sul-pantaneira, produzem dinamicamente, novas significações,
guiando os antigos proprietários, guardiões culturais a transformar suas fazendas em
223
pontos turísticos para a divulgação da cultura local tanto em nível nacional e
internacional.
O movimento do Ir e Vir para quem ganhou o latifúndio implica o Vir na
medida em que quanto maior prestígio, mais terra ganha para seu proprietário, mas
após o desmembramento de seus latifúndios é o Vir para as cidades dos que lá
estão, é o Vir de novos capitais em busca de rendas e sucesso econômico. Todavia,
após a porteira, na bovinocultura o Ir e o Vir é o movimento do peão boiadeiro.
Em síntese, esse intertexto permite responder à questão do texto-base:
“Quem ganhou o latifúndio?” “Quem veio para trabalhar?”.
• Requerentes de maior prestígio e que para tanto se tornam políticos
influentes que objetivam à especulação imobiliária pela venda futura.
• O latifúndio foi ganho por uma política de influências econômicas e
territoriais que propicia o resgate de uma característica cultural
brasileira extragrupal: o compadrismo ou apadrinhamento que na
região do MS se manifesta pela legitimação do poder político e
territorial
• Quem veio para trabalhar foram todos aqueles que se dedicaram às
diferentes atividades que a terra ofereceu: agricultura e pecuária.
224
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para as considerações finais desta tese, são revistos os objetivos que a
orientaram, para discutir em que medida estes, foram atingidos.
Esta tese teve por objetivo geral contribuir com estudos discursivos da
cultura brasileira, examinada a partir de expressões verbais em textos lingüísticos de
letras musicais sul-pantaneiras.
Acredita-se que os resultados obtidos das análises, de forma geral,
contribuem com estudos da cultura sul-pantaneira. As letras musicais mostraram-se
adequadas para tratar de aspectos pertinentes, tais como “o velho mouro”, e seus
pontos de similitudes com o “velho bugre”. Ambos, avaliados de forma positiva e
representados como mito cultural regional, por serem repertórios de lembranças que
armazenam na memória social, tradições e costumes regionais.
Os objetivos específicos foram assim atingidos:
1. Pesquisa e seleção de um texto-base:
Após pesquisa, verificou-se que a letra musical “Trem do Pantanal,
embora selecionada como música símbolo de Mato Grosso do Sul, por concurso
popular, realizado pela TV Morena, não é representativa dos traços básicos culturais
sul-pantaneiros e não mantém intersecção com o velho mouro e o velho bugre.
A entrevista realizada com os autores da referida letra musical indicou que
o foco dado por eles na construção da letra musical está no movimento do Ir e Vir do
trem, como veículo de transporte regional que no:
Ir: levou fugitivos do regime militar brasileiro;
Ir e Vir: levou brasileiros que foram fazer turismo no Pantanal ou em viagens a La
Paz, na Bolívia em caminho de Cuzco e Macchu Pichu, no Peru.
225
Nesse sentido, entende-se que a seleção dessa letra musical é guiada,
ideologicamente, pelo discurso jornalístico a fim de opor-se ao regime militar
ditatorial brasileiro, pois a data de sua seleção é 1978, após a Divisão do Estado,
durante o regime militar no Brasil.
Após exame das diferentes letras musicais selecionadas, verificou-se que
a letra musical “Quanta Gente” de Zé Du traz expressa em língua as seguintes
questões:
• Quem foi que expulsou o índio?
• Quem lutou com o Paraguai?
• Quem ganhou o latifúndio?
• Quem derrubou a mata?
• Quem cultivou o cultivar?
Tais questões têm suas raízes históricas e de contemporaneidade nas
bases culturais sul-mato-grossenses.
Segundo o autor, as pessoas que vieram para o Pantanal Sul com outras
culturas e outras histórias, hoje têm dificuldades para responder as referidas
questões por não terem vivido e experenciado a narrativa histórica regional nem as
formas de conhecimento transmitidas a elas pelo Discurso.
Dessa forma, foi selecionada a letra musical “Quanta Gente” e a pesquisa
buscou respostas para suas questões.
2. Inserção de intertextos e interdiscursos-
O texto-base foi segmentado tanto nas questões quanto em ocorrências
lexicais que orientaram a seleção de intertextos e interdiscursos.
226
A pesquisa realizada indicou que os interdiscursos mais adequados
seriam os das Ciências Sociais: o da Geografia, o da História e Historiografia e o da
Etnografia.
Cada intertexto analisado, ao ser, por sua vez, segmentado, orientou a
seleção de outros intertextos.
Os resultados obtidos das análises indicam que os interdiscursos
analisados são públicos e institucionalizados. Os intertextos desses interdiscursos
propiciaram a progressão semântica dos dados relativos à região sul-pantaneira nos
acontecimentos históricos, aí, ocorridos.
Verificou-se que, embora os temas tratados sejam os mesmos, as formas
de tratamento dadas pelos interdiscursos são diferentes, na medida em que
atendem a objetivos diferentes.
O discurso da História parte de documentos oficiais que trazem
representados em língua, os interesses do Poder. O discurso da Historiografia trata
de diferentes tipos de documentos além dos oficiais e por essa razão representa os
acontecimentos com focalização de alguns aspectos culturais.
O discurso da Etnografia que objetiva o tratamento da cultura,
complementa ou se opõe a certas representações de aspectos culturais da região
sul-pantaneira.
3. O exame, nos textos musicais, no diálogo mantido com outros
intertextos e interdiscursos.
Os resultados obtidos das análises indicam que:
3.1 Os intertextos musicais progridem semanticamente um em relação ao
outro de forma a dar adesão e complementação sêmica. Dessa forma, os textos de
227
letras musicais mostraram-se os mais adequados para o tratamento dos valores
culturais regionais.
3.2 As relações estabelecidas entre o texto-base, e seus intertextos
selecionados das Ciências Sociais constroem um diálogo conflitante. Os intertextos
do discurso da História por tomarem por base os documentos oficiais atribuem
valores negativos aos indígenas da região que se opuseram ferozmente à conquista
ibera e valor positivo aos conquistadores na medida em que estes vencem a
ferocidade dos índios.
O discurso da Historiografia traz em seus intertextos uma certa mudança
de valores, pois, não trata apenas de documentos oficiais e dessa forma atribuem
outros valores diferentes daqueles propostos pela História oficial.
Os intertextos do discurso da Etnografia progridem semanticamente os
intertextos das letras musicais, mas não tratam com especificidade os valores
tradicionais culturais regionais atribuídos ao “bugre”.
3.3 O exame das diferentes formas de tratamento dos temas relativos à
traços culturais da região do Mato grosso do Sul
Os resultados obtidos das análises indicam que:
• as letras musicais representam os valores culturais transmitidos de
geração a geração pela tradição oral. Embora tenha havido
miscigenação de culturas locais, a tradição dos Guaranis, Paiaguás e
Guaicurus mantêm os valores positivos atribuídos aos primeiros povos
que habitaram a região com a tradição do culto ao cavalo, à canoa, à
natureza e às formas de cura pelas ervas.
228
As letras de músicas analisadas objetivaram resgatar valores culturais
presentes na enunciação de seus compositores. Todavia, os resultados obtidos não
podem ser generalizados como a caracterização global da cultura sul-mato-
grossense, na medida em que as músicas regionais para terem acesso ao público
também são institucionalizadas pelo Poder econômico-social que controla o que
produz lucro para a empresa.
Nesse sentido, as músicas divulgadas pela mídia não compõem o total
das manifestações culturais musicais da região, embora possibilitem diferenciar
através delas, a cultura da ideologia dos grupos dominantes e que precisa ser
resgatada ainda de forma parcial, na caracterização da cultura sul-mato-grossense.
• Os intertextos do discurso da História valorizam de forma positiva a
conquista da região pelo branco e atende à política expansionista
territorial ibera;
• Os intertextos do discurso da Geografia atribuem valores positivos às
descobertas científicas e negativo às crenças culturais mantidas na
região, a respeito das designações geográficas existentes.
• Os intertextos do discurso da Etnografia atribuem valores positivos às
tradições culturais embora não valorizem o “bugre” como mito cultural
regional, atribuem valor positivo ao “peão boiadeiro” de forma a
representá-lo com “arte de superioridade” no seu Ir e Vir devido às
suas múltiplas habilidades que contêm traços culturais herdados de
seus ancestrais para planejar estratégias militares, dominar o cavalo,
cumprir suas tarefas na sua lida cotidiana com o gado.
229
A partir do exposto acredita-se que os objetivos foram cumpridos.
Esta tese teve por hipótese prioritária que as categorias analíticas:
Discurso, Sociedade e Cognição, estendem-se para a análise das representações
mentais e lingüísticas enquanto organização de conhecimentos avaliativos e crenças
culturais e como hipótese secundária, o movimento de Ir e Vir por grandes
extensões geográficas, que guiam as ações do homem sul pantaneiro.
Ambas as hipótese mostraram-se adequadas pois:
• As formas de conhecimentos avaliativos são crenças que caracterizam
na Cognição Social, os traços culturais que guiam dinamicamente,
novas a construção de novas significações em cada
contemporaneidade a partir de raízes históricas.
A Sociedade é formada por um conjunto de grupos sociais. Esta tese
embora tenha tratado pelos intertextos e interdiscursos de diferentes grupos sociais,
privilegiou o grupo social popular devido ao ponto de partida selecionado que foram
as letras musicais.
Assim sendo, os traços culturais apresentados são relativos à cultura
popular.
O Discurso, enquanto prática sócio-interacional, representa “o que
acontece no mundo”, “aconteceu” ou “deverá acontecer”. Essas representações
ocorrentes no Discurso são construídas por ele, retomam as tradições culturais e
com elas constroem novas significações, a partir de textos, intertextos e suas
interdiscursividades.
230
A hipótese secundária mostrou-se adequada na medida em que a lida do
peão boiadeiro tem suas raízes históricas no movimento do Ir e Vir dos canoeiros
paiaguás e cavaleiros guaicurus, que constroem as novas significações para
representar no “ar de superioridade” do peão boiadeiro, de forma extragrupal, uma
unidade imaginária cultural, referente à sua lida traçada pelas suas crenças do que é
“destino” e guiada pelas suas crenças do que é “sorte”.
Esta tese defende que um texto é sempre uma resposta como forma de
adesão, complementaridade ou oposição a um outro texto, e os resultados obtidos
confirmam-na, ao responder às questões selecionadas do texto-base:
1. Com relação à questão: “Quem expulsou os índios”?
Intertextos de Letras Musicais Regionais: Os resultados das análises obtidos com as
letras das músicas intertextualizadas com o texto-base, e apresentados
anteriormente, indicam que são atribuídos valores positivos à tradição cultural dos
índios nativos da região pantaneira e aos colonizadores que abandonam sua cultura
nativa ao aderirem às tradições da cultura indígena local.
Por outro lado são atribuídos valores negativos à fronteira estabelecida
politicamente, entre Brasil / Paraguai.
Intertextos das Ciências Sociais:
Intertextos do Discurso da Geografia - Os resultados obtidos da análise indicam que
a progressão semântica decorrente das descobertas científicas da região do
Pantanal do Sul de Mato Grosso é opositiva em relação aos conhecimentos
231
regionais tradicionais culturais que estão explicitados nos intertextos analisados de
musicas regionais.
As opiniões com valores negativos para representação das tradições
culturais regionais estão sustentadas pelo Poder científico que controla os
conteúdos que tem acesso ao público.
Todavia, na tradição cultural mantém-se para representar as planícies
inundadas pelos rios como “Mar dos Xaraés” com suas lagoas denominadas
culturalmente “baias”; assim como drenagens que continuam a ser designadas
“vazantes”, à água salgada de gosto salobro, pela grande quantidade de carbonato
de cálcio dissolvido do maciço calcário, continua a ser designado como antigo mar
cujos donos são os Xaraés.
Intertextos do Discurso da História: Os resultados obtidos nas análises do intertexto
da História indicam uma progressão semântica em relação ao texto-base e
intertextos das letras de musicas regionais, embora haja oposição na representação
dos valores atribuídos ao povo indígena da região.
Nas letras musicais, embora haja referência às diferentes nações
indígenas que integravam o grupo dos Kadiwéus, são focalizadas três tribos e todas
elas com valores positivos: a índole pacífica dos guaranis que propiciou a sua
permanência na região como nação depositária das tradições culturais sul-
pantaneiras; a dos paiaguás e guaicurus ferozes guerreiros que embora expulsos,
são representados de forma positiva por terem defendido suas terras do domínio
europeu.
São esses valores positivos que se mantêm no mito cultural regional
“velho bugre” que ao ser assimilado pelo europeu produz o “velho mouro”.
232
O discurso da História progride semanticamente no sentido de especificar
todas as tribos que habitavam a região, mas se opõe à representação positiva do
selvagem, o “bugre”, pois representa de forma positiva o vencedor que é o ibero e se
torna “herói” por ter sido capaz de combater a selvageria e ferocidade do bugre.
Intertextos do Discurso da Etnografia: Os resultados obtidos das análises de
intertextos do discurso da Etnografia realizados com o texto-base, seus intertextos e
interdiscursos indicam que há complementaridade sêmica às letras musicais.
Embora se refira às diferentes tribos indígenas, o discurso da Etnografia focaliza as
tribos Guaranis, Guaicurus e Paiaguás. Os intertextos da Etnografia progridem
também, os intertextos do discurso da História.
Os Guaranis, de índole dócil e com similitude de concepção familiar com
os europeus, facilmente foram dominados por eles e tornaram-se seus
colaboradores, permitindo a posse das terras pelo invasor português e espanhol.
Os Guaicurus e Paiaguás de índole guerreira lutaram ferozmente com o
invasor branco e por isso, foram responsáveis por garantir as fronteiras políticas de
Mato Grosso do Sul. Todavia, com o domínio feroz do invasor branco,
progressivamente os guaicurus aliaram-se aos portugueses brasileiros, e os
Paiaguás, aos espanhóis.
Do contato indígena com o branco invasor, resultou o extermínio ou a
redução indígena enquanto etnia. Todavia, esse contato foi extremamente
importante para a construção de novas formas de conhecimento para o invasor
branco ao se deparar com o desconhecido Pantanal.
Todavia, os referidos intertextos não tratam do símbolo cultural do “velho
bugre” nem do “velho mouro”.
233
É interessante observar que as formas avaliativas de representação dos
índios são mantidas no discurso institucionalizado do dicionário brasileiro em que :
“bugre”- < homem selvagem feroz>
2. Com relação à questão: “Quem lutou com o Paraguai?
Intertextos de Letras de musicas Regionais: Os autores representam em língua
valores positivos ao território dos guaranis. Os valores negativos são representados
pela guerra e pela divisão das terras guaranis pela fronteira Brasil e Paraguai e pelo
“não querer ver suas raízes”.
Intertextos das Ciências Sociais:
Intertextos da História (historiografia): Logo, a versão tradicional é guiada
ideologicamente, por interesses do governo brasileiro, de forma a se eximir como
responsável pelo conflito.
Em síntese, os textos do Discurso da História buscam representar,
ideologicamente, por progressões de complementaridade ou oposições, a luta com o
Paraguai da seguinte forma:
historiadores: Quem lutou com o Paraguai foram heróis brasileiros, que mobilizados
por um sentimento patriótico, defenderam a nação brasileira contra a conspiração
inglesa que originou a invasão de territórios brasileiros por Solano López.
historiógrafos: Quem lutou com o Paraguai foram milhares de brasileiros recrutados
para defender os interesses da Coroa no Brasil.
Intertextos do Discurso da Etnografia: Os resultados obtidos das análises,
apresentados neste capítulo, possibilitam responder à questão: “Quem lutou com o
Paraguai”?
234
• Segundo a ideologia do Poder brasileiro: foram heróis brasileiros que
com Duque de Caxias defenderam o território nacional.
• Segundo raízes culturais: foram exércitos ferozes que exterminaram
milhares de pessoas e instauraram uma fronteira política divisória (com
maior ganho para a Argentina), mantendo as tradições e sonhos
guaranys de um povo que tem a mesma raiz.
2. Com relação às questões: “Quem derrubou a mata”?
“Quem cultivou o cultivar”?
Intertextos de Letras Musicais Regionais: As relações estabelecidas entre o texto-
base e os intertextos de letras musicais analisados propiciam a explicitação dos
implícitos contidos no texto-base de forma a responder à questão: Quem derrubou
as matas?
As matas foram derrubadas pelos nativos da região, pelos pioneiros e por
fazendeiros-boiadeiros, ou seja, exatamente por aqueles que cultivaram os grãos ou
dedicaram-se à criação extensiva de gado. Atualmente, vêm sendo derrubada por
interesses econômicos que depredam gradativamente, a natureza.
Intertexto do Discurso da História: Os resultados obtidos propiciam responder que as
atividades econômicas são representadas em ambientação diversa na região do sul
de Mato Grosso:
agricultura: Bacia do Amambaí e Serra de Maracaju, Vales dos rios Ivinhema,
Brilhante e Dourados, representada pela extração da erva-mate, a pecuária pela
235
criação de gado e o comércio pela venda de lenhas para abastecimentos das
embarcações que faziam, o percurso na Bacia - Paraguai.
pecuária: campos de Vacaria localizados das nascentes do rio Anhandui às
cabeceiras do Dourados.
As atividades agrícolas, voltadas ao cultivo da erva-mate são avaliadas de forma
positiva por representarem rentabilidade, competitividade, quantidade e qualidade e
por serem a principal atividade econômica do Estado em fins do século retrasado,
responsáveis pela povoação e desenvolvimento da fronteira do MS.
Por outro lado, são avaliadas de forma negativa por representarem o processo de
devastação e exploração extensiva da erva-mate de forma predatória, por ter
propiciado extração e contrabando clandestino via Paraguai e pelos incêndios
clandestinos provocados por parte dos ervateiros independentes que reagiam contra
o monopólio da Companhia Matte Laranjeira.
As atividades agrícolas são representadas de forma positiva, na medida em que
caracterizam a lida pantaneira e a obtenção de lucros, no entanto maximizando a
avaliação negativa pela depredação irracional da vegetação nativa de forma a
propiciar a deformação fluvial.
Intertextos do Discurso da Etnografia: Os resultados obtidos propiciam responder da
seguinte maneira às questões, relativas ao sujeito agente Quem cultivou o cultivar?
• agentes que cultivaram a cultura de subsistência;
• agentes que cultivaram a cultura católica;
• agentes que cultivaram a mineração;
• agentes que cultivaram a erva-mate;
236
• agentes que cultivam a pecuária.
As respostas obtidas são organizadas em uma narrativa histórica, de
onde são cancelados vários fatores culturais que dinamicamente, são modificados
pela raiz histórica cultural: a pecuária, a índole dócil, no guerreiro combativo, no
selvagem resistente e heróico, no pioneiro corajoso, na capacidade de domínio, na
inteligência estratégica, na alegria das danças e festas, na culinária sul-pantaneira.
3. Com relação à questão: Quem ganhou o latifúndio? Quem veio para
trabalhar?
Intertextos de Letras Musicais Regionais: Os intertextos das letras musicais não
tratam de questões relativas a quem ganhou o latifúndio e também as letras
musicais não se referem à bovinocultura, eles, tratam do peão-boiadeiro que
progressivamente, assume a responsabilidade profissional com capacidade de ação
caracterizada pela sua superioridade, de forma a marcar um dos traços culturais
regionais.
Intertextos das Ciências Sociais:
Intertextos de Historia: Em síntese, a política de ocupação do solo pantaneiro e o
desmembramento dos latifúndios foram marcados pelo jogo de poder, de violência,
de especulação imobiliária e de força política.
O fazendeiro pantaneiro sempre manteve o poder e o domínio da região e
transmitiu-o aos descendentes assim como, a posse de terra.
Os peões pantaneiros dedicaram-se à criação extensiva do gado e junto aos
fazendeiros garantiram os grandes latifúndios, assim como a criação de gado como
a principal atividade.
237
Intertextos de Etnografia: Em síntese, os requerentes de maior prestígio e que para
tanto tornam-se políticos influentes que objetivam à especulação imobiliária pela
venda futura.
O latifúndio foi ganho por uma política de influências econômicas e
territoriais que propicia o resgate de uma característica cultural brasileira extragrupal:
o compadrismo ou apadrinhamento que na região do MS se manifesta pela
legitimação do poder político e territorial.
Quem veio para trabalhar foram todos aqueles que se dedicaram às
diferentes atividades que a terra ofereceu: agricultura e pecuária.
A pesquisa realizada não se quer conclusiva e abre perspectivas para
novas investigações a partir de outros intertextos e interdiscursos que propiciem
traçar as crenças culturais sul-pantaneiras.
Faz-se necessário, investigar melhor os sonhos guaranys, a coragem dos
guaicurus e paiaguás, as danças: siriri e cururu, as ervas medicinais, o velho bugre e
o velho mouro entre outros.
Essas investigações propiciaram entender melhor esse santuário que é o
Pantanal Sul onde a sorte é a felicidade, quando se respeita a natureza e o destino é
a lida pela sobrevivência com altivez e o “ar de superioridade” presente no Ir e Vir do
homem sul-pantaneiro.
É interessante inserir que as tradições culturais regionais contidas na
memória social sul-pantaneira, produzem dinamicamente novas significações,
guiando os antigos proprietários, guardiões culturais a transformar suas fazendas em
pontos turísticos para a divulgação da cultura local tanto em nível nacional quanto
em internacional.
238
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Sapucay Discos, 2001. Faixa 13
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