LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf ·...

248
ARLINDA CANTERO DORSA LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- PANTANEIRAS DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO – 2006

Transcript of LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf ·...

Page 1: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

ARLINDA CANTERO DORSA

LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL-PANTANEIRAS

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO – 2006

Page 2: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

2

ARLINDA CANTERO DORSA

LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL-PANTANEIRAS

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos de Pós-Graduados em Língua Portuguesa sob a orientação da Profa. Dra. Regina Célia P. da Silveira. Linha de pesquisa: Texto e discurso nas modalidades oral e escrita.

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO – 2006

Page 4: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

3

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Regina Célia Pagliuchi Silveira (Orientadora)

Profª Drª Maria Augusta de Castilho

Profª Drª Marlise Vaz Bridi

Profª Drª Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos

Profª Drª Jeni da Silva Turazza

Page 5: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

4

DEDICATÓRIA

Ao Antonio, companheiro de todas as horas, aos meus filhos, minhas

noras e meu genro que representam a razão maior de minha vida.

Às minhas netas: Juliana, Lara e Letícia e ao Rafael que virá: vocês

conduzem o meu olhar e minha crença no futuro.

Ao meu pai que do alto tenho certeza, vibra com a minha caminhada, à

minha mãe, meu apoio constante, à minha irmã, cunhada, cunhados e sobrinhos de

quem sempre recebi palavras de estímulo e força.

Aos colegas de trabalho que se tornaram únicos e especiais em minha

vida.

Aos compositores Paulo Simões, Carlos Colman (meu inesquecível ex-

aluno), Zé Du, Celito Espíndola, Aral Cardoso e Aurélio Miranda pela atenção

concedida, pelo prazer das entrevistas.

À profª Drª Albana Xavier Nogueira, o nosso reencontro trouxe-me um

norteio seguro e suas obras contribuíram decisivamente para o encaminhamento de

meu trabalho.

À mestra inesquecível Profª Maria da Glória Sá Rosa.

Page 6: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

5

AGRADECIMENTOS

Esta tese é resultante de um processo de construção e conhecimento, de

reflexões e estudo, de idas e vindas, inicialmente semanais, de Campo Grande a

São Paulo e de intervenções necessárias ao longo de cinco anos.

Embora formalmente apareça como autoria exclusiva minha, possui co-

autores: as pessoas e a instituição que foram responsáveis pela sua concretização:

A Deus que me fortalece a cada dia em busca de conhecimentos.

À minha orientadora Profª Drª Regina Célia Pagliuchi da Silveira – uma

lição de vida de sabedoria profissional, disponibilidade, confiança estabelecida,

orientações pontuais, sua acolhida foi firme e segura.

Às professoras Marlise Vaz Bridi (inesquecível orientadora do mestrado) e

Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos pelas precisas observações durante a

qualificação, que propiciaram indispensáveis colaborações.

Aos meus professores do Programa de Doutorado em Língua Portuguesa

a quem tive o privilégio e oportunidade de ser aluna e que tanto contribuíram para o

meu crescimento intelectual.

À Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) pela confiança, pelo apoio e

por abrir espaço para a realização do meu mestrado e conseqüentemente do

doutorado.

Às minhas companheiras de trabalho Profa Maria Fernanda Borges Daniel

de Alencastro e Profa. Déa Rímoli de Almeida pelas valiosas intervenções.

Page 7: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

6

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Teoria da Memória .......................................................................................49

Quadro 2 Conjunto de papéis da comitiva boiadeira.....................................................53

Quadro 3 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso Científico da Pesquisa .60

Quadro 4 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso Científico da Revisão....61

Quadro 5 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso do Ensaio Científico......61

Quadro 6 Valoração cultural .........................................................................................115

Quadro 7 A representação do MS:................................................................................115

Quadro 8 Vestimenta do Boiadeiro pantaneiro..............................................................147

Quadro 9 Hábitos e lazer pantaneiro.............................................................................147

Quadro 10 A lida diária pantaneira................................................................................148

Quadro 11 A representação do Pantanal para o tocador de boiada .............................165

Quadro 12 A representação da natureza pantaneira para o tocador de boiada............165

Quadro 13 Os grupos sociais e sua valoração..............................................................165

Quadro 14 O movimento do Ir e Vir pantaneiro ............................................................166

Quadro 15 As expressões lingüísticas relativas ao ambiente pantaneiro .....................202

Quadro 16 As expressões lingüísticas representativas do presente .............................206

Page 8: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

7

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................................................................12 CAPITULO I - EM BUSCA DE TRAÇOS CULTURAIS DO MATO GROSSO DO SUL ...............................................................................................................................21

1.1 JUSTIFICATIVA ......................................................................................................21

1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA.......................................................................................26

1.3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA ACD ..................................................................26

1.4 MATERIAL DE ANÁLISE ........................................................................................33

1.4.1 Letras Selecionadas...........................................................................................33

1.4.2 Entrevistas com Compositores.........................................................................42 1.4.3 Os Intertextos e Interdiscursos.........................................................................43

CAPÍTULO II - CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS PERTINENTES.................................48 2.1 AS CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO E O DISCURSO ....................................................48

2.2 TEORIA DAS MEMÓRIAS ......................................................................................49

2.3 O PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO NA VERTENTE SÓCIO-COGNITIVA

DA ACD.........................................................................................................................50

2.4 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO ........................................................................53

2.5 O CONTEXTO LOCAL E GLOBAL .........................................................................55

2.6 INTERTERTEXTOS E INTERDISCURSOS............................................................56

2.7 CONTEXTOS DISCURSIVOS ...............................................................................60

2.7.1 O Discurso Cientifico .........................................................................................60

2.7.2 O Discurso da História ......................................................................................62

2.7.3 O Discurso da Geografia ...................................................................................64

2.7.4 O Discurso da Etnografia ..................................................................................65

2.7.5 As Letras de Músicas Regionais.......................................................................67

CAPÍTULO III - QUEM FOI QUE EXPULSOU O ÍNDIO? .............................................68

3.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA................68

3.2 INTERTEXTOS: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS ...........................................73

3.2.1 Intertexto 1 – Nos mares de Xaraés de Moacir e Chico Lacerda ...................73

Page 9: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

8

3.2.2 Intertexto 02 – Capim da Ribanceira de Almir Sater e Paulo Simões ............76

3.2.3 Intertexto 03 – Boieiro do Nabileque de Almir Sater e João Ba .....................80

3.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS.......................84

3.3.1 O interdiscurso 1: Discurso da Geografia........................................................84

3.3.1.1 Intertexto 04 – A Planície e os Pantanais..........................................................85

3.3.1.2 Intertexto 05 - O Mito.........................................................................................88

3.3.2 O interdiscurso 02: O discurso da História......................................................91

3.3.2.1 Intertexto 06 ......................................................................................................92

3.3.3 O interdiscurso 03: O Discurso da Etnografia.................................................99

3.3.3.1 Intertexto 07 ......................................................................................................99

3.3.3.2 Intertexto 08 ......................................................................................................103

CAPÍTULO IV - QUEM LUTOU COM O PARAGUAI? .................................................109

4.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA................109

4.2 INTERTEXTO: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS..............................................109

4.2.1 Intertexto 09 - Sonhos Guaranys de Almir Sater e Paulo Simões..................109

4.3 INTERTEXTOS DOS INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS....................116

4. 3.1 O Interdiscurso 01: O Discurso da História ....................................................116

4.3.1.1 O intertexto 10...................................................................................................117

4.3.1.2.Intertexto 11 ......................................................................................................118

4.3.1.3 Intertexto 12 ......................................................................................................122

4.3.1.4 Intertexto 13 ......................................................................................................124

4.3.1.5 Intertexto 14 ......................................................................................................131

4.3.1.6 Intertexto 15 .....................................................................................................133

4.3.1.7 Intertexto 16 .....................................................................................................135

4.3.2. O Discurso da Etnografia ....................................................................................137

4.3.2.1 Intertexto 17 ......................................................................................................137

CAPÍTULO V - QUEM DERRUBOU A MATA? QUEM CULTIVOU O CULTIVAR? ....142

5.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA................142

5.2 INTERTEXTOS: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS ...........................................142

5.2.1 .Intertexto 18 - Peão Pantaneiro de Aral Cardoso ...........................................143

5.2.2 .Intertexto 19 - Comitiva Esperança de Almir Sater e Paulo Simões .............149

5.2.3.Intertexto 20: Emenda com a Galopeira de Carlos Colman............................155

Page 10: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

9

5.2.4.Intertexto 21: Pai Nosso Sertanejo de Carlos Colman e Alexandre Saad .....158

5.2.5. Intertexto 22 - Nossa Senhora do Pantanal de Alzira Espíndola e Orlando Antunes Batista ...........................................................................................................161

5.2.6 Intertexto 23 - Pantanal em silêncio de Aral Cardoso .....................................162

5.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS.......................167

5.3.1.O Interdiscurso 01 – O Discurso da História ...................................................167

5.3.1.1 Intertexto 24 ......................................................................................................167

5.3.2 O Interdiscurso 02 – O Discurso da Etnografia ...............................................175

5.3.2.1.Intertexto 25 ......................................................................................................175

5.3.2.2. Intertexto 26 .....................................................................................................179

5.3.2.3. Intertexto 27 .....................................................................................................182

5.3.2.4.Intertexto 28 ......................................................................................................184

CAPÍTULO VI - QUEM GANHOU O LATIFÚNDIO? QUEM VEIO PARA TRABALHAR?..............................................................................................................191

6.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA................191

6.2.1.Intertexto 29 Fulano de tal de Carlos Colman..................................................191

6.2.2. Intertexto 30 – Prazer de fazendeiro de Delio e Delinha ................................195

6.2.3 Intertexto 31 - Peão Baguá de Aral Cardoso ....................................................197

6.2.4 Intertexto 32 – Paiaguás de Guilherme Rondon e Paulo Simões...................200

6.2.5. Intertexto 33 - Canta Saudade de Aurélio Miranda .........................................202

6.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS ......................207

6.3.1 O interdiscurso 1: Discurso da História ...........................................................208

6.3.1.1.Intertexto 34 ......................................................................................................208

6.3.1.2 Intertexto 35 ......................................................................................................212

6.3.2 O DISCURSO DA ETNOGRAFIA ........................................................................214

6.3.2.1 Intertexto 36 ......................................................................................................214

6.3.2.2 Intertexto 37 ......................................................................................................219

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................224

REFERÊNCIAS.............................................................................................................238

Page 11: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

10

RESUMO

Fundamenta-se esta tese na vertente sócio-cognitiva da Análise Crítica do Discurso da qual van Dijk, desde 1988, é seu representante e em noções teóricas da Análise do Discurso de linha francesa, tendo por tema um exame de representações discursivas de aspectos culturais do homem pantaneiro sul-mato-grosssense. O objetivo geral é contribuir com os estudos discursivos da cultura brasileira e os objetivos específicos são de examinar por meio de expressões verbais presentes em textos lingüísticos, letras musicais sul-pantaneiras a partir de um texto-base e pela inserção de intertextos e interdiscursos. Nesse sentido, o procedimento metodológico consiste em selecionar e analisar como corpora, letras de músicas regionais, textos do discurso da História, da Geografia e da Etnografia e entrevistas realizadas pela pesquisadora com os compositores. A hipótese que sustenta essa pesquisa considera que as categorias analíticas: Discurso, Sociedade e Cognição, estendem-se para a análise das representações mentais e lingüísticas enquanto organização de conhecimentos avaliativos e crenças culturais e que o movimento de Ir e Vir por grandes extensões geográficas, guia as ações do homem sul pantaneiro. Ambas as hipóteses mostram-se adequadas, pois, as formas de conhecimentos avaliativos são crenças que caracterizam na cognição social, os traços culturais que guiam dinamicamente, a construção de novas significações em cada contemporaneidade, a partir de raízes históricas. Os resultados obtidos das análises indicam que: 1. Os intertextos musicais mostram-se mais adequados para o tratamento dos valores culturais regionais e embora os temas tratados sejam os mesmos, as formas de tratamento dadas pelos interdiscursos são diversificados na medida em que atendem a objetivos diferentes. 2. O discurso da História parte de documentos oficiais que trazem representados em língua, os interesses do Poder; já o discurso da Historiografia trata de diferentes tipos de documentos além dos oficiais e por essa razão representa os acontecimentos com focalização de alguns aspectos culturais. 3. O discurso da Geografia indica que a progressão semântica, decorrente das descobertas científicas da região do Pantanal do Sul de Mato Grosso é opositiva em relação aos conhecimentos regionais tradicionais culturais que estão explicitados nos intertextos analisados de musicas regionais. 4. O discurso da Etnografia que objetiva o tratamento da cultura, complementa ou se opõe a certas representações de aspectos culturais da região sul-pantaneira. Palavras-chave: Língua, Discurso, crença, representação discursiva, aspectos culturais, intertextos, interdiscursos.

Page 12: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

11

ABSTRACT

This work is based on the socio-cognitive branch of the Critical Discourse Analysis, whose most important representative, since 1988, is van Dijk. It is also based on the theoretical notions of Discourse Analysis, derived from the French branch. Its subject is the study of discursive representations of cultural aspects shown by the “pantaneiro” - the men from Pantanal area in Mato Grosso do Sul State. The general goal is to contribute for Discourse studies in the Brazilian culture, analyzing its verbal expressions present in lyrics from South-Pantanal regional songs, from a basic text plus insertion of inter-texts and inter-discourses. In this sense, the methodological procedure consists in selecting and analyzing as a whole, local music lyrics, texts from History, Geography and Ethnography Discourses as well as interviews carried out with composers. The hypothesis that supports this research considers that the analytical categories - Discourse, Society and Cognition - extend themselves to the analysis of mental and linguistic representations while evaluative knowledge and cultural creeds; it also considers that the “Come and Go” migrations over large geographic areas guide the initiatives of the South-Pantanal man. Both hypothesis show to be convenient, since the evaluative knowledge forms are creeds imprinted in the social cognition, the cultural traits that dynamically guide, from historical roots, the building of new meanings in each contemporary period. The results from these analyses show that: 1. The lyrical inter-texts show themselves to be more suitable for handling regional culture values and, although the approached subjects are the same, because of serving different goals, the inter-discourses are diversified. 2. The History discourse originates from official documents, which bring in a linguistic form, the interests of Power; the Historiography handles with several different types of documents besides the official ones, and for this reason, they represent the facts focused on some cultural aspects. 3. The Geography discourse indicates that the semantic progression, derived from scientific discoveries in the Pantanal area in South Mato Grosso is opposed to regional traditional cultural knowledge, which is explicit in the lyrics inter-texts analyzed. 4. The ethnographic discourse approaches South-Pantanal culture, complements or opposes certain representations of it. Key words: language, discourse, creed, discursive representation, cultural aspects, inter-texts, inter-discourses.

Page 13: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

12

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Fundamenta-se esta tese na vertente sócio-cognitiva da Análise Crítica do

Discurso e em noções teóricas da Análise do Discurso de linha francesa, tendo por

tema um exame de representações discursivas de aspectos culturais do homem

pantaneiro sul-mato-grosssense, a partir de letras de músicas regionais.

Segundo a vertente sócio-cognitiva da Análise Crítica do Discurso há uma

dialética entre as cognições sociais e as individuais, de forma que as sociais guiam

as individuais e estas modificam as sociais. Qualquer forma de cognição é

construída e veiculada no e pelo discurso.

Os discursos são vistos como práticas sócio-interacionais,

convencionadas na e pela sociedade e manifestam-se tanto como discursos que têm

acesso ao público quanto como eventos discursivos particulares.

A sociedade é entendida como um conjunto de grupos sociais, sendo que

cada qual estabelece relações sócio-cognitivas intra, inter e extragrupo.

As cognições sociais são definidas como um marco de conhecimentos

que reúne pessoas que têm o mesmo ponto de vista para focalizar o que acontece

no mundo. Cada ponto de vista é definido por objetivos, interesses e propósitos

comuns às pessoas reunidas num mesmo grupo social. Por essa razão, as formas

de conhecimento construídas pelo grupo resultam em um marco de cognições

sociais que é intragrupal.

Como cada grupo social tem um ponto de vista diferente, as cognições

sociais intragrupais estão em constante conflito.

Page 14: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

13

Todavia, há discursos institucionalizados que impõem formas de

conhecimento social extragrupalmente que se manifestam por meio das grandes

instituições sociais brasileiras: a Família, a Igreja, a Escola , a Empresa e o Estado

Desde que se considere que a interação discursiva é uma dialética entre

os discursos institucionalizados e eventos discursivos particulares há uma dinâmica

para as formas de conhecimento social, pois no intragrupo, há interação sócio-

cognitiva entre o individual e o social.

Essa dinâmica interacional das formas de conhecimento propicia que os

conhecimentos velhos construam significações novas, pois os marcos de cognição

social são guias que conduzem, nos eventos discursivos particulares, à adesão, à

complementaridade e à oposição para as formas de conhecimentos sociais.

Logo, embora haja conflito intra e intergrupal para as cognições sociais,

há uma unidade imaginária extragrupal.

Segundo van Dijik (1997), há para muitos autores, uma diferença entre

episteme e doxa. Episteme é uma forma de conhecimento factual, decorrente da

observação do que acontece no mundo e, por essa razão pode ser conferida e, no

caso afirmativo, pode ser atribuído o valor de verdade/falsidade. A opinião é uma

forma de conhecimento avaliativa e, por essa razão, não é conferida no que

acontece no mundo; trata-se da atribuição de valores positivos / negativos a partir de

interesses sociais e/ou individuais. Os interesses sociais constroem a doxa, já a

opinião pública e os interesses individuais constroem a opinião pessoal.

Segundo van Dijk com uma visão multidisciplinar das formas de

conhecimento, não há diferença entre episteme e doxa na medida em que todas as

formas de conhecimento são avaliativas, pois decorrem da projeção de um ponto de

vista para focalizar o que acontece no mundo.

Page 15: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

14

Van Dijk (1999), também com visão multidisciplinar, tratou a ideologia, de

forma a apresentá-la como conhecimentos avaliativos plurais que variam de

instituição para instituição, porém sempre relacionados à categoria Poder. Este é

representado por diferentes participantes dependendo do tipo de instituição onde se

instaura.

Cada participante é definido pela sua função e suas ações. Para que o

Poder se mantenha, cria o Controle que é definido por outros participantes que são

responsáveis por fazerem com que as formas de conhecimento do Poder sejam

mantidas a fim de que elas tenham Acesso ao público.

Assim sendo, os conhecimentos ideológicos são persistentes e repetidos

para se obter o domínio das mentes das pessoas para que estas reproduzam os

valores impostos.

A cultura é entendida como forma de conhecimentos avaliativos, relativos

a crenças, a costumes e a normas sociais, passados de geração para geração como

bases dos marcos de cognição social, sendo, todavia, conhecimentos avaliativos

dinâmicos. Nesse sentido, as significações velhas instauradas no marco das

cognições sociais, constroem a cada momento discursivo, novas significações. (cf

van Dijk, 1999).

Segundo van Dijk (1997), a Análise Crítica do Discurso (ACD) tem várias

vertentes, embora todas elas tenham por objetivo denunciar o domínio das mentes

objetivado pelo Poder.

O autor propõe que analisar o discurso de forma crítica requer a inter-

relação de três categorias: Sociedade, Discurso e Cognição.

Page 16: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

15

Essas categorias mantêm, entre si, uma inter-relação na medida em que

uma se define pela outra: as formas de conhecimento ideológicas são sociais e

construídas no e pelo discurso.

A partir de 2000, a cultura passa a ser uma questão muito pertinente para

a investigação discursiva. Como a vertente sócio-cognitiva da ACD demonstrou ser

adequada para tratar de conhecimentos ideológicos sociais, esta tese fundamenta-

se nela para abordar a cultura na medida em que esta, se define por crenças,

condutas e tradições enquanto formas avaliativas sociais de significação dinâmica

do mundo.

Esta tese situa a cultura na inter-relação das categorias Sociedade,

Discurso e Cognição, entendendo-a como um conjunto de valores, hábitos e normas

que guiam socialmente as pessoas a se relacionarem com o mundo.

Os conhecimentos relativos à cultura têm raízes históricas e por isso são

persistentes, embora sejam modificáveis em cada contemporaneidade, como formas

de representação tanto em língua quanto em memória.

Logo, entende-se a cultura como um conjunto de valores, hábitos e

normas que têm raízes históricas, pois são relativas ao vivido e ao experenciado

socialmente pelo grupo; mas tem contemporaneidade, na medida em que constrói

novas significações para resolver problemas novos a cada momento, (cf Silveira

2000).

Nesse sentido, tem-se por ponto de partida que um dos aspectos culturais

do homem pantaneiro sul-mato-grossense decorre do movimento de Ir e Vir presente

na miscelânea étnica e cultural que constrói a população do Mato Grosso do Sul,

desde a sua origem indígena até hoje com a chegada do capital estrangeiro. O

capital estrangeiro tem por perspectivas ideológicas estabelecer novos domínios de

Page 17: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

16

mentes; por essa razão esta tese se justifica, pois busca resgatar aspectos culturais

que poderão ser modificados futuramente. É desse movimento de Ir e Vir, que os

aspectos culturais serão traçados nesta tese.

Da Análise do Discurso de Linha Francesa, foram selecionadas as noções

de intertextualidade e interdiscursividade, pois elas podem ser examinadas dentro

das formas de conhecimentos sociais que são comuns a diferentes pessoas no intra,

inter e extragrupo.

Sendo assim, esta tese defende que um texto é sempre uma resposta

como forma de adesão, complementaridade ou oposição a um outro texto; logo um

texto se estende em outros textos, de forma a construir uma progressão semântica

para o que acontece no mundo.

Entende-se, também, que cada discurso é uma prática sócio-interacional

que pode ser definida pelas relações mantidas entre seus participantes, suas ações

e suas funções. Portanto, a noção de campo discursivo pode estar associada ao

esquema mental discursivo.

É interessante observar que os campos discursivos mantêm entre si uma

interdiscursividade na medida em que um campo dialoga com o outro, ao tratar de

um mesmo tema, assim sendo, entende-se que um campo discursivo não se define

por temas e sim pela forma de tratar os temas.

Esta tese tem por objetivo geral contribuir com os estudos discursivos da

cultura brasileira, examinada a partir de expressões verbais em textos lingüísticos de

letra musicais sul-pantaneiras. Como se sabe, no Brasil, os estudos da cultura vêm

sendo realizados por historiadores, sociólogos, etnólogos e antropólogos, entre

outros.

Tem-se por objetivos específicos:

Page 18: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

17

1. Selecionar um texto-base, para a inserção de intertextos e

interdiscursos.

2. Examinar nos textos musicais, o diálogo mantido com outros intertextos

de diferentes interdiscursos, na busca de representações textuais e

discursivas de aspectos culturais do homem sul pantaneiro.

3. Examinar por interdiscursos as diferentes formas de tratar temas

relativos à cultura da região do Mato Grosso do Sul.

Justifica-se, também, esta tese, na medida em que há uma preocupação

em se caracterizar o Mato Grosso do Sul como uma unidade imaginária em relação

ao Mato Grosso e aos demais estados brasileiros.

A caracterização do Sul de Mato Grosso precisa ser vista dentro de um

prisma de complexidade e diversidade cultural dadas à extensão territorial e

mutabilidade da cultura, não se esquecendo que o estado de Mato Grosso do Sul é

novo e resultante de um produto multifacetado de influências diversas advindas de

várias regiões do Brasil, além das fronteiras Bolívia e Paraguai.

Tem-se por hipótese prioritária que as categorias analíticas Discurso,

Sociedade e Cognição estendem-se para a análise das representações mentais e

lingüísticas enquanto organização de conhecimentos avaliativos e crenças culturais

e como hipótese secundária, o movimento de Ir e Vir por grandes extensões

geográficas, que guiam as ações do homem sul pantaneiro.

Esse movimento tem suas raízes históricas nas tribos nômades que

habitaram a região, mas somado às tribos sedentárias, modifica o Ir e Vir nômade,

na medida em que este está presente nas ações, a fim de se retornar ao lar,

Page 19: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

18

avaliado como mundo mágico e sagrado do velho bugre, mito das tradições culturais

locais.

O procedimento metodológico desta tese é teórico-analítico e o material

selecionado para as análises como corpora, é constituído de:

1. letras de músicas regionais;

2. textos do discurso da História, da Geografia e da Etnografia;.

3. entrevistas com os compositores realizadas pela pesquisadora.

A coleta do material teve por critério as expressões lingüísticas explícitas

nas letras musicais, por terem sido consideradas as escolhidas pela avaliação

popular, já que são cantadas pelo povo sul-mato-grossense como as mais

representativas da região.

Após, a busca dos intertextos e interdiscursos teve por critério a

progressão semântica dos temas musicais, de forma a propiciar o diálogo entre

conhecimentos ideológicos e culturais. Entende-se que a linha divisória entre cultura

e ideologia pode ser traçada em cada contemporaneidade, porém, no que se refere

às raízes históricas essa divisória é fluida.

Esta tese está organizada por capítulos que buscam responder um

conjunto de perguntas representadas em língua no texto selecionado como texto-

base para as análises. O texto-base foi selecionado após o exame do corpus de

letras musicais já analisadas.

Os resultados obtidos das análises indicam que, embora “Trem do

Pantanal” seja considerada a mais representativa das músicas regionais do Sul de

Mato Grosso, “Quanta Gente” foi selecionado como texto-base, pois, traz

Page 20: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

19

representado em língua, as questões a serem respondidas por intertextos musicais e

por diferentes interdiscursos.

Portanto, a organização dessa tese é a seguinte:

Capítulo I: Em busca de traços culturais do Mato Grosso do Sul.

Este capítulo apresenta a justificação da escolha do tema desta tese, a sua

delimitação e bases teóricas; bem como, o material, os métodos da coleta e as

categorias analíticas.

Capítulo II: Considerações teóricas pertinentes

Este capítulo reúne pressupostos teóricos relativos à Teoria da Memória e ao

Interacionismo Simbólico; busca ainda situar as noções de Intertexto e Interdiscurso,

caracterizando os discursos selecionados para a elaboração dos resultados obtidos

nesta tese.

A partir das questões levantadas no texto-base, foram constituídos os demais

capítulos.

Capítulo III: Quem foi que expulsou o índio?

Este capítulo apresenta resultados obtidos da análise de intertextos e interdiscursos

selecionados para responder à questão do texto-base “Quanta Gente” de Zé Du:

“Quem foi que expulsou o índio”?

Capítulo IV: Quem lutou com o Paraguai?

Este capítulo apresenta resultados obtidos da análise de intertextos e interdiscursos

selecionados para responder à questão do texo-base “Quanta Gente” de Zé Du:

Quem lutou com o Paraguai?

Capítulo V: Quem ganhou o Latifúndio?

Page 21: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

20

Este capítulo apresenta resultados obtidos da análise de intertextos e interdiscursos

selecionados para responder a questão do texto-base “Quanta Gente” de Zé Du:

Quem ganhou o Latifúndio?

Capítulo VI: Quem derrubou as matas? Quem cultivou o cultivar?

Este capítulo apresenta resultados obtidos da análise de intertextos e interdiscursos

selecionados para responder às questões do texto-base “Quanta Gente” de Zé Du:

Quem derrubou as matas? Quem cultivou o cultivar?

Os capítulos apresentados buscam progredir semanticamente esta tese

que trata de aspectos da cultura do homem sul-pantaneiro, pelas suas

representações em língua, por letras musicais, seus intertextos e interdiscursos, pois

defende que todas as formas de conhecimento são avaliativas e construídas no e

pelo discurso.

Como se sabe, as culturas são plurais e podem ser diferenciadas em uma

breve síntese em cultura de elite, em cultura grupal e em cultura popular, sendo que

esta tese tem o seu foco projetado na cultura popular.

Page 22: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

21

CAPITULO I

EM BUSCA DE TRAÇOS CULTURAIS DO MATO GROSSO DO SUL

Este capítulo apresenta a justificativa da escolha do tema desta tese, a

sua delimitação e bases teóricas, apresenta-se, ainda, o material, os métodos de

coleta e as categorias analíticas.

1.1 JUSTIFICATIVA

Hoje, de forma geral, há no Mato Grosso do Sul um movimento para

resgatar suas raízes históricas a fim de se caracterizar o sul-mato-grossense como

um homem que tem identidade cultural própria. Esse movimento decorre da Divisão

Política do Estado de Mato Grosso ocorrido em 1977, dividindo-o em dois estados:

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Tanto antes quanto após a divisão política, o homem pantaneiro sul-mato-

grossense foi identificado sem se considerar essa divisão.

Atualmente, há preocupação em se resgatar o que foi vivido e

experenciado socialmente no Mato Grosso do Sul de forma a diferenciá-lo do que foi

vivido e experenciado no que hoje, politicamente compreende o que é chamado de

Mato Grosso.

Segundo os sul-mato-grossenses, a capital do seu Estado, Campo

Grande, cresceu em função da ferrovia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, pois

foram seus trilhos que trouxeram tantas gerações que hoje constituem na região,

uma miscelânea de etnias e culturas.

Page 23: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

22

Para eles, há uma geração que está envelhecendo e desaparecendo;

dessa forma é necessário lutar para preservar a sua identidade para as próximas

gerações, a fim de manter viva a epopéia vivida em Mato Grosso do Sul.

Segundo Aral Cardoso, em entrevista feita em outubro de 2004, à

pesquisadora desta tese, o momento é de mudanças radicais, o que coloca em

perigo as raízes históricas e culturais do seu Estado.

Acho que graças a Deus pelo lado dos bichos que não podem falar, pela sorte deles, essa invasão de novos grupos sociais que chegaram e chegam ao nosso Estado foi muito bom para a preservação, pelo cuidado com a terra. Do lado cultural acho perigoso, pois se a gente não preservar o que é nosso, ninguém vai fazê-lo. Vou dar um exemplo: A Fazenda Rio Negro do Orlando Rondon sempre foi uma maravilha, serviu de cenário para a novela Pantanal da Rede Manchete e de repente foi vendida para um grupo suiço. Com ela, outras fazendas não agüentaram a vida moderna, imposta pela tecnologia, com gado controlado pelo computador. Pantaneiro, acostumado com a criação extensiva, não estava acostumado com isso, acabou engolido. Daqui a pouco não teremos mais Pantanal nosso e sim de estrangeiros.

Em entrevista transcrita da obra Memória da Arte em MS: história de vida

(1992, p.111-131), Chico Lacerda, músico e componente do Grupo Acaba já discutia

esta questão quando afirmava com propriedade que:

Um povo só se torna grande e independente quando tem sua cultura preservada e quando tem coragem para assumir sua primitividade; é isso que nos falta em Mato Grosso do Sul, o que nos falta é pesquisar, divulgar essa cultura para que o povo tome conhecimento e dela se orgulhe”. (..) Mato Grosso do Sul é o grande produtor de boi, de grão, mas em que isso contribuiu para mudar o perfil cultural do Estado, visto na mídia como um corredor de tráfico de drogas?

Esta tese se justifica, na medida em que busca resgatar traços culturais

do sul-mato-grossense, de forma a seguir a indicação dada por Paulo Simões em

entrevista concedida a esta pesquisadora, em novembro de 2004, em sua

Page 24: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

23

residência, quando afirma que na verdade o tesouro não está nas festas dos peões

e sim na memória dos sul pantaneiros.

De forma geral, os textos relativos à cultura dos sul pantaneiros são de

tradições orais e relativos às benzeções, lendas, lembranças, à vida cotidiana, rituais

e festas, entre outros.

Esta tese selecionou letras de músicas regionais, a fim de se analisar

traços culturais dos pantaneiros do sul, representados em língua por seus

compositores.

O tema dá abertura a uma pesquisa ao longo dos vinte anos de letras da

música do MS feitas, antes e após a Divisão do Estado, e que tiveram como tema o

pantanal, além de contemplar aquelas que ao longo da história não possuem

fronteiras regionais e se notabilizaram como populares de Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul. Esta pesquisa vai ao encontro da preocupação de significativa

parcela de nossa sociedade e da própria Fundação de Cultura de buscar formas de

discutir a Identidade cultural.

Em entrevista concedida por Paulo Simões (in Rosa, Menegazzo e

Rodrigues, 1992 p. 82-83), o compositor afirma que:

A música de Mato Grosso do Sul é um produto multifacetado, diferente da música popular internacional ou da “world music” que também é multifacetada". A nossa provém de diversos pontos cardeais. A música branca e rural tem origem em Minas e São Paulo, de onde saíram as entradas e bandeiras, e as primeiras levas de desbravadores brancos portugueses, que ocuparam o espaço hoje chamado de Mato Grosso do Sul. Numa camada abaixo, pode-se considerar a existência ou resistência de uma música autótocne, indígena, muito mal conhecida e registrada, mas presente no ar. Virando-se à esquerda, deparamo-nos na fronteira com o Paraguai e a Bolívia, com a colonização espanhola com suas histórias de idas e vindas de fronteira, de marcos, de influências dos ritmos platinos entre os quais eu englobaria a polca paraguaia , que é uma derivação regional da polca européia erudita. A polca, a guarânia, o rasqueado e o chamamé fazem parte da mesma família de ritmos ternários, dotados de mil variações e

Page 25: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

24

possuidores de uma consistência artística que lhes permitem atravessar décadas e décadas. [..] Com a implantação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, intensificou-se não apenas o fluxo de mineiros e paulistas,como de outras subdivisões de nacionalidades que se dirigiam para cá, como os da populações limístrofes do Paraguai e Bolívia em direção a São Paulo. [..]Passou a haver uma mão dupla de influências e de trocas migratórias que se prolongou até a década de 70 (p.82-83).

Delimita-se essa tese às letras de músicas regionais sem se preocupar

com a melodia e o ritmo, embora estes sejam muitos importantes ao público. Dessa

forma, está situada na linha de pesquisa Texto e Discurso nas modalidades oral e

escrita e fundamentada na Análise Crítica do Discurso com vertente sócio-cognitiva

da qual van Dijk, desde 1988, é seu representante.

Buscar nesta diversidade cultural a identidade do MS é entender que:

nessa diversidade há uma unidade para onde convergem nossas tradições e costumes e que propicia a caracterização do brasileiro como um povo, uma nação, um conjunto de valores, escolhas e ideais de vida que definem uma identidade, na nossa diversidade cultural. (SILVEIRA, 2000:10).

Mato Grosso do Sul foi habitado durante séculos por indígenas e,

também, serviu de passagem a espanhóis e paulistas em suas conquistas

desbravadoras. A partir do século XIX, passa a receber sucessivas correntes

migratórias externas (libanesas, italianas, portuguesas, sírias, armênias, turcas).

Conforme Sá Rosa (1992):

linguagem, hábitos, alimentação e cultura e o Estado do MS passou então, a sofrer transformações substanciais, tornando-se um centro de vir a ser, na qual as pessoas deixaram de ser objetos, para se tornarem sujeitos de transformações, de ambientes, de coisas, materiais e principalmente de consciência.

Page 26: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

25

Nesse sentido, a cultura sul-mato-grossense torna-se bastante complexa

de ser analisada, uma vez que há diversidade de fatores, que tipificam distinções

das influências migratórias internas e externas, das diferenças regionais, sociais e

étnicas, que resultam na formação de um povo com características específicas. Para

Silveira (2000) apesar das diversidades, há uma unidade cultural que define uma

unidade imaginária, a memória social para onde converge um conjunto de valores,

escolhas e idéias.

Para Tornelli (2000):

Indiscutivelmente estamos diante de uma encruzilhada cultural no estado de Mato Grosso do Sul, encruzilhada esta que aponta para duas questões fundamentais: 1) a de descobrir qual é realmente a identidade cultural sul-mato-grossense? ; 2) em que medida essa cultura se aproxima da cultura nacional brasileira? De fato, toda e qualquer cultura vive em constante processo de transformação e uma sociedade democrática não necessita de uma cultura unidirecionada. Sob este prisma de análise, a identidade da cultura sul-matogrossense se aprofunda na sua própria diversidade, acentuada pelo processo histórico envolvendo a fronteira. [..] Entretanto se pensarmos mais alto, se tomarmos como parâmetro de que a América Latina é nossa nação por excelência, ainda que também seja um projeto não devidamente concluído, podemos constatar que a encruzilhada cultural sul-mato-grossense pode ser o elo unificador de diferentes culturas regionais latino-americanas: hispano-guarani, hispano-andina, hispânica e luso-afro-brasileira. Espaço privilegiado de intercâmbio cultural,o Estado de Mato Grosso do Sul está, ao que tudo indica, destinado a ser um pólo irradiador de uma cultura sui generis própria à criatividade e ao diálogo, colocando fim aos preconceitos que separaram historicamente, os universos culturais dos habitantes das vertentes atlântica e pacífica deste diverso e uno continente que é a América Latina. (2000, p. 40)

Este trabalho, ao longo de sua elaboração buscará mostrar dados

culturais de diferentes grupos sociais do sul de Mato Grosso, focalizando o Pantanal

e a maneira pela qual o que foi e é experenciado pelos seus nativos expressa em

língua, a partir de textos musicais, dados culturais.

Page 27: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

26

1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA

Desde que se defende que todas as formas de conhecimento são

avaliativas e que a cultura é uma delas, esta tese tem suas bases teóricas na

vertente sócio-cognitiva da ACD, para resgatar nas letras de músicas populares

regionais, a memória social do sul pantaneiro, entendendo-a como um conjunto de

representações mentais avaliativas a respeito do que foi vivido e experenciado

nessa região geográfica.

Em síntese, buscam-se as tradições, as normas e os valores

armazenados na memória social de longo prazo do sul pantaneiro, de forma a guiá-

lo em seu percurso narrativo histórico do que foi vivido e experenciado socialmente

pelo povo.

1.3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA ACD

De forma geral, a Análise Crítica do Discurso é caracterizada por

diferentes vertentes, embora todas tenham por objetivo analisar o Discurso, de forma

crítica, para denunciar como ele é capaz de dominar a mente das pessoas a partir

de discursos institucionais públicos.

A Análise Crítica do Discurso originou-se na Inglaterra e tem como

proposição os estudos de exemplos concretos de interação tanto em textos

lingüísticos quanto em parcialmente lingüísticos.

Fairclough e Wodak (1997) justificam que o discurso é uma prática social

e, como tal, necessita ser depreendido como uma relação social onde ocorre uma

Page 28: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

27

dialética entre as situações discursivas institucionais e os eventos discursivos

particulares, definidores das práticas discursivas sociais.

Essa retroalimentação contínua provoca a interação do individual com o

social. Consideram os autores que a vertente sócio-cognitiva da ACD instaura-se

como uma disciplina multidisciplinar, ligada às ciências sociais e cognitivas, surgindo

graças à real importância da linguagem na vida social. Na concepção dos autores

em questão, como os indivíduos não têm consciência do poder intervencionista do

discurso no controle e molde das cognições sociais, analisar o Discurso de forma

crítica é poder denunciar o quanto as práticas discursivas controlam a mente das

pessoas.

Afirmam, também, que a prática discursiva, enquanto interação social,

exerce uma grande contribuição para sustentar, reproduzir, transformar os eventos

discursivos particulares.

A Análise Crítica do Discurso, de forma geral, considera tanto dados do

social – a sociedade e os grupos sociais - quanto do individual, pois os membros de

um grupo quando no uso da linguagem, tanto falam quanto escrevem, ao entender-

se socialmente ou individualmente. A unicidade do discurso de cada indivíduo

permite que ocorra variação individual, disparidade, oposições em relação ao grupo

social, ainda que haja semelhanças sociais, no tocante ao defini-lo como membro de

um grupo social.

Quando se trata de entender o uso da língua no e pelo discurso, como

forma de interação social, a análise focalizará suas estruturas lingüísticas -

sintáticas, morfológicas, semânticas, fonológicas, retóricas e estilísticas - em sua

relação entre o social e o individual.

Page 29: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

28

A ACD com vertente sócio-cognitiva privilegia as ciências cognitivas no

eixo da transdisciplinaridade. Essa vertente propõe analisar criticamente o discurso

como interação social a partir de intertextualidade como uma dialética entre os

eventos discursivos particulares e os discursos públicos e institucionais.

Para van Dijk (1997), a melhor forma de analisar criticamente o discurso é

delimitá-lo às categorias analíticas: Sociedade, Cognição e Discurso.

Segundo o autor, a inter-relação dessas categorias analíticas, quando se

trata de discursos institucionais públicos precisa ser analisada também, a partir do

contexto discursivo. Esse contexto é analisável por três outras categorias, a saber:

Poder, Controle e Acesso.

Cada uma dessas categorias é definida por participantes, funções e

ações. Assim, por exemplo, segundo Guimarães (1999), no que se refere ao

discurso jornalístico:

1 O Poder - tem como participante, os donos da empresa de jornal que

definem como função o que é de interesse para eles e suas ações que

são direcionadas para fazer com que o Controle execute suas

intenções.

2 O Controle - é definido por um conjunto de participantes tais como:

pauteiro, repórter, redator de reportagem e redator-chefe; esses

participantes têm como função construir a notícia a fim de que ela

controle ou construa a opinião dos leitores.

3 O Acesso – tem por participantes, entre eles, o diagramador e o

paginador, cujas funções são de fazer com que a notícia chame a

atenção do leitor a fim de que ela construa a opinião pública segundo o

Poder.

Page 30: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

29

Dentro desse contexto, se o Poder busca controlar a mente do público,

esse mesmo Poder interaciona as cognições sociais com a ideologia do grupo de

Poder, através de um conjunto de estratégias retóricas.

Por conseguinte, é justamente por intermédio do Discurso que há por

parte dos participantes do Poder, a construção de cognições sociais como forma de

domínio das mentes, (cf.van Dijk 1997).

Sendo assim, o objetivo mais relevante da ACD é denunciar como ocorre

o domínio das mentes tanto nos textos escritos quanto por meio dos orais. Como o

Poder é inerente às práticas e interações sociais, ele controla os discursos

institucionais, assim como controla os veículos de comunicação, como por exemplo,

na mídia, o discurso jornalístico e no político, o discurso da História.

Logo, o discurso para a vertente sócio-cognitiva, inter-relaciona-se à

Sociedade e Cognição, em uma interação constante do individual com o social.

Enquanto as representações sociais participam da memória social, pois

são guiadas por suas crenças e práticas discursivas, poder-se-ia dizer que a cultura

participa dessas representações sociais, enquanto formas de crenças dinâmicas.

Nesse contexto, o autor em questão, propõe que para compreender as

relações entre Discurso, Sociedade e Cognição, é necessário analisá-las numa inter-

relação avaliativa.

No tocante aos processos sócio-cognitivos, o discurso deve ser analisado

a fim de se resgatarem formas de conhecimentos, atitudes, tradições que possam

explicar a produção de sentidos durante a interação sócio-cognitiva.

Na inter-relação: Sociedade, Discurso e Cognição, van Dijk (2000)

privilegia as noções de memória social e individual, de discurso como ação e

interação, de contexto global e local e de papéis sociais.

Page 31: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

30

Em suma, são postuladas três grandes categorias analíticas: Discurso,

Sociedade e Cognição. Essas categorias são inter-relacionadas, na medida em que

uma se define pela outra.

O Discurso é visto como uma prática sócio-interacional convencionada na

e pela Sociedade. Esta prática é representada por um esquema mental que define o

contexto global discursivo, entendido como participantes, suas ações e funções. No

contexto discursivo, ocorre o texto; este, no caso desta tese, é verbal e se define

como um produto que traz representado em língua formas de conhecimento social e

individual.

A Análise Crítica do Discurso postula uma dialética entre o social e o

individual, pois, o social guia as ações e formas de representação do individual,

assim como o individual, modifica o social.

Por essa razão, os textos de músicas regionais selecionados foram

considerados discursos públicos e as entrevistas realizadas com os compositores,

eventos discursivos particulares, porém ambos guiados pela memória social,

depositário da cultura do homem sul-mato-grossense.

A Sociedade é vista como um conjunto de grupos sociais; cada grupo é

definido pela reunião daqueles que têm os mesmos objetivos, interesses e

propósitos.

Assim sendo, cada grupo social tem um ponto de vista específico para

focalizar o mundo de modo a selecionar características e cancelar as demais,

embora todas pertençam a um único referente.

A Cognição é definida como formas de conhecimento que são

representações mentais do que é focalizado como acontecimento no mundo. Os

Page 32: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

31

conhecimentos sociais de cada grupo são designados marco de cognições sociais

(MCS) e são relativos ao que é experenciado no mundo.

A Sociedade define-se por uma diversidade de grupos sociais, cada qual

com o seu marco de cognição social construído por um conjunto de conhecimentos,

que são formas avaliativas de representação do mundo, decorrentes do ponto de

vista, com o qual cada grupo observa o que acontece no mundo.

A memória social de uma nação assim como os marcos de cognição

social dos grupos que a compõem, contém a Cultura como forma de representações

mentais e avaliativas e as ideologias, de acordo com Silveira (2000).

A Cultura, conseqüentemente, é decorrente de raízes históricas e da

contemporaneidade dos marcos de cognição social de um grupo, podendo ser

definido como a memória social de um grupo quando responde às questões: Quem

eu sou? / Quem é você? / Quem é ele ? / Quem somos nós? / Quem pensamos que

somos?

A inter-relação dessas categorias propicia que se sintetizem as bases

teóricas da seguinte forma: os conhecimentos sociais são construídos no e pelo

Discurso que tem acesso ao público, por instituições como família, escola, igreja,

estado e empresa.

Dessa forma, um grupo social não se define de forma material, como

etnia, idade, região, sexo, classe econômica e sim, como grupo de pessoas que

partilham os mesmos conhecimentos a respeito do mundo.

Esses conhecimentos são construídos no e pelo Discurso, visto enquanto

evento discursivo particular ou como prática discursiva institucional.

Os conhecimentos avaliativos não são constatáveis no mundo e, por isso,

divergem de grupo para grupo, enquanto crenças sociais. Todavia, há possibilidade

Page 33: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

32

de se identificarem os membros de um grupo social, a partir de uma unidade

imaginária que são os conhecimentos extragrupais. Sendo assim, são passíveis de

identificação, nas crenças dos brasileiros, a forma de representação da expansão

territorial do país. Mas, é necessário considerar que dependendo dos grupos sociais

e seus interesses, a nossa expansão territorial é representada por crenças

diferentes.

No Discurso, constrói-se o texto que decorre de como se pode e deve

dizer em uma determinada prática discursiva, ou seja, a formação discursiva. O texto

é visto como a representação em língua das formas de conhecimento construídas na

memória.

Cada designação explicitada no texto-produto, pode ser examinada

enquanto lexia, vocábulo e palavra. Uma lexia é uma unidade memorizada pelo

locutor e faz parte do sistema da língua enquanto forma de conhecimento social. O

vocábulo é a lexia em estado de dicionário e para ser dicionarizada depende da

instituição Poder. A palavra é a lexia-ocorrência no texto-produto; o conteúdo das

palavras depende de relações coesivas referenciais, ou seja, da inter-relação entre

as lexias – ocorrências no texto verbal.

Nesse sentido, as designações usadas como palavras no texto, contêm

outras predicações que ultrapassam a dimensão do dicionário como implícitos, que

não foram explicitados no texto-produto; esses implícitos são decorrentes tanto das

intenções de quem enuncia quanto dos valores culturais incorporados no uso da

palavra.

Esta tese busca tanto segmentos lingüísticos explícitos quanto implícitos.

Os explícitos são relativos ao que o texto traz representado em língua e os

Page 34: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

33

implícitos, aos valores culturais que precisam ser explicitados para se resgatarem

traços culturais de um grupo social.

1.4 MATERIAL DE ANÁLISE

O material selecionado para análise foi diversificado e constitui o seguinte

corpora a saber:

1.4.1 Letras Selecionadas

Foram selecionadas 17 letras de músicas regionais tendo por critério a

representação em língua de tradições orais do pantaneiro do Sul de Mato Grosso.

Essas letras são relativas às músicas premiadas em festivais, músicas de

repercussão regional ou gravações de grande venda de compositores regionais e

têm os seguintes títulos:

1.Trem do Pantanal –Paulo Simões e Geraldo Roca

2.Quanta Gente – Zé Du

3. Nos Mares de Xaraés - Moacir de Lacerda e Chico Lacerda

4. Capim da Ribanceira – Almir Sater e Paulo Simões

5. Boieiro do Nabileque – Almir Sater / João Bá

6. Sonhos Guaranys - Almir Sater / Paulo Simões

7. Peão Pantaneiro – Aral Cardoso/Wilson Maciel

8. Comitiva Esperança - Paulo Simões e Almir Sater

9. Emenda com a Galopeira – Carlos Colman

10. Pai Nosso Sertanejo – Carlos Colman / Alexandre Saad

Page 35: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

34

11.Nossa Senhora do Pantanal – Alzira Espíndola Orlando Antunes

Batista

12. Pantanal em Silêncio - Aral Cardoso

13. Fulano de Tal – Carlos Colman

14. Prazer de fazendeiro. Delio e Delinha

15. Peão Baguá - Aral Cardoso

16. Paiaguás - Paulo Simões/ Guilherme Rondon

17. Canta Saudade – Aurélio Miranda

Como era necessário definir um texto-base para a seleção dos intertextos

e interdiscursos, em um primeiro momento, optou-se pela letra musical Trem do

Pantanal, por ser considerada a música símbolo do Estado de Mato Grosso do Sul.

Trem do Pantanal (Geraldo Roca e Paulo Simões)

Enquanto esse velho trem

Atravessa o Pantanal

As estrelas do Cruzeiro

Fazem um sinal

De que esse é o melhor caminho

Pra quem é como eu

Mais um fugitivo da guerra.

Enquanto esse velho trem

Atravessa o Pantanal

O povo lá em casa espera

Que eu mande um postal

Dizendo que eu estou muito bem

E vivo

Rumo a Santa Cruz de la Sierra

Page 36: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

35

Enquanto esse velho trem

Atravessa o Pantanal

Só meu coração está

Batendo desigual

Ele agora sabe que o medo

Viaja também

Sobre todos os trilhos da Terra

Rumo a Santa Cruz de la Sierra

Sobre todos os trilhos da Terra.

O intertexto Trem do Pantanal foi composto por Geraldo Roca e Paulo

Simões em plena época de contradições na concepção dos jovens da década de 70.

De um lado, a ditadura militar, ou seja, o governo de revolução de 64 que

é representado em língua pela palavra guerra. Do outro lado, pela forma de viver e

conceber o mundo na concepção de paz e amor, típico do movimento hippie e que é

representado em língua pelas palavras “trem do pantanal”, pois a viagem assume a

representação de espaço para respirar, pensar, descobrir a própria identidade,

atitude típica dos jovens cabeludos e mochileiros que cruzavam constantemente os

trilhos pantaneiros saindo de São Paulo com destino a Corumbá e

conseqüentemente a Bolívia e depois Matchu Pitchu (Cuzco-Peru).

Durante as entrevistas realizadas com os compositores das músicas

selecionadas, Paulo Simões afirmou para esta pesquisadora:

Em 1975, já formado e não disposto a trabalhar no Rio de Janeiro, em plena ditadura, tive como opção sair pela esquerda e vir fazer show aqui ou em qualquer outro lugar. [..] Fiz uma viagem intuitiva, espontânea para o Peru com Antônio João Figueiredo, cujo pai era coronel, membro do SNI e amigo pessoal do presidente Médici.

Page 37: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

36

Saímos às escondidas do pai dele e um fato me marcou profundamente. Minha mãe foi se despedir de mim na estação que pessoas sem uma mínima sensibilidade estão transformando em outras coisas e tentou me dissuadir a voltar para o Rio de Janeiro e arranjar um emprego. Subiu no vagão e perguntou o que eu ia fazer pelas aquelas bandas e com o meu senso de humor, devo ter colado de algum filme, eu respondi: -Mãe, vou em busca do meu destino. [..] Durante a viagem, fizemos (eu e o Geraldo Roca, que nos acompanhou nesta aventura, um pedaço da letra captando o momento; Inicialmente fomos cantando e as pessoas se interessando. Era mais tema instrumental e a letra começou a caminhar por cima desta situação. Se a gente tivesse ficado em Campo Grande, talvez não tivesse esse caráter. Foi condensando coisas de uma geração que estava na estrada porque não se sentia bem em suas casas. [..] Essa música pespegou não sei se um rótulo de compositor regional que eu não aceitava.Ela foi construindo a história, hoje tenho uma visão diferente muito crítica; foi importantíssima para minha vida, de certa forma respondi às perguntas de minha mãe, pois acabei encontrando parte de meu destino naquela viagem singular.

A história do trem representa a própria história do Estado, pois, o trajeto

dos trilhos da ferrovia começou a definir as transformações que originaram o

progresso de algumas cidades do ainda Mato Grosso, entre elas Campo Grande.

Antes da vinda do trem, brasileiros de todos os lugares somavam-se aos imigrantes

que antes chegavam pelos portos de Corumbá, cidade pantaneira, cujos rios

Paraguai, Paraná e Prata eram o único meio de comunicação.

O percurso do trem do Pantanal envolvia a Companhia Paulista, pois ele

saía de Bauru (SP), passava por Lins e Araçatuba (SP), entrava no então Mato

Grosso, denominando-se Ferrovia Noroeste do Brasil; passando pelas cidades mato-

grossenses de Três Lagoas, Ribas do Rio Pardo, Campo Grande, Aquidauana,

adentrava, então, na região pantaneira de Miranda, Porto Esperança e Corumbá.

Page 38: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

37

Figura 1 O percurso do Trem

S d Fonte: http://www2.correioweb.com.br/cw/edição20020904/suplug Acessado em 18/03/2003, Correio

Brasiliense 04/09/2002.

É importante que se atribua a Corumbá, durante vários séculos a

responsabilidade de ter alavancado o desenvolvimento do Estado; graças à hidrovia

do Rio Paraguai, por sua posição privilegiada, a cidade era o ponto de ligação entre

a capital do Estado e a capital do País com um relevante papel na vida

administrativa e comercial de Mato Grosso.

Circulavam, diariamente, até a década de 80, cerca de vinte e cinco

vagões com capacidade de 70 lugares em cada um deles; saíam de Campo Grande

com destino a Corumbá, e alguns de seus vagões serviam também de transporte de

cargas e encomendas que em 24 horas chegavam a seus destinos.

A diversidade de produtos que também era transportada em seus vagões

variava entre cimento, óleo diesel, madeira e transporte de bois, tanto de Bauru a

Corumbá e conseqüentemente servia à exportação em sentido inverso com destino

a São Paulo.

Os trilhos da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) mudaram

o curso da história e da economia de grande parte das cidades mato-grossenses,

exercendo uma força contraditória tanto na fragmentação de alguns latifúndios

quanto na formação de outros nas proximidades de cidades exportadoras de gado,

pois com eles vieram o progresso, os povos, a economia; por ela partiam gente da

terra em busca de novos caminhos.

Page 39: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

38

Eles serviram de pólo irradiador de gentes da terra que por eles cruzaram

buscando novas opções de vida; na verdade a ferrovia foi responsável pela

mudança no curso da história do estado do MS.

Com a extinção gradativa do Trem do Pantanal, substituído pela política

da rodovia da ditadura militar do Brasil, a característica cultural do conservadorismo

regional passa a representar esse trem, como símbolo do Mato Grosso do Sul, de

forma a simbolizá-lo por uma semia cultural de liberdade, opção de vida nova,

coragem, desbravamento e conquista.

A análise realizada com este texto propiciou que se obtivessem alguns

resultados:

Palavras-chave: “já formado”, “em plena ditadura”, “como opção sair pela esquerda”,

“viagem intuitiva para o Peru”, “coronel, membro do SNI”, “presidente Médici”,

“saímos às escondidas”, “vou em busca do meu destino”, foi condensando coisas de

uma geração que estava na estrada porque não se sentia bem em suas casas,

acabei encontrando parte de meu destino

Implícitos: A partir das palavras-chave, foram construídos explicitamente os

implícitos do texto-produto. A música foi criada pelos seus autores na época da

ditadura militar no Brasil quando o regime mais rígido foi imposto pelo Presidente

Médici. Os jovens politizados para fugir de enfrentamentos ou possíveis prisões por

serem considerados de esquerda saem do Brasil em busca de seu destino. Grande

parte deles saíram pelo Pantanal do Mato Grosso do Sul e após atravessaram a

fronteira para a Bolívia, conduzidos pelo Trem do Pantanal.

Em busca das tradições locais: Alguns jovens politizados cruzaram a fronteira com a

Bolívia conforme o que o texto traz representado em língua. Porém este mesmo

texto representa a saída para a Bolívia, com objetivo de jovens aventureiros que

Page 40: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

39

queriam conhecer o Peru. Essa representação não tem tradição cultura local.

Aqueles jovens que saíram pela fronteira da Bolívia para fugir da ditadura militar

brasileira, foram em busca da liberdade, mas esta representação não tem relação

com as tradições culturais locais na medida em que elas implicam o Ir e o Vir.

Como se pode verificar na letra Trem do Pantanal, o referente está

focalizado na fuga de um perigo, com possibilidades de perseguição. Claro está que

uma grande quantidade de pessoas foi para o Mato Grosso do Sul para fugir de

perigos iminentes.

A letra Trem do Pantanal foi selecionada como símbolo de Mato Grosso

do Sul após ter sido premiada em um concurso realizado pela Televisão Morena,

filiada à Rede Globo, em momentos seguidos à Divisão do Estado, ocorrida em

11/10/1977.

Por essa razão, o jogo ideológico dos grupos de Poder, em conflito

durante o período da revolução militar brasileira, pode ser explicitado na fala do

pesquisador Ângelo Arruda, fundador da Ação Cultural Ferroviária-Ferroviva, que dá

adesão à escolha da música “Trem do Pantanal” como símbolo do MS.

Para ele, o grande sentido da escolha está ligado à nossa própria

identidade, pois a música Trem do Pantanal está para Mato Grosso do Sul como o

Frevo Vassourinhas está para Pernambuco.

Segundo o pesquisador, a popularização da música deve-se a seu

significado afetivo cultural, pois ela está ligada ao movimento do Ir e Vir de todos que

fizeram a história do MS e como fio condutor da história cultural de Mato Grosso do

Sul, na medida em que ela traz a representação do progresso, da revolução

tecnológica, da ocupação por pessoas com seus hábitos e novos costumes.

Page 41: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

40

O texto traz representado em língua duas designações para a expressão

“trem”, que assumem valor positivo:

Simultaneamente, trouxe todos os povos da terra que metaforicamente representa a

multiculturalidade que constitui o povo do MS, ou seja, o sentido mais global.

O Pantanal é a zona da travessia que significava para uns: esconderijo; para outros,

mudança de vida ou simples lazer.

Assim por exemplo, o trem do Pantanal possui para os grupos sociais

diferentes focalizações:

Para o grupo social 1: (nativos sul-mato-grossenses) é focalizado como desbravador

de extensa região geográfica que causou o nascimento de cidades, o

desenvolvimento do comércio, o transporte leve e pesado entre outros; por essa

razão é avaliado positivamente enquanto elemento propiciador das raízes culturais

da região.

Para o grupo social 2: (empreendedores econômicos estrangeiros e nacionais, assim

como políticos), é focalizado em uma ótica de obtenção de lucros, às vezes sem

nenhuma preocupação nem cultural nem ambiental. O investimento volta-se para a

área turística, de pesquisas ou para a implantação de indústrias que poderão

ocasionar sérios danos ambientais.

Para o grupo social 3: (traficantes de drogas) é focalizado como transporte mafioso e

ilícito, mas que propicia lucros.

Após os resultados obtidos da análise de outras letras musicais, optou-se

pelo texto-base Quanta Gente de Zé Du, na medida em este traz representado em

língua um conjunto de questões que para serem respondidas, exigiam progressão

semântica intertextual, seja por adesão, seja por complementaridade, seja por

oposição.

Page 42: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

41

A busca de respostas para as questões existentes no texto-base propicia

a defesa desta tese que trata a cultura como um depositário de conhecimentos

avaliativos na memória social e que se diferencia de conhecimentos ideológicos

avaliativos impostos, de forma persistente pelas classes de Poder.

Dessa forma, o texto-base é a seguinte letra musical: Quanta Gente ( Zé

Du)

Quanta gente tanta

De pioneira coragem

De tribos com terra santa

Com festa e dor na bagagem.

Quem foi que expulsou o índio?

Quem lutou com o Paraguai?

Quem derrubou a mata?

Quem cultivou o cultivar?

Quem ganhou o latifúndio?

Quem veio para trabalhar?

Viu tanto trecho de Campo Grande

Grande de se admirar

Quem não te viu Bonito

As águas claras de um rio

Um peixe, um tucano, uma onça

Tatu, onde que tu tá?

Tanta gente quanta

Page 43: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

42

Hoje sorri no teu colo

Nem sabe da história tanta

Vivida neste teu solo.

1.4.2 Entrevistas com Compositores

O material analisado compreendeu, também, entrevistas gravadas que

foram realizadas por esta pesquisadora com os compositores das letras

selecionadas. As entrevistas seguiram o seguinte roteiro:

1. Falar sobre a vida do compositor.

2. Tecer considerações sobre as letras selecionadas.

3. Tecer considerações a respeito da cultura e a sua influência nas

composições.

Os resultados obtidos dessa coleta estão distribuídos nos diferentes

capítulos dessa tese e foram importantes para a caracterização das tradições orais

do pantaneiro do sul guiadas por valores, hábitos de vida e normas de conduta.

1.4.3 Os Intertextos e Interdiscursos

Para se explicitar implícitos culturais, como formas de representação de

elementos sul-pantaneiros com respectivos valores positivos e negativos, contidos

no material de análise anteriormente selecionado, foram pesquisados diferentes

discursos em interdiscursividades com o texto-base e outras letras musicais

Page 44: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

43

selecionadas. Entre esses discursos, foram selecionados alguns relativos às

Ciências Sociais, ou seja, o discurso da História, da Geografia e da Etnografia.

A partir do texto-base e pelos segmentos selecionados , buscou-se

intertextos do discurso das Ciências Sociais de autores sul-mato-grossenses, que

propiciassem a sua progressão semântica.

Foram selecionados, também, intertextos de divulgação cientifica

publicados em revistas de História, tendo por critério a seleção temática, para o

confronto intertextual. De forma geral, são autores paulistas:

PEREIRA, PATRÍCIA. Briga entre Hermanos. Conspirações, Outras Versões e

Revisionismos Editora Abril, maio 2005, p.41.

PINTO, JÚLIO PIMENTEL. Brasil X Argentina: Quase um jogo de compadres.

Revista História Viva. Editoras Segmento e Ediouro. Junho 2006. p.84 – 87.

Os intertextos de Geografia foram selecionados do seguinte artigo:

BOGGIANI, PAULO CÉSAR. A Planície e os Pantanais, disponível no site,

www.corumba.com.br . Acesso em 20/04/2004.

BOGGIANI, PAULO CÉSAR. O Mito, disponível no site www.corumba.com.br .

Acesso em 20/04/2004.

Os intertextos de História foram selecionados das seguintes obras ou

artigos:

Page 45: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

44

RODRIGUES, J. BARBOSA. História de Mato Grosso do Sul. São Paulo: Editora do

Escritor,1993.

CARVALHO, JOSÉ MURILO & SOARES PEDRO PAULO . Guerra superou a

Independência e a República como fator de construção da identidade nacional

disponível no site:http//www.militar.com.br/artigos2000/guilhaume/histparaguai.htm,

acessado em 25/05/2005.

SQUINELO, ANA PAULA. A Guerra do Paraguai, essa desconhecida: ensino,

memória e história de um conflito secular. 2.ed. Campo Grande: UCDB, 2003.

CORRÊA, LÚCIA SALSA. História e Fronteira: o Sul de Mato Grosso. Campo

Grande: UCDB, 1999.

WEINGARTNER, ALISOLETE DOS SANTOS DE. Movimento Divisionista no Mato

Grosso do Sul. Porto Alegre: Edições Est,1995.

Os intertextos da Etnografia foram selecionados das obras dos seguintes

autores:

BARROS, ABÍLIO LEITE DE. Gente Pantaneira (crônicas de sua História). Rio de

Janeiro: Lacerda Editores, 1998.

PROENÇA, AUGUSTO CÉSAR. Pantanal: Gente, tradição e história. Campo

Grande, MS: Ed. UFMS, 1977.

NOGUEIRA, ALBANA XAVIER. Pantanal: homem e cultura. Campo Grande, MS:

Ed.UFMS, 2002.

LEITE, EUDES FERNANDO. Marchas na história: comitivas e peões-boiadeiros no

Pantanal. Brasília: Ministério da Integração Nacional; Campo Grande, MS: Ed.

UFMS, 2003.

Page 46: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

45

As análises realizadas são relativas à seguinte hipótese:

As categorias analíticas, Discurso, Sociedade e Cognição podem ser

estendidas para a análise das representações mentais e lingüísticas enquanto

organização de conhecimentos avaliativos e crenças culturais.

Nesse sentido, esta tese dialoga com a vertente sócio-cognitiva da

Análise Crítica do Discurso de forma a complementá-la com o estudo de aspectos

culturais do Pantanal do Sul de Mato Grosso.

O termo Cultura inserido na intersecção das categorias Discurso,

Sociedade e Cognição é entendido como um conjunto de crenças, costumes e

normas, passadas de geração a geração, relativas ao vivido e experenciado em

Sociedade pelas pessoas.

Segundo Silveira (2000), entende-se que a cultura tem raízes históricas e

são formas de conhecimentos avaliativos armazenados na memória de longo prazo

das pessoas, de forma a guiá-las na resolução de problemas novos que se

apresentam com contemporaneidade.

Dessa forma, o procedimento de análise seguiu os seguintes passos:

1. Seleção de um texto-base para a análise.

2. A segmentação do texto-base de forma a resgatar o referente textual, a

sua focalização e a sua progressão semântica.

3. A inserção de intertextos na busca da explicitação de implícitos

culturais do texto-base e após dos textos intertextualizados.

4. O levantamento de áreas temáticas para propiciar o agrupamento de

letras regionais selecionadas para a análise a fim de responder as

questões explicitadas no texto-base.

Page 47: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

46

5. O levantamento de representações culturais do sul-pantaneiro a partir

da expansão do texto-base em seus intertextos, de forma a caracterizar

adesões, complementaridade e oposições avaliativas.

6. A diferenciação textual das letras dos compositores, dos textos das

Ciências Sociais atende à caracterização das formas de tratamento de

temas sul-mato-grossense por grupos sociais diferentes em suas

práticas sociais discursivas.

7. As análises foram realizadas com um procedimento teórico-analítico, de

forma a atender a diversidade de tais práticas discursivas

selecionadas.

7.1 Nas Letras musicais, as Categorias analíticas são:

• Valores contidos nas formas de representação em língua.

• Recursos lingüísticos utilizados pelos autores.

7.2 Nos textos dos interdiscursos, as categorias analíticas são:

• Esquema textual utilizado pelo autor.

• Valores contidos nas formas de representação em língua de discursos

públicos institucionalizados.

Essas categorias analíticas são relativas à organização textual do

discurso científico (cf., Silveira 1994), em:

• Discurso envolvido – tipo narrativo

• Discurso envolvente – tipo opinativo

As análises realizadas objetivaram responder, a partir de formas de

tratamentos discursivos diferentes, as seguintes questões explicitadas no texto-base:

Page 48: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

47

1. Quem foi que expulsou o índio?

2. Quem lutou com o Paraguai?

3. Quem ganhou o latifúndio?

4. Quem derrubou a mata?

5. Quem cultivou o cultivar?

Page 49: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

48

CAPÍTULO II

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS PERTINENTES

Na década de 60, do século XX, um conjunto de insatisfações, relativas

ao estudo da língua na dimensão da frase, a partir do sistema da língua, levam os

lingüistas a dar atenção à fala e a tratá-la pelo texto e pelo discurso.

Durante os estudos do sistema em busca das regras gramaticais, a língua

foi estudada com visão unidisciplinar (a língua pela própria língua), de forma a ser

tratada fora de seu uso efetivo. Com o aumento progressivo das insatisfações, a

atenção dos lingüistas é voltada para os processos de produção textual e discursivo.

Para tanto, foi necessária uma visão inter e multidisciplinar, pois era

preciso dar conta das intenções de quem enuncia, das formações discursivas e

ideológicas que controlam as práticas discursivas; dos implícitos, da enunciação,

que diferencia “o que se disse” de “o que se quis dizer com aquilo”; dos focos

projetados nos referentes, de forma a construir para eles um determinado “estado de

coisas”, dos procedimentos de textualização e de compreensão; entre outras

buscas.

Logo, foi necessário recorrer às Ciências da Cognição e às Ciências

Sociais.

2.1 AS CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO E O DISCURSO

Com as contribuições dadas pelas Ciências da Cognição, aparecem as

Teorias de Memória, o Interacionismo Simbólico e o desmembramento do Sujeito

realizado desde Freud.

Page 50: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

49

No século XIX, a Psicanálise de Freud, ao desmembrar o Sujeito em Ego,

Superego e Id, diferencia o individual do social e do instintivo, no século XX, outras

contribuições foram dadas, para o tratamento discursivo.

Relaciona-se o conceito de memória à Psicologia da Cognição que estuda a

memória humana a fim de entender as formas de armazenamento e processamento

realizadas pela inteligência humana. A Psicologia Social, contemporaneamente,

apresenta modelos para o Interacionismo Simbólico que trata dos papéis sociais

tanto na estrutura da sociedade quanto nos processos funcionais dessa estrutura,

quanto na maneira pela qual a Interação Simbólica é realizada pelo verbal..

2.2 TEORIA DAS MEMÓRIAS

Relaciona-se o conceito de memória à Psicologia da Cognição que trata a

memória humana, a fim de entender como o vivido e o experenciado é representado

mentalmente e de que forma é armazenado na mente das pessoas.

Atkinson e Shiffrin apresentam em 1968, um modelo de memória por

armazém: memória de curto prazo e memória de longo prazo que mais tarde é

revisto no modelo de armazéns, memória de curto prazo, de médio prazo e de longo

prazo:

Quadro 1 Teoria da Memória

Memória de curto

prazo

• Entrada sensorial da informação com capacidade quantitativa limitada e designada : chunck.

• Responsável pela entrada de informação verbal linear; é limitado em seu armazenamento.

• Necessidade de constante esvaziamento para o processamento da informação (memória de médio prazo), caso contrário esta será perdida.

Page 51: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

50

Memória de médio

prazo

• Articulada com a memória de curto prazo produz uma área de trabalho, para o processamento da informação, entrada pela memória de curto prazo.

• A memória de trabalho é qualitativa e transforma a informação verbal em sentidos. Para tanto, é necessário explicitar implícitos e fazer inferências.

• Em síntese, a memória de trabalho, na produção de sentidos, tanto expande a informação em sentido secundário quanto a reduz em sentidos globais, de forma a refrigerar o chunck da memória de curto prazo.

Memória de longo

prazo

• É o armazenador de lembranças, como um depositário de conhecimento construído durante a vida das pessoas.

• Nesse arquivo são diferenciados dois grandes armazéns: • Social ou semântico que armazena o conjunto de conhecimentos

construídos em sociedade, principalmente, pelos discursos públicos institucionalizados. Por essa razão, há diferentes sistemas de conhecimento, tais como, os conhecimentos de língua, os enciclopédicos e os de interação social. A memória social armazena os conhecimentos sociais intra e extra-grupais. Nos conhecimentos extra-grupais, situam-se os conhecimentos culturais.

• Individual ou episódico: Conjunto de conhecimentos construídos por experiências individuais e pessoais com o mundo, embora essas formas de conhecimento sejam guiadas pelo social.

• Desde que se considere a dialética entre conhecimentos sociais e individuais, entende-se que os conhecimentos sociais guiam a construção de conhecimentos individuais e estes modificam os sociais.

2.3 O PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO NA VERTENTE SÓCIO-COGNITIVA

DA ACD

Em 1973, van Dijk, a partir de estudos realizados como gramático de texto

diferencia texto-produto de texto-processo.

Kinstch e van Dijk, entre 1975 e 1983, desenvolvem investigações

interdisciplinares no sentido de estudar o processamento de informação,

diferenciando o texto produto de natureza lingüística de texto processo, de natureza

memorial, a fim de investigar como as pessoas constroem sentidos durante o

processamento das informações.

Page 52: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

51

A expansão de sentidos é realizada pela ativação de conhecimentos da

memória de longo prazo e constrói sentidos secundários. Como cada sujeito

processador constrói um número diferente de sentidos, a partir de suas lembranças

em estratégias de ativação dessas para a memória de trabalho, van Dijk define a

base de texto como um n-tuplo de proposições para poder explicar porque um

mesmo texto não tem a mesma leitura por leitores diferentes, e mesmo por um único

leitor em momentos diferentes. A redução de sentidos secundários constrói o sentido

global.

Os autores em (1983), após pesquisas realizadas com informantes para a

produção de resumos de textos lidos, propõem que o conhecimento do esquema

textual designado por eles superestrutura, facilita a construção dos sentidos globais,

com a redução da informação dos sentidos secundários.

A partir de 1988, van Dijk defende que esquemas mentais ativados como

modelos de situação durante o processamento da informação recebida são,

também, responsáveis pela construção dos sentidos mais globais, contribuindo,

também, para explicar as diferentes leituras de um mesmo texto.

Os modelos de situação são ativados da memória individual de longo

prazo e como as experiências vividas são individuais, explicam as diferentes leituras

de um mesmo texto.

Tanto Kinstch quanto van Dijk afirmam que após pesquisas realizadas

com informantes, a memória de longo prazo só armazena sentidos globais. A

superfície do texto-produto, também, pode ser armazenada a longo prazo, como

uma gravação desde que haja estratégias para tanto.

Segundo Bandini (2003:18), os autores abandonam a noção de regras

ordenadas da gramática de texto e postulam a existência de estratégias recursivas

Page 53: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

52

que são apreendidas pelo leitor e utilizadas por eles, durante a compreensão

discursiva. Assim sendo, o texto é de natureza cognitiva e explicado por meio do

processamento cognitivo das informações.

No entanto, essa multiplicidade proposicional não é desorganizada e sim

feita de forma recursiva na memória de trabalho onde o processador expande,

construindo sentidos mais globais (macro-proposições) que, em seu conjunto,

constroem a macro-estrutura do texto.

O ato de ativação de conhecimentos passa a ter o movimento de expandir

e reduzir continuamente, recursivamente, e não mais em 73 como foi proposto; o

indivíduo maduro, cognitivamente, tem a possibilidade de construir um número maior

de proposições do que um indivíduo imaturo porque tem um repertório maior

armazenado na memória de longo prazo e também porque conhece as estratégias

de ativação desses conhecimentos.

Toda vez que se lê um texto, o texto processo se define por uma

microestrutura e por uma macroestrutura: os textos bem formados são formalizados

por uma superestrutura, ou seja, um esquema textual vazio.

A partir de 1988, Van Dijk passa a se dedicar à Análise Crítica do

Discurso e situa-se em sua vertente sócio-cognitiva, devido a seus estudos

anteriores na área das Ciências da Cognição.

Os estudos realizados pelo autor são direcionados aos tratamentos dos

preconceitos raciais como o racismo das sociedades européias. Para tanto, foi

necessário buscar contribuições na Psicologia Social, sendo assim, o autor dá

adesão ao Interacionismo Simbólico.

Entender os grupos sociais a partir de papéis que definem sua estrutura e

seu funcionamento, propiciou que van Dijk a partir de 1988, passasse a defender o

Page 54: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

53

modelo de contexto. Este é social e define-se como um esquema mental que guia a

relação entre os participantes da prática discursiva. Mais tarde, a partir de 1998, van

Dijk busca outras contribuições na Psicologia Social com o Interacionismo Simbólico.

2.4 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO

A visão interacionista considera a sociedade tanto como uma estrutura

quanto um funcionamento. A sociedade, vista como estrutura, é definida como um

conjunto de papéis sociais, o que implica na caracterização semântica de cada

participante da estrutura, de forma a considerar as suas ações e funções sociais.

Assim por exemplo, na estrutura do homem do sul do Pantanal há a

comitiva boiadeira e ela se define por um conjunto de papéis:

Quadro 2 – Conjunto de papéis da comitiva boiadeira

Capataz • lugar tenente do dono da boiada;

Cozinheiro

• responsabiliza-se pelas bruacas (baús onde se levam as tralhas da cozinha)

• dita as regras do jogo (onde acampar, onde pernoitar, o que comer);

• vai sempre na frente das comitivas com os cargueiros (quatro burros transportadores das tralhas e das bagagens dos peões ).

Ponteiro

• auxiliar direto do capataz, responsável pela travessia da boiada;

• ele é o guia, escolhe os melhores caminhos e maneja o berrante com seus toques específicos.

Fiadores ou cabeceiras

• Auxiliares direto do Ponteiro.

Meeiros ou Esteiras

• Responsáveis pelo gado não debandar ou entrar no mato.

Culatreiros • Controladores da movimentação da boiada e da ponta traseira.

Page 55: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

54

A Sociedade, enquanto estrutura de um grupo social, vista como

funcionamento, define-se pela relação estabelecida entre esses papéis, que no caso

da comitiva são relacionados por: dono da boiada e capataz para o contrato da

comitiva e capataz com os demais membros da comitiva, para a realização das

tarefas.

De acordo com Mergulhão (2002), o modelo do Interacionismo Simbólico

compreende a interação social pela linguagem e está mais preocupado com o

funcionamento do que com a estrutura social.

Muitos discursos encontram sua funcionalidade e racionalidade em

estruturas sociais e culturais. Dessa forma, van Dijk (1997) distingue o contexto local

ou interacional e o contexto global ou social. No contexto local, os atores interpretam

seus papéis de acordo com a contemporaneidade da situação discursiva; já a noção

do contexto global como esquema mental propicia que se diferenciem as práticas

discursivas entre si, tanto como institucionais quanto como eventos discursivos

particulares.

De acordo com Sellan (2001, p.51):

Devido à interação entre discursos institucionais e eventos discursivos particulares, o próprio discurso é flexível. O mesmo ocorre com a interação entre contexto local e global. Logo, é possível que os participantes possam negociar uma mudança de papéis a serem interpretados e, nesse sentido, os discursos podem estar condicionados pelos contextos, mas também exercem influência sobre os mesmos e os constroem. Isto é, os discursos é uma parte estrutural de seus contextos, e suas respectivas estruturas se influenciam mútua e continuamente.

Page 56: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

55

Sendo assim, os papéis se estabelecem a partir de uma interação social.

Como esta interação é realizada pelo discurso com o verbal, é designada interação

simbólica.

Segundo Van Dijk (1997), o discurso como uma prática sócio-interacional

simbólica define-se por papéis sociais e as relações estabelecidas entre eles.

Para o autor, o discurso se define por um esquema mental armazenado

na memória de longo prazo social designado contexto discursivo.

Nesse sentido, as pessoas escolhem que papéis querem representar nas

práticas interacionais comunicativas, logo, a escolha é individual, mas o papel é

social e, dessa forma, o social guia o individual e este, modifica o social.

2.5 O CONTEXTO LOCAL E GLOBAL

Van Dijk (1997) apresenta a noção de contexto como esquema mental

definido por participantes, suas funções e ações na estrutura social. A noção de

contexto é importante para o autor, na medida em que, segundo ele, são nas

estruturas sociais e culturais que muitos discursos encontram sua racionalidade e

funcionalidade.

O autor diferencia dois tipos de contexto: o global e o local. O contexto

global enquanto esquema mental é ativado à memória de trabalho para se

compreender em qual prática social discursiva, os atores participantes da cena

possam ser reconhecidos pelos papéis que representam.

Dessa maneira, o conhecimento do contexto global é ativado da memória

de longo prazo para identificar quais são os papéis representados pelos atores na

cena discursiva.

Page 57: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

56

Segundo van Dijk(1997) os discursos públicos institucionalizados têm em

seus contextos globais as categorias:

Poder, Controle e Acesso.

PODER: Compreende em última instância, a elite da instituição que toma decisões,

a partir de seus interesses, objetivos e propósitos.

CONTROLE: Compreende um conjunto de participantes que tem por função realizar

os objetivos do Poder, garantindo a satisfação dos seus interesses e propósitos.

ACESSO: Compreende um conjunto de participantes que fazem com que a

informação atinja o público, após ter sido controlada em sua elaboração conforme os

interesses e objetivos do Poder.

Diferentemente do contexto global, no contexto local, os atores enquanto

pessoas dão especificidades aos papéis interpretados de acordo com a

situacionalidade social mais global; há, portanto, uma constante interação de papéis

e a sua relevância torna-se fundamental para o discurso na medida em que esta

interação define o contexto local.

2.6 INTERTERTEXTOS E INTERDISCURSOS

A concepção bakhtiniana é resgatada, a partir dos anos 70,

estabelecendo os princípios gerais da reflexão sobre a linguagem. Para Bakhtin

(1979), as palavras são tecidas, a partir de uma multidão de fios ideológicos, e

servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios.

Bakthin ao associar os fenômenos ideológicos às condições e formas de

interação social, afirma que os signos ideológicos são os resultantes dessa interação

materializada.

Page 58: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

57

Segundo o autor, o discurso é a manifestação subjetiva e ao mesmo

tempo, da sociabilidade e de múltiplas subjetividades, de forma a torná-lo

essencialmente heterogêneo. Dessa forma, o discurso utiliza sempre as palavras

dos outros de forma ativa por meio de citações intencionais e de forma passiva, por

meio do uso de palavras aprendidas socialmente ou herdadas de gerações

anteriores.

Essa heterogeneidade torna o dialogismo uma característica essencial da

linguagem. Na concepção do autor, o diálogo se estabelece de um texto para outros,

a partir das relações que ele mantém com outros textos. Logo, concentra a sua

atenção na intertextualidade, de forma a considerá-la não só um diálogo face a face

entre pessoas, mas, também, o diálogo entre textos de várias pessoas, pois cada

texto é visto como uma resposta a outros textos.

Por se tratar de vários intertextos, um texto é definido pelo dialogismo

como um “tecido de vozes entrecruzadas, complementadas ou polemizadas.’’

A intertextualidade de acordo com Kristeva (1981) pode ser explicada ao

se considerar o texto como ideologema, isto é, função intertextual presente nos

distintos níveis da estrutura organizacional de cada texto, conferindo-lhe suas

coordenadas históricas e sociais.

Ao dizer que o texto é fruto de uma intertextualidade, Kristeva argumenta

que há uma permutação, absorção e transformação de uma multiplicidade de outros

textos que se estabelecem como uma rede de conexões internas e externas.

Para ela, a construção de um texto é uma dinâmica textual e a

intertextualidade funciona como uma permutação de textos, um lugar de reciclagem

de fragmentos textuais, pois construir um novo texto é partir sempre de textos já

construídos que são decompostos, negados ou retomados.

Page 59: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

58

A posição de Kristeva coloca-se na perspectiva do que Authier-Revuz, a

partir de Maingueneau (1989) denomina de heterogeneidade constitutiva.

Authier-Revuz (1982,1985,1995) distingue a heterogeneidade constitutiva

do discurso e a heterogeneidade mostrada no discurso. A primeira está presente no

texto, como o processo constitutivo do discurso, de forma radical, pois há a presença

da exterioridade do discurso no próprio discurso; a segunda, como o processo de

representação textual de um discurso em sua constituição: representa, assim, a

consciência do sujeito falante, da inconsistência de seu discurso.

Maingueneau (1989) trata dos intertextos, estendendo-os ao discurso,

como interdiscursos em uma heterogeneidade discursiva que também é constitutiva

ou mostrada. Nesse sentido, o conjunto de interdiscursos constrói o universo

discursivo que é muito amplo para ser analisado. Maingueneau propõe que analisar

o discurso implica delimitar os campos discursivos e seus espaços discursivos que

estão em interdiscursividade no universo do discurso.

Segundo o autor, os campos discursivos podem ser observados de forma:

Explícita: na heterogeneidade constitutiva (interdicurso) e na heterogeneidade

marcada (discurso direto e indireto).

Implícita: (o não dito que está presente na produção de sentidos).

Para o autor, o interdiscurso passa a ser o espaço de regularidade

pertinente, neste aspecto, os diversos discursos não seriam senão componentes,

sendo assim, eles têm a sua identidade estruturada a partir da relação

interdiscursiva e não independentemente uns dos outros para depois serem

colocados em relação entre si.

Nesse sentido, segundo Maingueneau, o sujeito da enunciação é apenas

um sujeito histórico, um porta-voz de um amplo discurso social.

Page 60: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

59

As publicações realizadas por van Dijk desde 1975 até 2006, não

explicitam a palavra “intertextualidade” nem “intertextos”. Porém, o autor postula a

interação sócio-comunicativa como discurso. Essa interação, de certa forma, implica

intertextos e interdiscursos, na medida em que, são formas de conhecimento

armazenadas na memória de longo prazo, que expandem e reduzem a informação

nova durante o seu processamento memorial.

Em síntese, a partir dos estudos realizados por Bakthin, Ducrot

desenvolve a teoria da polifonia e Kristeva a da intertextualidade.

Ducrot (1987) mostra, segundo a perspectiva da Semântica da

Enunciação, como mesmo num enunciado isolado é possível detectar-se mais de

uma voz. O autor parte da pressuposição de que o sentido do enunciado é uma

descrição de sua enunciação e, para essa descrição o enunciado fornece

indicações.

Tavares (2004, p.124) busca sintetizar as noções tratadas neste item da

seguinte forma:

O vocabulário utilizado, pelos intertextos é a soma das palavras dos textos existentes. Opera-se, portanto, uma espécie de separação no nível da palavra, uma promoção ao discurso com um poder infinitamente superior ao do discurso monológico corrente. Basta uma alusão, para introduzir no texto centralizador, um sentido, uma representação, uma história ou um conjunto ideológico. O texto de origem lá está virtualmente presente, portador de todo o seu sentido, sem que seja necessário enunciá-lo. Isso confere à intertextualidade uma riqueza e uma densidade excepcionais. Em contrapartida, é preciso que o texto citado admita a renúncia à sua transitividade: ele já não fala, é falado.

Page 61: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

60

2.7 CONTEXTOS DISCURSIVOS

Entende-se discurso como uma prática sócio-cognitivo-interacional,

convencionada na e pela sociedade. Essa convenção pode ser descrita como um

contexto discursivo (cf.van Dijk1997).

Dessa forma, cada prática social discursiva é convencionada pelos seus

próprios participantes e os papéis que cada qual representa na interação sócio-

comunicativa.

Este item apresenta os contextos do discurso científico, do discurso da

História, por já terem sido descritos, e faz menção aos contextos discursivos da

Geografia e da Etnografia.

2.7.1 O Discurso Cientifico

Silveira, desde 1989 até 2006, vem tratando de caracterizar o discurso

científico, no Brasil.

A autora diferencia o discurso científico da pesquisa, o discurso científico

da revisão e o ensaio científico.

Quadro 3 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso Científico da Pesquisa

• É designado discurso primário e suas funções que caracterizam os papéis do contexto discursivo podem ser resumidas na “descoberta nova”. Define-se por dois discursos: envolvido e envolvente. Discurso envolvido do tipo narrativo, que relata a descoberta realizada pelo cientista. O seu enunciado narrativo é:

• Situação Inicial - (problema a ser resolvido). • Fazer Transformador - (a pesquisa realizada a partir de Material e Métodos).• Situação Final – (resultados obtidos -resolução).

Page 62: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

61

• Discurso envolvente, do tipo opinativo que divulga a descoberta realizada para a comunidade científica. O seu esquema é argumentativo e compreende:

• Premissa (s) - Hipótese (s) - Pressupostos que orientam a projeção da pesquisa.

• Justificativa – Conjunto de argumentos de legitimidade e de reforço: • Resultados obtidos da investigação apresentados como prova. • Conclusão– Avaliação do cientista a partir da discussão dos resultados

obtidos.

Quadro 4 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso Científico da Revisão

• É secundário, na medida em que o cientista-revisor é sujeito do discurso envolvente e o discurso envolvido da descoberta é produzido por outros sujeitos.

Quadro 5 As diferenciações do Discurso Científico: Discurso do Ensaio Científico

• Dispensa o aparato científico – Material e Métodos além de Modelos Teóricos.

• É apenas opinativo.

Dessa forma, segundo Silveira, há um diálogo constante entre o cientista

e o paradigma vigente. Este é definido como um conjunto de problemas já

resolvidos, de problemas a serem resolvidos e de teorias e métodos acatados pela

comunidade cientifica a partir da categoria Poder (autoridade de reconhecido saber

científico na comunidade), que tem por Controle (Conselhos e Editoriais, Bancas de

Defesas, Bancas de Concursos etc). O que tem acesso ao público é controlado pelo

Poder.

Page 63: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

62

2.7.2 O Discurso da História

A partir da visão inter e multi-disciplinar para os estudos lingüísticos, uma

das questões importantes discutidas é relativa à ficção e não-ficção.

Desde que se entenda que o texto-produto não fala do que acontece no

mundo como fechamento dele, mas que se trata de uma forma de representar o que

acontece no mundo, a partir das intenções de quem enuncia, na seleção dos

intertextos e dos interdiscursos, a referida distinção torna-se problemática. Os

estudos realizados apresentam resultados que abrem perspectivas para outras

buscas de caracterização do que seja ficção e não ficção.

Sanches (1992) trata do discurso da História e afirma que este se quer

como não ficção científico: como ciência, parte de documentos para resgatar a

História dos acontecimentos.

A autora conclui com suas investigações, que a História tem como

material de análise relatos de não-ficção na medida em que estes são

testemunháveis. Porém, afirmar que o documento trata do acontecido no mundo

como o vivido, experenciado e testemunhado não satisfaz a definição do gênero

discursivo da História, pois o que o documento traz representado em língua,

depende de um ponto de vista projetado pelo seu autor no acontecido.

Tavares, (2004 p. 127-128)), revendo Sanches conclui:

Não há relatos de não-ficção, porque todos os textos são construídos por uma versão do acontecido e esta tem a sua lógica interna que ultrapassa o mero registro do real, na medida em que constitui uma outra realidade regida por leis próprias que são institucionais. Pode-se afirmar que o discurso da História como um discurso público institucionalizado produz e reproduz ideologia e simultaneamente, intertextualiza-se com seu interdiscurso enciclopédico.

Page 64: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

63

Por essa razão, entende-se que Goldman (1989), ao tratar do discurso da

História afirma que o historiador como construtor textual ao examinar os documentos

existentes não se preocupa com a reconstituição dos fatos acontecidos, mas sim

com as próprias versões que ele, como historiador pode reconstruir tornando-o um

fato histórico.

Segundo a autora, a função do papel social do historiador é tornar

monumento, dados de um acontecimento, a fim de fabricar heróis e vilões.

Nesse sentido, a partir da revisão anteriormente feita neste item, pode-se

dizer que a povoação do Pantanal do Sul de Mato Grosso, pelo discurso da História,

assume um papel fundamental na construção, para seu público, das representações

mentais avaliativas dos fatos passados nessa região. Mesmo porque, os textos do

discurso da História trazem representados em língua, acontecimentos que não foram

nem presenciados nem vividos pelas pessoas para as quais eles são ensinados na

escola.

Dessa forma, obriga-os a acreditar no que o historiador diz, de forma a

dominar as suas mentes por um discurso institucionalizado.

Logo, o discurso da História, construído a partir do Poder estatal que

controla o que um historiador diz, é ideológico e difere das crenças genéricas e

específicas instauradas como cognição social, na memória social do sul-pantaneiro,

na medida em que essas são culturais e implicam as tradições locais. Essa

conclusão, os capítulos que se seguem buscam justificar.

Este pressuposto orientou esta tese na seleção dos intertextos do

discurso da História analisados.

Em síntese, poder-se-ia, à guisa de conclusão deste item, citar Tavares,

no que se refere ao discurso da História: (2004,p.128):

Page 65: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

64

Cancela, dependendo de seus interesses, os valores sociais que considera negativos para si, e maximiza outros valores que lhe são favoráveis, de forma a construir uma nova escala de valores que passa a ser projetada nas cognições sociais. Logo, o discurso da História como um discurso público institucionalizado, produz e reproduz ideologia e, ao mesmo tempo, está intertextualizado com seu interdiscurso enciclopédico.

2.7.3 O Discurso da Geografia

A pesquisa realizada não encontrou uma análise específica do discurso

da Geografia. Todavia, para uma provisória caracterização de seus contextos, esta

tese recorreu a resultados obtidos por Silveira (1994) na medida em que os

resultados obtidos na investigação desta tese indicam que os textos do discurso da

geografia são organizados pelo esquema textual da descrição. A autora trata o

descritivo em duas dimensões: a cognitiva e a textual discursiva.

Na dimensão cognitiva, a descrição é um processo analítico do homem

que propicia que na sua percepção de mundo, ele segmente um todo em suas

partes, de forma a construir uma representação mental por síntese.

O texto descritivo, no que se refere ao seu esquema textual, foi

apresentado com especificidade por Marquesi (1996).

Segundo a autora, a organização textual de um texto descritivo pode ser

definida por blocos descritivos, ancorados tematicamente, a partir de um

determinado ponto de vista que mantém o tema nos diferentes blocos descritivos.

Embora Silveira não tenha publicações específicas a respeito dos textos

do discurso da Geografia, em aulas ministradas na disciplina “O discurso cientifico e

seus tipos de textos”, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua

Portuguesa da PUC-São Paulo, afirma que no discurso da Geografia, há

hierarquicamente a seleção do descritivo para a organização do discurso científico

Page 66: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

65

envolvido, na medida em que este apresenta resultados obtidos da análise do

geógrafo. Este, no seu discurso envolvente, opina ideologicamente, a partir do

Controle do Poder Estatal, a respeito dos resultados obtidos de sua investigação.

Logo, o discurso da Geografia é organizado pela categoria Poder e, nesta

tese, os intertextos desse discurso indicam que há limites geográficos que dividem a

fronteira do Paraguai com o Brasil, politicamente.

Todavia, os resultados obtidos das análises indicam que há fronteiras

geopolíticas porém não culturais, pois as nações indígenas mantém-se como

unidade imaginaria extra grupal.

2.7.4 O Discurso da Etnografia

De acordo com a sua acepção original, a palavra etnologia significa o

estudo das sociedades primitivas, no entanto, com o desenvolvimento dos estudos

da Antropologia, essa expressão passou a ser desusada por trazer em si o

preconceito étnico.

Assim, passou-se a usar a denominação de etnologia ao estudo de

qualquer agrupamento - povo ou grupo social - microssociológico, isto é, de

pequenas dimensões, onde em geral os membros têm entre si, interações

comunicativas.

Segundo Taylor,(1947) ao se referir à etnologia, como ciência relativa

especificamente do estudo da cultura, esta seria o complexo que inclui

conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos

adquiridos pelo homem como membro da sociedade.

Page 67: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

66

Sendo assim, intertextos relacionados à etnologia e selecionados nesta

tese, perpassam pelos estudos da antropologia e sociologia pois, correspondem às

formas de organização do povo sul pantaneiro, seus costumes e tradições que são

transmitidos de geração para geração a partir de uma vivência e tradição comum,

que se apresentam como a identidade desse povo.

Em sua obra Antropologia Estrutural, Lévi-Strauus, (1972) propôs uma

tentativa de universalização dos termos etnografia e etnologia. A etnologia

corresponde ao primeiros passos de uma pesquisa pois se refere à observação,

descrição e trabalho de campo; já a etnografia refere-se à síntese pois tende para

conclusões suficientemente extensas que podem ser trabalhadas em três direções:

1. Geográfica – visando à integração de grupos vizinhos.

2. Histórica – quando se visa reconstruir o passado de uma ou várias

populações.

3. Sistemática, enfim quando se isola, para lhe dar uma atenção

particular a um determinado tipo de técnica, de costume ou de

instituição.

Para o autor, a etnologia compreende a etnografia como seu passo

preliminar, e constitui seu prolongamento. É o que encontramos tanto no Bureau of

American Ethnology da Smithsonian Instituion, como na Zeitschritft für Ethnologie ou

no Institut d`ethnologie de L`Université de Paris.

Em sua concepção, os termos antropologia cultural ou social estão

ligados a uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões

da etnografia e da etnologia. Ao contextualizar a visão de antropologia, nos países

Page 68: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

67

anglo-saxônicos o autor afirma que se visa a um conhecimento global do homem,

abrangendo seu objeto em toda sua extensão histórica e geográfica, aspirando a um

conhecimento aplicável ao conjunto do desenvolvimento e tendendo para

conclusões, positivas ou negativas, mas válidas para todas as sociedades humanas.

Em síntese: de acordo com Lévy Strauus, os termos etnografia, etnologia

e antropologia não constituem três disciplinas diferentes ou três concepções

diferentes dos mesmos estudos. São, de fato, três etapas ou três momentos de uma

mesma pesquisa, e a preferência por este ou aquele destes termos exprime

somente uma atenção predominante voltada para um tipo de pesquisa, que não

poderia nunca ser exclusivo dos dois outros.

Embora, a pesquisa realizada sobre Etnologia, Etnografia e Antropologia

apresente resultados para suas diferenciações e similitudes, não foi encontrado

nenhum estudo específico sob seu contexto discursivo.

Todavia, a Etnografia como toda produção científica é controlada pelo

Poder (reconhecido saber).

2.7.5 As Letras de Músicas Regionais

O contexto discursivo das músicas regionais da pesquisa realizada não foi

ainda definido. Esta tese não tem por objetivo defini-los e sim tratar de seus textos

para um exame da cultura sul-pantaneira.

Em síntese, este capítulo buscou apresentar as direções teóricas que

foram utilizadas no referido procedimento analítico teórico do item 1.4.4 do capítulo I.

Page 69: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

68

CAPÍTULO III

QUEM FOI QUE EXPULSOU O ÍNDIO?

Este capítulo apresenta os resultados obtidos da análise das formas de

representação em língua do texto-base, relativas a seu referente textual - terra sul-

mato-grossense apresenta, também, a partir da segmentação da 1ª questão do

texto-base, seus intertextos e interdiscursos, a fim de responder a questão

selecionada, confrontando formas avaliativas de representação da história da terra

sul-mato-grossense.

3.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA

Quanta Gente ( Zé Du)

Quanta gente tanta

De pioneira coragem

Que te buscou Terra Santa

Com festa e dor na bagagem.

Quem foi que expulsou o índio?

Quem lutou com o Paraguai?

Quem derrubou a mata?

Quem cultivou o cultivar?

Quem ganhou um latifúndio?

Quem veio para trabalhar?

Viu tanto trecho de Campo Grande

Page 70: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

69

Grande de admirar

Quem não te viu Bonito

As águas claras de um rio

Um peixe, um tucano, uma onça

Tatu onde é que tu tá?

Tanta gente quanta

Hoje sorri no teu colo

Nem sabe da história tanta

Vivida neste teu solo.

O texto-base Quanta Gente traz representado em língua a narrativa

sintética da povoação da terra sul-mato-grossense:

Estrutura textual narrativa:

Enunciado narrativo 1:

Situação Inicial: O passado histórico da região: a população indígena, grandes

extensões de terras com capacidade de produção e beleza natural, presença de

animais, Terra Santa.

Fazer Transformador: A chegada das pessoas de pioneira coragem em busca de

uma vida melhor; lutas para conquista; cultivo desordenado de grãos, derrubada das

matas, etnia variada.

Situação Final: Expulsão dos índios e destruição da natureza, realização econômica,

ignorância da história regional.

Enunciado narrativo 2:

Page 71: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

70

Situação Inicial: A terra sul-mato-grossense é representada com valor positivo, Terra

Santa, por palavras hipônimas “Campo Grande”, “grande de se admirar”, “Bonito- as

águas claras de um rio, um peixe, um tucano, uma onça”.

Fazer Transformador: A chegada de pessoas para povoar a região. A representação

em língua tem avaliação positiva; “gente de pioneira coragem”, “que te buscou com

festa e dor na bagagem”.

O fazer desta gente é representado de forma negativa, na medida em que expulsa

os nativos; luta por extensões maiores de terra; causa mortes e prejuízos; depreda a

natureza com a derrubada de matas e ocupa irregularmente grandes extensões de

terra; transforma as terras em latifúndio; a demanda de mão de obra nos latifúndios

para criação extensiva do gado e por vezes para o cultivo de grãos.

Situação Final: A terra sul-mato-grossense é representada por duas metonímias:

• Campo Grande – região da capital do novo Estado; a designação lexical

contém valor positivo pela extensão das terras.

• Bonito – região atualmente turística devido à beleza natural.

Ambas as representações metonímicas são positivas, porém, são construídas em

paradoxos na medida em que ao mesmo tempo contêm valor positivo e negativo:

• Campo Grande

Valor positivo – grande extensão de terra

Valor negativo – grande extensão de terra povoada irregularmente por etnias

diferentes e interesses múltiplos

• Bonito

Valor positivo – beleza natural

Valor negativo – depredação da natureza (tatu, onde tu ta?).

Page 72: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

71

A grande quantidade de pessoas de etnias variada que habitam atualmente, a terra

do Mato Grosso do Sul é representada de forma negativa na medida em que

exploram a região e desconhecem a sua história.

• Recursos lingüísticos para a construção textual

Metáforas - O autor representa a terra sul-mato-grossense caracterizada pela

grandeza numérica de pessoas, de extensão de terra e de produtividade econômica.

Tanto a situação inicial quanto a situação final são representadas de forma

metafórica:

Situação Inicial: a terra do Sul de Mato Grosso é representada pela felicidade e a

tranqüilidade dos índios.

Situação Final: a terra do Sul de Mato Grosso é representada pela felicidade e

realização econômica dos que ali chegaram.

Em síntese, as metáforas utilizadas representam sempre a terra sul-mato-grossense

como lugar em que a sua gente é feliz por ser realizada em seus sonhos.

• Os recursos-chave são:

Adjetivação de gente:

Quanta gente tanta (fazer transformador): caracteriza a enorme quantidade de

pessoas de etnias variadas que vieram para a terra sul-mato-grossense com

pioneira coragem.

Tanta gente quanta (situação final): Caracteriza uma quantidade indeterminada mas

numerosa de pessoas que hoje habitam a região de modos diferentes como

latifundiários, trabalhadores, capital estrangeiro, modificadores da natureza de forma

a causar desequilíbrio ecológico.

Inversão silábica geradora de novos sentidos:

• tatu onde tu tá?

Page 73: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

72

• tu –metonímia utilizada para representar em língua as terras despovoadas

cobertas de matas e povoadas por uma quantidade pequena de índios.

• Onde tu tá? Com o fazer transformador, as matas foram derrubadas e o

cultivo irregular de pastos e produção de grãos propiciam o

desaparecimento de animais e a depredação da natureza.

• História tanta: tanta – caracteriza a quantidade e os modos diversos de

modificações ocorridas na terra sul-mato-grossense desde a chegada dos

primeiros europeus até o momento atual. Essa caracterização apresenta

paralelismo com gente tanta.

Em síntese, os recursos lingüísticos utilizados representam de forma

paradoxal a terra sul-mato-grossense:

valor positivo: Os habitantes que hoje sorri no teu colo.

valor negativo: Os habitantes que hoje ignoram a sua história: nem sabe da história

tanta vivida neste teu solo.

A partir da representação paradoxal das pessoas que habitam

atualmente, as terras sul-mato-grossenses, o autor representa em língua diferentes

questões que devido à ignorância da história acontecida na região, as pessoas que

lá habitam não conseguem responder.

São estas as questões que foram segmentadas para a busca dos

intertextos em diferentes interdiscursos.

As palavras explicitadas no texto-base, para a construção da narrativa histórica são:

Nomes: “quanta gente tanta”, “pioneira coragem”, “tribos”, “terra santa”, “festa e dor

na bagagem”, “índio”, “Paraguai”, “mata”, “latifúndio”, “Campo Grande”, “grande de

Page 74: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

73

se admirar”, “Bonito”, “águas claras de um rio”, “um peixe”,”um tucano”, “uma onça”,

“tatu”, “tanta gente quanta”, “teu colo”, “história santa”, “teu solo”.

Verbos: “te buscou terra santa”, “expulsou o índio”, “lutou com o Paraguai”,

“derrubou a mata”, “cultivou o cultivar”, “ganhou o latifúndio”, “veio para trabalhar”,

“sorri no teu colo”, “viu tanto trecho de Campo Grande”, “te viu Bonito”, “onde tu tá?”,

“nem sabe da história tanta, vivida neste teu solo”.

Pronomes: o pronome mais representativo do texto é “quem”, que equivale à que

pessoa? Esse pronome representa a ignorância da história regional que caracteriza

os atuais habitantes da terra sul-mato-grossense.

3.2 INTERTEXTOS: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS

Este item apresenta um conjunto de intertextos que foram selecionados

entre as letras de músicas regionais pesquisadas. Ao se segmentar o texto-base na

palavra ‘tribos’, insere-se o seguinte intertexto:

3.2.1 Intertexto 1 – Nos mares de Xaraés (Moacir e Chico Lacerda )

No velho Brasil Central

Cerrados e pantanais

Na lenda dos Kadiwéus

Terra e mar de Xaraés.

Antigos donos da terra

Galopando em pêlo nu

Na luta com os “guaicurus”

Page 75: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

74

Cavaleiros Guaicurus.

Resistentes de uma raça

Nhandewá e kaiowá

Tupis, Terenas, Guatás

Guaicurus e Paiaguás.

Seus cavalos puro-sangue

Não tem mais toda beleza

“Perpétua paz e amizade”

Com a Coroa Portuguesa.

Na Serra da Bodoquena

“Cem léguas de pasto e mata”

Filho chora e não nasce

No vento dos Kadiwéus.

Resistentes de uma raça

Nhandewá e Kaiowá

Tupis, Terenas, Guatós

Guaicurus e Paiaguás.

Este intertexto 01 progride semanticamente a narrativa histórica das terras

sul-mato-grossenses.

Estrutura textual narrativa:

Enunciado narrativo 01

Page 76: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

75

Situação Inicial – Diferentes tribos indígenas com convivência pacífica.

Fazer Transformador - Chegada dos portugueses para a posse de novas terras.

Situação Final – Conflito entre tribos indígenas e paz – amizade dos Kadiwéus com

os portugueses.

Enunciado narrativo 02

Situação Inicial: Luta entre tribos – paz e amizade dos Kadiwéus com os

portugueses.

Fazer transformador: Devastação portuguesa para o domínio das terras.

Situação Final: Confronto e a inimizade dos Kadiwéus, infanticídio indígena.

Este intertexto representa em língua dois grupos sociais indígenas em conflito:

Grupo I: Kadiwéus – são resistentes de uma raça Nhandewá, Kaiowá, Tupis,

Terenas, Guatós, Guaicurus e Paiaguás.

Grupo II: Guaicurus que se separam dos Kadiwéus e passam a lutar contra eles por

não serem amigos da coroa portuguesa.

O intertexto I traz representadas em língua, duas designações:

Pelos brancos: No velho Brasil Central cerrados e pantanais

Pelos índios: Na lenda dos kadiwéus, terra e mar dos Xaraés

O intertexto 01 traz focalizada em língua, a situação final do segundo enunciado

narrativo: o conflito entre tribos, o conflito de índios com portugueses e o infanticídio

indígena.

Recursos lingüísticos para a construção textual

O texto é construído com três recursos lingüísticos - chave:

Retomada por modificação: o uso de segmentos entre aspas: “guaicurus”, “Perpétua

paz e amizade”, “Cem léguas de pasto e mata” .

Page 77: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

76

Retomada com repetição: A retomada por repetição realça os grupos sociais

indígenas descendentes de irmãos de uma mesma raça que se tornam inimigos

devido à ação devastadora da Coroa Portuguesa.

Cavaleiros guaicurus: Resistentes de uma raça, Nhandewá e Kaiowá, Tupis,

Terenas, Guatós, Guaicurus e Paiaguás·.

Retomada por modificação: há uma retomada de segmento textual com a mudança

nominal:

• Na lenda dos Kadiweús;

• No vento dos Kadiwéus.

A palavra vento contém semanticamente <<corrente de ar resultante de

variações do peso específico da atmosfera, ar atmosférico que se desloca seguindo

determinada agitação. Nesse sentido, a palavra vento é um recurso metafórico para

representar a mudança territorial constante dos kadiwéus devido às lutas tribais e

após com a coroa portuguesa.

Segmento entre aspas:

Os seguintes segmentos textuais são explicitados com aspas: “guaicurus”, “perpétua

paz e amizade”,“cem léguas de pasto e mata”

O recurso das aspas realça segmentos-chave que contêm implícitos culturais que o

intertexto 1 não explicita, de forma a orientar a pesquisa e a seleção de textos do

discurso da História e Etnografia da terra do Mato Grosso do Sul.

3.2.2 Intertexto 02 – Capim da Ribanceira de Almir Sater e Paulo Simões

Na madrugada e eu na beira da estrada

A lua cheia e minguada e de repente

Apareceu um cavaleiro de bota e chapéu de couro

Page 78: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

77

Me lembrando o velho mouro e lá “fiquemos”

Ele e mais eu, cruzou os pés,

“apiou” o seu cavalo,

Deixou a “rédia” num talo de uma roseira sem flor

Diz que seguia pelo mundo

solitário e quebrava todo galho apartando a toda dor.

Quem não ouviu falar

Quem não quis conhecer

Aquele cavaleiro que vive pelas fronteira

Divulgando a reza brava do Capim da ribanceira.

Enquanto o bule de café bulia, a brasa da

fogueira refletia o seu olhar e eu pude ver

que ele sabia coisa até do outro mundo e

Essa noite eu fui aluno do seu estranho poder

Com sete pontas de uma rama trepadeira e uma

Arruda e a piteira o meu corpo ele tocou.

Naquele instante me bateu uma zonzeira e

Duma tosse cuspideira o velhinho me livrou.

E quem não ouviu falar, quem não quis conhecer

Aquele cavaleiro que vive pela fronteira

Divulgando a reza brava do Capim de ribanceira.

O intertexto 03 expande a palavra pioneira coragem do texto-base e tem

por referente o colonizador espanhol “velho mouro” caracterizado pela introspecção

da cultura indígena da cultura indígena.

Page 79: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

78

O intertexto 02 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-

mato-grossense focalizando o colonizador espanhol e português “mouro” que veio

da Península Ibérica. O texto está organizado pelo seguinte enunciado narrativo:

Estrutura textual narrativa:

Situação Inicial: O desbravador mouro das terras sul-mato-grossenses.

Fazer transformador: A miscigenação cultural do mouro com o índio nativo.

Situação Final: É o velho mouro solitário caracterizado como curandeiro indígena.

Os autores representam em língua valores positivos atribuídos aos conhecimentos

indígenas para curar pessoas. Nesse sentido, a miscigenação cultural implica o

cancelamento dos traços culturais do mouro para aquisição da cultura indígena

nativa. “Curar com chá do Capim da Ribanceira”.

Os valores negativos são atribuídos ä solidão do velho mouro: “Aquele

cavaleiro que vive pela fronteira divulgando a reza brava do Capim da Ribanceira”.

Em síntese, o referente do intertexto 02 é o colonizador espanhol, o velho

mouro. O foco é projetado nos conhecimentos relativos à cura de doenças por

plantas: capim da ribanceira. O velho mouro é avaliado positivamente como

poderoso e dotado de muito conhecimento, o que lhe propicia uma magia para a

cura de doenças.

Segundo o autor, todas as pessoas que vivem na região sul-pantaneira já

ouviram falar desse curador, e quem ainda não o conhece quer conhecê-lo, pois ele

é objeto de crença com avaliação positiva na medida em que cura males.

É interessante observar que o mouro violento, dominador, conquistador e

guerreiro neste intertexto, está representado pela transformação devido à adesão da

cultura local, em mito de colaborador-curandeiro, dessa forma quem expulsou o

Page 80: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

79

índio “colonizador ibérico” garante a preservação da cultura indígena por ser ela

mais forte, na região do Mato Grosso do Sul.

Recursos lingüísticos para a construção textual

O cenário representado em língua expressa uma situação ‘de pouca luz’:

“na madrugada eu na beira da estrada, a lua cheia e minguante, e de repente

apareceu um cavaleiro”.

Adjetivação: Recurso metonímico que caracteriza a figura do colonizador ibérico:

“cavaleiro de bota e chapéu de couro”.

Mito do colaborador-curandeiro: O velho mouro parece ser representado pelo

“fazeres do cavaleiro”:

“cruzou os pés, apiou de seu cavalo, deixou a rédia num talo de uma roseira sem

flor”

Este segmento constrói uma ruptura com a expectativa anteriormente

criada pela chegada de um “cavaleiro de bota e chapéu de couro que lembrava o

velho mouro”.

Os fazeres desse cavaleiro são representados em língua com avaliação

positiva, pois, age como amigo e companheiro, curando o mal presente “na tosse

cuspideira”.

Os autores progridem semanticamente o texto por uma coesão referencial

a saber:

“Um cavaleiro de bota e chapéu de couro”, “velho mouro”, “ aquele

cavaleiro que vive pelas fronteiras divulgando a reza brava do capim da ribanceira”,

“Ele sabia coisa do outro mundo”, “o seu estranho poder com sete pontas de uma

rama trepadeira e uma arruda e piteira, o meu corpo ele tocou”, “duma tosse

cuspideira, o velhinho me livrou”.

Page 81: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

80

Pela coesão referencial, tem-se o recurso lingüístico dos autores para

transformar a crueldade do colonizador em mito de colaborador.

As expressões lingüísticas “reza brava, do capim de ribanceira”, contêm

implícito cultural relativo ao conhecimento indígena nativo, para a cura de doenças.

Os autores representam em língua o mito de curadores dos males

atribuindo à fronteira Brasil / Paraguai apenas uma divisão política, na medida em

que o dado cultural do colaborador-curador ultrapassa essas fronteiras: “quem não

quis conhecer aquele cavaleiro que vive pela fronteira divulgando a reza brava do

capim da ribanceira”.

O movimento do curador que se desloca espacialmente pela fronteira

deixa implícito o movimento de “Ir e Vir” que caracteriza um aspecto importante da

cultura sul pantaneira.

3.2.3 Intertexto 03 – Boieiro do Nabileque de Almir Sater e João Ba

Vai boieiro, rio abaixo

Vai levando o gado e a gente

O sal grosso e a semente

Eh! Porto de Corumbá

O amor, toda beleza

Como canto de nobreza

Deslizar navegar na água

Eh! Rio Paraguai

Rio acima, peixe bom

Passarada, matagal

Velho bugre entoando

Page 82: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

81

Seu antigo ritual pantaneiro.

O intertexto 03 expande a palavra Paraguai do texto-base, retomada

como Rio Paraguai. Este rio é o referente do texto focalizado no seu movimento de

rio abaixo e rio acima pelas embarcações que nele transitam, de forma a retomar um

aspecto cultural do Pantanal sul-mato-grossense ou seja, “o Ir e Vir”.

O intertexto 03 progride semanticamente, de forma descritiva um estado

de ‘coisas” que tem aspecto permansivo para o transporte realizado no Pantanal.

Essa descrição focaliza o momento atual da movimentação de produtos

transportados pelos navios-boieiros no Rio Paraguai. A descrição é construída no

intertexto 03 por dois grandes blocos descritivos:

Segundo Marquesi (1996), o esquema textual descritivo é definido por um

conjunto de blocos descritivos ligados entre si por uma ancoragem semântica que se

define como um fio condutor textual.

Estrutura textual descritiva:

Bloco 1: rio abaixo – O boieiro leva gado, a gente, o sal grosso e a semente para o

Porto de Corumbá.

Os produtos transportados são representados de forma positiva: “o amor”, “toda

beleza”, ”como canto de nobreza”, deslizar, navegar na água Eh! Rio Paraguai.

Bloco II: rio acima - O boieiro sobe atravessando outros pantanais. De forma

implícita, os outros pantanais são representados como um todo em relação às suas

partes por Pantanal, na medida em que é visto como um único Pantanal.

No “rio acima”, o misticismo das crenças é representado em língua por “peixe bom,

passarada, matagal e velho bugre entoando seu antigo ritual pantaneiro”.

Recursos lingüísticos para a construção textual.

Page 83: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

82

Os dois blocos descritivos estão ancorados no “Ir e Vir” do boieiro e cada bloco é

assim caracterizado:

Bloco I: “Ir”- transporte das mercadorias para o porto de Corumbá que representa

com valor positivo a produção de riquezas do Pantanal.

Bloco II: “Vir”-retorno ao Pantanal representado com avaliação positiva da natureza e

a presença do velho bugre. Com o recurso lingüístico da seleção das palavras “velho

bugre entoando seu antigo ritual pantaneiro”, os autores representam com valor

positivo, o Pantanal:

Velho bugre: a designação bugre contém vocabularmente <índio selvagem do Brasil,

ferozes, e não civilizados>. O substantivo “bugre” está adjetivado por “velho, antigo,

ancestral” que se mantém no momento descritivo atual.

O sintagma “velho bugre” em sua relação inter-lexias como palavras do

texto contém o implícito cultural da cultura indígena local que é representada com

valor positivo em suas raízes históricas até a contemporaneidade atual pelo seu

antigo ritual pantaneiro”.

Embora o conteúdo vocabular da designação “bugre” seja <homem

selvagem, grosseiro>, nas relações interlexicais das palavras do texto, há

ressemantização de forma a se opor à visão de mundo do dominador branco, pois o

misticismo do Pantanal é representado pelo segmento textual “velho bugre entoando

seu antigo ritual pantaneiro”, que progride de forma coesiva “peixe bom”,

“passarada”, “matagal” que são designações que contêm avaliação positiva.

Dessa forma, o velho bugre caracteriza um papel na estrutura social do

Pantanal do Mato Grosso do Sul. A sua ação apresenta similitude com a vivência

solitária do velho mouro do intertexto 02.

Page 84: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

83

Nesse sentido, pela intertextualização “velho mouro” assemelha-se ao

“velho bugre”. Ambas as designações são relativas a implícitos culturais, na medida

em que há, para ambas, uma ressemantização, pois elas designam um depositário

das tradições indígenas ainda presentes na região e que permanecem no branco

com valor positivo.

Os resultados das análises realizadas com as letras das músicas

intertextualizadas com o texto-base e apresentados anteriormente indicam que:

1. São atribuídos valores positivos à tradição cultural dos índios nativos

da região pantaneira.

2. São atribuídos valores negativos à fronteira estabelecida politicamente

entre Brasil/Paraguai.

3. São atribuídos valores positivos aos colonizadores que abandonam

sua cultura nativa e aderem às tradições da cultura indígena local.

Os resultados obtidos das análises indicam também, que as raízes

históricas do marco de cognição social do pantaneiro estão presentes nas

representações em língua das letras musicais analisadas de forma que o “velho”

constrói o “novo” a partir da cultura local para representar a Guerra do Paraguai, a

fronteira Brasil/Paraguai, a navegação do Rio Paraguai, os colonizadores europeus

ibéricos europeus.

Em síntese, estes resultados indicam que há ressemantização de

vocábulos enquanto lexia dicionarizada pela instituição colonizadora, pois valores

negativos dicionarizados são ressemantizados como valores positivos pelas

interlexias dos textos musicais, como por exemplo: “mouro,” e “ bugre”.

Page 85: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

84

A ressemantização constrói significações novas mantendo, os valores

culturais indígenas nativos, de forma a construir nas letras musicais, uma simbologia

para o Pantanal.

Logo, os resultados obtidos indicam que, pela intertextualização há

progressão semântica, para se opor à cultura do branco dicionarizada e retomar

valores tradicionais da cultura indígena.

Conclui-se que o índio foi expulso para rio acima e ele é representado em

língua pelo “velho bugre que entoa rituais antigos pantaneiros”, embora tenha

deixado uma raiz “sonhos guaranys”, presentes em um conjunto de pessoas

miscigenadas etnicamente, caracterizadas culturalmente pelas crenças indígenas

locais.

3.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Foram selecionados como interdiscursos, o discurso da Geografia, da

História e o da Etnografia, por serem representativos dos discursos

institucionalizados pelo Poder da Ciência.

A seguir são apresentados os seguintes discursos científicos:

3.3.1 O interdiscurso 1: Discurso da Geografia

Foram selecionados, para análise, dois textos do discurso da Geografia, a

partir de segmentos do texto-base e de seus intertextos, já apresentados, no item

3.2. Os intertextos foram selecionados em 30/09/2004, no site www.corumba.com.br

Page 86: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

85

e são de autoria de Paulo César Boggiani, professor da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul.

3.3.1.1 Intertexto 04 – A Planície e os Pantanais

Os intertextos apresentados, no item 3.2 de músicas regionais foram

segmentados, a partir das palavras: “terra, Campo Grande, Bonito, rio, Mato Grosso,

fronteira Brasil-Paraguai, porto de Corumbá, rio acima e rio abaixo, velho Brasil

Central, cerrados, pantanais, terra e mar de Xaraés, serra da Bodoquena”.

O intertexto 04 expande semanticamente informações relativas à região

designada Pantanal:

O Pantanal constitui extensa área plana, com altitudes que variam de 80 a

150 m acima do nível do mar, circundada por planaltos escarpados, situada

no centro da América do Sul. A planície pantaneira apresenta área

aproximada de 140.00 km quadrados, que equivale uma vez e meia ao

tamanho de Portugal.

[...] A principal característica desta região é a de estar sujeita a inundações

periódicas. Isto ocorre porque, de norte para sul, o Rio Paraguai, que constitui

o principal escoadouro e regulador das cheias, tem declividade praticamente

inexpressiva, o que dificulta o escoamento das águas.

[..] Apesar das inundações alternadas com intervalos de seca, o clima do

Pantanal é semi-árido, comparável ao da Caatinga Nordestina. Suas águas

têm origem principalmente nas partes altas, nas cabeceiras dos rios e a

inundação desce lentamente rumo ao Sul, como a gigantesca e vagarosa

onda. Desta forma, apesar do período chuvoso compreender os meses de

Page 87: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

86

dezembro a fevereiro, é nos meses de maio a julho que as chuvas atingem o

seu nível máximo na planície.

O que se denomina Pantanal são paisagens diversificadas dentro da planície,

ou seja, o Pantanal, na verdade, distintos relacionados principalmente às sub-

bacias hidrográficas do Rio Paraguai. Desta forma temos, de norte para o sul,

o Pantanal do Jauru-Paraguai, Pantanal do Cuiabá, Pantanal do Itiquira-São

Lourenço, Pantanal do Taquari, Pantanal do Paiaguás, Pantanal do Rio

Negro, Pantanal do Miranda-Aquidauana e Pantanal do Jacadigo-Nabileque.

No Pantanal do Miranda-Aquidauana, por exemplo, parte das águas do Rio

Miranda tem origem na Serra da Bodoquena, onde o maciço calcário contribui

com grande quantidade de carbonato de cálcio dissolvido, fornecendo, assim,

o característico gosto salobro de suas águas.

No Pantanal, as feições de relevo apresentam também toda uma terminologia

popular. Alguns termos são curiosos como a denominação “cordilheiras”,

empregada para os cordões arenosos de um a dois metros de altura,

elevados da superfície pantaneira, encontrados geralmente circundando

baías. A denominação baía é empregada como sinônimo de lagoa e as

drenagens são conhecidas como vazante. Já os corixos, ao contrário das

vazantes, são canais de drenagem permanente, bem delimitados e

entalhados na planície arenosa. As superfícies das cordilheiras e capões

(porções elevadas circulares) são geralmente arborizadas e dificilmente

atingidas pelas cheias normais, servindo assim de refúgio à fauna silvestre e

ao gado.

Este intertexto se opõe ao intertexto 01, “Nos mares de Xaraés” na

medida em que, pela descoberta cientifica atual, o Pantanal é representado como

uma planície interna descrita por um conjunto de outras sub-planícies.

Page 88: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

87

Não se trata de mar, mas sim de uma depressão geológica que é

inundada com intervalos de seca durante o período anual e a sua água de gosto

salobro, resulta de uma grande quantidade de carbonato de cálcio dissolvido do

maciço calcário.

As diferentes bacias hidrográficas são do Rio Paraguai e recebem

designações diferentes dependendo da região geográfica inundada, embora todas

elas tenham clima semi-árido. O autor opõe-se, também, às anteriores designações

atribuídas ao relevo geográfico regional:

• “O que se denomina Pantanal são paisagens diversificadas dentro da

planície, o Pantanal é um conjunto de pantanais distintos relacionados

às sub-bacias do Rio Paraguai”;

• “No Pantanal, as feições de relevo apresentam, também, toda uma

terminologia popular.

Alguns termos são curiosos, como a denominação cordilheira.“A

denominação cordilheira empregada para os cordões arenosos de 01 a 02 metros

de altura”. “A denominação baia é empregada como sinônimo de lagoa e as

drenagens são conhecidas como vazantes”.

A organização do intertexto 04 segue o esquema textual descritivo (cf

Marquesi, 1996). Seus blocos estão ancorados na descrição geológica.

Segundo esta tese, a ancoragem é vista pela focalização dada no

referente pelo seu produtor. Nesse sentido, o referente textual é Pantanal, focalizado

na sua constituição histórico-geológica.

O referente textual é a região designada genericamente Pantanal e os

blocos descritivos são:

Page 89: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

88

Estrutura textual descritiva

Bloco 1: A extensão da região pantaneira.

Bloco 2: As características da planície pantaneira.

Bloco 3: O clima do Pantanal e suas inundações.

Bloco 4: O Pantanal como um conjunto de pantanais distintos relacionados,

principalmente, as sub bacias do Rio Paraguai.

Bloco 5: A Divisão dos pantanais.

Bloco 6: O Relevo no Pantanal.

3.3.1.2 Intertexto 05 - O Mito

Este intertexto progride semanticamente o intertexto 01 Mares de Xaraés

de forma opositiva, na medida em que opõe os conhecimentos culturais regionais

com a descoberta científica do geólogo.

Muita gente ainda pensa que o Pantanal foi um antigo mar interior. Isto ocorre

em função de ser uma região muito plana e deprimida, com inúmeras "lagoas

salinas". Antigamente, nos primórdios de sua exploração, meados do século

XVI , acreditava-se que a região era um imenso lago de água doce, o qual o

historiador alemão Schmidel batizou, em 1555, como Lago dos Xaraés, em

referência a uma tribo indígena que habitava a região. Esta denominação

continuou sendo empregada mesmo após a constatação de que não se

tratava de um lago e sim de uma planície sujeita a inundações. Foi apenas no

começo deste século que a região passou a ser conhecida como Pantanal,

denominação também imprópria, uma vez que não se trata de uma região

permanentemente alagada e muito menos de um pântano, como o nome

Page 90: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

89

pode sugerir. O mito de que no Pantanal já havia existido um mar teve grande

repercussão na década de trinta, evocado pelos defensores da idéia de que

nele existiriam grandes reservas de petróleo, em continuidade às jazidas

petrolíferas da Bolívia. Àquela época, em 5 de dezembro de 1936, foi

publicado nos jornais de São Paulo um manifesto da Companhia Mato-

grossense de Petróleo que relacionava uma série de argumentos favoráveis à

tese da existência de petróleo no Pantanal. Um dos principais líderes deste

movimento foi o escritor e político Monteiro Lobato que, até mesmo nas suas

famosas publicações infantis, ajudou a difundir a idéia errônea de que ali

havia existido um mar interior, posteriormente soterrado por sedimentos

provenientes dos Andes.

Investigações geológicas na área, empreendidas tanto pelo antigo Conselho

Nacional do Petróleo como pela PETROBRÁS (década de 60), não

demonstraram a existência de petróleo e muito menos qualquer evidência da

presença de ingressões marinhas na região. As abundantes conchas

encontradas são de água doce e as "lagoas salinas" apresentam, na verdade,

águas bicarbonatadas, não tendo nenhuma relação com a água do mar.

Este texto é organizado pelo esquema textual opinativo que atribui valores

negativos às tradições culturais que representam o Pantanal como o mar dos Xaraés

e valores positivos à descoberta científica institucionalizada pelo discurso científico.

Assim sendo tem-se a seguinte relação opinativa:

Conhecimento regional tradicional 1:

O Pantanal foi um antigo mar interior, uma região muito plana e deprimida com

inúmeras lagoas salinas. Antigamente, nos primórdios de sua exploração, meados

Page 91: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

90

do século XVI, acreditava-se que era um imenso lago de água doce, o qual o

historiador alemão Schmidel, batizou em 1555, como Lago dos Xaraes.

Opinião do autor: “Esta denominação continuou a ser sendo empregada mesmo

após a constatação de que não se tratava de um lago e sim de uma planície sujeita

a inundações”.

Conhecimento regional tradicional 2:

Apenas no começo deste século (XX), a região passou a ser conhecida como

Pantanal.

Opinião do autor: “Denominação também imprópria, uma vez que não se trata de

uma região permanentemente alagada e muito menos de um pântano como o nome

pode sugerir”.

Conhecimento regional tradicional 3:

Houve grande repercussão, na década de 30, sobre o mito de que no Pantanal já

havia existido um mar; este fato foi evocado pelos defensores da idéia de que nele

existiriam grandes reservas de petróleo, em continuidade às jazidas petrolíferas da

Bolívia.

Opinião do autor: “O escritor e político Monteiro Lobato ajudou a difundir a idéia

errônea”.

O Conselho Nacional de Petróleo como pela PETROBRÁS (década de 60) “não

demonstraram a existência de petróleo e muito menos qualquer evidência de

ingressões marinhas na região.

Conclusão do autor: “As abundantes conchas encontradas são de água doce e as

salinas apresentam água bicarbonatadas não tendo nenhuma relação com a água

do mar”.

Page 92: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

91

Em síntese, os resultados obtidos da análise dos intertextos do discurso da

Geografia indicam que a progressão semântica, decorrente das descobertas

científicas da região do Pantanal do Sul de Mato Grosso são opositivas em relação

aos conhecimentos regionais tradicionais culturais que estão explicitados nos

intertextos analisados de músicas regionais.

As opiniões com valores negativos para representação das tradições culturais

regionais estão sustentadas pelo Poder científico que controla os conteúdos que tem

acesso ao público.

3.3.2 O interdiscurso 02: O discurso da História

Os intertextos apresentados, no item 3.2 de músicas regionais foram

segmentados, a partir de três elementos referenciadores: Guaranis, Guaicuru e

Paiaguás.

Guaranis: “índole pacífica apesar de guerreira, facilmente aceitou a

convivência com os conquistadores espanhóis e portugueses, tornando-se seus

colaboradores na colonização de partes do Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai, era

um povo amoroso com a família, sedentário, dedicou-se à caça, pesca, extração de

frutos silvestre, erva mate, conhecia a cerâmica, confeccionava vasilhames

domésticos.”

Chaquenho bolivianos e paraguaios: destaca-se o destemido Guaicuru:

“cavaleiros, orgulhosos, crentes em se constituírem um povo superior, assaltantes;

invasores, posseiros de terras, ladrões de ouro, aliados dos Paiaguás para se

defender da colonização portuguesa e dos ataques ferozes dos bandeirantes que

escravizavam índios para servir-se de mão de obra.”

Page 93: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

92

Paiaguás: canoeiro, nômade, senhor absoluto da bacia paraguáica e

aliados dos guaicurus.

Foi selecionado o intertexto 06 da obra História de Mato Grosso do Sul de

Rodrigues J. Barbosa , São Paulo: Editora do Escritor, 1993, p.14-21.

Este intertexto expande semanticamente o intertexto 01 Mares de Xaraés

ao abordar novas tribos indígenas situadas nas diferentes margens do Rio Paraguai

e se opõe, na medida em que aborda os índios guaicurus avaliando-os de forma

negativa pelos seus fazeres: posseiros de terras de outros índios, ladrões de ouro,

costumes diferentes adquiridos há séculos em lutas com outras tribos, cavaleiro “de

posse de tal transporte, o Guaicuru encontrou maior facilidade na luta contra as

tribos espalhadas pelo planalto e pela baixada”

No intertexto 01, os Guaicurus são avaliados positivamente como

cavaleiros corajosos e resistentes que se opuseram à Coroa Portuguesa.

3.3.2.1 Intertexto 06

O povo Guarani

[..] Constitui um dos maiores grupos indígenas que habitava vasta extensão

da América do Sul, De índole pacífica, apesar de guerreira, para com os seus

vizinhos , facilmente aceitou a convivência com os conquistadores espanhóis

e, mais tarde com portugueses. Era um povo de estatura mediana, amoroso

para com a família, principalmente com as crianças. Sedentário, dedicava-se

à lavoura, à caça, à pesca, e à extração de frutos silvestres. Conhecia a

cerâmica, confeccionando vasilhames domésticos adornados com pinturas

primárias.

Page 94: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

93

No Mato Grosso do Sul, dezenas de tribos do povo Guarani ocupavam as

margens dos rios desde o Paraná até o Miranda e do Paraguai ao Apa.

(..) A colonização de partes do Brasil, da Argentina, da Bolívia e do Paraguai

contou com a colaboração da gente guarani. Até os nossos dias este último

país ostenta a influência guaranáica no sangue de sua gente que conserva

viva a língua, mesclada de vocábulos espanhóis, desses primitivos

habitantes.

[..] A erva-mate, herdada dos primitivos habitantes da terra, ainda é

consumida pelos habitantes do Rio Grande do Sul e Paraguai sob as formas

de chimarrão e tereré. O nhanduti, magnífica renda tecida artesanalmente em

muitos lares paraguaios, que encanta pela beleza de sua arte, constitui

herança do povo guarani.

[..] A decadência do povo guarani, em Mato Grosso do Sul, com o

conseqüente desaparecimento de suas tribos, foi ocasionada primeiramente

pelas entradas dos bandeirantes paulistas à procura de braço escravo.

Calcula -se que somente da província de Guairá, ainda nos estados de São

Paulo e Paraná, foram arrebanhados 100 mil homens.

O povo Guaicuru.

Rarefeita que fora de gente guarani a região compreendida pelo atual estado

de Mato Grosso do Sul, em virtude das sangrentas entradas dos mamelucos

de Piratininga, chefiados primeiramente por portugueses e posteriormente por

paulistas seus descendentes, o rio Paraguai passou a ser transposto por

tribos outrora fixadas na região do Chaco paraguaio e boliviano, possuidoras

de índole bravia e costumes diferentes, adquiridos, por séculos, em luta em

território até hoje paupérrimo e feraz. Aos poucos a Guaranilândia foi sendo

invadida pelos chaquenhos, destacando-se em pouco tempo o destemido

Guaicuru que, apossando-se da terra, deu expansão ao seu espírito de

conquista secularmente contido nas extensas e ardentes planícies que se

Page 95: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

94

estendem além da corrente paraguaia até as encostas das elevações

andinas.

Crente na lendária origem de sua gente, o Guaicuru assalta inúmeras tribos

sedentárias, impondo-lhes um regime de suserania, sendo estas obrigadas a

fornecer-lhe alimentos e tecidos para o seu abrigo, sob pena de serem

escravizados, aumentando a sua horda.

[..] Orgulhosos, crentes que se constituíam um povo superior, procuravam

dominar os povos vizinhos -Caiapó, Guató, Caiuá, Guaná, Bororo,etc com os

quais viviam sempre em luta.

O aparecimento do cavalo, introduzido na América do Sul pelos espanhóis no

século XVI, em 1535, modificou em futuro não muito distante os hábitos dos

Guaicurus. Enquanto para outros povos indígenas o cavalo surgira como uma

nova caça, para o Guaicuru constituiu um meio de transporte rápido.

De posse de tal meio de transporte, o Guaicuru encontrou maior facilidade na

luta contra as tribos espalhadas pelo planalto e pela baixada, as quais foram

sucessivamente submetendo-se às suas imposições, inclusive fornecendo-lhe

“escravos”, mulheres e crianças que, com o passar do tempo, tratadas

condescendentemente, se ambientavam vivendo como se Guaicuru tivessem

nascidos.

Quando o ouro de Cuiabá foi descoberto, e as Monções começaram a singrar

as águas do Paraguai e seus afluentes, o Guaicuru se aliou ao terrível

Paiaguá, senhor quase absoluto da bacia paraguáica, cujas águas cortava

com as suas igaras, ligeiras canoas feitas de grossas cascas de árvores. Os

“monçoeiros” nas suas idas e vindas de São Paulo a Cuiabá e vice-versa,

quase sempre eram vítimas dos ataques inesperados e às vezes destruidores

dos aliados Guaicuru-Paiaguá que lhes infligiam pesadas perdas, estimulados

que eram pelos espanhóis do Paraguai que lhes compravam o ouro

apresado.

Page 96: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

95

Fortes militares e pequenos povoados fundados por esses dois povos

conquistadores, eram, freqüentemente, assaltados pelo Guaicuru ou pelo

Paiaguá que lhes não davam sossego. Senhores absolutos das regiões que

habitavam- no Planalto, o Guaicuru cavaleiro e na Baixada o Paiaguá

canoeiro- eram forças que se antepunham à penetração pacífica dos

conquistadores que eram obrigados ao emprego de armas de fogo contra os

primitivos donos da terra.

O povo Paiaguá

[..] O Paiaguá canoeiro praticamente vivia sobre as águas do Paraguai, dentro

de suas canoas, desde o limite das terras do Guaicuru até o fecho dos

Morros, no atual município de Porto Murtinho. Era nômade. Nas suas

embarcações, manejadas com rapidez, excursionava até a foz do Paraná e

subia até a região das grandes lagoas (1993,p.14-21).

Este intertexto é organizado pela narrativa histórica das tribos indígenas

do Pantanal do Sul de Mato Grosso e envolve a vida das tribos que povoavam a

região do Mato Grosso do Sul, antes e após a chegada dos brancos europeus.

O intertexto não é uma simples narrativa de ações seqüenciadas no

tempo, mas caracterizada por mudanças importantes de estado e ações e

categorizadas por uma estrutura de enunciados que explicitam o percurso gerador

de sentidos: a representação dos povos indígenas x europeus que habitavam a

região que hoje é Mato Grosso (Sul e Norte)

O referente do texto são os povos indígenas representados em sua

progressão semântica do intertexto 01, por uma narrativa histórica.

Estrutura textual narrativa

Page 97: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

96

Enunciado narrativo 01

Situação Inicial: Sedentários, amorosos e pacíficos povoando uma das margens do

Rio Paraguai.

Fazer transformador: A chegada dos colonizadores iberos.

Situação Final: Os guaranis colaboradores da colonização das terras pelos iberos.

Enunciado narrativo 02

Situação Inicial: Os guaranis colaboradores da colonização européia.

Fazer transformador: Ações de crueldade praticadas pelos bandeirantes

portugueses e descendentes paulistas com a descoberta do ouro em Cuiabá.

Situação Final: Dizimação do povo guarani por uma grande perda de vidas.

Enunciado narrativo 03

Situação Inicial: Os guaicurus em seus diferentes fazeres na outra margem do Rio

Paraguai e os Paiaguás, canoeiros nômades das águas do Paraguai.

Fazer transformador: A numerosa perda de vidas dos guaranis.

Situação final: As tribos dos guaicurus e paiaguás aliados contra os portugueses

assaltando Fortes Militares e pequenos povoados, deixando os colonizadores sem

sossego.

A seqüência desses enunciados narrativos guia a representação da aliança

Guaicurus-Paiaguás de forma negativa, na medida em que esses índios se opõem à

penetração pacífica dos conquistadores auxiliados pelos colaboradores-guaranis.

O intertexto 06, do discurso da História focaliza o povo guarany em sua

decadência e os guaicurus-paiaguás na resistência à colonização do branco ibérico.

Com relação à ocupação do espaço no MS, as tribos do povo guarani no

Mato Grosso do Sul encontravam-se às margens dos rios: do Paraná ao Miranda e

do Paraguai ao Apa; os guaicurus ocupavam a região do Chaco paraguaio e

Page 98: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

97

boliviano e os paiaguás no limite das terras dos guaicurus até os fechos dos Morros,

hoje Porto Murtinho.

Com relação à expressão lingüística gente, contida no texto base, os

Guaranis são representados com:

• valores positivos (+) por terem sido colaboradores dos colonizadores,

como é específico na prática discursiva da História e os

• bandeirantes sendo paulistas são representados com valor negativo (-)

pelo povo guarani, na medida em que o transformou como braço

escravo, propiciando a sua aculturação ou a sua morte.

A mesma prática discursiva representa o povo paiaguás como nômade

tendo suas ações ligadas a um Ir e Vir como canoeiro, sobre as águas do Rio

Paraguai, de forma, a se deslocar desde o limite das terras dos guaicurus até os

Fechos dos Morros, atual município de Porto Murtinho.

É interessante observar que o povo paiaguás é representado de forma

minimizada em relação aos guaranis, pois sendo nômades não foram colaboradores

nem adversários na invasão dos europeus ibéricos e na sua posse de terras.

Já o povo guaicuru é representado com valor negativo (-) por representar

o conquistador tenaz, o dominador; por se aliarem aos paiaguás eram forças que se

antepunham à penetração pacífica dos conquistadores que eram obrigados ao

emprego de armas de fogo contra os primitivos donos da terra.

Do povo guarani é mantida a índole pacífica, do povo paiaguás a

movimentação contínua por canoa nas águas do Pantanal e do povo guaicuru a sua

agressividade, o seu espírito dominador e a sua oposição à conquista dos europeus.

Page 99: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

98

É interessante observar que o povo paiaguás é representado pelo traço

cultural sul - mato-grossense no movimento do Ir e Vir, como povo nômade canoeiro

no Rio Paraguai.

De forma implícita, o fazer dos bandeirantes implica também a

representação do traço cultural no movimento “Ir e Vir”.

O povo guarani por ser sedentário é disseminado, embora as suas

tradições culturais tenham permanecido nos atuais habitantes do Mato Grosso do

Sul, a erva mate como forma de tereré e chimarrão, o nhanduti, magnífica renda

artesanal, tecida em muitos lares paraguaios, herança do povo guarani.

O intertexto 06 representa os guaranis como responsáveis pelas raízes

históricas da região, já os guaicurus e os terríveis paiaguás são intertextualizados

com o bugre selvagem e guerreiro que se opôs à colonização européia, com um

conjunto de “fazeres” representados com valor negativo.

É interessante observar que a progressão semântica do intertexto 06 em

relação ao intertexto 01, decorre de uma representação ideológica do Poder-Estado,

pois na cultura do homem sul-mato-grossense, o velho bugre contém implícitos

culturais, assim como os pacíficos guaranis.

Em síntese, os resultados obtidos nas análises do intertexto da História

indicam que a progressão semântica em relação ao texto-base e intertextos das

letras de músicas regionais é realizada por oposição de valores ainda que a

progressão semântica seja feita por complementaridade, como por exemplo, a

focalização das tribos indígenas que povoavam a região sul-mato-grossense.

Page 100: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

99

3.3.3 O interdiscurso 03: O Discurso da Etnografia

De forma geral, o discurso científico da Etnografia pode ser definido como

o estudo da cultura dos povos.

Foram selecionados, para análise, dois textos do discurso da Etnografia, a

partir de segmentos do texto-base e de seus intertextos, já apresentados:

Intertexto 07: Barros, Abílio Leite de.Gente Pantaneira (crônicas de sua História) Rio

de Janeiro: Lacerda Editores, 1998, p.196.

Intertexto 08: Proença, Augusto César. Pantanal: Gente, tradição e história. Campo

Grande, MS: Ed.UFMS,1977 p.26.

3.3.3.1 Intertexto 07

O intertexto 07 trata dos índios Guaicurus e Paiaguás de forma a situá-los

como a presença indígena em Mato Grosso do Sul. Este intertexto foi selecionado a

partir de segmentos do texto-base “tribos”, “índio” e do intertexto 01 “Filho chora e

não nasce” “no vento dos Kadiwéus”.

Os guaicurus e paiaguás são nações irmãs, ambas originadas na região do

Chaco paraguaio. Pela semelhança lingüística, informaram os etnólogos,

teriam a mesma origem, o que mais os assemelhava, entretanto era o feroz

espírito guerreiro. Os guaicurus aprenderam com os espanhóis o uso do

cavalo na guerra. Os paiaguás usavam as canoas com o mesmo fim em

guerras de guerrilhas. Enquanto estiveram unidos no combate ao branco

invasor, impediram a progressão dos espanhóis ao norte e dos bandeirantes

a oeste de nossos territórios. Desse bloqueio aos espanhóis teria resultado

Page 101: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

100

indiretamente os limites sul dos nossos territórios. No fim do século XVIII, os

guaicurus se aproximaram de portugueses e brasileiros e os paiaguás se

aliaram aos espanhóis.

[..] Em 1940, Max Schmidt, tentando pesquisar a cultura paiaguá, não

encontrou em Assunção mais de quatro índios dessa nação.Deduz-se, assim,

que esse povo guerreiro, famoso em nossa história no século XVIII, já não

estava entre nós no século seguinte. Sempre foram índios paraguaios em

realidade. Assim, distantes no tempo e no espaço, parece claramente que

quase nenhum vestígio cultural terá deixado nos pantanais corumbaenses.

[..] Os guaicurus, o contrário dos aruaques, como sabemos, eram cultores da

guerra, visceralmente um povo agressivo. Combateram violenta e

impiedosamente espanhóis e portugueses como usurpadores de seus

domínios. Eram invencíveis em terra pela habilidade no uso do cavalo.

[..] A decadência dos guaicurus se deu no sentido moral e demográfico. A

decadência moral e política tem muito a ver com o maior contato com os

civilizados-brancos, negros ou mulatos. E o grande veículo dessa degradação

foi o álcool. Ainda no século XVIII, o padre Sanches Labrador fala em

“contínuas bebedeiras” dessas tribos. Quanto à redução demográfica, ela

resultou da sistemática prática do aborto e infanticídio. Raramente se

encontravam, entre os guaicurus casais com mais de um filho. As mulheres

praticavam o aborto sistemático até depois de 30 anos, quando afinal

admitiam o nascimento. Quando não abortavam, praticavam o infanticídio,

matando os recém-nascidos. Era a forma de se manterem em condições de

acompanhar os homens em suas vidas nômades, e se mostrarem mais

atraentes aos seus maridos e amantes; não havia muito ciúme entre os

guaicurus. (1998, p.196-198).

O intertexto 07: é organizado por enunciados narrativos:

Page 102: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

101

Estrutura textual narrativo

Enunciado narrativo 01

Situação Inicial: Guaicurus e Paiaguás, nações irmãs na região do Chaco Paraguaio,

ferozes com espírito guerreiro.

Fazer transformador: Chegada dos espanhóis com o cavalo.

Situação Final: Guaicurus - hábeis cavaleiros e os Paiaguás - hábeis canoeiros para

defesa de suas terras, impedindo a progressão dos espanhóis ao norte e dos

bandeirantes a oeste do Pantanal sul-mato-grossense.

Enunciado narrativo 02

Situação Inicial: Guaicurus e Paiaguás guerreiros unidos na defesa de seus

territórios.

Fazer transformador: A entrada de portugueses e brasileiros no fim do século XVIII.

Situação Final: Guaicurus com portugueses e brasileiros e os Paiaguás com os

espanhóis.

Enunciado narrativo 03

Situação Inicial: Guaicurus com portugueses e brasileiros e Paiaguás com os

espanhóis.

Fazer transformador: A colonização espanhola no Paraguai.

Situação final: Em 1940, apenas quatro índios Paiaguás em Assunção, deixando

pouco vestígio cultural nos pantanais corumbaenses.

Enunciado narrativo 04

Situação Inicial: Os Guaicurus guerreiros agressivos na defesa de seus territórios.

Fazer transformador: Espanhóis e portugueses em busca do domínio das terras

ludibriando os Guaicurus com ações não guerreiras.

Page 103: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

102

Situação Final: Decadência moral dos Guaicurus pela degradação pelo álcool.

Enunciado narrativo 05

Situação Inicial: Os Guaicurus ferozes guerreiros com deslocamento espacial rápido

devido ao uso do cavalo.

Fazer transformador: As mulheres guaicurus acompanhavam seus maridos no

deslocamento temporal, mantendo-se desejáveis por eles.

Situação Final: Disseminação da raça guaicuru pelo aborto e infanticídio materno.

O intertexto 07 progride o intertexto 01 por complementaridade, no que se

refere ao aborto e ao infanticídio entre os guaicurus, embora progridam os Paiaguás

como “resistentes de uma raça”. Todavia, apresenta oposição ao que se refere aos

“resistentes de uma raça”, na medida em que os enunciados narrativos do intertexto

07 apresentam uma progressão semântica para o extermínio tanto de Guaicurus

quanto de Paiaguás.

Logo, ambas as nações foram disseminadas por espanhóis, portugueses

e brasileiros que são apresentados de forma implícita como “mais poderosos

guerreiros para a posse de territórios”.

As representações em língua explícitas nesse intertexto da etnografia,

apresentam:

• valor positivo para os guerreiros Guaicurus e Paiaguás na medida em

que estes ao impedir a progressão dos espanhóis ao Norte e a dos

bandeirantes a Oeste construíram as linhas divisórias dos territórios

sul-mato-grossenses.

• valor negativo para os guerreiros Guaicurus e Paiaguás pois embora

ferozes guerreiros foram vencidos pelos europeus. Os Guaicurus foram

Page 104: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

103

exterminados como raça tanto pelo álcool quanto pelo aborto e

infanticídio praticado pelas mulheres.

As mulheres Guaicurus são representadas com valor negativo na medida

em que praticam o aborto e o infanticídio para se manterem atraentes e

acompanharem seus maridos, de forma a romper com a representação cultural de

família.

Barros deixa explicitado nesse intertexto, que ambas as nações

Guaicurus e Paiaguás quase não deixam vestígios culturais nos pantanais

corumbaenses. Todavia, o intertexto 06 do Discurso da Geografia traz representado

em língua o mito do Pantanal, lago ou mar dos Xaraés que se mantém vivo até hoje

em nossa cultura embora seja combatido pelo discurso cientifico da região. Um outro

dado cultural é relativo ao traço “Ir e Vir” do homem sul-pantaneiro com a presença

da canoa de raízes históricas paiaguás e do cavalo com suas raízes históricas

guaicurus.

O intertexto 07 propicia responder à questão: Quem foi que expulsou os

índios?

Os índios Guaicurus e Paiaguás não foram expulsos e sim exterminados

pelos portugueses e espanhóis como raça, ao se aliarem a eles.

3.3.3.2 Intertexto 08

O intertexto 08 foi selecionado a partir de segmentos do texto-base

“tribos” e “índios”, e dos demais intertextos que explicitam palavras relativas ao povo

nativo indígena nativo do Pantanal.

Page 105: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

104

Sejam quais forem os caminhos percorridos pelos homens pré-

históricos que chegaram ao Pantanal, o certo é que os índios legaram

à terra muitas contribuições, até hoje manifestadas na dança, música,

culinária e nas demais expressões culturais do folclore pantaneiro.

[..] introdutores de lendas, costumes que haveriam de ficar enraizados

na cultura do novo mato-grossense e, além disso, tiveram papel

fundamental na formação histórica e territorial da então esquecida

Província, abrindo picadas, ensinando o caminho aos civilizados, com

os quais algumas tribos mantiveram contato pacífico, subjugando-se a

eles como besta de carga, servindo de instrumento às ambições de

conquista, submetendo-se a uma triste e vergonhosa escravidão.

[..] Por toda a parte ficaram vestígios da presença indígena. Nas lendas

que criaram sobre bolas de fogo, enterros luminosos, luzes aparecendo

em cima das matas e nas superfícies das baías e dos rios, objetos

redondos que julgavam ser panelas descendo para raptar criancinhas e

os velhos a fim de levá-los para o céu. Nos campos que os guaicurus

galopavam em manobras guerreiras. Nos casos de cerâmica dos

bororós e zagaias utilizadas pelos guatós em caçadas de onças. No

sangue dos vaqueiros que campeiam a planície, enfim, em tudo foram

deixando marcas de tal forma que, até hoje, ainda resta um eco das

antigas vozes se levantando em homenagem ao canto e ao vôo das

caracarás.

Havia entre eles e a natureza uma espécie de tratado de paz, que só

se quebraria coma chegada dos brancos, penetrando com a

imprudência das canoas, invadindo campos que lhes pertenciam,

Page 106: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

105

usando a força das armas para subjugá-los. E dessa quebra de

vínculos com a natureza resultou o enfraquecimento das tribos que,

vítimas do domínio dos colonizadores, perderam suas liberdades, seus

valores e entregaram-se à cachaça, á fome e ao extermínio das balas.

( 1977, p. 26)

Este intertexto é do tipo opinativo e defende uma tese justificada por um

conjunto de argumentos:

Estrutura textual opinativa

Tese: Os indígenas nativos do Pantanal deixam traços culturais na miscigenação

étnica dos que para lá foram.

Justificativa: Argumentos de probabilidade:

Argumento 1: Legaram à terra muitas contribuições até hoje manifestadas na dança,

musica, culinária e nas demais expressões culturais do folclore pantaneiro”.

Lendas: “bolas de fogo, enterros luminosos, luzes, objetos redondos”.

Costumes: “cerâmica dos bororos e zagaias dos gados, o campear dos vaqueiros”.

Regra de causalidade: Os índios nativos do Pantanal foram subjugados, humilhados

e exterminados, embora, no seu contato com o branco tenha deixado formas de

conhecimento culturais.

O intertexto 08 progride semanticamente tanto o texto-base quanto os

intertextos de músicas regionais, mas se opõe ao intertexto 08 ao defender a tese da

presença cultural indígena nas crenças sul-pantaneiras.

Este intertexto traz representado em língua, diferentes valores relativos ao

branco e ao índio nativo:

Page 107: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

106

• Valor positivo atribuído ao índio, representado como colaborador do

branco para facilitar a sua penetração na região e respeitador da

natureza, convivendo em paz com ela.

• Valor negativo atribuído ao índio, representado pela quebra de vínculos

com a natureza, após ser subjugado pelo branco pois “perdendo suas

liberdades, seus valores, entregaram-se à cachaça, à fome ao

extermínio das balas.

O intertexto 08 traz representado em língua, valores atribuídos aos

colonizadores brancos:

• Valor negativo na representação do colonizador como subjugador e

exterminador do povo nativo.

• Valor positivo atribuído ao colonizador por ter a posse das terras

tiradas dos indígenas, de forma a representá-los como frágeis e fracos,

na medida em que rompem vínculos com o seu passado.

Os resultados obtidos apresentados, nesse capítulo, relativos às análises

realizadas com o texto-base, seus intertextos e interdiscursos indicam que, embora

os Kadiwéus fossem considerados os antigos donos da terra sul-pantaneira e

compreendessem diferentes tribos indígenas (Intertexto 01 – “Nhandevá, e Kaiowá,

Tupis, Terenas, Guatás, Guaicurus e Paiaguás”), as tribos Guarani, Guaicurus e

Paiaguá recebem realce especial.

Page 108: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

107

Os Guaranis, de índole dócil e com similitude de concepção familiar com

os europeus, facilmente foram dominados por eles e tornaram-se seus

colaboradores, permitindo a posse das terras pelo invasor português e espanhol.

Os Guaicurus e Paiaguás de índole guerreira lutaram ferozmente com o

invasor branco e por isso, foram responsáveis por garantir as fronteiras políticas de

Mato Grosso do Sul. Todavia, com o domínio feroz do invasor branco,

progressivamente os guaicurus aliaram-se aos portugueses brasileiros e os

Paiaguás aos espanhóis.

Do contato indígena com o branco invasor resultou o extermínio ou a

redução indígena enquanto etnia. Todavia, esse contato foi extremamente

importante para a construção de novas formas de conhecimento para o invasor

branco ao se deparar com o desconhecido Pantanal.

Dessa forma a questão Quem expulsou o índio? poderia ter a seguinte

resposta:

Os Guaranis foram expulsos para o Paraguai, os Guaicurus e Paiaguás

foram reduzidos ou exterminados. Os responsáveis pela expulsão da etnia indígena

das terras pantaneiras foram os colonizadores europeus: espanhóis e portugueses;

porém as suas raízes culturais permanecem de forma extra-grupal nos diferentes

grupos sociais sul-pantaneiros.

Só foram expulsos os índios que não mantiveram contato pacífico com os

invasores, porque aqueles que o fizeram, permaneceram no território escravizados,

obedientes e aculturados; aqueles que não aceitaram a escravidão foram mortos,

exterminados.

Os índios que mantiveram contato pacífico com os dominadores legam a

eles suas tradições culturais relativas ao Ir e Vir por terra e por água e que estão

Page 109: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

108

presentes no boiadeiro e no canoeiro sul-pantaneiro, além de hábitos de sua vida

cotidiana.

No movimento do Ir e Vir, “quem foi”, “foi para ficar”. Após a porteira da

fazenda, o Ir e Vir é o deslocamento do peão pantaneiro nos seus fazeres relativos à

lida pantaneira.

Os resultados obtidos indicam, também, que os interdiscursos das

Ciências Sociais e o discurso musical regional apresentam formas diversificadas

para tratar do mesmo tema: a presença indígena no atual pantanal sul-mato-

grossense.

As diferenças são constatadas pelos valores atribuídos aos mesmos

elementos:

• Nas letras musicais, de forma geral, os nativos indígenas são

representados com valores positivos embora subjugados pelo

colonizador branco.

• Nos interdiscursos das Ciências Sociais, os nativos indígenas são

representados com valores negativos por terem sido subjugados e

exterminados por alianças, por quebra de pacto com a natureza, pela

assimilação descontrolada de hábitos, como o álcool e pelo infanticídio.

• A contribuição para a cultura do homem sul-pantaneiro manifesta-se na

dança, na culinária, nas crenças, nos hábitos cotidianos, e nas demais

expressões culturais do folclore pantaneiro.

Page 110: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

109

CAPÍTULO IV

QUEM LUTOU COM O PARAGUAI?

Este capítulo tem como ponto de partida o texto-base, Quanta Gente de

Zé Du e busca por meio de intertextos e interdiscursos responder à questão: “Quem

lutou com o Paraguai”?

4.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA

A resposta buscada para a questão que intitula este capítulo decorre do

segmento do texto-base “Quem lutou com o Paraguai?” Os resultados das análises

do texto-base estão no item 3.1 do capítulo III.

4.2 INTERTEXTO: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS

Este item apresenta um conjunto de intertextos que foram selecionados

entre as letras de músicas regionais pesquisadas. Ao se segmentar o texto-base a

partir da expressão “Sonhos Guaranys” inserem-se os seguintes intertextos:

4.2.1 Intertexto 09 - Sonhos Guaranys (Almir Sater e Paulo Simões)

Mato Grosso encerra

Em sua própria terra

Sonhos Guaranys

Por campos e serras

Page 111: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

110

A história enterra

Uma só raiz

Que aflora nas emoções

E o tempo faz cicatriz

Em mil canções

Lembrando o que não se diz

Mato Grosso espera

Esquecer quisera

O som dos fuzis

Se não fosse a guerra

Quem sabe hoje era

Um outro país

Amante das tradições

De quem me fiz aprendiz

Por mil paixões

Sabendo morrer feliz

Cego e o coração que trai

Aquela voz primeira

Que de dentro sai

E às vezes me deixa assim

Ao revelar que eu vim

Da fronteira onde o Brasil

Foi Paraguai

O intertexto 09 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-

mato-grossense focalizando a Guerra do Paraguai. O texto está organizado pelo

seguinte enunciado narrativo.

Page 112: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

111

Estrutura textual narrativa

Situação Inicial: Um único território acalentado por sonhos guaranys: “da fronteira

onde o Brasil foi Paraguai”.

Fazer Transformador: Guerra do Brasil com o Paraguai de forma a tomar posse de

terras.

Situação Final: A terra Guarany dividida pela fronteira Brasil e Paraguai: “o tempo faz

cicatriz em mil canções, lembrando o que não se diz.”.

O intertexto 09 assim como o intertexto 01, são letras musicais

construídas pela intenção de seus autores de resgatar, da memória social, as

tradições culturais que caracterizam o Mato Grosso do Sul, na medida em que elas

foram esquecidas ou desconhecidas pelas pessoas que atualmente habitam esta

região.

Os autores representam em língua valores positivos ao território dos

guaranis, os valores negativos são representados pela guerra e pela divisão das

terras guaranis pela fronteira política Brasil e Paraguai sintetizados como:

• Mato Grosso encerra.

• Mato Grosso espera.

A seqüência dos verbos progride a narrativa da Guerra do Paraguai e seu

efeito para as cognições sociais sul-mato-grossenses.

A seqüência “Mato Grosso encerra”, tem por objeto o fato histórico

acontecido que no texto, progride semanticamente, com os segmentos: “a história

enterra”; “uma só raiz que aflora nas emoções”; “o tempo faz cicatriz em mil

canções.”.

Page 113: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

112

Essa seqüência de segmentos está sintetizada em: “lembrando o que não

se diz”, através da metáfora “enterra”, e da metonímia “cicatriz”.

Dessa forma “Mato Grosso encerra”, representa em língua, as lembranças

do povo sul-mato-grossense, relativas às suas raízes históricas e que estão

intertextualizadas com as palavras: “Chaco – Guaicurus – Paiaguás”, no intertexto

07, e com “as margens dos rios desde o Paraná até o Miranda, e “do Paraguai até o

Apa”, os Guaranys, no intertexto 06.

Os autores também representam em língua o segmento “lembrando o que

não se diz”, para por intermédio dos textos musicais se referirem aos antepassados

indígenas: Guaicurus e Paiaguás = ferozes guerreiros e Guaranis = índole dócil.

A seqüência “Mato Grosso espera”, representa as formas culturais de

conhecimento que guiam, como raízes históricas do passado, a construção de novas

significações em cada contemporaneidade.

O que “Mato Grosso espera” é esquecer que já foi Paraguai, porém não

pode esquecer porque é aí que se encontram suas raízes históricas, logo “Mato

Grosso encerra” x “Mato Grosso espera” propicia o diálogo entre cultura x ideologia.

A ideologia do ibero controla a definição vocabular da designação “bugre”

<.índio selvagem como: índio selvagem do Brasil>; <nome que se dá, com sentido

depreciativo, aos indígenas ferozes e não civilizados; (fig) homem selvagem,

grosseiro (do fr bougre)>, conforme o Dicionário Brasileiro (1996).

As definições contidas nas predicações vocabulares da designação

“bugre” representam a ideologia do conquistador para caracterizar o conquistado.

Todavia, nas raízes históricas do povo sul-mato-grossense, a expressão

“bugre” traz a representação cultural com valor positivo, pois simboliza o nativo da

Page 114: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

113

terra, heróico, defensor de seus direitos e de sua terra que foi violenta e cruelmente

invadida.

O intertexto 09 representa em língua a opinião dos autores a respeito da

atual fronteira Brasil e Paraguai: “Mato Grosso espera esquecer quisera o som dos

fuzis, se não fosse a guerra quem sabe hoje era um outro país”.

Nesse sentido, explicita-se culturalmente “velho bugre” do intertexto 03,

que incorpora novas significações < depositário de coragem e sabedoria>.

Na medida em que o ibero torna-se conquistador do “velho bugre”, este o

conquista culturalmente. E, dessa forma, é possível de se explicitarem significados

culturais para o segmento “velho mouro” do intertexto 02, Capim da Ribanceira.

Conseqüentemente, a opinião explicitada pelos autores do intertexto 09,

tem valor negativo para a divisão territorial política que progride no texto por “cego é

o coração que trai aquela voz primeira” que representa a falta de lembranças dos

ancestrais indígenas.

Os autores representam em língua valores positivos ao território dos

guaranis, já os valores negativos são representados pela guerra e pela divisão das

terras guaranis pela fronteira Brasil e Paraguai, e pelo “não querer ver” suas raízes.

Recursos lingüísticos para a construção textual

O intertexto 09 é construído por:

Metáforas: “Mato Grosso encerra em sua própria terra sonhos guaranys” e “uma só

raiz”. Ambos os segmentos representam metaforicamente a raça indígena que

habitava a terra, atualmente dividida pela fronteira Brasil/Paraguai.

Page 115: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

114

A palavra “sonho” tem similitude com o pensamento dominante dos guaranis que

aspiravam à felicidade e a paz em suas terras, por serem de índole dócil, de fácil

convivência.

Metonímias: A palavra “cego” metonimicamente, constrói no texto, o sentido de:

<quem não pode ver, quem não quer ver> que caracteriza os “fazeres”das pessoas

que atualmente, moram na região.

A palavra “raiz” é uma metonímia utilizada pela similitude com a parte inferior da

planta fixada no solo para nutri-la, de forma a designar as bases da povoação da

terra sul-mato-grossense tanto do lado do Brasil quanto do lado do Paraguai.

Este intertexto retoma a palavra Paraguai do texto-base, de forma a

apresentar uma progressão semântica. É interessante inserir, aqui, dados obtidos na

entrevista da pesquisadora com o autor da letra Paulo Simões.

• O momento vivido pelos autores, ao criarem o referido intertexto, é

relativo à visita à fazenda do compositor José Boaventura. A ocasião

proporcionou tanto a leitura atenta da obra “Genocídio Americano” de

Júlio Chiavenatto que traz uma marca opinativa do autor sobre a

Guerra do Paraguai quanto a discussão sobre o episódio conhecido

como Guerra das Malvinas, conflito envolvendo o nosso país vizinho

Argentina e a Inglaterra pela posse das ilhas.

• O momento da criação: obra e episódio foram decisivos para a

construção da opinião textual do autor da letra, que representa com

valor negativo o genocídio indígena na América do Sul, dividindo-a em

fronteiras, dependendo da guerra para a posse de terras, ainda que

houvesse uma cultura unitária guarany além dessas fronteiras.

Page 116: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

115

Enquanto forma de conhecimento, o intertexto deixa implícito o

sentimento de reflexão crítica e a necessidade de esquecimento dos fatos que

marcaram a Guerra do Paraguai, a demarcação de terras em nosso Estado e a

consciência da própria origem do povo mato-grossense e sul-mato-grossense.

No entanto, é importante inserir algumas considerações sobre as raízes

históricas do Estado, para que se possam estudar os implícitos culturais de Mato

Grosso do Sul.

Os versos da música Sonhos Guaranys podem ser relacionadas às

considerações da pesquisadora Sá Rosa em sua obra Memória da Cultura e da

Educação em Mato Grosso do Sul (1990, p.53), quando afirma que:

A história de Mato Grosso do Sul estreita semelhanças com a de nosso País. Habitado no século XVI por dezenas de tribos indígenas, vê seu território ser invadido por estrangeiros de diferentes raças e nacionalidades, que aqui buscam a riqueza fácil, não hesitando em aprisionar, escravizar e dizimar os índios.

Sendo assim, poder-se-ia visualizar:

Quadro 6 Valoração cultural

Valor Positivo Valor Negativo • Traz as marcas culturais da miscigenação ocorrida no processo de formação e colonização do povo. • Provoca lembranças e emoções no reconhecimento da própria origem.

• Traz as marcas da violência em busca da posse de terra e do espaço geográfico conquistado e que envolveu guerra, luta, morte, dizimação de índios.

Quadro 7 Mato Grosso é, portanto, representado:

Terra • Campos, serras, país, fronteira, Brasil, Paraguai.

Homem • Aprendiz, “vim da fronteira”. História • “raiz, som dos fuzis, guerra,” tradições.

Page 117: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

116

Essas representações em língua referem-se ao percurso daqueles que

fizeram a História, no movimento do “Ir e Vir”, que representa o Estado do Mato

Grosso do Sul.

O intertexto 09 progride semanticamente o texto-base. Todavia, faz-se

necessário buscar outros intertextos para responder à questão: “Quem lutou com o

Paraguai”?

4.3 INTERTEXTOS DOS INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

4. 3.1 O Interdiscurso 01: O Discurso da História

A questão da Guerra do Paraguai é tratada de forma diversificada, por

estudiosos das Ciências Sociais.

Foram selecionados quatro intertextos do discurso da História na busca

de se responder à questão do texto-base analisado: “Quem lutou no Paraguai” ?

O número de intertextos selecionados, neste item, é maior, pois há

oposição de visões teóricas para a representação dessa guerra, de forma, a opor

documentos oficiais, (visão revisionista da Guerra do Paraguai) do historiador com

outros documentos, objeto dos historiógrafos (visão neo-revisionista da Guerra do

Paraguai).

A visão revisionista é relativa à teoria conspiratória inglesa e a neo-

revisionista à teoria de disputas regionais de poder.

Intertextos 10 e 14 – PEREIRA, PATRÍCIA. Briga entre Hermanos. Conspirações,

Outras Versões e Revisionismos. Editora Abril, maio 2005, p. 41.

Page 118: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

117

Intertexto 11 e 15 – SQUINELO, ANA PAULA. A Guerra do Paraguai..essa

desconhecida: ensino, memória e história de um conflito secular. Campo Grande:

UCDB, p.19-20,128.

Intertexto 12 e 16 – PINTO, JÚLIO PIMENTEL. Brasil X Argentina: Quase um jogo

de compadres. Revista História Viva. Editoras Segmento e Ediouro. Junho 2006.

p.84 – 87.

Intertexto 13 – CARVALHO, JOSÉ MURILO & SOARES, PEDRO PAULO. Guerra

superou a Independência e a República como fator de construção da identidade

nacional.

http:www.militar.com.br/artigos/artigos2000/guilhaume/histguerraparaguai.ht

acessado em 24/07/2004.

4.3.1.1 O intertexto 10

Segundo Patrícia Pereira, em seu artigo: Briga entre Hermanos, a versão

sobre o conflito disseminado pelos livros didáticos é que o Brasil, a Argentina e o

Uruguai foram usados em uma guerra disseminada pela Inglaterra para arruinar o

Paraguai.

[..] A Guerra do Paraguai se estendeu por mais de cinco anos, de

dezembro de 1864 a março de 1870. Logo que ela terminou surgiram

relatos sobre as batalhas e seus heróis, mas as causas históricas

que motivaram o conflito foram relegadas ao segundo plano. Isso

porque ninguém questionava o fato de o presidente paraguaio

Solano López ter sido um ditador sanguinário e megalomaníaco que

conduziu seu país a guerra sem chances de vitória. Odiado por

todos, López era visto como o grande causador do conflito.

Page 119: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

118

[...] Mas foi no final da década de 1960 que a teoria conspiratória

inglesa ganhou força. Intelectuais nacionalistas e de esquerda, com

inspiração marxista, criaram a imagem de López como líder

antiimperialista. O Paraguai era apresentado por esses estudiosos

como uma república autônoma, um país que havia conseguido o

equilíbrio social e o desenvolvimento econômico. Tal condição

representaria uma ameaça para a Inglaterra que perderia uma fonte

de matéria-prima no exterior e um comprador de seus produtos

industriais. Assim, os ingleses teriam manipulado o Brasil e a

Argentina para que destruíssem o Paraguai. (p.38-39)

O intertexto 10 é organizado pelo seguinte enunciado narrativo:

Estrutura textual narrativa

Situação Inicial: Brasil e seus vizinhos Argentina, Uruguai e Paraguai.

Fazer Transformador: Conspiração inglesa manipulando os países fronteiriços da

América do Sul.

Situação Final: Guerra do Paraguai.

Logo, a versão tradicional é guiada ideologicamente, por interesses do governo

brasileiro, de forma a se eximir como responsável pelo conflito.

4.3.1.2.Intertexto 11

Ao romper a década do século XIX, a Bacia Platina foi tomada por uma série

de acontecimentos, dentre os quais destaco os seguintes: o vencimento da

moratória fronteiriça entre Brasil e Paraguai e também com a Argentina,

sendo que nenhuma das pendências havia sido resolvida, e a morte de

Page 120: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

119

Carlos Antonio López, que foi substituído por seu filho Francisco Solano

López, o qual contava na época 36 anos de idade e prometia dar

continuidade à política do pai. Entre os anos de 1862 e 1865, as contradições,

os problemas existentes há décadas no Prata, afloraram, ocasionando a

Guerra do Paraguai.

Em apoio a Venâncio Flores, em 12 de setembro de 1864, o Brasil invadiu o

Uruguai, sendo que o Paraguai já havia alertado a Argentina sobre a

necessidade de preservação da independência uruguaia. Essa intervenção

brasileira foi vista, pelos paraguaios, como uma agressão e um ato de guerra.

Em represália, o Paraguai aprisionou, em Assunção, o navio brasileiro

Marquês de Olinda, que transportava o novo governador da província de Mato

Grosso, e no mês seguinte invadiu Mato Grosso, o que representou uma

declaração de guerra. Na intenção de bloquear o Rio Grande do Sul e o

Uruguai, que poderia ser utilizado para uma ofensiva brasileira, o Paraguai

fez um pedido a Mitre para cruzar o território argentino, o que lhe foi negado.

O governante paraguaio optou, então, pela invasão de Corrientes em abril de

1864, como estratégia para a ocupação do Rio Grande do Sul, que se

efetivou em maio de 1865.

Em resposta às atitudes de Solano López, em 1º de maio de 1865, Brasil,

Argentina e Uruguai assinaram o Tratado da Tríplice Aliança, que tinha como

objetivo legitimar a Guerra com o Paraguai e, assim, submetê-lo ao sistema

político dominante no Prata. Os aliados planejavam a derrubada de Solano

López e a livre navegação dos rios da bacia do Prata. Sonhavam ainda,

anexar aos seus territórios as terras litigiosas.

A maior parte do solo brasileiro não se constituiu em palco de guerra.

Somente duas províncias vivenciaram episódios belicosos, isto é, o Rio

Grande do Sul e o sul de Mato Grosso; nesta última ocorreu o episódio da

Page 121: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

120

Retirada da Laguna (maio / junho.1867), que retratou o fracasso da expedição

brasileira organizada para deter o avanço paraguaio.

O Paraguai ocupou a região litigiosa do sul de Mato Grosso em duas frentes

de batalha: por via fluvial, enviando aproximadamente 3.200 homens, e por

via terrestre, armando cerca de 3.500 combatentes. A partir da derrota da

célebre batalha de Riachuelo, o Paraguai ficou isolado e incapacitado de

receber armas e qualquer auxílio do exterior. Por outro lado, a vitória

brasileira permitiu que as forças aliadas levassem a Guerra para o interior do

país, nas proximidades de Assunção. Os aliados cruzaram o rio Paraná em

abril de 1866, iniciando, assim, a invasão do território inimigo.

A partir desse momento, o rio Paraguai tornou-se palco de uma seqüência de

batalhas entre duas forças: Passo da Pátria, Tuiuti, Humaitá e a Dezembrada

que caracterizou a ofensiva final dos aliados, numa série de vitórias

consecutivas nas batalhas de Itororó, Avaí, Lomas Valentinas, Angostura e

Peribebuí. Esses episódios são analisados por inúmeros autores, dentre os

quais destaco Silva.

Solano López conseguiu escapar do cerco em Lomas Valentinas, refugiando-

se na direção da cordilheira situada a leste de Assunção, cidade já ocupada

pelo então comandante das tropas brasileiras, Marques de Caxias, que

considerou a Guerra concluída e retornou ao Brasil.

O conflito findou com o cerco a Cerro Cora, onde Solano López foi morto

pelas tropas brasileiras. O trágico destino do líder paraguaio permitiu que a

discussão da livre navegação no rio Paraguai fosse dirigida pelos países

vencedores, particularmente Brasil e Argentina.

Os acordos de paz que se configuraram após a Guerra consolidaram os

anseios dos grandes leões platinos.

O Tratado de Paz e Amizade Perpétua e de Limites imposto ao Paraguai pelo

Brasil e assinado em 09/01/1872 garantiu a esse último, posse do território

Page 122: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

121

entre os rios Apa e Branco, no atual Mato Grosso do Sul, conforme

reivindicação anterior ao conflito.

Outro tratado assinado em fevereiro de 1876, cedeu os territórios litigiosos

das Missiones, entre os rios Bermejo e Pilcomayo, à Argentina.

O intertexto 11 progride o texto-base e o intertexto 09 Sonhos Guaranys e

opõe-se ao intertexto 10, na medida em que nega a teoria conspiratória inglesa e

defende a tese do interesse regional brasileiro de apoderar-se de terras e ter o

domínio regional.

O tratado de paz e a amizade perpétua impostos pelo Paraguai ao Brasil,

garantiram a esse ultimo posse do território entre os rios Apa e Branco no atual Mato

Grosso do Sul, conforme reivindicação anterior ao conflito.

O intertexto 11 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-

mato-grossense focalizando a Guerra do Paraguai. O texto está organizado pelos

seguintes enunciados narrativos:

Estrutura textual narrativa

Enunciado narrativo 01

Situação Inicial: Interesses de domínio regional pelo Brasil.

Fazer Transformador: Fazeres brasileiros que ocasionam a Guerra do Paraguai.

Situação Final: Interesses brasileiros satisfeitos.

Enunciado narrativo 02

Situação Inicial: Interesses de domínio regional pela Argentina.

Fazer Transformador: Fazeres argentinos que ocasionam a Guerra do Paraguai.

Situação Final: Interesses argentinos satisfeitos quando recebe os territórios das

Missiones entre os Rios Bermejo e Piocomayo.

Page 123: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

122

Em síntese, este intertexto defende a tese de que a Guerra do Paraguai foi causada

por interesses regionais da Argentina e do Brasil: “os anseios dos grandes leões

platinos”, de forma a se opor à tese da conspiração inglesa.

4.3.1.3 Intertexto 12

E que interesses eram esses? O Brasil não esperava uma guerra contra o

Paraguai, mas, depois de iniciada, apostou que o conflito poderia colocar fim

aos problemas de fronteira entre os dois países e às ameaças por parte do

Paraguai de impedir a livre navegação pelo rio que dava acesso ao Mato

Grosso. Também vislumbrou na guerra uma chance de conter a influência da

Argentina sobre o Paraguai. Na época, os estados nacionais ainda estavam

se formando e o Brasil temia que Buenos Aires incorporasse o território

paraguaio e formasse uma república grande e forte na região, nacionalizando

os rios platinos e criando obstáculos à navegação.

Para a Argentina, a guerra era a chance de consolidar o Estado centralizado,

derrotando o apoio externo dado por Solano López à ala federalista, contrária

à unificação argentina. O país tinha interesses no território do Chaco, até

então de soberania paraguaia.

O próprio Paraguai tinha seus propósitos. López via a chance de fazer de seu

pais uma potência, e de ter acesso pelo porto de Montevidéu (o Paraguai)

havia se aliado à oposição –os blancos- no Uruguai).

Já o Uruguai, que vivia um conflito civil com blancos e colorados, na disputa

pelo poder, era um país dividido e sem autonomia. Ele tinha no apoio militar

paraguaio dado aos blancos contra argentinos e brasileiros uma chance de

impedir que esses dois países continuassem a intervir em sua política. E foi

exatamente desse apoio que começou a guerra: tropas brasileiras, com aval

Page 124: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

123

argentino, entraram no Uruguai para realizar uma intervenção. O Paraguai

reagiu invadindo o Mato Grosso e Corrientes na Argentina, atos que levaram

à formação da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) para enfrentar

Lopez.

O intertexto 12 progride o texto-base e o intertexto 09 e opõe-se também,

ao intertexto 10 na medida em que a nega e defende a tese do interesse regional

brasileiro de apoderar-se de terras e ter o domínio territorial.

O intertexto 12 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-

mato-grossense focalizando a Paraguai.

O texto está organizado pelos seguintes enunciados narrativos:

Estrutura textual narrativa

Enunciado narrativo 01

Situação Inicial: Conflitos na região fronteiriça e impedimento para a livre navegação

brasileira.

Fazer Transformador: Conjunto de fazeres ancorados nos interesses brasileiros.

Situação Final: A invasão do Brasil ao Uruguai com o aval argentino e a

conseqüente invasão paraguaia às terras sul-mato-grossenses, causando a Guerra

Brasil e Paraguai.

Enunciado narrativo 02

Situação Inicial: A Argentina em busca de unificação territorial ampla.

Fazer Transformador: Conjunto de fazeres argentinos ancorados em suas intenções

de definição ampla territorial para poder enfrentar o amplo território brasileiro

unificado.

Situação Final: Argentina forma com o Uruguai e o Brasil a Tríplice Aliança.

Page 125: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

124

Enunciado narrativo 03

Situação Inicial: O Paraguai em busca de seus próprios interesses na guerra.

Fazer Transformador: Conjunto de fazeres paraguaios ancorados em querer

transformar seu país em potência e ter acesso ao mar por Montevidéu.

Situação Final: Reação paraguaia à invasão brasileira ao Uruguai, com a invasão do

Mato Grosso.

Este intertexto representa a Tríplice Aliança e a invasão de Solano Lopez

com valor negativo, no entanto, deixa implícito o valor positivo para a unidade

regional.

Em síntese, ao propor e defender a Guerra do Paraguai como luta de

interesses regionais para domínio da Argentina, do Brasil e o próprio Paraguai, o

intertexto 12 rejeita a tese do revisionismo histórico a favor da conspiração inglesa.

4.3.1.4 Intertexto 13

A Guerra do Paraguai foi o fator mais importante na construção da identidade

brasileira no século passado. Superou até mesmo as proclamações da

Independência e da República.

A Independência provocou forte mobilização em apenas alguns pontos do

país, Rio de Janeiro, Bahia, Pará. As grandes lutas internas, desde a

Confederação do Equador até as da Regência, foram localizadas e muitas

vezes separatistas. A idéia e o sentimento de Brasil, até a metade do século,

eram limitados a pequena parcela da população. A proclamação da

República, por sua vez, foi o que se sabe. Em contraste, a guerra pôs em

risco a vida de milhares de combatentes, produziu um inimigo concreto e

mobilizou sentimentos poderosos. Indiretamente, afetou a vida de boa parte

Page 126: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

125

dos brasileiros, homens e mulheres, e todas as classes, e em todas as partes

do país.

[..] A força de terra que lutou no Paraguai compunha-se de 135 mil soldados,

dos quais 59 mil pertenciam à Guarda Nacional e 55 mil aos corpos de

voluntários. Pela primeira vez, brasileiros de todos os quadrantes do país se

encontravam, se conheciam, lutavam juntos pela mesma causa. E muitos não

o faziam por coerção. A preocupação em denunciar a coerção tem

predominado nos estudos sobre os voluntários. Mas é preciso distinguir os

vários momentos da guerra.

[..] Sem dúvida, à medida que o conflito se prolongava, reduzia-se o

entusiasmo e surgiam resistências, aumentando, em conseqüência, o

recrutamento forçado. Mas, no momento inicial, houve entusiástica e

surpreendente resposta ao apelo do governo. Corpos de voluntários

formaram-se em todo o país. Descrições da partida desses voluntários

indicam tudo menos coerção. Em Pitangui, interior de Minas, 52 voluntários

despediram-se em meio a celebrações religiosas e cívicas a que não faltaram

os discursos patrióticos, a execução do Hino Nacional e a entrega solene da

bandeira ao primeiro voluntário, feita por uma jovem vestida de índia. Na

corte, que forneceu quatro corpos de voluntários, as despedidas, sempre

acompanhadas do toque do hino e a exibição da bandeira, contavam ainda

com a presença do imperador.

[..] Alguns exemplos de voluntários são paradigmáticos. No interior da Bahia,

um negro livre, Cândido da Fonseca Galvão, dizendo-se inspirado pelo

sacrossanto amor do patriotismo, reuniu 30 voluntários e se apresentou para

defender a honra da pátria tão vilmente difamada. Feito alferes honorário do

exército, cuja farda usava com orgulho, Galvão viveu o pós-guerra no Rio de

Janeiro, dizendo-se Príncipe Obá 2º d'África, segundo nos conta Eduardo

Silva.

Page 127: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

126

Em Teresina, a cearense Jovita Alves Feitosa, de 18 anos, cortou o cabelo,

vestiu roupa de homem e se apresentou como voluntário da pátria para bater-

se contra os monstros paraguaios que tantas ofensas tinham feito a suas

irmãs do Mato Grosso.

[..] Descoberta sua identidade, foi mesmo assim aceita como voluntária no

posto de sargento. Nas capitais provinciais em que aportou o navio que a

trouxe ao Rio de Janeiro, foi cercada de homenagens oficiais e populares.

A retórica patriótica a transformou em heroína, Joana d'Arc nacional. Um

negro pobre e uma mulher pobre, de descendência indígena, representantes

dos mais baixos escalões da sociedade, queriam lutar por uma abstração que

era a pátria. Algo de novo nascia no mundo dos valores cívicos.

[..] A poesia popular e erudita, a música, popular e erudita, e os cartuns,

atestam o esforço de mobilização e o êxito alcançado. As revistas ilustradas

da corte, embora freqüentemente críticas do governo, dos partidos e dos

políticos, contêm farta produção de símbolos destinados a construir o

sentimento de identidade. O Brasil aparece com freqüência, representado por

um índio, unindo as províncias acima dos partidos e do governo. Alguns

episódios são dramatizados, como o de dona Bárbara, a mãe espartana de

Minas Gerais. Um cartum de H. Fleiuss, da Semana Ilustrada, a representou

entregando ao filho um escudo gravado com as armas nacionais. A exemplo

das mães espartanas, dona Bárbara adverte o filho de que deve voltar da

guerra com o escudo ou sobre ele. O texto que encima o quadro é o verso do

Hino da Independência: "Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil". Pela

primeira vez, o verso de 1822 deixava de ser retórica e se tornava

potencialmente trágico.

[..] A imprensa contribuiu também para construir a imagem do inimigo, fator

crucial para a construção da própria identidade. A tarefa era fácil porque a

presença do inimigo era convincente. Outros inimigos, como o português e o

Page 128: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

127

inglês, prestavam-se menos à tarefa. O primeiro era parte de nós mesmos, o

segundo aparecia esporadicamente, como na Questão Christie. López, ao

contrário, invadira o país, matara centenas de brasileiros e comandava

milhares de soldados leais até o fanatismo. Foi apresentado pelo governo,

imprensa e intelectuais como ditador, cruel opressor de seu povo, símbolo da

barbárie e da selvageria.

Angelo Agostini o representou em 1869, na "Vida Fluminense", como o Nero

do século 19, de pé sobre uma montanha de ossos de paraguaios. A ele se

opunha a civilização brasileira, marcada pela liberdade política e pelo sistema

constitucional e representativo de governo. Até o discreto Machado de Assis

mostrou-se escancaradamente patriótico: a guerra era pela pátria, pela

justiça, pela civilização.

Do lado paraguaio, naturalmente, houve esforço idêntico de despertar o

sentimento patriótico. Também lá se tentou criar imagem negativa do inimigo.

O jornal de campanha, o Cabichuí, representava os brasileiros como

macacos, referência racista à grande presença de negros entre as tropas

imperiais. Caxias era "El Macaco-Jefe", o imperador, "El Macacón". Até hoje

perdura, mesmo entre nossos antigos aliados argentinos, o estereótipo do

brasileiro como macaco.

É inegável a força da guerra como elemento de formação da identidade

brasileira (e paraguaia). Mas é de lamentar que, além dos milhares de mortos,

o processo tenha custado ainda o preço da desumanização do outro. O

inimigo, dos dois lados, deixou de ser gente: era monstro ou animal.

O intertexto 13 expande semanticamente o intertexto 09 Sonhos

Guaranys ao abordar a Guerra do Paraguai.

Page 129: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

128

Esse intertexto é organizado pelo esquema textual opinativo e defende

uma tese justificada por um conjunto de argumentos:

Estrutura textual opinativa

Tese 1: A Guerra do Paraguai foi o fator mais importante de construção de

identidade brasileira

Justificativa: Argumentos de probabilidade:

Argumento 1: A Independência provocou forte mobilização em apenas alguns pontos

do país, ou seja, idéias e sentimentos limitados à pequena parcela da população: “A

Independência provocou forte mobilização em apenas alguns pontos do país, Rio de

Janeiro, Bahia, Pará”.

Argumento 2: O grande número de combatentes negros.

Argumento 3: Produziu um inimigo concreto (Solano Lopez-Paraguai).

Argumento 4: Os combatentes vieram de todos os lugares do país.

Regra de causalidade: Mobilização pelo espírito nacional brasileiro + voluntários

combatentes.

Tese 2: Os combatentes brasileiros serviram de exemplos de heroísmo .

Justificativa: Argumentos de reforço:

Argumento 1: A adesão de um negro livre Cândido da Fonseca Galvão do Rio de

Janeiro que arregimenta de 30 voluntários dispostos a lutar pela honra da pátria.

Argumento 2: A adesão de uma jovem cearense, de nome Jovita Alves Feitosa de

18 anos, que para não ser reconhecida veste-se de homem e se apresenta como

voluntário da pátria “para bater-se contra os monstros paraguaios que tantas ofensas

tinham causado a suas irmãs no Mato Grosso”.

Page 130: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

129

Argumento 3: A entrega de um escudo para um filho por uma mãe de Minas gerais

com os seguintes dizeres: "Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil". Pela primeira

vez, o verso de 1822 deixava de ser retórico e se tornava potencialmente trágico.

Argumento 4: Indicam as várias nacionalidades daqueles que combateram

voluntariamente, o Brasil na Guerra do Paraguai.

Regras de causalidade: Houve mobilização nacional e ações voluntárias por causa

da invasão de Solano López no Mato Grosso do Sul e que houve no Brasil, de

acordo com os autores, uma forte mobilização de sentimentos e ações voluntárias

de adesão à Guerra do Paraguai.

Tese 3: A imprensa contribuiu para a construção da imagem negativa do inimigo,

fator crucial para a construção da própria identidade.

Justificativa: Argumento de legitimidade:

Argumento 1: A imprensa noticia que os paraguaios invadiram o país, mataram

centenas de brasileiros e comandavam milhares de soldados leais até o fanatismo”.

Argumento 2: “Solano López foi apresentado pela imprensa e intelectuais como

invasor de terras brasileiras, ditador, cruel opressor de seu povo, símbolo da

barbárie e da selvageria”, devido à invasão.

Argumento 3: “Até o discreto Machado de Assis mostrou-se escancaradamente

patriótico: a guerra era pela pátria, pela justiça, pela civilização”.

Regras de causalidade: A imprensa noticia, de forma a representar com valor

negativo a invasão paraguaia por causa do Poder.

Tese 4: A imprensa paraguaia contribuiu para a construção da imagem negativa do

inimigo brasileiro, de forma a construir a sua mobilização nacional

Justificativa: Argumento de legitimidade:

Page 131: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

130

Argumento 1: O jornal de campanha, o Cabichuí, representava os brasileiros como

macacos, referência racista à grande presença de negros entre as tropas imperiais.

Argumento 2: Caxias era "El Macaco-Jefe", o imperador, "El Macacón".

Regras de causalidade: A imprensa paraguaia noticia as forças brasileiras de forma

negativa e metonimicamente, caracteriza a tropa brasileira pelo combatente negro

que passa a ser designado “macaco”.

Na Guerra do Paraguai, os respectivos inimigos de cada país foram representados

negativamente, pela violência que separou irmãos da mesma terra.

Tese 5: Logo, os respectivos na Guerra do Paraguai, deixaram de ser gentes para

serem animais.

Justificativa: Argumentos de probabilidade:

Argumento 1: Milhares de mortos.

Argumento 2: A desumanização do outro.

Regra da causalidade: A luta feroz travada pelos exércitos inimigos.

A seqüência das teses apresentadas representa de forma geral, o valor

negativo atribuído à mobilização nacional dos países envolvidos na Guerra do

Paraguai. Dessas raízes históricas culturais mantém-se, na contemporaneidade a

designação “macaco” para o brasileiro.

Portanto, o intertexto 13, tem por referente a Guerra do Paraguai

focalizada pela importância atribuída à mobilização nacional brasileira de forma a

construir a identidade nacional brasileira. Dessa forma, minimiza o fato do ser

humano ter se tornado animal como “desumanização do outro”.

Ele expande a expressão lingüística Guerra do Paraguai, presente no

texto-base e no intertexto 09, de forma a apresentar uma oposição entre o papel

ideológico do Poder brasileiro com relação à guerra em oposição à visão cultural (o

Page 132: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

131

sul-mato-grossense é paraguaio em suas tradições, a fronteira é apenas política) do

intertexto 09.

Neste contexto, a Guerra do Paraguai é avaliada positivamente como

fator de identidade nacional e argumentada a partir de provas:

• Por ter conseguido mobilizar mais de 55.000 voluntários de diferentes

regiões brasileiras que lutavam pela mesma causa, diante de um

efetivo total de 135.0000 combatentes.

• Por ter conseguido um espaço de mobilização na imprensa, nos textos

de poetas, músicos, cartunistas.

• Por exemplificar voluntários paradigmáticos em várias regiões

brasileiras que serviram de exemplo de coragem, transformando-se em

verdadeiros heróis.

À guisa de conclusão são apresentados fragmentos dos historiógrafos

neo-revisionistas que buscam contestar a idéia de que houve uma causa motivadora

para a Guerra do Paraguai: a conspiração inglesa.

4.3.1.5 Intertexto 14

“Não existe um documento, de qualquer origem, que mostre a vinculação ou o

interesse do governo inglês em fazer uma guerra contra o Paraguai” afirma o

historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra – Nova História da

Guerra do Paraguai, livro que marca o neo-revisionismo no Brasil e fortalece

a tese de que o conflito foi motivado por interesses regionais. O historiador

encontrou uma carta do representante diplomático britânico em Buenos Aires,

Page 133: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

132

Edward Thornton, dirigida ao governo paraguaio, em dezembro de 1864, na

qual oferecia seus préstimos para evitar uma guerra entre o Paraguai e o

Brasil.

Doratioto rebate ponto a ponto os argumentos dos intelectuais da década

de 60. “É bom lembrar que o império do Brasil estava com relações rompidas com a

Inglaterra e só restabeleceu em outubro de 1865, quando Mato Grosso foi invadido

pelo Paraguai em dezembro de 1864” diz Doratioto, ao contestar a possível intenção

da Inglaterra de apoiar o Brasil na guerra. Doratioto, e toda a corrente neo-

revisionista, afirma que as causas da guerra foram as disputas regionais. “Não há

‘bandidos’ ou ‘mocinhos’, como quer o revisionismo infantil, mas sim interesses”,

escreve em seu livro.

Este intertexto expande semanticamente o intertexto 09 “Sonhos

Guaranys”, ao abordar A Guerra do Paraguai e opõe-se, também, ao intertexto 10,

na medida em que nega a teoria conspiratória inglesa e defende a tese do interesse

regional brasileiro de apoderar-se de terras e ter o domínio regional.

O intertexto 14 é do tipo opinativo e defende uma tese justificada por um

conjunto de argumentos:

Estrutura textual opinativa

Tese 1: O conflito que motivou a Guerra do Paraguai foi levado por interesses

regionais.

Justificativa: Argumentos de probabilidade:

Argumento1: A inexistência de documentos que comprove a tese da conspiração

inglesa na Guerra do Paraguai.

Argumento 2: Carta do representante diplomático com oferecimentos de préstimos

para evitar a guerra entre Brasil e Paraguai.

Page 134: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

133

Argumento 3: O Brasil estava de relações diplomáticas rompidas com a Inglaterra,

restabelecendo-a quando houve a invasão dos paraguaios em Mato Grosso.

Regra de causalidade: A existência de documentos que comprovam a não

vinculação da Inglaterra com a Guerra do Paraguai.

O intertexto 14 progride o intertexto 12 por complementaridade, no que se

refere à negação da teoria conspiratória inglesa na Guerra do Paraguai, no entanto

expande-o pela expressão lingüística “revisionismo infantil” ao comprovar que pela

ausência de documentos, a tese não tem credibilidade.

Logo, o intertexto 14 opõe-se à tese de que a teoria da conspiração

inglesa foi a causa motivadora da guerra do Paraguai ao afirmar que “não há

bandidos ou mocinhos como quer o revisionismo infantil e sim interesses” e é

expandido pelo intertexto 15 que retoma o assunto em questão.

4.3.1.6 Intertexto 15

Realizando um levantamento historiográfico, pude averiguar que, do final do

conflito até os dias atuais, a historiografia acerca da Guerra do Paraguai foi

alvo de manipulações ideológicas, estando, por vezes, exposta ao sabor dos

interesses oficiais.

Três momentos marcaram essa produção historiográfica: o primeiro, que

abrange os livros escritos por protagonistas ou não do conflito, no período

que se estende do final da guerra até a década de 1960, oferecendo uma

visão patriótica do conflito, como, por exemplo, as obras de Fragoso e

Pombo; o segundo, que compreende os estudos divulgados a partir da

década de 1960, que desenvolveram a visão imperialista do litígio, como os

de Pomer e Chiavenatto; e, finalmente, o terceiro, que agrupa obras editadas

Page 135: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

134

a partir da década de 1980, dentre as quais destacam-se os livros de

Doratioto e Sales, inovadores e menos tendenciosos.

[..] Os memorialistas brasileiros, como já assinalei, esforçaram-se por

transformar constantes fracassos militares em vitórias épicas e monumentais.

Os paraguaios, igualmente, redimensionaram suas derrotas, valorizando-as e,

justificando-as. As duas versões foram portadoras de ideologias: as

divulgadas no Brasil procuraram construir e preservar uma memória nacional

vinculada aos desígnios da elite dominante; as paraguaias, por sua vez,

tentaram unificar a nação, sob a égide de diferentes momentos nacionalistas.

Estas últimas ganharam relevo, por exemplo, durante a Guerra do Chaco-

que teve início no ano de 1932 e prolongou-se até 1935- com o intuito de

servir como exemplo de um povo sempre empenhado na defesa da soberania

nacional.

Este intertexto expande semanticamente o intertexto 09 “Sonhos

Guaranys” ao abordar as causas que originaram a Guerra do Paraguai assim como

os intertextos 12 e 13, pois ao apresentar as versões historiográficas sobre tal fato

histórico, afirma que elas foram “alvo de manipulações ideológicas, estando, por

vezes, exposta ao sabor dos interesses oficiais.”

Logo, este intertexto complementa a tese do interior 14, reforçando-a, pois

as versões dos historiadores ao enaltecerem os heróis, procuram manipular

ideologicamente os fatos construindo uma visão de preservação da memória

nacional:

• No Brasil: Vinculada aos desígnios da elite dominante.

Page 136: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

135

• No Paraguai: Vinculada à tentativa de unificar a nação paraguaia, sob a

égide de diferentes momentos nacionalistas.

4.3.1.7 Intertexto 16

[..] O auge das ações militares brasileiras na região, porém, aconteceu na

Guerra do Paraguai (1864-1870). Iniciada pelo empenho bélico paraguaio, a

guerra uniu circunstancialmente o Brasil e Argentina contra Solano López (O

Uruguai, terceiro pólo da Aliança, era à época, fortemente influenciado pelo

Brasil).

É curioso o saldo da guerra para os dois países. A Argentina, ainda que não

estivesse totalmente unificada, foi quem mais se beneficiou. Enquanto o

Brasil consumiu muitos recursos na guerra, precisando inclusive tomar

empréstimos externos, a Argentina teve seu comércio e sua produção quase

intocados pelo conflito, aproveitou as chances de enriquecimento que se

abriam e ainda impulsionou sua unidade por meio da centralização militar e

da oportunidade de reprimir os focos localistas que restavam. Mas a guerra e

seus frutos acenderam também tensões e cuidados entre os dois países.

Domingo Faustino Sarmiento, presidente argentino, achou conveniente o

ocasião para reiterar o velho sonho de unidade platina, que andava em

banho-maria desde 1816. Numa nota, observou ser uma boa hora para tentar

levar adiante a fusão entre Argentina, Paraguai e Uruguai e “criar um Estado

de língua castelhana que responda ao Brasil pelos seus atos”) (citado por

Luiz Alberto Moniz Bandeira, em Conflito e integração na América do Sul,

Revan, 2003).

Do lado de cá da fronteira, também não eram poucas as vozes que

defendiam maior presença brasileira no Prata: influência política e

Page 137: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

136

investimentos na região poderiam compensar perdas da guerra e oferecer

boa ocasião de desenvolvimento nacional.

Estava montado o cenário da rivalidade. Era secundário, no caso, que as

economias pudessem se complementar e tivessem interesse na parceria. O

embate político prevalecia e construía o perfil de uma disputa pela hegemonia

regional.

O intertexto 16 progride o intertexto 15 por complementaridade, no que se

refere aos interesses regionais advindos da Guerra do Paraguai, no entanto ao

abordar a união circunstancial do Brasil e Argentina complementa que “a Argentina,

ainda que não estivesse totalmente unificada, foi quem mais se beneficiou” com

essa guerra.

Ao afirmar que a Argentina foi o país que mais se beneficiou com a

Guerra do Paraguai, o autor dimensiona o fato com uma representação ideológica

brasileira que atribui valor negativo aos ganhos argentinos e às perdas brasileiras.

Em síntese, os textos do Discurso da História buscam representar,

ideologicamente, por progressões de complementaridade ou oposições, a luta com o

Paraguai da seguinte forma:

• Historiadores: Quem lutou com o Paraguai foram heróis brasileiros, que

mobilizados por um sentimento patriótico, defenderam a nação

brasileira contra a conspiração inglesa que originou a invasão de

territórios brasileiros por Solano López.

• Historiógrafos: Quem lutou com o Paraguai foram milhares de

brasileiros recrutados para defender os interesses da Coroa no Brasil.

Page 138: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

137

4.3.2. O Discurso da Etnografia

Foi selecionado o seguinte intertexto do discurso da Etnografia que

possibilita responder à questão do texto-base analisado: Quem lutou com o

Paraguai?

Intertexto 17 – PROENÇA, AUGUSTO CÉSAR. Pantanal: gente, tradição e História.

Campo Grande, MS: Ed.UFMS, 1997, p.83-85.

4.3.2.1 Intertexto 17

A 27 de dezembro de 1864, os paraguaios tomam o Forte de Coimbra e

seguem para atacar Corumbá. O Forte de Coimbra estava sob o comando do

Tenente Coronel Hermenegildo de Albuquerque Portocarrero e, em Corumbá,

se encontrava o Comandante das Armas da Província, Coronel Carlos

Augusto de Oliveira. Ambos não deram à História nenhuma prova de bravura

ou heroísmo. O Comandante de Armas, por exemplo, ao saber que o forte

havia sido tomado pelos inimigos, sob o comando do Coronel paraguaio

Vicente Barrios, ordenou que todos os moradores saíssem da Vila e ele e

seus comandados partiram para Cuiabá, abandonando Corumbá à sua

própria sorte. O invasor, então, sem encontrar resistência, ocupou facilmente

a Vila, encontrando apenas alguns estrangeiros que permaneceram certos de

que não seriam aprisionados. O restante da população evadiu-se com bem

podia, embrenhando-se pelos matos das periferias ou por água, sendo

aprisionados mais tarde. “Em conseqüência da lamentável queda de Coimbra

e da infortunada ocupação de Corumbá, os paraguaios por quase três anos

ficaram senhores absolutos da navegação fluvial e com o domínio completo

do território ao Sul da Província, do São Lourenço ao Apa, em condições de

Page 139: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

138

ameaçar Cuiabá. Talharam os campos, roubaram o gado, destruíram

fortificações, devastaram os povoados e maltrataram a população. Se não

mais fizeram foi em decorrência da derrota final de seus exércitos em

Humaitá, Lomas Valentinas e Cerro Cora” (Lécio Gomes de Souza, História

de Corumbá, p. 60).

A fronteira Sul foi toda ela arrasada. A Fazenda das Piraputangas invadida e

saqueada. A Fazenda Firme teve o seu gado apreendido pelo vapor Japorá,

que o transportou para Assunção em várias viagens, e assim abasteceu o

contingente militar paraguaio. As plantações foram dizimadas. As fazendas

desorganizaram-se. A economia da região, já enfraquecida, sofreu violento

abalo. O centro comercial de Corumbá, que vinha florescendo paulatinamente

antes da guerra, foi desfalcado. O comerciante mais próspero da Vila, Manoel

Cavassa teve a sua casa comercial do porto totalmente destruída. A

Alfândega e a Mesa de Rendas ficaram paralisadas com a interrupção da

navegação fluvial. Tudo era abandono e desolação na Vila de Corumbá. As

fazendas também foram abandonadas pelos seus proprietários.

A referência textual é a Guerra do Paraguai e a focalização é dada na

ausência de heroísmo por ambas as partes, na medida em que a ação devastadora

do Paraguai não representa prova de bravura e a ação de fuga dos brasileiros é

prova de covardia.

Em outros termos, os acontecimentos históricos referentes à Guerra do

Paraguai são representados pelo autor, de forma avaliativa negativa, no que tange

aos envolvidos na Guerra: brasileiros e paraguaios, pois:

• Com relação aos brasileiros, ao avaliá-los de forma negativa, o autor

implicita a ausência do espírito de coragem, bravura e responsabilidade

Page 140: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

139

dos comandantes à frente das tropas brasileiras que ordenam a saída

dos moradores e abandonam Corumbá à sua própria sorte.

• Com relação aos paraguaios, como não encontraram resistência

nenhuma, ficaram quase três anos senhores absolutos da navegação

fluvial e com o domínio do território ao Sul da Província, do São

Lourenço ao Apa.

• Ao avaliá-los de forma negativa, o autor implicita a idéia de poder, de

ausência de moralidade, respeito e violência do povo paraguaio,

representados pelas expressões lingüísticas que indicam destruição,

pois eles “talharam os campos”, “roubaram o gado”, “destruíram

fortificações”, “devastaram os povoados” e “maltrataram a população”.

Há diferentes enunciados narrativos relativos a sentidos secundários

contidos na representação em língua do intertexto 17.

Esses, todavia, podem ser sintetizados em um único enunciado narrativo

de sentido mais global:

Estrutura textual narrativa

Situação Inicial: Os paraguaios ameaçam a população brasileira regional.

Fazer Transformador: Fazeres do comando brasileiro e do invasor paraguaio.

Situação Fina: A população regional brasileira abandona suas terras permitindo que

os paraguaios fiquem na região por três anos.

É interessante observar a importância de uma análise intertextual, pois os

interdiscursos e seus respectivos textos propiciam a retomada à índole pacífica dos

guaranis, apresentada no capítulo III “Quem expulsou os índios”? e à índole

agressiva dos guaicurus e paiaguás.

Page 141: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

140

A índole pacífica dos guaranis guia-os, culturalmente a não se

confrontarem com o invasor-ibero, de forma a torná-los seus colaboradores.

Conseqüentemente, a nação guarani não é disseminada e mantém-se

historicamente, na região com a sua memória social.

A ferocidade dos guaicurus e paiaguás guia-os a serem adversários do

invasor ibérico, de forma a disseminá-los como nação, deles a memória social

guarda o mito do “velho bugre”, estendida para o “velho mouro”.

Na questão, “Quem lutou no Paraguai?”, o movimento do Ir e Vir assume

dupla significação:

• O Ir representa pessoas que foram lutar na Guerra.

• O Vir representa os respectivos estados de naturalidade, de forma a

deixar implícito o IR e Vir do peão que se mantém como aspecto

iterativo e os que vieram e voltaram como aspecto conclusivo.

Em síntese, as relações estabelecidas entre o texto-base, seus intertextos

e interdiscursos propiciam a explicitação dos implícitos contidos nas palavras que

ocorrem no texto-base. Estas explicitações decorrem da mudança de foco projetada

em elementos que compõem a região pantaneira de MS.

Os resultados obtidos das análises, apresentados neste capítulo,

possibilitam responder à questão: Quem lutou com o Paraguai?

• Segundo a ideologia do Poder brasileiro: foram heróis brasileiros que

com Duque de Caxias defenderam o território nacional.

• Segundo raízes culturais: foram exércitos ferozes que exterminaram

milhares de pessoas e instauraram uma fronteira política divisória (com

Page 142: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

141

maior ganho para a Argentina), mantendo as tradições e sonhos

guaranis de um povo que tem a mesma raiz.

Page 143: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

142

CAPÍTULO V

QUEM DERRUBOU A MATA? QUEM CULTIVOU O CULTIVAR?

Este capítulo apresenta resultados obtidos da pesquisa realizada com

interdiscursos e seus intertextos, na busca de responder duas questões: “Quem

derrubou a mata”? “Quem cultivou o cultivar”? do texto-base “Quanta Gente” de Zé

Du.

5.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA

A resposta buscada para a questão que intitula este capítulo decorre do

segmento do texto-base. Os resultados das análises do texto-base estão no item 3.1

do capítulo III.

5.2 INTERTEXTOS: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS

Embora tenha sido feita a pesquisa de letras musicais regionais do Mato

Grosso do Sul, relativas ao cultivo regional com a derrubada da mata, não foi

encontrada nenhuma letra que traga representado o momento das origens deste

Estado.

Este é relativo à mineração e aos engenhos de açúcar instalados às

margens do rio Paraguai. Não há também representação em língua da erva mate

local.

O resultado da pesquisa propicia dizer que o que é relativo à mineração,

aos engenhos de açúcar e à extração da erva mate não estão representados nas

Page 144: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

143

tradições histórico-culturais do homem sul pantaneiro presentes nas letras musicais

sul-pantaneiras e sim a atividade pastoril e a criação extensiva de gado.

As referências a este momento encontram-se nos demais interdiscursos

que serão apresentados a seguir.

As letras musicais trazem, portanto, representado em língua, o universo

pantaneiro sendo que alguns componentes importantes emergem num movimento

de Ir e Vir, onde o lar é o seu ponto de partida e volta.

As características culturais do peão boiadeiro se fazem presentes na lida

pantaneira, nas indumentárias, em seu lazer, nos hábitos, crenças e valores que

trazem uma somatória das influências diversas que receberam os sul-mato-

grossenses pantaneiros.

5.2.1 Intertexto 18 - Peão Pantaneiro de Aral Cardoso

De manhã cedinho, quando o sol desponta

Pego o meu cavalo raça pantaneira

Ouço a seriema e o quero- quero

Que ficam cantando bem junto à porteira.

O meu velho apeio tem muitas argolas

É todo trançado de focinho a cola

Tomo tereré, tomo chimarrão

Levo o meu destino na palma da mão.

Tenho um cachorro que é um companheiro

E nas comitivas é o melhor vaqueiro

Uso bom pelego pra aliviar o trote

Se a viagem é longa, conto com a sorte.

Page 145: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

144

Tempo de festança ao som da viola

Danço o siriri e o cururu

Polca paraguaia toca a noite inteira

Enquanto a peonada levanta poeira.

Saio para o campo de olhar atento

Pra contar boiada, não uso instrumento

A lida é dura para o pantaneiro

Pois vaca alongada não pára em mangueiro.

Todo o fim do dia quando o sol se põe

Olhando pro céu eu faço um sinal

Pedindo a Deus para que abençoe

Este santuário que é o meu pantanal.

O intertexto 18 progride semanticamente de forma descritiva, com a

focalização das ações cotidianas que caracterizam a vida do homem pantaneiro, no

movimento do Ir e Vir da casa ao campo e que representam a lida pantaneira.

Esse intertexto está organizado pelo esquema textual do descritivo e está

construído, por dois blocos:

Estrutura textual descritiva

Bloco I: O pantaneiro em suas ações cotidianas tendo por lugar na sua casa na

fazenda: “tomo tereré”, “tomo chimarrão”.

Bloco II: O peão nas lidas pantaneiras no campo da fazenda, após a porteira: “tenho

um cachorro que é companheiro”, uso bom pelego, saio para o campo, o meu velho

apeio tem muitas argolas: “se a viagem é longa conto com a sorte”, “pra contar

boiada não uso instrumento”.

Page 146: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

145

Os dois blocos descritivos estão ancorados no movimento cultural do “Ir e Vir” do

cotidiano dos fazeres do homem pantaneiro assim caracterizados:

Ir: Da casa da fazenda para o campo onde realiza uma série de ações “ e

Vir: Do campo para sua casa na fazenda, volta-se a Deus em oração para abençoar

este santuário que é o Pantanal.

Esse Ir e Vir é designado “lida” e o intertexto traz representado em língua a

caracterização da atitude do peão em sua lida, pelo espírito de religiosidade.

Recursos lingüísticos na construção textual.

Todo este intertexto está construído intencionalmente por um conjunto de

recursos lingüísticos. Porém, para o estudo das crenças culturais dois segmentos

textuais importam:

I) “Levo o meu destino na palma da mão”; “Se a viagem é longa conto com

a sorte”.

II) “este santuário que é meu Pantanal”

Os intertextos já analisados em capítulos anteriores permitem que se

explicite para esses segmentos a miscigenação de crenças religiosas:

• Mouro – A expressão lingüística “destino na palma da mão” explicita a

crença moura de que o destino do homem está traçado nas linhas da

palma da mão. Esta é objeto de leitura para uma cigana, pois contar

com a sorte implica cumprir o destino com felicidade.

• Índio - O destino na crença indígena regional, é traçado antes de

nascer e para que ele possa sr realizado com felicidade, a sorte

decorre do respeito e bom relacionamento do homem com a natureza.

Page 147: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

146

• Cristão católico – Para ele, não há destino nem sorte, o homem é livre

para tomar decisões e por essa razão, quando infringe as leis da Igreja

peca e precisa de absolvição. Deus, Jesus e Nossa Senhora e demais

santos são responsáveis por proteger o homem e conduzi-lo a tomar

boas decisões.

Essas três crenças estão miscigenadas na religiosidade da cultura

pantaneira.

Recursos lingüísticos na construção textual:

Metonímia: “destino na palma da mão”: As linhas da mão representam o destino

traçado para seu dono e é um recurso lingüístico metonímico da crença moura.

“Conto com a sorte”. A seleção da palavra sorte como objeto do verbo contar contém

um implícito cultural da crença indígena local de que a sorte indígena decorre da sua

relação com a natureza.

Metáfora: Com o recurso metafórico, o autor cria uma zona de similitude entre a

natureza do Pantanal e o santuário católico. A expressão “santuário” retoma o

segmento “terra santa” do texto-base, progredindo-a semanticamente: Santuário:

<lugar consagrado pela região como parte mais sagrada do Templo de Jerusalém,

onde se guardava a Arca da Aliança; sacrário, relicário.(cf Dicionário Globo).

Na tradição cultural pantaneira, a expressão “santuário” é metáfora de

Pantanal, legitimada pelo pantaneiro que o considera um lugar sagrado, “depositário

de crenças”.

A expressão “lida” designa na linguagem do dicionário, <luta, afã,

trabalho>; na tradição cultural pantaneira, sintetiza um conjunto de ações da vida de

um peão.

Page 148: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

147

Peão: representação de vida no Pantanal. O intertexto explicita um conjunto de

conhecimentos relativos à designação “peão” com valor positivo. Essa explicitação é

de implícitos culturais e não está contida no verbete “peão”, enquanto vocábulo. A

expressão “peão” é designada como <homem que se ajusta para o serviço do

campo; serviçal de estância, amansador de animais de sela> e na tradição cultural

pantaneira, sintetiza a crença local do homem que povoa o Pantanal Sul. Em relação

aos demais homens / mulheres e seus fazeres, “peão é uma metonímia para

representar a lida pantaneira”, no seu Ir e Vir.

Em síntese, o intertexto representa tantos os fazeres quanto as atitudes

do peão em realizá-los, enquanto lida, com valores positivos.

Com relação à vestimenta pantaneira, o intertexto 18 apresenta:

Quadro 8 Vestimenta do Boiadeiro pantaneiro

Apeio ou tralha/traia

• Conjunto de elementos que fazem parte da montaria

Pelego • Pele de carneiro que fica sobre o arreio, ou seja, aparelho de montaria, composto de três conjuntos de peças principais: peças de cabeça, peças de barriga, peças de garupeira.

Guaiaca • Cinto largo de couro com bolso próprio para se guardar dinheiro, revólver ou objetos miúdos.

Esporas • Instrumento de metal que se coloca na bota/botina para cutucar a barriga do cavalo.

Chapéu • • Feito com a palha de carandá ou carnaúba

Quadro 9 Hábitos e lazer pantaneiro

Tereré • Tipo de mate frio, herança paraguaio-guarani, hábito obrigatório na região pantaneira estendida para todo MS por todas as gerações.

Chimarrão • Tipo de mate quente, hábito que acompanhou os vaqueiros em suas andanças pelo pantanal, tornou-se mais popular a partir das migrações gaúchas. Obedece a todo um ritual que vai do horário, ao uso adequado da guampa, cuia e bomba, três utensílios indispensáveis para uma roda de chimarrão.

Page 149: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

148

Som da viola

• Denominada viola de cocho, possui quatro cordas, fabricada manualmente de chimbuva ou sara, usada para tocar cururu, siriri.

Quadro 10 A lida diária pantaneira

Cavalo • Instrumento de sua eficiência profissional, símbolo de sua

liberdade, é a sua montada, cavalo e vaqueiro formam uma só

unidade, dá ao vaqueiro um sentimento de dignidade e

superioridade.

• O cavalo pantaneiro é uma raça genuinamente pantaneira, é

rústico e adaptado às regiões do Pantanal.

Cachorro • Companheiro fiel do vaqueiro.

Mangueiro • Local onde o gado ou os cavalos são presos para serem

trabalhados; equivale a curral.

Vaca alongada

• Aquela que foge e se esconde no mato.

De acordo com Barros (1998, p. 156):

Campeiro não anda a pé. Laço e cavalo se igualam em serventia. A habilidade do vaqueiro e sua afirmação pessoal também estão intimamente ligadas ao domínio da montaria. Cavalo e vaqueiro formam uma unidade. (..) Andar a pé no Pantanal tem conotações insólitas. Um rastro humano encontrado no campo sinaliza nervosa expectativa e mistério. Ele é logo examinado em sua orientação ou destino, tentando-se uma explicação. Quem pode ser? (..) A razão é simples; só um paria total, fugitivo, andarilho ou louco , não tem, no Pantanal, um cavalo para seu transporte (1998.p.156).

Em síntese, o cavalo e o campeador têm suas raízes culturais na

Espanha, passa pelos guaicurus e se mantém na contemporaneidade no peão.

Tanto o campeador espanhol quanto o guaicuru são representados como

heróis (guerreiros lutadores e hábeis cavaleiros), de forma a se manter como

conhecimento cultural na representação do peão sul-pantaneiro, que devido à índole

pacifica do guarani constrói novas significações para o homem sul-pantaneiro.

Page 150: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

149

O intertexto 19 é expandido pelo intertexto 18, progredindo

semanticamente, o Ir e Vir” do peão sul-pantaneiro. O referente textual é a Comitiva

Esperança focalizada no Ir no momento da vazante pantaneira que propicia o

transporte da boiada.

5.2.2 Intertexto 19 - Comitiva Esperança de Almir Sater e Paulo Simões

Nossa viagem não é ligeira

Ninguém tem pressa de chegar

A nossa estrada é boiadeira

Não interessa onde vai dar

Onde a Comitiva Esperança

Chega já começa a festança

Através do Rio Negro,

Nhecolândia e Paiaguás

Vai descendo o Piquiri

O São Lourenço e o Paraguai.

Tá de passagem, abre a porteira

Conforme for, pra pernoitar

Se é gente boa, hospitaleira

A comitiva vai tocar

Moda ligeira que é uma doideira

Assanha o povo e vai dançar

Ou moda lenta que faz sonhar

Quando a Comitiva Esperança

Chega já começa a festança

Através do Rio Negro

Page 151: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

150

Nhecolândia e Paiaguás

Vai descendo o Piquiri

O São Lourenço e o Paraguai.

É tempo bão que tava por lá

Nem vontade de regressar

Só voltamos vou confessar

É que as águas chegavam em janeiro

Deslocamos um barco ligeiro

Fomos pra Corumbá.

O intertexto 19 progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-

mato-grossense e está organizado pelo seguinte enunciado narrativo:

Estrutura textual narrativa

Enunciado narrativo 01

Situação Inicial 1: A comitiva pantaneira na fazenda.

Fazer Transformador: O Ir na vazante sul-pantaneira .

Situação Final: A Comitiva e boiada chegam no lugar de venda.

Enunciado narrativo 02

Situação Inicial: Comitiva e boiada no lugar de venda.

Fazer Transformador: Começo da cheia.

Situação Final: o Vir no começo da enchente sul-pantaneira.

Os autores representam em língua valores positivos atribuídos ao Ir

devido à vazante sul-pantaneira que permite o encontro de pessoas, festas e danças

regionais.

Page 152: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

151

Recursos lingüísticos para a construção textual

Metáfora:A comitiva pantaneira é designação de um grupo que tem diferentes

fazeres, mas todos orientados para a mesma finalidade, levar a boiada, presentes no

item 2.4 do capítulo II. Os segmentos verbais: “comitiva esperança chega”, “começa

a festança”, “abre a porteira”, “pernoitar”, “comitiva vai tocar” constroem um percurso

que produz uma expectativa inicial que se rompe ao iniciar o baile e “assanhar o

povo”. Sendo assim, os autores progridem semanticamente o texto por uma coesão

referencial, avaliada positivamente.

Verbos: Os recursos lingüísticos verbais maximizam os valores positivos de “Ir”

“nossa viagem não é ligeira”, “ninguém tem pressa de chegar”, “onde a comitiva

chega”, “ já começa a festança ”; “para pernoitar”, “se é gente boa e hospitaleira, a

comitiva vai tocar”, “moda ligeira” e “vai dançar” ou “moda lenta que faz sonhar”; “é

tempo bão que tava por lá nem vontade de regressar”.

O 2º enunciado narrativo é construído com a seleção de três verbos: “é

que as águas chegam em janeiro”; “deslocamos um barco ligeiro”, “fomos para

Corumbá”. O Ir a cavalo mantém a tradição dos guaicurus e o Ir de barco a dos

Paiaguás.

Os fazeres dos membros da comitiva são representados em língua com

avaliação positiva, pois agem como expressão cultural de um povo que possui uma

convivência feliz e hospitaleira, acolhedora e barulhenta quando surgem estas

ocasiões especiais e por representarem o meio mais tradicional de condução de

gado utilizado na região pantaneira.

O movimento do Ir e Vir traz o percurso das comitivas boiadeiras expresso

pelos segmentos: Rio Negro, Nhecolândia, Paiaguás, Piquiri, São Lourenço e

Paraguai que designam respectivamente regiões e rios do Pantanal.

Page 153: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

152

Enquanto formas e conhecimentos culturais, algumas expressões

assumem no pantanal uma significação diferenciada:

• O segmento lingüístico “comitiva”, de acordo com o Dicionário

Larousse Cultural (lat.comitiva) significa <grupo de pessoas que

acompanham> ; na linguagem do pantanal identifica a condução de

boiada em que prevalece de forma hierárquica, uma divisão de

responsabilidades.

• O segmento lingüístico “Abrir a porteira” – Na linguagem do dicionário,

porteira significa <portão móvel que fecha a entrada de uma

propriedade rural>.Na linguagem do pantanal, impregna-se de

misticismo, pois, se refere a um local mal-assombrado propício à

aparição de seres de outros mundos dispostos a molestar a quem ousa

cruzá-los após o entardecer.

A comitiva pantaneira, em seu movimento de Ir e Vir, atravessa uma

região que se estende por Mato Grosso do Sul, reconhecida na região pantaneira

pelo nome de: Pantanal do Aquidauana, do Miranda, do Taboco, de Nhecolância, do

Paiaguás, do Tereré, do Nabileque, do Paraguai, do Abobral, do Rio Negro, do

Jacadigo.

Sendo assim, a comitiva pantaneira representa a designação “Travessia”,

que assume valor positivo ao retratar o movimento das comitivas como uma cultura

arraigada aos hábitos pantaneiros e associada ao contexto de alegria, apego aos

hábitos e ânsia de mobilidade presente nos membros das comitivas.

Page 154: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

153

Os grupos sociais relativos ao Pantanal são definidos pelos seus

conhecimentos avaliativos e pela forma como os membros de um grupo cultural

falam entre si e são:

• Os membros das comitivas: aliam trabalho à diversão, pois a estrada é

o seu próprio mundo.

• Os donos de fazenda: a preocupação central é a manutenção da

fazenda e o lucro com a venda do gado.

• Os capatazes: assumem o lugar do dono da fazenda; bons

negociadores.

O contexto local é relevante, pois por meio dele podemos situar o

momento focalizado, pois, ao aludirem à Comitiva Esperança, os autores nos remete

a duas situações:

• Momento focalizado: resultante de um projeto patrocinado pelo governo

do Estado, para que os autores Almir Sater e Paulo Simões, junto a

outros artistas realizassem um documentário sobre a viagem a cavalo e

lombo de burros das comitivas pantaneiras.

• Momento de criação: O intertexto explicita a viagem das comitivas

pantaneiras como representação efetiva dos hábitos e costumes

presentes na vida pantaneira.

Este projeto compreendeu o período entre novembro de 1983 e fevereiro

de 1984, e a comitiva era formada pelos compositores, o maestro e violonista Zé

Page 155: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

154

Gomes, o jornalista Zuza Homem de Melo e o fotógrafo Raimundo Alves Filho com o

objetivo de percorrer o Pantanal do Paiaguás, Nhecolândia, São Lourenço Abobral e

Piquiri. A viagem durou três meses e sobre este assunto, Paulo Simões em

entrevista concedida a esta pesquisadora afirmou:

Chamou-nos atenção a linguagem, os hábitos o isolamento físico, coisa muito preciosa para o pantaneiro, fiel depositário de palavras e tradição oral. Ouvimos moradores, peões de comitiva, mascates e outros representantes da comunidade pantaneira e percebemos que muita coisa já perdeu sentido; estávamos vivendo em outros lugares uma fase de transição em que os meios de comunicação com a chegada da eletricidade e da antena parabólica estavam rondando o Pantanal. É a velha dicotomia do progresso: ou vivemos felizes miseráveis ou modernos, estressados.

A análise realizada do texto de entrevista propiciou que se obtivessem

alguns resultados:

Palavras-chave: “linguagem”, “hábitos”, “isolamento físico”, “fiel depositário de

palavras e tradição oral”, “fase de transição”, “dicotomia do progresso”.

A letra do intertexto busca resgatar as tradições culturais sul-pantaneiras antes que

elas se modifiquem com a chegada da eletricidade e dos meios de comunicação na

região, levados pela “dicotomia do progresso”.

Em busca das tradições locais: Este projeto traz a representação das tradições

culturais locais na medida em que elas implicam o movimento do Ir e Vir.

Com relação à contemporaneidade, ao se referir às comitivas boiadeiras,

na lembrança de muitos peões, ainda estão vivas as travessias de até vinte mil bois,

do Paraguai para São Paulo, conforme Nogueira (2003, p.113); esse trabalho

desempenhado pelas comitivas ao longo dos tempos, está sendo substituído pelos

caminhões-boiadeiros pelas estradas brasileiras.

Page 156: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

155

Enquanto os caminhões, as gaiolas, os boieiros vão, aos poucos, substituindo uma tradição de séculos, os berrantes, dependurados nas paredes das salas de visitas ou nas varandas, testemunham, calados, o desaparecimento de mais um costume típico, devorado pelas garras do progresso, que substituíram os tropeiros e os boiadeiros pelos caminhoneiros. NOGUEIRA (2002, p. 113).

A partir dos segmentos do intertexto 19, “moda ligeira”, “assanha o povo”,

“começa a festança”, insere-se o intertexto 20: “Emenda com a Galopeira” . Este

intertexto expande o intertexto 19 por complementaridade ao abordar as festas

pantaneiras e os costumes arraigados no povo da região.

5.2.3.Intertexto 20

O sanfoneiro encara todo o desafio

E mete bronca e tá pro que der e vier

Tem jeito de quem já comeu muita poeira

Mas aprendeu como fazer o povo feliz.

Toca uma moda lenta

E a moçada se apaixona

E a cantoria sai em verso bem cuidado

Mas quando vê que a coisa já está desandando

Sabe que é hora de tocar um rasqueado

E o baile fica bom

E dê-lhe polca a noite inteira

E quando já vai clarear

Alguém arranja uma parceira

E pro namoro não parar

Ele emenda uma galopeira.

Page 157: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

156

O intertexto 20 retoma o lazer relativo às festas tradicionais que

acontecem nas fazendas e que tem nos bailes uma das suas maiores diversões.

Além de explicitar determinados hábitos arraigados aos costumes da região.

De acordo com Barros (1998, p, 181), ao fazer uma dicotomia entre

passado e presente com referência às grandes festas oferecidas no Pantanal, ele

afirma:

As grandes festas tinham datas conhecidas ou eram marcadas com antecedência. Quase sempre homenagem a santos: Senhor Divino, São João, São Benedito e São Sebastião eram os mais festejados. Os convites eram feitos com a bandeira sagrada, mas eram dispensáveis, pois a notícia de boca em boca atingia incríveis distâncias.

Esse intertexto tem como referente o papel do sanfoneiro focalizado na

sua responsabilidade de conduzir uma festa pantaneira. O contexto é relevante para

situar o momento focalizado, pois ao representar em língua, as festas pantaneiras, o

intertexto remete-se a duas situações:

• Momento vivido: O intertexto “Emenda com a Galopeira” foi composto em

homenagem ao pai do compositor Atílio Colman considerado um dos mais

tradicionais sanfoneiros da região pantaneira.

• Momento de criação: O intertexto explicita as festas tradicionais que ainda

acontecem na região pantaneira e enfatiza o importante papel dos

sanfoneiros responsáveis por garantirem um costume presente até os nossos

dias, ou seja, um baile pantaneiro animado por uma sanfona e um violão.

Page 158: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

157

O intertexto 20 ao complementar o intertexto 19 traz um conjunto de

expressões lingüísticas regionais: “encarar o desafio”, “meter bronca”, ”comer

poeira”, “dar-lhe polca a noite inteira” e emendar uma galopeira”.

Essas expressões regionais contêm:

• Encarar o desafio; meter bronca = fazer acontecer, não hesitar em

realizar algo.

• Dá-lhe polca: é tocar repetidamente polcas paraguaias.

• Emenda com a galopeira: A designação vocabular contida no dicionário

é < emenda = correção de erro; lugar onde se ligam duas peças;> <

galopeira = sem indicação no dicionário>.

Todavia, nas raízes culturais históricas sul-mato-grossenses, a

designação indica dançar sem dar intervalo qualquer tipo de música que estiver

tocando ou por parte dos músicos, tocar uma música após a outra sem dar intervalo,

estabelecendo-se entre as pessoas uma disputa para ver quem consegue resistir até

o conjunto parar. Outro aspecto observado na cultura pantaneira é a religiosidade,

herança trazida do “velho mouro” e percebidas nos intertextos a seguir.

O intertexto 21 progride o texto-base a partir da expressão “terra santa” e

expande por complementaridade o intertexto 17, na medida em que tem como

referente a Deus focalizado no pedido para que Ele atenda às necessidades do

homem do sertão.

Page 159: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

158

5.2.4 Intertexto 21: Pai Nosso Sertanejo de Carlos Colman e Alexandre Saad

Patrão do céu, peão do coração.

Acudi a nós que somos

Crente e rente na oração

Do rancho branco do céu azul

Olha pra nós do sertão

Manda chuva aí de cima

Pros lugar de precisão

Alumia o cerrado, a campina e a pastagem.

Da água benta dá bica a toda santa ramagem

Afasta os medos da gente

Que nós, os bichos temente.

Agradecemos, obrigado e amém.

Dirige a comitiva da vida e abençoa

O milho e o trigo do pão repartido

Seja feita a sua vontade

Em todo canto desse sertão

O pão nosso de toda safra

Dai-nos sempre com fartura

Sua hóstia sem custodia

De levar no peito, de levar no “zoio”

De levar na alma

Alumia o cerrado...

Perdoa os nossos vacilos de “tantas veiz”

Como devemos fazer igual

Com os nossos irmãos da lida

E quem vacila com vosmecê

Page 160: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

159

Não permita as coisas ruim

Acontecer nesse estradão

Nos livre e guarde da tristeza

A parceira ingrata

Da marvada solidão

Alumia o cerrado.

O intertexto 21 tem como referente o pedido a Deus, aqui designado

como “patrão do céu”, “peão do coração”, para que proteja o peão de possíveis

desastres no seu percurso do Ir e Vir, representado pela expressão “estradão”, e na

“lida de sobrevivência realizada na fazenda”.

Esse intertexto está organizado como uma prece que representa a

religiosidade do sul-pantaneiro.

A prece implica a relação de participantes - Deus – pedintes – que neste

intertexto, têm seus atores designados por expressões que integram o vocabulário

regional:

• Deus: “patrão do céu”, “peão do coração” e “vosmecê”.

• Pedintes: “nós, crente e rente na oração”, “nós do sertão”, “os medos

da gente”, “os bichos temente”. “Os nossos vacilos de tanta veiz”,

“nossos irmãos da lida”, “quem vacila com vosmecê”.

• O pedido: “acudi a nós”, “olha pra nós do sertão”; “manda chuva ai de

cima pros lugar de precisão”, alumia o cerrado, a campina e a

pastagem”; “dá bica (água benta) a toda santa ramagem”; “afasta o

medo das gentes”; “dirigi a comitiva da vida”; “abençoa o milho e o pão

repartido”, “o pão nosso de cada safra dai-nos sempre com fartura”; “

Page 161: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

160

não permita as coisas ruim acontecer nesse estradão” , “ nos livre e

guarde da tristeza, a parceira ingrata da marvada solidão” .

• Recursos lingüísticos para construção textual

Para a prece católica: “agradecemos, obrigado, amem”, “seja feita a sua vontade”;

“perdoa nosso vacilos” (..) “ como devemos fazer igual com os nosso irmãos da lida”.

Os recursos lingüísticos utilizados pelos autores intertextualizam a oração

“Pai Nosso” com o intertexto 21.

Metáforas: Representam metaforicamente, os seguintes segmentos: A expressão

“Deus” tem similitude com o pensamento dominante dos nativos da terra que o

representam como “patrão do céu”, “peão do coração”, “vosmecê”.

A expressão “pantanal” é utilizada pela similitude com o ambiente

regional, e representado por “estradão” e “canto desse sertão”.

Em síntese, os povoadores do Pantanal possuem uma fé que se

manifesta na evocação de santos e santas, na passagem de trechos da Bíblia, fé

esta que pode ser definida como ingênua, dogmática e mística segundo Barros

(1998). Junto aos princípios mais antigos das elites dirigentes, a fé forma os

substratos definidores fundamentais da cultura do povo pantaneiro.

É importante evidenciar que quando da chegada dos bandeirantes em

terras do Pantanal, eles encontraram aqui tribos indígenas com cultura e traços

lingüísticos próprios. A adaptação e assimilação dessas variadas culturas foram a

base para garantir a sua sobrevivência na vasta região pantaneira.

Page 162: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

161

5.2.5 Intertexto 22 - Nossa Senhora do Pantanal de Alzira Espíndola e Orlando

Antunes Batista

O intertexto 21 expande-se semanticamente, no intertexto 22 pela

complementaridade ao explicitar o sentimento de religiosidade que move o povo

pantaneiro, numa identificação completa do homem com a natureza e com o

misticismo religioso.

Nossa Senhora do Pantanal

Quero cantar meu Pantanal

A pesca do peixe, o mundo natal

Da seriema livre no quintal

Nossa Senhora do Pantanal

Minha canção vem do coração

Não tem mal, tem o som do sabiá

O mugido do novilho

As manhãs feridas de orvalho

Nossa Senhora do Pantanal

Canto essa canção no portal do Pantanal

Deixando no ar o sinal do violão

Quebrando os males que me matam

Vejo a vida refletida no espelho do corixo

Minha querida santa

quero te adornar

Com aguapés que nascem nas

Águas dos nossos rios

Lambendo meus pés.

Page 163: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

162

Este intertexto tem como referente a figura mítica de Nossa Senhora

designada como do Pantanal e focalizada na sua importância de protetora espiritual

do ambiente pantaneiro. Organiza-se como uma homenagem dos compositores à

figura de Nossa Senhora designada como Nossa Senhora do Pantanal e também

representa a religiosidade como crença católica cultural do sul-pantaneiro, avaliada

de forma positiva.

O intertexto 22 representa em língua a homenagem feita por:

• “Nossa Senhora do Pantanal quero cantar meu Pantanal”, “Nossa

Senhora do Pantanal, minha canção vem do coração”; “Minha querida

santa, quero te adornar com aguapés”;

• Recursos lingüísticos para a construção textual

Os autores constroem o canto com recursos lingüísticos que explicitam

um conjunto de hábitos daqueles que povoam o Pantanal sul: “a pesca do peixe”; “a

seriema livre no quintal”, “o som do sabiá”, “o mugido do novilho”, “as manhãs

feridas de orvalho”, “a presença dos aguapés”.

De forma geral, os recursos lingüísticos utilizados são metafóricos:

“Deixando no ar o som do violão”, “manhãs feridas de orvalho”. Há também o uso de

prosopopéia como representação da natureza: “Manhãs feridas de orvalho”, “águas

de nossos rios lambendo meus pés”.

5.2.6 Intertexto 23 - Pantanal em silêncio de Aral Cardoso

E por esse caminho que eu traço

No meio do mato

Page 164: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

163

Deixando um sinal

Vou seguindo meu velho destino

Que sempre me leva pro Pantanal.

Deixo o rancho já quase tapera

E vou me atolando nesse lamaçal

Prá buscar neste mundo de Deus

O sentido da vida no meu Pantanal.

Ê pantanal sonho infinito

Dum caboclo caipira

Tocando a boiada

Soltando seu grito.

Ê Pantanal dos jacarés

Que vão movendo em silêncio

Na beira da águas

Entre os aguapés.

Onça pintada, arara, tucano

Bugio, tatu, tamanduá.

Vou seguindo no meio da mata

O caminho da faca do homem que mata

E por esse caminho que eu traço

No meio da mata deixando um sinal

Vou cantando o lamento tristonho

Dos bichos que morrem pelo Pantanal.

O intertexto 23 progride semanticamente e retoma o intertexto 17 no

movimento do Ir e Vir pantaneiro, representado pela expressão “velho destino que

Page 165: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

164

sempre me leva pro pantanal”; “vou me atolando nesse pantanal pra buscar nesse

mundo de Deus o sentido da vida no meu pantanal”.

O intertexto traz designado o homem sul-pantaneiro por “caboclo caipira”;

essa designação contém a raiz histórica da vida do índio sul-pantaneiro que vive em

“rancho tapera”, “toca a boiada aos gritos” e convive com o movimento silencioso

dos jacarés, com a onça pintada, a arara, o tucano, bugio, tatu e tamanduá.

O intertexto retoma a crença indígena na sorte que para ter felicidade ao

cumprir o destino depende de se manter uma relação de respeito e amizade com a

natureza. A matança de animais e a depredação da natureza são avaliadas pelo

autor da letra musical de forma negativa: a crença cultural cria significações novas

para avaliar as atitudes dos caçadores e coureiros que destroem a natureza do

Pantanal.

Recursos lingüísticos de construção textual

O intertexto 22 é construído por:

Metáforas: Pantanal é representado por similitude como “nesse lamaçal”, “mundo de

Deus”, “sonho infinito”, “pantanal dos jacarés”, a fim de progredir semanticamente

“pantanal em silêncio”.

Prosopopéia: “vou cantando o lamento tristonho dos bichos que morrem”.

O autor atribui valor positivo ao Pantanal que é representado pela

expressão em língua: “caminho”, representado por “lamaçal”, “sonho infinito”,

“pantanal dos jacarés”, associado a uma necessidade premente de valorizá-la e

preservá-la.

Atribui valor negativo também à expressão lingüística “caminho”, que é

representado pelas expressões: “homem que mata”, “lamento tristonho dos bichos

Page 166: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

165

que morrem no Pantanal”, “faca”, “bichos que morrem”, que se remete às formas de

exploração e violência usadas no Pantanal em nome do lucro e da ganância.

A expressão “caminho” se remete ao texto-base “Quanta gente” à medida

que passa a representar o movimento do Ir e Vir do pantaneiro em sua preocupação

constante com a preservação da região pantaneira e procura responder à questão:

“Quem derrubou a mata”?

No intertexto “Pantanal em Silêncio”, a expressão lingüística mais

freqüente é Pantanal, que passa a ser identificado por um valor positivo e negativo a

partir da caracterização dos diferentes grupos sociais a partir do que é vivido.

Para o tocador de boiada, o Pantanal tem:

Quadro 11 A representação do Pantanal para o tocador de boiada

Valor positivo, pois representa Valor negativo, pois representa • velho destino • Caminho da faca • busca do sentido da vida • Caminho do homem que mata • sonho infinito e mundo de Deus • Lamento tristonho dos bichos qu

morrem

Quadro 12 A representação da natureza pantaneira para o tocador de boiada

Água • jacarés, aguapés Terra • lamaçal, regiões inundadas,onça, tamanduá, tatu

Ar • arara, tucano, bugio

Esses valores representativos do Pantanal são os locais de percurso do

IR e VIR; já o homem é representado com:

Quadro 13. Os grupos sociais e sua valoração.

Valor positivo pelo Valor negativo pelos caboclo pantaneiro (os que estão

dentro do pantanal). caçadores, coureiros

contrabandistas (os que vem de fora).

Page 167: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

166

Como elemento preservador daespécies animais e da próprianatureza.

como elemento destruidor daespécies animais e da próprianatureza.

O intertexto Pantanal em Silêncio traz como raízes históricas e

contemporâneas, a representação da travessia do pantanal feita pelo tocador de

boiada que traça o seu próprio caminho, tocando o berrante para conduzir a boiada

e se faz observar pelas expressões lingüísticas que indicam as ações: “que traço”,

“deixando um sinal”, “vou me atolando”, seguindo no meio do mato e pelas

expressões que traduzem os aspectos permansivos e que representam “o velho

destino” para “ buscar o sentido de vida” .

Quadro 14 A representação do movimento do Ir e Vir pantaneiro

Valor positivo, pois: Valor negativo, pois:

• indica a travessia como o sentido

da vida pantaneira garantindo a

sua própria subsistência.

• Indica a travessia como o

movimento do Ir e Vir contínuo

dos caçadores, coureiros,

contrabandistas ou mesmo de

turistas que invadem diariamente

o pantanal.

Nesse movimento contínuo, é possível situar dois momentos históricos:

• Momento histórico 1 – Índios colonizadores e pioneiros.

• Momento histórico 2 - Os caçadores, coureiros, contrabandistas, ou

mesmo turistas que são devastadores, exploradores, orientados pelos

seus próprios interesses.

Page 168: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

167

Em síntese: As relações estabelecidas entre o texto-base e os intertextos

de letras musicais analisados propiciam a explicitação dos implícitos contidos no

texto-base de forma a responder à questão: Quem derrubou as matas?

As matas foram derrubadas pelos nativos da região, pelos pioneiros e por

fazendeiros-boiadeiros. Atualmente, vem sendo derrubada por interesses

econômicos que depredam gradativamente, a natureza.

Quem cultivou o cultivar foram os mesmos que derrubaram as matas e

que cultivaram grãos, e dedicaram-se à criação extensiva de gado.

5.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Novos intertextos foram selecionados do Discurso da História e da

Etnografia. A seguir são apresentados os resultados obtidos.

5.3.1 O Interdiscurso 01 – O Discurso da História

Foi selecionado o seguinte intertexto referente ao Discurso da História:

Intertexto 24. CORRÊA, LÚCIA SALSA. História e Fronteira: o Sul de Mato

Grosso.Campo Grande, MS: UCDB, 1999.

5.3.1.1 Intertexto 24

O espaço que correspondeu aos territórios de Mato Grosso e de Mato Grosso

do Sul, em pleno coração sul-americano, foi percorrido por europeus pela

primeira vez, durante o século XVI, quando aventureiros espanhóis

Page 169: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

168

exploraram a foz do Prata e a rede fluvial que os levaria até as regiões

andinas.

[..] O passo seguinte foi o surgimento das Missões por iniciativa de jesuítas

espanhóis, com objetivos estratégicos de, através da nucleação indígena,

ocupar espaços em áreas intermediárias dos Impérios ibéricos no Novo

Mundo. Em 1719, Pascoal Moreira Cabral fundou o arraial de Cuiabá.

Entretanto, a despeito de toda a euforia causada pela descoberta de ouro

nessa região, que atraiu grande número de paulistas e muitos outros colonos

portugueses para esses sertões tão remotos, o chamado Ciclo de Ouro de

Cuiabá revelou-se de curta duração com o rápido esgotamento das lavras,

pelas suas características de ouro de aluvião e pela transferência das

descobertas ao Norte, dando seqüência ao Ciclo guaporeano.

Em conseqüência, essas crises foram acompanhadas de todo o cortejo de

misérias e provações rotineiras em assentamentos pioneiros, provocando o

deslocamento da população para novas lavras e a criação de novos núcleos

de povoação. Além disso, durante todo esse processo de apropriação de

terras e alargamento das fronteiras de Portugal, colonos e aventureiros

europeus chocaram-se com grandes agrupamentos indígenas, ali

estabelecidos anteriormente, sobretudo na região pantaneira.

Bandeirantes, apresadores de índios e aventureiros em busca de riquezas em

Mato Grosso sedimentaram as posses lusitanas na fronteira americana dos

Impérios Ibéricos e atravessaram imensos territórios que corresponderam

mais tarde ao sul-mato-grossense, resultando em novas mediações entre as

Coroas Ibéricas para formalizar essas posses.

[...] Os formosos campos de Vacaria que se estendem das nascentes do rio

Anhandui às cabeceiras do Dourados, com 200 léguas quadradas, com malha

fluvial conectada aos grandes rios Paraná e Paraguai, este atingido através

da navegação do Miranda, em embarcações de pequeno porte, prestaram-se

Page 170: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

169

de forma muito apropriada à criação extensiva de gado e à instalação de

fazendas que se moldaram às suas peculiaridades ambientais. A Vacaria está

delimitada pelos municípios de Campo Grande, Ponta Porã e Dourados e

inclui Rio Brilhante, Sidrolândia e Maracaju. Atraíram pioneiros na primeira

metade do século XIX, procedentes de São Paulo e Minas Gerais. Nas

últimas décadas do mesmo século, chegaram as caravanas de gaúchos.

[..] Nos vales dos rios Ivinhema, Brilhante e Dourados estenderam-se os

ervais nativos, que permitiram a extração da erva-mate, tornando-se famosa e

rentável pela sua boa qualidade. Os ervais revestiam também a Bacia do

Amambaí e a serra de Maracaju, aparecendo na paisagem de matas tropicais

ou áreas de planícies, campos e cerrados, estes últimos conhecidos em Mato

Grosso como Caatins.

[...] O extremo sul de Mato Grosso apresentou o ambiente propício à

produção de erva-mate, competindo em qualidade e em quantidade com

outras regiões nacionais, bem como a produção paraguaia(Corrêa Filho,

1957). Entretanto, esses ervais sofreram, nas décadas finais do século XIX e

começos do XX, um processo de devastação intenso, em virtude de sua

exploração extensiva e predatória, agravada pela ocorrência da extração

clandestina e do contrabando via Paraguai.

Além disso, no ano de 1896, o Presidente do Estado de Mato Grosso

manifestava suas preocupações com incêndios criminosos, causados pelos

ervateiros independentes que reagiam contra o monopólio da extração

ervateira da Companhia Matte Laranjeira, assim como por contrabandistas,

incêndios provocados de forma criminosa por exploradores clandestinos,

todos adversários da poderosa companhia ervateira. A erva-mate

representou uma das principais atividades econômicas do Estado de Mato

Grosso, nos fins do século passado, até início do século XX, considerada

Page 171: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

170

responsável pelo povoamento e pelo desenvolvimento de sua fronteira

extrema.

[..] Todavia, os vastos territórios do Sul de Mato Grosso aqui focalizados, não

haviam sido incorporados, de forma plena, ao sistema de produção capitalista

até a metade do século XIX. Na verdade, por muito tempo ainda, essa

fronteira teria o seu desenvolvimento econômico propriamente dito,

retardatário, visto que uma de suas características principais foi a

sobrevivência de um modelo tradicional e anacrônico de ocupação extensiva

e exploração primitiva e predatória de seus recursos naturais.

[..] É consenso que, em linhas gerais, onde a penetração do Capital

impulsionou a indústria, a agricultura e a pecuária, com grandes

investimentos e tecnologia moderna, com produção em larga escala e

trabalho assalariado, o impacto ambiental foi mais rápido, maior e mais

agressivo.

[..] Exemplos de uso abusivo dos recursos naturais nessa fronteira foi o caso

das matas ciliares, queimadas ou exploradas para abastecimento de lenha

das embarcações a vapor que realizavam o intercurso fluvial da Bacia do

Prata e do Baixo-Paraguai, dando início à degradação e assoreamento das

margens e leitos dos rios navegáveis, com desdobramentos inevitáveis sobre

o equilíbrio natural dos Pantanais.

[..] Também com queimadas e derrubadas de matas virgens, os criadores de

gado da região de Vacaria faziam uso de recursos não-renováveis do

ambiente sem a preocupação de preservação, e mesmo nos campos

alagadiços dos Pantanais, para ampliar as pastagens e abrir espaços para

roças de subsistências. Contudo, provocavam o desaparecimento de capins

nativos, destruíam “barreiras” naturais e mananciais, pela falta de cuidado e

de investimentos.

Page 172: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

171

[..] Em 1887, o então Presidente da Província mato-grossense, Dr José

Joaquim Ramos Ferreira, observava que a atividade agrícola era praticada

em todo Mato Grosso com a devastação das matas. Derrubava-se a machado

árvores de cedro, jacarandás e outras espécies nobres, ateando-lhe fogo. As

sementes eram lançadas ao solo sobre as cinzas e sem a menor

preocupação de limpar o terreno de forma conveniente, que apenas recebia

uma tosca cerca de troncos de árvores queimadas para impedir o avanço do

gado.

[..] Foi, portanto, com a penetração de relações capitalistas, assumindo

formas peculiares (convivendo com formas anacrônicas de uso de solos) na

fronteira Sul de Mato Grosso, que se iniciou um processo de impacto

ambiental deformador / transformador de seu exuberante espaço e da rica e

diversificada cadeia vital de sua natureza. Assim, a relação estabelecida entre

a penetração do Capital na região e seu meio ambiente, não deve ser

entendida de forma direta e simplista, porque foi, em última análise, uma

relação histórica peculiar, marcada pela complexidade e interatividade,

resultado da conjugação de múltiplas determinações econômicas, sociais e

culturais num espaço singular de fronteira.

A partir da seleção do segmento do texto-base, “Quanta gente tanta”,

insere-se o intertexto 24 que tem como referente textual a ocupação do espaço

territorial no então Mato Grosso sendo que a focalização é dada ao impacto

ambiental causado pela penetração do Capital tanto na indústria, pecuária e

agricultura.

Situa-se o intertexto no discurso da História e segue um percurso

narrativo relativo à ocupação territorial do Mato Grosso e MS.

Page 173: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

172

O texto está organizado pelo seguinte enunciado narrativo que contém

um sentido mais global.

Estrutura Textual narrativa

Situação Inicial 1: A natureza preservada pelos nativos indigenas.

Fazer Transformador: A depredação da natureza por desbravadores bandeirantes,

mineradores, plantadores de erva-mate e fazendeiros, extração irracional de madeira

nobre, roças de subsistência e a criação extensiva de gado.

Situação Final: O território sul-mato-grossense depredado.

A narração histórica é representada por vários tempos:

Durante o século VVI: Aventureiros espanhóis exploraram a região do Prata.

Século XVII: Surgimento das Missões por iniciativas de jesuítas espanhóis para

ocupar espaços.

Século XVII: e princípios do século XVIIII - Avanços portugueses em direção à

fronteira oeste de sua colônia para disputar a região com os espanhóis.

Século XVIII: Fundação do arraial de Cuiabá e descoberta de ouro nessa região, de

forma a atrair grande número de paulistas e de outros colonos portugueses (ciclo de

ouro de Cuiabá).

Século XVIII: e 1ª metade século XIX – Bandeirantes e aventureiros em busca de

riquezas em mato Grosso que sedimentam as posses lusitanas na fronteira

americana dos impérios ibéricos. Este alargamento atravessou imensos territórios

que correspondem hoje a Mato grosso do Sul.

2ª metade do século XIX: Criação extensiva de gado e instalação de fazendas que

atraem paulistas e mineiros e nas últimas décadas do mesmo século, os gaúchos.

No cultivo da erva-mate.

Page 174: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

173

Nas décadas finais e início do século XX: Processo de devastação intenso,

decorrente da exploração extensiva e predatória da erva-mate agravados pela

ocorrência da extração clandestina e do contrabando via Paraguai.

A erva-mate representou uma das principais atividades econômicas, nos

fins do século passado até início do século XX, considerada responsável pelo

povoamento de sua fronteira extrema.

Em 1867, José Joaquim Ramos Ferreira, Presidente da Província de

Mato Grosso, observa que a atividade agrícola era praticada com a devastação das

matas.

Também com queimada e derrubadas de matas virgens, os criadores de

gado da região faziam usos de recursos não renováveis sem a preocupação de

preservação para ampliar pastagens e abrir roças de subsistências.

A partir do percurso narrativo histórico, a autora opina a respeito do atual

ambiente sul-mato-grossense quando afirma que “a penetração de relações

capitalistas na fronteira sul de Mato Grosso, iniciou um processo de impacto

deformador depredador de sua natureza.”

No intertexto, as atividades econômicas são representadas em

ambientação diversa na região do sul de Mato Grosso:

• agricultura: Bacia do Amambaí e Serra de Maracaju, Vales dos rios

Ivinhema, Brilhante e Dourados, representada pela extração da erva-

mate, a pecuária pela criação de gado e o comércio pela venda de

lenhas para abastecimentos das embarcações que faziam, o percurso

na Bacia - Paraguai.

Page 175: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

174

• pecuária: campos de Vacaria localizados das nascentes do rio

Anhanduí às cabeceiras do Dourados.

As atividades agrícolas, voltadas ao cultivo da erva-mate são avaliadas de

forma positiva:

• Por representarem: rentabilidade, competitividade, quantidade e

qualidade.

• Por serem a principal atividade econômica do Estado em fins do século

retrasado, responsáveis pela povoação e desenvolvimento da fronteira

do MS.

• Por outro lado, são avaliadas de forma negativa:

• Por representarem o processo de devastação e exploração extensiva

da erva-mate de forma predatória.

• Por ter propiciado extração e contrabando clandestino via Paraguai.

• Pelos incêndios clandestinos provocados por parte dos ervateiros

independentes que reagiam contra o monopólio da Companhia Matte

Laranjeira.

De forma positiva na medida em que caracterizam a lida pantaneira e a

obtenção de lucros, no entanto maximizando a avaliação negativa pela depredação

irracional da vegetação nativa de forma a propiciar a deformação fluvial.

Page 176: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

175

5.3.2 O Interdiscurso 02 – O Discurso da Etnografia

Foram selecionados os seguintes intertextos referentes ao Discurso da

Etnografia:

Intertexto 25: NOGUEIRA ALBANA XAVIER. Pantanal: homem e cultura Campo

Grande, MS: Ed. UFMS, 2002.

Intertexto 26: BARROS ABÍLIO DE. Gente Pantaneira: crônicas de sua História. Rio

de Janeiro: Lacerda Editores, 1998.

Intertexto 27: PROENÇA, AUGUSTO CÉSAR. Pantanal: Gente, tradição e história.

Campo Grande, MS: Ed.UFMS, 1997.

Intertexto 28: LEITE, EUDES FERNANDO. Marchas na História: comitivas e peões-

boiadeiros no Pantanal. Brasília: Ministério da Integração Nacional; Campo Grande,

MS: Ed. UFMS, 2003.

5.3.2.1.Intertexto 25

[..] O aparte é uma atividade de rotina: apartam-se os animais para ferrar,

sinalar, vacinar, desterneirar, castrar, separar o gado comercializável.

Às vezes, na época do aparte, é necessária a contratação de novos peões

campeiros; os diaristas, ou changueiros que, finda a temporada são pagos e

dispensados.

[..] É nos currais, no momento da apartação que se ouvem muitas expressões

lingüísticas que merecem registro como: vaca mojada, vaca parida de novo,

vaca boiadeira, fazer o descarte, desterneiras, refugo, etc. (2002, p.87-91)

[..] A bagualeação é uma atividade tipicamente pantaneira e consiste na

caçada ao gado bagual, nas matas e/ou capões, nos pantanais. Se em

Page 177: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

176

tempos idos, essa prática era uma rotina na vida do vaqueiro do Pantanal,

hoje limita-se a algumas fazendas que se tornaram famosas por possuírem

gado bagual.

Denomina-se bagual, o gado arisco, que se alonga nos fundões do campo,

aquele que sempre viveu solto e livre nas partes mais sujas e intransitáveis

das matas cerradas. Fora do alcance do homem, no convívio exclusivo com a

natureza, esse gado aprende a entender até o canto dos pássaros e trata de

esconder-se ao ouvir qualquer barulho suspeito.

[..] A carneada é uma atividade que faz parte do metier pantaneiro. Um peão

que não sabe carnear, na é pantaneiro de fato. Como todas as outras

atividades, também o ato de abater o animal, para o consumo da fazenda,

denominado carneada, tem o seu ritual mais ou menos padronizado, com

pequenas variações, que não cabem ser abordadas neste momento.

Dependendo do número de pessoas que trabalham na firma, entre gerentes,

capatazes, peões da sede e, até dos retiros, as carneadas podem ocorrer

mensalmente, semanalmente e até mais de uma vez na semana.

Muitas fazendas possuem processos modernos de abate, como nos grandes

frigoríficos. A introdução da geladeira e do freezer concorreu para que muitos

hábitos da carneada fossem mudados.

[...] Hoje, a carneada é realizada por um ou dois peões ou até por vários

deles que estiverem de folga. A carne é levada ao açougue e os peões a

compram por quilo. Em algumas fazendas os peões recebem seu quinhão de

carne de graça; em outras, adquirem-no por preço bem mais baixo que o do

mercado comum. Há fazendas onde o peão é responsável pelo açougue:

compra a matula, paga-a e vende a carne para os demais peões.

[..] Conduzir boiadas por estradas de chão, chamadas de estradas boiadeiras,

era, outrora, prática rotineira em todos os pontos do país. Durante muito

tempo, nos sertões, somente o som do berrante, o barulho dos cascos dos

Page 178: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

177

animais, o estalo da guaxa e o berro dos bois quebravam o silêncio das

estradas. Em muitos casos, as comitivas boiadeiras representavam o único

elo entre o sertão e as cidades.

[..] Nas comitivas bem organizadas, não faltam alimentos para os vaqueiros

que bebem café, tomam seu infalível tereré, almoçam e jantam arroz

carreteiro, macarrão , feijão, farofa, carne seca ou uma caça: porco do mato

ou queixada

[..] Nos dias atuais, os caminhões-boiadeiros vem gradativamente,

substituindo o transporte pelas estradas de chão com destino às chatas

(embarcação de fundo chato, puxada por rebocadores e que comporta cargas

pesadíssimas)aos navios boiadeiros e alguns, diretos aos frigoríficos.

[..] Enquanto os caminhões, as gaiolas, os boieiros vão, aos poucos,

substituindo uma tradição de séculos, os berrantes, dependurados nas

paredes das salas de visitas ou nas varandas, testemunham, calados, o

desaparecimento de mais um costume típico, devorado pelas garras do

progresso, que substituíram os tropeiros e os boiadeiros pelos caminhoneiros.

(2002, p. 87-113)

O referente textual são as atividades básicas do universo pastoril, ou seja:

o aparte, a bagualeação e a condução das boiadas e a focalização se volta ao

pantaneiro como um incansável construtor de sua cultura.

Este intertexto traz representado em língua um conjunto de tradições

pantaneiras: o aparte do gado, nas fazendas pantaneiras, a bagualeação, a

carneada, o conduzir boiadas por estradas de chão e o papel das comitivas

boiadeiras.

Esses aspectos da tradição cultural pantaneira em vias de extinção são

substituídos, no momento atual, pelos caminhões, gaiolas e boieiros, o que guia o

Page 179: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

178

boiadeiro-pantaneiro a “pendurar os berrantes nas paredes das salas de visita ou

das varandas”, pois propicia “o desaparecimento de mais um costume devorado

pelas garras do progresso que substituíram os tropeiros e boiadeiros pelos

caminhoneiros”.

Este intertexto progride semanticamente o texto-base, dando adesão aos

valores representados que são os mesmos:

• Valores positivos atribuídos às tradições culturais.

• Valor negativo atribuído ao esquecimento das tradições devido ao

progresso.

A autora utiliza as designações referentes ao presente: caminhões-

boiadeiros que vêm gradativamente substituindo o transporte pela estrada de chão e

os berrantes dependurados nas paredes testemunham o desaparecimento de mais

um costume típico da região com valor negativo por representarem a perda de

valores históricos culturais da região.

A expressão lingüística “passado” assume valor positivo, pois, é

responsável pelo conjunto das tradições culturais sul-pantaneiras e valor negativo à

lida na região, devido à entrada de capitais e introdução de novas tecnologias.

A opinião emitida nesse texto é ponto de partida que justifica a pesquisa

utilizada na elaboração dessa tese. Neste contexto, as designações “caminhão-

boiadeiro”, “gaiolas”, “boieiros”, assumem valor negativo para os boiadeiros-

pantaneiros, pois implicam perda de serviço, substituição, aposentadoria,

afastamento do meio ambiente e valor positivo para o grupo social dos fazendeiros

por implicarem rapidez, rentabilidade e lucros mais rápidos.

Page 180: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

179

5.3.2.2 Intertexto 26

O intertexto 26 é expandido semanticamente, pelo intertexto 25, por meio

das expressões: “atividade pastoril” e “bagualeação” e se remete ao texto-base ao

procurar responder à questão: Quem cultivou o cultivar?

No Pantanal, foi a geografia que levou o homem à atividade pastoril. Lá não

cabe a lavoura, a mineração ou qualquer outra atividade de caráter

sedentário. Aquela imensa planície é terra de bois e vaqueiros por vocação.

Aqueles sitiantes do Livramento, plantadores de banana e cana foram aqui

moldados pela vocação da terra. Tornaram-se vaqueiros. Mas os velhos

pioneiros e seus companheiros trazidos para o serviço sentiam-se, no

começo, ainda desajeitados no manejo do laço e cavalo.

Seus descendentes, entretanto, já na primeira geração, mesmo os

fazendeiros doutores, acabaram dominando a arte com destreza e maestria.

Acabaram adquirindo também a postura que a própria atividade pastoril

imprime. Nesse sentido, entendo que a atividade campeira, mais do que a

geografia define os traços de caráter do vaqueiro pantaneiro.

A lida no Pantanal tem características muito próprias. Em primeiro lugar, a

pecuária é extensiva, feita em grandes áreas, pelo diminuído suporte dos

campos. O Pantanal é formado de áreas abertas, os largos, semelhantes ao

pampa gaúcho, mas também de capões de mata e cordilheiras de cerrados,

às vezes extensos.

[..] O simples ato de reunir o gado exige técnica, habilidade, inteligência e um

certo faro da situação. Ao ver o gado de longe, nos campos limpos, ou supô-

lo próximo, em cerrados, o vaqueiro precisa ser capaz de previsão do

Page 181: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

180

comportamento dos animais para traçar a estratégia de sua

contenção.Quando se trata de bagualeações, essa estratégia tem logística

militar.Bagual é a rês alçada, insubmissa ao mundo do vaqueiro, mau

elemento, no seu dizer.

[..] Assim, os vaqueiros pantaneiros além da inteligente estratégia na reunião

do gado, devem associar à destreza do laço a coragem das correrias nos

cerrados, para “ rasgar o mato” como dizem.

E, com a mesma habilidade, devem também saber passar do cavalo às

canoas leves e ligeiras das grandes travessias. Têm a destreza do gaúcho

em campo aberto, o destemor do vaqueiro nordestino das caatingas e

revivem , no rio, a agilidade dos Guató e Paiaguá, nossos índios canoeiros.

Essa múltipla habilidade, exigência da lida pantaneira, dá ao nosso vaqueiro

uma certeza interior de maior valia, um sensível orgulho de sua capacitação

e, por certo, um sentimento de superioridade. Sente-se como profissional

qualificado. (1998, p. 146-147).

O intertexto 26 tem como referente a atividade pastoril no Pantanal como

definidora do caráter do vaqueiro pantaneiro e a sua focalização se volta a afirmar

que o Pantanal não é região para lavoura, mineração ou qualquer atividade

sedentária e sim para a criação de gado.

Este intertexto é organizado pelo esquema textual opinativo e defende

uma tese justificada por um conjunto de argumentos:

Estrutura textual opinativa

Page 182: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

181

Tese: A lida pantaneira dá ao vaqueiro um sentimento de superioridade de ser um

profissional qualificado.

Justificativa: Argumentos de probabilidade:

Argumento 1: O ato de reunir o gado exige habilidade, técnica, destreza e um certo

faro da situação.

Argumento 2: A bagualeação é uma estratégia que tem logística militar por

necessitar traçar .

Argumento 3: A coragem das correrias nos cerrados para rasgar o mato como

dizem.

Argumento 4: A habilidade à atividade campeira foi quem definiu os traços do caráter

do vaqueiro pantaneiro, para passar do cavalo às canoas leves nas grandes

travessias.

Argumento de reforço:

Argumento 1: A destreza do gaúcho em campo aberto.

Argumento 2: O destemor dos vaqueiros nordestinos nas catingas.

Argumento 3: Reviver no rio, a agilidade dos Guatós e Paiaguás, nossos índios

canoeiros.

Regras de causalidade: No pantanal, foi a geografia que levou o homem à atividade

pastoril.

Este sentimento de superioridade do vaqueiro pantaneiro é avaliado de

forma positiva e superlativa e representado como traço cultural mais forte do homem

sul – pantaneiro, pelo autor.

O segmento lingüístico “sentimento de superioridade” condensa um

conjunto de traços culturais dos indígenas nativos da região, dos colonizadores

Page 183: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

182

ibéricos e da migração populacional brasileira, de forma a selecionar para este

conjunto populacional apenas traços culturais que são avaliados de forma positiva.

5.3.2.3 Intertexto 27

O intertexto 27 expande semanticamente o intertexto 26, ao focalizar o

referente: cultura sul-pantaneira pela miscigenação cultural.

[..] Do índio veio a mania de dormir em redes, de tomar banho sempre que

possível nos rios e corixos, de se encostar indolentemente nas paredes e nos

troncos das árvores, de andar descalço (costume que está desaparecendo),

de falar pausadamente. Dele o pantaneiro pegou o costume de respeitar os

animais, a arte das mulheres de tecer redes nos teares, o gosto de andar a

cavalo, de locomover-se (nomadismo), certas desconfianças e cismas, o

desgosto pela enxada, pelo trabalho nas lavouras (sedentarismo), a mania de

concordar com tudo para livrar-se do interrogatório ou agradar o interlocutor,

a timidez, o amor à liberdade, o costume de festanças, a mania de botar fogo

no campo, o vício do guaraná ralado, importado dos índios maués da

Amazônia, etc.

[..] O vaqueiro do Pantanal tem muito mais do bugre que de negro, embora

tenha havido uma importação bem grande de negros para o trabalho da

mineração. O fato é que o sangue negro parece que não se espalhou, em

virtude da longa predominância exercida por Vila Bela e mais tarde por

Cuiabá sobre outras povoações do Estado.

[..] A influência paraguaia é notória na culinária e na música. Depois da

Guerra do Paraguai, muitos paraguaios não encontrando meios de

sobrevivência no seu País, vieram para o Brasil trabalhar na lavoura e na

Page 184: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

183

pecuária, introduzindo seus costumes, influenciando, inclusive, no linguajar do

pantaneiro do sul. Na música deixaram as guarânias, as polcas, os

chamamés. Na culinária deixaram o puchero, a sopa-paraguaia, a chipa, o

hábito de tomar tereré com água fria, que é o mate dos gaúchos tomado com

água quente.

[..] Da Bolívia vieram várias contribuições entre as quais o arroz-boliviano, e

ainda a salteña. O cuiabano, o livramentano, o poconeano, quando desceram

para povoar o Sul trouxeram, além dos seus hábitos, as suas comidas, como

a farofa com a banana, a farofa de carne, o caribéu (carne seca com

mandioca), o quebebe com mamão, o doce cristalizado, o licor de piqui, o

pacu assado, frito ou ensopado. (1977, p.159 –160)

O recorte apresenta o intertexto 26 que segue uma estrutura textual tipo

explicativo e progride semanticamente pela apresentação de informações das partes

(traços culturais diversificados) que compõe o todo (cultura sul-pantaneira).

• A influência da cultura indígena:

Hábitos: “dormir em rede”, “tomar banho sempre que possível em corixos ou rios”,

“andar descalço”, “falar pausadamente”, “respeito aos animais”; “a arte das mulheres

de tecer redes nos teares”; “o gosto de andar a cavalo”; “o desgosto pela enxada,

pela lavoura”.

Costumes: certas desconfianças e cismas, a mania de concordar com tudo para livrar-se

do interrogatório ou agradar o interlocutor, a timidez, o amor à liberdade.

• A influência paraguaia na culinária e na música pantaneira:

Hábitos musicais: Ouvir guarânias, polcas e os chamamés.

Hábitos culinários: o arroz carreteiro, a chipa e tereré.

Page 185: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

184

• A influência boliviana:

Hábitos culinários: o arroz-boliviano e a saltenha.

• A influência cuiabana, livramentana e poconeana:

Hábitos culinários: farofa de banana, a farofa de carne, o caribéu (carne seca com

mandioca).

Logo, o intertexto 26 progride semanticamente, os intertextos já analisados, 24 e 25,

a fim de explicitar informações a respeito das diferentes contribuições culturais que

se condensam na cultura sul-pantaneira, sintetizada pela designação do intertexto

anterior “sentimento de superioridade” do vaqueiro-pantaneiro, devido às suas

“múltiplas habilidades”.

5.3.2.4 Intertexto 28

O intertexto 28 foi selecionado para justificar a bovinocultura, ou seja, a

criação de gado como um tipo de cultivo da região sul-pantaneira sendo a mais

característica para as tradições culturais locais.

[..] Na região pantaneira, as grandes fazendas de gado, no princípio,

estabeleceram-se como centros viabilizadores de uma pecuária quase

rudimentar, até configurarem-se como propriedades responsáveis pela

ocupação econômica da região, incorporando novidades que interferiram

diretamente nos hábitos e nas peculiaridades locais.

[..] Embora esses trabalhadores (condutor e peão –boiadeiro) ocupassem- e

ainda ocupam – papel destacável na introdução e expansão da pecuária, sua

presença na história é precariamente tratada. As representações

concernentes ao condutor, ao boiadeiro e às comitivas ganham notoriedade

Page 186: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

185

na música caipira e na literatura. A presença deles nos textos de História

subordina-se às discussões sobre a pecuária enquanto atividade econômica,

a qual depende de forma antiquada de transporte.

Considerado o elo mais forte entre o fazendeiro e o rebanho, o peão tem

consciência de que boa parte do crescimento qualitativo e quantitativo do

rebanho depende dele.

[..] No Pantanal, os condutores de boiada e seus peões-boiadeiros podem ser

tomados como representantes de práticas e trabalho, instrumentalizadores de

um tipo de cultura conhecida como rústica. Mas se essas práticas tomadas

como rústicas, arcaicas ou até mesmo primitivas não sobrevivem

isoladamente, elas podem ser olhadas como uma peça destoante, diferente

no mínimo, da história desse século. Personagens da história, os condutores

e peões-boiadeiros fazem permanecer de forma reformulada práticas e

representações anteriores à modernidade, que no Pantanal chega por meio

das avançadas técnicas de produção e reprodução e engorda de gado e,

ainda, pela própria reconstrução da noção de Pantanal. Uma vez que a

modernidade pode ser historiada e ainda representada pela informática, pelas

telecomunicações, pelos avanços na biogenética, pela ampliação do universo

nas conquistas espaciais, pela implosão das fronteiras econômicas, pelo

tempo veloz e virtual, e por outro lado, pelo caos urbano, deterioração das

relações sociais, desemprego e violências crescentes, essa mesma

modernidade contém nos sertões antigos saberes e fazeres imprescindíveis à

própria existência do novo.

[..] Se na região norte-matogrossense, a pecuária chegou como subsidiária à

mineração só no século XVIII, no sul, e, especificamente no Pantanal, a

bovinocultura foi a principal atividade econômica motivada por fatores ligados

à geografia da região, grandes extensões de terras a serem incorporadas,

sem esquecer o ocaso da própria mineração ainda no século XVIII. Nessa

Page 187: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

186

trajetória, os homens que empurraram grandes manadas de bovinos, eqüinos

e cavalares moldaram práticas socioeconômicas e culturais que vieram a

contribuir para a construção de um tipo de imagem regional assentada na

chamada bovinocultura. (2003,p.25 -92)

O intertexto 28 tem como referente textual o boiadeiro-pantaneiro

focalizado na sua representação sócio-econômica-cultural no Pantanal.

Esse intertexto é organizado pelo esquema textual opinativo e defende

uma tese justificada por um conjunto de argumentos que se organizam por um

enunciado narrativo, de forma a representar a bovinocultura como tradição cultural

mais representativa da tradição cultural sul- pantaneira:

Estrutura textual narrativa

Enunciado narrativo 1

Situação Inicial: A bovinocultura pela tradição de comitivas e peões.

Fazer Transformador: A adesão ao progresso pelas novas tecnologias da informática

e das telecomunicações.

Situação Final: A bovinocultura modernizada.

Enunciado narrativo 2

Situação Inicial: Grandes fazendas (grandes extensões de terras), com pecuária

rudimentar.

Fazer Transformador: Fazeres relativos às técnicas avançadas de modernidade:

produção e reprodução e engorda de gado, a inserção da informática, das tele

comunicações.

Page 188: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

187

Situação Final: Grandes fazendas com métodos e tecnologias altamente

desenvolvidas.

Esse enunciado narrativo é envolvido pelo esquema textual opinativo que se opõe à

tese defendida no intertexto 24:

Estrutura textual opinativa

Tese 1: Intertexto 24: A tradição cultural da pecuária sul-mato-grossense está

desaparecendo ou já desapareceu.

Regra da causalidade: Entrada de modernas tecnologias que transformam a cultura

extensiva do boi.

Tese 2: (Intertexto 26) A introdução de modernas tecnologias faz parte da história da

bovinocultura que mantém tradição cultural da pecuária de forma que suas raízes

históricas culturais constroem significações novas culturais dinâmicas, mantendo,

embora modificada, a tradição pecuária da região.

Regra da causalidade: A pecuária garante os interesses de lucro dos grandes

interesses de lucro da região. Dessa forma, tanto na bagualeação, quanto na criação

atual, a tradição pecuária se mantém.

Ao designar “os condutores de boiada e peões-boiadeiros como

personagens da história”, o autor os representa de forma positiva como

responsáveis:

• Pela reformulação de práticas e representações anteriores à

modernidade (avançadas técnicas de produção e engorda de gado).

• Pela construção dinâmica da noção de Pantanal, por meio da pecuária

modernizada.

• Pelas práticas sócio-econômicas e culturais moldadas e responsáveis

pela construção de uma imagem assentada na bovinocultura.

Page 189: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

188

Sendo assim, os condutores de boiada e os peões-boiadeiros passam a

ser focalizados com valor positivo por serem responsáveis pela principal atividade

econômica motivada por fatores ligados à geografia da região que é a bovinocultura.

Em síntese, os resultados obtidos dos intertextos, na interdiscursividade

das Ciências Sociais, trazem a oposição de duas teses para caracterização cultural

nativa no Mato Grosso do Sul:

Tese 1: A história transforma as tradições culturais regionais com a entrada de

novas tecnologias, de forma a fazê-las desaparecer.

Tese 2: Independente da história (modernas tecnologias introduzidas), a tradição

cultural se mantém produzindo significações novas para a bovinocultura.

Os resultados obtidos propiciam responder da seguinte maneira às

questões, relativas ao sujeito agente que derrubou as matas:

• Índios nativos da região para o plantio de subsistência.

• Jesuítas espanhóis, nas Missões para o aldeamento indígena e posse

de terras.

• Os desbravadores e colonizadores espanhóis da região em busca de

estradas (passagem para cruzar os Andes).

• Bandeirantes portugueses e brasileiros para escravizar índios.

• Mineradores na busca do ouro.

• Pioneiros vindos para a região para formarem fazendas.

• Militares dirigentes e combatentes da Guerra do Paraguai para

delimitarem politicamente, as linhas divisórias de fronteiras.

• Agricultores responsáveis para cultivo da erva-mate.

Page 190: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

189

• Pecuaristas responsáveis para criação extensiva do gado.

Todos os sujeitos agentes, de certa forma, podem ser caracterizados pelo

Ir e Vir:

• Os que vieram e voltaram da região.

• Os que vieram e voltaram, permanecendo na região representados

culturalmente, pela “lida sul-pantaneira.

O Ir e Vir está focalizado na bovinocultura, após a porteira da fazenda

para quem derrubou as matas e cultivou o cultivar, veio para ficar e se instaurar

como proprietário de terra. O Ir e Vir significa simultaneamente, transporte da boiada

a seus lugares de venda e volta com o lucro.

Os resultados obtidos propiciam responder da seguinte maneira às

questões, relativas ao sujeito agente “Quem cultivou o cultivar”?

• Agentes que cultivaram a cultura de subsistência.

• Agentes que cultivaram a cultura católica.

• Agentes que cultivaram a mineração.

• Agentes que cultivaram a erva-mate.

• Agentes que cultivam a pecuária.

As respostas obtidas são organizadas em uma narrativa histórica, de

onde são cancelados vários fatores culturais que dinamicamente, são modificados

pela raiz histórica cultural: a pecuária, analisada neste capítulo na índole dócil, no

guerreiro combativo, no selvagem resistente e heróico, no pioneiro corajoso, na

Page 191: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

190

capacidade de domínio, na inteligência estratégica, na alegria das danças e festas,

na culinária sul-pantaneira.

Page 192: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

191

CAPÍTULO VI

QUEM GANHOU O LATIFÚNDIO? QUEM VEIO PARA TRABALHAR?

Este capítulo tem como ponto de partida o texto-base, Quanta Gente de

Zé Du e busca por meio de intertextos e interdiscursos responder às questões:

“Quem ganhou o latifúndio?” “Quem veio para trabalhar?”

6.1 TEXTO-BASE E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO EM LÍNGUA

A resposta buscada para a questão que intitula este capítulo decorre do

segmento do texto-base “Quem ganhou o latifúndio? “Quem veio para trabalhar?" Os

resultados das análises do texto-base estão no item 3.1 do capítulo III.

6.2 INTERTEXTO: LETRAS DE MÚSICAS REGIONAIS

Este item apresenta um conjunto de intertextos que foram selecionados

entre as letras de músicas regionais pesquisadas. Ao se segmentar o texto-base a

partir da expressão “mata” insere-se o seguinte intertexto:

6.2.1 Intertexto 29 Fulano de tal de Carlos Colman

A partir dos segmentos do texto-base “latifúndio”, insere-se o Intertexto:

Fulano de Tal de Carlos Colman.

Sou moço aqui do interior

Page 193: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

192

Família conhecida, bem criado

Nasci para reinar

Meu patrimônio tá no campo

A terra é quem cuida

Eu nunca vi nenhum chifre de boi.

Ser bom de laço e de rodeio

Até que eu queria

Mas o calo atrapalha o violão

E a serenata pras mocinhas

É minha paixão, só nessa hora

É que me chamam de peão.

O intertexto 29 tem como referente o filho do dono de um latifúndio e está

focalizado na sua falta de compromisso com a propriedade paterna.

Esse intertexto tem como esquema textual o tipo descritivo e progride

semanticamente pela apresentação de informações da vida de um rapaz filho de

fazendeiro a partir de traços culturais diversificados, que se opõe a de um peão

pantaneiro:

Estrutura textual descritivo

Dados pessoais: moço do interior, família conhecida.

Patrimônio familiar: campo = lá - “meu patrimônio tá no campo”, “chifre de boi”,

“peão é ser bom de laço e de rodeio”.

Onde vive: cidade = cá: “O violão e a serenatas pras mocinhas” e a “paixão por

mocinhas”, “nasci pra reinar”.

Page 194: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

193

Esses blocos descritivos estão ancorados na falta de compromisso com a

propriedade familiar do futuro herdeiro. No seu conjunto, o intertexto progride o

segmento lingüístico que é o seu título: “fulano de tal”.

O intertexto 19 “Emenda com a Galopeira”, presente no capítulo V, é

expandido por complementaridade por esse intertexto ao focalizar na expressão,

“mas o calo atrapalha o violão e a serenata pras mocinhas”, uma informação sobre o

jovem filho de fazendeiro que faz serenatas e sendo assim possui uma das

características tradicionais pantaneiras: “ser violeiro seresteiro” .

O contexto local é relevante, pois por meio dele podemos situar o

momento focalizado e, ao aludir à expressão “eu nunca vi chifre de boi”, os autores

nos remetem à seguinte situação contextual:

Como a maioria dos jovens, filhos de fazendeiros, foram acostumados a

se ausentar das fazendas para estudarem nos grandes centros: São Paulo, Rio de

Janeiro ou Curitiba, a maioria deles, com raras exceções, não possuía nenhum trato

com a terra e só viam a fazenda como “lazer” no período de férias escolares.

Exceção feita àqueles que se tornaram “doutores” e retornaram às suas

fazendas para administrá-las. Sobre esse assunto, o intertexto 28 progride

semanticamente ao retomar o intertexto 25, presente no capítulo V, quando o autor

afirma que “[..] seus descendentes, entretanto, já na primeira geração, mesmo os

fazendeiros doutores, acabaram dominando a arte com destreza e maestria”.

Recursos lingüísticos de construção textual

A expressão: “meu patrimônio tá no campo” tem valor metonímico, pois se refere à

boiada que é a “terra quem cuida”.

O intertexto 29 traz designado o filho de fazendeiro por “fulano de tal”,

essa designação contém implícitos com valor positivo atribuído ao poder econômico

Page 195: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

194

regional que está presente na representação em língua do filho do dono do

latifúndio. A expressão “fulano de tal” pode assim ser explicitada: fulano tem por

referente qualquer individuo descendente de família proprietária de latifúndio; tal =

chefe da família rica e que tem o latifúndio.

A ocorrência da expressão “Fulano de tal” diferencia dois grandes grupos

sociais:

• Grupo 1 – Os que têm o poder – proprietários do latifúndio.

• Grupo 2 – Os que não têm poder - servem aos proprietários.

Os dois grupos são avaliados de forma superlativa: superior x inferior,

essa avaliação está sintetizada no segmento lingüístico “nasci para reinar”.

O descompromisso com a propriedade está contido nas expressões

lingüísticas: “a terra é quem cuida”, “eu nunca vi nenhum chifre de boi”, “eu até

queria ser bom de laço e rodeio, mas o calo atrapalha o violão”. “E a serenata é a

minha paixão”.

Os únicos traços de similitude entre o futuro herdeiro do latifúndio com os

seus antecedentes são: “a música, o violão e a serenata pras mocinhas”.

Em síntese, extragrupalmente, a avaliação positiva é atribuída à

designação do traço cultural regional: “ser peão”, “só nessa hora me chamam peão”,

e remete-se ao único traço cultural que o filho de fazendeiro tem com o peão

pantaneiro: “ser violeiro seresteiro”, a quem o autor representa no texto com valor

positivo.

Recurso lingüístico na construção textual

O autor utiliza diferentes recursos lingüísticos dentre eles:

Page 196: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

195

Hiperônimos: “fulano de tal”. Esses hiperônimos são expandidos semanticamente

por uma coesão referencial de hipônimos: “moço do interior”, “família”, “nasci pra

reinar”.

Os hipônimos que progridem a expressão hiperonímica são representados pela

relação sintagmática nominal: substantivo e adjetivo.

O hipônimo verbal que representa em língua uma ação enquanto fazer do filho do

dono do latifúndio é “fazer serenata pras mocinhas” que estabelece relação com a

designação “peão”.

Os verbos-ocorrência no texto são: “nasci” e “queria”, “atrapalha e me chamam”,

estes verbos não designam fazeres do filho do dono do latifúndio.

O intertexto 30 Prazer de Fazendeiro de Delio e Delinha, pode ser

inserido no segmento do texto-base: “gado”, de forma a expandi-lo.

6.2.2 Intertexto 30 – Prazer de fazendeiro de Delio e Delinha

O maior prazer na vida

Já estou acostumado

Abraçar moça bonita

E dançar um rasqueado

Carregar dinheiro aos maços

E viver sempre folgado

Lenço branco no pescoço

Trinta e oito niquelado.

Na garagem um automóvel

Na cidade um sobrado

Tenho tropa no piquete

Page 197: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

196

Na invernada tenho gado.

Se me chama fazendeiro

Digo sou remediado

As garotas carinhosas

vivem sempre ao meu lado.

Não tenho nada

Não posso ter

O que eu tenho

Dá apenas para viver

O referente do intertexto 30 é a vida divertida do fazendeiro decorrente da

posse financeira. Esse referente expande do texto a expressão “latifúndio” e está

intertextualizado com o intertexto 28 “meu patrimônio está no campo”. O referente

”fazendeiro” é tematizado pela oposição ser x parecer.

Dessa forma, são atribuídos dois valores culturais:

• Valor positivo: À naturalidade e à simplicidade.

• Valor negativo: À ostentação e ao exibicionismo.

O jogo entre o ser rico e parecer remediado “é tratado por Silveira (1999)

como forma de ocultamento social do brasileiro.

Recursos lingüísticos para a construção textual:

O autor utiliza os seguintes recursos lingüísticos para progredir semanticamente a

representação lingüística do “que o fazendeiro é” e “o que quer fazer parecer ser”.

Page 198: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

197

Ser

Poder econômico: “carregar dinheiros aos maços”, “viver sempre folgado”, “lenço

branco no pescoço”, “na garagem um automóvel”, “na cidade um sobrado”, “na

invernada tenho gado”.

A proteção do fazendeiro: “trinta e oito niquelado”, “tenho tropa no piquete”.

O prazer do fazendeiro: “abraçar moça bonita” e “dançar um rasqueado”, “as garotas

carinhosas vivem sempre ao meu lado”.

Parecer ser:

Poder econômico: “sou remediado”, “não tenho nada, não posso ter, o que eu tenho

dá apenas pra viver”.

Os recursos lingüísticos utilizados pelos autores propiciam que as representações

em língua sejam construídas pelo binômio caracterizado pelo “fazendeiro” e seus

caracterizadores, “do que é” e o “que faz parecer ser”.

Em síntese: as relações estabelecidas entre o texto-base e seus

intertextos propiciam a explicitação de implícitos contidos nas palavras que ocorrem

no texto base.

Estas explicitações intertextuais decorrem da mudança de foco projetada

em elementos que compõem a história de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde

a figura do fazendeiro como dono da terra é um elemento forte e dominador da

região.

6.2.3 Intertexto 31 - Peão Baguá de Aral Cardoso

Eu sou vaqueiro desde menininho

Nasci no campo ao lado de um mangueiro

O meu destino eu traço sozinho

Na minha guaiaca tem muito dinheiro.

Page 199: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

198

Clube do laço agora é rotina

É só largar que eu já to na cancha

Meu parelheiro esvoaça a esmo

E a mulherada toda se desmancha.

Minhas esporas são da cor de ouro

O meu chapéu é de carandá

A minha tralha é toda de couro

E meu apelido é peão baguá.

Peão baguá, peão baguá

Eu sou pantaneiro lá de Corumbá

Peão baguá, peão baguá

Sou mais respeitado que caraguatá.

O intertexto 31, “Peão Baguá” retoma o intertexto 17 “Peão Pantaneiro”,

presente no capítulo V ao progredir semanticamente, de forma descritiva as ações

que caracterizam a vida do homem pantaneiro, no movimento do Ir e Vir , no entanto

se opõe a este intertexto, quanto à focalização de um peão pantaneiro valorizado

positivamente, pelas suas habilidades o que lhe dá superioridade e bom ganho em

dinheiro.

Este intertexto retoma o intertexto 25, dando adesão a ele e progredindo o

seu segmento “sentimento de superioridade” que representa em língua, o peão

pantaneiro com múltiplas habilidades.

E por essa razão, opõe-se ao intertexto 17, quando explicita “meu

destino”, “eu traço sozinho”, na medida em que o seu sucesso depende

exclusivamente da sua própria capacidade pessoal.

Page 200: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

199

Este intertexto está organizado por um enunciado narrativo construído

por:

Estrutura textual narrativa

Situação Inicial: “menino pobre”, “nascido no campo ao lado de um mangueiro”.

Fazer Transformador: Habilidade para executar um conjunto de fazeres que resultam

em ganho financeiro.

Situação Final: O peão ainda rude, sem trato social, mas com muito dinheiro.

Logo, este intertexto permite responder à questão: “Quem veio para

trabalhar?” da seguinte maneira:

Quem veio para trabalhar foram pessoas pobres, rudes, extremamente capacitadas

e hábeis e algumas delas enriqueceram como peões, embora houvesse falta de

trato social.

Recursos lingüísticos na construção textual

O autor usa como recursos lingüísticos um conjunto de palavras hipônimas:

Situação Inicial: Seleção metonímica: “campo”, “mangueiro”, “guaiaca, muito

dinheiro”.

Fazer Transformador: O autor recorre também, a metonímias: “clube do laço”,

“cancha”.

Situação Final: parelhereiro”, “mulherada”, “esporas”, “chapéu de carandá”, “esporas

da cor de ouro”, “tralha de couro”.

Na expressão “ser mais respeitado que caraguatá”, o vocábulo

“caraguatá” contém a seguinte definição: < uma espécie de bromélia formada em

touceiras, com folhas fibrosas e chatas, além de muitos espinhos que impedem a

penetração de animais nos cerrados, principalmente de bovinos e eqüinos>

Page 201: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

200

Ao relacionar essa espécie de planta rústica do Pantanal ao segmento

“Peão Baguá”, o autor constrói similitude sêmica, com a designação vocabular

bagual: < rude, sem trato social>; na linguagem pantaneira: < animal criado à solta,

sem nunca vir ao mangueiro>. Essa similitude metaforicamente caracteriza o peão

sul-pantaneiro como um ser: < social, com poder aquisitivo, porém rude e livre,

senhor de seu destino>.

6.2.4 Intertexto 32 – Paiaguás de Guilherme Rondon e Paulo Simões

Este intertexto expande o intertexto 30 por complementaridade ao abordar

a presença do nativo da terra em seu movimento de Ir e Vir ao Pantanal.

Sobre o Taquari voa um avião

Sobrenatural ave de metal

Me leva feliz.

Lá no Paiaguás por o pé no chão

Fruta do quintal, leite do curral

Rede pra dormir

Bem eu devia dali nunca nem sair.

Mundo de aguapé parece ilusão

Água de cristal doce visual

Um céu tão azul

Polca ou chamamé

Primeira canção

Roda o tereré canta quem quiser

Lua vai ouvir

Bem que eu queria dali

Page 202: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

201

Nunca mais sair.

O intertexto 32 tem como referente o habitante atual da região do

Pantanal do Paiaguás focalizado no amor à sua terra que o faz voltar para lá. Esse

intertexto progride semanticamente, o Ir e Vir de um nativo que tem posses, pois o

seu deslocamento espacial é feito por avião.

Dessa forma, refere-se a um outro grupo social “pessoas de posse”,

diferente do grupo social, “peões”.

É interessante observar que este intertexto progride semanticamente os

demais que se refere ao peão sul-mato-grossense, por trazerem o mesmo traço

cultural de apego à terra, com valor positivo.

Recursos lingüísticos para a construção textual

O intertexto 32 traz representado em língua, metonimicamente, um

conjunto de hábitos sul-pantaneiros: “fruta no quintal, leite no curral, rede pra dormir,

polca ou chamamé, roda de tereré, canta quem quiser”.

O autor recorre também a repetições com progressão: “bem que eu devia

dali nunca nem sair” e “bem eu queria dali nunca mais sair”.

À medida que representa por meio dos verbos “devia” e “queria” o

sentimento de estar permanente na terra natal e não como um eventual visitante, o

intertexto expande os intertextos já analisados que reforçam o sentimento de apego

à terra natal do nativo da terra e passa a representá-lo com valor positivo.

A expressão lingüística “Paiaguás” assume significações diferentes:

Page 203: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

202

• Para o nativo da terra, a expressão Paiaguás tanto pode ser o Pantanal

onde se localizam as fazendas quanto o nome de uma delas, assim

como é o lugar de origem, retorno às origens, descanso, lazer.

• Para o discurso da Geografia, a expressão Paiaguás significa sub-

região pantaneira, situada na região de Corumbá, sul de Mato Grosso e

cortada por um dos principais rios do Pantanal, o Taquari e que hoje

assoreado ocasionou a inundação de mais de 1.000.000 hectares na

região.

• Para o discurso da História, Paiaguás remete-se a uma tribo indígena

encontrada na região desde o século XVI, conhecida por índios

canoeiros que tinham por hábito pilharem as tribos inimigas; junto aos

guaicurus passaram a representar a grande resistência contra as

expedições portuguesas e espanholas, atacando-os sem trégua nem

piedade, considerados os mais implacáveis inimigos dos

desbravadores e colonizadores iberos”, acometendo-os bárbara e

impiedosamente, conforme destaca Proença (1977, p.29).

O intertexto Paiaguás passa a ser representado por um valor positivo,

pois significa retorno às origens, apologia da natureza e dos hábitos presentes na

região e valor negativo pela saudade e conscientização de que distante da terra

perde o contato com a natureza e com o mundo existente no local.

Quadro 15 As expressões lingüísticas relativas ao ambiente pantaneiro

Rio • Taquari, água de cristal, mundo de aguapé. Céu • tão azul, lua.

Região • Paiaguás. Hábitos • rede, leite do curral, tereré, polca, chamamé.

Page 204: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

203

6.2.5 Intertexto 33 - Canta Saudade de Aurélio Miranda

Ao retomar a questão: “Quem veio para trabalhar?” contida no texto-base

Quanta Gente, o intertexto 33: “Canta Saudade”, traz à tona a dicotomia do presente

e do passado na tradição cultural pantaneira.

Velhos tempos que passava o gado

Na porteira velha,

Naqueles confins, lá no meu sertão

A gente ouvia ao longe na estrada

O tropel da boiada, rompendo espigões

Seus cascos faziam poeira no chão

Na travessia um sol causticante

Tocava o berrante e gritava o peão.

He boi!...Canta Saudade

O bom tempo que se foi!

Lida arriscada que estoura a boiada

Rês de arribada, leva o sinuelo

Para ir atrás

Cruzar os pântanos e rios de cheia

E assim campeia pelos pantanais

Fogoso baio e o cavaleiro

E raça

Que o destino traça, se vem ou se vai,

Velhas cantigas, contam sua história

Trançados de glórias, que não voltam mais

He boi! Canta saudade

Page 205: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

204

O bom tempo que se foi!

Traje de couro, gibão e guaiaca

Tralhas na bruaca, relíquia esquecida

Num velho galpão

E cachimbando, sentado no alpendre

Um ancião atende ao seu novo patrão

Que é agora o progresso que antes

Calou seu berrante e atou suas mãos

Rugas no rosto de saudade e mágoas

Que desaba em lágrimas o fim do peão.

O intertexto Canta Saudade retoma os demais textos analisados pelo

movimento do Ir e Vir do pantaneiro, o referente textual é o peão sul-mato-grossense

focalizado positivamente no passado na lida pantaneira.

Esse intertexto é organizado por um esquema textual que progride

semanticamente por um esquema textual. Esse intertexto está organizado pelo

esquema textual narrativo:

Estrutura textual narrativa

Situação Inicial: A lida do peão no passado.

Fazer Transformador: A chegada do progresso representado pelas novas

tecnologias para a bovinocultura.

Situação Final: O fim do peão no presente.

O intertexto “Canta Saudade” passa a ser representado por valor negativo atribuído

ao presente com o fim do peão, assim como a intersecção entre passado x presente

é representada pelas palavras: “velhos tempos“, “canta saudade”.

Recursos lingüísticos para a construção textual

Page 206: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

205

O autor utiliza os seguintes recursos lingüísticos para representar o

passado:

Existe um limite espacial que é desligado espacialmente pela palavra

“porteira”. De um lado da porteira, na fazenda fica “a gente”. Do outro lado da

porteira, a lida do peão em seu Ir e Vir com a boiada (vazante e enchentes dos rios

pantaneiros).

O traço cultural dos peões é o Ir e Vir campeando, representado pela sua

lida e que tem avaliação positiva; já o presente para o peão é avaliado

negativamente pela não aceitação das mudanças trazidas pelas novas tecnologias e

que tem levado gradativamente, ao desaparecimento da figura do peão.

Essa avaliação negativa da moderna tecnologia que muda a lida do peão

é uma significação nova guiada pelos conhecimentos avaliativos culturais do homem

sul-pantaneiro.

O texto está intertextualizado com os seguintes intertextos por:

• Adesão: Intertexto 24 (ver capítulo V).

• Oposição: Intertexto 27 (ver capítulo V).

Os intertextos das letras musicais não tratam de questões relativas a

quem ganhou o latifúndio. De forma geral, tratam de quem veio para trabalhar e

como no momento atual se encontra como classe social.

Há consciência de que o progresso trouxe:

Page 207: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

206

• Novas técnicas de administração nas fazendas com o surgimento de

superintendentes, diretores administrativos, assessores, supervisores,

veterinários, agrônomos, técnicos.

• Novos proprietários surgiram de grupos econômicos ou de conhecidos

empresários que não residem mais na fazenda e entregam a

administração a esse sistema administrativo já citado.

• O capataz assumiu hoje uma classe intermediária, mantém um contato

mais efetivo com os patrões, reside na propriedade, diferentes dos

peões que mantêm uma relação mais distanciada, fixam-se em

ranchadas (vila dos peões) ou residem nos galpões das fazendas.

Hoje, a substituição gradativa do meio de transporte: carroça, carro de boi

e cavalo, camionetes, caminhões, aviões torna-se cada vez mais comum.

O quadro abaixo traz a representação do presente na vida do homem

pantaneiro:

Quadro 16 As expressões lingüísticas representativas do presente.

Calou seu berrante Atou suas mãos

• Ou seja, a sua forma de vida, sua liberdade e mobilidade.

• Ou seja, a retirada de sua forma desobrevivência, o seu trabalho.

Sendo assim, o autor representa com valor positivo o passado vivido nas

fazendas, tipicamente representativo da cultura pantaneira e ao presente pelo

progresso, responsável pelo surgimento de estradas e pela construção do maior

sistema pantaneiro de estradas de rodagem, (Corumbá-MS a Cuiabá-MT),

atravessando grande extensão do Pantanal.

Page 208: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

207

O autor representa com valor negativo o presente, pois as construções de

estradas têm-se configurado como uma das grandes contribuições para a quebra do

equilíbrio ecológico da fauna e flora locais assim como são responsáveis pela

transição de costumes rurais para a absorção de hábitos e cultura global que

segundo Xavier (2001,138), “traz conseqüências que só o tempo poderá dar

condições de avaliação”

O texto traz marcas não só do passado que explicitamente representa a

vida do boiadeiro pantaneiro, quanto do presente que traz em suas representações

as marcas da morte com a extinção gradativa do papel do boiadeiro no pantanal.

As representações lingüísticas presentes no intertexto apresentam uma

realidade cada vez mais presente nas fazendas pantaneiras: a sua venda para

grupos empresariais voltados à criação de gado, agricultura de grande porte e

empreendimentos turísticos.

Estas fazendas, a partir da venda, passam por um processo de

remodelação total: são informatizadas, passam a ser administradas por uma

estrutura moderna com a presença de profissionais ligados à área: gerentes,

veterinários, agrônomos, técnicos e administradores rurais que muitas vezes não

têm nenhuma ligação cultural com o ambiente.

Muitos peões continuam a realizar o seu papel ainda que de forma menos

ostensiva, mas sem as funções específicas e compromissos que era acostumado.

Em síntese, os intertextos das letras musicais não tratam de questões

relativas a quem ganhou o latifúndio e não são letras musicais que se referem à

bovinocultura; os intertextos progressivamente assumem o papel de mostrar a

responsabilidade profissional do boiadeiro-pantaneiro com capacidade de ação

Page 209: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

208

caracterizada pela sua superioridade advinda de suas múltiplas habilidades de forma

a marcar um dos traços culturais regionais.

6.3 INTERTEXTOS DE INTERDISCURSOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Foram selecionados como interdiscursos, o discurso da História e o da

Etnografia, por serem representativos dos discursos institucionalizados pelo Poder

da Ciência.

A seguir são apresentados os seguintes discursos científicos:

6.3.1 O interdiscurso 1: Discurso da História

Foram selecionados, para análise, dois textos do discurso da História, a

partir de segmentos do texto-base e de seus intertextos, já apresentados, no item

3.2.

Os intertextos selecionados são:

Intertexto 34 – CORRÊA, LUCIA SALSA. História e fronteiras: o Sul de Mato Grosso

1870-1920. Campo Grande: UCDB, 1999.

Intertexto 35 WEINGARTNER, ALISOLETE ANTÔNIA DOS SANTOS. Movimento

Divisionista no Mato Grosso do Sul – Porto Alegre: Ed.Est, 1995.

6.3.1.1 Intertexto 34

Page 210: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

209

Os conflitos pela legitimação de posses, somados às pretensões territoriais

entre os Estados vizinhos, acabaram por traumatizar e marcar a ferro e fogo o

Sul de Mato Grosso, envolvendo a região num processo de lutas

intermitentes. E, neste caso, a tensão dos primeiros povoadores de origem

européia em Mato Grosso, e a vigência de um estado de permanente

vigilância (e insegurança) caracterizaram os fenômenos de fixação ou

mobilidade dos núcleos de povoamentos coloniais, fossem estes fortificações,

vilas ou pólos de mineração em área de fronteira, o que acabou por conferir à

História colonial de Mato Grosso a marca de violência. Deve-se considerar,

portanto, como raiz desse contexto histórico a herança dos conquistadores

europeus e seu confronto com nações indígenas, dominantes nesse território

lindeiro por muitos séculos, assim como as bases coloniais implantadas e, de

forma anacrônica, conservadas por longo tempo em Mato Grosso. (1999, p.

55).

[..] O desbravamento ou, melhor definindo, a conquista e incorporação de

terras no continente sul-americano, cuja maior parte era território indígena,

alargando as fronteiras internas através de seus imensos sertões, tanto

ocorreu em íntima consonância com o desenvolvimento da economia

mercantil exportadora, como recebeu o impulso de, pelo menos, três outros

fatores derivados do movimento irradiador das relações capitalistas. O

primeiro desses fatores correspondeu às ondas migratórias que se

deslocaram tanto em âmbito interno quanto externo, possibilitando uma

exploração vertical de grandes extensões de terras incultas e redefinindo

antigos núcleos populacionais.

[..] O segundo fator responsável pela interiorização da expansão capitalista

específica no Brasil foi a Abolição da mão-de-obra-escrava, enquanto fato de

grande poder transformador e com repercussões bem conhecidas em nossa

História. Apesar da Abolição, entretanto, em Mato Grosso o trabalho

Page 211: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

210

compulsório teve ainda larga utilização, envolvendo índios aculturados,

bolivianos, paraguaios e, de modo geral, trabalhadores pobres nas atividades

agrícolas (usinas de açúcar do Norte de Mato Grosso), nos ervais e nos

campos de criação bovina, na fronteira Sul.

[..] Por fim, o terceiro fator, e fenômeno concomitante aos demais nesse

movimento expansionista pelos sertões, correspondeu ao regime de posse

extensiva de terra, em proporções até mesmo inédita no Brasil, (lembrando

que Mato Grosso foi uma das regiões onde se constituíram os maiores

latifúndios do País) viabilizando a incorporação de terras indígenas, para

desenvolver a produção em larga escala. Uma das conseqüências mais

relevantes do regime de latifúndio em Mato Grosso foi a formação de uma

elite de proprietários rurais, que passou a atuar na política regional ao lado de

fortes comerciantes dos centros urbanos ao longo dos grandes rios.

Estabeleceu-se na política mato-grossense, um estado de permanente

conflito, onde as relações de poder dependiam em certa medida dos

interesses hegemônicos da economia regional, ora deslocando-se para a

classe de produtores (usineiros, pecuaristas) ora para os grandes

comerciantes dos portos.(1999, p. 147-149).

O intertexto 34 tem por referente o binômio patrão x empregado

representado por: “quem recebeu o latifúndio” e “quem veio para trabalhar”.

Esse intertexto progride os intertextos anteriores complementando-os

pelas atividades agrícolas da cana de açúcar e dos ervais e pela complementação

do capital através dos latifundiários e dos grandes comerciantes dos portos.

O texto está organizado pelos seguintes enunciados narrativos que

contêm um sentido mais global:

Page 212: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

211

Estrutura textual narrativa

Enunciado 1

Situação Inicial: A posse de terra pelos indígenas nativos.

Fazer Transformador: Confronto pela posse da terra.

Situação Final: A posse de terras pelos europeus iberos.

Enunciado 2

Situação Inicial: Conquistadores sem mão de obra.

Fazer Transformador: Escravização e aculturação dos nativos: bolivianos e

paraguaios.

Situação Final: Atividades agrícolas: cana de açúcar, erva mate e criação bovina.

Enunciado 3

Situação Inicial: Posse de terras pelo colonizador ibero.

Fazer Transformador: Política colonial expansionista.

Situação Final: Doação de latifúndios.

Os enunciados narrativos apresentados compreendem o discurso envolvido da

cronologia histórica regional. O discurso envolvente, do tipo opinativo, compreende:

Tese: O estado sul-mato-grossense foi estabelecido por uma política de permanente

conflito de poder de forma a progredir o jogo de interesses do Poder, desde as

posses das terras pelos iberos à doação de latifúndios para a manutenção da

política extensionista e povoamento regional, por ultimo a visão capitalista do lucro

pela cultura agrícola e pecuária de forma a enriquecer não só o produtor quanto os

grandes comerciantes dos portos.

Os enunciados narrativos são hierarquizados pelo esquema textual

opinativo de forma a se agruparem na categoria Justificativa da tese.

Page 213: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

212

• O desbravador, a conquista, a incorporação de terras.

• Escravização e aculturação do índio nativo, do boliviano e do

paraguaio.

• Formação da elite de proprietários rurais e de fortes comerciantes dos

centros urbanos.

Os fragmentos que compõem o intertexto 36 de Weingartner (1995,p.18-

22), é expandido pelo intertexto 37 e insere-se ao texto base “Quanta gente” de

forma a explicitar a formação da região do MS dos que vieram para lá, pois os

nativos eram apenas os índios.

6.3.1.2 Intertexto 35

Os portugueses estabeleceram-se no litoral atlântico até São Vicente, os

espanhóis mais ao Sul, na região Platina e no litoral do Pacífico. Os

conquistadores europeus fixam marcos, organizam povoações, a fim de

garantir a ocupação da terra conquistada, porque o Tratado de Tordesilhas

não é claro na delimitação das terras do Novo Mundo, sendo assim: fundam

as Missões do Itatim no Sul de Mato Grosso, introduzem o gado, na região, e

iniciam a exploração da erva-mate. A miscigenação entre índios e paraguaios

resulta nos paraguaios e, nos séculos XVII e em XVIII, índios e paraguaios

remanescentes das missões jesuíticas permanecem no Sul de Mato Grosso

como donos da terra.

[..] A importância sócio-econômica e política do Sul de Mato Grosso acentua-

se, na medida em que ocorre a sistematização da criação de gado, a posse

da terra e a formação de vilas e de cidades; concomitante a esses fatores,

Page 214: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

213

ocorre a instalação da Companhia de Matte Laranjeira e a ligação ferroviária

entre o Sul de Mato Grosso e São Paulo.

[..] O desenvolvimento econômico do Sul de Mato Grosso proporciona o

fortalecimento político de um grupo composto de grandes proprietários rurais

da região que praticam a pecuária extensiva, cuja atividade econômica exige

grandes extensões de terras. Sendo assim, este grupo fundamenta seu poder

político e econômico no latifúndio e na associação a outros fazendeiros e não

proprietários estabelecendo laços de interdependência. As complexas

relações sócio-econômicas e políticas entre proprietários e não proprietários

fortalecem, politicamente, alguns grupos de famílias, dando origem a

formação das oligarquias sulinas desvinculadas das já existentes no Norte.

(1995, p.22).

O intertexto 35 está situado no discurso da História e segue um percurso

histórico dos povos que vieram para o MS: brancos, negros e mamelucos. Este

intertexto focaliza a legitimação e demarcação da posse de terra e do gado nativo

como sistema de criação extensiva.

O intertexto é progredido por quatro enunciados narrativos no seu

discurso envolvido a saber:

Estrutura textual narrativa

Enunciado 1

Situação Inicial: Os índios Guaicurus guerreiros e seus fazeres nativos.

Fazer Transformador: A chegada dos cavalos com os iberos.

Situação Final: Os Guaicurus como primeiros fazendeiros da região criando cavalos.

Enunciado 2

Situação Inicial: Chegada dos jesuítas e o contato dos índios.

Fazer Transformador: Construção das Missões.

Page 215: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

214

Situação Final: Jesuítas e índios com posse da terra.

Enunciado 3

Situação Inicial: Pioneiros na região.

Fazer Transformador: Plantações de erva-mate e cana de açúcar e construções de

usinas e a pecuária de forma a produzir lucros econômicos.

Situação Final: Proprietários e não proprietários de terras ligados à política tomam as

terras dos antigos donos e constroem-se assim as oligarquias sulinas.

Enunciado 4

Situação Inicial: Produção local.

Fazer Transformador: Instalação de vias de transporte.

Situação Final: Possibilidade de exportação de riquezas dos latifúndios.

O discurso envolvente é organizado pelo esquema opinativo:

Tese: As complexas relações econômicas e políticas dos proprietários e não

proprietários fortalecem alguns grupos de família, dando origem à formação das

oligarquias sulinas desvinculada das já existentes no Norte.

Justificativa: O conjunto de enunciados narrativos apresentados justifica a formação

das oligarquias sulinas na medida em que quem recebeu terras foram os pioneiros

(proprietários ou não de fazendas) que passaram a ser produtivos economicamente

e ligados ao poder político brasileiro da época.

Dessa forma, a justificativa apresentada responde à questão: ”Quem ganhou o

latifúndio?”.

6.3.2 O DISCURSO DA ETNOGRAFIA

Page 216: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

215

A contribuição dada pela Etnografia permite resgatar os papéis da

estrutura social de MS a partir da sua história. Selecionaram-se para ser

apresentado os seguintes intertextos:

Intertexto 36 – NOGUEIRA, ALBANA XAVIER. Pantanal: homem e cultura de Albana

Xavier Nogueira (2002, p 43).

Intertexto 37 – BARROS, ABÍLIO LEITE DE. Gente Pantaneira: crônicas de sua

História. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1998.

6.3.2.1 Intertexto 36

Muita coisa há para se desvendar a respeito do Pantanal, essa enorme

planície, que constitui, no seu conjunto, um dos maiores impérios de

fazendas, neste país. Foi com a instalação delas que teve início, de fato, o

processo de povoamento da região pantaneira. Vários fatores concorreram

pra isso, dois, entretanto, foram básicos: a decadência das minas de ouro de

Cuiabá e a política de ocupação do solo, empreendida pelo então Governador

da Capitania de Mato Grosso, Luis de Albuquerque de Melo Ferreira e

Cáceres, empossado a 13 de dezembro de 1772 e conservado no poder por

17 anos.

Tal política tinha por meta o povoamento, em primeira mão, das chamadas

faixas de fronteira. Para sua implantação, foi efetivado o programa de

concessão de sesmarias aos requerentes, que se comprometessem a cultivá-

las e a defendê-las do ataque dos índios e da ameaça estrangeira. Efetivada

a política das sesmarias, os posseiros foram chegando e os latifúndios foram

se ampliando.

Mas o incipiente processo de povoamento e ocupação das terras foi

violentamente interrompido com a eclosão da Guerra do Paraguai, só

Page 217: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

216

recomeçando ao findar a guerra, com a volta dos posseiros, que tinham sido

obrigados a abandoná-las.

O desmembramento dos latifúndios, levado a efeito por força de sua

distribuição entre os herdeiros, que foram surgindo, pelos anos afora, bem

como o auge da crise da pecuária, em 1970, quando alguns fazendeiros

típicos venderam suas fazendas e vieram para as cidades, foram os dois

fatores principais no desencadeamento de uma série de transformações no

habitat pantaneiro. (2002, p. 43).

O intertexto 36 remete-se aos intertextos anteriores ao retomar as

expressões lingüísticas “violência” e “conflito” que marcaram inicialmente o programa

de concessão das sesmarias e posteriormente à formação de latifúndios.

O intertexto retoma dos intertextos já analisados o referente textual que

trata da povoação da região pantaneira e expande a informação ao focalizar a

política de ocupação de solo que deu origem às sesmarias.

Este intertexto retoma o segmento “sesmarias” dos intertextos anteriores

a fim de progredi-lo, semanticamente, pelo esquema textual opinativo, construído a

partir da seguinte estrutura:

Estrutura textual opinativa

Tese: Os latifúndios eram doados pelo governo para atender à política de

povoamento das terras.

A Justificativa: é feita por um conjunto de enunciados narrativos relativos:

Argumento 1: A chegada de pioneiros para a posse de terra.

Argumento 2: Retorno dos proprietários e posse da terra após abandoná-los durante

a Guerra do Paraguai.

Page 218: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

217

Argumento 3: Os grandes proprietários para se aproximar do governo acabam se

tornando políticos.

Argumento 4: Os políticos mais influentes eram os maiores proprietários.

O intertexto segue um esquema textual narrativo, pois, progride

semanticamente, a partir dos seguintes enunciados narrativos:

Estrutura textual narrativa

Enunciado 01

Situação Inicial: Terras não legalizadas.

Fazer Transformador: O programa de concessão das sesmarias motivada pela ação

decisiva do então Governador da capitania de Mato Grosso, Luís Albuquerque de

Melo Ferreira e Cáceres que assumiu o poder por 17 anos, com relação ao

programa de concessão de sesmarias e pela exigência aos requerentes de se

comprometer a “cultivá-las, defendê-las do ataque dos índios e da ameaça

estrangeira”.

Situação Final: Os latifúndios se instalam.

Enunciado 02

Situação Inicial: Latifúndios instaurados.

Fazer Transformador: Interrupção violenta do processo de povoamento e ocupação

de terras em razão da Guerra do Paraguai e recomeço só após o término da Guerra.

Situação Final: Latifúndios abandonados.

Enunciado 03

Situação Inicial: Latifúndios abandonados.

Fazer Transformador: Fim da Guerra do Paraguai.

Situação Final: Retorno dos proprietários.

Page 219: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

218

Enunciado 04

Situação Inicial: O latifúndio e seus proprietários.

Fazer Transformador: O desmembramento das terras devido aos herdeiros e crise

na pecuária em 1970.

Situação Final: Transformações no habitat pantaneiro.

Este intertexto permite responder à questão “Quem ganhou o latifúndio?”

• Pessoas que vieram povoar as chamadas faixas de fronteiras e que

solicitaram a concessão de sesmarias que lhes foram concedidas

desde que defendessem dos ataques dos índios e das ameaças

estrangeiras.

• Ganharam também os herdeiros graças ao desmembramento das

terras da sesmaria por meio de herança familiar.

• Compradores das fazendas de antigos fazendeiros que ao enfrentar a

crise pecuária em 1970, mudaram-se para as cidades.

O programa de concessão de sesmarias é representado com valor

positivo, por permitir o cultivo da terra até então inexploradas e por defender-se das

ameaças estrangeiras; é representado por valor negativo porque também permitiu

que se iniciasse uma luta intermitente contra os índios considerados a partir da

concessão governamental como “invasor” e não como seu legítimo dono, cabendo

aos novos donos da terra “defendê-las do ataque dos índios”.

O desmembramento dos latifúndios é representado com valor positivo,

pois a morte de seus antigos proprietários permitiu a distribuição de terras entre seus

Page 220: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

219

herdeiros, ao longo do tempo e garantiu a continuidade das tradições culturais

locais.

A crise da pecuária em 1970, a venda das fazendas para grupos

estrangeiros ou mesmo nacionais que não tinham nenhuma ligação com a tradição

cultural da região e a conseqüente volta de seus antigos donos à cidade são

representados com valor negativo, pela perda gradativa de valores culturais, pois

novos donos trouxeram seus hábitos e costumes.

O retorno definitivo destes fazendeiros à cidade e a perda de seus fazeres

diários retoma os intertextos 32, 33, 34 deste capítulo ao representar o passado

como a perda de valores, ou seja, a sua própria morte.

Os resultados obtidos nesse capítulo, na análise de intertextos e

interdiscursos, propicia responder às questões: “Quem ganhou o latifúndio?” “Quem

veio para trabalhar?”

• A política de ocupação do solo pantaneiro e o desmembramento dos

latifúndios foram marcados pelo jogo de poder, de violência, de

especulação imobiliária e de força política.

• O fazendeiro pantaneiro sempre manteve o poder e o domínio da

região e transmitiu esse poder aos descendentes assim como a posse

de terra.

• Os peões pantaneiros dedicaram-se na criação extensiva do gado e

junto aos fazendeiros garantiram os grandes latifúndios, assim como a

criação de gado como a principal atividade.

6.3.2.2 Intertexto 37

Page 221: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

220

No Pantanal, informa-nos Virgilio Correa Filho, generalizou-se a sesmaria de

uma légua de frente por três léguas de fundo, equivalente a mais ou menos

13.000 hectares, quase quatro vezes maior que as sesmarias agrícolas do

planalto. Deveu-se essa diferenciação ao limitado uso da terra pantaneira, em

função das enchentes.

Com muita freqüência, uma vez adquirida uma sesmaria, por concessão do

governo, novos requerimentos se sucediam para alargamento das áreas.

Quanto maior o prestígio do requerente, maiores e mais fáceis as liberações.

Disso resultou que os grandes proprietários, pela necessidade de

aproximação com os governos, acabassem se tornando políticos e os

políticos mais influentes se tornassem grandes proprietários. Estes nem

sempre com intenção de uso da terra, mas apenas como especuladores

imobiliários, pensando em venda futura.

[..] Ocupadas as áreas ribeirinhas agriculturáveis, o boi e o homem seguiram

o seu caminho descendo os rios e penetrando pelo interior, formando

fazendas já de exclusiva atividade pecuária. Os bandeirantes faziam o

caminho de volta, no sentido norte-sul, ao arrepio das correntes migratórias

monçoeiras, que do grande pantanal conheceram apenas as barrancas dos

rios, com temor e pressa navegados.

Como acontecem sempre em movimentos avançados de ocupação pioneira,

essas fazendas foram sempre grandes, vivendo dentro de um sistema

latifundiário de exploração. Os lucros eram desproporcionais ao tamanho das

áreas. Mas o que se buscava, antes de tudo, era a simbologia social da

grande posse, o prestígio, força política e respeitabilidade.

Nesse movimento migratório de ocupação, alguns cuiabanos, cacerenses e

poconeanos atingiram o pantanal sul, nos municípios de Miranda, Aquidauana

Page 222: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

221

e Porto Murtinho, e mesmo o planalto de Maracaju, como é o caso dos Morais

Ribeiro. (1998, p.232).

Este intertexto retoma o segmento “sesmarias” dos intertextos anteriores,

de forma a progredi-los, semanticamente, pelo esquema textual opinativo.

Estrutura textual opinativa

Tese: Quanto maior o prestigio do requerente, maiores e mais fáceis a liberação de

terras pelo governo brasileiro.

Argumento 1: A extensão maior de terra doada decorre de um tamanho muito maior

no Mato Grosso do sul da terra doada, pois cada légua é quatro vezes maior em

função das enchentes pantaneiras.

Argumento 2: O alargamento das áreas das sesmarias por novos requerimentos dos

seus proprietários.

Argumento 3: Os grandes proprietários pela necessidade de aproximação com o

governo tornaram-se políticos e os mais influentes tornaram-se os maiores

latifundiários; os políticos proprietários das maiores terras nem sempre tiveram

intenção no uso da terra e sim como especulações futuras imobiliárias.

Logo os resultados obtidos e apresentados pelos intertextos analisados

na interdiscursividade das letras musicais com as Ciências Sociais permitem

responder às duas questões orientadoras deste capitulo:

Questão 1:

• Quem veio para trabalhar?

Pessoas que serviram de mão de obra para desenvolvimento econômico

da região, em menor escala pela agricultura e em maior escala pela pecuária.

Page 223: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

222

Questão 2

• Quem ganhou o latifúndio?

Requerentes de prestigio econômico e político.

Os resultados obtidos representam o Mato Grosso do Sul em dois

tempos:

• Tempo anterior: grandes latifúndios e a conservação das tradições

culturais na “lida pantaneira”.

• Tempo posterior: desmembramento dos grandes latifúndios pelo

desinteresse dos herdeiros que têm duas representações com relação

aos grupos sociais, a saber:

Grupo 1: Herdeiros descompromissados com suas terras, abandonando-as ou

vendendo-as, de forma a objetivar apenas o prestigio social econômico.

Grupo 2: Herdeiros compromissados com suas terras, trazem tecnologias modernas

para melhor explorá-las economicamente.

Dessa forma, permitiu-se a entrada de capital estrangeiro e nacional de

outras regiões do país objetivando lucros, com o desenvolvimento econômico.

Logo, essa mudança no tempo recebe nas letras musicais valor positivo

para o tempo anterior, na memória social regional “repertório das tradições culturais

regionais” e valor negativo ao tempo atual para se opor aos intertextos

apresentados, os novos capitais e as tecnologias modernas.

É interessante inserir que as tradições culturais regionais contidas na

memória social sul-pantaneira, produzem dinamicamente, novas significações,

guiando os antigos proprietários, guardiões culturais a transformar suas fazendas em

Page 224: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

223

pontos turísticos para a divulgação da cultura local tanto em nível nacional e

internacional.

O movimento do Ir e Vir para quem ganhou o latifúndio implica o Vir na

medida em que quanto maior prestígio, mais terra ganha para seu proprietário, mas

após o desmembramento de seus latifúndios é o Vir para as cidades dos que lá

estão, é o Vir de novos capitais em busca de rendas e sucesso econômico. Todavia,

após a porteira, na bovinocultura o Ir e o Vir é o movimento do peão boiadeiro.

Em síntese, esse intertexto permite responder à questão do texto-base:

“Quem ganhou o latifúndio?” “Quem veio para trabalhar?”.

• Requerentes de maior prestígio e que para tanto se tornam políticos

influentes que objetivam à especulação imobiliária pela venda futura.

• O latifúndio foi ganho por uma política de influências econômicas e

territoriais que propicia o resgate de uma característica cultural

brasileira extragrupal: o compadrismo ou apadrinhamento que na

região do MS se manifesta pela legitimação do poder político e

territorial

• Quem veio para trabalhar foram todos aqueles que se dedicaram às

diferentes atividades que a terra ofereceu: agricultura e pecuária.

Page 225: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

224

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para as considerações finais desta tese, são revistos os objetivos que a

orientaram, para discutir em que medida estes, foram atingidos.

Esta tese teve por objetivo geral contribuir com estudos discursivos da

cultura brasileira, examinada a partir de expressões verbais em textos lingüísticos de

letras musicais sul-pantaneiras.

Acredita-se que os resultados obtidos das análises, de forma geral,

contribuem com estudos da cultura sul-pantaneira. As letras musicais mostraram-se

adequadas para tratar de aspectos pertinentes, tais como “o velho mouro”, e seus

pontos de similitudes com o “velho bugre”. Ambos, avaliados de forma positiva e

representados como mito cultural regional, por serem repertórios de lembranças que

armazenam na memória social, tradições e costumes regionais.

Os objetivos específicos foram assim atingidos:

1. Pesquisa e seleção de um texto-base:

Após pesquisa, verificou-se que a letra musical “Trem do Pantanal,

embora selecionada como música símbolo de Mato Grosso do Sul, por concurso

popular, realizado pela TV Morena, não é representativa dos traços básicos culturais

sul-pantaneiros e não mantém intersecção com o velho mouro e o velho bugre.

A entrevista realizada com os autores da referida letra musical indicou que

o foco dado por eles na construção da letra musical está no movimento do Ir e Vir do

trem, como veículo de transporte regional que no:

Ir: levou fugitivos do regime militar brasileiro;

Ir e Vir: levou brasileiros que foram fazer turismo no Pantanal ou em viagens a La

Paz, na Bolívia em caminho de Cuzco e Macchu Pichu, no Peru.

Page 226: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

225

Nesse sentido, entende-se que a seleção dessa letra musical é guiada,

ideologicamente, pelo discurso jornalístico a fim de opor-se ao regime militar

ditatorial brasileiro, pois a data de sua seleção é 1978, após a Divisão do Estado,

durante o regime militar no Brasil.

Após exame das diferentes letras musicais selecionadas, verificou-se que

a letra musical “Quanta Gente” de Zé Du traz expressa em língua as seguintes

questões:

• Quem foi que expulsou o índio?

• Quem lutou com o Paraguai?

• Quem ganhou o latifúndio?

• Quem derrubou a mata?

• Quem cultivou o cultivar?

Tais questões têm suas raízes históricas e de contemporaneidade nas

bases culturais sul-mato-grossenses.

Segundo o autor, as pessoas que vieram para o Pantanal Sul com outras

culturas e outras histórias, hoje têm dificuldades para responder as referidas

questões por não terem vivido e experenciado a narrativa histórica regional nem as

formas de conhecimento transmitidas a elas pelo Discurso.

Dessa forma, foi selecionada a letra musical “Quanta Gente” e a pesquisa

buscou respostas para suas questões.

2. Inserção de intertextos e interdiscursos-

O texto-base foi segmentado tanto nas questões quanto em ocorrências

lexicais que orientaram a seleção de intertextos e interdiscursos.

Page 227: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

226

A pesquisa realizada indicou que os interdiscursos mais adequados

seriam os das Ciências Sociais: o da Geografia, o da História e Historiografia e o da

Etnografia.

Cada intertexto analisado, ao ser, por sua vez, segmentado, orientou a

seleção de outros intertextos.

Os resultados obtidos das análises indicam que os interdiscursos

analisados são públicos e institucionalizados. Os intertextos desses interdiscursos

propiciaram a progressão semântica dos dados relativos à região sul-pantaneira nos

acontecimentos históricos, aí, ocorridos.

Verificou-se que, embora os temas tratados sejam os mesmos, as formas

de tratamento dadas pelos interdiscursos são diferentes, na medida em que

atendem a objetivos diferentes.

O discurso da História parte de documentos oficiais que trazem

representados em língua, os interesses do Poder. O discurso da Historiografia trata

de diferentes tipos de documentos além dos oficiais e por essa razão representa os

acontecimentos com focalização de alguns aspectos culturais.

O discurso da Etnografia que objetiva o tratamento da cultura,

complementa ou se opõe a certas representações de aspectos culturais da região

sul-pantaneira.

3. O exame, nos textos musicais, no diálogo mantido com outros

intertextos e interdiscursos.

Os resultados obtidos das análises indicam que:

3.1 Os intertextos musicais progridem semanticamente um em relação ao

outro de forma a dar adesão e complementação sêmica. Dessa forma, os textos de

Page 228: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

227

letras musicais mostraram-se os mais adequados para o tratamento dos valores

culturais regionais.

3.2 As relações estabelecidas entre o texto-base, e seus intertextos

selecionados das Ciências Sociais constroem um diálogo conflitante. Os intertextos

do discurso da História por tomarem por base os documentos oficiais atribuem

valores negativos aos indígenas da região que se opuseram ferozmente à conquista

ibera e valor positivo aos conquistadores na medida em que estes vencem a

ferocidade dos índios.

O discurso da Historiografia traz em seus intertextos uma certa mudança

de valores, pois, não trata apenas de documentos oficiais e dessa forma atribuem

outros valores diferentes daqueles propostos pela História oficial.

Os intertextos do discurso da Etnografia progridem semanticamente os

intertextos das letras musicais, mas não tratam com especificidade os valores

tradicionais culturais regionais atribuídos ao “bugre”.

3.3 O exame das diferentes formas de tratamento dos temas relativos à

traços culturais da região do Mato grosso do Sul

Os resultados obtidos das análises indicam que:

• as letras musicais representam os valores culturais transmitidos de

geração a geração pela tradição oral. Embora tenha havido

miscigenação de culturas locais, a tradição dos Guaranis, Paiaguás e

Guaicurus mantêm os valores positivos atribuídos aos primeiros povos

que habitaram a região com a tradição do culto ao cavalo, à canoa, à

natureza e às formas de cura pelas ervas.

Page 229: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

228

As letras de músicas analisadas objetivaram resgatar valores culturais

presentes na enunciação de seus compositores. Todavia, os resultados obtidos não

podem ser generalizados como a caracterização global da cultura sul-mato-

grossense, na medida em que as músicas regionais para terem acesso ao público

também são institucionalizadas pelo Poder econômico-social que controla o que

produz lucro para a empresa.

Nesse sentido, as músicas divulgadas pela mídia não compõem o total

das manifestações culturais musicais da região, embora possibilitem diferenciar

através delas, a cultura da ideologia dos grupos dominantes e que precisa ser

resgatada ainda de forma parcial, na caracterização da cultura sul-mato-grossense.

• Os intertextos do discurso da História valorizam de forma positiva a

conquista da região pelo branco e atende à política expansionista

territorial ibera;

• Os intertextos do discurso da Geografia atribuem valores positivos às

descobertas científicas e negativo às crenças culturais mantidas na

região, a respeito das designações geográficas existentes.

• Os intertextos do discurso da Etnografia atribuem valores positivos às

tradições culturais embora não valorizem o “bugre” como mito cultural

regional, atribuem valor positivo ao “peão boiadeiro” de forma a

representá-lo com “arte de superioridade” no seu Ir e Vir devido às

suas múltiplas habilidades que contêm traços culturais herdados de

seus ancestrais para planejar estratégias militares, dominar o cavalo,

cumprir suas tarefas na sua lida cotidiana com o gado.

Page 230: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

229

A partir do exposto acredita-se que os objetivos foram cumpridos.

Esta tese teve por hipótese prioritária que as categorias analíticas:

Discurso, Sociedade e Cognição, estendem-se para a análise das representações

mentais e lingüísticas enquanto organização de conhecimentos avaliativos e crenças

culturais e como hipótese secundária, o movimento de Ir e Vir por grandes

extensões geográficas, que guiam as ações do homem sul pantaneiro.

Ambas as hipótese mostraram-se adequadas pois:

• As formas de conhecimentos avaliativos são crenças que caracterizam

na Cognição Social, os traços culturais que guiam dinamicamente,

novas a construção de novas significações em cada

contemporaneidade a partir de raízes históricas.

A Sociedade é formada por um conjunto de grupos sociais. Esta tese

embora tenha tratado pelos intertextos e interdiscursos de diferentes grupos sociais,

privilegiou o grupo social popular devido ao ponto de partida selecionado que foram

as letras musicais.

Assim sendo, os traços culturais apresentados são relativos à cultura

popular.

O Discurso, enquanto prática sócio-interacional, representa “o que

acontece no mundo”, “aconteceu” ou “deverá acontecer”. Essas representações

ocorrentes no Discurso são construídas por ele, retomam as tradições culturais e

com elas constroem novas significações, a partir de textos, intertextos e suas

interdiscursividades.

Page 231: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

230

A hipótese secundária mostrou-se adequada na medida em que a lida do

peão boiadeiro tem suas raízes históricas no movimento do Ir e Vir dos canoeiros

paiaguás e cavaleiros guaicurus, que constroem as novas significações para

representar no “ar de superioridade” do peão boiadeiro, de forma extragrupal, uma

unidade imaginária cultural, referente à sua lida traçada pelas suas crenças do que é

“destino” e guiada pelas suas crenças do que é “sorte”.

Esta tese defende que um texto é sempre uma resposta como forma de

adesão, complementaridade ou oposição a um outro texto, e os resultados obtidos

confirmam-na, ao responder às questões selecionadas do texto-base:

1. Com relação à questão: “Quem expulsou os índios”?

Intertextos de Letras Musicais Regionais: Os resultados das análises obtidos com as

letras das músicas intertextualizadas com o texto-base, e apresentados

anteriormente, indicam que são atribuídos valores positivos à tradição cultural dos

índios nativos da região pantaneira e aos colonizadores que abandonam sua cultura

nativa ao aderirem às tradições da cultura indígena local.

Por outro lado são atribuídos valores negativos à fronteira estabelecida

politicamente, entre Brasil / Paraguai.

Intertextos das Ciências Sociais:

Intertextos do Discurso da Geografia - Os resultados obtidos da análise indicam que

a progressão semântica decorrente das descobertas científicas da região do

Pantanal do Sul de Mato Grosso é opositiva em relação aos conhecimentos

Page 232: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

231

regionais tradicionais culturais que estão explicitados nos intertextos analisados de

musicas regionais.

As opiniões com valores negativos para representação das tradições

culturais regionais estão sustentadas pelo Poder científico que controla os

conteúdos que tem acesso ao público.

Todavia, na tradição cultural mantém-se para representar as planícies

inundadas pelos rios como “Mar dos Xaraés” com suas lagoas denominadas

culturalmente “baias”; assim como drenagens que continuam a ser designadas

“vazantes”, à água salgada de gosto salobro, pela grande quantidade de carbonato

de cálcio dissolvido do maciço calcário, continua a ser designado como antigo mar

cujos donos são os Xaraés.

Intertextos do Discurso da História: Os resultados obtidos nas análises do intertexto

da História indicam uma progressão semântica em relação ao texto-base e

intertextos das letras de musicas regionais, embora haja oposição na representação

dos valores atribuídos ao povo indígena da região.

Nas letras musicais, embora haja referência às diferentes nações

indígenas que integravam o grupo dos Kadiwéus, são focalizadas três tribos e todas

elas com valores positivos: a índole pacífica dos guaranis que propiciou a sua

permanência na região como nação depositária das tradições culturais sul-

pantaneiras; a dos paiaguás e guaicurus ferozes guerreiros que embora expulsos,

são representados de forma positiva por terem defendido suas terras do domínio

europeu.

São esses valores positivos que se mantêm no mito cultural regional

“velho bugre” que ao ser assimilado pelo europeu produz o “velho mouro”.

Page 233: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

232

O discurso da História progride semanticamente no sentido de especificar

todas as tribos que habitavam a região, mas se opõe à representação positiva do

selvagem, o “bugre”, pois representa de forma positiva o vencedor que é o ibero e se

torna “herói” por ter sido capaz de combater a selvageria e ferocidade do bugre.

Intertextos do Discurso da Etnografia: Os resultados obtidos das análises de

intertextos do discurso da Etnografia realizados com o texto-base, seus intertextos e

interdiscursos indicam que há complementaridade sêmica às letras musicais.

Embora se refira às diferentes tribos indígenas, o discurso da Etnografia focaliza as

tribos Guaranis, Guaicurus e Paiaguás. Os intertextos da Etnografia progridem

também, os intertextos do discurso da História.

Os Guaranis, de índole dócil e com similitude de concepção familiar com

os europeus, facilmente foram dominados por eles e tornaram-se seus

colaboradores, permitindo a posse das terras pelo invasor português e espanhol.

Os Guaicurus e Paiaguás de índole guerreira lutaram ferozmente com o

invasor branco e por isso, foram responsáveis por garantir as fronteiras políticas de

Mato Grosso do Sul. Todavia, com o domínio feroz do invasor branco,

progressivamente os guaicurus aliaram-se aos portugueses brasileiros, e os

Paiaguás, aos espanhóis.

Do contato indígena com o branco invasor, resultou o extermínio ou a

redução indígena enquanto etnia. Todavia, esse contato foi extremamente

importante para a construção de novas formas de conhecimento para o invasor

branco ao se deparar com o desconhecido Pantanal.

Todavia, os referidos intertextos não tratam do símbolo cultural do “velho

bugre” nem do “velho mouro”.

Page 234: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

233

É interessante observar que as formas avaliativas de representação dos

índios são mantidas no discurso institucionalizado do dicionário brasileiro em que :

“bugre”- < homem selvagem feroz>

2. Com relação à questão: “Quem lutou com o Paraguai?

Intertextos de Letras de musicas Regionais: Os autores representam em língua

valores positivos ao território dos guaranis. Os valores negativos são representados

pela guerra e pela divisão das terras guaranis pela fronteira Brasil e Paraguai e pelo

“não querer ver suas raízes”.

Intertextos das Ciências Sociais:

Intertextos da História (historiografia): Logo, a versão tradicional é guiada

ideologicamente, por interesses do governo brasileiro, de forma a se eximir como

responsável pelo conflito.

Em síntese, os textos do Discurso da História buscam representar,

ideologicamente, por progressões de complementaridade ou oposições, a luta com o

Paraguai da seguinte forma:

historiadores: Quem lutou com o Paraguai foram heróis brasileiros, que mobilizados

por um sentimento patriótico, defenderam a nação brasileira contra a conspiração

inglesa que originou a invasão de territórios brasileiros por Solano López.

historiógrafos: Quem lutou com o Paraguai foram milhares de brasileiros recrutados

para defender os interesses da Coroa no Brasil.

Intertextos do Discurso da Etnografia: Os resultados obtidos das análises,

apresentados neste capítulo, possibilitam responder à questão: “Quem lutou com o

Paraguai”?

Page 235: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

234

• Segundo a ideologia do Poder brasileiro: foram heróis brasileiros que

com Duque de Caxias defenderam o território nacional.

• Segundo raízes culturais: foram exércitos ferozes que exterminaram

milhares de pessoas e instauraram uma fronteira política divisória (com

maior ganho para a Argentina), mantendo as tradições e sonhos

guaranys de um povo que tem a mesma raiz.

2. Com relação às questões: “Quem derrubou a mata”?

“Quem cultivou o cultivar”?

Intertextos de Letras Musicais Regionais: As relações estabelecidas entre o texto-

base e os intertextos de letras musicais analisados propiciam a explicitação dos

implícitos contidos no texto-base de forma a responder à questão: Quem derrubou

as matas?

As matas foram derrubadas pelos nativos da região, pelos pioneiros e por

fazendeiros-boiadeiros, ou seja, exatamente por aqueles que cultivaram os grãos ou

dedicaram-se à criação extensiva de gado. Atualmente, vêm sendo derrubada por

interesses econômicos que depredam gradativamente, a natureza.

Intertexto do Discurso da História: Os resultados obtidos propiciam responder que as

atividades econômicas são representadas em ambientação diversa na região do sul

de Mato Grosso:

agricultura: Bacia do Amambaí e Serra de Maracaju, Vales dos rios Ivinhema,

Brilhante e Dourados, representada pela extração da erva-mate, a pecuária pela

Page 236: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

235

criação de gado e o comércio pela venda de lenhas para abastecimentos das

embarcações que faziam, o percurso na Bacia - Paraguai.

pecuária: campos de Vacaria localizados das nascentes do rio Anhandui às

cabeceiras do Dourados.

As atividades agrícolas, voltadas ao cultivo da erva-mate são avaliadas de forma

positiva por representarem rentabilidade, competitividade, quantidade e qualidade e

por serem a principal atividade econômica do Estado em fins do século retrasado,

responsáveis pela povoação e desenvolvimento da fronteira do MS.

Por outro lado, são avaliadas de forma negativa por representarem o processo de

devastação e exploração extensiva da erva-mate de forma predatória, por ter

propiciado extração e contrabando clandestino via Paraguai e pelos incêndios

clandestinos provocados por parte dos ervateiros independentes que reagiam contra

o monopólio da Companhia Matte Laranjeira.

As atividades agrícolas são representadas de forma positiva, na medida em que

caracterizam a lida pantaneira e a obtenção de lucros, no entanto maximizando a

avaliação negativa pela depredação irracional da vegetação nativa de forma a

propiciar a deformação fluvial.

Intertextos do Discurso da Etnografia: Os resultados obtidos propiciam responder da

seguinte maneira às questões, relativas ao sujeito agente Quem cultivou o cultivar?

• agentes que cultivaram a cultura de subsistência;

• agentes que cultivaram a cultura católica;

• agentes que cultivaram a mineração;

• agentes que cultivaram a erva-mate;

Page 237: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

236

• agentes que cultivam a pecuária.

As respostas obtidas são organizadas em uma narrativa histórica, de

onde são cancelados vários fatores culturais que dinamicamente, são modificados

pela raiz histórica cultural: a pecuária, a índole dócil, no guerreiro combativo, no

selvagem resistente e heróico, no pioneiro corajoso, na capacidade de domínio, na

inteligência estratégica, na alegria das danças e festas, na culinária sul-pantaneira.

3. Com relação à questão: Quem ganhou o latifúndio? Quem veio para

trabalhar?

Intertextos de Letras Musicais Regionais: Os intertextos das letras musicais não

tratam de questões relativas a quem ganhou o latifúndio e também as letras

musicais não se referem à bovinocultura, eles, tratam do peão-boiadeiro que

progressivamente, assume a responsabilidade profissional com capacidade de ação

caracterizada pela sua superioridade, de forma a marcar um dos traços culturais

regionais.

Intertextos das Ciências Sociais:

Intertextos de Historia: Em síntese, a política de ocupação do solo pantaneiro e o

desmembramento dos latifúndios foram marcados pelo jogo de poder, de violência,

de especulação imobiliária e de força política.

O fazendeiro pantaneiro sempre manteve o poder e o domínio da região e

transmitiu-o aos descendentes assim como, a posse de terra.

Os peões pantaneiros dedicaram-se à criação extensiva do gado e junto aos

fazendeiros garantiram os grandes latifúndios, assim como a criação de gado como

a principal atividade.

Page 238: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

237

Intertextos de Etnografia: Em síntese, os requerentes de maior prestígio e que para

tanto tornam-se políticos influentes que objetivam à especulação imobiliária pela

venda futura.

O latifúndio foi ganho por uma política de influências econômicas e

territoriais que propicia o resgate de uma característica cultural brasileira extragrupal:

o compadrismo ou apadrinhamento que na região do MS se manifesta pela

legitimação do poder político e territorial.

Quem veio para trabalhar foram todos aqueles que se dedicaram às

diferentes atividades que a terra ofereceu: agricultura e pecuária.

A pesquisa realizada não se quer conclusiva e abre perspectivas para

novas investigações a partir de outros intertextos e interdiscursos que propiciem

traçar as crenças culturais sul-pantaneiras.

Faz-se necessário, investigar melhor os sonhos guaranys, a coragem dos

guaicurus e paiaguás, as danças: siriri e cururu, as ervas medicinais, o velho bugre e

o velho mouro entre outros.

Essas investigações propiciaram entender melhor esse santuário que é o

Pantanal Sul onde a sorte é a felicidade, quando se respeita a natureza e o destino é

a lida pela sobrevivência com altivez e o “ar de superioridade” presente no Ir e Vir do

homem sul-pantaneiro.

É interessante inserir que as tradições culturais regionais contidas na

memória social sul-pantaneira, produzem dinamicamente novas significações,

guiando os antigos proprietários, guardiões culturais a transformar suas fazendas em

pontos turísticos para a divulgação da cultura local tanto em nível nacional quanto

em internacional.

Page 239: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

238

REFERÊNCIAS

ATKINSON, R & SHIFFRIN, R. Human Memory: a proposed system and its control

process. In: SPENCER, D.(org) THE psychology of learnig and motivation. Vol.2.

London:Academic Press, 1968.

ARRUDA Ã. & ARRUDA A. E. Já temos identidade cultural: o Trem do Pantanal.

Correio do Estado 22-12-2001, p.3.

_____Artigo disponível no site www.vitrivis.com.br/minhacidade, acessado em 23-

09-2004.

AUTHIER, J. Hetérogeneité montreé et hetérogeneité constitutive: élements pous ue

approche de l’autre dans discuours. DRLAV, Revue de linguistique, n. 26, Paris,

Centre de recherche de l’Université de Paris VIII, 1982.

BANDINI, M. do S. L.S. Anúncios Publicitários: Expressões Lingüísticas e Implícitos

Culturais. Dissertação (Mestrado) PUC/SP, São Paulo: 2003.

BAKHTIN, M. Introdução à semanálise. Trad. Lúcia Helena Ferraz. São Paulo:

Perspectiv, 1974.

____.Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

____.Marxismo e Filosofia da Linguagem. 6.ed. São Paulo:Hucitec, 1979.

BARROS, A L. Gente pantaneira: crônicas de sua história. Rio de Janeiro. Lacerda

Editores, 1998.

BAZILLI, C. Interacionismo simbólico e teoria dos papéis. São Paulo: EDUC, 1998.

BOGGIANI, P. C. A Planície e os pantanais. artigo disponível no site

www.corumba.com.br/pantanal/ acessado em 30-09-2004.

Page 240: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

239

BRANDÃO, H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas: UNICAMP, 1993.

DA MATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco,1998.

CARVALHO, J. M. & Soares P. P. Guerra superou a Independência e a República

como fator de construção da identidade nacional. Disponível no site:

http://www.militar.com.br/artigos/artigos2000/guilhaume/hist_paraguai.htm acessado

em 25/05/2005

CORRÊA L. S. História e fronteira: o Sul de Mato Grosso. Campo Grande: UCDB,

1999.

FERNANDES, F & LUFT, C, F.M.G. Dicionário Brasileiro. São Paulo: Globo, 1996.

DUCROT, O. O Estruturalismo e lingüística. Trad. José Paulo Paes. São Paulo:

Cultrix, 1970.

____.O dizer e o dito. Trad. bras. Pontes. Campinas, 1987.

DENHIÈRE, G. B. S. Lecture, comprehension de texte et science Cognitive. Paris:

Pressesd Universitaires,1997.

FÁVERO, L. L& KOCH,I.V. Introdução à Lingüística Textual. São Paulo: Cortez,

1983.

FAIRCLOUGH. N & WODAK R. Analisis Critico del discurso. In El discurso como

interación social-estúdios del discurso II: introducción multidisciplinaria.(org) de Teun

van Dijk. Trad. Espanhola. Barcelona:Gedisa Editorial,2000.

GUIMARÃES, D. M. A Organização textual da opinião jornalística: nos Bastidores da

notícia. Tese (Doutorado) PUC/SP, São Paulo,1999.

GOLDMAN, N. El Discurso como objeto de la História. Argentin: Hachette, 1989.

Page 241: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

240

KINTSCH, W & van DIJK, T. A. Startegies of discourse comprhension. New York

Academic Press, 1983.

KRISTEVA, J. El Texto de la Novela. Barcelona: Lumen,1981.

LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Unicamp, 1992.

LEITE, E. F. Marchas na História: comitivas e peões-boiadeiros no Pantanal.

Brasília: Ministério da Integração Nacional, Campo Grande, MS: ed. UFMS, 2003.

MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análises do Discurso. Campinas:

Pontes, 1989.

LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro,1972.

MARQUESI, S. A Organização do Texto Descritivo em Língua Portuguesa.

Petrópolis / RJ: Vozes, 1996.

MEAD, G. H. Espíritu, persona y sociedade. Desde el punto de vista Del condutismo

social. Buenos Aires: Paidós, 1972.

MERGULHÃO, E. Discurso, Sociedade e Cognição: Intertextos e Interdiscursos na

Representação Lingüística da Monocultura do Café no Vale do Paraíba. Dissertação

(Mestrado) PUC/SP, São Paulo: 2002.

MUNIZ N. M. J. Discurso, Cognição e Sociedade: Marco de Cognições Sociais e

Aspectos da Identidade Cultural do Brasileiro. Dissertação ( Mestrado) PUC/SP, São

Paulo: 2001.

NOGUEIRA A. X. Pantanal: homem e cultura. Campo Grande, MS: Ed.UFMS, 2002.

_____.& VALLEZZI. A reinterpretação sígnica do universo natural pantaneiro.

Revista MS - Fundação de Cultura, 1996 (p15).

Page 242: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

241

ORLANDI. E. P. A Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. São

Paulo: Brasiliense,1983.

_____.Terra à Vista. Campinas: UNICAMP,1990.

ORTIZ, R. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense,1994.

PEREIRA, P. Briga entre Hermanos, Conspirações, Outras Versões e Revisionismo.

São Paulo: Ed. Abril, maio 2005.

PROENÇA, A. C. Memória pantaneira. Campo Grande, MS: Editora Oeste, 2003.

_____.Pantanal: Gente, Tradição e História. Campo Grande-MS Editora UFMS,

1997.

______.Raízes do Pantanal: cangas e canzis. Belo Horizonte: Itatiaia 1997.

PINTO J. P. Brasil X Argentina: Quase um jogo de compadres. Revista História Viva.

São Paulo, Editoras Segmento e Ediouro. Junho 2006.

RODRIGUES, J. B. História de Mato Grosso do Sul. São Paulo: Editora do

Escritor,1993.

ROSA, M. da G. Sá, DUNCAN I. N; M. M. A. História da Arte em MS. Campo

Grande: UFMS/ CECITEC,1992.

______.Memória da cultura e da educação em Mato Grosso do Sul: histórias de

vida. Campo Grande, MS: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 1990.

SANCHEZ, A. M. El relato de los hechos. Argentina: Beatriz Viterbo, 1992.

SCHIMIDT, R. T. Em busca da História não contada ou: o que aconteceu quando o

Objeto começar a falar? In: Discurso, Memória, Identidade. Org. INDURSKY, F, &

CAMPOS, M do C.Porto Alegre: Editora Sagra, Luzzato, 2000.

Page 243: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

242

SELLAN, A. R. B. Cognição, Discurso e Sociedade: Aspectos da Identidade Cultural

do Paulista e os Descaminhos da Revolução de 1932. Tese ( Doutorado) PUC/SP,

São Paulo, 2001.

SQUINELO A. P. A Guerra do Paraguai.. essa desconhecida: ensino, memória e

história de um conflito secular. 2.ed. Campo Grande:UCDB, 2003.

SILVEIRA, R.C.P. “Em busca de uma tipologia dos discursos científicos”. Problemas

atuais da Análise do Discurso. Série Encontros, ano VIII, nº 1, UNESP-Araraquara,

1994.

_____.(org) Leitura: produção interacional de conhecimento. Língua Portuguesa –

história, perspectivas, ensino. Org Neusa B. Bastos São Paulo: Cortez,1998.

___.Identidade cultural do brasileiro a partir de crônicas nacionais. In:Norimar Júdice

(org) Português: Língua estrangeira-leitura produção e avaliação de textos. Niterói,

Intertexto, 2000.

SPINK, M.J. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano. São Paulo:

Cortez, 1999.

TAYLOR, E. Cultura primitiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1947.

TAVARES, M. L. G. Um novo Horizonte na leitura do texto poético: O resgate da

identidade, da cultura e da ideologia do Pernambucano, Diálogo possível com o

Poema Cão sem Plumas de João Cabral Melo e Neto.Tese ( Doutorado) PUC/SP,

São Paulo: 2004.

TONELLI, N. C. Brasil, Paraguai, Bolívia: encruzilhada cultural no Estado de Mato

Grosso do Sul. Revista Arca, nº 10. Campo Grande, MS, 2000.

VAN DIJK, T A. La ciencia del texto. Buenos Aires: Paidós, 1978.

_____.Cognição, Discurso e Interação. Trad bras. São Paulo: Contexto, 1992.

Page 244: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

243

______.Racismo y análisis critico de los medios. Barcelona: Paidós, 1997 a.

_____.Discourse as social interation. Discourse sStudies: A multidisciplinary In

Introduction. Vol.2, London: Sage Publications,1997 b.

_____.Ideologia: uma aproximação multidisciplinar. Barcelona: Gediva,1999.

_____.El discurso como interación social-estudios del discurso: introducción

multidisciplinaria. trad. Española, Barcelona: Gedisa, 2000.

VELLOSO, M. Que Cara tem o Brasil? Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.

WEINGARTNER A. S. de. Movimento Divisionista no Mato Grosso do Sul. Porto

Alegre: Edições Est,1995.

Referências CD CARDOSO, A. & MACIEL, W. Peão Pantaneiro. Intérprete: Aral Cardoso. In: Trem

Caipira, Manaus, Sapucay Discos, 1999. Faixa 3.

_________Peão Baguá. Intérprete: Aral Cardoso. : Trem Caipira. Manaus, Sapucay

Discos, 1999. Faixa 5.

_________ Pantanal em Silêncio. Intérprete: Aral Cardoso. In: Mapeamento Musical

de Mato Grosso do Sul.:Mato Grosso do Som. Campo Grande, Estúdio Vozes, 1994.

Faixa 12

COLMAN, C. Emenda com a Galopeira. Intérprete: Carlos Colman. In: Trem caipira.

Manaus, Sapucay Discos, 1999. Faixa 12.

Page 245: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

244

__________ & SAAD, A. Pai Nosso Sertanejo. Intérprete: Juci Ibanes In: Sertanejo

de Coração. Gravadora Independente, 2005. Faixa 5

________. Fulano de Tal. Intérprete: Carlos Colman. In: Trem Caipira. Maus,

Sapucay Discos, 1999. Faixa 8.

DELIO E DELINHA. Prazer de Fazendeiro. Intérprete: Delio e Delinha. In: Moda

Sertaneja. Ceará, Sauá, 1994. Faixa 5

ESPÍNDOLA, A & BATISTA, O. Nossa Senhora do Pantanal. Intérprete: Alzira

Espíndola. In: Pantanal 2000. Ceará, Sauá, 2001. Faixa 4

LACERDA, M & LACERDA, C. Nos Mares de Xaraés. Intérprete: Grupo Acaba. In:

CANTADores do Pantanal. Manaus, Compact Disc Digital Áudio, 1997. Faixa 6

MIRANDA, A. Canta Saudade. Intérprete: Aurélio Miranda. In: Poetas &Cantadores

de Mato Grosso do Sul. Manaus, Compact Disc Áudio, 1999. Faixa 1.

ROCA, G. R.& SIMÕES, P. Trem do Pantanal. Intérprete: Almir Sater. In: Pantanal

2000. Ceará, Sauá, 2000. Faixa 1

SATER, A & SIMÕES, P. Capim da Ribanceira. Intérprete: Almir Sater. In: Almir

Sater. Manaus, Gel Continental, 1995. Faixa 4

Page 246: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

245

___________________ Comitiva Esperança. Intérprete: Paulo Simões. In: Paulo

Simões e o Expresso Arrasta Pé. Manaus, Sauá, 1995. Faixa 1.

_________________ Sonhos Guaranys. Intérprete: Paulo Simões.Palo In: Paulo

Simões e o Expresso Arrasta Pé .Maus, Sauá, 1995. Faixa 7.

SATER, A & BÁ , J. Boieiro do Nabileque. Intérprete: Almir Sater. In: Almir Sater.

Maus, Gel Continental 1995. Faixa 2

SIMÕES, P & RONDON, G. Paiaguás. Intérprete: Guilherme Rondon. In: Pantanal

2000. Ceará, Sauá, 2001. Faixa 2

ZÉ DU. Quanta Gente. Intérprete: Zé Du. In: Dia e Noite, Noite e Dia. Manaus,

Sapucay Discos, 2001. Faixa 13

Page 247: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 248: LÍNGUA E DISCURSO NAS CRENÇAS CULTURAIS SUL- …livros01.livrosgratis.com.br/cp010570.pdf · arlinda cantero dorsa lÍngua e discurso nas crenÇas culturais sul-pantaneiras doutorado

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo