[Livro UFSC] Literatura Brasileira I (2)

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Literatura Brasileira I Florianópolis - 2011 Alckmar Luiz dos Santos Cristiano de Sales Período

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Literatura Brasileira I

Florianópolis - 2011

Alckmar Luiz dos SantosCristiano de Sales3º

Período

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Governo FederalPresidência da República: Dilma Vana RousseffMinistério de Educação: Fernando HaddadCoordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso José da Costa

Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da SilvaSecretário de Educação a Distância: Cícero BarbozaPró-Reitora de Ensino de Graduação: Yara Maria Rauh MüllerPró-Reitora de Pesquisa e Extensão: Débora Peres MenezesPró-Reitor de Pós-Graduação: Maria Lúcia de Barros CamargoPró-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPró-Reitor de Infra-Estrutura: João Batista FurtuosoPró-Reitor de Assuntos Estudantis: Cláudio José AmanteDiretor do Centro de Ciências da Educação: Wilson Schmidt

Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a DistânciaDiretor da Unidade de Ensino: Felício Wessling MargottiChefe do Departamento: Izabel Christine SearaCoordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Sandra QuarezeminCoordenador de Tutoria: Renato Miguel BassoSupervisão de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Daiane da Rosa Acordi

Comissão EditorialTânia Regina Oliveira Ramos

Equipe Coordenação Pedagógica Licenciaturas a Distância

EaD/CCE/UFSCNúcleo de Desenvolvimento de MateriaisProdução Gráfica e HipermídiaDesign Gráfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern, Kelly Cristine SuzukiAdaptação do Projeto Gráfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha Oliveira Coordenação: Ane GirondiDiagramação: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli MichelonRevisão gramatical: Gustavo Andrade Nunes Freire, Marcos Eroni PiresDesign InstrucionalSupervisão: Maria Luiza Rosa BarbosaDesigner Instrucional: Maria Luiza Rosa Barbosa

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Copyright © 2008, Universidade Federal de Santa Catarina / LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.

Ficha Catalográfica

S237l Santos, Alckmar Luiz dos Literatura brasileira I / Alckmar Luiz dos Santos, Cristiano de Sales . —

Florianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2011.

Inclui bibliografia.ISBN : 9788561482466

1. Literatura brasileira – Estudo e ensino. 2. Literatura brasileira – História e crítica . 3. Literatura – Ensino gerenciado por computador. I. Sales, Cristiano de. II. Título.

CDU 869.0(81)

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.

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Sumário

Apresentação........................................................................................7 Unidade A: Momentos da Colônia .............................................. 9

1 Elementos constitutivos de uma literatura nacional ......................11

1.1 Literatura como sistema ................................................................................11

1.2 Uma literatura empenhada ...........................................................................12

1.3 Pressupostos .......................................................................................................13

1.4 O terreno e as atitudes críticas .....................................................................13

1.5 Os elementos de compreensão ...................................................................14

1.6 Conceitos .............................................................................................................15

2 A Carta do escrivão da armada Pero Vaz de Caminha ....................17

2.1 Observações para a leitura da Carta ..........................................................19

3 Tempo colonial da Literatura Brasileira ................................................27

4 O Tratado da Terra do Brasil ......................................................................31

4.1 Observações sobre o Tratado .......................................................................31

5 A obra de Padre José de Anchieta..........................................................35

Unidade B: Raízes de um Brasil literário ..................................436 O Boca-do-Inferno ......................................................................................45

6.1 Algumas leituras em paralelo .......................................................................45

6.2 Do Antigo Estado à Máquina Mercante, algumas anotações ..............51

7 A obra de Padre António Vieira ...............................................................57

7.1 Anotações sobre Vieira, ou a Cruz da desigualdade ...............................57

7.2 O Sermão da Sexagésima ................................................................................65

8 Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga ...............................................73

8.1 Anotações de Uma aldeia falsa, de Antonio Candido ..........................73

9 O Uraguai e o século XVIII ........................................................................79

9.1 Anotações a o Uraguai e A dois séculos d’o Uraguai ..............................79

Referências .........................................................................................91

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Apresentação

A perspectiva que aqui se adotará, no estudo da Literatura Brasileira, é, em princípio, histórica. Isso quer dizer que serão analisadas, na se-quência, as manifestações literárias na Era Colonial, do século XVI ao

XVII, baseados em dois dos mais importantes críticos brasileiros do século XX, Antonio Candido e Alfredo Bosi. Todavia, a abordagem histórica não se esgo-ta em si mesma e não será a única. Este material pretende também fornecer uma série de elementos de reflexão para as leituras que serão feitas, propondo perspectivas de abordagem tanto da obra literária, quanto do material extralite-rário. Em resumo, a disciplina Literatura Brasileira I pretende uma abordagem panorâmica e, claro!, não exaustiva, de alguns escritores e de algumas obras dos séculos XVI a XVII, período de formação daquilo que, a partir do sécu-lo XIX, será chamado Literatura Brasileira. Como consequência, uma série de escritores, listados como “portugueses” nos compêndios e manuais lusitanos, passa a ganhar outro relevo, por estarem inseridos numa série literária não mais européia. Por outro lado, é também importante salientar que essa perspectiva autônoma não pode nos impedir de entender sempre essa nossa literatura dos primeiros séculos dentro do contexto artístico e estético português. É justamen-te das tensões entre ser português ou brasileiro que se alimentam algumas das leituras críticas mais interessantes que procuramos associar às obras.

A este material impresso, se acrescenta o material desenvolvido especialmente para a navegação na internet. Ambos se complementam e, por vezes, se reco-brem, sem que o aluno tenha aí qualquer obstáculo a seu processo de aprendi-zagem. De fato, seja por meio do papel impresso, seja na tela do computador, um curso de Literatura Brasileira deve incentivar as pessoas a ler, a refletir, a escrever: ler obras literárias, críticas sobre essas obras, elementos de história literária e de teoria do texto, informações de história e de estética; refletir sobre os elementos apresentados e sobre suas próprias leituras; escrever a partir de sua experiência concreta de leitor. Em função disso, foram programadas as difer-entes atividades — presenciais e não presenciais — listadas no plano de ensino.

De outro lado, é também importante salientar que tais possibilidades não são as únicas. Ao leitor destas páginas sempre estará aberta (e encorajada!) a pos-sibilidade de caminhar por seus próprios meios, buscando mais informações, além das que aqui são colocadas: outras obras de história e de crítica literária, outras obras literárias de outros autores, outros tipos de adaptação da obra literária a diferentes meios (filmes, histórias em quadrinhos etc.).

Alckmar Luiz dos Santos

Cristiano de Sales

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Unidade AMomentos da Colônia

Mapa da Terra Brasilis (1519).

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Capítulo 01Elementos constitutivos de uma literatura nacional

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1 Elementos constitutivos de uma literatura nacional

Apresentar e discutir os elementos constitutivos de uma literatura nacio-

nal: o que faz com que, a partir de determinada época, se afirme a existência

de uma literatura nacional diferente e minimamente autônoma?

LEIA!

CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira: momentos de-cisivos. 5. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.

1.1 Literatura como sistema

Candido entende que a formação da literatura deve se dar à manei-ra de um sistema. Para o crítico, isso distinguiria “manifestações literá-rias” de “literatura”.

Em outras palavras, para Candido, literatura está definida como “um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permi-tem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores são, além das características internas (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organi-zados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. ” (p. 23)

Dentre os elementos desse sistema, Candido destaca os autores (“conjunto de produtores (...) mais ou menos conscientes de seu papel”), os leitores (“conjunto de receptores (...) formando os diferentes tipos de público”) e as obras (“mecanismo transmissor”, “linguagem traduzida em estilo”). (p. 23) O conjunto dos três, diríamos melhor, a relação dos três dá origem à literatura.

Candido fala ainda de uma literatura enquanto “fenômeno de ci-vilização”. Para que isso ocorra, é necessário instaurar-se uma tradição (algo que se transmite entre os homens) para que, no contato entre os escritores de diferentes períodos, uma espécie de “tocha” seja passada.

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A tradição consolida-se a partir do momento em que as obras não sejam tomadas autonomamente, mas sim dentro de um dado sistema, articulando-se assim com outras obras.

Antonio Candido atribui o termo “manifestações literárias” às obras que não se articulavam ainda nesse sistema (pensando aqui nos textos feito no Brasil desde o século XVI até as academias do século XVIII). Atentemos, porém, para o fato de que mesmo não estando inse-ridos ainda no sistema da literatura brasileira, esses textos (e os autores que surgiram nesse período) têm suas importâncias reconhecidas pelo crítico: “período importante e do maior interesse, onde se prendem as raízes de nossa vida literária e surgem, sem falar dos cronistas, homens do porte de António Vieira e Gregório de Matos...” (p. 24)

Para percebermos em que momento o sistema realmente se estabelece, Candido aconselha que olhemos para os “artífices imediatos”, pois assim se verifica a real continuidade que define uma tradição. E essa condição atinge “plena nitidez” apenas “na primeira metade do século XIX”. (p. 25)

Antes disso, segundo o crítico, o que se pode notar é uma “vonta-de de fazer literatura”, que dá origem a “conjuntos orgânicos”. E Candi-do estabelece como início desses conjuntos o período que se inicia em 1750, quando surgem as Academias dos Seletos e dos Renascidos, bem como os primeiros trabalhos de Cláudio Manuel da Costa.

1.2 Uma literatura empenhada

Empenho, nesse caso, não se restringia apenas à vontade de mos-trar que no Brasil se fazia literatura como na Europa, mas também se aplica à vontade de construir um país livre (principalmente depois da independência). Daí a importância dada por Candido ao fato de terem ou não os escritores consciência de seus afazeres literários.

Porém, esse espírito nacional custou certo preço em termos de estéti-ca, pois o engajamento podia muitas vezes limitar a inventividade: “Como não há literatura sem fuga do real, e tentativas de transcendê-lo pela ima-ginação, os escritores se sentiram freqüentemente tolhidos no vôo, preju-dicados no exercício da fantasia pelo peso do sentimento de missão, (...) Por outro lado favoreceu a expressão de um conteúdo humano,...” (p. 27)

Tendo sua poesia publi-cada apenas em 1881,

Gregório de Matos não teria influído no sistema da literatura antes dessa

data.

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Capítulo 01Elementos constitutivos de uma literatura nacional

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Do ponto de vista estético, Antonio Candido afirma ser positivo que esse primeiro empreendimento tenha se dado no século XVIII: “graças a isto, persistiu mais consciência estética do que seria de esperar do atraso do meio e da indisciplina romântica.” (p. 27)

Por outro lado, essa relação direta com a Ilustração neoclássica fez de nossos poetas desse período verdadeiros guardiões da realidade.

1.3 Pressupostos

É imprescindível, para Candido, esclarecer alguns aspectos acerca da escolha de abordar a literatura pelo viés da história. Isso se justifica mais ainda, se levarmos em conta o uso que se fez desse tipo de crítica nos anos que antecederam a Formação: “um esteticismo mal compreen-dido procurou, nos últimos decênios, negar validade a esta proposição – o que em parte se explica como réplica aos exageros do velho méto-do histórico, que reduziu a literatura a episódio da investigação sobre a sociedade, ao tomar indevidamente as obras como meros documentos, sintomas da realidade social.” (p. 30)

Deve-se também um pouco dessa resistência ao mau uso do forma-lismo que “... se fecha na visão dos elementos da fatura como universo autônomo e suficiente...” (p. 30)

Porém, essa forma equivocada de abordar a história em suas re-lações com a literatura não desacredita o crítico que tentar estabelecer como ponto de equilíbrio de seu trabalho justamente o fino traço en-tre conteúdo e forma. Na busca desse equilíbrio, está o ideal do crítico: “uma crítica equilibrada não pode, todavia, aceitar essas falsas incom-patibilidades, procurando, ao contrario, mostrar que são partes de uma explicação tanto quanto possível total, que é o ideal do crítico...” (p.31)

1.4 O terreno e as atitudes críticas

Sobre a postura e o procedimento que o crítico deve assumir, Can-dido nos ensina que “Toda crítica viva – isto é, que empenha a perso-nalidade do crítico e intervém na sensibilidade do leitor – parte de uma impressão para chegar a um juízo...” (p. 32)

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O “arbítrio” deve ser experimentado pelo crítico para que suas im-pressões pessoais (diríamos melhor, suas percepções) lhe mostrem a particularidade de cada autor, ou obra. A partir de então, o crítico deve relacionar essa primeira experiência com suas respectivas leituras para que, dessa relação, haja julgamento da obra. “O crítico é feito pelo es-forço de compreender, para interpretar e explicar; mas aquelas etapas se integram no seu roteiro, que pressupõe, quando completo, um elemento perceptivo inicial, um elemento intelectual médio, um elemento volun-tário final. Perceber, compreender, julgar.” (p. 33)

A Formação da Literatura foi escrita num período em que muito se trabalhava com o formalismo. Por isso Candido chama a atenção para que o estudo das formas seja utilizado, sim, mas como etapa impor-tante da elaboração crítica e não como base para todo o argumento. “Nada melhor que o aprofundamento, que presenciamos, do estudo da metáfora, das constantes estilísticas, do significado profundo da forma. Mas erigi-lo em critério básico é um sintoma da incapacidade de ver o homem e as suas obras de maneira una e total.” (p. 33)

A filosofia e a história fizeram, nesse sentido, um grande bem ao pensamento crítico dos séculos XIX e XX libertando-o dos “gramáticos e retores”.

1.5 Os elementos de compreensão

Os elementos são exatamente aqueles do sistema literário: social (públi-co), individual (escritor) e os resultados manifestados em objetos (texto).

O crítico deve abordar esses três elementos juntos para não se tor-nar um “sociólogo, psicólogo, biógrafo, esteta da língua.(...) olhar os três elementos simultaneamente é entender a obra como uma realidade au-tônoma, cujo valor está na fórmula que obteve para plasmar elementos não-literários: impressões, paixões, ideias, fatos...” (p. 34)

Propomos a leitura do exemplo dado por Candido na página 35, em que se recorta o sofrimento de três poetas que perderam seus filhos e que fazem da pena instrumento de alívio. Nessa passagem, o crítico deixa claro que a inspiração pode servir como ponto de partida, mas o

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Capítulo 01Elementos constitutivos de uma literatura nacional

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sucesso ou não, o alcance ou não do efeito literário é conseguido pelo tratamento literário que se dá.

Diferente do que pensam os formalistas, a interpretação dos textos literários não dispensa os elementos não literários. Se nos limitarmos à carga emotiva e não relacionarmos todos os elementos “não há crítica, operação, segundo vimos, essencialmente de análise, sempre que pre-tendemos superar o impressionismo.” (p. 35)

A mera ordenação de elementos formais, bem como a recorrência a imagens não são crítica literária se não vierem acompanhadas da análise que nos dará o homem e o mundo que é refletido pela literatura: “Um poema revela sentimentos, ideias, experiências; um romance revela isto mesmo, com mais amplitude e menos concentração. Um e outro valem, todavia, não por copiar a vida, como pensaria, no limite, um crítico não--literário; nem por criar uma expressão sem conteúdo, como pensaria, também no limite, um formalista radical. Valem porque inventam uma vida nova, segundo a organização formal, tanto quanto possível nova, que a imaginação imprime ao seu objeto.” (p. 35)

1.6 Conceitos

Quando Antonio Candido presta contas sobre a forma com que trabalhou os conceitos em sua Formação, ele procura deixar bem clara aquela proposta de continuidade, de tradição. Por isso, aproveita um conceito comum à história literária, o de período.

É proposto ainda uma troca do conceito geração por tema: “procu-rando apontar não apenas a sua ocorrência, num dado momento, mas a sua retomada pelas gerações sucessivas, através do tempo.” (p. 37)

Conceito básico na Formação da Literatura é a coerência tanto dos acontecimentos internos quanto externos da obra. Candido entende por coerência uma “integração orgânica dos diferentes elementos e fatores (meio, vida, ideias, temas, imagens etc.), formando uma diretriz, um tom, um conjunto, cuja descoberta explica a obra como fórmula.” (p. 38). No nível do autor, essa coerência se dá “através da personalidade li-terária”. E não se trata de psicologizar o autor, mas sim de buscar o traço

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afetivo, intelectual e moral do mesmo. E ela (a coerência) se dá também no nível do “momento”: “se manifesta pela afinidade, ou caráter comple-mentar entre as obras”. (p. 38)

Nesse empreendimento de desenhar uma coerência e um estilo para o tempo e para a obra que se olha, o crítico põe em prática aquele exercí-cio que apontamos inicialmente: faz valer um arbítrio que dá asas a sua inventividade e depois submete o imaginário a julgamento. Nessa ordem é que o pensador da literatura poderá contribuir para o sistema literário,

imprimindo sua própria leitura na obra e no tempo analisados.

Leia mais!

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial: 1500-1808/1836. São Paulo: Cultrix, 1975.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

ROMERO, Sílvio. Historia da Literatura Brasileira: 1500-1830. Disponí-vel em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00768.html. Acesso em 24 ago 2007.

VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acesso em 24 ago 2007.

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Capítulo 02A Carta do escrivão da armada Pero Vaz de Caminha

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A Carta do escrivão da armada Pero Vaz de Caminha

Apresentar e discutir sobre o que é tido como o primeiro documento

escrito produzido no Brasil, na perspectiva da cultura europeia colonizadora, a

Carta, do escrivão da armada Pero Vaz de Caminha.

LEIA!

Carta ao rei D. Manuel, de Pero Vaz de Caminha, de Leonardo Arroyo (Org.). São Paulo: Dominus, 1963.

http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-02136.html

Numa introdução crítica a uma das edições d’a Carta de Caminha, Leonardo Arroyo destaca um apontamento feito por Jaime Cortesão. Diz ele que o texto apresenta um “caráter eminentemente literário da missiva, considerando-a ‘como obra-prima literária dum gênero muito português e muito quinhentista: as cartas-narrativas de viagens, diri-gidas a El-Rei, e em que se colhem na espontaneidade nativa das emo-ções a força íntima dos caracteres e modos de a dizer’...”. E diz ainda que esse texto deixa mais evidente um “caráter de documento que de obra de arte, que é, aliás, o espírito em que está vazada.”

Leonardo Arroyo vê no autor d’a Carta um “admirável cronista, sim, e por todos os títulos. Em Pero Vaz de Caminha, ilustrado nas suas observações, transparece realmente um profundo humanista, tocado pela graça da terra, de suas mulheres e de seus mancebos.”

E os elogios vão além: “Tocado pela inocência da terra e dos homens, traços que se notam em muitas das passagens do documento, com um acentuado lastro lírico, cheio de compreensão e tolerância.” (p. 11-12)

O crítico diz também que “a carta de Pero Vaz de Caminha, a par de sua beleza como descrição, como fotografia de um mundo novo e surpre-endente, é rica de conteúdo humano, de conhecimento humano...” (p. 13)

No período de escrita do documento, 1º de maio de 1500, “as nar-rativas dos escrivães das armadas eram ao depois largamente utilizado pelos cronistas...” (p. 13)

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Malheiros Dias se referiu à Carta como ‘certidão de batismo’, e Arroyo via essa cer-tidão como um “dos mais belos na sua sig-nificação e no realismo de seu conteúdo: a terra tal como era e seu gentio, no alvorecer indeciso de uma nação...” (p. 14)

Ele concorda com a opinião de Antô-nio Baião, que afirma: “no contexto geral (...) a carta (...) é de uma ‘notável naturali-dade’...”. Diz ainda que “a maior impressão colhida por Pero Vaz de Caminha ante a nova paisagem foi a do autóctone...” (p. 14)

Leonardo Arroyo lembra também que ela representou um “registro da surpresa e da admiração do escrivão.” (p. 15)

Acompanhemos o crítico lendo pas-sagens da Carta: “As mulheres, por outro lado, são objeto de particular admiração (...): ‘bem novinhas e bem gentis, com ca-belos mui pretos e compridos pelas costas’.

Vai ele, porém, a maior detalhe, quando se refere às ‘suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam’. (...) atitude que seria, ao longo da história, talvez o fundamento dessa misteriosa plasticidade do portu-guês em todo o mundo: a confraternização...”

Por outro lado, Arroyo parece esquecer que a empreitada colonial eli-de, desde o início, qualquer traço dessa tolerância que ele pretende ver no português. Ilusão de óptica, distorção de quem se embaraça no estético-literário e esquece as mazelas do sistema colonial e a imposição destrutiva da cultura branca, como se pode ver em passagens como “... o respeito pelo indígena, pela sua inocência, que ao depois, ao longo da conquista, não seria assim tão tocante, mas assim mesmo, ainda, orientado num sentido de profunda confraternização racial. Confraternização de que resultaria, principalmente, o mameluco a sintetizar as qualidades do branco e do in-dígena em benefício da conquista e do domínio da imensa terra.” (p. 15)

Figura 1 – Fac-símile da Carta de Caminha a El Rey D. Manuel. Escrita na Ilha de Vera–Cruz em 1º de maio de 1500.

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Atentemo-nos ao recorte que Arroyo faz de Jacques Barzun: “Pero Vaz de Caminha totaliza amplamente um espírito humanista, inclusi-ve na preocupação pelo encontro do ouro, motivação fundamental dos feitos portugueses.” (p. 15) Daí pode-se perceber que falta indiscutivel-mente um ‘t’ no ouro que procuram os portugueses. De fato, nessa busca obsessiva pelo ouro, eles nunca chegam ao ou(t)ro.

2.1 Observações para a leitura da Carta

1) Olhando então para A Carta (da citada edição organizada por Arroyo), notamos algumas intromissões do organizador que parecem tirar um pouco da espontaneidade do original: “Na noite seguinte à segunda-feira (quando) amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo for-te ou contrário para (isso) poder ser!” (p. 28). Vejamos, mais uma vez, a intromissão descaracterizadora do organizador: “E depois tornou (a entregar) as contas a quem lhas dera.” (p. 35) E novamente: “... para lá andar com eles e saber de seu viver e (das suas) maneiras.” (p. 36)

2) Pensemos com mais calma naquilo que Arroyo chama de “tra-balho estetizante” de Caminha: “Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pre-tos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam” (p. 38) A partir do jogo de palavras com o termo vergonha, poderíamos pensar tam-bém que se queria dizer: não nos envergonhávamos. Oswald de Andrade, nos poemas de Pau-Brasil, retoma trechos como esse. E também o trecho seguinte: “... Diogo Dias (...) fez-lhe ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito.” (p. 49)

3) Mais que a mera preocupação documental, vê-se aqui e ali o desejo de verbalizar alguma preocupação de fidelidade (o que talvez seja herança das crônicas de Fernão Lopes) “... para afor-mosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.” (p. 28)

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4) Duas indicações são importantes quanto ao descobrimento do Brasil. Primeiro, uma designação diferente para o ato da des-coberta: “... a notícia do achamento desta Vossa terra nova...” (p. 27). Segundo, na Carta não há indicações da calmaria que teria levado os navios de Cabral até o Brasil, como se pode ver nas páginas 28-29.

5) Arroyo fala de uma mistura dos índios e dos europeus no sen-tido de uma confraternização (como se vê na página 46). Esse contato se dá realmente nesse sentido, ou poderíamos falar mais de um confronto que de uma confraternização?

Há, ao menos, a consciência de que o símbolo cristão não é, naturalmente, reconhecido pelo nativo: “... muito mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles não têm coisa que de ferro seja...” (p. 55).

Em certas passagens, se percebe uma dificuldade de compreensão en-tre índios e europeus, e é lugar-comum atribuir essa dificuldade à diferença das línguas: “Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitas-se, por o mar quebrar na costa. (...) E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.” (p. 55) Mas não estaria

Caminha falando sobre uma falta de en-tendimento pela posição física e não pela diferença das línguas?

A compreensão que têm os portugueses dos atos e gestos dos in-dígenas reflete, ao mesmo tempo, incapacidade para compreender o outro, mesmo que mediada pela vontade de fazê-lo, e também de um sentimento de superioridade cultural e intelectual.

Figura 2 – O desembarque dos portuguezes no Brazil ao ser descoberto por Pedro Alvares Cabral em 1500, de Alfredo Roque Gameiro (ca. 19--).

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“Os outros dois o Capitão teve nas naus, aos quais deu o que já ficou dito, nunca mais aqui apareceram – fato de que deduzo que é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva.” (p. 50) A questão é se esse sentimen-to é natural, ao menos nos primeiros contatos com a terra e com o nativo.

É patente que os portugueses consideram a fé cristã universal. Ademais, a inocência é aqui associada ao puro sentimento cristão, como se um estives-se ligado ao outro, indissoluvelmente: “Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências.” (p. 60)

De todo modo, essa não compreensão da religiosidade indígena – o não entender do europeu implicaria a não existência da religião – é do mesmo teor das considerações dos jesuítas quanto a Tupã, tomado como o Deus-pai, quando ele de fato não é nada disso.

6) Interpretação ou imposição de sentidos? Temos aí, claramente, um confronto cultural. Será que o Humanismo de Caminha se-ria suficiente para bem compreender o alcance da cultura que estava diante dele?

Por outro lado, a intenção propagandística de Caminha fica bem evidente nesse trecho, em que não consegue esconder a ânsia de atrair o interesse da Coroa e justificar o investimento e a empreitada: “Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de (querer) falar ao capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-no que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata!” (p. 34)

Todavia, ainda uma vez, as inserções do organizador tiram o ritmo e a espontaneidade da expressão de Caminha.

O que, antes, era sinal de que o objeto podia ser encontrado na ter-ra, agora se torna signo de troca. Caminha inventa, a seu bel-prazer, ou de acordo com suas necessidades, uma estratégia de decodificação dos gestos dos indígenas, sem se dar conta, talvez, de que ele faz os gestos dos indígenas significarem exatamente aquilo que ele deseja – ou que ele

Seria interessante uma análise semiótica dessas dicotomias gestos indíge-nas – interpretações de Caminha.

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deseja que El-Rei pense: “Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pesco-ço; (...) e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar!” (p. 35).

Novamente, temos interpretações preconcebidas e ideologizadas dos europeus. Se os índios não se fazem entender, a superior mente europeia se faz entender pelos índios: “Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbaria ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém. Acenamo-lhes que se fossem. E assim o fizeram e passaram-se para além do rio.” (p. 38)

Aponta-se para um possível livre-arbítrio associado aos nativos. A preocupação de Caminha centra-se na correta interpretação dos gestos e intenções significativas dos índios: “E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam.” (p. 44)

O que notamos aqui seria ingenuidade de Caminha, ou estratégia fic-cional para que a Coroa criasse interesse na nova terra? “... mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na terra.” (p. 48)

7) A retórica de Caminha e os seus raciocínios valem um estudo aprofundado, pois suas induções e deduções são extremamente distorcidas por ideias preconcebidas e por preconceitos. Veja--se, como exemplo: “... porque os seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não pode ser mais! E isto me faz presumir que não têm casas nem moradias em que se reco-lham; e o ar em que se criam os faz tais.” (p. 50)

A imitação que fazem os indígenas dos gestos dos portugueses é interpretada por estes como reverência natural diante da superioridade de uma fé e de uma cultura que eles não entendem, mas que sentem instintivamente ser superior. Séculos depois e ainda não nos libertamos

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dessa postura espantada diante da superioridade do que é incompreen-dido. Seria mais interessante especular como o indígena estava vendo aquele ritual europeu e como ele tentava relacioná-lo a suas realidades imediatas. Vejamos um trecho em que isso aparece: “E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos estando assim até se che-gar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós.” (p. 62)

Ora, em toda leitura, há sempre esse perigo de reduzir o texto ex-terior a nossas vontades interiores, nossa vontade de ter razão e de en-tender o texto à perfeição. Cremos que o esforço de Caminha se insere na visão que o cristianismo tem de si mesmo como única fé natural e universal. Encontrar selvagens que não (re)conheciam os símbolos e as verdades reveladas do cristianismo deveria ser uma experiência no mínimo traumática: “E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!” (p. 64)

8) Um elemento que atravessa todo o discurso (entenda-se docu-mento) é a pretensa superioridade europeia. Caminha dá uma certa ênfase no interesse despertado pelos brancos nos selvagens. “E quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali aos poucos.” (p. 31) O autor parece comprazer-se com esse interesse, sem deixar de demonstrar a humildade de lei.

Evidencia-se também a legitimação da superioridade do branco, demonstrada no modo como mostram objetos e seres que os europeus dominam e que fazem medo aos nativos. Ao mesmo tempo, é a con-firmação de que havia um mínimo de comunicação entre europeus e nativos, confirmando a compreensão dos portugueses de que a suspeita da existência de ouro e prata era factível. A história da galinha, ademais, não é plausível, se pensamos na quantidade de animais emplumados, semelhantes a galinhas, que os índios deviam, por certo, conhecer.

Aparecem, contudo, algumas diferenças nas interpretações que os nativos fazem dos portugueses. De todo modo, Caminha enfati-za sempre que os europeus conseguem entender a gestualidade dos

“Mostraram-lhes um papa-gaio pardo que o capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram--lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mos-traram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados.” (p. 34)

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nativos e estes não entendem a dos portugueses. “Acenaram-lhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os punham. Andava lá um que falava muito aos outros, que se afastassem.” (p. 43).

Caminha não consegue esconder seu senso de superioridade, a despeito do humanismo que lhe confere Arroyo. Mesmo os condenados europeus seriam capazes de domesticar o nativo: “... mas sim, para os de todo amansar e apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degreda-dos quando daqui partíssemos.” (p. 46).

E os europeus, naturalmente, ensinam aos índios: “... e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenaram que saíssemos.” ( p. 46).

Nota-se, até mesmo, um certo “deleite” ao se fazer referência à in-genuidade do nativo: “... como se fossem mais amigos nossos do que nós seus.” (p. 61).

9) No que se refere ao europeu diante do Novo Mundo ressalte-se a bela imagem da intromissão do estrangeiro em terras brasileiras, indo de corrida atrás dos nativos, sendo guiados por eles, mas, no final das contas, trazidos à beira do mar-oceano para espojar--se na água e provar o gosto da novidade trazida pelas ondas.

Nem mesmo dissimulado foi o projeto de dominação. A imposição cultural já é detectada desde o início. Assim, tudo não se passa exata-mente como eles querem, mas, na verdade, como querem os europeus: “Bastará (isso para Vossa Alteza ver) que até aqui, como quer que se lhes em alguma parte amansassem, logo de uma mão para outra se esquiva-vam, como pardais (com medo) do cevadouro. Ninguém não lhes ousa falar de rijo, para não se esquivarem mais. E tudo se passa como eles querem — para os bem amansarmos.” (p. 50).

Novamente o projeto de colonização já visto como imposição cultu-ral e controle estrito das manifestações culturais por parte do português: “... esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons.” (p. 60).

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Na empresa de levar a Fé aos pagãos apreciemos um mote propa-gandístico do projeto colonial europeu: “E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sal-vação deles.” (p. 60).

O início da escravidão é aqui mostrado quase como consequência natural da supremacia cultural e intelectual do europeu: “... Simão de Miranda, um que já trazia por pajem; e Aires Gomes a outro, pa-jem também.” (p. 61).

Não obstante, há o que se pode chamar de pro-jeto de aculturação do nativo: “... e foram esta noi-te mui bem agasalhados tanto de comida como de cama, de colchões e lençóis como de cala, para os mais amansar.” (p. 61).

Contudo, é possível uma passagem da inocência à salvação, pela obra da pregação dos europeus: “Entre todos estes que hoje (...) o que pertence à sua salvação.” (p. 66).

Poderíamos também falar de uma publicidade oficial: “Em tal ma-neira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por cau-sa das águas que tem!” (p. 67).

O argumento da catequização serve algumas vezes, na pena de Ca-minha, para encobrir o projeto comercial: “Até agora não pudemos sa-ber se há ouro ou prata nela (...) Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a princi-pal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.” (p. 67).

Práticas político-administrativas, como o clientelismo e o nepotis-mo, já começavam a ser praticadas em 1500, conforme mostra o próprio documento “E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro — o que d’Ela receberei em muita mercê.” (p. 68).

Figura 3 – Primeira Missa, de Victor Meirelles (1860).

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Por fim, destaquemos a imagem da tábula rasa aristotélica, mesmo no que se refere à crença religiosa. Através desse raciocínio de base escolástica, os europeus pretendem justificar a imposição de sua cultura e de sua religião — que não seria imposição, mas ensinamento aos indígenas das verdades que eles ainda não foram capazes de aprender no contato com o real, com a natureza. Há aqui, assim, todo o projeto catequético dos jesuítas: construir a fé católica em selvagens atrasados que ainda não tiveram a graça de conhe-cerem a verdade revelada. Por outro lado, seria interessante especular sobre a sorte dos degredados que aqui ficaram. Mais do que converter os nativos, é de presumir que foram eles os aculturados, como os europeus dos anos seguintes que, vivendo entre índios antropófagos, adotaram os hábitos todos dos nativos, para horror dos europeus recém-chegados ao Novo Mundo: “E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. (...) E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conheci-mentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam...” (p. 65)

Leia mais!

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial: 1500-1808/1836. São Paulo: Cultrix, 1975.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

SCHÜLER. Donaldo. “A retórica da subordinação e da insubordinação na carta do achamento”. Revista Agulha. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/dschuler.html#pero. Acesso em: 24 ago 2007.

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Capítulo 03Tempo colonial da Literatura Brasileira

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Tempo colonial da Literatura BrasileiraApresentar e discutir a posição de Alfredo Bosi, quanto ao século XVI,

dentro da Literatura Brasileira.

LEIA!

BOSI, Alfredo. “A condição colonial”. In: ______. História Concisa da

Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 11-29.

Observações sobre a condição colonial

1) A condição colonial, mesmo que determinada parcialmente pela cultura europeia, teve de adaptar-se às condições e às con-tingências locais. Não se tratou apenas de uma transposição da mentalidade europeia, mas de um modo de ver europeu que foi levado a ver coisa totalmente nova e, por isso, modificou-se em sua própria maneira de ver. Vide à página 13:

“O problema das origens da nossa literatura [deve ser entendido] nos mesmos termos das outras literaturas americanas, isto é, a par-tir da afirmação de um complexo nacional de vida e de pensamento.”

2) Bosi vê nas diferenças entre metrópole e colônia a origem do nativismo e do início do processo de autonomização (criação de esfera própria de autorreflexão). No final desse processo, desenvolve-se o nacionalismo. Com isso, as questões que mar-caram a fase colonial transcendem o próprio período colonial e são fundamentais para se entender a cultura brasileira como um todo, até os dias de hoje.

3) Bosi aponta que “ciclos de ocupação e de exploração formaram ilhas sociais (Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo), que deram à Colônia a fisionomia de um arqui-pélago cultural.” (p. 13-14). Como consequência, temos dois movimentos diferentes: a “dispersão do país em subsistemas

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regionais, até hoje relevantes para a história literária” e “a se-qüência de influxos da Europa, responsável pelo paralelo que se estabeleceu entre os momentos de além-Atlântico e as esparsas manifestações literá-rias e artísticas do Brasil-colônia...”.

4) Haveria um paralelismo nada rigoroso entre as manifestações culturais europeias e as brasileiras. Como exemplo, a coexistência do barroco arquitetô-nico de Aleijadinho (e outros) e os textos neoclássi-cos, nas Minas Gerais.

5) Disso resulta, segundo Bosi, uma mistura de “códigos literários europeus mais mensagens ou con-teúdos já coloniais”, um “caráter híbrido (...) luso-bra-sileiro...” (p. 14).

6) Com a decadência portuguesa, no século XVII, o Brasil passa a receber manifestações culturais já de segunda mão. “O Brasil reduzia-se à condição de subcolônia...” (p. 14)

7) E as diferenças entre a produção portuguesa e a brasileira? “A rigor, só laivos de nativismo, pitoresco no século XVII e já reivindicatório no século seguinte, po-

dem considerar-se o divisor de águas entre um gongórico portu-guês e o baiano Botelho de Oliveira, ou entre um árcade coimbrão e um lírico mineiro.” (Nesses termos, haveria apenas diferenças de conteúdo. Seria só isso mesmo?!)

8) Mesmo com a Conjuração Mineira, as ideias de renovação e de liberdade são emprestadas da Europa, da Revolução Francesa. “De qualquer modo, a busca de fontes ideológicas não-portu-guesas ou não-ibéricas, em geral, já era uma ruptura consciente com o passado e um caminho para modos de assimilação mais dinâmicos, e propriamente brasileiros, da cultura europeia, como se deu no período romântico.” (p. 14-15)

9) De todo modo, o período inicial é importante para compreen-dermos em que bases se deu a mestiçagem cultural (e não apenas

Figura 4 – Um dos Doze Profetas, escultura em pedra-sabão de Aleijadinho, em frente à igreja Bom Jesus de Matosinhos (1757), em Congonhas do Campo.

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Capítulo 03Tempo colonial da Literatura Brasileira

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racial), base de nossa literatura, inserida nessa dialética (que, em muitos casos, não passa de hesitação) entre localismo e universa-lismo (transposta, inclusive, para o nível nacional, em que tam-bém se estabelecem tensões entre “local” – leia-se regiões menos desenvolvidas – e “universal” – regiões mais desenvolvidas).

Textos de informação

1) A respeito desses textos, Bosi afirma, na página 16, que “en-quanto informações, não pertencem à categoria do literário, mas à pura crônica histórica e, por isso, há quem as omita por escrúpulo estético (José Veríssimo, por exemplo, na sua Histó-ria da literatura brasileira).”

2) Prestemos atenção, porém, a esses textos que não têm valor apenas pelo teor documental, nem apenas pelo literário, mas nos faz enxergar um fundamento primeiro, de imposição de uma língua e de descoberta de temática e de cenário. À página 16, lê-se: “No entanto, a pré-história das nossas letras interessa como reflexo da visão do mundo e da linguagem que nos lega-ram os primeiros observadores do país.”

3) Consequentemente, em decorrência da imposição de formas e de assuntos, podemos ver também de que forma nossa produ-ção escrita reage a “... sugestões temáticas e formais. Em mais de um momento a inteligência brasileira, reagindo contra certos processos agudos de europeização, procurou nas raízes da terra e do nativo imagens para se afirmar em face do estrangeiro...”

4) Textos de origem portuguesa que merecem destaque:

a) a Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel (...);

b) o Diário de Navegação de Pero Lopes e Sousa, escrivão do primeiro grupo colonizador, o de Martim Afonso de Sou-sa (1530);

c) o Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil de Pero Magalhães Gândavo (1576);

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d) a Narrativa Epistolar e os Tratados da Terra e da Gente do Bra-sil do jesuíta Fernão Cardim (a primeira certamente de 1583);

e) o Tratado Descritivo do Brasil de Gabriel Soares de Sousa (1587);

f) os Diálogos das Grandezas do Brasil de Ambrósio Fernan-des Brandão (1618);

g) as Cartas sobre a Conversão dos Gentios do Pe. Manuel da Nóbrega;

h) a História do Brasil do Fr. Vicente do Salvador (1627).”

Sobre Caminha, Bosi diz:

“... a Carta de Caminha a D. Manuel (...) insere-se em um gênero copiosamente representado durante o século XV em Portugal e Espa-nha: a literatura de viagens...”

“Espírito observador, ingenuidade (no sentido de um realismo sem pregas) e uma transparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo missionário de uma cristandade ainda medieval (...) atenuando a im-pressão de selvageria que certas descrições poderiam dar...” (p. 16-17)

Leia mais!

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial: 1500-1808/1836. São Paulo: Cultrix, 1975.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

SANTOS, Ilda dos. Peregrinações brasílicas Modalidades da Aventura no sé-culo XVI. O exemplo de Antony Knivet, inglês. Disponível em: http://www.geocities.com/ail_br/peregrinacoesbrasilicas.htm. Acesso em: 24 ago 2007.

Literatura de viagens. Disponível em: http://www.instituto-camoes.pt/cvc/literatura/litviagens.htm. Acesso em: 24 ago 2007.

Literatura de viagens. Disponível em: http://www.universal.pt/scripts/hlp/hlp.exe/artigo?cod=6_145. Acesso em: 24 ago 2007.

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Capítulo 04O Tratado da Terra do Brasil

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O Tratado da Terra do Brasil Apresentar e discutir uma das obras mais importantes

da chamada literatura informativa, o Tratado da Terra do Brasil,

de Pero de Magalhães Gândavo.

LEIA!

Tratado da Terra do Brasil, de Pero de Magalhães Gândavo.

Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/

texto/0006-00941.html

4.1 Observações sobre o Tratado

1) Pensemos na importância da estratégia de convencimento ou de propaganda, apontada por Bosi em Tratado da Terra do Bra-sil e História da Província Santa Cruz, de Gândavo: “Ambos os textos são, no dizer de Capistrano de Abreu, ‘uma propaganda da imigração’, pois cifram-se em arrolar os bens e o clima da colônia, encarecendo a possibilidade de os reinóis (‘especial-mente aqueles que vivem em pobreza’) virem a desfrutá-la.” (p. 18)

2) Ainda nos dizeres de Bosi, o texto denota um perfil “... huma-nista, católico, interessado no proveito do Reino.” (p. 18)

3) É preciso atenção ao Nativismo da obra. De acordo com Bosi, “a sua atitude íntima, na esteira de Camões, e que se rastrea-rá até os épicos mineiros, consiste em louvar a terra enquan-to ocasião de glória para a metrópole. (...) o nativismo, aqui como em outros cronistas, situa-se no nível descritivo e não tem qualquer conotação subjetiva ou polêmica.” (p. 19)

4) Aparecem imagens edênicas do novo mundo: “... certo otimis-mo (...) quanto às potencialidades da colônia: e quem respin-gou os louvores desses cronistas, ainda imersos em uma credu-lidade pré-renascentista, pôde falar sem rebuços em ‘visão do

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paraíso’ como leitmotiv das descrições: Eldorado, Éden recupe-rado, fonte da eterna juventude, mundo sem mal, volta à Idade de Ouro...” (p. 19)

5) Na página 20, Bosi aponta a descrição de costumes e de ele-mentos socioeconômicos: “Nem faltam passagens pinturescas; no capítulo ‘Das plantas, mantimentos e frutos que há nesta Província’...”; “Sua atitude em face do índio (...) vai da observa-ção curiosa ao juízo moral negativo...”

6) Atitudes preconceituosas e cheias de presunção são encontra-das no Tratado: “A língua tupi carece de três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem desordenadamente sem terem além disso conta, nem peso, nem medido.”

7) Uma constante preocupação mercantil também é apontada por Alfredo Bosi: “A História termina com uma das tônicas da li-teratura informativa: a preocupação com o ouro e as pedras preciosas...” (p. 20)

8) Em outra passagem, Bosi deixa entrever que a existência das riquezas, para os homens do século XVI, se explicaria pela pro-vidência divina, que aqui as colocaria para atrair a ambição dos homens e, assim, permitir a chegada da palavra de Deus.

Olhemos um pouco mais de perto o Tratado.

Logo na dedicatória, vemos o alcance político da literatura infor-mativa e a importância e “originalidade” (pretextada pelo autor) das vi-sões do paraíso. Isso se repete no Prólogo ao leitor, que evidencia tam-bém uma certa rivalidade com a Espanha.

Na Declaração da costa o que se nota é uma preocupação com da-dos geográficos, que por sua vez nos faz pensar num pragmatismo: faci-litar a ocupação do país e a produção de riquezas.

A partir do Capítulo Primeiro, a divisão geográfica obedece à divi-são em capitanias, imposta por Portugal, em vez de uma divisão baseada nas diferenças étnicas entre os povos indígenas.

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Capítulo 04O Tratado da Terra do Brasil

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No Capítulo Segundo o que se vê é uma ênfase no empreendimento mercantil e na acumulação de riquezas. E poderíamos destacar também um otimismo propagandístico.

No Capítulo Terceiro aparecem dados demográficos e apresentação das forças produtivas.

Os primeiros espantos do europeu diante da especi-ficidade brasileira aparecem no Capítulo Quarto. O pito-resco começa a aparecer e vai ser presença constante na Literatura Brasileira.

No Capítulo Quinto temos as primeiras descrições de índios hostis, nota-se isso pela ênfase que se dá na diferença deles com relação aos demais índios (ninguém os entende, são avessos a contatos com civilizados).

Com isso o europeu opera num sentido de demoni-zar o indígena para justificar a violência da empreitada colonial.

No Capítulo Nono fica marcada uma cumplicidade dos jesuítas na empreitada da coroa em colonizar (a qualquer custo) a terra e sua gente.

Tratado Segundo

No Capítulo Primeiro do segundo Tratado se inverte uma relação: há uma adaptação da terra à cultura europeia e não o oposto; é a terra que tem de ser propícia à criação de cabras e ovelhas, por exemplo. Há também uma defesa da base servil da economia.

No Capítulo Segundo vemos a recriação de imagens da terra da Co-cagne, isto é, do paraíso terrestre, na visão de uma mitologia europeia medieval.

Uma hospitalidade do clima da terra pode ser observada no Capí-tulo Terceiro. Poderíamos pensar novamente numa visão edênica.

Do Capítulo Quarto ao Sexto destaca-se uma visão nativista, tema a se tornar recorrente em nossa Literatura: são os casos de Bento Teixeira, Botelho de Oliveira, Rocha Pita e tantos outros.

Figura 5 – Cena de ritual antropofágico dos Tupinambás, de Jean de Lèry (1578).

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O Capítulo Sétimo traz descrições dos “bárbaros” e dos costumes segundo a perspectiva europeia, etnocêntrica; em nenhum momento, se atenta para o fato de que há também a perspectiva do Outro.

Descrição que se compraz no exotismo autóctone é perceptível no Capítulo Oitavo. Podemos até pensar num antecedente da postura que, até hoje, assume grande parte dos brasileiros — intelectual ou não — no exterior.

E, por fim, o Capítulo Nono demonstra a cobiça e predestinação como móveis da expansão europeia (e, claro, também da fé católica).

Leia mais!

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial: 1500-1808/1836. São Paulo: Cultrix, 1975.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

NOELLI, Francisco Silva; GUIRADO, Maria Cecília. Relatos do desco-brimento do Brasil – as primeiras reportagens Revista Brasileira de Histó-ria. Vol. 25, nº 50. São Paulo, julho/dez. de 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-1882005000200014&script=sci_arttext. Acesso em: 24 ago. 2007.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

VAZ. João. Upupiara: “o que vive no fundo das águas”. Disponível em: http://maritimo.blogspot.com/2003/12/upupiara-o-que-vive-no-fun-do-das-uas.html. Acesso em: 24 ago. 2007.

VERÍSSIMO, José. História da literatura Brasileira. Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acesso em: 24 ago. 2007.

Livro 02. História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Pero de Magalhães Gândavo (1576) História e Estórias de um País Primitivo. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/senado/ilb/Bra-sildasLetras/mod1_02.html. Acesso em: 24 ago. 2007.

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Capítulo 05A obra de Padre José de Anchieta

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A obra de Padre José de Anchieta

Apresentar e discutir a obra e a atuação cultural do Padre José de Anchieta,

segundo a perspectiva de Alfredo Bosi.

LEIA!

BOSI, Alfredo. Anchieta, ou as flechas opostas do sagrado. In: ________. Dialética da Colonização. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Alfredo Bosi dedica todo um capítulo de sua Dialética a Anchieta, por isso a importância de se ler o Auto acompanhado das reflexões que destacamos abaixo.

1) Na tentativa de utilizar a tradição literária europeia com intuitos pedagógicos preci-sos, ou seja, catequizar os nativos, nota-se um descompasso entre a pretensão ideoló-gico-pedagógica dos jesuítas e o material humano – índios – e linguísticos de que dispunham os padres: no “... idioma tupi (...) O poeta procura, no interior dos códigos tupis, moldar uma forma poética bastan-te próxima das medidas trovadorescas em suas variantes populares ibéricas...” (p. 64)

2) Os jesuítas (sobretudo Anchieta) apostam na tentativa de transpor o imaginário e a linguagem do colonizador para o espaço do colonizado. Em decorrência disso, “acul-turar também é sinônimo de traduzir. (...) transpor para a fala do índio a mensagem católica (...) um es-forço de penetrar no imaginário do outro...” E ainda: “Como dizer aos tupis, por exemplo, a palavra pecado, se eles careciam até mesmo da sua noção (...)? Anchieta, neste e em outros casos extremos, prefere enxertar o vocábulo português...” (p. 65)

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Figura 6 – Anchieta escrevendo na areia, de Benedito Calixto (1901).

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3) Notamos então, a criação de uma mitologia terceira, híbrida entre os índios e os europeus, cujos frutos cumpre discutir e, talvez, questionar. A título de exemplo, pensemos em três co-mentários de Bosi:

“O mais comum é a busca de alguma homologia (...) Bispo é Pai--guaçu, (...) pajé maior. Nossa Senhora (...) Tupansy, mãe de Tupã. O reino de Deus é Tupãretama, terra de Tupã. Igreja, coe-rentemente é tupãóka, casa de Tupã. Alma é anga, que vale tanto para sombra quanto para o espírito dos antepassados. Demônio é Anhanga, espírito errante e perigoso. Para a figura bíblico-cris-tã do anjo, Anchieta cunha o vocábulo karaibebê, profeta voador (...) A nova representação do sagrado assim produzida já não era nem a teologia cristã nem a crença tupi, mas uma terceira esfera simbólica, uma espécie de mitologia paralela que só a situação colonial tornara possível.” (p. 66)

“De qualquer modo, o que poderia significar para a mente dos tupis, fundir o nome de Tupã com a noção de um Deus uno e trino, ao mesmo tempo todo-poderoso, e o vulnerável Filho do Homem dos Evangelhos?”

“Karaí é tanto o homem branco (...) quanto o profeta-cantor gua-rani, a santidade que vai de tribo em tribo anunciando a Terra sem Mal. Mas em que pensariam os índios acoplando karaí à idéia de vôo expressa em bebê? Nos seus próprios xamãs nôma-des e videntes, mas agora dotados de asas? Ou então em portu-gueses alados?” (p. 66)

4) Logo, é possível observar que a mitologia indígena perde suas características tradicionais: “O círculo sagrado dos indígenas perde a unidade fortemente articulada que mantinha no estado tribal e reparte-se, sob a ação da catequese, em zonas opostas e inconciliáveis. De um lado, o Mal, reino de Anhanga, (...). De outro lado, o reino do Bem, onde Tupã se investe de virtudes criadoras e salvíficas, em aberta contradição com o mito origi-nal que lhe atribuía precisamente os poderes aniquiladores do raio.” (p. 66)

5) Primeira consequência desse descompasso: imposição de uma visão simplista e redutora: os índios eram considerados uma sociedade sem religião, esperando a chegada da “verdadeira”

Que significa raio.

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religião – o catolicismo. Daí a afirmação de Bosi de que há em “... Anchieta (...) uma poesia e um teatro cujo correlato imagi-nário é um mundo maniqueísta cindido entre forças em perpé-tua luta...” (p. 67)

6) Na página 68, Bosi fala do que seria uma ilusão de óptica do co-lonizador: “... os tupis não prestavam culto organizado a deuses e heróis, foi relativamente fácil aos jesuítas inferir que eles não tivessem religião alguma e preencher esse vazio teológico com as certezas nucleares do catolicismo, precisamente a criação e a redenção.”

7) Segunda consequência dessa visão do europeu imposta à cul-tura do indígena americano: a demonização da religiosidade indígena. De acordo com Bosi, “... se deveria buscar em outro locus simbólico o cerne da religiosidade tupi. (...) nem em li-turgias a divindades criadoras, nem na lembrança de mitos as-trais, mas no culto dos mortos, no conjuro dos bons espíritos e no esconjuro dos maus.” (p. 68)

Acontece uma espécie de aculturação, isto é, de modificação nos esquemas culturais do indígena, mas com a inversão simbólica de sua religiosidade. De fato, a “... pregação jesuítica [acaba por] diabolizar toda cerimônia que abrisse caminho para a volta dos mortos.” (p. 69)

De outro lado, a colonização acaba apostando até na inversão do sentido do fato histórico. Segundo Bosi, é “exemplar, a fala de Guaixará, rei dos maus espíritos, no auto intitulado Na Festa de São Lourenço. (...) o nome de Guaixará se deve ao fato de assim chamar-se o herói tamoio do Cabo Frio que atacou duas vezes os lusos...” (p. 70)

Como resultado, temos “... religiões que tendem a edificar a figura da consciência pessoal unitária, como o judaísmo e o cristianismo, te-mem os rituais mágicos (...) suspeitando-os de fetichistas ou idólatras. (...) Há uma tradição multissecular de luta judeu-cristã (a que não esca-pou o islamismo) para depurar o imaginário...” (p. 71)

Em consequência, “no caso luso-brasileiro, a ponte entre a vida simbólica dos tupis e o cristianismo acabou-se fazendo graças ao cará-ter mais sensível, mais dúctil e mais terrenal do catolicismo português,

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se comparado com o puritanismo inglês ou holandês dominante nas colônias da Nova Inglaterra. A devoção popular ibérica não dispensa-va o recurso às imagens; antes, multiplicava-as. Por outro lado, valia-se muitíssimo das figuras medianeiras entre o fiel e a divindade...” (p. 72)

Mas, “... as cerimônias indígenas de relação com os mortos foram vistas, sob a ótica dos viajantes e missionários, como sintomas de barbá-rie e, mais comumente, caíram sob a suspeita de demonização. O pro-cesso colonial impedia que a aculturação simbólica se fizesse livre, lisa e horizontalmente sem desníveis e fraturas de sentido e valor.” (p. 73)

8) Terceira consequência: a demonização da cultura indígena e da natureza. De fato, isso correspondia ao espanto e ao temor dos colonizadores postos em terra hostil, diante de uma natureza e de costumes a que eram totalmente alheios. Diz Bosi que “a natureza que não se pôde domar é perigosa. Os espíritos infer-nais chamam-se, Na festa de São Lourenço: boiuçu, que é cobra--grande; mboitininguçu, cobra que silva, cascavel; andiraguaçu, morcegão-vampiro; jaguará, jaguar ou cão de caça; jibóia; socó; sukuriju, sucuri, cobra que estrangula; taguató, gavião; atyra-bebó, tamanduá grenhudo; guabiru, rato-de-casa; guaikuíka, cuíca, rato-do-mato; kuiruru, sapo-cururu; sariguéia, gambá; mborará, abelha-preta; miaratakaka, cangambá; sebói, sangues-suga; tamarutaka, espécie de lagosta, tajassuguaia, porco. Tudo quanto no reino animal metia medo ou dava nojo ao europeu vira signo dúbio de entidades funestas em ambos os planos, o natural e o sobrenatural.” (p. 73-74)

9) Quarta consequência: mascaramento das verdadeiras ques-tões políticas.

Do auto Na vila de Vitória :

“Como o processo é todo figurado e rebatido para uma cena em que se movem entes emblemáticos, o espectador não vê nem co-nhece de perto o drama histórico real, nem sequer os atos políticos dos grupos supostamente possuídos pela megera Ingratidão. (...) mimar as atitudes socialmente reprováveis com falas e gestos gro-tescos que, por hipótese, agradariam a públicos iletrados. A moral e o circo enlaçados a serviço de um interesse político.” (p. 77)

A esse propósito, ler Cata-tau, de Paulo Leminski.

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Capítulo 05A obra de Padre José de Anchieta

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10) Podemos destacar, ainda, trechos do ensaio de Bosi que nos mostram a produção do colonizador dentro da colônia e o quanto se usava de forma estratégica as alegorias para a elabo-ração do discurso.

“A inspiração dos motivos internos e a sua seqüência obedecem à lógica do pensamento mítico, mas tudo vem preso a um ponto de vista alegórico-político fundamente enraizado na dinâmica dos interesses e do poder.” (p. 78)

“... na alegoria, o cotidiano dos grupos sociais e os seus desejos e conflitos reduzem-se a extremos de função exemplar: ou degra-dam-se ao nível bestial, ou sublimam-se pelo mecanismo ideo-lógico que consiste em assumi-los figuradamente pelo «discurso sobre uma coisa para fazer entender outra.” (p. 80)

“... Anchieta (...) Nas entranhas da condição colonial concebia-se uma retórica para as massas que só poderia assumir em grandes esquemas alegóricos os conteúdos doutrinários que o agente acul-turador se propusera incutir. A alegoria exerce um poder singular de persuasão, não raro terrível pela simplicidade das suas imagens e pela uniformidade da leitura coletiva. Daí o seu uso como ferra-menta de aculturação, daí a sua presença desde a primeira hora da nossa vida espiritual, plantada na Contra-Reforma...” (p. 81)

11) Na maneira como se apresente a obra de Anchieta, a literatura surge como subjetividade e como revelação. Poderíamos pensar numa pausa em meio ao processo colonial? “... Anchieta (...) sua lírica (...) em vez de pregar ao tupi e ao colono, diz as suas próprias tensões espirituais (...). A fé atinge o nível da experiência.” (p. 82)

Bosi fala de “duas linhas de formação poética (...) a) a prática de símbolos tomados à vida cotidiana; b) a proliferação da linguagem mís-tico-efusiva.” (p. 82)

12) A transposição dos mesmos elementos de um discurso a outro modifica-lhes a validade e evidencia um etnocentrismo. O co-lonizador cai, muitas vezes, em contradição por querer fazer de seu discurso sempre o mais importante, por ser, acima de tudo, centralizador. “Tudo quanto se condenava como inspiração diabólica na vida das comunidades tupis – o uso e a celebração tribal da comida e da bebida, da dança e do canto, da oração e

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do transe – reverte positivamente à Eucaristia como expressão de um culto de teor interpessoal que se vale do alimento para santificá-lo.” (p. 83)

13) A religiosidade é vivida e mostrada como experiência – lem-brando o misticismo de um San Juan de la Cruz ou de uma Só-ror Juana Inez de la Cruz. É possível percebermos a revivescên-cia de uma ritualidade que se aproxima imperceptivelmente de um substrato comum aos indígenas.

14) Algumas vezes podemos ver a cultura do colonizado desper-tando latências na cultura do colonizador. Haveria nisso uma comunicação cultural? “... na aversão que certas práticas in-dígenas (...). Talvez (...) o pavor de recair em algum escuro e vertiginoso poço pré-histórico submerso (...) Sacer queria di-zer também, no velho latim, tremendo e nefando (auri sacra fames), aquilo que não se deve sequer nomear.” (p. 84 )

Uma diferença importante: “Se nas cerimônias tupis há a difusão do sagrado com a perda de identidade anterior (a cada ritual antropó-fago seguia-se uma renomeação dos seus participantes), no itinerário cristão ortodoxo busca-se a mais perfeita realização da alma individual que os teólogos medievais, mestres de Inácio de Loyola, denominavam visio beatifica.” (p. 84)

15) Reatemos os fios.

Houve duas faces da colonização: deturpação da cultura do coloniza-do e incorporação de alguns de seus elementos culturais à própria cultura do colonizador. “A pedagogia da conversão apagava os traços progressistas virtuais do Evangelho fazendo-os regredir a um substituto para a magia dos tupis. No entanto, a poesia do Anchieta [surge] outro tempo histórico e psicológico, o tempo da pessoa que escolhe aceitar ou recusar o amor de um Deus pessoal e entranhadamente humano.” (p. 92) “... o que aconteceu (...) terá significado uma franca regressão da consciência culta européia quando absorvida pela práxis da conquista e da colonização.” (p. 93)

Como material complementar para o tema, podemos destacar tam-bém alguns recortes feitos a partir do capítulo I da História Concisa, também de Alfredo Bosi.

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Capítulo 05A obra de Padre José de Anchieta

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Quanto à informação dos jesuítas ele afirma: “... tão rica de infor-mações e com um ‘plus’ de intenção pedagógica e moral.” (p. 21)

E centrando fogo em Anchieta fala que “... os missionários (...) uni-ram à sua fé (neles ainda de todo ibérica e medieval) um zelo constante pela conversão do gentio...” (p. 22) Fala também que “... só em José de Anchieta é que acharemos exemplos daquele veio místico que toda obra religiosa, em última análise, deve pressupor.” (p. 22) E que o enxerga como “... diligente anotador dos sucessos de uma vida acidentada de apóstolo e mestre; para conhecê-lo precisamos ler as Cartas, Informa-ções, Fragmentos Históricos e Sermões...” (p. 22)

Bosi emite também um juízo estético-ideológico acerca do Padre An-chieta: “E se seus autos são definitivamente pastoris (no sentido eclesial da palavra), destinados à edificação do índio e do branco em certas ceri-mônias litúrgicas (Auto Representado na Festa de São Lourenço, Na Vila de Vitória, e Na Visitação de Santa Isabel), o mesmo não ocorre com os seus poemas que valem em si mesmos como estruturas literárias.” (p. 22)

Novamente uma visão direcionada para o estético-ideológico: “A linguagem de ‘A Santa Inês’, ‘Do Santíssimo Sacramento’ e ‘Em Deus, meu Criador’ molda-se na tradição medieval espanhola e portuguesa; em metros breves, da ‘medida velha’, Anchieta traduz a sua visão do mundo ainda alheia ao Renascimento e, portanto, arredia em relação aos bens terrenos.” (p. 22-23)

Diz ainda que “... aqueles traços de mortificação (exasperados mais tarde pelo jesuitismo barroco) nele servem de contraponto ao motivo mais abrangente do alimento sagrado, símbolo da união com Deus...” (p. 24); e que, “ao lado desse veio, outro igualmente religioso, mas tirante a um cômico simples, quase simplório no trato das comparações...” (p. 24)

Novamente a ideologia e a estética atuando juntas: “quanto aos autos atribuídos a Anchieta, deve-se insistir na sua menor autonomia estética: são obra pedagógica, que chega a empregar ora o português, ora o tupi, conforme o interesse ou o grau de compreensão do público a doutrinar.” (p. 25)

E, por fim, ressalte-se a “... tradição ibérica dos vilancicos, que se cantavam por ocasião das festas religiosas...” e a constatação feita acerca

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do alegórico nessa empreitada estético-ideológico: “os autos de Anchie-ta, como os mistérios e as moralidades da Idade Média, que estendiam até o adro da igreja o rito litúrgico, materializam figuras fixas dos anjos e dos demônios os pólos do Bem e do Mal, da Virtude e do Vício (...) daí o seu realismo, que à primeira vista parece direto e óbvio, ser, no fundo, alegoria.” (p. 26)

Leia mais!

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. Das origens ao Romantismo. 7. ed. São Paulo: Difusão Euro-péia do Livro, 1979. V. 1.

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial: 1500-1808/1836. São Paulo: Cultrix, 1975.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. LITERATURA BRASILEI-RA. Anchieta, José de, padre (1534 - 1597). Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=biografias_texto&cd_verbete=5269&cd_item=35&CFID=467025&CFTOKEN=33099133. Acesso em: 24 ago. 2007.

HERNANDES, Paulo Romualdo. O teatro de José de Anchieta: arte e peda-gogia no Brasil colônia. Dissertação (Mestrado em Literatura). Universida-de Estadual de Campinas, Campinas, 2001. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?down=vtls000228748. Acesso em: 24 ago. 2007.

MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides. Breve Histórico da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acesso em: 24 ago. 2007.

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Unidade BRaízes de um Brasil literário

Lundu, de Johann Moritz Rugendas (1835).

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Capítulo 06O Boca-do-Inferno

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6 O Boca-do-Inferno Apresentar e discutir a obra e a trajetória intelectual

de Gregório de Matos, o Boca-do-Inferno.

6.1 Algumas leituras em paralelo

LEIA!

CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira: momentos de-

cisivos. 5. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.

INDO O POETA PASSEAR PELA ILHA DA CAJAIBA, ENCONTROU LAVANDO ROUPA A MULATA ANNICA E LHE FEZ ESTE ROMANCE

Gregório de Matos

Achei Anica na fonte

lavando sobre uma pedra

mais corrente, que a mesma água,

mais limpa, que a fonte mesma.

Salvei-a, achei-a cortês,

falei-a, achei-a discreta

namorei-a, achei-a dura,

queixei-me, voltou-se em penha.

Fui dar à Ilha uma volta,

tornei à fonte, e achei-a:

riu-se, não sei se de mim,

e eu ri-me todo p’ra ela.

Dei-lhe segunda investida,

e achei-a com mais clemência,

ROSÁRIOVinicius de Moraes

E eu que era um menino puro

Não fui perder minha infância

No mangue daquela carne!

Dizia que era morena

Sabendo que era mulata

Dizia que era donzela

Nem isso não era ela

Era uma moça que dava.

Deixava... mesmo no mar

Onde se fazia em água

Onde de um peixe que era

Em mil se multiplicava

Onde suas mãos de alga

Sobre meu corpo boiavam

Trazendo à tona águas-vivas

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Onde antes não tinha nada.

Quanto meus olhos não viram

No céu da areia da praia

Duas estrelas escuras

Brilhando entre aquelas duas

Nebulosas desmanchadas

E não beberam meus beijos

Aqueles olhos noturnos

Luzindo de luz parada

Na imensa noite da ilha!

Era minha namorada

Primeiro nome de amada

Primeiro chamar de filha...

Grande filha de uma vaca!

Como não me seduzia

Como não me alucinava

Como deixava, fingindo

Fingindo que não deixava!

Aquela noite entre todas

Que cica os cajus! travavam!

Como era quieto o sossego

Cheirando a jasmim-do-cabo!

Lembro que nem se mexia

O luar esverdeado

Lembro que longe, nos Ionges

Um gramofone tocava

Lembro dos seus anos vinte

Junto aos meus quinze deitados

Sob a luz verde da lua.

Ergueu a saia de um gesto

Por sobre a perna dobrada

Mordendo a carne da mão

desculpou-se com o amigo,

que estava entonces na terra.

Conchavamos, que eu voltasse

na segunda quarta-feira,

que fosse à costa da Ilha,

e não pusesse o pé em terra,

Que ela viria buscar-me

com segredo, e diligência,

para na primeira noite

lhe dar a sacudidela.

Depois de feito o conchavo

passei o dia com ela,

eu deitado a uma sombra,

ela batendo na pedra.

Tanto deu, tanto bateu

co’a barriga, e co’as cadeiras,

que me deu a anca fendida

mil tentações de fodê-la.

Quando lhe vi a culatra

tão tremente, e tão tremenda,

punha eu os olhos em alvo,

e dizia, Amor, paciência.

O sabão, que pelas coxas

corria escuma desfeita,

dizia-lhe eu, que seriam

gotas, que Anica já dera.

Porque segundo jogava

desde a popa à proa, a perna,

antes de eu lhe ter chegado,

entendi, que se viera.

De quando em quando esfregava.”

a roupa ao carão da pedra,

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Capítulo 06O Boca-do-Inferno

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Me olhando sem dizer nada

Enquanto jazente eu via

Como uma anêmona na água

A coisa que se movia

Ao vento que a farfalhava.

Toquei-lhe a dura pevide

Entre o pêlo que a guardava

Beijando-lhe a coxa fria

Com gosto de cana brava.

Senti à pressão do dedo

Desfazer-se desmanchada

Como um dedal de segredo

A pequenina castanha

Gulosa de ser tocada.

Era uma dança morena

Era uma dança mulata

Era o cheiro de amarugem

Era a lua cor de prata

Mas foi só naquela noite!

Passava dando risada

Carregando os peitos loucos

Quem sabe para quem, quem sabe?

Mas como me seduzia

A negra visão escrava

Daquele feixe de águas

Que sabia ela guardava

No fundo das coxas frias!

Mas como me desbragava

Na areia mole e macia!

A areia me recebia

E eu baixinho me entregava

Com medo que Deus ouvisse

e eu disse “mate-me Deus

com puta, que assim se esfrega.”

Anica a roupa torcia,

e torcendo-a ela mesma,

eu era, quem mais torcia,

que assim faz, quem não pespega.

Estendeu a roupa ao sol,

o qual, levado da inveja

por quitar-me aquela glória,

lha enxugou a toda a pressa.

Recolheu Anica a roupa,

dobrou-a, e pô-la na cesta,

foi para casa, e deixou-me

a la Luna de Valencia.

Figura 7 - Frontispício de edição de 1775 dos poemas de Gregório de Matos.

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Literatura Brasileira I

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Os gemidos que não dava!

Os gemidos que não dava...

Por amor do que ela dava

Aos outros de mais idade

Que a carregaram da ilha

Para as ruas da cidade

Meu grande sonho da infância

Angústia da mocidade.

In: Poemas, sonetos e baladasIn: Antologia PoéticaIn: Poesia completa e prosa: “O encon-

tro do cotidiano”

Gregório

Discreta e formosíssima Maria,

enquanto estamos vendo a qualquer hora

em tuas faces a rosada Aurora,

em teus olhos e boca o sol e o dia.

Enquanto com gentil descortesia

o ar, que fresco Adonis te namora,

te espalha a rica trança brilhadora,

quando vem passar-se pela fria,

goza, goza da flor da mocidade,

que o tempo trota a toda ligeireza

e imprime em toda a flor sua pisada.

Ó, não aguardes que a madura idade

te converta em flor, essa beleza,

em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Góngora

Ilustre y hermosísima Maria,

mientras se dejan ver a cualquier hora

en tus mejillas la rosada Aurora,

Febo en tus ojos, y en tu frente el dia,

y mientras con gentil descortesía

mueve el viento la hebra voladora

que la Arabia en sus venas atesora

y el rico Tajo en sus atena cria....

Goza cuello, cabello, labio y frente,

antes que lo que fue en tu edad dorada

oro, lilio, clavel, cristal luciente,

no sólo en plata ou viola truncada

se vulha, mas tu y ello juntamente

en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada.

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Capítulo 06O Boca-do-Inferno

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Quevedo

Muchos dicen mal de mi,

y yo digo mal de muchos;

mi decir es más valiente,

por ser tantos, y ser uno.

Que todos digan verdad,

por imposible lo juzgo;

que yo la diga de todos,

con mi licencia lo dudo.

Gregório

Querem me aqui todos mal

mas eu quero mal a todos;

eles e eu, por nossos modos,

nos pagamos tal por qual.

E querendo eu mal a quantos

me têm ódio tão veemente,

o meu ódio é mais valente,

pois sou só, e eles tantos.

Gregório

Triste Bahia! ó quão dessemelhante

Estás e estou do nosso antigo estado!

Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,

Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,

Que em tua larga barra tem entrado,

A mim foi-me trocando, e tem trocado,

Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente,

Pelas drogas inúteis, que abelhuda,

Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus, que de repente,

Um dia amanheceras tão sisuda

Que fôra de algodão o teu capote.

Francisco Rodrigues Lobo

Formoso Tejo meu, quão diferente

te vejo e vi, me vês agora e viste:

turvo te vejo a ti, tu a mim triste,

claro te vi eu já, tu a mim contente.

A ti foi-te trocando a grossa enchente

a quem teu largo campo não resiste;

a mim trocou-me a vista, em que consiste

o meu viver contente ou descontente.

Já que somos no mal participantes,

sejamo-lo no bem. O quem me dera

que fôramos em tudo semelhantes!

Mas lá virá a fresca primavera:

tu tornarás a ser quem eras d’antes,

eu não sei se serei quem d’antes era.

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Literatura Brasileira I

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LEIA!

Não se trata talvez de perguntar se participa Gregório de Matos

desse estado de espírito a que chamamos cultura brasileira; cabe já

perguntar sem rodeios como ele participou na formação desse es-

tado. Optando pela primeira investigação, é como se duvidássemos

que uma das causas ocasiona a consequência; em outras palavras,

trata-se de considerar Gregório de Matos como um dos agentes cau-

sadores da nacionalidade e não de perguntar se ele teria tido algu-

ma influência na consequência (pois até mesmo Vieira, mais lusitano

que todos, também influenciou a nossa lábia, como já disse Oswald!)

Para pensar tais questões, é importante percorrer o ensaio de Alfredo

Bosi, “Do Antigo Estado à Máquina Mercante”, em Dialética da Colo-

nização. (2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 94-118).

Em seguida, novamente o soneto de Gregório que motiva o título desse terceiro capítulo da Dialética da Colonização.

Triste Bahia! ó quão dessemelhante

Estás e estou do nosso antigo estado!

Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,

Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,

que em tua larga barra tem entrado,

A mim foi-me trocando e tem trocado

Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente

Pelas drogas inúteis, que abelhuda

Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus que de repente

Um dia amanheceras tão sisuda

Que fôra de algodão o teu capote!

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Capítulo 06O Boca-do-Inferno

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6.2 Do Antigo Estado à Máquina Mercante, algumas anotações

Bosi destaca a relação de um eu lírico e de um tu: “Pelo primeiro, o eu lírico entra em simpatia com o tu, a cidade da Bahia (...). Pelo segun-do, vem a separação: o eu, agora juiz, invoca um castigo para o outro...” (p. 94), mas não para si mesmo!

E fala ainda de como isso se desenrola nos tercetos: “... efeito inicial de empatia (...) triste (...). A Bahia não está só magoada; também é um exemplo lastimável de mudança para situação pior, de cuja responsabi-lidade não pode isentar-se.” (p. 95)

Veja como Gregório, na concepção de Bosi, descreve a construção lírica do poema: “... Bahia e Gregório, o tu e o eu. É sobre essa identifi-cação profunda de sujeito e objeto que assenta a liricidade do texto: as contradições da história social falam aqui pela voz do indivíduo.” (p. 95)

A propósito do soneto de Rodrigues Lobo (acima transcrito) obser-va Bosi o quanto “o segundo quarteto é obsessivo na denúncia do agente responsável pelo desastre comum. (...) máquina mercante...” (p. 96)

E ainda: “A esperteza da máquina mercante, esse engenho danoso, a Coisa por excelência, levou a Bahia a entregar-se; e aqui se dá a passa-gem do lírico sofrido (Triste Bahia!) ao satírico encrespado.” (p. 97)

Sobre o que Bosi chamou de situação e estamento, o recorte é feito a partir de Gramsci, que fala “(...) dos grupos ideológicos fundamen-tais que coexistem em sociedades onde o modo de pensar capitalista e burguês ainda está lutando, palmo a palmo, com instituições e valores herdados ao antigo regime. (...) o intelectual eclesiástico (em contraste com o orgânico, rente ao sistema produtivo)...” (p. 100)

Em certo sentido, notamos não um germe de nosso espírito de na-cionalidade, mas juízos contra o mestiço e contra o mercador: “O que está em jogo não é uma forma irritada de consciência nacionalista ou baiana, mas uma rija oposição estrutural entre a nobreza, que desce, e a mercancia, que sobe. O antagonismo vem do Medievo, que já lançara as

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pechas de vilão e tratante contra o homem de negócios...” (p. 101-102). Ao mesmo tempo, aparece a insinuação de que a mistura das raças não “consertaria” o outro.

Aqui vemos antecedentes de um vale-tudo econômico, em que a penúria e as dificuldades –no caso, do sistema colonial – justificaria qualquer ato de sobrevivência, agora no nível da condição colonial; mu-tatis mutandis, é o que se passa, talvez, hoje em dia, em relação ao siste-ma capitalista e à nossa condição periférica: “O que machuca os brios de Gregório é, acima de tudo, ver a pretensão do vendeiro (afinal realizada) de ocupar aqueles postos de caráter honorífico secularmente reservados aos «homens bons». Então, acabaram-se as diferenças de berço? Tudo o dinheiro há de alcançar; tudo, comprar?” (p. 102-103)

Bosi afirma que “... a oposição sobredeterminante em Gregório [talvez] seja o par “nobre/ignóbil”, e não brasileiro/estrangeiro. Não se pode exigir de Gregório de Matos que se defina com relação a uma questão que ninguém de sua época colocava; pedir-lhe que se manifeste por uma nacionalidade que ainda nem se esboçava é, no mínimo, ana-crônico. Todavia, há nele uma consciência de que uma certa diferença distingue a situação colonial da metrópole – vide os versos, de outro poema, em que diz “Mas os brasileiros são bestas / e estarão a trabalhar / (...) / maganos de Portugal...” (veja: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00981.html#5).

Sobre esse tema, Bosi ainda afirma que “não varia: o antigo bugre, «alarve sem razão, bruto sem fé», arroga-se o direito de exibir títulos; e do contraste entre a altura da sua presunção e a rudez do seu tronco, exposta no nível da bizarria léxica, é que Gregório extrai o efeito cômico imediato.” (p. 103-104)

Em algumas passagens do ensaio de Bosi, parece haver algum exa-gero no modo como se descreve o orgulho aristocrático de Gregório de Matos:

“Para o estamento em crise, de onde provinha Gregório, o mundo já fora posto às avessas pelos brichotes, pelos judeus e pelos ne-tos de Caramuru quando passaram à frente de homens de velha cepa surgida ao tempo das cruzadas. Mas o cúmulo do absurdo acontecia nessa triste cidade onde mestiços forros, agregando-

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se a famílias abonadas, ou conquistando postos no Fórum e na Sé, recebiam afinal deferências que a ele, branco, nobre e douto, eram recusadas!” (p. 103-104)

Ora, será que essa noção se confirma, quando o poeta canta as prostitutas baianas? Talvez Gilberto Freyre tenha mais razão, e a mis-cigenação pelo sexo tenha aproximado as culturas (sem fazer o mesmo com as classes ou com as etnias).

Bosi fala de um Eros Retalhado: “... poesia burlesca (...) a mulher negra e a mestiça (...) objeto misto de luxúria e desprezo. (...) preconcei-to (...) complica-se porque desce ao subterrâneo de uma prática erótica (...) simultaneamente, a atração física, a repulsa e o sadismo.” (p. 107)

Nesse caso, o ensaísta não parece defender a hipótese da interpene-tração de um estilo no outro, de umas imagens nas outras:

“alguma resposta se obtém quando se confrontam os versos chu-los e a lírica amorosa de Gregório cultista e idealizante. (...) esta poesia decanta, refina e sublima os impulsos eróticos. Reescreve, para tanto, fórmulas de tradição alta, que vêm dos provençais, do «stilnovo» com a sua visão da «donna angelo» e de Petrarca, até se cristalizar em Camões e amaneirar-se nos espanhóis dos Seiscentos...” (p. 107-108)

E ainda: “E do outro lado? (...) uma galeria de fantasmas lúbricos onde não se conseguem ver rostos de mulher, mas tão-só exibições es-catológicas de partes genitais e anais.” (p.108-109). Nesse caso, é impor-tante pensar nos casos em que descrição rebaixadora se refere aos ho-mens, quando o erotismo e a lubricidade aparecem nos homens brancos (caso do poema em que fala de “Brás Pastor ainda donzelo”).

Outro caso a se pensar:

“A crítica latino-americana tem, às vezes, abusado, isto é, usado mecanicamente, do conceito de «carnavalização» que aquele es-tudioso pôs dentro de um sistema de relações bem firmes entre texto e contexto. Em Gregório de Matos, o discurso nobre e o impropério chulo não são duas faces da mesma moeda, não são o lado sério e o lado jocoso do mesmo fenômeno erótico. Repre-sentam duas ordens opostas de intencionalidade, porque opostos são os seus objetos.” (p. 108-109)

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Ora, tais relações entre texto e contexto são realmente firmes, como indica o ensaísta?

De fato, desenha-se uma separação radical entre um aspecto e ou-tro, que parece difícil de aceitar: “O registro chulo não é um fator conge-nial a toda a obra do poeta baiano (diversamente do que ocorre me Ra-belais), mas apenas um modo setorial de usar a linguagem para marcar a ferro e fogo aqueles que caem na mira da sua irrisão.” (p. 109-110)

Porém, em outra passagem do ensaio, Bosi parece reconhecer uma certa interpenetração:

“Nem tudo, porém, são extremos. E é curioso descobrir, no meio do cancioneiro lascivo de Gregório, certos passos em que aquela oposição sem matizes entre mulher branca e mulher negra cede a uma hesitante ambigüidade que cava no texto um momento feliz de auto-análise.” (p. 109-110)

A partir daí, seria importante desenvolver essa ambigüidade mais profundamente.

Segundo Bosi, há, na poesia sacra de Gregório de Matos, “(...) uma divisão interna: a consciência moralista e a via mística, preponderando aquela sobre esta.” (p. 112)

Ainda sobre a ideia de um Deus Bifronte:

“O medo da morte eterna, aliviado e, de algum modo, controlado pelo mecanismo eclesiástico da expiação formalizada, revela o fundo dessa religiosidade que atravessou todo o barroco jesuítico. A Colônia não teve um Pascal que ironizasse, em nome de uma relação homem-Deus mais livre e pessoal, a casuística manhosa gerada pelo caráter externo do tríplice liame: pecador, pecado, penitência.” (p. 112)

Acerca do poema “Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado”, Bosi afirma que “A remissão depende aqui de uma permuta pelo qual o gesto de perdoar (...) converte-se em um ganho para Deus (...). Pede-se a Deus, em suma, que não faça um mau negócio...” (p. 112) Ora, eis aqui o uso da mercancia, condenada por Gregório em outros poemas. Há, então, uma ambigüidade, quando consideramos os poemas em geral, que ilustra talvez uma poética da miscigenação e de uma consciência

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nova, a respeito da religião, do país, da mulher. É essa leitura geral dos poemas que deve ser levada a cabo, uma leitura dialogizante (até mesmo entre os vários temas e entre os diversos poemas, o que exigiria uma reclassificação, uma redivisão da obra toda).

Ainda a máquina mercante, em Gregório, Bosi afirma que: “... sob a superfície das transações e dos jogos de consciência, (...) avulta a som-bra da danação, patente nas imagens terríveis do Juízo Final...” (p. 114)

“Como resistir se o mal penetrou nas juntas do sistema e nas en-tranhas do sujeito? O modo único de resistir é maldizer, é moralizar, é repetir a cada um que é pó, e a pó reverterá, é convocar para o aqui-e-agora o dia do julgamento.” Essa função que Bosi credita à poesia de Gregório de Matos, na verdade, coincide com boa parte do Barroco.

Leia mais!

BOCA DO INFERNO. Disponível em: http://memoriaviva.digi.com.br/gregorio/. Acesso em: 24 ago 2007.

BOSI, Alfredo. Do antigo estado à máquina mercante. In:________. Dia-lética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.96-118.

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. Das origens ao Romantismo. 7. ed. São Paulo: Difusão Euro-peia do Livro, 1979. V. 1.

CAMPOS, Haroldo de. O seqüestro do barroco na Formação da Litera-tura Brasileira: o caso Gregório de Mattos. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989.

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial: 1500-1808/1836. São Paulo: Cultrix, 1975.

CHOCIAY, Rogério. Os Metros do Boca: Teoria do Verso em Gregório de Matos. São Paulo: Editora Unesp, 1993.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

Gregório de Mattos. Seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico por Antonio Dimas. São Paulo: Nova Cultural (Literatura Co-mentada), 1988.

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Literatura Brasileira I

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GREGÓRIO DE MATOS. Uma visita ao poeta. Disponível em: http://www2.ufba.br/~gmg/welcome.html. Acesso em: 24 ago 2007.

HANSEN, João Adolfo. “Floretes agudos e porretes grossos”. Folha de São Paulo. Caderno Mais!. 20/10/1996. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/jah01.html. Acesso em: 24 ago 2007.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acesso em: 24 ago 2007.

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Capítulo 07A obra de Padre António Vieira

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A obra de Padre António Vieira

Apresentar e discutir a obra e a dimensão intelectual do Padre António

Vieira, buscando entender sua importância, tanto para o Barroco (e não só o

luso-brasileiro) quanto para a literatura que se segue a ele.

LEIA!

“Vieira (...) nos trouxe a lábia.”

Oswald de Andrade, Manifesto Antropófago.

BOSI, Alfredo. “Vieira, ou a Cruz da desigualdade”. In: Dialética da Co-

lonização. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

7.1 Anotações sobre Vieira, ou a Cruz da desigualdade

1) As contradições de Vieira espelhando as do sistema colonial nos permitem ver as especifi-cidades da realidade brasileira modificando a produção do intelectual europeu. Bosi diz que “... a riqueza das suas contradições, que são as do sistema colonial como um todo, e que só a experiência brasileira, de per si, não explica.” (p. 120)

2) Com perspicácia, o pregador não entra em conflito com a estrutura mercantil inerente ao pacto colonial. Bosi mostra o quanto “Viei-ra, ao contrário do poeta saudoso do «Antigo Estado», sabia que a máquina mercante viera para ficar, irreversível, inexorável. (...) impor-tava dominá-la.” (p. 120)

3) Nota-se no seu discurso uma necessidade de amoldar-se não apenas à sua época mas tam-

7

Figura 8 – Obra de autor desconhecido com a efígie do célebre padre jesuíta (séc. XVIII), retratado num escritório, com o manus-crito da Clavis Prophetarum, obra deixada inédita e só publicada e traduzida em 2000.

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bém à certa visão de sua época. “... inspira ao rei a fundação de uma Companhia das Índias Ocidentais assentada princi-palmente em capitais judaicos. (...) uma singular simbiose de alegoria bíblico-cristã e pensamento mercantil no estranho Sermão de São Roque...” (p. 120)

4) Fica evidente, em Vieira, uma mentalidade barroca adaptada ao processo colonial empreendido pelos portugueses, sem que se esqueça de criticar os desvios desumanos desse mesmo pro-cesso no Brasil; há aí uma dialética da universalidade interes-seira e da particularidade ética, conforme destaca Bosi: “Vieira estabelece um distinguo bem escolástico: a santidade dos fins desejados por Deus nada tem a ver com a imperfeição dos meios contingentes que nascem da fraqueza humana.” (p. 122) Isso é bem barroco.

Há também uma lacuna entre os valores ético-religiosos e a prática política: readaptação mútua dos discursos religioso e político, em fun-ção das exigências da realidade colonial brasileira. Sobre isso Bosi diz que “da distinção entre fins e meios, que passam a operar em ordens de valor próprias, decorrerá um intervalo bem moderno, entre os princí-pios ético-religiosos e as práticas imediatas da política.” (p. 123)

5) Bosi fala de um “discurso da ação entre a política e a teologia”. A empresa de Vieira buscaria conciliar um discurso parenético e os interesses políticos de uma classe intelectual esclarecida. Na visão de Bosi, essa busca aparece assim descrita:

“O seu problema retórico fundamental é este: como compor um discurso persuasivo, isto é, suficientemente universal nos argu-mentos para mover particularmente a fidalguia e o clero a cola-borar na reconstrução do Reino, até então escorada, sobretudo, pela burguesia e pelos cristãos-novos? (...) como pôr em xeque os preconceitos antimercantis e anti-semitas que, como se sabe, já afloravam nos diálogos morais de um frei Amador Arrais e repontam, entre nós, nas sátiras de Gregório de Matos?”

Poderíamos nos perguntar então se isso não é o que poderia apontar um indício de brasilidade em Gregório de Matos

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6) É possível observar a lógica da pregação religiosa utilizada para despertar uma visão aberta, empreendedora e mercantil em Portugal: “... induzir os ouvintes a uma reestruturação concei-tual de valores, inquietantemente dialética...” (p. 124) O siste-ma colonial obriga a isso!

7) Daí resulta uma acentuação do barroquismo e da complicação do discurso, obrigado a se retorcer para chegar às conclusões e às ideias que se pretende defender. Bosi trata esse assunto nos seguintes termos: “O seu discurso, agônico e torcido, faz pensar que aquela cultura nada tinha de homogêneo nem de estático.” (p. 124)

Para o que se segue, Bosi respeita a ordem do Sermão da Primeira Dominga do Advento.

8) Em favor do que o ensaísta chama de “Defesa de valores huma-nísticos, dentro do ideal religioso da contra-reforma”, alega que “todo homem traz em si mesmo o poder de corrigir a desigualda-de que reina no mundo do acaso...” E ainda ressalta que “termos medieval-barrocos tradicionais como honra, fidalguia, nobreza, são ressemantizados por Vieira, que passa a integrá-los na esfera do trabalho, libertando-os portanto da pura sujeição à herança familiar e estamental.” (p. 124) Estaria ele falando aqui, talvez, de uma mentalidade contra-reformista, adepta do livre-arbítrio.

9) O autor da História Concisa aponta uso de artifícios da lingua-gem barroca: “o elogio da vita activa resolve-se sob a forma de uma sintaxe em cadeia em que o discurso em galope potencia o mérito do homem em estado de alerta ao mesmo tempo que agrava o demérito do relapso...” diz também que são “... sime-trias internas (...) paralelos (...) figuras que transpõem para a prosa parenética o leixa-pren da lírica medieval!” (p. 125)

10) Bosi fala de uma “inventividade da linguagem”, que aparece nos sermões do Padre Vieira seguindo a retórica clássica: “... inventio, fase de busca, em aberto, de tópicos e motivos, conhe-ce em Vieira um largo espectro de possibilidades (...) Passagens bíblicas, fábulas, anedotas, provérbios, episódios tomados a vi-das de santos, tudo lhe serve...” (p. 125)

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11) O carpe diem em Vieira aparece adaptado a sua visão política. Diz Alfredo Bosi: “O tempo válido é o tempo oportuno (...) Momento irreversível (...) «O tempo não tem restituição algu-ma».” (p. 126)

12) Na visão política de Vieira, aparece também uma certa ética protestante e capitalista que se vê inserida na argumentação contrarreformista do pregador: “A defesa do negócio oposto ao ócio acaba invertendo o sentido da categoria-eixo do antigo regime, a nobreza, que de valor herdado passa a virtude con-quistada na labuta.” (p. 126)

13) Notamos também uma reação contra o Quietismo, em prol da ação e da intervenção, uma defesa do livre-arbítrio: “Nessa nova ontologia Vieira atribui às coisas (...) o serem conhecidas por sua «essência»; quanto aos seres humanos, porém, a sua determinação obtém-se pela «ação»...” (p. 126)

E ainda:

“Na segunda metade do século XVII a Igreja de Roma, direta-mente inspirada pela teologia ativista e pragmática da Compa-nhia de Jesus, condenou várias proposições do místico espanhol Miguel de Molinos cujo Guía espiritual pode considerar-se o texto fundamental do quietismo católico. Ao mesmo tempo, na França, os jansenistas sofriam processos movidos pelos jesuítas que os acusavam de ensinar uma doutrina subjetivista na qual a fé bastaria ao crente...” (p. 127)

“O sermão (...) pouco se detém em especulações de ordem me-tafísica que, naquela altura do século, dividiam os teólogos em correntes inconciliáveis, os voluntaristas (partidários de uma extensão maior a ser concedida ao princípio do livre-arbítrio) e os quietistas, que viam um abismo entre o poder da Graça e a iniciativa do homem.” (p. 127)

14) Há também contra o Quietismo uma pregação ativa, prag-mática e determinista, em que os juízos universais são rapida-mente convertidos em medidas práticas de alcance específico. Nas palavras de Bosi aparece no seguinte tom: “O horizonte do nosso orador é pragmático, passando rapidamente das máxi-

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mas universais às aplicações particulares...” (p. 127) O que vale dizer que ele é mais voluntarista.

15) O universalismo se apresenta na tentativa de conciliar a menta-lidade mercantil e as escrituras. Essa é uma possível leitura que se faz do Sermão de Santo Antônio pregado na igreja das Chagas e Lisboa em 1642: (Sá da Costa, vol. X). E Bosi percebe essa es-tratégia, apontando que “o universalismo, necessário ao ônus da prova, deita (...) raízes em duas realidades historicamente díspa-res: o sistema nacional-mercantil, de um lado; e as propostas de fraternidade contidas no Evangelho, de outro.” (p. 128)

Tal universalismo é também bastante explícito na passagem: “A Lei de Cristo, revelada, não suprime a Lei natural, presente nas consciên-cias de todos os homens. (...) O jusnaturalismo vem acionado por Vieira numa linha antiaristoscrática, isto é, em benefício da aliança Coroa--burguesia.” (p. 128)

16) Nota-se na oposição de Vieira ao Cultismo uma possível con-tradição, trazida pela prática intelectual do intelectual europeu no coração do sistema colonial: “As alegorias barrocas da Gló-ria, que o palácio e a catedral ostentam em toda a sua magni-ficência, esvaziam-se de qualquer significado religioso quando representam apenas a opulência iníqua, e não a fé cujos pode-res pretendiam exaltar.” (p. 132)

E o argumento de Alfredo Bosi prossegue: “A presença de um veio antibarroco ou, mais precisamente, anticultista na obra, em última ins-tância, barroca, de Vieira está a exigir um estudo que avalie o peso da ra-zão mercantilista no discurso do grande pregador. A perplexidade que perpassa o ensaio de Antônio José Saraiva sobre o Sermão da Sexagési-ma me parece um sinal de que as contradições de Vieira já começam a inquietar os seus leitores modernos. V. O discurso engenhoso. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 113-124.” (p. 132)

17) Em vez de ocultar os conflitos sociopolíticos, como faz o tea--tro de Anchieta, Vieira traz para a armação do texto as hesi-tações e as contradições do intelectual vivendo em colônias. “A defesa dos índios contra os colonos do Maranhão...” (p. 134)

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Vejamos como Bosi aponta esses conflitos:

“... xadrez de conflitos sociais, dados os interesses em jogo, obri-gando o discurso ora a avançar até posições extremas, ora a compor uma linguagem de compromisso. No fundo, o pregador acha-se dividido entre uma lógica maior, de raiz universalista, tendencialmente igualitária, e uma retórica menor, que trabalha ad hoc, particularista e interesseira. (...) misto de ardor e diplo-macia, veemência e sinuosidade...” (p. 134)

18) O embate entre a doutrina religiosa e as necessidades do sis-tema colonial faz com que haja uma torção na lógica e na ar-gumentação dos discursos: “A filiação comum e universal dos homens em relação a um Deus criador e único é o aval da ir-mandade de todos...” (p. 135). Pergunta-se então Bosi: “posto o discurso nessa chave, o que dele se seguiria, caso fosse man-tido o seu grau de coerência interna? Sobreviria a condenação pura e simples do que se praticava então no Brasil (...) repúdio a qualquer tipo de cativeiro.” (p. 135)

É preciso então fazer uma Crítica da Razão Pragmática, até hoje usada no Brasil, para justificar a exploração do trabalhador, como já foi usada antes para justificar a escravidão do índio, a do negro, a Guerra do Paraguai etc.

19) A hesitação que se verifica no discurso é abandonada na ação dos je-suítas que adotam a pragmática do não confronto. “No entanto, esse ideal, ní-tido a absoluto enquanto jus naturale e enquanto verdade de fé, já fora abando-nado pelo compromisso político dos pa-dres (confessado pelo próprio Vieira) de «descer» com os portugueses ao sertão,

domesticar e reduzir os aborígenes à obe-diência...” (p.136)

Figura 9 – Índios Atravessando um Riacho (O Caçador de Escravos), de Jean Baptiste Debret (ca. 1830).

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20) Resulta disso um conflito com o sistema e/ou seus represen-tantes, ou compromisso com a exploração do índio: “A tensão acaba se resolvendo de um ou de dois modos, ambos infelizes para os jesuítas. Ou o compromisso, ou a resistência.” (p.137). Contudo, em Vieira, veem-se os dois movimentos. “... fase do compromisso, de que Vieira se penitencia em certo momento, mas que afinal mantém e justifica em outros.” (p.138)

“A lógica do direito natural e o kerygma cristão pedem a liberdade dos irmãos; mas a retórica dos interesses quer distinguir entre o cativei-ro lícito e o ilícito.” (p. 138)

21) Embate entre as razões uni-versalizantes antiescravagistas e as questões particulares e pragmáticas tendendo ao es-cravismo, “o sermão ora sobe com as marés altas da razão universalizante, ora desce em concessões aos múltiplos inte-resses dos grupos de pressão. Aqui o universal se contrai e se deprime (...) Vieira se peja de ter cedido ao pacto com o poderoso.” (p. 138)

22) Paixão e sofrimento: o uso dessa máscara cristã ofusca ex-ploração e o cativeiro dos negros. Segundo Bosi, “a linguagem da identificação (...) O trânsito da imanência subjetiva à trans-cendência aciona-se a partir de um presente vivido e sofrido, aqui e agora, mas à luz de um passado exemplar que a palavra litúrgica faz reviver: o drama da Paixão.” (p. 143)

“No Sermão XX, a desigualdade é sentida como queda humana de um estado inicial, criado e desejado por Deus, no qual não haveria senhores nem escravos. (...) fermentos libertários que, tomados em si, fora do contexto seiscentista, pareceriam franca-mente ilustrados e rousseauístas...” (p. 145)

Figura 10 – Castigo no Pelourinho, de Jean Baptiste Debret (ca.1830).

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“Mas... no Sermão XXVII, aquele mesmo embaraço causado pelo absurdo da escravidão desfaz-se mediante uma outra teoria da História, radicalmente oposta à que se esboçava linhas atrás: Viei-ra apela agora para a noção do sacrifício compensador.” (p. 146)

“Tudo quanto no Sermão XX, como obra da malícia huma-na, resgata-se, neste XXVII, enquanto fruto de um plano divi-no. A passagem dos negros para a América terá redimido suas almas.”(p. 146)

23) Há uma justificativa do sofrimento do negro como redenção: tratar-se-ia da distinção neoplatônica – e augustiniana – en-tre corpo e alma. Todavia, essa mesma distinção é atacada por Vieira quando da querela sobre a escravidão dos índios. Bosi fala de uma reinstauração da “distinção neoplatônica de corpo e alma, aquele mesmo princípio que Vieira atacara duramente quando a via servir de apoio à política dos colonos maranhen-ses.” (p. 146)

24) O que Bosi conclui desse discurso cristianizante para os índios vai na seguinte direção:

“A moral da cruz-para-os-outros é uma arma reacionária que, através dos séculos, tem legitimado a espoliação do trabalho hu-mano em benefício de uma ordem cruenta. Cedendo à retórica da imolação compensatória, Vieira não consegue extrair do seu discurso universalista aquelas conseqüências que, no nível da práxis, se contraporiam, de fato, aos interesses dos senhores de engenho. A condição colonial erguia, mais uma vez, uma barrei-ra contra a universalização do humano.” (p. 148)

LEIA!

VIEIRA, Pe. António. Sermões do Padre António Vieira. Edição fac-

similar. Vol. 1, coleção Anchietana. São Paulo: Anchieta, 1943. Dis-

ponível em:

http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-02139.html

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Capítulo 07A obra de Padre António Vieira

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7.2 O Sermão da Sexagésima

O sermão é baseado na parábola evangélica do semeador. “Sexagé-sima” refere-se ao sexagésimo dia antes da Quaresma.

7.2.1 O valor da ação e o valor da palavra

Há um louvor ao sofrimento dos jesuítas: o lamento não é por eles, mas pelos que deixam de ouvir suas palavras.

Vieira tenta justificar sua presença em solo português, isto é, na metrópole, insinuando que ela é passageira (enfatiza, pelos textos bíbli-cos, que o pregador que sai a pregar não torna a casa). Com isso, não desmerece sua crítica aos que ficam no Paço, ou os que a ele tornam.

Pode-se falar de uma retórica da metalinguagem, em passagens como: “O pregador há de pregar o seu e não o alheio.”

Vieira defende um valor específico, moral e atual da escritura. É com apoio nos textos bíblicos que ele instiga os pregadores a saírem da Metrópole. Nas entrelinhas, pode-se ler uma provável referência à ne-cessidade de todos apoiarem o empreendimento colonial.

O Evangelho é, por assim dizer, atualizado: os sofrimentos dos je-suítas comparáveis aos dos primeiros pregadores do Evangelho.

Na passagem “Como se faz uma rede? (...) Na boca de quem não faz a pregação, até o chumbo é cortiça”, nota-se uma interpretação alegórica das escrituras, a respeito do pescador. Agora, em vez do semeador, Vieira usa outra imagem evangélica, mas de entendimento e exemplaridade imediatos.

Em suma, pode-se falar que há, em Vieira, uma espécie de retórica da ação (lembrando da actio da antiga retórica).

O pregador reafirma a importância da ação: a palavra divina deve ser pregada por quem se disponha a “sair”. Ressaltem-se os vários sentidos do sair: “... até o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto.”

Em Vieira, maior valor é concedido a quem associa a ação às pala-vras; e desferem-se críticas a quem se deixa levar pelo fausto da corte: “... os de cá, achar-vos-eis com mais Paço: os de lá, com mais passos: Exiit seminare.

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O padre vê uma distância entre os atuais e os antigos pregadores, insistindo no exemplo, no fazer: “A definição do pregador é a vida, e o exemplo.” (p. 27-28). Para isso, vale-se de uma diferença semântica, enfatizando a diferença entre o verbo substantivado (semeador) e o pró-prio verbo (semear).

7.2.2 Uma retórica escolástica e clássica

Esse tipo de retórica favorece o equilíbrio. Vieira diz isso explicita-mente: “O estilo há de ser muito fácil, e muito natural.” Todavia, isso não condiz com sua própria escrita.

Vieira critica a complicação dos pregadores da época, usando ima-gens das escrituras (especificamente as da paixão): “Ver vir os tristes passos da Escritura, como quem vem ao martírio: uns vêm acarretados, outros vêm arrastados, outros vêm estirados, outros vêm torcidos, ou-tros vêm despedaçados, só atados não vêm.”

A retórica clássica favorece também a unidade. Em algumas passa-gens, Vieira defende a unidade do texto, do assunto: “O sermão há de ter um só assunto, e uma só matéria”; “De maneira que Jonas em quarenta dias pregou um só assunto; e nós queremos pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso não pregamos nenhum”; “O sermão há de ter uma só (...) há de persuadir, há de acabar”. É, realmente, uma condena-ção do Cultismo. Mas parece que apenas na teoria. De fato, como ajustar isso à prática, oposta, no mais das vezes, do próprio Vieira?

Há que se escolher a boa imagem da Escritura em que se apoiar: a imagem dos grãos de trigo caindo podem ajudar na composição das palavras do pregador.

“Notai uma alegoria própria da nossa língua. O trigo do semea-dor, ainda que caiu quatro vezes, só de três nasceu: para o sermão vir nascendo, há de ter três modos de cair. Há de cair com queda, há de cair com cadência, há de cair com caso. (...) A queda é para as coisas; porque hão de vir bem trazidas, e em seu lugar; hão de ter queda: a cadência é para as palavras; porque não hão de ser escabrosas, nem dissonantes; hão de ter cadência: o caso é para a disposição; porque há de ser tão natural, e tão desafetada, que pareça caso, e não estudo.”

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Capítulo 07A obra de Padre António Vieira

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Segundo a Arte Retórica que se desenvolve a partir de Aristóteles, os discursos deveriam ser compostos a partir de cinco ações fundamen-tais: inventio, dispositio, elocutio, actio, memória. Na passagem acima, a queda das coisas pode ser entendida como a escolha dos termos, a inventio; a cadência das palavras, no dizer de Vieira, seria a elocutio; o caso e a disposição corresponderiam à dispositio.

Dentro dessa concepção da retórica, Vieira condena a dispersão e falta de critério na escolha das matérias (inventio ): “Usa-se hoje (...) mãos vazias.”

Vieira fala do poder do bradar, mas também dos poderes da persu-asão: “A nuvem tem relâmpago, tem trovão e tem raio (...) o falar mais ao ouvido que aos ouvidos, não só concilia maior atenção, mas natu-ralmente, e sem força se insinua, entra, penetra e se mete na alma.” Ou ainda: “Porque há muita gente neste mundo com quem podem mais os brados que a razão, e tais eram aqueles a quem o Batista pregava.”

Pode-ser ver uma referência à actio, da antiga retórica, em que Vieira defende a ação do pregador mesmo contra a vontade dos ouvin-tes: “... que se pregamos assim, zombam de nós os ouvintes e não gostam de ouvir. Oh, boa razão para um servo de Jesus Cristo! Zombem e não gostem embora, e façamos nós nosso ofício.”

Como consequência disso, há a defesa do impelere agere, ou levar a agir, mesmo contra a vontade dos ouvintes: “Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões, não que os ho-mens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os nosso conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes...”

7.2.3 O intertexto filosófico

Segundo Vieira, na Terra, temos conhecimento indireto de Deus, de quem só teremos conhecimento direto no paraíso. Haveria aí algu-ma raiz de fundo platônico nessa noção de uma idealidade superior e espiritual.

Podemos ver, nesse Sermão da Sexagésima, o uso de uma imagem renascentista, segundo a qual o universo é um livro escrito por Deus,

Consistiria um bom traba-lho ver se elas são mesmo platônicas ou neoplatô-nicas.

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Literatura Brasileira I

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ou linguagem divina a ser ouvida e entendida pelos homens (quando superam algumas de suas imperfeições): “E quais são estes sermões, e estas palavras do Céu? As palavras são as estrelas: os sermões são a com-posição, a ordem, a harmonia, e o curso delas.”

Nessa linha, há uma descrição de como deve ser um sermão, se-guindo as estrelas:

“O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladri-lha, ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas: Stellæ manen-tes in ordine suo. Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz influência, não é ordem que faça lavor. Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está Branco, da outra há de estar Negro: se de uma parte está Dia, da outra há de estar Noite: se de uma parte dizem Luz, da outra hão de dizer Sombra: se de uma parte dizem Desceu, da outra hão de dizer Subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu con-trário? Aprendamos com o Céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como hão de ser as palavras? Como as estrelas. As estrelas são muito distintas, e muito claras. Assim há de ser o estilo da pregação, muito distinto, e muito claro. E nem por isso temais que pareça o estilo baixo: as estrelas são muito distintas, e muito claras, e altíssimas.”

Ainda do Platonismo, aparece uma referência a ideias que seriam inatas: “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pre-gar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento.”

7.2.4 Uma retórica da metalinguagem

Em Vieira, podemos detectar uma desconfiança da palavra inútil, sem a armação espiritual das ideias: “Se com cada cem sermões se con-vertera e emendara um homem, já o mundo fora santo.”

Há também desconfiança dos sermões: “... tanto grande quantidade para tão pouco efeito...”

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Capítulo 07A obra de Padre António Vieira

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Em outra passagem, a palavra divina (a boa palavra do pregador) tem sempre fruto ou efeito, conforme sejam bons ou maus os ouvintes. Mesmo para um mau ouvinte, a palavra bem empregada produz efeito, tem algum sentido (argumentação corroborada pela imagem do trigo evangélico que brota mesmo nas pedras, nos espinhos e nos caminhos).

Segundo Vieira, há cinco níveis que concorrem para a pregação: a pessoa que é, a ciência que tem, a matéria de que trata, o estilo que segue, a voz com que fala.

Quando diz que das palavras devem nascer não os pensamentos, mas as obras, quer, talvez, dizer que das palavras não devem nascer os rebuscados jogos intelectuais, os divertimentos eruditos, complexos e obscuros, mas a força dos silogismos, das comparações, que façam fru-tificar as obras, que façam voltar os pensamentos para as obras.

Contra o Cultismo, Vieira tece vários comentários. Ele combate, por exemplo, as mazelas do estilo afetado e rebuscado.

Para justificar sua linguagem obscura, os cultistas usam os exemplos de Nazianzeno, de Ambrósio, Crisólogo, Clemente de Alexandria, Ter-tualiano etc. Mas, Vieira reconhece a grandeza de tais autores. De onde viria, então, o erro dos cultistas? Ocorre que, “como semeiam tanta varie-dade, não podem colher coisa certa. (...) Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para um outro vento; que se há de colher, senão vento?

E ainda:

“Vemos sair da boca daquele homem, assim naqueles trajes, uma voz muito afetada e muito polida e logo começar com desgarro a quê? A motivar desvelos, a acreditar empenhos, a requintar fine-zas, a lisonjear precipícios, a brilhar auroras, a derreter cristais, a desmaiar jasmins, a toucar primaveras e outras mil indignida-des destas. Não é isto farsa a mais digna e riso, se não fora tanto para chorar?”

Temos aí uma descrição crítica do cultismo retórico. Alguém disse que, nesse sermão, Vieira descreve seu estilo, sem o saber. Ele parece criticar não o Cultismo, propriamente, mas um certo tipo de imagem cultista, aquela que deita raízes na natureza e não no espírito, não da palavra, não nas imagens fortes.

Você encontra uma boa definição de Cultismo e Conceptismo no E-Dicio-nário de Termos Literários, organzado pelo professor Carlos Ceia, disponível em: <http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_ tree&task=viewlink&link_id=683&Itemid=2>.

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Literatura Brasileira I

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7.2.5 Uma retórica da polissemia

Vejamos como a polissemia vem caracterizada em Vieira: “O estilo pode ser muito claro, e muito alto: tão claro, que o entendam os que não sabem; e tão alto, que tenham muito que entender nele os que sabem (...) Tal pode ser o sermão: estrelas: que todos as vêem, e muito poucos as medem.”

A polissemia é, sem dúvida, um recurso de retórica. E Vieira fez uso dela:

“De sorte que Cristo defende-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura. Todas as palavras são palavra de Deus; pois se Cristo toma a Escritura para se defender do Diabo, como toma o Diabo a Escritura para tentar a Cristo? A razão é porque Cristo tomava as palavras da Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura em sentido alheio e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus, tomadas em senti-do alheio são armas do Diabo.”

A respeito da imagem evangélica dos grãos de trigo, Vieira defende a atualização do texto bíblico. Ele apresenta várias atualizações diferen-tes dessa mesma passagem – os jesuítas que sofrem, a palavra de Deus, as sementes do final que frutificarão, os corações dos diferentes homens; temos aí, talvez, algo próximo dos quatro níveis de interpretação da exe-gese patrística, respectivamente alegórico (ou eclesiológico), literal, es-catológico e tropológico ou moral.

É interessante observar o modo como Vieira explora as relações en-tre o sentido alegórico e o literal: “Porém o que nos negou o Evangelho no semeador metafórico, nos deu no semeador verdadeiro, que é Cristo.”

7.2.6 Retórica e desnudamento da alegoria

Pode-se ver uma constante alegorização nos sermões. Por exemplo, Vieira utiliza uma interpretação alegórica de dois tipos de ouvinte: os duros e os agudos (vulgarmente, os demasiadamente abrutalhados e os demasiadamente intelectualizados). Com isso, o sermonista parece re-querer inteligência e sensibilidade para o ouvinte.

Proposta por Cassiano, por volta do século IV d.C. Trata-se de “filosofia cristã

formulada pelos padres da Igreja nos primeiros cinco séculos de nossa

era, buscando combater a descrença e o paganismo

por meio de uma apolo-gética da nova religião, calcando-se frequente-

mente em argumentos e conceitos procedentes da filosofia grega” (HOUAISS,

2009, não paginado).

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Capítulo 07A obra de Padre António Vieira

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Vieira jamais esquece os exemplos bíblicos, transformados então em alegorias por um processo inverso, em que as imagens só são apre-sentadas depois de discutida a ideia ou o conceito a ser alegorizado: “O pregar é entrar em batalha com os vícios, e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles (...) Pregador que peleja com as armas alheias, não hajais medo que derrube o gigante.”

Mas explicita-se também a importância do desnudamento da ale-goria: “Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes (...) senão fun-dado nas raízes do Evangelho.”

7.2.7 Uma retórica do absurdo ou da contradição

Vieira utiliza por vezes o argumento pelo absurdo: como pode ser que os homens venham a pisar os jesuítas, eles que já sofreram a devora-ção, a sede, a fome, o afogamento (como o trigo do Evangelho, comido pelas aves, secados sem umidade, sem alimento do solo – sobre as pe-dras –, apodrecidos enfim)?

Observe-se, por exemplo, a passagem “Se a palavra de Deus é tão eficaz...” Parte-se aqui do absurdo, isto é, insinua-se uma provável fra-queza do poder de Deus: a possível resposta negativa à questão fica evi-dente, deixando ao pregador o trabalho de encontrar a explicação para tal absurdo. É, claro, um artifício para comover, em todos os sentidos (co-movere), a plateia.

Em outra passagem, ele parece até criticar os sermões que privile-giam os pensamentos, comentário paradoxal para quem seria concep-tista: “... hoje por que se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras, e pensamentos: antigamente pregavam-se palavras, e obras. Palavras sem atos são como tiro sem bala, atroam, mas não ferem.”

Leia mais!

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial: 1500-1808/1836. São Paulo: Cultrix, 1975.

COBRA, Rubem Queiroz. O Padre Vieira. Vida, época, filosofia e obras do Padre Vieira. Disponível em: http://www.cobra.pages.nom.br/fmp-vieira.html. Acesso em 24 ago. 2007.

Alegoria simbolismo que abran-ge o conjunto de uma obra, num processo em que o acordo entre os elementos do plano concreto e aqueles do plano abstrato se dá traço a traço [...]sequ-ência logicamente or-denada de metáforas que exprimem ideias diferentes das enuncia-das” (HOUAISS, 2009, não paginado). No E-Di-cionário de Termos Lite-rários, você encontra a explicação mais ampla sobre’alegoria’: <http://www.edtl.com.pt/in-dex.php?option=com_ e&task=viewlink&link_id=532&Itemid=2>.

Page 72: [Livro UFSC] Literatura Brasileira I (2)

Literatura Brasileira I

72

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

LIMA, Luis Filipe Silvério. Padre Vieira: sonhos proféticos, profecias oní-ricas. O tempo do Quinto Império nos sermões de Xavier Dormindo. Dissertação (Mestrado em Literatura). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponi-veis/8/8138/tde-03092001-214816/. Acesso em 24 ago. 2007.

NEVES, Orlando. Padre António Vieira. Disponível em: http://www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm. Acesso em 24 ago. 2007.

PEREIRA, João Batista. O Padre António Vieira: orador e profeta do V império. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, p. 237-241, 2005. Disponí-vel em: http://64.233.169.104/search?q=cache:zoqg7cajYLIJ:www.uem.br/~dialogos/include/getdoc.php%3Fid%3D547%26article%3D189%26mode%3Dpdf+%22padre+vieira%22+%22alcir+p%C3%A9cora%22&hl=ptBR&ct=clnk&cd=1&gl=br&client=firefox-a. Acesso em 24 ago. 2007.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acesso em 24 ago. 2007.

Page 73: [Livro UFSC] Literatura Brasileira I (2)

Capítulo 08Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga

73

Arcadismo Brasileiro: a lira de GonzagaApresentar e discutir a produção literária e os elementos da vida inte-

lectual dos escritores do Arcadismo brasileiro, notadamente Tomás António

Gonzaga, na perspectiva de Antonio Candido.

LEIA!

Uma aldeia falsa, de Antonio Candido. Disponível em: http://acd.ufrj.

br/pacc/literaria/falsa.html.

8.1 Anotações de Uma aldeia falsa, de Antonio Candido

Este ensaio de Antônio Candido, que se encontra no livro Na sala de aula, consiste num completo exercício de leitura da Lira 77 de Tomás Antônio Gonzaga.

No caso específico de Gonzaga, bem sabemos que não poderíamos falar ainda em sistema (conforme nos ensinou Candido), pois este foi um poeta árcade do sé-culo em que o sistema ainda não estava estabilizado. No entanto, ainda conforme Candido, “Nela [isto é, na Lira de Gonzaga], estamos mais perto do que será o poema lírico dos românticos”.

8.1.1 A compreensão do poema

“Nesta Lira, um pastor se dirige a Marília e, para co-meçar, narra como a sua prosperidade e a sua vida cercada de respeito foram interrompidas por um acidente catas-trófico, cuja natureza não esclarece, e compara a situação anterior de abastança e felicidade com a atual, de privação e angústia.”

8

Figura 11 - Tomás António Gonzaga, de Augusto Lima Junior.

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Literatura Brasileira I

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“Em seguida, imagina como há de ser a existência de ambos, se a sorte virar e ele readquirir a posição perdida. Diz que recomeçará do nada e se contentará com a pobreza, contanto que Marília esteja ao seu lado. Diz ainda que o contraste entre a desgraça anterior e a felicidade recuperada servirá de exemplo aos filhos e a todos os pastores da aldeia. E assim viverão felizes até a morte.”

A compreensão do poema passa pelo reconhecimento de elemen-tos que diferencia Gonzaga dos demais poetas e dos costumes de com-posição de seu tempo.

“Fiadas comprarei as ovelhinhas, que pagarei dos poucos do meu ganho; e dentro em pouco tempo nos veremos senhores outra vez de um bom rebanho.” (trecho, Lira 77)

“Essa conversa de negócios é um toque inesperado, que hoje nos parece moderno no meio dos artifícios pastorais...” (Candido)

Nesse caminho, o autor de Formação da literatura brasileira com-para a Lira até mesmo a obras de poetas mais recentes: “Nisto Gonzaga difere dos poetas de hoje, que incorporaram a simplicidade quotidiana, e até a vulgaridade, de maneira direta, sem metrificá-la nem tratá-la como fachada de um sentido oculto.” Veja-se, a este propósito, como a singele-za da Lira 77 é diversa da que parece num poema de Manuel Bandeira:

Poema só para Jaime Ovalle

Quando hoje acordei, ainda fazia escuro (Embora a manhã já estivesse avançada). Chovia. Chovia uma chuva triste de resignação Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite. Então me levantei, Bebi o café que eu mesmo preparei, Depois deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando... – Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.”

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Capítulo 08Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga

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8.1.2 Como fala o poema

Se a primeira preocupação foi acerca da compreensão, ou seja, do que fala o poema, Candido preocupa-se a partir de então com o como fala o poema. E o crítico organiza essa leitura em dois momentos. Primeira-mente volta-se para a estrutura aparente: quanto à forma ele diz que

“a Lira 77 se divide em duas partes, com uma estrofe intermediá-ria de ligação. A primeira parte é formada pelas quatro estrofes iniciais, do verso 1 ao verso 24; a intermediária é a estrofe 5, do verso 25 ao verso 30; a segunda parte é formada pelas cinco es-trofes seguintes, do verso 31 ao verso 60. Em número de estrofes, temos: 4+1+5. Em número de versos, 24+6+30.”

Quanto ao conteúdo, diz que

“a primeira parte se refere ao passado, e por isso é construída sobre os pretéritos, perfeito e imperfeito, que predominam, mas apoiados em ocorrências do presente funcionando como contraste. É esse contraste que suscita a situação dramática. Na 1ª estrofe temos: “não fui”, “fui”, “vestia”, “tinha”, “tiraram-me” X “nem tenho”. Na 2ª: “queria ser”, “prezava” X “não vejo”. Na 3ª: “causava”, “ficava”, “via”, “perdi” X “tenho de ver”. A 4ª estrofe termina a primeira parte, que recapitula o passado; talvez por isso só tenha verbos no pretérito; e no dístico final o Eu lírico é substituído pela providência divina, que já decidiu todo o processo: (eu) “propu-nha-me” (dormir, escrever, toucar); “julgou” (“o justo céu”).”

8.1.3 Análise das estrofes

Candido dá início, nesta terceira parte, a uma análise mais apurada de cada estrofe, ou seja, ele se preocupou em compreender a organi-zação geral do discurso para, agora, pensar na especificidade de cada bloco (estrofe).

Nessa empreita, o crítico constatou que, na primeira parte, de acor-do com a divisão descrita anteriormente, há uma contradição entre os primeiros e os segundos períodos de cada estrofe; e que isso não ocor-reu na segunda parte da lira, em que os períodos não se contradiziam. Porém, a estrutura física das partes permaneceu homogênea. Essa ho-mogeneidade, segundo Candido, foi alcançada com estrofes autônomas, o que evidencia uma destreza do poeta.

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Àquilo que se chamou estrofe intermediária Candido atribuiu maior autonomia que nas partes um e dois. No entanto, mesmo com toda a autonomia, essa estrofe cumpriu bem a função de ligar as duas partes. E essa ligação, nos ensina o crítico, se verifica na habilidosa ma-neira como Gonzaga trabalha o tempo (passado, presente e futuro).

8.1.4 Tensão e união dialética

Essa é a parte que Candido chamou de análise no “nível profun-do”, momento em que se pesquisam as tensões, isto é, os “elementos ou significados contraditórios que se opõem”. Tais tensões poderiam até mesmo desorganizar o discurso, mas, percebe Candido, acabam, no caso da Lira, criando condições para organizá-lo por meio da “uni-ficação dialética”.

Para ilustrar o que está tentando se definir com tensão e união dia-lética, Candido recorta a definição de Philip Wheelwright para plurisig-nation:

fato de que um símbolo expressivo tende, em qualquer ocasião em que

se realize, a conter mais de uma referência legítima, de tal maneira que

o seu significado próprio é uma tensão entre duas ou mais direções de

força semântica.

8.1.5 O contexto histórico-social

Nessa quinta parte do ensaio, Candido convoca o contexto históri-co-social do autor para melhor definir alguns sentidos para a Lira. Lem-bremos da ligação, sugerida pelo próprio crítico do sistema literário, entre literatura e contexto histórico: a exemplo da relação com o forma-lismo, não se pode rebaixar o poema aos fatores externos que cercaram o momento de composição, porém, não se deve também desconsiderar informações precisas para o conjunto da obra, pois ela está inserida num conjunto maior. E, no caso específico de Gonzaga, os fatores externos são determinantes na compreensão de alguns sentidos.

8.1.6 Um precursor do sistema literário brasileiro

E, por fim, na última parte do ensaio, Candido dedica-se à legiti-mação de Gonzaga como um importante precursor do sistema literário brasileiro:

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Capítulo 08Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga

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“Gonzaga foi um dos recuperadores da simplicidade; ele a obteve em parte da sua obra graças aos traços já indicados, que o levaram nos bons momentos à simplicidade encantadora de uma poesia que parece dissolver-se a cada momento na prosa coloquial, mas conserva a sua força de originalidade. Por esse lado, parece às vezes singularmente moderna.”

E consagra também o tipo de poema escolhido:

“A ‘lira’ é um tipo de poema onde a convenção pastoral já está despida de suas características mais específicas, que aparecem na écloga, cujo mestre no Brasil foi Cláudio Manoel da Costa. A ‘lira’ de Gonzaga tem uma inovação: ela suprime não só o diálo-go entre pastores, mas os lugares-comuns mais freqüentes, como a referência a sacrifício de animais, a oferta de produtos da terra e a entidades protetoras. Nela, estamos mais perto do que será o poema lírico dos românticos, embora conserve o que se pode chamar de “delegação poética”, isto é, o recurso que consiste em transferir a manifestação do Eu a um personagem alternativo, o pastor, despojado aqui dos outros elementos da écloga. Ele é um rústico sob cuja pele se esconde poeticamente o civilizado, para obter o afastamento necessário à ilusão poética.”

Leia mais!

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. Das origens ao Romantismo. 7. ed. São Paulo: Difusão Euro-peia do Livro, 1979. V. 1.

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial: 1500-1808/1836. São Paulo: Cultrix, 1975.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de Literatura Colonial. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acesso em: 24 ago. 2007.

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Capítulo 09O Uraguai e o século XVIII

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O Uraguai e o século XVIII Apresentar e discutir a obra O Uraguai, de Basílio da Gama, dentro do

complexo literário e intelectual do século XVIII luso-brasileiro.

LEIA!

http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-01121.html

CANDIDO, Antonio. “A dois séculos d’O Uraguai”. In: Vários Escritos.

São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1977.

GAMA, Basilio da. O Uraguai. Org. de Mário Camarinha da Silva. Rio

de Janeiro: Agir, 1964. (Nossos Clássicos, 77).

9.1 Anotações a o Uraguai e A dois séculos d’o Uraguai

9.1.1 História e poesia

Sobre esse poema, Candido diz: “... é um romance de aventuras exóticas...” (p. 163 do ensaio referido anterior-mente)

Quanto aos valores estéticos, Antonio Candido come-ça por destacar o Canto V: “O Canto V é o pior de todos e visivelmente acabado às pressas, tendo como assunto prin-cipal a pintura alegórica no teto da igreja, alusiva ao do-mínio universal da Companhia e os seus alegados crimes e prepotências.” (p. 172)

Ainda na página 172, o crítico toca em questões caras a sua forma de julgar uma obra; ele comenta a relação do concreto real e do concreto poético:

“... equilíbrio entre os detalhes históricos e a elabo-ração ficcional. (...) o essencial da matéria informativa (...) mas em tudo o que é poeticamente decisivo, submeteu-o a um proces-so de descaracterização criadora – misturando personagens reais

9

Figura 12 - Basilio da Gama.

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e fictícios, suprimindo sistematicamente os topônimos, fundindo acontecimentos, mudando o significado dos fatos e das ações. (...) o concreto real passa para segundo plano, embora permaneça como data virtual do poema, enquanto sobressai o concreto po-ético; e assim o caráter contingente da obra de circunstância foi superado pela durabilidade dos produtos imaginários.”

Ele continua na página 174: “Havia um general português a celebrar, havia os jesuítas a denegrir; e havia um elemento que servia de pretexto, o índio. Foi este que acabou vindo a primeiro plano e salvando o poema.”

O compromisso com uma missão ideológica pode comprometer a imaginação e, conseqüentemente, a estética do texto: “a análise adequa-da mostra de fato que o material da polêmica antijesuítica é sempre este-ticamente ruim, tendendo a adquirir significado periférico.” (p. 175)

Ainda na página 175: “Portanto, se encararmos o poema objetiva-mente, e não como ilustração de um desígnio externo, a polêmica anti-jesuítica fica secundária e surge um outro eixo, que funciona como prin-cípio estrutural: o mencionado encontro de culturas, definido no Canto II pelo debate entre Gomes Freire e os dois caciques, Cepé e Cacambo.”

9.1.2 Renovação dos moldes clássicos

De um lado, vemos n’O Uraguai vários elementos que caracterizam heranças clássicas:

• Podemos reconhecer uma invocação e uma dedicação na for-ma clássica;

• Os versos são decassílabos brancos;

• Há ecos de Petrarca: “Tanto era bela no seu rosto a morte!”;

• Diz Antonio Candido: “O Uraguai (...) é cheio de reminiscên-cias dos poetas italianos...”;

• Nos versos 120 a 130, poderíamos falar numa referência à Eneida;

• Nos versos 145 a 153, verificamos uma possível sintaxe latinizante;

• Nos versos 1 a 4, parece se revelar a paisagem de gosto clássico, assim como nos versos de 39 a 55. É a paisagem bucólica neo-clássica.

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Capítulo 09O Uraguai e o século XVIII

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Por outro lado, acerca de um desgarre da tradição clássica, pen-semos nos comentários de Mário Camarinha da Silva (organizador da edição acima mencionada) “... é O Uraguai obra em que as inovações correm parelhas com as normas tradicionais, o que a torna bem repre-sentativa daquele momento.”; “Não sendo da natureza do poema épico caracterizar a fundo as personagens, como conseguiria o poeta nos im-pressionar tanto com essas criaturas? (...) recursos estilísticos do poeta (...) Basílio era poeta menor, de fôlego breve, pouca imaginação e curtas intenções (...) Como conciliaria estilisticamente sua economia de meios com o tradicional esbanjamento de formas da epopéia? (...) E só o con-seguiu devido à inexcedível mestria com que dominou a língua portu-guesa...” (p. 15)

Sobre o autor d’o Uraguai, Antonio Candido diz: “... Basílio da Gama (...) nada tem de escritor oficial, esteticamente falando; nada de acadêmico e seguidor das regras.” (p. 163). E, sobre a relação do autor com o gênero: “Embora tenha dado a O Uraguai uns disfarces de epo-péia, quase tudo o afasta do gênero: o assunto, reduzido e atual, que-brando a norma da distância épica; o tamanho pequeno, incompatível com as regras; a presença da sátira e do burlesco, que são a própria ne-gação destas e aproximariam a obra do poema herói-cômico, isto é, a antiepopéia deliberada.” (p. 172) Não ignoremos o maravilhoso pagão – a profetização de Tanajura.

9.1.3 Contrapontos

Há alguns contrapontos interessantes, apontados por Candido, no Canto IV: nos versos 23 a 38 nota-se alternância entre a aldeia (Cacam-bo e Lindóia) e as tropas portuguesas, e também o contraponto entre a serpente e os portugueses de tocaia (p. 75)

Mais contraposição: “Este princípio estrutural (...) em certas cons-tantes da composição, como a técnica de contraponto. Os oficiais se opõem aos caciques; os pelotões fardados de azul e amarelo se opõem aos guerreiros guaranis, enfeitados de penas amarelas e azuis; ao uni-forme vermelho dos granadeiros responde a plumagem rubra dos tapes de Caitetu...” (p. 176)

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9.1.4 Plasticidade e movimentos da linguagem

Segundo Mário Camarinha da Silva: o “decassílabo, verso tradicional da épica, nas línguas neolatinas, Basílio acumulou nele efeitos simultâne-os de som, cor e imagem intimamente ligados ao significado.” (p. 16)

Candido afirma que, no Canto I, há “bonitos os trechos sobre o desfile dos batalhões e o mundo coberto de água.” (p. 171); “No Canto IV (o mais belo), as tropas avançam por uma região alta e nevoenta, ilu-minada de repente pelo sol, enquanto na aldeia os índios se dispõem em formação vistosa para o casamento de Baldeta e Lindóia.” (p. 171)

Uma observação também sobre o fim do poema: “... o poema ter-mina abruptamente com uma peroração admirável, que redime a frou-xidão de estrutura, assunto e linguagem do último canto.” (p. 172)

E ainda: “... o que mais prende a atenção é um jogo de linhas, rit-mos e matizes, com uma gratuidade brilhante que empurra para segun-do plano certas discursividades da argumentação. (...) tudo nele é cor, volume, movimento virtual, antes de ser soldado ou índio, ribeiro ou morro.” (p. 177)

Para Candido, há, na criação de Basílio, “impressões sensoriais, que não apenas constituem a percepção do mundo, mas são o elemento estético que determina a estrutura ao se tornar elemento de composição.” (p. 177)

E mais: “... construção feita pela fusão da cor e do movimento. Pode-se mesmo dizer que a cor é a lei do movimento, gerado pela sua modulação; mas que o movimento, por sua vez, revela a cor, ao associá-la, em cres-cendo, do cinza neutro à explosão de vermelhos, azuis, amarelos, verdes, passando à tonalidade fria das paisagens vistas de longe.” (p.180-181)

9.1.5 Quanto aos ritmos

Novamente recorramos a Mário Camarinha da Silva: “Some-se ainda o efeito suspensivo do cavalgamento, provocador de emoção ou surpresa...” (p. 16)

Ou ainda: “... riqueza acústico-significativa, com o ressoar das vo-gais repetidas ou a aliteração das consoantes nos trechos mais altamente expressivos...” (p. 16)

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E o organizador tece mais elogios para a música do poema: “Onde quer que a monotonia ameace, logo a destrói um verso antológico pelo efeito acústico (...) pelo insólito da aparência (...) pelo não mais esperado elemento de cor local em cenas perfeitamente arcádicas pelo convencional (...) pela rápida série nominal tornada enfática por um assíndeto (...) ou pe-las aliterações, e ecos, e rimas interiores e outros recursos que tais.” (p. 17)

Nessa linha, podemos ver no poema, como nos versos 130-1, o rit-mo da frase baseado em quebras sintáticas e cavalgamentos.

Por sua vez, Antonio Candido afirma: “A sua ação rápida, variada, pondo em cena personagens incisivos ou comoventes, embora sumá-rios, (...) o seu verso melodioso (...) anuncia as boas tonalidades de Gon-çalves Dias.” (p. 163)

E, na página 181 do referido ensaio, há mais observações quanto à melodia dos versos: “... também (...) são plásticos, graças a valores su-tis, de vogais e consoantes ou, ainda, à combinação de uma maioria de versos com cesura mais ou menos fixa a outros de cesura variável. Daí a diversidade e a fluidez desse verso solto que podemos quase ver, como se fosse um arabesco, ao mesmo tempo que ouvimos a sua musicalidade contida. O jogo dos enjambements, que por vezes se sucedem imediata-mente, formando seqüências longas, e da pontuação que represa o fluxo sonoro para deixá-lo espraiar-se adiante – mantém o espírito num mo-vimento continuado e o faz esposar as formas do mundo.”

9.1.6 Razão, sentimento e imaginação

Segundo Mário Camarinha da Silva, “... o dilema entre a natureza ra-cional e a natureza sentimental (...) rege a arte de Basílio da Gama no Ura-guai. Neste imperam as razões do coração. Ou talvez seja mais claro dizer que a Razão do poeta esconde sentimentos que nele próprio confessa.” (p. 9). Daí decorre que “... os seres que inventa este poeta de parca imaginação superam no poema os que existiram historicamente.” (p. 13)

E, nas palavras de Antonio Candido, pode-se ver n’O Uraguai um “... assunto entre épico e político, banhado por um lirismo terno ou heróico que permite ver com simpatia a vida do índio brasileiro (...) instrumento novo (...) natureza um pouco jornalística...” (p. 172)

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9.1.7 Natureza versus ordem racional

Nos versos de 6 a 8, nota-se uma oposição entre natureza e or-dem racional.

Por sua vez, Antonio Candido fala de uma “razão natural” que es-taria contra uma “razão pura e simples” (p. 175).

9.1.8 As ações do estado europeu

Os versos 71 a 77 nos permitem falar de uma violência do estado como recurso para a implantação de sua lógicas e de suas leis.

Nos versos 138 a 144, evidencia-se a cultura europeia que a guerra leva aos índios (já dominados pela cultura europeia jesuítica).

Os versos 153 e 154 atestam o esforço de imposição de ordem e de instrução pelos europeus.

9.1.9 Civilização e barbárie

Quanto à educação dos selvagens, Mário Camarinha aponta um “... mundo civilizado, com seu herói racionalista e os seus guerreiros plas-ticamente dispostos nas ocasiões festivas como na ordem de batalha; ao contato da civilização até os bárbaros podem conter os seus impulsos e apresentar razões e contra-razões ao Herói...” (p. 12)

Nos versos 173 a 184, percebe-se que a voz poética afirma que os índios só teriam progressos se assistidos pelo gênio europeu.

Como consequência, vemos a imposição de uma lógica interesseira à cultura autóctone, como se pode entender do verso 110.

Nos versos 124 a 128, mostra-se um embate entre uma liberdade miserável e uma escravidão iluminada. Poderíamos, no caso, pensar na imagem do contrato social do racionalismo europeu.

Nos versos 129 a 132, o despotismo interesseiro dos jesuítas se con-trapõe ao despotismo esclarecido da coroa portuguesa.

O verso 137 pode ser lido como uma referência aos ideais do con-trato social de Rousseau.

Os versos 285 a 289 mostram a cultura jesuítica sendo imposta aos índios, pelo olhar próprio do poeta.

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Acerca do prejuízo do índio, Antonio Candido mostra a estraté-gia de Basílio da Gama em descrever a invasão sofrida pelo indígena: “Mostrá-lo como vítima dos padres seria normal e aumentaria o efeito da polêmica; o poeta não deixa de fazer isto. Mas vai adiante e o mos-tra como vítima de uma situação mais complexa, na qual os intuitos declarados viram do avesso, na medida em que o militar invasor acaba se equiparando virtualmente ao jesuíta como agente de perturbação da ordem natural.” (p. 174)

9.1.10 A intromissão da cultura cristã

Mário Camarinha: “Neste poema do avanço da civilização sobre as terras dos bárbaros, Sepé é um símbolo cristão: derrotado, subiu aos céus.” (p. 13)

Nos versos 140 a 143, a ingenuidade e a bravura do selvagem é con-traposta à perfídia e aos interesses do jesuíta.

Nos versos 242 a 248, ironicamente, Balda é mostrado como pai de Baldeta. Nesses nomes, haveria alusão à vacuidade (de baldo, debalde, em vão) dos padres?

9.1.11 O choque de culturas

Há inúmeros exemplos de passagens em que se chocam valores, ideias e princípios das diferentes culturas envolvidas (a dos europeus representados pelo exército português, a dos europeus representados pelos jesuítas e a dos indígenas). Vejamos os exemplos seguintes:

• Versos de 25 a 28: pretensa superioridade do europeu;

• Versos de 30 a 32: cultura europeia versus cultura indígena;

• Versos de 162 a 165: valentia ignorante do índio versus valentia orgânica do português;

• Versos de 192 a 194: A guerra é mostrada como mensageira da civilização!;

• Verso 213: descrição de uma lógica da guerra europeia (e civi-lizada);

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• Versos de 261 a 274: males e bens da civilização europeia;

• Versos de 265 a 267: contraposição entre culturas índia e euro-peia;

• Versos 5-6: aqui, pretende-se mostrar que a questão não é cul-tural (a supremacia europeia não se discute), mas de poder po-lítico, de visão iluminista;

• Versos de 110 a 112: apresentação da mitologia pagã;

• Versos de 137 a 139: ingenuidade natural do selvagem;

• Versos 65 e 66: a volta à grandeza primitiva como atributo (ou resultado) da razão esclarecida (p. 40).

Sobre essas tensões, conflitos de culturas e de civilização, Antonio Can-dido lembra: “... a história sempre atual dos povos de cultura diferente que não se entendem e traduzem o desentendimento pelo conflito...”. (p. 163)

Dando contornos definitivos para essa tensão, Candido é preciso no exemplo: “no Canto II (...) Cepé e Cacambo, procuram Gomes Freire como embaixadores. No belo diálogo, as duas partes expõem as suas ra-zões e nós sentimos a tristeza do choque de culturas e interesses. Trava-se o combate, cujo movimento é admirável, terminando com a derrota e retirada dos índios.” (p. 171)

Mário Camarinha afirma que, “Liberado momentaneamente pela derrota frente à civilização que avança, o índio missioneiro volta à na-tureza...” (p.12)

Destaque-se o que Camarinha afirma, em sua apresentação do poe-ma, acerca do mito do bom selvagem “... poema (...) representação da eterna luta da civilização contra a barbárie num mundo em que tanto quanto Gomes Freire, sólida figura do herói civil (à maneira de Pombal e seus irmãos), importam os bons selvagens que o poeta imagina viven-do numa natureza amena, quase idílica, mas presas das Superstições e do Fanatismo que lhes incutiam os bons padres espanhóis.” (p.12)

Todavia, tanto Camarinha quanto, mais tarde, Candido parecem cair no erro de pensar que o poema permite a Basílio da Gama descobrir a ideia/imagem do bom selvagem; na verdade, pode ser que esse mito,

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conhecidíssimo da intelectualidade ilustrada à época, sofra a contrapo-sição do panfletarismo antijesuítico e das intenções políticas do autor, não aparecendo, então, como desaguar natural do poema, mas como elemento que perturba as intenções extratextuais de Basílio da Gama.

Quanto à pureza natural dando sentido à razão iluminada, Cama-rinha fala de um “... mundo de decadência e ruínas, que não justifica os pecados que mancham a Alegoria da grandeza que se atribui à própria Companhia (...) À sombra generosa do Herói, reintegram-se no mundo dos índios do Uraguai os valores humanos, acarretando a vitória formal da civilização da autoridade real.” (p. 12-13)

Antonio Candido nota em Basílio uma postura ilustrada, no que concerne à consciência a empreitada dos poetas do século XVIII: “... o poeta estava menos interessado no invasor e no padre que na ordem na-tural do mundo americano, verdadeiro modelo da ordem racional para os ilustrados do século XVIII.” (p. 175)

E os elogios ao trabalho do poeta se estendem: “... poeta, grande artífice que percebeu o diálogo das culturas, do ângulo americano. Por isso identificou-se à realidade física da terra e do índio; e indo muito além dos intuitos ostensivos da campanha antijesuítica, transformou-os em significados capazes de levar à mentalidade dos homens cultos da Europa o peso específico do mundo natural, estraçalhado pela ambição colonizadora.” (p. 182)

9.1.12 Prenúncios do indianismo romântico

Voltemos à apresentação de Camarinha para esse assunto: “Sur-gindo no poema com categoria de “homem natural”, “bárbaro”, “rude americano”, alguns desses índios não passavam de meras representações da idéia que o autor formava, por exemplo, de um bravo (Tatu-Guaçu), uma feiticeira (Tanajura), e um jovem gabola (Baldetta).” (p. 13-14) Es-taríamos diante de um pré-romantismo indianista?

Os versos 59 a 64 e 180 a 193 mostrariam um possível embrião do indianismo.

Também nos versos de 171 a 175 haveria esse possível embrião de indianismo. Ver, a esse propósito, O Canto do Piaga de Gonçalves Dias.

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Os versos de 34 a 42 poderiam parecer uma peroração indepen-dentista, mas a referência é claramente feita aos índios (ver a nota do próprio Basílio da Gama).

Antonio Candido chama a atenção para uma abordagem cuidado-sa do poema de Basílio da Gama, de tal forma que estrutura e conteúdo sejam contemplados devidamente: “O Uraguai (...) é preciso ver mais coisa na sua estrutura, distinguindo além do ataque ao jesuíta a defesa do pombalismo e o encantamento plástico pelas formas do mundo ame-ricano, inclusive a simpatia pelo índio.” (p. 171)

9.1.13 Os dois eixos de leitura

Antonio Candido acredita que, como organismo, o poema não consegue harmonizar-se de acordo com seus dois eixos (poesia e ideo-logia; ficção e história; estética e política etc.): “O Uraguai é belo e mal composto. Uma obra pode ter mais de um eixo de ordenação e freqüen-temente extrair disso a sua riqueza. Mas neste caso a dualidade, mesmo que tenha sido deliberada, foi nociva (...) representa desconexão e uma leitura atrapalha a outra...” (p. 176)

E ainda: “... uma visão mais de acordo com os melhores momentos do poema é, conforme foi sugerido, a que desloca o eixo da verrina para o encontro de culturas, base da civilização brasileira, que seria elabo-rado no Caramuru com maior amplitude, mas com menos graça (...) Basílio da Gama, mais dramático e menos convencional, veria no pro-cesso principalmente os elementos do choque: Durão, compreensivo e conciliador, a acomodação das raças e dos costumes.” (p. 176)

9.1.14 Os quatro elementos, segundo Candido

“O sertão gaúcho das Missões é dissolvido na imprecisão e pode mais facilmente tornar-se espaço poético arbitrário, encarnando quase simbolicamente os quatro elementos do mundo, matéria predileta da imaginação de Basílio...” (p. 177)

Elemento primeiro: “O elemento sólido é aparente no peso estáti-co das imagens e descrições que amarram a nossa imaginação a vários morros...” (p. 177)

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Elemento segundo: “... sentimento da água, movendo o mundo a cada instante...” (p.177)

Elemento terceiro: “O movimento se acentua e sutiliza com o fogo, que é o instrumento de Cacambo contra o acampamento...” (p. 178)

Elemento quarto: “... a imaginação fica imponderável e ascensional com o ar, que no poema pode ser a zona onde as nuvens se escondem ou revelam a face das coisas; a levitação contida nas excursões do olhar, que descortina o horizonte...” (p. 178)

“A presença dos quatro elementos denota um fascínio pelas for-mas naturais, pela realidade exterior do mundo, que é recompos-to como sistema de percepções no verso de Basílio.” (p. 178)

“... impressões sensoriais, que não apenas constituem a percepção do mundo, mas são o elemento estético que determina a estrutu-ra ao se tornar elemento de composição.” (p. 179)

Leia mais!

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Crédito das Imagens

Unidade A

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Fonte: Disponível em: <http://artebrasilia.wordpress.com/2010/11/09/brasilia-desde-la-cartografia/>. Acesso em: 20 jul. 2011.

Unidade B

Lundu, de Johann Moritz Rugendas (1835).

Fonte: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-elHnKPmsFbE/TZNxhx2s_MI/AAAAAAAAAPU/wYfSK2xpFOs/s1600/RUGEN-DAS_Lundu_1835.jpg>.Acesso em: 25 jul. 2011.

Miolo

Figura 1 – Fac-símile da Carta de Caminha a El Rey D. Manuel. Escrita na Ilha de Vera –Cruz em 1º de maio de 1500

Fonte: CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a el Rey Dom Manuel. Trans-crita e comentada por Maria Ângela Villela. 2. ed. coment. e ilust. São Paulo: Ediouro, 1999. p. 12.

Figura 2 – O desembarque dos portuguezes no Brazil ao ser descoberto por Pedro Alvares Cabral em 1500, de Alfredo Roque Gameiro (ca. 19--).

Fonte: Lith. da Comp. Nac. Editora, Lisboa. Disponível em: <http://purl.pt/6942/1/e-297-a_JPG/e-297-a_JPG_24-C-R0072/e-297-a_0001_1_p24-C-R0072.jpg>. Acesso em: 20 jul. 2011.

Figura 3 – Primeira Missa, de Victor Meirelles (1860).

Fonte: Museu Oscar Niemaier. Disponível em: <http://www.pr.gov.br/mon/exposicoes/Primeira%20Missa/primeira_missa_.jpg>. Acesso em: 20 jul. 2011.

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Figura 4 – Um dos Doze Profetas, escultura em pedra-sabão de Aleija-dinho, em frente à igreja Bom Jesus de Matosinhos (1757), em Congo-nhas do Campo.

Fonte: Enciclopédia Britânica on-line. Disponível em: <http://www.bri-tannica.com/EBchecked/media/88449/One-of-the-Twelve-Prophets-soapstone-sculpture-by-Aleijadinho-outside>. Acesso: 25 jul. 2011.

Figura 5 – Cena de ritual antropofágico dos Tupinambás, de Jean de Lèry (1578).

Fonte: LÈRY, Jean de. Viagem a terra do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1961. Disponível em: <http://www.utp.br/historia/revista_historia/numero_4/PDFS/Pedro.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2011.

Figura 6 – Anchieta escrevendo na areia, de Benedito Calixto (1901).

Fonte: Fundação Pinacoteca Benedito Calixto. Disponível em: <http://paulowdesigner.wordpress.com/2007/03/02/dovtrina-christam-2-no-vas-fontes-jesuiticas/>. Acesso em: 25 jul. 2011.

Figura 7 – Frontispício de edição de 1775 dos poemas de Gregório de Matos

Fonte: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/com-mons/8/84/Greg%C3%B3rio_de_Matos_1775.jpg>. Acesso em: 25 jul. 2011.

Figura 8 – Obra de autor desconhecido com a efígie do célebre padre je-suíta (séc. XVIII), retratado num escritório, com o manuscrito da Clavis Prophetarum, obra deixada inédita e só publicada e traduzida em 2000.

Fonte: Casa Cadaval, Muge, Portugal. Disponível em: <http://upload.wi-kimedia.org/wikipedia/commons/2/28/Padre_Ant%C3%B3nio_Vieira.jpg>. Acesso em: 25 jul. 2011.

Figura 9 – Índios Atravessando um Riacho (O Caçador de Escravos), de Jean Baptiste Debret (ca. 1830).

Fonte: Museu de Arte de São Paulo. Disponível em: < http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/15/Jean_baptiste_debret_-_ca%C3%A7ador_escravos.jpg>. Acesso em: 25 jul. 2011.

Figura 10 – Castigo no Pelourinho, de Jean Baptiste Debret (ca.1830).

Fonte: Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Disponível em: < http://2.bp.blogspot.com/_PvAV129JXDU/SCltBmqYleI/AAAAAAAABpQ/cpdvzsQkuc0/s1600/abolic1.jpg>. Acesso em: 25 jul. 2011.

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Literatura Brasileira I

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Figura 11 – Tomás António Gonzaga, de Augusto Lima Junior.

Fonte: Disponível em: <http://www.scielo.br/img/revistas/ea/v3n6/6a02f2.gif>. Acesso em: 26 jul. 2011.

Figura 12 – Basílio da Gama

Fonte: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-UjXQu_s3t3o/TinmxJtZkhI/AAAAAAAADic/cJ3CmYciGfo/s1600/Bas%25C3%25ADlio+da+Gama.jpg>. Acesso em: 26 jul. 2011.