Livro - História da Arte - Graça Proença

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  • 1. Man:a das Graas Viez.ra Proena dos Santos Licenciada em Filosofia pela FFCL de Sorocaba e em Letras pela Universidade de So Paulo Curso de Ps-graduao em Esttica no Departamento de Filosofia da Universidade de So Paulo Professora no ensino particular e na rede oficial do Estado de So Paulo

2. Apresento.n Como professora de Filosofia e Li- teratura, tenho observado que a maio- ria dos estudantes tem poucas informa- es sobre arte. Julgo que isso uma fa- lha bastante sria na formao do jovem, pois ele acaba sem contato com um dos aspectos mais ricos e significativos da produo humana em todos os tempos. Alm disso, fica privado do encantamen- to e das emoes despertadas pelas obras dos grandes artistas. Esta lacuna impede tambm o es- tudante de ter uma viso mais abrangen- te do processo cultural como um todo, uma vez que o conhecimento das artes plsticas facilita a compreenso das obras literrias e uma fonte de referncia im- portantssima para o entendimento do processo histrico. Este livro foi escrito com o objeti- vo de contribuir para superar esta falha. Ele poder ser um bom caminho para um primeiro contato com a Histria da Arte. Dentro dos limites fixados para este trabalho, foi preciso selecionar artistas e obras, j que impossvel abordar to- da a produo artstica que se foi acu- mulando ao longo da histria da huma- nidade. Dentre as opes, uma foi mais di- fcil: a de no apresentar de forma es- pecfica a arte dos povos do Oriente - do mundo rabe, da ndia, doJapo, da China- bem como da Unio Soviti- ca, pois isto significaria estender demais o livro. Por outro lado, tratar de forma muito resumida uma arte to rica pode- ria dar a impresso de que ela no im- portante, o que significaria reforar pre- conceitos. A opo foi, portanto, apresentar apenas a produo artstica do Ociden- te, pois toda a nossa arte e a nossa cul- tura foram basicamente influenciadas pelos padres da Europa Ocidental, no passado, e dos Estados Unidos, no pre- sente. So fundamentalmente os valores estticos desenvolvidos no Ocidente que influenciam a criao de nossos artistas. tambm com estes valores que esta- mos constantemente em contato atravs dos meios de comunicao. Na esperana de que a leitura des- te trabalho possa estimular outros estu- dos e a busca de novos conhecimentos, coloco-me disposio dos estudantes, professores e de todas as pessoas interes- sadas em arte para examinar as crticas e sugestes que forem enviadas, com o objetivo de aperfeioar este livro. A Autora 3. / / INDICE INTRODUO - A arte na histria, 6 1 'ITI~ lrlr- A~:. 1 CAPTULO 1 - A arte do Paleoltico Superior, 10 CAPTULO 2 - A arte do Neoltico, 13 CAPTULO 3 - A arte no Egito, 17 CAPTULO 4 - A arte da civilizao egia, 23 CAPTULO 5 - A arte na Grcia, 27 CAPTULO 6- A arte em Roma, 37 LPTULO 7 - A arte crist primitiva, 44 CAPTULO 8 - A arte bizantina, 47 CAPTULO 9 - A arte da Europa Ocidental no incio da Idade Mdia, 53 CAPTULO 10- A arte romnica, 56 CAPTULO 11 - A arte gtica, 62 CAPTULO 12 - O Renascimento na Itlia, 78 CAPTULO 13 - O Renascimento na Alemanha e nos Pases Baixos, 93 CAPTULO 14 - A arte pr-colombiana, 97 CAPTULO 15 - O Barroco na Itlia, 102 CAPTULO 16 - O Barroco na Espanha e nos Pases Baixos, 109 CAPTULO 17- 0 Rococ, 115 CAPTULO 18- O Neoclassicismo e o Romantismo, 122 CAPTULO 19- 0 Realismo, 131 CAPTULO 20- O Movimento das Artes e Ofcios e o Art Nouveau, 136 CAPTULO 21 -O Impressionismo, 140 CAPTULO 22 - O Ps-Impressionismo, 145 CAPTULO 23 - Principais movimentos artsticos do sculo XX, 151 CAPTULO 24- Outras tendncias da pintura moderna, 163 CAPTULO 25 - A arquitetura e a escultura modernas, 171 CAPTULO 26- A arte da sociedade industrial, 182 4. A nrl" n __., CAPTULO 27 - A arte da Pr-Histria brasileira, 187 CAPTULO 28- A arte dos ndios brasileiros, 190 CAPTULO 29 - O Barroco no Brasil, 196 CAPTULO 30- A influncia da Misso Artstica Francesa, 210 CAPTULO 31 - A pintura brasileira acadmica e a superao do academicismo, 215 CAPTULO 32 - A arte brasileira no final do Imprio e comeo da Repblica, 220 CAPTULO 33- O Brasil comea a viver o sculo XX: o Movimento Modernista, 228 CAPTULO 34 - Artistas e movimentos aps a Semana de Arte Moderna, 238 CAPfTULO 35 - A arte brasileira contempornea, 250 CAPTULO 36 - A moderna arquitetura brasileira, 262 Bibliografia, 271 ndice remissivo, 273 5. Introduo A arte no histria Olhando nossa volta, constatamos que vivemos rodeados de uma enorme quantidade de objetos, seja em casa, no trabalho, na sa- la de aula ou nos mais diver- sos lugares. Se examinarmos esses objetos, verificaremos que todos eles foram feitos com uma determinada fina- lidade. o caso dos utens- lios domsticos ou dos ins- trumentos de trabalho, co- mo a mquina de escrever, a calculadora, o lpis, a r- gua, a luminria. H, en- fim, um grande nmero de coisas que facilitam nossa vi- da: no estudo, no trabalho, nos afazeres de casa, no Jazer. Ao longo da histria, o homem sempre produziu ferramentas para facilitar seu trabalho ou para ajud- lo a superar suas limitaes fsicas. A vara e o anzol, por exemplo, nada mais so do que o prolongamento do seu brao; o guindaste, por sua vez, facilita o levantamento de pesos que no poderiam ser movidos apenas com a fora muscular. Assim, o homem, um ser que facilmente seria venci- do pelos elementos da natu- reza, produziu um sem- nmero de artefatos que lhe possibilitaram dominar e transformar o meio natural. Essa atitude de criar ins- trumentos e aperfeio-los constantemente torna poss- vel a compreenso do pro- cesso civilizatrio pelo qual o homem vem passando desde que surgiu sobre a Terra. Os antroplogos culturais sabem muito bem disso e so capazes de reconstituir a organizao social de um grupo humano a partir dos objetos que se preservaram. Assim, observando potes, urnas morturias c instru- mentos rudimentares para tecer, caar ou pescar, pode- se ficar sabendo como os ho- mens de antigamente vi- viam seu dia-a-dia. Muitos dos objetos ex- postos em museus ou que fa- zem parte da nossa vida di- ria tm uma utilidade evi- dente: basta v-los para lo- go sabermos para que ser- vem; outros, por serem mais complexos, exigem que al- gum mais informado nos explique seu funcionamen- to e sua finalidade. Contu- do, o ser humano tambm produz coisas que, apesar de no terem uma utilidade imediata, sempre estiveram presentes em sua vida. a respeito delas que nos per- guntamos por que c para que foram feitas. 6. Fig. 1. Pinturas pr- histricas encontradas nas ca'ernas de A arte na histna 7 Altamira, Espanha. L..__.L__ _ _..:___;D;......,~J.::LL...;_~...!'.....:.......,._s.."==-:-:-: A resposta a essa pergun- 1a nos mostra que o homem cria objetos no apenas pa- ra se servir utilitariamente deles, mas tambm para ex- pressar seus sentimentos diante da vida e, mais ain- da, para expressar sua viso do momento histrico em que vive. Essas criaes constituem as obras de arte e tambm contam - talvez de forma muito mais fiel - a histria dos homens ao longo dos sculos. Segundo Ruskin, crtico de arte in- ~ls, "as grandes naes es- crevem sua autobiografia em trs volumes o livro de 'uas aes, o livro de suas palavras e o livro de sua ar- te" E acrescenta: "nenhum desses trs livros pode ser compreendido sem que se tenham lido os outros dois, mas desses trs, o nico em que se pode confiar o ltimo". Dessa forma, as obras de arte no devem ser encara- das como algo extraordin- rio dentro da cultura huma- na. Ao contrrio, devem ser vistas como profundamente integradas na cultura de um povo, pois ora retratam ele- mentos do meio natural, co- mo o caso das pinturas nas cavernas de Altamira, na Espanha (fig. 1), ora expres- sam os sentimentos religio- sos do homem, tal como o quadro Natwidadt, do pintor renascentista Sandro Botti- celli (fig. 2), ou a mscara de um deus da antiga civili- zao pr-colombiana do Mxico (fig. 3). Podem tam- bm retratar situaes so- ciais, como A Famlia de Re- tirantes, do pintor brasileiro Cndido Portinari (fig. 34.1., pg. 239), ou Me Camponesa, do artista mexi- cano Siqueiros (fig. 4). s Fig. 2. Natwzdo.de (cerca de 1501), de Sandro Botticelli. D1menses: 107 em x 74 em. Galeria Nacional, Londres. Fig. 3. WJCara do Deus Morugo (200 a.C -200 d.C.). Museu Nacwnal de Antropologia, Cidade do Mxico. 7. , 8 Fig 4. Mt Camponesa (1929), de Siqueiros. Dimenses: A arte no histno Fig. 5. Composio (1974), de Tornic Ohtake. D1menses: 165 em x 165 em. 225 em x 179 em. Museu de Arte Moderna, Cidade do Mxico. vezes, o artista pode ainda trabalhar apenas com valo- res pictricos - cor e com posio - e sugerir diferen- tes impresses a quem con templa suas obras, como as pinturas de Tomie Ohtake (fig. 5). Ela est presente nos inme ros artefatos que fazem par te do nosso dia-a-dia. Mui tas coisas que hoje observa mos nos museus, ontem fa- ziam parte do cotidiano do homem. Da mesma forma, muitas construes que atualmente so monumen tos tombados como patri- mnio histrico de um po- vo, antigamente eram locais de moradia e, neles, famlias viveram momentos de tran qilidade, de apreenso, de medo e de alegria. Assim, as construes em que mora mos hoje, bem como os utenslios que agora fazem parte da nossa vida diria, futuramente podero estar nos museus, atestando os nossos hbitos, os nossos va )ores e o nosso modo de Fig. 6. Urna Atenunse com Fit:ura Vmntllu:z (480-470 a C ). Altura: 33 em. Dimetro da boca: 33 em Mu:;eu do Louvre, Paris. Na verdade, a preocupa o do homem com a bele za est to presente nas cul- turas, que at mesmo os ob- jetos essencialmente teis so concebidos de forma harmoniosa e apresentam-se em cores muito bem combi- nadas. Isso pode ser consta tado quando observamos uma urna grega (fig. 6), um astrolbio do sculo XVI (fig. 7) ou um moderno au tomvel com suas cores bri- lhantes e suas formas aero- dinmicas. A arte no , como ve vida. mos, algo isolado das de- mais atividades humanas. Fig. 7. Astrolbio (1572). Museu da Cincia, Florena. 8. A arte no mundo ocidental 9. Captulo 1 --------------------------------- ---------------------------------- o naturalismo da arte paleoltica / A arte do RJeortico Superior Um dos perodos mais fascinantes da histria humana a Pr- Histria. Esse perodo no foi registrado por nenhum documenl escri- to, pois exatamente a poca anterior escrita. Tudo que sabemos dos homens que viveram nesse tempo resultado da pesquisa de antroplo- gos e hiswriadores, que reconstitur.am a cultura do homem da Idade da Pedra a partir de objews encontrados em vrias partes do mundo, e de pinturas achadas no interior de muitas cavernas na Europa, Norte da frica e sia. Como a durao da Pr-Histria foi muito longa, os hiswriadores a dividiram em trs perodos: Paleoltico Inferior (cerca de 500 000 a.C.), Paleoltico Superior (aproximadamente 30 000 a.C.) e Neoltico (por volta do ano 10 000 a C.). Como o objetivo deste livro estudar a evoluo da arte atravs dos tempos, vamos conhecer sua histria partindo do Paleoltico Supe- rior, pois nesse momento que os pesquisadores registram as primeiras manifestaes artsticas, como o caso das pinturas pr-histricas en- contradas principalmente nas cavernas de Niaux, Font-de-Gaume e Las- caux, na Frana, e na de ltamira, na Espanha. As primeiras expresses da arte eram muito simples. Consistiam em traos feitos nas paredes de argila das cavernas ou das "mos em negativo" (fig 1.1). Somente muito tempo depoiS de dominarem a tc- mca das mos em negativo (ver, a respeito dessa tcnica, o quadro na p- gina 12) que os artistas pr-histricos comearam a desenhar e pintar amma1s. A principal caracterstica dos desenhos da Idade da Pedra Lasca- da, nome pelo qual tambm conhecido o Paleoltico Superior, o na- luralzsmo. O artista pintava os seres, um animal, por exemplo, do modo como o via de uma determinada perspectiva, reproduzindo a natureza tal qual sua vista a captava. Assim, a arte do homem desse perodo, di- 10. A arte do Paleoltico Superior 11 ferentemente da de outros, retrata apenas o que o artista v. Os egp- cios, por exemplo, representavam as figuras de perfil, mas colocavam os olhos vistos de frente. Ou seja, faziam uma composio entre aquilo que viam e o que no viam, mas sabiam que existia. Na arte do Paleol- tico isso no acontece. importante notar tambm que esses desenhos j revelam uma elaborao por parte do artista. Por isso, no existe neles qualquer tra- o que possa nos levar a compar-los com os desenhos infantis. So inevitveis as perguntas sobre os motivos que levaram o ho- mem a fazer essas pinturas. Atualmente, a explicao mais aceita que essa arte era realizada por caadores, e que fazia parte de um processo de magia por meio do qual procurava-se interferir na captura de ani- mais. Ou seja, o pintor-caador do Paleoltico supunha ter poder sobre o animal desde que possusse a sua imagem. Acreditava que poderia matar o animal verdadeiro desde que o representasse ferido mortalmente num desenho. Assim, para ele, os desenhos no eram representaes de se- res, mas os prprios seres. Essa a explicao mais aceita para as pin- turas do Paleoltico Superior. 11. 12 Aarte no mundo ocidental Como trabalhavam os artistas pr-histricos Em suas pinturas, o homem da cavemo usava xidos minerais,os- soscarbonizados,carvoo.vegetais esangue deanimais.Oselementos slidos eram esmagados edissolvi- dos na gordura dos animais caa- dos.Como pincel. com certeza.uti- lizaram Inicialmente o dedo, mas h indcios de terem empregado tambm pincisfeitos de penas e plos. Fig. 1.2. Bisonte. Pintura rupestre encontrada numa das grutas de Altamira, na Espanha. Outra tcnica era a das mos emnegativo.Apsobter um pco- lorido a partir da trituraOo de ro- chas, os artistas o sopravam, atra- vsde um canudo, sobre a mOo pousada na parededa caverna.A regiOOem voHa da moo ficava co- lorida e a parte coberta. noo. As- sim, obtinha-se uma silhueta da moo,como numfilmeem negativo. O utro aspecto que chama a ateno de quem observa as pinturas rupestres, isto , fei- tas em rochedos e paredes de cavernas, a ca- pacidade de seus criadores interpretarem a na- tureza. As imagens que representam animais temidos esto carregadas de traos que revelam fora e movimento. Assim esto retratados os bisontes e outras feras (fig. 1.2). Mas nas ima- gens que representam renas e cavalos, os tra- os revelam leveza e fragilidade. Os artistas do Paleoltico Superior reali- zaram tambm trabalhos em escultura. Mas, tanto na pintura quan to na escultura, nota-se a ausncia de figuras masculinas. Predominam as figuras femininas, com a cabea surgindo co- mo prolongam ento do pescoo, seios volumo- sos, ven tre saltado e grandes ndegas. Dentre esses trabalhos, destacam-se a Vnus deSavinha- no e a Vnus de Willendorf (fig. 1.3). Fig. 1.3. Vnus dt Willmdoif. Altura: 11 em. Encontrada na ustria. Museu de Htstria Natural, Viena. 12. Aarte do Neoltico leva escrita Captulo 2 A arte do Neortico O ltimo perodo da Pr-Hist6ria chamado de Neoltico ou Ida- de da Pedra Polida. Esse nome foi adotado por causa da tcnica de cons- truir armas e instrumentos com pedras polidas mediante atrito. Mas alm desse aprimoramento tcnico, o acontecimento mais significativo desse perodo foi o incio da agricultura e da domesticao de animais. Isso deu incio substituio da vida nmade por uma vida mais estabilizada. Esse fato to importante que ficou conhecido como Revoluo Neoltica, pois transformou profundamente a hist6ri humana. A fixa- o do homem, garantida pelo cultivo da terra e pela manuteno de manadas, ocasionou um aumento rpido da populao e o desenvolvi- mento das primeiras instituies, como a famlia e a diviso do trabalho. Assim, o homem do Neoltico desenvolveu a tcnica de tecer pa- nos, de fabricar cermica e construiu as primeiras moradias. Conseguiu ainda produzir o fogo atravs do atrito e deu incio ao trabalho com metais. Todas essas conquistas tcnicas tiveram um forte reflexo na arte. O homem, que se tornara um campons, no precisava mais ter os sen- tidos apurados do caador do Paleoltico, e o seu poder de observao foi substitudo pela abstrao e racionalizao. A conseqncia imedia- ta foi o abandono do estilo naturalista que predominava na arte do Pa- leoltico, e o surgimento de um estilo simplificador e geometrizante. Em lugar de representaes que imitam fielmente a natureza, vamos encontrar sinais e figuras que mais sugerem do que reproduzem os seres (fig. 2.1 ). Esta a primeira grande transformao na hist6ria da arte. 13. , 14 Fig. 2.1. Pinturas rupestres ('ncontradas em Tassili, regio do Saara (cerca de 4500 a.C.). Fig. 2.2. Pinturas rupestres encontradas em Tassili, reg1o do Saara. A arte no mundo ocidental Mas no foi apenas a maneira de desenhar e pintar que sofreu mo- dificaes. Os prprios temas da arte mudaram: comearam as repre- sentaes da vida coletiva. Como as pessoas passaram a ser representa- das em suas atividades cotidianas, um novo problema se colocou para o artista: dar idia de movimento atravs da imagem fixa (fig. 2.2). E o artista do Neoltico conseguiu isso de uma maneira eficiente, como se pode notar nas pinturas de cenas de danas coletivas, possivelmente ligadas ao trabalho de plantio e colheita. A preocupao com o movimento fez com que os artistas criassem figuras leves, geis, pequenas e de pouca cor. Com o tempo, essas figu- ras foram se reduzindo a traos e linhas muito simples, mas que comu- nicavam algo para quem as via. Desses desenhos surge, portanto, a pri- meira forma de escrita, a escrita pictogrfica, que consiste em represen- tar seres e idias pelo desenho. 14. A arte do Neoltico 15 Na cermica, a preo- cupaao com a beleza Alm de desenhos e pinturas, o artista do Neoltico produziu uma cermica que revela sua preocupao com a beleza e no apenas com a utilidade do objeto. Dois belos exemplos dessa cermica so a nfora em terracota da Dinamarca (fig. 2.3) e o Vaso escandinavo em terracota. Nesse perodo registrou-se outro progresso: os artistas comearam a usar o metal em seus trabalhos, servindo-se possivelmente do mtodo com frma de barro ou da tcnica da cera perdida (veja texto explicativo no quadro abaixo). As esculturas em metal representando guerreiros e mu- lheres so ricas em detalhes, constituindo um precioso documento das roupas e atividades do Neoltico. Essas esculturas foram encontradas so- bretudo na Escandinvia e na Sardenha (fig. 2.4). Comoeram feitas as primeiras esculturas em metal Para oescu~or queusava om- kxio da f6rma de barro. oprimeiro oossoconsistia em fazer umafrma com esse material. Nela eradespe- ,000ometal j derretidoemfomos. Oferrofundido eradeixadodentro oo frma de barro at que esfrias- se. Depoisde frio. a frma era que- orada. Obftnhase. assim. uma es ::ultura com a configurao ante- normente dada ao barro. J otrabalhodoamsta que usa- va a tcnica da cera perdida co- :neava com a construo de um modelo em cera. Esse modelo era revestido de barro aquecido. Com :>oolordo barro. a ceraderreftase a escorria por um orifcio que era oropositalmente deixado na pea aecermica. Obtinha-se assim um :>Ojeto oco. Depois. por esse mes :T!O orifcio. preenchia-se o objeto com metal fundido. Quando este estivesse endurecido e frio. que- orava-se omolde de barro.Dentro aele estava a escu~ra em metal. 'QUOI queoamstaftnha moldado e"'l cera. J Fig. 2.3. nfora em cermica. Museu Nacional, Copenhague. Fig. 2.4. Escultura neoltica em bronze, encontrada na Sardenha. Museu Pigorini, Roma. 15. 16 Fig. 2 5. Nuragues. Aldeia de Barumini, na Sardenha. Fig. 2.6. Dolmcns. Detalhe:: do Santurio dt Stonrhengr, Inglaterra. Os monumentos em pedra esto dispostos em forma circular c de ferradura. O cn;ulo exterior tem 100m de dimetro t: as pedras que servem de pilans medem 4,20 m de altura. Dada a disposi~o dos dolmens, de acordo rom um plano prc estabelecido, esta construo podt ser considerada uma das primeiras obras de arquitttura que a Histria registra. A arte no mundo ocidental O homem do Neoltico comeou tambm a abandonar as cavernas e a construir suas prprias moradias. Dessas construes so conhecidas os nuraguts, edificaes em pedra, sem nenhuma argamassa e em forma de cone truncado (fig. 2.5). So tambm desse perodo as construes denominadas dolmens. Consistem em duas ou mai~ pedras grandes fincadas verticalmente no cho, como se fossem paredes, e em uma grande pedra colocada hori- zontalmente sobre elas, parecendo um teto (figs. 2.6 e 2.7). O porqu dessas construes ainda no foi suficientemente esclarecido pela Hist- ria e pela Antropologia. fi,_ .. - , /; ~. . ~ ..- ..I a: : I ' I ' ~ Flf{. 2.i. Planta do Santuno de Stonehenge. 16. Uma arte dedicada morte Captulo 3 Aarte no Egito Uma das principais civilizaes da Antiguidade foi a que se de- senvolveu no Egito. Era uma civilizao j bastante complexa em sua organizao social e riqussima em suas realizaes culturais. Alm dis- so, os egpcios produziram uma escrita bem estruturada, graas qual temos um conhecimento bastante completo de sua cultura. Mas a religio talvez o aspecto mais significativo da cultura egp- cia. Tudo no Egito era orientado por ela: o mundo poderia - na viso desse povo - ser destrudo no fossem as preces e os ritos religiosos, a felicidade nessa vida c a sobrevivncia depois da morte eram assegu- radas pelas prticas rituais, c at mesmo "o ritmo das enchentes, a fer- tilidade do solo e a prpria disposio racional dos canais de irrigao dependiam diretamente da ao divina do fara" A religio, portanto, invadiu toda a vida egpcia, interpretando o universo, justificando sua organizao social c poltica, determinando o papel de cada classe social c, conseqentemente, orientando toda a produo artstica desse povo. Alm de crer em deuses que poderiam interferir na histria huma- na, os egpcios acreditavam tambm numa vida aps a morte c acha- vam que essa vida era mais importante do que a que viviam no presen- te. Inevitavelmente, a arte criada por esse povo refletiu suas crenas fun- damentais. Dessa forma, a arte egpcia concretizou-se, desde o incio, nos tmulos, nas estatuetas e nos vasos deixados junto aos mortos. E por isso tambm que a arquitetura egpcia se realizou sobretudo nas cons- trues morturias. (I) llrJtria da.r Cwzlizau, Abril Cultural. volume 1, p. 17. 17. 18 A arte no mundo ocidental As tumbas dos primeiros faras eram rplicas das casas em que moravam, enquanto as pessoas sem importncia social eram sepultadas em construes retangulares muito simples, chamadas mastabas. Entre- tanto, foram as mastabas que deram origem s grandes pirmides cons- trudas mais tarde. A Por volta de 2780 a.C., a sociedade egpcia j apresentava uma estrutura bastante complexa. As classes sociais comearam a ganhar li- mites ntidos. De um lado, estavam os faras cercados por nobres e sa- cerdotes. De outro, os comerciantes, artesos e camponeses. E, numa situao marginalizada, estavam os escravos, uma significativa parcela da populao. imponncia do poder religioso e poltico Nessa poca e nesse contexto social, teve incio com o soberano Djoser o Antigo Imprio (3200-2200 a.C.). Esse fara exerceu o poder autoritariamente e transformou o Baixo Egito, com a capital em Mn- fis , no centro mais importante do reino. Desse perodo restaram importantes monumentos artsticos, feitos para atestar a grandiosidade e a imponncia do poder po- ltico e religioso do fara. A prrmidt dt Djo- Str (fig. 3.1), por exemplo, na regio de Sa- car, construda pelo arquiteto Imotep, tal- vez a primeira construo egpcia de gran- des propores. Fig. 3.1. Pirmide de Djoscr, em Sac...tr (srrulo XXVIII a.C.) Mas so as pirmides do deserto de Gi- z as obras arquitetnicas mais famosas. Fo- ram construdas por importantes reis do An- tigo Imprio: Quiops, Quifrm e Miquerinos (fig. 3.2). A maior, a de Quops, tem 146 metros de altura e ocupa uma superfcie de 54 300 metros quadrados. Esse monumento revela Fig. :3.2. Pirmides de Quops. Qufren e Miquerinos, no deserto de Giz (st-culo XXVII-XXVI a.C.). 18. Umaarte de :Jnvenes Fig. 3.4. xo-relevo de um tmulo prximo Ie Sacar (cerca de 2500 a.C.). Museu do Louvrc, Paris. A arte no Egto 19 o domnio que os egpcios demonstraram em sua tcnica de construo, pois no existe ne- nhuma espcie de argamassa entre os blocos de pedra que formam suas imensas paredes. Junto a essas trs pirmides est a es- finge mais conhecida do Egito. uma obra tambm gigantesca, com 20 metros de altu- ra e 74 metros de comprimento. Na verda- de, ela representa o fara Qufren, mas a ao erosiva do vento e das areias do deser- to deram-lhe, ao longo dos sculos, um as- pecto enigmtico e misterioso (fig. 3.3). Fig. 3.3. Esfinge do fara Qufren (sculo XXVII a.C.). A arte egpcia estava intimamente ligada religio, servindo de veculo para a difuso dos preceitos e das crenas religiosas. Por isso, era bastante padronizada, no dando margem criatividade ou ima- ginao pessoal. Assim, os artistas egpcios foram criadores de uma ar- te annima, pois a obra deveria revelar um perfeito domnio das tcni- cas de execuo e no o estilo do artista. Dessa forma, na pintura e nos baixos-relevos existiam muitas re- gras a serem seguidas. Dentre elas, a lei dafrontalidade, que tanto carac- teriza a arte egpcia, era rigidamente obrigatria. Essa lei determinava que o tronco da pessoa fosse representado sempre de frente, enquanto sua cabea, suas pernas e seus ps eram vistos de perfil (fig. 3.4). 19. 20 Oapogeu do poder eda arte Fig. 3.5 Escriba Sentado (cerca de 2500 a.C.). Encontrado em um ~epulcro da JlCrrpole de Sacar pintado. Amais corrum a gema de ovo. O resultado liTlO pinluro brlhcrite e luminoso. A patir do surgimento da pinlura a leo, os artistas aban- donaram atcnica da tmpera. Mas alguns contemportleos conftnUr brasileiro Alfredo Volpi J a tcnica da encustica foi utilizada desde a Antiguidade. Os gregos usavam-na, por exemplo, paro colorir suas esculluras de mrmore. Oprocesso consiste em diliuir os pigmentos em cera der- retido e aquecida no momento do aplicao. NJ contrrio do tm- pera, cujo efeito brilhante, o pin- tura em encustico semifosco. os gregos, balcnicos, eslavos e asiticos, mantendo-se por muito tempo como expresso artstica e religiosa. Os co- nes russos, por exemplo, tornaram-se famosos, particu- larmente os de Novgorod, onde viveu, no incio do scu- lo XV, Andr Rublev, clebre pintor desse gnero de arte. Dentre os cones de Rublev, dois se destacam pela sua expressividade: o de Nossa Senhora da M isericrdia (fig. 8.9) c o do Cristo Pantocrator. Fig. 8.9. Nossa Senhora da Mutncrdia. Atribudo a Andr( Rublev, Moscou. 52. Captulo 9 Aarte do Europa Ocidento/ no IniCIO do dode Mdio o decora- tivismo da arte brbara . Como vimos no captulo anterior, em 476, com a tomada de Ro- ma pelos povos brbaros, tem incio o perodo histrico conhecido co- mo Idade Mdia. A partir de ento, at praticamente o sculo IX, quando Carlos Magno coroado imperador do Ocidente, a cultura greco-romana - tambm denominada clssica - praticamente desapareceu na Euro- pa Ocidental. Os valores culturais dos povos invasores, e conseqente- mente suas expresses artsticas, so radicalmente diferentes dos desen- volvidos pelos gregos e romanos. Quando observamos a arte brbara e a comparamos com a do mun- do greco-romano, a primeira coisa que nos chama a ateno a ausn- cia quase total da representao da figura humana. Enquanto gregos e romanos apresentam uma grande produo de esculturas de seus deu- ses com forma humana, de seus lderes polticos e seus chefes militares, as manifestaes artsticas dos brbaros revelam apenas uma preocupa- o decorativa. Esse carter decorativo uma conseqncia do nomadismo desses povos, pois, em virtude de estarem sempre mudando de lugar, os br- baros destacaram-se na criao de pequenos objetos, como brincos, co- lares, pulseiras, fivelas e fechos. 53. 54 Fig. 9. 1. Coroa dt Fmo (sculo VI) Consta que Carlos Magno foi coroado com essa pea. Pertence ao areno do tesouro da Catedral de Monza. A decadn- ciada vida cultural no Ocidente A arfe no mundo ocidental Fig. 9.2. Cruz Vota dt A.~tluljo (st-culo VI). Pertence ao tesouro da Catedral de l.1onz;t No foi, portanto, por acaso que a produo artstica desses povos destacou-se nos trabalhos de ourivesaria, pois a a arte se concretiza ple- namente dentro de uma concepo decorativa: o brilho dos metais e as cores das pedras preciosas permitem um sem-nmero de criaes geo- mtricas e abstratas. Mas a lado da imensa produo de jias, a arte brbara contri- buiu para a criao de objetos de grande significao para a cultura eu- ropia, como a Coroa de Ferro (fig. 9.1) e a Cruz Votiva de Agiluljo (fig. 9.2). Depois das invases brbaras, o Ocidente reorganiza-se em torno de uma nova aristocracia. Mas enquanto esse processo se desenvolve, as criaes culturais caem a um nvel muito inferior ao alcanado pelas realizaes da Antiguidade clssica. A transio para a Idade Mdia ocorre gradualmente, mantendo tanto a autoridade da Igreja Catlica, que colabora na preservao c transmisso da cultura antiga, quanto a estrutura econmica do final da poca romana, que tinha nas grandes propriedades agrcolas a base da produo. Com o passar do tempo, os grandes proprietrios tornam-se mui- to poderosos e comeam a exercer, dentro de seus territrios, a autori- dade prpria do Estado. O rei torna-se soberano apenas em suas terras, que muitas vezes eram at menores do que as dos grandes propriet- rios. Assim, a autoridade resultante da posse da terra estabelece uma nova relao de poder entre rei e sditos, c desloca o centro da vida so- cial das cidades para o campo. Nesse perodo, no surgiu nenhuma cidade importante no Ocidente. Mesmo os lugares onde os reis residiam temporariamente, como Paris ou Reims, por exemplo, eram centros de tal forma acanhados c de fraca densidade populacional, que em nenhum deles se desenvolveu uma vi- da de corte. Em nenhuma dessas cidades foram construdos edifcios ou levantados monumentos. Os prprios mosteiros eram muito pobres e neles tambm foi difcil o crescimento de uma atividade artstica regular. 54. Aarte do Imprio :arolngio A arte da Europa Ocidental no Inicio da Idade Mdia 55 A decadncia das cidades nesse perodo foi evidente. E como o cam- po no tem pblico nem condies propcias para o desenvolvimento de criaes artsticas, a evoluo das artes e da cultura nesse perodo foi praticamente nula. O desconhecimento dos assuntos referentes edu- cao e arte passou a ser to grande que, no sculo VII, as nicas fon- tes de preservao da cultura greco-romana eram as escolas ligadas s catedrais e mantidas pelos bispos para a formao do clero.. Foi assim que a Igreja passou a exercer sua influncia sobre toda a sociedade e at mesmo sobre o Estado, pois as escolas monsticas eram as nicas instituies educacionais para onde as famlias podiam man- dar seus filhos. Alm de cuidar do ensino, foi tambm a Igreja que con- tinuou a contratar artistas, construtores, carpinteiros, marceneiros, vi- tralistas, decoradores, escultores e pintores, pois as igrejas eram os ni- cos edifcios pblicos que ainda se construam. Em 800, Carlos Magno coroado imperador do Ocidente pelo papa Leo III. O poder real une-se ento ao poder papal e o rei franco torna- se o protetor da cristandade. Com Carlos Magno tem incio um desenvolvimento cultural mais intenso. Em sua corte surge uma academia literria e desenvolvem-se oficinas onde so produzidos objetos de arte c manuscritos ilustrados (fig. 9.3). Essas oficinas ligadas ao palcio foram os principais centros de arte e, segundo consta, foi a partir delas que se originaram as dos mosteiros, que desempenharam importante papel na evoluo da arte aps o reinado de Carlos Magno. Contudo, no foram criadas obras monumentais no Imprio Ca- rolngio. O pequeno tamanho a caracterstica comum dos objetos pro- duzidos nas oficinas de arte, sejam eles pinturas, esculturas ou traba- lhos em metal. Aps a morte de Carlos Magno, a corte deixou de ser o centro cultural do Imprio e as atividades intelectuais centr~izaram-se nos mosteiros. Das atividades artsticas a desenvolvidas, a ilustrao de manuscritos foi a mais im- portante. Mas alm disso, as oficinas monsticas se interes- saram pela arquitetura, escultura, pintura, ourivesaria, ce- rmica, fundio de sinos, encadernao e fabricao de vidros. Outro aspecto a ressaltar quanto s oficinas monsti- cas o fato de que elas eram as escolas de arte da poca. Era ali que os jovens artistas se preparavam para, mais tar- de, trabalhar nas catedrais e nas casas das famlias impor- tantes. Fig 9.3. l1iniaturn ela COrtt' carolngia, representando So ;1atcus E'angclista ((nca de 800). Dunenses: 36 nn x 24,8 em. Must'u Britnico, Londres. 55. Oestilo romnico na arquitetura Captulo 10 A arteA romon1co O trabalho nas oficinas da corte de Carlos Magno levou os artistas a superarem o estilo ornamental da poca das invases brbaras e a re- descobrirem a tradio cultural e artstica do mundo greco-romano. Na arquitetura esse fato foi decisivo, pois levou, mais tarde, criao de um novo estilo para a edificao, principalmente das igrejas, que re- cebeu a denominao de romnico. Esse nome foi criado, portano, para designar as realizaes arquitetnicas do final dos sculos XI e XII, na Europa, cuja estrutura era semelhante das construes dos antigos romanos. As caractersticas mais significativas da arquitetura romnica so a utilizao da abbada, dos pilares macios que as sustentam e das pa- redes espessas com aberturas estreitas usadas como janelas. A abbada das igrejas romnicas era de dois tipos: a abbada de bero e a abbada de arestas. A abbada de bero era mais simples e consistia num..semicrculo - chamado arco pleno- ampliado lateralmente pelas paredes (fig. 10.1). Mas esse tipo de cobertura apresentava duas desvantagens: o excesso de peso do teto de alvenaria, que provocava srios desabamentos, e a peque~a luminosidade resultante dasjanelas estreitas; a abertura de gran- des vos era impraticvel, pois estes enfraqueceriam as paredes, aumen- tando a possibilidade de desabarem. 56. hg. 1J.l Abbada de bero ~ ~ 10.3. Esboc,.o dt> uma catedral rummc.,t. A arte romOntco 57 Fig. 10.2. Abbada de aresta. Por esses motivos, os construtores desenvolveram a abbada dt arts- tas, que consistia na interseco, em ngulo reto, de duas abbadas de bero apoiadas sobre pilares (fig. 10.2). Com isso, conseguiram uma certa leveza e maior iluminao interna. Como a abbada de arestas exige um plano quadrado para apoiar-se, a nave central ficou dividida em setores quadrados, correspondendo s respectivas abbadas. Esse fato refletiu-se na forma compacta da planta de muitas igrejas romnicas. Embora diferentes, esses dois tipos de abbada causam o mesmo efeito sobre o observador: uma sensao de solidez e repouso, dada pe- las linhas semicirculares e pelos grossos pilares que anulam qualquer im- presso de esforo e tenso (fig. 10.3). A primeira coisa que chama a ateno nas igrejas romnicas o seu tamanho. Elas so sempre grandes e slidas. Da serem chamadas ''fortalezas de Deus''. 57. 58 Na rota doso peregnnos, as igrejas romnicas Fig 10.4 Hashca de Saint-Scrnin, em Toulouse (cerca de 10801120) A arte no mundo ocidental Como no havia grandes cidades no Ocidente, pois o centro da vida social havia se deslocado para o campo, essas imensas igrejas eram erguidas em vilarejos calmos e tranqilos. A explicao mais aceita para as formas volumosas, estilizadas, du- ras e primitivas dessas igrejas o fato de a arte romnica no ser fruto do gosto refinado da nobreza nem das idias desenvolvidas nos centros urbanos. Trata-se de um estilo essencialmente clerical, pois, com o en- fraquecimento do poder do rei c o desaparecimento de uma vida de cor- te, a Igreja tornou-se a nica fonte de encomendas de trabalhos artsticos. A arte desse perodo passa, assim, a ser encarada como uma "extenso do servio divino (... ) e uma oferenda divindade" CIJ Durante a Idade Mdia, assim como hoje, havia muitas peregri- naes a lugares considerados santos. Muitas aldeias que ficavam na rota desses lugares construram igrejas para acolher os peregrinos, que ti- nham de percorrer longas distncias at chegar ao santurio desejado. Dentre os lugares santos mais procurados estavam Jerusalm, on- de Jesus Cristo morrera; Roma, onde fica a sede da Igreja; e Santiago de Compostela, na Espanha, onde se acredita que o apstolo Tiago es- teja enterrado. A baslica de Saint-Sernin (fig. 10.4), na cidade de Toulouse, era uma dessas igrejas de parada obrigatria para os peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela. A planta dessa baslica corresponde a uma cruz com uma torre elevada no cruzamento dos dois eixos (fig. 10.5). Para que os moradores da cidade pudessem assistir aos of- cios religiosos sem ser perturbados pelos peregrinos que de- ' sejavam venerar as relquias locais, a construo dessa igreja apresenta importantes solues arquitetnicas. Em torno da nave central foi construdo um corredor contnuo que tam- bm contorna, num segmento curvo chamado deambufat- r '114 Fig. 10 5. Planta da q,~~.,>ic~~F'IIICI~.::,.~ baslira dt 0 Saint-Scrnin. 25m ' G . Dl'hio. t i1ado por Arnold I lau't r, fflllorw ,oual da 1.1/aalura r da .Ir/r, 'olu- lllt' I. p 260. 58. , 10.6. Tmpa- o da igreja de l..t iladdeine, em 'l:cla 20-II :W). No nro, .1 grand ua de Cristo, r cctdo por !'CUS tolos, tem os 1~os abertos e de suas mos 1em ratos que ~tmbolizam 01 >x-daria divina ~.t borda do mp.1no, esto representada~ o,ts das mais dinrsas panes do 'ldo em que o 1-angclho foi cnsin;1do. rrnamcnte h uma moldura contendo ffialhcs onde m csculptdos l< o;ignos do 1 c c figuras humanas reali ~:ando .ttividadcs Sl701UllS A arte romnica 59 rzo, o altar-mor. Esse corredor lateral e o deambulatrio davam acesso s capelas onde ficavam expostos os objetos sagrados e as relquias que os peregrinos tanto apreciavam, enquanto a nave central era ocupada pelas pessoas que de- sejavam apenas assistir s cerimnias religiosas. Numa poca em que poucas pessoas sabiam ler, a Igre- ja recorria pintura c escultura para narrar histrias b- blicas ou comunicar valores religiosos aos fiis. Um lugar muito usado para isso eram os portais, na entrada do tem- plo. No portal, a rea mais ocupada pelas esculturas era o tmpano, nome que recebe a parede semicircular que fica lo- go abaixo dos arcos que arrematam o vo superior da por- ta. (fig. 10.6). A arte romnica do estilo de Cluny Em 910, foi fundada na cidade de Cluny uma abadia de benediti- nos de onde partiu um movimento de reforma que se estendeu por toda a cristandade nos sculos XI e XII. No final do sculo XII, a congrega- o era constituda por mais de mil mosteiros, espalhados por toda a Europa. No final do sculo XVIII, a abadia- que tinha sido a maior igre- ja da Europa e era sem dvida uma obra-prima da arte romnica - foi quase totalmente destruda, pouco sobrando de seus edifcios e te- souros artsticos. Mas os religiosos da ordem de Cluny desenvolveram muitas obras de arte que ainda podem ser apreciadas em seus mostei- ros. O mais caracterstico do estilo cluniacense o mosteiro de Saint-Pierre, em Moissac, tambm no caminho para Santiago de Compostela. A beleza das esculturas desse convento pode ser vista, por exem- plo, nos capitis das colunas que cercam o claustro (fig. 1O. 7), decora- dos com folhagens , animais e personagens da Bblia. En- contra-se ainda em Saint- Pierre um dos mais bonitos portais romnicos. O gran- de tmpano, com um dime- tro de 5,68 metros, contm um conjunto de figuras re- presentando Cristo em Ma- jestade, tal como narrado por So Joo Evangelista, no Apocalipse (fig. 10.8). Ft~. 10. 7. Claustro do rnosttiro de ~aint-Pterrc, em iloissac (concludo tJu li 00) 59. Fig. 10.8. Tmpano da igreja do mosteiro de SaintPierre. em 1toissac (cerca de 1125) Cristo, coroado e sentado num trono, segura com sua mo esquerda o livro da palavra de Deus c com a direita f o gesto de abenoar Ao redor do trono esto os 24 ancios descritos por So Joo no Apocalipse cada um rom um instrumento musical. Prximo de Cristo esto os quatro cvangtlistas, representados por um anjo, um touro, urna guia t' um leo. Fig. 10.9. Catedral de Pisa com seu campanrio (1063-1272). Apintura romnica Como o tmpano muito grande, os construtores da abadia colocaram uma pi- lastra central, chamada trem, que divide a abertura da porta em duas partes iguais. Es- sa pilastra tambm decorada com escul- turas representando animais e uma pessoa descala, identificada como o profeta Je- remias. A arquitetura romnica na Itlia Diferentemente do resto da Europa, a arte romnica na Itlia no apresenta formas pesadas, duras e primitivas. Por estarem mais prxi- mos dos exemplos das arquiteturas grega e romana, os construtores ita- lianos deram s igrejas um aspecto mais leve c delicado. Tambm sob a influncia da arte greco-romana, procuram usar frontes e colunas Um dos exemplos mais conhecidos dessa arte romnica o conjunto da catedral de Pisa (fig. 10.9). Durante a Idade Mdia, os construtores italianos erguiam a igre- ja, o campanrio e o batistrio como edifcios separados. Na catedral de Pisa, o edifcio mais conhecido do conjunto o campanrio, que co- meou a ser construdo em 1174. Trata-se da famosa Torre de Pisa, que se inclinou porque, com o passar do tempo, o terreno cedeu. O elemen- to mais interessante dessa construo a superposio de delgadas co- lunas de mrmore, que formam sucessivas arcadas ao redor de todos os andares do edifcio. O prdio da catedral, iniciado em 1063, tem uma planta em for- ma de cruz, com uma cpula sobre o encontro dos braos. A fachada da frente sugere a forma de um fronto, que uma caracterstica dos templos gregos. A pintura romnica desenvolveu-se sobretudo nas grandes deco- raes murais, atravs da tcnica do afresco (veja texto explicativo na pgina 61). Os pintores romnicos no so, a rigor, criadores de te- las de pequenas propores, mas verdadeiros muralistas. Essa caracte- 60. A arte romnica 61 rslica est ligada s formas da arquitetura, pois as grandes abbadas e as espessas paredes laterais com poucas aberturas criavam grandes su- perfcies, que favoreciam a pintura mural. Pintura "a fresco": uma tcnica antiga e difcil de ser executada Otermo "afresco", hOJe. Sln- llffiO de pintura mural. Original ente. porm. era uma tcn1ca de omtarsobre a parede mida Vem :lai o seu nome. Nesse tipo de pintura.a prepa rao da parede muito importao e Sobre a superfcie da parede oolicada umacamada de reboco basede cal. que. por sua vez. .:ooertacom uma camada de ges- so fina ebem lisa sobre essa lti- '!10 camada que o pintor executa fJO obra Ele deve trabalhar coma argamasso a1nda mida.poiscom :J evaporaodagua,acorade- ao gesso.ogscarbn1codoar combina-se com a cal eatransfor "'10 em carbonato de clcio.com o!stando assim a adeso do ag:nento parede. Oafresco se distingue das de "iiIS tcnicas porque. uma vez se co a argamassa. a pintura se poro ao reboco. tornando-se po"e integrante dele. Nas outras ' dos smbolos dos evange- listas (fig. 10.10). ...Fig. 10 JO Cwto rm ,fajf/adr. Afresco da abside da igreja de San Clcrnt'nt(' de Tahull, Catalunha (cen:a dt 1123). Lssc afresco encontra-se atualmente no ;-,ruscu de Arte de Catalunha, Randona, para onde foi transportado intq~ralmcntt 61. - A arquitetura gtica no sculo XII Captulo 11 A arte gtico No sculo XII tem incio uma economia fundamentada no comr- cio. Isso faz com que o centro da vida social se desloque do campo para as cidades e aparea a burguesia urbana. Novamente a cidade o lugar onde as pessoas se encontram, tro- cam informaes e ampliam seus contatos. Como vimos, na primitiva Idade Mdia o centro da vida social estava no campo e eram os mostei- ros os locais de desenvolvimento intelectual e artstico. Agora, outra vez, a cidade que ser renovadora dos conhecimentos, da arte e da prpria organizao social. No comeo do sculo XII, a arquitetura predominante ainda a romnica, mas j comeam a aparecer as primeiras mudanas que con- duziro a uma revoluo profunda na arte de projetar e construir gran- des edifcios. No sculo XVI, essa nova arquitetura foi chamada desdenhosa- mente de gtica pelos estudiosos, que a consideravam de aparncia to brbara que poderia ter sido criada pelos gados, povo que invadiu o Im- prio Romano c destruiu muitas obras da antiga civilizao romana. Mais tarde, o nome gtico perdeu seu carter depreciativo c ficou defi- nitivamente ligado arquitetura dos arcos ogivais (fig. 11.1). 62. ~ 11 I. Esboo uma catedral gtica. nnparc com o esquema da uedral romnica, figura 10.3. A arte gtico 63 A nova maneira de construir apareceu pela pri- meira vez na Frana, na edificao da abadia Saint- Denis, por volta de 1140. A primeira diferena que notamos entre uma igreja gtica e uma romnica a fachada. Enquan- to, de modo geral, a igreja romnica apresenta um nico portal, a igreja gtica- como Saint-Denis, por exemplo - tem trs portais que do acesso s trs naves do interior da igreja: a nave central e as duas naves laterais (fig. 11.2). Na fachada da abadia de Saint-Denis, os por- tais laterais eram continuados por altas torres. O por- tal central tem, acima dos frisos que emolduram o tmpano, uma grande janela, acima da qual h uma outra, redonda, chamada roscea. A roscea um elemento arquitetnico muito caracterstico do esti- lo gtico e est presente em quase todas as igrejas construdas entre os sculos XII e XIV. Fig. 11.2. Abadia da Samt-Denis, Paris (cerca de 1140). 63. 64 Fig. 11.3. V1sta parnal do interior da r.Ilwn~iJa da 1grqa de Saint Denis. Observe .ts abbadas ck ntn ura. o uso ch pilare~ dC' sustt'ntao. a ausncia de grossas paredes c a introduo de ('randes janelas de "idro. Fig. 11.4- Portal Rgw da catedral de Chartres. Esse portal fcn construdo entre 1145ell5. A arte no mundo ocidental Entretanto, a caracterstica mais importante da arquitetura gtica a abbada de nervuras; ela difere muito da abbada de arestas da ar- quitetura romnica, porque deixa visveis os arcos que formam sua es- trutura (fig. 11.3). O que permitiu a construo desse novo tipo de abbada foi o arco ogival (fig. 11.1), diferente do arco pleno do estilo romnico. A conseqncia ime- diata do emprego dos arcos ogivais foi a possibilida- de de construir igrejas mais altas. Alm disso, o de- senho da ogiva, que se alonga e aponta para o alto, acentua a impresso de altura e verticalidade. Outro recurso arquitetnico usado no estilo g- tico foram os pilares, chamados tecnicamente de su- portes de apoio, dispostos em espaos bem regulares. Com esses suportes o edifcio no precisa forosamen- te de grossas paredes para sustentar sua estrutura. Em Saint-Denis, essa tcnica de construo foi usa- da na cabeceira da igreja, ou chevet, como chamam os franceses. A conseqncia esttica mais importante desse novo ponto de apoio da construo foi a subs- tituio das slidas paredes com janelas estreitas, do estilo romnico, pela combinao de pequenas reas de paredes com grandes reas preenchidas por vidros coloridos e trabalhados (fig. 11.3). Entre os sculos XII e XVI, foi construda a catedral de Notre-Dame de Chartres. Na arquitetura dessa igreja, h muitos aspectos interessan- tes, mas o seu portal principal, conhecido como Portal Rgio, consi- derado pelos historiadores da arte como um dos mais belos conjuntos escultricos do mundo (fig. 11.4). O Portal Rgio formado por trs portais: um central e dois late- rais. Diversamente de Saint-Denis, os trs do acesso nave central da 1greJa. 64. !1~ ll.:i R t lamc ele I.aon (segunda rnewdt do !lc ulo XII). A arte gtica 65 Cada um desses portais apresenta um tmpano inteiramente preen- chido por trabalhos de escultura. Os trs tmpanos narram, atravs dos trabalhos escultricos, momentos diferentes da vida de Cristo. O tm- pano central apresenta um Cristo tm Majestade cercado pelos smbolos que representam os quatro evangelistas. O tmpano da esquerda mostra a ascenso de Cristo ao cu aps a ressurreio. No da direita est Maria com o Menino Jesus nO' colo. Outro aspecto que atrai a ateno do visitante so as delicadas co- lunas que ladeiam cada porta. Nessas colunas h figuras humanas re- presentando reis e rainhas do Antigo Testamento, requintadamente tra- balhadas nos traos fisionmicos e nos drapeados das roupas (fig. 11.5). Se Chartres nos encanta pela intensa beleza do conjunto cscultri- co do portal principal ou pela harmonia das linhas e vitrais do seu inte- rior, a catedral de Notre-Dame de Laon nos mostra a realizao do desejo de construir igrejas mais altas e de aparncia mais leve. A construo de Notre-Dame de Laon foi iniciada por volta de 1155 c prosseguiu at o final do sculo XII. Aqui, o que mais chama a aten- o do observador a altura conseguida: so 22 metros do cho at o topo da abbada (fig. 11.6). O interior est dividido em quatro nveis: a arcada principal, que separa a nave principal das naves laterais; a ga- leria; o trifrio, estreito corredor com arcadas junto s paredes e geral- mente com trs arcos em cada vo; e o clcrcstrio. A grande claridade interna - outro aspecto da arquitetura dessa igreja - foi conseguida pelo grande nmero de janelas colocadas em todos os nveis, com exce- o do trifrio. 65. 66 Fig. 11.7. Cortt de uma cattt ai gtit'd. Fig. ll.H Catt>dral d Notre-Damt dt Paris (tnici.td. em 1160) A arte no mundo ocidental arcotJotantes l i rcobotantes I pmculo --pegao galeria cor.!aforte Mas foi a catedral de Notre-Dam~ de Paris que introduziu um novo recurso tcnico: o arcobotante (fig. 11.7). Esse arco transmite a presso de uma abbada da parte superior de uma parede para os contrafortes externos. Isso fez com que as paredes laterais no tivessem mais a fun- o de sustentar as abbadas. Assim, o edifcio gtico pde abusar do emprego das grandes aberturas preenchidas com belssimos vitrais (ve- ja texto explicativo na pgina 68). A construo dessa catedral comeou por volta de 1160. Trata-se de uma das maiores igrejas gticas do mundo, pois seu comprimento de 150,20 metros c suas principais abbadas esto a 32,50 metros do cho (fig. 11.8). 66. A ~rquitetura gtica no sculo XIII , 11.9. ~ ave Cl'ntral da catedral de ( :hartres. ... Fig 11.10. ' lhe do vitral rr IJamr dr la urr1ere. que rncontra nc: >da catt'dral de Chartrt's (meados do ,{-. No centro, esto Pla- to e Aristteles. volta deles agrupam-se outros sbios e estudiosos. Mas depois que o olhar do observador passeia pelo conjunto das figu- ras, procurando identificar aqui e ali outros personagens, sua ateno volta-se para o amplo espao arquitetnico representado pela pintura. So admirveis a susesto de profundidade e a beleza monumental das arcadas e esttuas. E neste modo de representar o espao e de ordenar as figuras com equilbrio e simetria que residem os valores artsticos da pintura serena mas eloqente de Rafael. Na escultura italiana do Renascimento, dois artistas se destacam por terem produzido obras que testemunham a crena na dignidade do homem: Michelangelo e Verrocchio. Inicialmente, Andrea dei Verrocchio (1435-1488) trabalhou em ou- rivesaria. Esse fato acabou influenciando sua escultura. Observando al- gumas de suas obras, encontramos detalhes decorados que lembram as mincias do trabalho de um ourives. assim com os arreios do cavalo do Monumento Eqestre a Col/eoni, em Veneza, ou nos detalhes da tnica do seu Davi, em Florena (fig. 12.18). Mas Verrocchio foi escultor se- guro na cnao de volumes e considerado, na estaturia, um precursor do jogo de luz e sombra, to prprio da pintura de seu discpulo Leo- nardo da Vinci. ( 2 > Lionello Venturi, Para Comprerndtr a Pintura, p 72. 90. hg. 12. 18. Davi cerca de 1476), dt> Vcrrocrhio. ltura: 12b nn. Hargcllo. Florena. O Renosc1mento no Itlia 91 Quando algum observa atentamente a escultura que Verrocchio fez para o personagem bblico Davi, inevitavelmente a compara ao Davi de Michelangelo (fig. 12.19). interessante notar que as figuras humanas concebidas por Mi- chelangelo e por Verrocchio para representar o jovem que, segundo a narrao bblica, derrota o gigante Golias, so extremamente diferen- tes entre si. O Davi de Verrocchio uma escultura em bronze e retrata um adolescente gil e elegante, em sua tnica enfeitada. J o mesmo Davi em mrmore, de Michelangelo, apresenta-se como um desafio pa- ra quem o contempla. Ao observarmos esta escultura, notamos que no se trata de um adolescente e sim de ''um jovem adulto, com o corpo tenso e cheio de energias controladas. No frgil como o Davi de Ver- rocchio, nem perfeito e elegante como o Antinuos grego. A mo colos- sal, mesmo na proporo da esttua. a mo de um homem do povo, forte e acostumado ao trabalho. Mas na cabea que se encontram os traos mais reveladores. O Davi de Michelangelo tem uma expresso desconhecida na escultura at ento. Contm uma espcie de fora in- terior que no aparece no humanismo idealizado dos gregos. O Davi de Michelangelo herico. Possui um tipo de conscincia que surge com o Renascimento em sua plenitude: a capacidade de enfrentar os desa- fios da existncia. No apenas contra Golias que este Davi se rebela e batalha. contra todas as adversidades que podem ameaar o ser humano"ns"tl pelos bombardeios da alH~- Museu Nacional de Arte Moderna, Paris. 168. arte conceitual que ocorreu no Ale- manha em 19691imnou-seoum ca- tlogo. em que cada artista expu- nha em algumas pginas suas obras, ou seja, seus conceitos e suas idias sobre elos. Com odesenvolvimento acele- rado do informtico o partirdo d- cada de 60, ocomputadorinvadiu praticamente todososreasdo ati- vidade humana, Incluindo a cria- o artstico.Em vezde tela, pincel etintos. os amstos ligados Artepor Computador usam programas de computao !XJro criar obras que podem ser reproduzidos na televi- sOo, no cinema ou mesmo em pa- pel. Mos o fundamental que tais obras resultam da uHiizao da lin- guagem lgico da informtica. Atravs dela ecom oauxflio de so- fisticados equipamentos.-.artista transforma impulsoseletrnicosem 1magens na tela de vdeo (fig. 24.10). Apesar de tudo isso, o cotidia- no vivido pelo homem um eterno eforteapelo imaginaocriado- ra do artista. Talvez seja por isso que ao longo da histria os movi- mentos realistas sempre ressurgem. No entanto. necessrio observar que, apesardonome. asobras rea- istas nuncaforam umretrato fiel da realidade, pois a obra de arte sempre o resuHado da viso pes- soal do artista. de sua interpreta- o do real. O realismo da dcada de 70, chamado de Hiper-realismo. tinha como proposta representar um te- ma familiar. mas procurando expli- citar poro o observador aspectos surpreendentesdessetema.Em ge- ral os pintores hiper-realistasfaziam seusquadros opomrdefotografias, de preferncia em preto ebranco. Ouso doscoresera uma opOodo artista para com elos criar. numa tela plana, efeitos Intensos de volu- me. luz eprofundidade (fig.24.11). Asobrascriadaspelos arHstos I~ gados Minimal Art apresentam formas geomtricos simples, repe- Outras tendncias da pintura moderna 169 Embora os mbiles paream simples, sua monta- gem muito complexa, pois exige um sistema de peso e contrapeso muito bem estudado para que o movimen- to tenha ritmo e sua durao se prolongue. / F1g 2UO. Gente 25'to Grau Zno (197:~), de Valdemar Cordeiro Gente Denvada, outplll. Dimenses: J2() Clll X b} Clll Colt'o parucular tidas simetricamente edegrandes propores (fig. 24.12). J a Body Artcaracterizo-sepelo usoqueoar- tista faz deseuprprio corpocomo base poro a criao plstica. Bru- ce Naumann (1941- ). por exemplo, artista ligado a esse mo- vimento. apresentou em 1966 uma fotografia dele prprio lanando guo pelo boca, intituladoRetrato do Artista corno uma Fonte. Fig. 24-.11. Pintura hiper- realista. Art Staff, Inc. Fig. 24.12. Broken Obelisk, de Barnett Newmann. Os quatro tringulos que formam a pirmide de sustentao tm 2,90 m de base. O obelisco mede 5,13 m de altura. 169. 170 Fig. 24.9. Alarilyn Monror (1967), de Andy Warhol. Dimenses: 91,4 em x 91,4 em. Tate Gallery, Londres. A arte no mundo ocidental A Pop-art A expresso "pop-art" tambm vem do ingls e significa " arte popular". Esse movimento artstico apareceu nos Estados Unidos por volta de 1960 e alcanou extensa repercusso internacional. A fonte da criao para os artistas ligados a esse movimento era o dia-a-dia das grandes cidades norte-americanas, pois sua proposta era romper qualquer barreira entre a arte e a vida comum. Para a Pop-art interessam as imagens, o ambiente, enfim, a vida que a tecnologia in- dustrial criou nos grandes centros urbanos. Os recursos expressivos da arte pop so semelhantes aos dos meios de comunicao de massa, como o cinema, a publicidade e a tev. Em conseqncia disso, seus temas so os smbolos e os produtos industriais dirigidos s massas urbanas: lmpadas eltricas, dentifrcios, automveis, sinais de trnsito, eletrodomsticos, enlatados e at mesmo a imagem das grandes estrelas do cinema norte-americano, que tam- bm consumida em massa nos filmes, nas tevs e nas revistas. Um exemplo bastante ilustrativo o trabalho Marilyn Monroe (fig. 24.9), fet- to por Andy Warhol (1930-1987). Nesse trabalho, realizado a partir de uma fotografia, Andy War- hol reproduz, em seqncia, imagens de Marilyn Monroe que, apesar das variaes de cor, permanecem invariveis. Com isso, o artista talvez quisesse mostrar que assim como os ob- jetos so produzidos em srie, os mitos contemporneos tambm so ma- nipulados para o consumo do grande pblico. 170. Captulo 25 ~~~ o .m !i ~llil i. ~ ~l!l.jil ~~~~- A arquitetura e o escuturo modernos A arquitetura moderna Os novos materiais produzidos pelas indstrias, como o ferro, o vidro, o cimento e o alumnio, foram a principal contribuio para o nascimento da arquitetura moderna, pois permitiram a criao de no- vas formas arquitetnicas que, no perodo anterior industrializao, s podiam ser imaginadas. Na escultura, o trao marcante so as formas abstratas e a inte- grao entre espao, movimento, luz e at mesmo som. Na verdade, isso um reflexo da tendncia de sntese que caracteriza as artes e do contato dos artistas com a realidade da era eletrnica e espacial que vi- vemos atualmente. Podemos dizer que a arquitetura moderna teve incio na segunda metade do sculo XIX, quando apareceram as primeiras grandes cons- trues com estrutura metlica, que constituam formas totalmente no- vas em relao ao que se fazia no passado. Como exemplo podemos in- -dicar o Crystal Palace (fig. 25.1), projetado porJoseph Paxton para a Ex- posio de Londres realizada em 1851, e a Torre Eiffel (fig. 25. 2), proje- tada por A. G. Eiffel em 1889. 171. 172 A arte no mundo ocidental Fig. 25.1. Crystal Palact (1851), de J oscph Paxton. Londres. Fig. 25.2. Torrt Eiff'l (1 889), de EifTcl. Paris. Fig. 25.3. Interior da Casa Tassel, de Victor Horta. Bruxelas. O Art Nouveau na arquitetura: a procura de novas fornnas Como vimos anteriormente, o movimento Art Nouveau procurou promover uma integrao entre as chamadas artes aplicadas e a arqui- tetura. Na arquitetura, mantendo a tendncia decorativista que aplict- ra nos objetos do cotidiano, o principal mrito desse movimento foi com- preender que com o ferro e o vidro era possvel criar formas novas Mas o Art Nouveau deu origem tambm a pesquisas em diree diversas na arte de construir. Na Blgica, por exemplo, Henri van de fttl- de (1863-1957) e Victor Horta (1861-1947)- dois arquitetos empenha- dos em dar arquitetura uma feio moderna, independente da rew- mada de qualquer tendnciaj existente - desenvolveram trabalhos di- ferentes. Enquanto Van de Velde proje- tou edifcios simples mas que no eram imitao das formas preexisten- tes, Victor Horta deu nova vitalida- de para a arquitetura ao empregar amplamente o ferro e o vidro em edi- fcios que projetou para Bruxelas. Por exemplo, usou o ferro em linhas sinun- sas e com clara inteno decorativis- ta nas grades dos corrimos de esca- das, como a da casa da Rua Turim e a do Hotel Solvay (fig. 25.3). J no projeto conhecido como Casa do Povo, Victor Horta usou grandes vitrais e ferro aparente na cobertura interna do edifcio. 172. / / Fig 25.4. Entrada de uma das estaes do rnctrl em Paris. rojeto dt Hcctor Cuimard . Fig 25 '> Cru fila (1905-1910 de Gaud Rarct'lon< A arquitetura e o escultura modernos 173 Na Frana, o emprego do ferro e do vidro levou a um excessivo floralismo decorativista, cujo exemplo mais claro so as conhecidas en- tradas do metr parisiense, projetadas por Hector Guzmard (1867-1942), um dos mais importantes arquitetos franceses ligados ao Art-Nouveau (lig. 25.4). Na Espanha, essa busca de novas formas que caracterizou a ar- quitetura do final do sculo XIX e incio do sculo XX ganhou um ca- rter decorativista e fantasioso sem limites. Em Barcelona, a Casa Bat- tl, a Casa Mil, o Parque Gell e a lgre;a da Sagrada Famlia - obras do arquiteto Antonio Gaud (1852-1926) - surpreendem pelo inusitado das formas e pela decorao (figs. 25.5 e 25.6). Fig. 25.6. Escadaria da Casa llll, de Gaud. Barcelona. 173. 174 Fig. 25 7. Casa da Afichatlerplat (1910), de Adolf Loos. Viena A arte no mundo ocidental Nos Estados Unidos, os trabalhos de Louis Sul/ivan (1850-1924) apon- tavam para uma nova direo, de tal forma que ele pode ser considera- do o pai da moderna arquitetura americana. Apesar de ter utilizado uma ornamentao muito prxima do Art Nouveau europeu, foi Sullivan quem props o princpio fundamental da arquitetura segundo o qual "a forma segue a funo". Assim, para ele, os edifcios devem ser pro- jetados de tal forma que realizem uma perfeita adequao do espao funo a que se destina. Essa viso prtica da arquitetura proposta por Sullivan teve gran- de aceitao nos Estados Unidos. A vrios projetos seus foram execu- tados, principalmente para os prdios de escritrio e conjuntos comer- ciais das grandes cidades americanas. A arquitetura do sculo XX O movimento Art Nouveau que, no final do sculo XIX teve o mrito de romper com as formas tradicionais de construo, muito ce- do se transformou num estilo com excessos ornamentais e foi superado por uma nova tendncia arquitetnica denominada racionalismo. Mais tarde, a Bauhaus, a arquitetura rganica e a planta livre de Le Corbu- sier deram novos rumos arquitetura deste sculo. A arquitetura racionalista Na Europa, a obra de AdoljLoos (1870-1933), por exemplo, pode ser considerada representante dessa nova tendncia. A Casa da Michat- lerplatz (fig. 25.7), construda em Viena, concretiza perfeitamente a in- teno de negar toda ornamentao e de tornar evidente a praticidade e a destinao social do edifcio. Na Amrica, essa concepo racionalista toma forma nos moder- nos arranha-cus, criao tpica dos Estados Unidos, que posteriormente se espalha por todas as grandes metrpoles do sculo XX. Essas construes, muito altas, tornaram-se possveis graas a um progresso tcnico: a estrutura dos edifcios passou a ser feita em ferro e, conseqentemente, as paredes laterais perderam a funo de susten- tar o teto. O incio da era dos arranha-cus pode ser situado em 1932, com o edifcio PSF, de Wi.- liam Lescaze e George Howe, na Filadlfia. Ma- so os arranha-cus projetados vinte anos ma1 tarde por Mies van der Rohe, Skidmore, Owings t Mmill que melhor exemplificam esse tipo de construo, pois tm um aspecto totalmente no- vo que em nada lembram o que j fora feito an- teriormente. Mies van der Rohe, famoso por seus edi- fcios de Chicago projetados como altos prisml.' revestidos de vidro, tambm realizou obras de linhas horizontais e de pouca altura como a Ga- leria do Sculo XX, construda entre 1962 e 1968, em Berlim. 174. J A arquitetura e o escultura modernos Fig. 25.8. Pea de ruobilitio projeracla pela Bauhaus. Walter Gropius e a Bauhaus 175 Com o arquiteto alemo Walter Gropius (1883- 1969) tm incio novos tempos para a arquitetura mo- derna, principalmente por causa da sua iniciativa em criar a escola Bauhaus, em 1919, na cidade alem de Weimar. Esta escola foi um verdadeiro centro ir- radiador de novas idias no campo da arquitetura, do urbanismo, da esttica industrial e do prprio en- sino da arte. Para Gropius, nas escolas de arte no deveria existir uma rgida separao entre as chamadas "belas-arte3" e as "artes decorativas" , ou seja, as que produziam objetos para a vida diria. Ao contrrio, de- fendia a existncia de uma nica arte, a arte do sculo XX, que se ca- racterizaria por sua utilidade social. Segundo o crtico Michel Ragon, o objetivo da Bauhaus era " reu- nir pintura, escultura, arquitetura, desenho industrial, numa mesma ao; reconciliar as artes c os oficios, as artes e a tcnica"(ll. Em sntese, a Bauhaus propunha a integrao da arte na inds- tria. Gropius entendia que a arte devia superar a fase artesanal e servir- se dos meios de produo industrial para ser uma atividade adequada ao modo de vida do sculo XX. O programa de ensino da Bauhaus possua um acentuado carter prtico, cujo objetivo era levar os alunos a dominar as possibilidades de materiais como a pedra, a madeira, o metal, a argila, o vidro e as tintas. Essa aprendizagem era complementada por noes de previso de custo e oramento de uma obra. Apesar disso, no se descuidava do estudo convencional da natureza, da geometria, do desenho, dos volu- mes e das cores. Desse modo, era evidente que havia na escola a inteno de dar uma formao completa para os alunos. Mas seu objetivo maior era ad- quirir uma respeitabilidade que lhe permitisse influir no trabalho dos desenhistas que criavam os modelos dos objetos da vida cotidiana in- dustrializados no pas. Em 1926, a escola mudou-se para Dessau e a continuou a existir como um centro de artes e oficios, cuja ateno especial estava voltada para os projetos que poderiam ser produzidos pelas indstrias (fig. 25.8). Desde o incio a Bauhaus contou com a colaborao de diversos artistas plsticos. Mas em 1926 reuniu-se, ao lado de Gropius, um gru- po de mestres famosos, como Moholy-Nagy, Breuer, Kandinsky, Paul Klee e Schlemmer. 11 Michel Ragon, em Walter Gropius, Apollon dons la Dbrwcratie - La Nouvelle Ar- chiteclure el le Bauhaus, p. 8. 175. 176 Fig. 2'i.9 Casa da Cascata (1936), de Frank Lloyd Wright. Pensilvma. A arte no mundo OCidental Apesar de ter existido durante tempos difceis - de 1919, quando foi fundada, at 1933, quando foi dissolvida- e passado por trs sedes em trs diferentes cidades alems (Weimar, Dessau e Berlim), o espri- to criativo e inovador da Bauhaus permaneceu atuante. Parece que as palavras de Gropius afirmando que "a Bauhaus no pretende criar um estilo mas fomentar um processo em contnua evoluo" ainda hoje en- contram eco nos projetos elaborados nos atelis de desenho industrial do mundo todo. Frank Lloyd Wright e a arquitetura orgnica Frank Lloyd Wright (1868-1959), um engenheiro nascido nos Es- tados Unidos, tambm uma figura importante no surgimento da ar- quitetura do sculo XX. Logo depois de formado, ele trabalhou com Louis Sullivan, o iniciador da arquitetura funcional e da moderna ar- quitetura norte-americana. Entretanto, Wright desenvolveu um traba- lho diferente de Sullivan, pois formulou novos princpios arquitetni- cos que constituram a tendncia chamada organicismo. Para a arquitetura orgnica, dois pontos foram fundamentais: um deles a integrao do edifcio na natureza, da ter valorizado materiais co- mo a madeira e a pedra; o outro, a humanizao da arquitetura, prinu- palmente como resposta ao utilitarismo excessivo, que tinha como ni- co critrio para a forma do espao a utilidade ou funo a que ele se destinava. Em oposio a isso, as construes organicistas revelam for- mas mais dinmicas e independentes de uma rgida ordem geomtrica. 176. A arquitetura e a escultura modernas 177 Jardineiro tranc descobre material que revoluciona a artt dt construir Oconcreto armado. queprovo- cou uma grande revolu~o na ar- te de construir, foi descoberto por acaso. em 1868. porMonier.umjar- dineiro francs que. em busca de ummaterial mais resistente para a execuoo de seus vasos. passou a combinarcimentoeferro. Utilizado , na construOo esse material permi- tiuaos arquitetos projetaremedltl elos com as formas mais arrojadas que a histria j registrou. Estudos desenvolvidosa respel todo concreto armado revelaram suas enormes possibilidades A maiorvantagem est na resistncia que apresenta. resultante da com- btnaoodosdois materiais empre- gados oconcreto - uma mistura decimento. gua. areia epedra- suporta de forma notveloesforo de compreSS. As pesquisas cientficas de antigas culturas que existiram no Bra- sil, a partir das descobertas realizadas no sudeste do Piau, abrem uma perspectiva nova tanto para a historiografia como para a arte brasilei- ras. Esses fatos nos permitem ver mais claramente que a histria de nosso pas est ligada histria do mundo todo, e que as nossas razes so muito mais profundas do que o limite inicial de uma data, no to prxi- mo sculo XV. ' 11 Pinturas e gravuras pr-histricas de So Raimundo :-.lonato, Estado do Piau. Catlogo da exposio das pesquisas realizadas pela Misso Franco-Brasileira de fevereiro a agosto de 1978 Texto do catlogo: Suzana Monzon. Patrocinadores da exposio: Museu Paulista/USP, Unicamp e MIS. [So Paulo) C'l Idem. 189. Uma arte utilitria Captulo 28 A arte dos ndios brosieiros Na poca do descobrimento, havia em nosso pas cerca de 5 mi- lhes de ndios. Hoje, esse nmero caiu para aproximadamente 200 000. Mas essa brutal reduo numrica no o nico fator a causar espanto nos pesquisadores de povos indgenas brasileiros. Assusta-os tambm a verificao da constante- e agora j acelerada- destruio das cul- turas que criaram, atravs dos sculos, objetos de uma beleza dinmica e alegre, tal como vamos apreciar neste captulo. A primeira questo que se coloca em relao arte indgena defini la ou caracteriz-la entre as muitas atividades realizadas pelos ndios. Quando dizemos que um objeto indgena tem qualidades artsti cas, podemos estar lidando com conceitos que so prprios da nossa CI- vilizao, mas estranhos ao ndio. Para ele, o objeto precisa ser mais perfeito na sua execuo do que sua utilidade exigiria. Nessa perfeio para alm da finalidade que se encontra a noo indgena de beleza. Desse modo, um arco cerimonial emplumado, dos Bororo, ou um escu do cerimonial, dos Desana (fig. 28.1), podem ser considerados criaes artsticas porque so objetos cuja beleza resulta de sua perfeita realizao 190. Operodo.. pre- cabralino: afase Marajoara ea cultura Santarm A arte dos ndios brasileiros Fig. 28.1. Escudo cerimonial dos ndios Desana. Dimenses: 54 em de dimetro. Museu Paraense Emlio Goeldi, Belm. 191 Outro aspecto importante a ressaltar: a arte indgena mais re- presentativa das tradies da comunidade em que est inserida do que da personalidade do indivduo que a faz. por isso que os estilos da pintura corporal, do tranado e da cermica variam significativamente de uma tribo para outra. A Ilha de Maraj foi habitada por vrios povos desde, provavel- mente, 1100 a.C. De acordo com os progressos obtidos, esses povos fo- ram divididos em cinco fases arqueolgicas. A fase Marajoara a quar- ta na seqncia da ocupao da ilha, mas sem dvida a que apresenta as criaes mais interessantes. A fase Marajoara Os povos considerados da fase Marajoara, vindos do Noroeste da Amrica do Sul, chegaram Ilha de Maraj provavelmente por volta do ano 400 da nossa era. Ocuparam a parte centro-oeste da ilha. Nessa regio, construram habitaes, cemitrios e locais para as cerimnias. A produo mais caracterstica desses povos foi a cermica, cuja modelagem era tipicamente antropomorfa. Ela pode ser dividida entre vasos de uso domstico e vasos cerimoniais e funer- rios. Os primeiros so mais simples e geralmente no apresentam a superfcie decorada. J os vasos ceri- moniais possuem uma decorao elaborada, resultan- te da pintura bicromtica ou policromtica de dese- nhos feitos com incises na cermica e de desenhos em relevo (fig. 28.2). Fig. 28.2. Urna marajoara. Altura: 37 em. Museu Paraense Emlio GoetQi, Belm. 191. 192 Fig. 28.3. Vaso de cnriudcs d" cultura Santarm Altura: li buriu 1.1 urdidura e de algodo na tram'a. ndio~ Kamaiur Comprimento: 250 em . Museu .t'araense Emlio Goddi, Belm. A arte dos ndios brasileiros 193 Apesar de terem existido muitas e diferentes tribos, possvel iden- tificar ainda hoje duas modalidades gerais de culturas indgenas: a dos silvcolas, que vivem nas reas florestais, e a dos campineiros, que vi- vem nos cerrados e nas savanas. Os silvcolas tm uma agricultura desenvolvida e diversificada que, associada s atividades de caa e pesca, proporciona-lhes uma moradia fixa. Suas atividades de produo de objetos para uso da tribo tambm so diversificadas e entre elas esto a cermica, a tecelagem e o trana- do de cestos e balaios. J os campineiros tm uma cultura menos complexa e uma agricul- tura menos variada que a dos silvcolas. Seus artefatos tribais so me- nos diversificados, mas as esteiras e os cestos que produzem esto entre os mais cuidadosamente tranados pelos indgenas. preciso no esquecer que tanto um grupo quanto outro conta com uma ampla variedade de elementos naturais para realizar seus ob- jetos: madeiras, cortias, fibras, palmas, palhas, cips, sementes, co- cos, resinas, couros, ossos, dentes, conchas, garras e belssimas plumas das mais diversas aves. Evidentemente, com um material to variado, as possibilidades de criao so muito amplas, como por exemplo, os barcos e os remos dos Karaj, os objetos tranados dos Baniwa (fig. 28.4), as estacas de cavar e as ps de virar beiju dos ndios xinguanos. A tendncia indgena de fazer objetos bonitos para usar na vida tribal pode ser apreciada principalmente na cermica, no tra!lado e na tecelagem. Mas ao lado dessa produo de artefatos teis, h dois as- pectos da arte ndia que despertam um interesse especial. Trata-se da arte plumria e da pintura corporal, que examinare- mos mais adiante. A partir de uma matria-prima abundante, como folhas, palmas, cips, talas e fibras, os ndios produzem uma grande variedade de pe- neiras, cestos, abanos e redes (fig. 28.5). Da arte de tranar e tecer, Darcy Ribeiro destaca especialmente algumas realiza- es indgenas como ''as ves- timentas e as mscaras de en- trecasca, feitas pelos Tukuna e primorosamente pintadas; as admirveis redes ou maqueiras de fibra de tucum do Rio Ne- gro; as belssimas vestes de al- godo dos Paresi que tambm, lamentavelmente, s se podem ver nos museus". Darcy Ribeiro, Suma Etnolgica Braszleira, volume 3, p. 38. 193. 194 Fig. 28.6. Boneca em barro. ndios Karaj. Altura: 8 em. Museu Paraense Emlio Goeldi, Belm. A arte no Brasil Fig. 28.7. Diadema de arco irradiante com viseira. ndios Bororo. Fig. 28.8. Bracelete e colar feminino. ndios Kaapor. Cermica As peas de cermica que se conservaram testemunham muitos cos- tumes dos diferentes povos ndios e uma linguagem artstica que ainda nos impressiona. So assim, por exemplo, as urnas funerrias lavrada~ e pintadas de Maraj, a cermica decorada com desenhos impressos por inciso dos Kadiwu, as panelas zoomrficas dos Waur e as bonecas de cermica dos Karaj (fig. 28.6). Arte plumria Mscaras Esta uma arte muito especial porque no est associada a ne- nhum fim utilitrio, mas apenas pura busca da beleza. Existem dois grandes estilos na criao das peas de plumas do~ ndios brasileiros. As tribos dos cerrados fazem trabalhos majestosos t grandes, como os diademas dos ndios Bororo (fig. 28. 7), ou os adorno. de corpo, dos Kayap. As tribos silvcolas como a dos Munduruku e dos Kaapor fazem peas mais delicadas, sobre faixas de tecidos de algodo. Aqui, a maior preocupao com o colorido e a combinao dos matizes. As pena. geralmente so sobrepostas em camadas, como nas asas dos pssaros Esse trabalho exige uma cuidadosa execuo (fig. 28.8). Para os ndios, as mscaras tm um carter duplo: ao mesmo tem- po que so um artefato produzido por um homem comum, so a figur viva do ser sobrenatural que representam (fig. 28.9). Elas so feitas co troncos de rvores, cabaas e palhas de buriti e so usadas geralment9 em danas cerimoniais, como, por exemplo, na dana do Aruan, entre os Karaj, quando representam heris que mantm a ordem do mundo. 194. A arte dos ndios brasileiros Fig. 28.10. Padre~ de pintura Kadiwu, se~undo J. H Fric (1943). 195 Fig. 28.9. Mscara ctrimonial de palha ranada. ndios Canela. Altura: 170 em. 1useu Paraensc Emlio Gocldi, Belm. Apintura corporal As cores mais usadas pelos ndios para pintar seus corpos so o vermelho muito vivo do urucum, o negro esverdeado da tintura do su- co do jenipapo e o branco da tabatinga. A escolha dessas cores impor- tante, porque o gosto pela pintura corporal est associado ao esforo de transmitir ao corpo a alegria contida nas cores vivas e intensas. So os Kadiwu que apresentam uma pintura corporal mais ela- borada (fig. 28.10). Os primeiros registros dessa pintura datam de 1560, pois ela impressionou fortemente o colonizador e os viajantes europeus. Mais tarde foi analisada tambm por vrios estudiosos, entre os quais Lvi-Strauss, antroplogo francs que esteve entre os ndios brasileiros em 1935. De acordo com Lvi-Strauss, "as pinturas do rosto conferem, de incio, ao indivduo, sua dignidade de ser humano; elas operam a pas- sagem da natureza cultura, do animal 'estpido' ao homem civiliza- do. Em seguida, diferentes quanto ao estilo e composio segundo as castas, elas exprimem, numa sociedade complexa, a hierarquia dos 'sta- tus'. Elas possuem assim uma funo sociolgica' '. Os desenhos dos Kadiwu so geomtricos, complexos e revelam um equilbrio e uma beleza que impressionam o observador. Alm do corpo, que o suporte prprio da pintura Kadiwu, os seus desenhos aparecem tambm em couros, esteiras e abanos, o que faz com que seus objetos domsticos sejam inconfundveis. < 2) Claude Lvi-Strauss, Tristes Tropiques, p. 220. 195. Captulo 29 O Barroco no Brosi O estilo barroco desenvolveu-se plenamente no Brasil durante o sculo XVIII, perdurando ainda no incio do sculo XIX. Nessa poca. na Europa, os artistas h muito tinham abandonado esse estilo, e a arte voltava-se novamente para os modelos clssicos. O Barroco brasileiro claramente associado religio catlica. Por todo o pas, so inmeras as igrejas construdas segundo os princpios desse estilo. Mas h tambm muitos edifcios civis- como cadeias, c- maras municipais, moradias de pessoas ilustres- e chafarizes que apre- sentam ntidas caractersticas barrocas. Duas linhas diferentes caracterizam o estilo barroco brasileiro. Na~ regies enriquecidas pelo comrcio de acar e pela minerao, encon- tramos igrejas com trabalhos em relevo feitos em madeira - as talha~ - recobertas por finas camadas de ouro, com janelas, cornijas e porta- das decoradas com detalhados trabalhos de escultura. o caso das com- trues barrocas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambu- co. J nas regies onde no existia nem acar nem ouro, a arquitetura teve outra feio. A as igrejas apresentam talhas modestas e trabalho. realizados por artistas menos experientes e famosos do que os que vi- viam nas regies mais ricas da poca. Dessa forma, para melhor conhecermos as construes barroca~ brasileiras, vamos examinar cada regio separadamente. 196. OBarroco da primeira capital d9 POIS Fig. 29. 1. Altar da igreja de So Francisco (sculo XVIII). em Salvador. O Barroco no Brasil 197 A partir da segunda metade do sculo XVII, a arquitetura das ci- dades mais ricas do Nordeste brasileiro comeou a se modificar, ganhando formas mais elegantes e decorao mais requintada. Surgiram ento as primeiras igrejas barrocas. Mas somente no sculo XVIII houve total predomnio desse estilo na arquitetura brasileira. Nessa poca, Salvador tinha uma importncia muito grande, pois no era apenas o centro econmico da regio mais rica do Brasil, mas tambm a capital do pas. De Salvador saam todas as riquezas da colnia para Portugal e para l se dirigiam os comerciantes portugueses que traziam consigo os hbitos da metrpole e, com eles, os artistas e os produtos portugueses. Por isso, em Salvador e em todo o Nordeste, encontramos igrejas riqussimas, como a igreja e o convento de So Francisco de Assis, na capital baiana, cujo interior todo revestido de talha dourada lhe conferiu o t- tulo de "a igreja mais rica do Brasil". Assim, a beleza da talha, dos azulejos portugueses que decoram o claustro do convento e da fachada externa esculpida em pedra faz do conjunto arquitetnico formado pela igreja e convento de So Francisco e pela igreja da Ordem Terceira de So Francisco a construo barroca mais conhecida de Salvador. A igreja de So Francisco, cuja construo teve incio em 1708, im- pressiona pela sua rica decorao interior. O intenso dourado que reco- bre as colunas, os ornamentos dos altares e as paredes complementa- do pelos painis que decoram o teto da nave central. O espao interno divide-se em trs naves: uma central e duas laterais. As naves laterais so mais baixas que a nave central e nelas se encontram os altares me- nores, que so tambm guarnecidos pcir grande nmero de trabalhos com motivos florais e arabescos dourados, anjos e atlantes (fig. 29.1). Na fachada, o fronto de linhas curvas o elemento barroco mais ca- racterizador da parte externa da igreja (fig. 29.2). Fig. 29.2 fachada da Igreja de So Francisco, em Salvador. 197. 198 Ociclo da cana leva oBarroco a Pernambu- co e Paraba ...Fig. 29.4. Fachada da igreja de So Pedro dos Clrigos (cerca de 17281782), em Recife. O projeto do mestre pedreiro Manuel Ferreira Jcome chama nossa ateno por sua verticalidade. A arte no Brasil Fig. 29.3. Fachada da igreja da Ordem Tercetra de So Francisco de Sahador (sculo XVIII). J a fachada da igreja da Ordem Terceira de So Francisco, considerada por alguns pesquisadores co- mo um projeto de Gabriel Ribeiro, mostra um tra balho caprichoso de escultura decorando a arquite- tura. As figuras de santos, anjs, atlantes e motivos florais esculpidos em pedra, juntamente com os bal- ces que revelam certa influncia do barroco espa- nhol, fazem desta obra a nica no gnero no Brasil (fig. 29.3). No sculo XVIII, Recife conheceu um grande crescimento econ- mico, pois foi sede, a partir de 1759, da Companhia Comercial de Per- nambuco e Paraba, empresa que promoveu a produo e comerciali- zao do acar, tabaco, algodo e da madeira de lei. O crescimento econmico fez de Recife um importante centro d negcios e provocou o desenvolvimento da cidade. So dessa poca a- construes barrocas mais cuidadas, que ainda hoje testemunham o pe- rodo de riqueza da capital pernambucana. A igreja de So Pedro dos Clngos - cujas obras comearam em 1728, segundo projeto de Manuel Ferrei- rajcome, mas s foram concludas em 1782 - apresenta externa e in ternamente alguns aspectos arquite- tnicos que chamam a ateno do es- tudioso da arquitetura colonial bra- sileira. Externamente sobressaem a portada barroca trabalhada em pe- dra e a verticalidade do edifcio, in- comum nas igrejas brasileiras do s- culo XVIII (fig. 29.4). Internamente destacam-se o plpito, os altares en talhados em pedra e o teto pintado porJoo de Deus Seplveda, consi- derado o maior pintor pernambuca- no do sculo XVIII (fig. 29.5). 198. O Barroco no Brasil F1g. 29.5 Pintura do teto da u~reJa de So Pedro dos Clrigos, em Recife, feita por Joo de Deus Seplveda, entre 1764 e 1768. 199 EmJoo Pessoa, capital do Estado da Paraba, encontra-se o conventofranciscano de Santo Antnio. Es- te conjunto formado pela igreja, pelo convento e pela capela da Ordem Terceira. A partir das extre midades da fachada da igreja se abrem dois muros divergentes revestidos de azulejos; esses muros deli- mitam um espaoso adro, em cuja entrada h um cru- zeiro tpico das construes franciscanas (fig. 29.6). Esse cruzeiro, com sua base piramidal e bulbosa, harmoniza-se com o coroamento da torre da igreja. Por sua vez, a perspectiva criada pelos muros diver- gentes d grande destaque ao templo. Internamente, essa igreja possui uma ampla nave que se comuni- ca com a capela da Ordem Terceira. Esta capela inteiramente revestida de talha dourada e pinturas. Porm, o que mais chama a ateno do visitante a pintura do teto da nave central, pelo exagero dos efeitos de iluso de ptica que cria. Ela d ao espectador uma viso de perspec- tiva, simulando um espao arquitetnico. surpreendente, por exem- plo, a sensao que o observador tem de que os bispos esto sentados no parapeito de um balco, embora a pintura seja realizada no plano (fig. 29.7). F1g. 29.6. Igreja do convento franciscano de Santo Antnio, em Joo Pessoa. Este conjunto uquitetnico comeou a ser construdc no incio do sculo XVII e foi ompletado por volta de 1730. Fig. 29 7. Detalhe da pintura do teto da igreja do conwnto de Santo Antnio, em Joo Pessoa. 199. 200 Como ciclo do ouro o Barroco chega ao Rio de Janeiro Fig. 29.8. A arte no Brasil At o princpio do sculo XVIII, o Rio de Janeiro era uma cidade sem grande expresso econmica e cultural no pas, embora j possus- se construes como o mosteiro de So Bento, o convento de Santo An- tnio e o Colgio dos Jesutas. A partir do sculo XVIII, com os trabalhos de extrao do ouro em Minas Gerais, o Rio de Janeiro acaba se transformando, por causa de seu porto, no centro de intercmbio comercial entre a regio da mi- nerao e Portugal. Esse fato determino,u um desenvolvimento tal para a cidade que a fez tornar-se a nova capital do pas em 1763. No sculo XVIII, ocorreu um grande surto de edificaes civis que melhoraram o aspecto urbano da cidade. O governador Aires de Salda- nha, por exemplo, mandou construir o Aqueduto da Carioca, construo famosa at hoje por suas ordens de arcos superpostos (fig. 29.8). Outra construo importante dessa poca a igreja de Nossa Senhora da Glria do Outeiro (fig. 29.9). O projeto dessa igreja, atribudo ao enge- nheiro militarJos Cardoso Ramalho, muito importante, pois consti- tui uma das primeiras plantas de igreja barroca brasileira com nave po- ligonal (fig. 29.10). Antes disso, geralmente as igrejas tinham trs na- ves- uma central e duas laterais- ou apenas uma nave retangular, como se fosse um salo. Outro fato que merece destaque a ausncia de talha dourada. Internamente, a beleza dessa igreja reside na harmo- niosa combinao de paredes brancas com pilastras de pedra. A igreja da Ordem Terceira de So Francisco da Penitncia, localizada no largo da Carioca, teve sua construo iniciada ainda no sculo XVII, mas foi concluda apenas em 1773. Seu interior apresenta uma rica ta- lha dourada, realizada por dois importantes escultores portugueses: Ma- nuel de Brito e Francisco Xavier de Brito. Aqueduto da I'Aiiiil"'._.:t:: Carioca. E::.;:::;;;....e:l.iiiIIII!!!!II 200. . Fig. 29.9. Igreja de: ~ossa St'nhora da Glria do Outeiro (rnca de 1720), Rio dt Janeiro. Projeto de Jos Cardoso Ramalho. ...Fig. 29.10. Planta da igreja de l':ossa Senhora da Glria do Outeiro, no Rio de Janeiro. O Barroco no Brasil 201 Alm dos dois artistas portugueses, a escultura do Rio de janeiro no sculo XVIII teve outro expoente: Mestre Valentim, considerado um escultor to importante quanto o Aleijadinho. As obras que ele fez para praas e jardins pblicos permitem classific-lo como importante paisa- gista daquele sculo. Mas sua produo mais abundante encontra-se es- palhada por muitas igrejas do Rio de Janeiro, como a iguja da Ordem Terceira do Carmo, a igrda de So Francisco de Paula e a igreja de Santa Cruz dos Militares. Para essa ltima, Mestre Valentim esculpiu em madeira imagens de So Mateus (fig. 29.11) e So Joo Evangelista, que hoje se encontram no Museu Histrico Nacional. IL..rl1 Fig. 29.11. So .!ateus (cerra de 1800), de Mestre Valt>ntim. Esta pea esculpida em madeira para c1 tgreja da Santa Cruz dos Militares, no Rio de Janeiro, encontra-se hoje no Museu Histrico Nacional. 201. 202 OBarroco de uma regio pobre: So Paulo Fig. 29.12. Igreja da Ordem Terceira de So Franscisco da Penitncia e convento de So Francisco, em So Paulo. Esse conjunto franciscano comeou a ser construdo no final do sculo XVIII e foi concludo em 1828. Nessa foto, tirada por volta de 1930, pode-se observar o antigo prdio da Faculdade de Direito. A arte no Brasil Os moradores da cidade de So Paulo, fundada na metade do s- culo XVI, no conheceram o desenvolvimento econmico vivido por ou- tras regies da colnia. Por isso, no sculo XVII, quando chegaram as informaes de que havia ouro em Minas Gerais, os paulistas organiza- ram suas famosas bandeiras e introduziram-se nas atividades de mi- nerao. Enquanto os bandeirantes partiam e fundavam muitas vilas prs- peras no interior de Minas Gerais, a cidade de So Paulo permanecia estagnada e a vida urbana era montona e sem perspectivas. Esta situao perdurou por todo o sculo XVIII. Uma atitude de parcimnia parece ter orientado os paulistas na construo dos edifcios de sua cidade. Dessa forma, as ordens religiosas puderam realizar ape- nas modestas igrejas barrocas, pois o povo paulista no colaborou fi- nanceiramente para as construes, seja porque guardou seu dinheiro para outros investimentos, seja porque simplesmente no o possua. Quando observamos bem a cidade de So Paulo, constatamos que seu aspecto se transforma sempre. como se este centro urbano esti- vesse sempre se reformulando ou passando por um processo de cont- nua recriao. Por isso, atualmente encontramos poucas construes bar- rocas na cidade. Dentre as que restaram, destacam-se o conjunto for- mado pela igreja e o convento da Ordem Terceira de So Francisco da Penitncia e a igreja e o convento de Nossa Senhora da Luz. A igreJa da Ordem Terceira de So Francisco da Penitncia, localizada no largo de So Francisco, teve seu incio numa capela muito simples, cuja construo data de 1676. Mas em 1782 foi decidida a construo da igreja definitiva tal como a conhecemos hoje. Nela destacam-se os altares de Nossa Senhora da Conceio e de So Miguel, ambos do sculo XVIII. Ao lado dessa igreja fica a do convento de So Francisco; externamente, ambas formam um conjunto que ainda testemunha o aspecto sbrio e modesto do Barroco paulista (fig. 29.12). 202. Fig. 29. 13. Vista parcial do convento de fossa Senhora da Luz, em So Paulo. A construo dess Idem, p. 26. C'> Idem, p. 46. c>Idem, p. 46. 229. 230 o expressio- nismo chega ao Brasil A arte no Brasil fim. Todos os grandes artistas, ora conscientes (Rafael das Madonas, Rodin de Balzac, Beethoven da Pastoral, Machado de Assis do Braz Cubas) ora inconscientes (a grande maioria) foram deformadores da natureza. Donde infiro que o belo artstico ser tanto mais artstico, tanto mais subjetivo quanto mais se afastar do belo natural. Outros infiram o que quiserem. Pouco me importa" .