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A ENTREVISTA À VEJA

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A ENTREVISTA

À veja Entrevista concedida pelo Senador JARBAS VASCONCELOS à revista VEJA, edição 2.100, ano 42, Nº 7, de 18 de fevereiro de 2009 Discurso "A verdade inconveniente", pronunciado pelo Senador JARBAS VASCONCELOS, no dia 3 de março de 2009 Repercussão da entrevista na Imprensa (com textos de Dora Kramer, Sebastião Nery, Augusto Nunes, Ricardo Noblat, Elio Gaspari, Rosângela Bittar, Arnaldo Jabor, Roberto Magalhães, Marisa Gibson, Gustavo Krause, Cristovam Buarque, entre outros)

BRASÍLIA - 2011

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SENADO FEDERAL SENADOR JARBAS VASCONCELOS

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À veja Entrevista concedida pelo Senador JARBAS VASCONCELOS à revista VEJA, edição 2.100, ano 42, Nº 7, de 18 de fevereiro de 2009 Discurso "A verdade inconveniente", pronunciado pelo Senador JARBAS VASCONCELOS, no dia 3 de março de 2009 Repercussão da entrevista na Imprensa (com textos de Dora Kramer, Sebastião Nery, Augusto Nunes, Ricardo Noblat, Elio Gaspari, Rosângela Bittar, Arnaldo Jabor, Roberto Magalhães, Marisa Gibson, Gustavo Krause, Cristovam Buarque, entre outros)

BRASÍLIA – DF

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 7 A ENTREVISTA 10 O DISCURSO 19 O QUE DISERRAM SOBRE JARBAS 95 JARBAS CONTA TUDO 96 Editorial da VEJA GRANDE JARBAS 99 Lucia Hippolito É PRECISO TER COERÊNCIA 101 Jorge Bastos Moreno JARBAS FAZ SEU LANCE 104 Ricardo Noblat VERDADE INCONVENIENTE 108 Dora Kramer CONFISSÃO E CORRUPÇÃO 113 Sérgio Costa Ramos

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O PMDB, A CORRUPÇÃO E A GELEIA GERAL BRASILEIRA 116 Editorial do Valor Econômico EM BUSCA DO PRESTÍGIO PERDIDO 120 Merval Pereira UMA ENTREVISTA DEVASTADORA 125 Sebastião Nery O BRASIL VIROU UM GRANDE PMDB 130 Arnaldo Jabor A CORRUPÇÃO VISTA DE DENTRO 135 Editorial d’O Estado de S.Paulo UMA AGENDA 139 Editorial d’O Globo PASSO DEFINITIVO 142 Marisa Gibson A ESPLÊNDIDA SOLIDÃO DE UM INCORRUPTÍVEL 145 Augusto Nunes ALTO LÁ, JARBAS NÃO É ROBERTO JEFFERSON 149 Elio Gaspari

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O SILÊNCIO DOS INCRIMINADOS 153 Rosângela Bittar EU SOU, MAS QUEM NÃO É? 157 Editorial d’O Estado de S.Paulo A BRAVURA DO INCORRUPTÍVEL 161 Augusto Nunes ENCARCERADO NO PMDB 165 Maria Cristina Fernandes É PRECISO PUNIR 169 Editorial da VEJA ASSINAREI EMBAIXO 172 Cristovam Buarque O QUADRO ATERRADOR DA CORRUPÇÃO 176 Editorial do O Estado de S.Paulo UM GRANDE MARANHÃO 180 Demétrio Magnoli A LUTA DE JARBAS 185 Roberto Magalhães

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JARBAS E BRUZUNDANGA 189 Gustavo Krause CRUZADA DE JARBAS PAUTA 2010 194 Ruy Fabiano O PMDB É UMA BELA FLOR EM NOSSA TERRA 199 Arnaldo Jabor

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APRESENTAÇÃO

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APRESENTAÇÃO Jarbas Vasconcelos Passados pouco mais de dois anos da entrevista que concedi à revista “VEJA”, o cenário político brasileiro em quase nada melhorou. Na realidade, devo afirmar que muita coisa piorou, se degradou. Definitivamente, os escândalos passaram a fazer parte da paisagem nacional. A capacidade de indignação já não é mais a mesma. No início, esses casos até que recebem certa atenção, mas depois caem no esquecimento.

São raros os episódios políticos nos quais os acusados terminam punidos. Qual dos vários casos ocorridos durante os últimos anos teve um desfecho? Quem realmente foi punido? O mais grave é que muitos desses envolvidos terminaram recebendo o aval do próprio eleitor – conquistando votações expressivas na primeira oportunidade surgida.

Iniciativas como a Lei da Ficha Limpa – que foi apresentada como solução para todos os males da política – enfrentam dificuldades para “pegar” num País onde leis moralizadoras correm o sério risco de virar letra morta.

Meu objetivo em publicar a entrevista à revista “VEJA” é fazer um registro histórico de um episódio que foi bastante discutido no Brasil em 2009 – de Norte a Sul do País. Fui elogiado e fui agredido. Felizmente, angariei mais aliados do que adversários.

Sou um otimista. Acredito que – apesar das dificuldades dos últimos anos na seara política – o Brasil tem plenas condições de melhorar o sistema que aí está. Essa mudança não passa apenas pela aprovação de uma

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Reforma Política séria por parte do Congresso Nacional. Passa também pela consciência do eleitor-cidadão de que quem não gosta de política está condenado a ser governado por quem gosta. Daí a necessidade de não encerrar o envolvimento com a política após digitar alguns números na urna eletrônica. É fundamental criar uma cultura de participação ativa em todos os espaços existentes na vida social do País.

Tomei a iniciativa de anexar também a repercussão da entrevista na Imprensa, bem como o discurso que fiz posteriormente na tribuna do Senado Federal.

Ao disponibilizar todo esse material, acredito estar cumprindo o meu papel como Senador da República, representante de Pernambuco no Congresso Nacional e, principalmente, como um cidadão brasileiro que enxerga na política um grande instrumento de transformação e defesa das liberdades e da justiça social.

Recife, Maio de 2011.

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A ENTREVISTA “O PMDB é corrupto” Senador peemedebista diz que a maioria dos integrantes do seu partido só pensa em corrupção e que a eleição de José Sarney à presidência do Congresso é um retrocesso Otávio Cabral

A ideia de que parlamentares usem seu mandato preferencialmente para obter vantagens pessoais já causou mais revolta. Nos dias que correm, essa noção parece ter sido de tal forma diluída em escândalos a ponto de não mais tocar a corda da indignação. Mesmo em um ambiente político assim anestesiado, as afirmações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos, de 66 anos, 43 dos quais dedicados à política e ao PMDB, nesta entrevista a VEJA soam como um libelo de alta octanagem. Jarbas se revela decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos. Ele diz que o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões. Acusa o ex-governador de Pernambuco: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção". PERGUNTA – O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado? RESPOSTA – É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um

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candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador. PERGUNTA – Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores. RESPOSTA – Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão. PERGUNTA – Como o senhor avalia sua atuação no Senado? RESPOSTA – Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. Cheguei em 2007 pensando em dar uma contribuição modesta, mas positiva – e imediatamente me frustrei. Logo no início do mandato, já estourou o escândalo do Renan (Calheiros, ex-presidente do Congresso que usou um lobista para pagar pensão a uma filha). Eu me coloquei na linha de frente pelo seu afastamento porque não concordava com a maneira como ele utilizava o cargo de presidente para se defender das acusações. Desde então, não posso fazer nada, porque sou um dissidente no meu partido. O nível dos debates aqui é inversamente proporcional à preocupação com benesses. É frustrante. PERGUNTA – O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB...

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RESPOSTA – Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem. PERGUNTA – O senhor é um dos fundadores do PMDB. Em que o atual partido se parece com aquele criado na oposição ao regime militar? RESPOSTA – Em nada. Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos. PERGUNTA – Para que o PMDB quer cargos? RESPOSTA – Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção. PERGUNTA – Quando o partido se transformou nessa máquina clientelista? RESPOSTA – De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com Dilma Rousseff. Não

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terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado. PERGUNTA – Por que o senhor continua no PMDB? RESPOSTA – Se eu sair daqui irei para onde? É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política. PERGUNTA – Lula ajudou a fortalecer o PMDB. É de esperar uma retribuição do partido, apoiando a candidatura de Dilma? RESPOSTA – Não há condições para isso. O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que está mamando e não é possível agora uma traição total. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra. O partido se tornará livre para ser governo ao lado do candidato vencedor. PERGUNTA – O senhor sempre foi elogiado por Lula. Foi o primeiro político a visitá-lo quando deixou a prisão, chegou a ser cotado para vice em sua chapa. O que o levou a se tornar um dos maiores opositores a seu governo no Congresso? RESPOSTA – Quando Lula foi eleito em 2002, eu vim a Brasília para defender que o PMDB apoiasse o governo, mas sem cargos nem benesses. Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos. O mundo passou por

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uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso. PERGUNTA – A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado. RESPOSTA – O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso. PERGUNTA – Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação. RESPOSTA – O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.

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PERGUNTA – O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes? RESPOSTA – Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece. PERGUNTA – A oposição está acuada pela popularidade de Lula? RESPOSTA – Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é

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medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população. PERGUNTA – Para o senhor, o governo é medíocre e a oposição é medíocre. Então há uma mediocrização geral de toda a classe política? RESPOSTA – Isso mesmo. A classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil. PERGUNTA – Por que há essa banalização dos escândalos? RESPOSTA – O escândalo chocava até cinco ou seis anos atrás. A corrupção sempre existiu, ninguém pode dizer que foi inventada por Lula ou pelo PT. Mas é fato que o comportamento do governo Lula contribui para essa banalização. Ele só afasta as pessoas depois de condenadas, todo mundo é inocente até prova em contrário. Está aí o Obama dando o exemplo do que deve ser feito. Aqui, esperava-se que um operário ajudasse a mudar a política, com seu partido que era o guardião da ética. O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: "Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?". Sofri isso na pele quando governava Pernambuco. PERGUNTA – É possível mudar essa situação? RESPOSTA – É possível, mas será um processo longo, não é para esta geração. Não é só mudar nomes, é mudar práticas.

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A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema. PERGUNTA – Como o senhor avalia a candidatura da ministra Dilma Rousseff? RESPOSTA – A eleição municipal mostrou que a transferência de votos não é automática. Mesmo assim, é um erro a oposição subestimar a força de Lula e a capacidade de Dilma como candidata. Ela é prepotente e autoritária, mas está se moldando. Eu não subestimo o poder de um marqueteiro, da máquina do governo, da política assistencialista, da linguagem de palanque. Tudo isso estará a favor de Dilma. PERGUNTA – O senhor parece estar completamente desiludido com a política. RESPOSTA – Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas. Mas não tenho mais projeto político pessoal. Já fui prefeito duas vezes, já fui governador duas vezes, não quero mais. Sei que vou ser muito pressionado a disputar o governo em 2010, mas não vou ceder. Seria uma incoerência voltar ao governo e me submeter a tudo isso que critico.

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O DISCURSO

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O DISCURSO Senado Federal, 3 de Março de 2009

Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, antes de iniciar meu pronunciamento, quero dar conhecimento a Vossa Excelência do teor da comunicação que ora apresento e encaminho à Mesa: Comunicação.

Comunico a Vossa Excelência que declino das indicações feitas por parte da Liderança do PMDB para compor a Comissão de Relações Exteriores, Comissão de Educação e Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, como membro titular, e para a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo, CDR, como membro suplente.

Ao chegar a esta Casa, iniciando o exercício de meu mandato procurei a Liderança do PMDB com uma única solicitação: Indicar-me para compor a Comissão de Constituição e Justiça como representante do Partido – O Líder Raupp pode testemunhar o que afirmo.

Com todo o respeito aos demais colegiados desta Casa, a CCJ é, sem dúvida, o foro mais importante do Senado Federal, onde procurei representar com dignidade o povo de Pernambuco e o meu Partido. Foi um trabalho profícuo e gratificante onde pude apresentar várias proposições que tratam da reforma política, da interceptação telefônica e que alteram a Lei de Execução Penal. Fui designado a relatar mais de 50 proposições, entre as quais a reforma política, o Marco Regulatório do Gás e a Lei de Licitações.

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Destaco ainda a relatoria do Projeto de Resolução nº 40/2007, que previa o afastamento preventivo dos membros da Mesa em caso de oferecimento de representação que sujeitasse o Senador à perda de mandato. Proferi parecer favorável à matéria, que foi aprovada pela Comissão e por este Plenário.

Ao defender este instituto que não permitia o uso do cargo para inviabilizar as investigações, angariei a insatisfação – para dizer o mínimo – do então Presidente da Casa, Senador Renan Calheiros.

Para minha surpresa, após essa relatoria, fui, em companhia do Senador Pedro Simon, sumariamente afastado daquele colegiado pelo Líder Raupp, que, após pressão de vários companheiros do Partido, da Oposição e da população em geral, que congestionou a caixa postal dos Senadores, resolveu reconduzir-nos a mim e a Pedro.

Não foi, portanto, com surpresa que no dia de hoje fui informado que o atual Líder afastou-me, mais uma vez, da Comissão de Constituição e Justiça sem sequer me comunicar oficialmente.

Tendo em vista essa atitude de retaliação mesquinha, comunico à Mesa que não aceito qualquer outra indicação dessa Liderança do PMDB para colegiados nesta Casa. Nem mesmo na ditadura tive meus direitos políticos cerceados, apesar de combatê-la diuturnamente. Agora, em pleno regime democrático, que tive a honra de ajudar a construir, sou impedido de exercer o meu mandato em sua plenitude, frustrando os milhares de pernambucanos que me confiaram a sua representação.

Esse é o primeiro preâmbulo, Senhor Presidente. O segundo preâmbulo, antes do meu discurso, é que

eu fui procurado pela revista Veja para uma entrevista às páginas amarelas da edição do dia 10 de fevereiro. Fui instado a falar sobre três assuntos: sobre PMDB, sobre o

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Senado e sobre o Governo Lula. Respondi a tudo que me foi perguntado: PMDB, Senado e Governo Lula. Voltei ao Senado no dia 16, uma segunda-feira, quando a imprensa procurou-me em meu Gabinete, não convoquei a imprensa, fui procurado no meu Gabinete, onde afirmei que não tirava uma vírgula do que a Veja havia publicado.

Hoje volto à tribuna, com uma grande expectativa e perspectiva, e quero acrescentar que não tenho uma vírgula a acrescentar ao que já foi colocado na entrevista da revista Veja. Não sou mesquinho, não sou pequeno. O que eu tinha de dizer sobre o Presidente da Casa já disse; o que eu tinha de dizer sobre o Líder do meu Partido já disse. Serei mesquinho e pequeno se acrescentar mais detalhes e mais adjetivos.

Permita Vossa Excelência que passe a ler o meu discurso.

Volto a esta tribuna duas semanas depois da entrevista que concedi à Veja, na qual analisei o quadro político do Brasil. Nesse período, vi, li e ouvi as mais diversas análises sobre as minhas palavras. Levantaram teorias conspiratórias, tentaram me descredenciar.

Neste exato momento em que falo para os senhores e senhoras, sei que estão vasculhando a minha vida, investigando as minhas prestações de contas à Justiça Eleitoral e à Receita Federal. Não tenho o que esconder, pois disputei em Pernambuco algumas das eleições mais acirradas da história do Estado.

Não temo esses investigadores, apesar de considerá-los credenciados para tal função, pois de crimes eles entendem. Essas iniciativas, que têm por objetivo me intimidar, não me surpreendem nem me assustam. Tenho 40 anos de vida pública. Fui Deputado Estadual, Deputado Federal, Prefeito do Recife e Governador de Pernambuco, sempre com votações expressivas e com reconhecimento da

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maioria do povo de meu Estado. A esses arapongas digo apenas que enfrentei coisas piores quando, na década de 1970, denunciei torturas e violências praticadas pela ditadura militar.

Vocês não me amedrontam! Estou nesta Casa há dois anos e um mês, e nada do

que afirmei ao repórter Otávio Cabral, da revista Veja, difere muito do que eu disse a alguns dos senhores e das senhoras. Nesta mesma tribuna, já critiquei a degradação pública à qual está submetido o sistema político brasileiro, alertando para a desqualificação moral dos partidos políticos.

A verdade é sempre inconveniente para quem vive da mentira, da farsa e é beneficiário dessa realidade perversa. Eu constatei, Senhor Presidente, é preciso que se diga isso com clareza desta tribuna, eu constatei o óbvio. Apenas isso. Essa realidade exige ações corretivas – correção de rumos e de práticas.

Eu não vim aqui para citar nomes, reiterar acusações pessoais. Para isso existem a Polícia Federal, o Ministério Público, os tribunais, o Tribunal de Contas da União, que devem exercer – e vêm exercendo, alguns deles – com eficiência essa prática.

Nunca tive, não tenho e nem desejo ter vocação para ser paladino da ética. E mais: desconfio daqueles que querem sempre pairar acima dos demais. A verdade é que fui eleito Senador da República para exercer uma função política e não policial ou investigatória.

Mas quero aqui me colocar à disposição de todos aqueles que, dentro e fora do Congresso Nacional, defendem pensamento semelhante: aqueles que querem partir para a ação e dar um basta aos desvios no exercício da função pública. Alguns Parlamentares já me procuraram com esse

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objetivo, alguns deles inclusive presentes neste plenário. A eles assegurei o meu apoio e o meu engajamento.

O meu objetivo, Senhor Presidente senador Augusto Botelho – e para mim é uma honra tê-lo como Presidente nesta hora, o meu objetivo primordial foi atingido com a entrevista, ao fazer com que uma parte expressiva da sociedade brasileira prestasse mais atenção ao que ocorre em nosso País. Um quadro aterrador que até agora vinha sendo encoberto pelos bons resultados da economia.

A sociedade descobriu que vale a pena se indignar, mostrar que nem tudo está perdido, que compactuar com a corrupção não é pré-requisito para a carreira política. É extremamente necessário que algo seja feito, antes que essa degradação comprometa a nossa democracia, levando as novas gerações a um quadro de desalento para com o exercício da política.

Mais importante ainda é que essa mobilização não fique restrita à Câmara e ao Senado Federal, mas que reflita prioritariamente o desejo de toda a sociedade brasileira, desejo de quem hoje se expressa apenas por meio de cartas, de e-mails e de telefonemas. O exercício da política não comporta, Senhor Presidente, espectadores. Quem não faz política verá outros fazê-la em seu lugar, para o bem ou para o mal.

Senhor Presidente, cobraram-me nomes, uma lista de políticos que não honram o mandato popular conquistado. A meu ver, essa cobrança em si já é uma distorção do papel de um Parlamentar, que deve ser o de lutar pela ética e por políticas públicas que façam o País avançar.

Instituições como os tribunais de contas, o Ministério Público, a Polícia Federal e a própria imprensa têm dado uma contribuição inquestionável e valiosa nessa área.

Não sou afeito aos holofotes e à palavra fácil. Os jornalistas que cobrem os trabalhos do Senado Federal

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sabem do que estou falando. Mas uma coisa eu posso assegurar a Vossa Excelência: sempre tive posições claras, mesmo nos momentos mais obscuros da história do Brasil. Tenho ojeriza à passividade e à omissão.

Os recentes acontecimentos na Fundação Real Grandeza, o fundo de pensão dos funcionários de Furnas e da Eletronuclear, são uma prova clara, transparente e inequívoca do que explicitei na minha entrevista. Repito: não preciso citar nomes, pois eles vêm à tona, infelizmente, quase que diariamente.

A população, Senhor Presidente, que paga seus impostos não compreende o porquê da disputa ferrenha entre grupos partidários, sempre envolvendo empresas de orçamentos bilionários.

Quando ocorrem casos como o de Furnas, não dá para esquecer o que aconteceu e o que foi dito. É papel do Chefe do Executivo – no caso, o Presidente da República – instalar uma auditoria independente que coloque tudo em pratos limpos. Essa deveria ser a atitude a ser tomada, e não a de deixar a poeira baixar, esperando que a história seja esquecida, abafada por um novo escândalo

Celina Vargas do Amaral Peixoto, socióloga reconhecida internacionalmente, neta do Presidente Getúlio Vargas, em carta publicada pela revista Veja, edição nº 2.101, manifesta-se tão horrorizada quanto eu com a degradação do quadro político nacional:

“Os políticos lutavam por projetos. Brigavam dentro e fora dos partidos, por idéias e pelo poder legitimamente constituído ou não. Entendia-se que o homem público tinha uma missão a cumprir.”

Ou resgatamos, Senhor Presidente, essa lógica para o exercício da política ou vamos continuar estampando capas de revistas e jornais da pior forma possível. Não pensem que

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me agradou dizer o que eu disse, mas estou absolutamente convicto de que tinha que fazê-lo.

Aproveito esta oportunidade para agradecer as milhares de correspondências que recebi do País inteiro em apoio a minha entrevista. Foram e-mails, cartas, telegramas, telefonemas. Expresso minha gratidão também pelas cartas enviadas aos jornais e à Veja, as quais tive oportunidade e ler nos últimos 15 dias.

Senhor Presidente, o exercício da política não pode ser transformado em um balcão de negócios. O que se vê hoje no nosso País é um sentimento de descrença, com a impunidade corroendo as bases da democracia.

O poder pelo poder leva ao quadro político degenerado que hoje vivemos no nosso País, no qual a esperteza é mais valorizada do que a inteligência e a correção ética.

A conclusão de tudo isso é óbvia, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores. O caminho para resolver as pendências da nossa democracia está em pauta há anos. Refiro-me à Reforma Política – não a esse arremedo de reforma que chegou recentemente ao Congresso Nacional, que, segundo afirmam, será “fatiada”. Também não me refiro à fidelidade partidária com “prazo de validade”, aprovada pela Câmara dos Deputados.

Uma reforma política séria deve, em minha opinião, incluir e aprovar pelo menos quatro pontos: 1 - financiamento público de campanha; 2 - fidelidade partidária; 3 - fim das coligações nas eleições proporcionais e 4 - Implantação da cláusula de desempenho.

O financiamento público de campanha é indispensável para evitar a interferência cada vez maior do poder econômico, que corrompe o processo eleitoral.

A proposta de reforma política debatida há algum tempo pela Câmara dos Deputados previa o financiamento

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público com um custo para a campanha eleitoral de R$7,00 por eleitor. Hoje, isso representaria um custo de aproximadamente R$914 milhões para uma eleição nacional, tomando como referência um eleitorado de 130 milhões de pessoas.

De acordo com números do Tribunal Superior Eleitoral, a campanha do ano passado custou cerca de R$2,43 bilhões. A imprensa, por sua vez, calcula que a despesa real representou cerca de cinco vezes esse valor, chegando à cifra de R$12,15 bilhões – mais de doze vezes o valor estabelecido no projeto da reforma política.

Não sou ingênuo de acreditar que o financiamento público sozinho vá resolver o problema da corrupção e do desvio de recursos públicos para campanhas eleitorais. Isoladamente, nenhuma dessas propostas que eu citei dará resultados amplos.

Por essa razão, questiono a chamada “reforma fatiada”.

A fidelidade partidária, Senhor Presidente, por sua vez, é um instrumento para impedir o degradante festival de adesões fisiológicas. Não condeno quem esteja insatisfeito em um lugar e queira ir para outro. Mas, no caso dos partidos políticos, isso deve ser a exceção e não a regra, como tem prevalecido há alguns anos.

De todas as medidas de uma reforma política séria e objetiva, talvez a única que obteria um resultado extraordinário isoladamente é a proibição das coligações nas eleições proporcionais. Essas coligações são uma deformidade e uma imoralidade existentes apenas no Brasil, onde se vota em José e se elege João.

Senhor Presidente, se o Congresso Nacional fala de reforma da Previdência, todos se interessam. Recebemos milhares de e-mails, milhares de ligações telefônicas. O mesmo se aplica às reformas trabalhista e tributária. Mas a

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reforma política é vista pela opinião pública como algo de interesse exclusivo dos políticos.

O cidadão talvez não compreenda que a reforma política é a “mãe” de todas as reformas, justamente por assegurar o aprimoramento das instituições responsáveis pelo encaminhamento de todas elas.

Outro espaço para a degradação do exercício da política reside no Orçamento Geral da União. Sua elaboração, aprovação e execução precisam passar por uma profunda e séria reformulação, que estabeleça obrigações severas para o Poder Executivo.

O Parlamento não pode continuar sendo um mero atravessador de verbas públicas, com emendas liberadas às vésperas das votações que interessam ao Governo.

As distorções começam na elaboração do Orçamento, permanecem na sua aprovação e atingem o auge na hora da liberação dos recursos e quando o dinheiro, que deveria ir para obras prioritárias nos municípios, escorre pelos esgotos da corrupção e dos desvios, muitas vezes com a participação dos ordenadores de despesas do Poder Executivo, indicados pelos partidos políticos.

Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para informar que apresentei um projeto de lei que proíbe que as diretorias financeiras de empresas estatais possam ser ocupadas por indicações partidárias. Minha proposta reservará esta posição com exclusividade para funcionários de carreira dessas empresas e autarquias.

Além disso, esses diretores terão que ter seus nomes aprovados pelo Senado Federal, seguindo o exemplo do que já ocorre hoje com os dirigentes das agências reguladoras.

A classe política – se tivesse bom senso – deveria ficar a quilômetros de distância de qualquer diretoria financeira.

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Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, deixei para a parte final deste meu pronunciamento a questão da impunidade, que considero a consequência mais nefasta do quadro de degradação da política e dos nossos compromissos políticos, sociais e éticos.

Não sei se Vossa Excelência vai permitir apartes... Eu desde já, começaria pelo Senador Tasso Jereissati.

O Senhor Tasso Jereissati (PSDB – CE) – Senador Jarbas Vasconcelos eu gostaria de dizer a V.Exª, com toda a humildade, que Vossa Excelência fez o discurso que eu gostaria de ter feito. Acrescento alguns pontos ao que Vossa Excelência colocou com tanta propriedade e que fez chamar a atenção do País todo para o verdadeiro festival de corrupção que o está acometendo, de maneira que se tornou uma coisa banal e praticamente cotidiana na vida pública brasileira. Infelizmente, isso veio acontecer sob o beneplácito de todos os Poderes, praticamente, uma vez que, desde o período do mensalão, quando em nenhum momento se desmentiu o que aconteceu, mas apenas se justificou dizendo: “Fizemos; mas quem não fez?” Ou seja, dando um sinal de que todo mundo fazendo, tudo era permitido. Então, chegamos à banalização dessa corrupção que vimos, inclusive – Vossa Excelência deu um exemplo muito feliz, e eu vou a outro – o Ministro da Saúde, Senador Jarbas Vasconcelos, dizer em um discurso que a Funasa, órgão subordinado a ele, estava corrupta e cheia de corrupção. E isso não foi desmentido. A diretoria da Funasa lá continuou, o Presidente da República não fez nada...

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Ao contrário, pediram a cabeça do Ministro.

O Senhor Tasso Jereissati (PSDB – CE) – Pediram a cabeça do Ministro e as coisas continuam na mesma. Ou o Ministro era um mentiroso e deveria ser afastado imediatamente, mentiroso e calunioso, ou estava dizendo a

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verdade. Em qualquer país civilizado, isso não teria acontecido. Logo após, vemos aqui essa questão da Real Grandeza, em que o próprio Ministro fala de um órgão indiretamente subordinado a ele, dizendo que existe ali um antro de bandidagem. E as coisas ficam como estão: ninguém investiga, ninguém se espanta e ninguém se escandaliza. Quando Vossa Excelência deu à revista Veja aquela entrevista publicada nas páginas amarelas, com a credibilidade que Vossa Excelência tem, acredito que tenha sido um verdadeiro grito de basta. Estamos falando neste País agora de valores. Nós não estamos falando de política econômica, nós não estamos falando de Bolsa-Família nem de política social, nós estamos falando de valores. Um país, uma nação só sobreexiste se tiver seus valores básicos respeitados, admirados pela sua população e principalmente pelos seus dirigentes. O reparo que faria aqui – não seria propriamente um reparo – seria um adendo ao discurso de Vossa Excelência: de que precisamos, acima de tudo, de uma reforma moral neste País. Nós nos acostumamos à imoralidade, nós nos acostumamos à total falta de ética no dia-a-dia, na vida de todos nós, fazendo com que isso seja absolutamente banal e desimportante, e este País está se desintegrando moralmente, aos poucos, deixando as futuras gerações sem perspectivas. Nada se constrói sem a sólida base de valores morais a construir uma nação, a construir um povo. E isso está sendo destruído neste País. Ele vai muito mal. Dentro do que Vossa Excelência colocou também, eu daria mais ênfase a que duas reformas são “reformas-mães”: a reforma política e a reforma do Orçamento. O Orçamento, hoje, é o grande fator, um dos grandes ou o principal fator de corrupção do Executivo, do Legislativo e dos Executivos estaduais e municipais. Formou-se uma verdadeira cadeia de corrupção em que o Parlamentar, como Vossa Excelência disse, “se tornou um

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atravessador de verbas públicas”. Não. Pior: tornou-se um corretor de verbas públicas, um corretor com direito, na maioria das vezes, em boa parte das vezes, à sua comissão de corretagem. Isso é absolutamente inadmissível em um país que se pretende um país civilizado e que pretende atingir níveis de desenvolvimento aceitáveis no mundo de hoje. Portanto, eu queria dizer a Vossa Excelência que sou totalmente solidário ao que Vossa Excelência disse e, acima de tudo, parabenizá-lo por ter tido a coragem e a iniciativa de, agora, neste momento, fazer, com tanta precisão, o diagnóstico deste País.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Senador Tasso, não é a primeira vez que ouço Vossa Excelência colocar, com tanta clareza, com tanta objetividade essa questão da ética, da moral e da necessidade de postura correta das instituições. Subscrevo todo o aparte de Vossa Excelência. Ele é enriquecedor e reitera, mais uma vez, a sua preocupação, que não é de hoje, com relação à boa prática política dentro e fora do Congresso Nacional.

Ouço, com prazer, o Senador Sérgio Guerra. O Senhor Sérgio Guerra (PSDB – PE) – Senador

Jarbas Vasconcelos, Vossa Excelência se referiu à reforma política na sua frase como “a mãe de todas as reformas”. Eu queria começar por aí, com muito cuidado, porque é preciso não perder a precisão para não resvalar para acusação sem prova ou para comentário que não produz resultados. No início desse período do Presidente Lula, era indispensável uma ampla reforma política. Essa chamada reforma não se deu. O que se deu foi o mensalão. E o mensalão se desenvolveu nesses últimos seis anos. Quais são as formas do mensalão que foram se sofisticando com o tempo? O coração desse processo de desestruturação do poder – e não falo apenas do poder do Congresso; falo do poder no sentido

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mais amplo –, o coração principal, no que se refere às relações do Legislativo com o Executivo, é o chamado Orçamento. O Orçamento virou muito mais do que uma simples intermediação de candidatos, de Parlamentares; virou um sistema de dominação do Congresso. Os jornais não acompanham nem conseguem acompanhar esse assunto. Eles ficam prisioneiros da observação sobre a liberação de emendas individuais. Por quê? Porque as emendas individuais têm cara, dono, autor. As dotações dos Ministros não têm; as verbas gerais dos Ministérios não têm; muitas das emendas de bancada também não, daquelas poucas que são efetivadas. O fato real é que esse sistema produziu desequilíbrios enormes do ponto de vista ético e da corrupção. Uma parcela muito grande dos Parlamentares passou a ter privilégios exorbitantes. Já ouvi falar de Parlamentares que liberam 100 milhões por ano, e não foi ninguém da Oposição que me disse isso, nenhum companheiro do PSDB ou de qualquer partido da Oposição. Líderes que liberam 100, 50, 80, 120 milhões enquanto que os outros Parlamentares liberam 10, 8, 7, 6 milhões. Ninguém sabe, nem há como, proceder a fiscalização disso, porque essa é a decisão que tomam os Ministros lá em cima, as autoridades dos Ministros com ele. E esse sistema é usado para manter uma maioria parlamentar de maneira absolutamente clara, transparente, sem vergonha! Isso se banalizou. Muitas pessoas assumem isso até como se isso não fosse errado, assumem isso como fato normal. O pressuposto de um bom Orçamento é um bom planejamento. Tem de haver planejamento para que se possa orçamentar no ano e, na perspectiva plurianual, o que se deseja fazer no tempo para o País. Como não há planejamento nenhum, o PAC é apenas - alguém me disse uma frase ontem, e não estou me lembrando agora – uma sacola, um embrulho de projetos... Foi a frase do Senador

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Tasso. Não há planejamento, não há noção de prioridade, de estruturação econômica. Nada disso! Todo esse jogo está contaminado. Essa contaminação é do Legislativo, é do Executivo e é das empresas. Não tem ninguém ingênuo aí e não tem ninguém que não tenha um pedaço da responsabilidade desse amplo sistema de corrupção. Privilégios para todo lado, desequilíbrios para todo lado; o Orçamento transformado, rigorosamente, em tudo que não deve ser, num País que não tem planejamento, num País que não tem prioridade, num País que domina o Congresso pelo dinheiro público, através das verbas do Orçamento. O segundo padrão dessa grande rede de controle do Congresso e desestruturação da política é a utilização do Executivo, da Administração Direta e de empresas estatais para a nomeação, por indicação de grupos de Parlamentares, de gente que vai para essas indicações evidentemente para não cumprir funções republicanas. O que tem um partido qualquer a ver com o diretor financeiro de Furnas? Em que o programa desse partido está representado na ação do diretor financeiro de Furnas, ou na nomeação daquele diretor que vai furar poço na Petrobras, ou na nomeação de dezenas e dezenas de cargos de poder? Quando alguém ocupa um cargo desses hoje, sabe o que é que se diz? “Conquistamos um grande cargo. Ele tem um grande orçamento”. Para que é o grande orçamento? É para o País? É para quê? É para sanear o sistema político? É para limpar a vida pública? Nada disso. É para contaminar ainda mais a vida pública, para estabelecer uma rede de cumplicidade que vai da empresa ao Poder Legislativo, e passa, de maneira central, no Poder Executivo. Essa é uma operação do Poder Executivo. O Congresso é cúmplice dessa operação, mas o comando dessa operação está no Poder Executivo. Nós pagamos a conta pública. O Presidente da República faz seus discursos com cara de paisagem, como se não tivesse

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nada a ver com isso. Ninguém é punido, e não acontece coisa alguma. A utilização do emprego público, das funções públicas com a nomeação de pessoas sem mérito generalizou-se, banalizou-se. Três Deputados indicam o diretor financeiro de uma instituição qualquer, para quê? Às vezes, eles nem conhecem o diretor que indicaram. Ele vai ali para cumprir uma tabela, e essa tabela não é republicana. Esse é um capítulo que se banalizou aí de maneira total. Entrou por dentro das instituições mais importantes do País, que ninguém antes teve coragem de fazê-las vulneráveis, porque eram estruturantes, fundamentais para o País, e que estão sendo degradadas agora. Um partido tem um pedaço. Um pedaço para quê? Qual é o tamanho que ele conquistou? Essa é a discussão. Será que isso é democracia? Será que o interesse público está prevalecendo, está submetido a uma regra, a algum tipo de controle, a algum tipo de orientação? O Tribunal de Contas, ao contrário do que nós desejamos, não pode ser eficiente. O sistema de fiscalização não funciona. As comissões de acompanhamento e fiscalização do Congresso estão mortas. A Comissão de Orçamento já devia ter deixado desaparecer há muito tempo. Não importa a forma ou o que está lá nesta semana, neste mês, ou no ano que vem: ela é o coração desse sistema, ela é o núcleo desse sistema, absolutamente delegado pelo Governo, pelo Poder Federal. Essa invasão assume outro campo: vai às agências reguladoras, objeto de indicação de Parlamentares, de utilização desse sistema por partidos ou grupos de interesses. Vai aos fundos de pensão; fundos de pensão que dão um belo exemplo de tudo que não poderia acontecer, como agora, no Fundo Real Grandeza, que devia ser objeto de uma intervenção imediata. Imediata porque há interesse público ali, ele não está respeitado por uma diretoria comprometidíssima, como é comprometida também a

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diretoria da própria instituição, toda viciada. Quero saber o que vai fazer, nesse ambiente, o brasileiro que quer melhorar o País. Com certeza, vai ouvir o seu discurso, porque você tem autoridade para fazê-lo. Hoje, eu ouvi um discurso ridículo de um Deputado pernambucano. Tanto mais eu o ouvi, mais eu me convenci de como a sua luta tem mérito, e a dele, não.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Obrigado.

O Senhor Sérgio Guerra (PSDB – PE) – Então, esse processo não pode continuar, tem que acabar. Essa cumplicidade vai nos levar, rigorosamente, ao fundo do poço. As práticas políticas estão se degenerando, e a convicção e a consciência do povo sobre nós é cada dia pior. E está certo o povo, e estamos errados nós. É claro que há pessoas que não merecem críticas e pessoas que têm qualidade.

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Senador Sérgio Guerra, dada a relevância do pronunciamento do Senador Jarbas Vasconcelos, especialmente pelo conteúdo dele, vou prorrogar, mais uma vez, o tempo para a conclusão do pronunciamento.

O Senhor Sérgio Guerra (PSDB – PE) – É claro que nem todos estão envolvidos nisso. Tem gente séria nisso, tem gente direita nisso, em todos os Partidos. É claro que há político de qualidade em todo lugar, mas é evidente que esse é o sistema que está prevalecendo, e que vozes como a sua têm que se levantar. Ainda bem que se levantou a sua, no momento oportuno, com a firmeza e a clareza de sempre. E é importante que todos nós entendamos aqui que o nosso objetivo é construir uma democracia melhor, não afetar uma, duas ou três pessoas físicas ou políticas. Não é essa a nossa tarefa. Eu não gosto de comissões parlamentares de inquérito, de acusação a ninguém. Não é da minha natureza.

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Mas dizer que esse sistema serve, que pode continuar?! Não pode. Vai-nos levar a um grave impasse institucional. Então, Senador, quero lhe dizer que não faz mal que o senhor não tenha uma Comissão de Justiça, porque terá todas as comissões do Senado, pela sua presença, pelo seu valor, pelo respeito que os brasileiros têm no senhor.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PDMB – PE) – Muito obrigado, Senador Sérgio Guerra.

Só uma pessoa com a sua competência e seu conhecimento pode dar um aparte sobre Orçamento, sobre ocupação de cargos públicos, porque Vossa Excelência, desde que aqui cheguei, tem tratado isso através de entrevistas, de apartes e de discursos nesta tribuna.

O meu desejo é ouvir todos, Senhor Presidente. Se Vossa Excelência permitir, eu ouviria agora, pela ordem, o Senador Tião Viana e, logo em seguida, o Senador Demóstenes Torres.

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Haverá tempo, Senador Jarbas Vasconcelos, porque eu prorroguei, por mais 30 minutos, o pronunciamento de Vossa Excelência.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Senador Tião Viana, com muita honra.

O Senhor Tião Viana (Bloco/PT – AC) – Caro Senador Jarbas Vasconcelos, serei muito objetivo no aparte que faço a Vossa Excelência, também muito honrado estou em aparteá-lo. Temos uma convivência presencial, vamos dizer, de dois anos e pouco nesta Casa. Eu acompanhava Vossa Excelência como membro da resistência democrática brasileira do chamado MDB autêntico – eu, no movimento estudantil, e Vossa Excelência, já na militância da vida pública e partidária. E eu entendo que Vossa Excelência dá um grito a favor de um sentimento de “acorda, vamos despertar para a confiança que devemos ter em nós mesmos

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e na nossa capacidade de fazer as coisas corretas neste País”. Não acho que seja um ataque ao Governo, não acho que seja um ataque ao seu partido, mas é uma indignação com a crise partidária que nós estamos vivendo e com a capilaridade de atitudes incorretas que estão se apropriando dos espaços de poder no nosso País. Entendi muito mais assim. Vossa Excelência não quantificou corrupção neste País. Disse Vossa Excelência que o problema existe, e existe em todas as esferas da vida institucional, e precisa ser veementemente combatido. Eu acho que esse é um ato de um grande brasileiro, de um grande homem público que Vossa Excelência toma. Eu acho que o caminho correto da política seria o reconhecimento das verdades expressas por Vossa Excelência e a busca de soluções, e não o rebate falso, como se fosse um ato virtuoso contestar Vossa Excelência. Problemas no Governo: tem? Tem. No Judiciário: tem; na instituição partido político, tem; na vida nacional, infelizmente, rompe-se com o idealismo daqueles que trouxeram a volta da democracia ao Brasil e que lutaram por uma sociedade e por uma vida institucional efetivamente corretas. Vivemos uma fase de crise. Olho para a política brasileira hoje, sou de uma geração mais nova que a de Vossa Excelência, e me pergunto, Senador Jarbas - já dividi isso com Vossa Excelência: o que tem sido feito pela política? Temos um Parlamento melhor ou pior que o Parlamento de 10, 16 anos atrás? Está pior; ele está enfraquecido em conteúdo, está enfraquecido em suas diretrizes; está enfraquecido em suas responsabilidades. É por isso que Vossa Excelência aponta a reforma política, a crise orçamentária, a crise do financiamento da vida institucional e as necessidades da população. Então, as virtudes da sua fala são muito maiores que as nossas pequenas divergências. Eu me reporto ao Presidente da República como um homem honrado, correto e que defende

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o Brasil, mas os problemas estão aí, Vossa Excelência os aponta com muita grandeza, e é preciso que tenhamos coragem de enfrentá-los. A dívida que fica deste momento da vida nacional é um Parlamento mais enfraquecido, a qualidade da política pior, e a contaminação da corrupção afetando mesmo a vida institucional do País. A resposta seria atitude; atitude individual e atitude coletiva. Vou compartimentar um pouco o debate que Vossa Excelência faz. A reforma política: nós não podíamos responsabilizar o Governo por ela; é responsabilidade individual e coletiva do Congresso Nacional. Os dirigentes do Congresso têm de fazer a reforma política com os Líderes partidários. Não podem transferir a responsabilidade, mas não sei se, ano que vem, vamos dizer que ela já foi feita. Talvez Vossa Excelência esteja a lamentar. Talvez muitos de nós estejamos a lamentar. O Governo influencia, mas não pode tirar minha responsabilidade de votar, não pode tirar a da instituição partido político. Vossa Excelência presta um grande serviço, como um grande brasileiro que é, e fala para as gerações todas. Se tivermos responsabilidade, sinceridade e coragem, acolheremos o pronunciamento de Vossa Excelência como uma grande contribuição à democracia que temos de edificar neste País.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Obrigado, Senador Tião Viana. O aparte de Vossa Excelência enriquece nosso pronunciamento e nos honra por sua atitude de coerência e dignidade neste plenário. Senador Demóstenes Torres.

O Senhor Demóstenes Torres (DEM – GO) – Senador Jarbas Vasconcelos, Vossa Excelência faz um pronunciamento que agrada à Nação e ao Senado – acredito eu. O que disse Vossa Excelência não tem absolutamente nada de errado: há uma degradação da vida política no Brasil. E o Senado faz parte dessa degradação. Mas a culpa

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é nossa mesmo. Temos como mudar a Constituição. O Presidente da República não tem. Quanto às medidas provisórias, será que tudo isso que foi discutido aqui, de um momento para outro, vai ser implementado? Teremos condição de votar? Nós mesmos trancamos a pauta das votações. É óbvio que precisamos de uma reforma política. Estamos em afronta total à sociedade. Quem quer ficha suja na política? Há mais de um ano, foi constituída uma comissão, da qual eu tive a honra de fazer parte, o Senador Pedro Simon, outros Senadores, Vossa Excelência também fez parte. Aprovamos lá uma mudança na Lei de Inelegibilidade, na Constituição Federal, para evitar o trânsito em julgado, porque nós sabemos muito bem que uma pessoa que é condenada em primeiro grau já teve inquérito na Polícia, já foi denunciada por um promotor, já enfrentou o devido processo legal com o seu advogado e foi condenada por um juiz. Quer dizer, ela pode continuar em liberdade, ela pode continuar usando os seus recursos, mas não pode estar na vida pública. Essa é uma situação absurdamente equivocada. No mundo inteiro, qual é a discussão principal que tem o Parlamento? O Orçamento. Uma vez cheguei a uma banquinha em Paris; estavam lá os velhinhos todos discutindo o que ia haver de reajuste para eles: 2,3%. “O Congresso está discutindo justamente isso”. Aqui nós discutimos o que, em termos de Orçamento? O Governo pode fazer o que bem entender! O nosso Orçamento é só indicativo, é uma formalidade, nada além disso! O Governo, se quiser, pode modificá-lo completamente durante o ano da execução, com todos os mecanismos à sua disposição. Então, somos um Parlamento assombrado pela superioridade do Executivo e agora pela superioridade do Poder Judiciário. Como nós não legislamos, o Judiciário vem aí. Eu mesmo já fui à tribuna para reclamar que o Poder Judiciário usurpou função nossa de mexer com algema, de

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como é que isso deve ser feito. O Poder Judiciário já entrou em diversas outras situações. Aliás, o Presidente do Supremo virou uma referência política positiva, porque é um homem que tem coragem de falar.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Perfeito.

O Senhor Demóstenes Torres (DEM – GO) – Tem coragem de reclamar contra uma série de situações, e nós estamos perdendo o nosso espaço. Hoje dei uma entrevista, o repórter começou me perguntando o seguinte: “Os senhores estão há um mês parados. O senhor acha que essa paralisia do Senado fez falta ao País?” O que tenho a dizer é o seguinte: claro que faz falta, nós somos uma democracia. Fechar o Parlamento é muito pior do que qualquer outra coisa. Mas temos que tomar as providências necessárias para fazer com que esta Casa ande e, mais do que isso, fazer com que as gerações futuras votem em políticos melhores do que nós. Isso não é hipocrisia nem é crítica direta a quem quer que seja, mas temos que tomar essa atitude. E Vossa Excelência teve a coragem de abrir um debate positivo, um debate que não considero oportunista; muito pelo contrário. Vossa Excelência tem uma história consolidada de vida, uma história consolidada no mundo político e pode abrir, com certeza, esse debate. Temos aí inúmeros temas. Vossa Excelência ou alguém aqui mencionou - não sei se Vossa Excelência, o Senador Tasso Jereissati, ou os dois - o tema fidelidade partidária. Abriram a janela de um mês. É uma fidelidade partidária, permitam-me a expressão, prostituída.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Completamente prostituída.

O Senhor Demóstenes Torres (DEM – GO) – Como é que vamos tomar uma providência dessas, ou seja, estamos esculhambando ainda mais a vida pública. Então, gosto do que Vossa Excelência estava falando, respeito a sua posição

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e acho que nós temos como fazer. Se nós quisermos, não tem Presidente da República que tranque a nossa pauta. Quem tem capacidade de modificar a Constituição somos nós. Não tem Poder Judiciário que vá julgar e criar uma nova legislação por omissão do Congresso. Nós estamos nos omitindo. E tem aí, acredito, umas três centenas de projetos paralisados na Mesa há uns três anos. Não é por incompetência da Mesa, não. É porque, com a nossa legislação, a pauta fica trancada, não damos conta de votar. E tudo isto que estamos falando aqui vai ser uma inverdade se não tomarmos a coragem de enfrentar, no bom sentido, o Executivo e começarmos a exercer nossas atribuições, que são dignas e altaneiras. E para que o povo, quando pararmos um mês, possa dizer amanhã: “Vocês fizeram falta”.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Vossa Excelência tem toda razão, Senador Demóstenes. Primeiro porque é uma autoridade nesses assuntos, nessas denúncias que tem reiterado aqui dentro da Casa. Suas palavras se juntam à palavra do Senador Tião Viana de que a reforma política depende de nós. O Governo pode, quando muito, atrapalhar. Se o Governo não quer a reforma política, ele atrapalha. Mas a iniciativa tem que ser do Congresso, tem que ser da Câmara, do Senado. É estranho chegar ao Congresso uma mensagem com reforma política, usurpando as funções do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

Ouço, pela ordem, só para poder ouvir todos, o Senador Marco Maciel, o Senador Cristovam Buarque e o Senador Pedro Simon, que foram os que pediram primeiro a palavra.

Senador Marco Maciel. O Senhor Marco Maciel (DEM – PE. Com revisão do

orador.) – Senador Jarbas Vasconcelos, desejo, de plano, cumprimentar Vossa Excelência pelo discurso que profere e

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é um desdobramento de manifestação que Vossa Excelência fez à revista Veja. Vossa Excelência, de forma lúcida, situa a necessidade de repensarmos o País, ou seja, como revigorarmos as instituições republicanas, extremamente erodidas. O Senador Tasso Jereissati falou aqui de valores. Os valores republicanos estão extremamente erodidos comprometendo nossas instituições. Como não poderia deixar de acontecer, traz isso desdobramento no Congresso Nacional. A sociedade deseja, de forma consequente, melhorar a qualidade da política que se pratica no nosso País. Isso é possível, mas passa, obviamente, como foi mencionado à saciedade, pela execução das chamadas reformas políticas, que às vezes prefiro chamar de reformas institucionais, porque ultrapassam o universo dos partidos políticos, do processo eleitoral, para se alojarem em questões extremamente importantes como as relativas à Federação, cada vez mais diminuída, na medida em que há uma grande concentração de poderes da União em detrimento de Estados e Municípios. Enfim, de uma reforma que dê ao País realmente o que tanto aspira, isto é, melhorar os seus níveis de governabilidade. Esse é um debate útil ao País e ajuda que se forme uma pedagogia cívica sobre o que deva ser feito. Acredito que Vossa Excelência já traçou muito bem,o itinerário dessas reformas de modo muito claro. Não há razão para que não encetemos essa luta, e vou além: acho que isso deve ser feito este ano, já que o próximo ano será de eleições gerais e, como dispõe o art. 16 da Constituição, se não estou equivocado, não se pode votar alteração do processo político-eleitoral senão um ano antes das eleições. Então, ou fazemos essas reformas agora ou teremos perdido mais uma oportunidade e, certamente, adiado o aprimoramento institucional do País para mais quatro anos. Encerraria as minhas palavras dizendo que concordo com as palavras de Vossa Excelência quando chama a atenção para

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fazermos essas reformas e, assim, contribuirmos para dar ao País uma sociedade desenvolvida e justa. É fundamental que façamos essas reformas que têm desdobramentos também em outras áreas, inclusive na tributária, na previdenciária e outras. Enfim, fazendo isso, iniciaremos uma nova fase do nosso País. Agora me ocorre uma frase de um líder republicano que foi, se não estou equivocado, Ministro da Fazenda de Campos Sales e, depois, se elegeu Senador da República. Certo dia, no Senado, ele, num desabafo, disse: “É necessário republicanizar a República”. Essa frase é de Joaquim Murtinho, grande especialista em assuntos financeiros, foi Ministro da Fazenda, parece que de dois governos da chamada República Velha. Líder republicano, decepcionado com o desenvolvimento das práticas republicanas, disse esta frase, a meu ver, lapidar: “É necessário republicanizar a República.” Acho que, mais uma vez, Joaquim Murtinho precisa ser relembrado para servir – quem sabe? –, de bússola a ajudar a iluminar nosso caminho. Muito obrigado a Vossa Excelência pela oportunidade que me deu de aparteá-lo e expender, também, minhas opiniões.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Eu que agradeço a Vossa Excelência, Senador Marco Maciel. Vossa Excelência, que é uma autoridade, um expert nesse assunto de reforma política a que Vossa Excelência chama, adequadamente, de reformas institucionais. Sempre tem ocupado essa tribuna cobrando e apresentando propostas e iniciativas para que ela alcance seus objetivos.

Quero ouvir o Senador Cristovam Buarque. Entre os milhares de manifestações de apoio que recebi do Brasil inteiro, a dele foi uma das primeiras a chegar.

O Senhor Cristovam Buarque (PDT – DF) – Senador Jarbas, eu creio que dos que estão aqui talvez eu seja o que

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mais tem acompanhado o senhor nesses 40 anos – que o senhor disse no começo – de sua vida pública.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Vossa Excelência.

O Senhor Cristovam Buarque (PDT – DF) – Eu sou um deles. Desde o começo, lá em Pernambuco, quando a gente lutava pela redemocratização...

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Nossa filiação ao MDB, na fundação do Partido, foi na mesma página.

O Senhor Cristovam Buarque (PDT – DF) – Na mesma página, juntos na mesma luta.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB - PE) – A filiação era feita em livros.

O Senhor Cristovam Buarque (PDT – DF) – Era feita em livros.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Nessa mesma página tem minha filiação, a de Vossa Excelência, a do ex-Deputado estadual Marcos Cunha e a do ex-Senador Roberto Freire.

O Senhor Cristovam Buarque (PDT – DF) – E eu creio que todos esses, os que estão vivos ainda, estão orgulhosos de sua posição hoje e, ao mesmo tempo tristes e preocupados, porque depois de 40 anos Vossa Excelência está sendo vítima de um ato arbitrário e ditatorial. Refiro-me à exclusão de Vossa Excelência de uma comissão tão importante como a Comissão de Constituição e Justiça. E ainda mais, que a Casa que existe para defender a democracia hoje passa a impressão, pelo menos, de que está sob uma administração que impõe uma ditadura. E eu digo com toda a responsabilidade de quem afirma isso, imaginando que quem diz o que Vossa Excelência disse e quem diz o que eu digo têm que ser punidos se estiver mentindo, dentro da linha do que disse o Senador Tasso

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Jereissati em relação ao Ministro da Saúde. Ou Vossa Excelência e eu e outros aqui devemos ser punidos por estarmos, de uma maneira não compatível com a verdade, falando mal da Casa ou outros têm que ser punidos porque são a causa dessa situação degradante que a Casa vive – e ela vive. O mais grave Senador Jarbas, é que o que Vossa Excelência disse, Vossa Excelência mesmo disse, é o óbvio. Isso é que é grave.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – É.

O Senhor Cristovam Buarque (PDT – DF) – O mais grave, é que, como Vossa Excelência disse, não apenas existe corrupção, mas ela faz parte da paisagem. Isso é que é grave.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – A constatação do óbvio.

O Senhor Cristovam Buarque (PDT – DF) – O mais grave ainda é que o povo passa diante dessa paisagem, vê a paisagem, sente nojo da paisagem, e nós fazemos de conta que a paisagem não existe. E nós toleramos, aceitamos, viramos as costas, silenciamos, como vão tentar silenciar o seu discurso fazendo como se não tivesse acontecido; como vão tentar silenciar a sua entrevista como se ela não tivesse acontecido; como silenciaram o Ministro da Saúde, fazendo de conta que ele não tinha dito que a Funasa era um órgão de corrupção. Eu creio que o mais grave é a aceitação, que faz com que nos transformemos em uma Casa que tolera tudo isso, e a casa que tolera tudo isso tem um nome: casa de tolerância com tudo isso. É para essa desmoralização que o Senhor tanto chamou a atenção. Hoje, fico triste em dizer que – e aqueles que convivem aqui com os jovens devem saber – não estamos representando exemplos para a juventude brasileira. Quantos jovens, hoje, dizem: “Quero, em minha vida, ser Senador”? E eu falo,sobretudo, daqueles

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que não se lembram da idéia de tirar proveito do fato de ser Senador. Não estamos sendo exemplos. A sua entrevista deu demonstração de que era preciso mudar. Com isso, Vossa Excelência se transformou em um exemplo. Vossa Excelência está fazendo história, com aquela entrevista, com esse discurso e até mesmo com a sua cassação, com a sua exclusão da Comissão de Constituição e Justiça. Gostaria que algum partido o indicasse para uma comissão, Senador, em vez de Vossa Excelência se retirar de todas as Comissões. Outros partidos podem fazer isso. Fui indicado pelo PFL quando fui retirado de uma Comissão, em algum momento. Nada a ver como meu Partido, mas fui. Vossa Excelência pode ser indicado por outro partido. Teria, a meu ver, de continuar lá dando sua contribuição como brasileiro, acima dos partidos aos quais estamos filiados. Quero dizer que a sua demonstração de que os partidos estão hoje em situação degradada é verdade. Felizmente, embora os partidos tenham ficado todos iguais pelo lado negativo, ainda existe o lado de lá e o lado de cá, e eu estou do seu lado. Nós somos do mesmo lado, embora em siglas diferentes. Como alguém que é do seu lado, há quarenta anos, em partidos diferentes, quero lhe dizer que se tentam esquecer tudo o que Vossa Excelência disse, quero dizer que eu assino embaixo da sua entrevista, assino embaixo do seu discurso, mesmo discordando até, talvez, de alguns pontos da entrevista, porque não há por que ter concordância com tudo. Mesmo assim, em momentos em que alguém é perseguido por dizer a verdade, a coisa mais importante que a gente faz é assinar embaixo do que aquela pessoa disse. Eu assino embaixo do que o senhor está dizendo nesses dias, e espero que tudo isso seja apurado. E, se não for verdade, eu estou disposto, como subscritor do que o senhor disse, a ser punido. Agora, eu espero que, se for verdade, alguém seja punido. Para isso, esta Casa não pode esquecer

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esta tarde, não pode esquecer as suas denúncias. Temos que levar adiante, apurando tudo o que houve, seja alguma falsidade no que a gente diz, seja a realidade trágica do que a gente está afirmando. Eu fico contente de que, nesses 40 anos, estamos do mesmo lado e, nesse lado, eu assino embaixo do que o senhor disse e do que o senhor está falando hoje.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – O seu aparte, Senador Cristovam Buarque, além de nos tocar profundamente, já tinha sido publicado no Jornal do Commercio do Recife com este mesmo título “Eu assino embaixo”, em que Vossa Excelência reitera todos esses conceitos que emite aqui com relação a minha fala e a outras falas dessa mesma dimensão, com esses mesmos objetivos. Vossa Excelência, graças a Deus, tem marcado a presença do nosso Estado aqui, representando o Distrito Federal, da melhor maneira possível.

Eu ouço o nobre amigo Senador Pedro Simon. O Senhor Pedro Simon (PMDB – RS) – Nobre

Senador, não há dúvida de que a Nação está assistindo ao pronunciamento de Vossa Excelência com profunda emoção. Acredito que muitos devem estar surpresos. Seu pronunciamento não foi aquilo que imaginavam. Na verdade, alguns imaginavam que viessem nomes, biografias e histórias, mas Vossa Excelência deixou claro, na primeira entrevista, que o que tinha para dizer já tinha dito. O pronunciamento de Vossa Excelência, hoje, é aquilo que eu disse na primeira vez em que fui entrevistado sobre a entrevista de Vossa Excelência: nós temos de analisar, em cima do pronunciamento do Senador Jarbas, o que vamos fazer. Ele está dando um grande início, um início muito importante. Não há, eu duvido, alguém que não reconheça que se deva fazer alguma coisa; não há, eu duvido, alguém que não reconheça que precisa ser feito. Mas tem de iniciar.

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E, com esse seu pronunciamento feliz, competente, oportuno, correto, Vossa Excelência está iniciando. Acho que podemos discordar ou não – e eu concordo com Vossa Excelência –, mas o importante é que o método que Vossa Excelência está propondo hoje nós temos de aceitar. Nós temos de aceitar! Na verdade, nós somos os grandes culpados. É claro que um Congresso que tem medidas provisórias, que nos desmoraliza, que nos humilha, um Congresso onde os Partidos se dobram ao poder e às vontades do Poder Executivo – hoje, ontem e sempre – é difícil, mas nós, individualmente, podemos nos somar e fazer o que Vossa Excelência está propondo. Eu tenho dito, Senador, que seria muito importante uma manifestação da sociedade. Quando caiu a emenda das Diretas Já, e quando parecia que tudo estava acabado, foram os jovens nas ruas que fizeram com que o Tancredo transformasse o Colégio Eleitoral, que era uma mentira, num instrumento para derrubar a ditadura. Foram os caras-pintadas nas ruas. O Congresso, pressionado pelo Exército, que cercou a Casa, não teve condições de aprovar a emenda, e não faria nada. O povo nas ruas deu legitimidade. Seu discurso de hoje é o início e ninguém aqui, mais do que eu, pode dizer: “Pode ter alguém no Congresso com condições idênticas a de Vossa Excelência. Ninguém igual e, principalmente, ninguém mais, pela sua história, pela sua biografia, pelo seu passado.” Eu tenho dito: oito anos Prefeito de Recife, considerado o melhor Prefeito do Brasil; oito anos Governador de Pernambuco, considerado o melhor Governador do Brasil; a vida inteira dentro do MDB, ou fora da política, sempre com a correção, com a dignidade e com a seriedade. Vossa Excelência tem autoridade para fazer isso. E nós temos vontade, Senador, eu tenho certeza. Nós vivemos uma quadra muito triste. Vossa Excelência chamou atenção sobre a impunidade. Eu recebi uma carta do Presidente do Supremo, de certa forma

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cobrando de mim. Eu vou respondê-la e depois vou ler a carta dele e a minha resposta, porque eu abranjo o problema da impunidade. Acho que o problema não é – pelo amor de Deus! – o Supremo. Eu tenho o maior carinho, o maior respeito pelo Supremo. Não é o Supremo, não somos nós, mas é o conjunto de todos, porque a verdade é que, no Brasil, ladrão de galinha – e só ladrão de galinha – vai para a cadeia. Com o resto não acontece nada. Vossa Excelência fala em fundo de pensão, fala em apresentar um projeto para que político não possa ser nomeado para cargos de situação financeira de empreiteira. Isso é hoje, é ontem, isso é assim. Aqui, nesta Casa, vimos um dos maiores escândalos. Um Ministro de Estado, saindo da tribuna onde está Vossa Excelência, respondendo a um debate, foi para o telefone e renunciou ao Ministério, quando ficou claro que os fundos de pensão do Banco do Brasil, que estavam fechados para aprovar o Senhor Antonio Ermínio de Moraes e o seu grupo para comprar a Vale do Rio Doce... Formou-se um grupo, que foi o que ganhou, e seis dias antes criaram um novo grupo, e o fundo de pensão, que estava comprometido com um lado, foi para o outro lado. Foi quando o Ministro disse: “Nós chegamos ao limite da irresponsabilidade”, e daqui da Casa pediu a renúncia. Isso vem de longe e continua igual. Vossa Excelência diz bem. E me perdoem os meus irmãos do PMDB lá da Câmara dos Deputados, mas criar uma CPI para investigar... Até porque sabemos que o momento atual que o Congresso está vivendo, o Congresso, que fez grandes CPIs, e era um momento histórico da sua existência no passado, hoje, não! A CPI das ONGs, a CPI...

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Senador Pedro Simon, vou prorrogar o tempo do Senador Jarbas Vasconcelos, pela terceira vez consecutiva, com prazer, para que Vossa Excelência conclua o seu raciocínio e para permitir também ao orador que se encontra

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na tribuna e aos demais aparteantes que participem deste debate tão importante.

O Senhor Pedro Simon (PMDB – RS) – ...muito subjetivo. Os fundos de pensão, as diretorias financeiras, as reformas políticas, vamos partir do pronunciamento de hoje de Vossa Excelência e vamos adiante. Faço um apelo ao Líder do PMDB: vamos olhar para a frente. Se for preciso, Senador Renan, a minha vaga está disponível. Mas vamos retornar o Jarbas para a Comissão de Constituição e Justiça. Eu acho que seria um gesto muito positivo porque, independentemente do que acontecer, essa seria uma grande realidade. Tenho certeza de que o Senador Renan vai aceitar, e Vossa Excelência, que é muito complicado, também vai aceitar. Muito obrigado.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Senador Pedro Simon, muito bom o seu aparte, muito bom o seu pronunciamento, Vossa Excelência, que é um pioneiro no Senado Federal na luta contra a impunidade, contra a corrupção. Quando cheguei aqui, já acompanhava Vossa Excelência, não só como companheiro de Partido, mas pela amizade que nos une, e sempre tive uma profunda admiração pela sua conduta, pela sua ação, pelo combate diuturno, ontem, contra o regime autoritário; hoje, contra a impunidade e a corrupção. Eu fico muito feliz de incorporar esse discurso de Vossa Excelência.

Ouço o Senador Jefferson Praia, que foi um dos primeiros a pedir, e ficou na minha frente aqui. Peço desculpas. Com muita honra, ouço Vossa Excelência.

O Senhor Jefferson Praia (PDT – AM) – Senador Jarbas Vasconcelos, eu estava aqui, neste momento, fazendo uma reflexão sobre o que estamos tratando nesta tarde. Nós, na verdade, representamos 180 milhões de brasileiros. Este é o Senado. Estamos discutindo e refletindo sobre talvez o maior mal deste País, que é a questão que Vossa Excelência

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ressaltou na entrevista que deu à Veja sobre a corrupção no Brasil. Essa é a grande questão. E aí acredito que o grande salto que temos que dar, daqui para a frente, é definir como vamos sair. Vossa Excelência fez a sua parte, está dando início a um processo, como alguns dos oradores já colocaram. Como vamos fazer com que saiamos do discurso para as ações, para as ações práticas? Vossa Excelência já deu algum caminho também. Já falou, por exemplo, do nosso papel, que é fundamental, aqui no Senado. O Senado tem que fazer a sua parte. Nós temos que fazer a nossa parte. Nós não podemos apenas falar do que queremos – ou de algum coisa – como se não estivesse nas nossas mãos. Muita coisa está aqui nas nossas mãos. A reforma política – Vossa Excelência destacou, dentre outras questões nacionais – é algo sobre o que o povo espera que nós façamos alguma coisa. Portanto, eu aproveito esta oportunidade para fazermos uma reflexão neste início de noite. Sobre quantos assuntos temos que refletir? Por exemplo, eu tenho me reportado, junto com outros ilustres Parlamentares aqui, sobre a Amazônia. Eu gostaria de, num momento como este, estarmos aqui discutindo também a Amazônia. Portanto, temos que fazer a nossa parte. O Senado começar a ver como age nas comissões, nas decisões que tem que tomar. E, daí para a frente, nós poderemos começar a cobrar dos outros Poderes, do Poder Executivo, do Poder Judiciário, da sociedade como um todo, que cobra dos políticos – e com muita razão. Nós estamos aqui representando o povo dos nossos Estados. Eu aqui, junto com o Senador João Pedro e o Senador Arthur Virgílio Neto, represento o povo do Estado do Amazonas e gostaria de estar aqui falando o que eu estou dizendo neste momento a Vossa Excelência e aos demais Pares. Acredito que 180 milhões, com raríssimas exceções, gostariam de estar aqui. Não caberiam neste espaço todo do Congresso Nacional,

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interno e externo, é claro, mas, espiritualmente, estão ligados a essa questão e tenho certeza de que nos acompanham. Portanto, temos pela frente um grande caminho. Essa é uma questão que não vamos resolver de imediato. Mas podemos trabalhar no sentido de diminuirmos a intensidade da corrupção do Brasil, pois não dá mais para levarmos avante da forma como as coisas estão se dando. Vossa Excelência falou muito bem. Apenas disse o que está todo o mundo vendo. A imprensa vê. Os políticos vêem. O povo vê. Todo o mundo vê. Mas e aí? Faltam agora as ações. E eu me coloco à disposição de Vossa Excelência para ser um daqueles que vai estar ao seu lado e ao lado de outros companheiros para que possamos fazer este trabalho em prol da nossa sociedade. Eu não sou aqui melhor do que ninguém. Coloco-me nesta posição. Apenas procuro ser uma das pessoas que veio aqui pelos destinos da vida. Represento aqui um grande Senador, o Senador Jefferson Péres, que, se estivesse aqui hoje – ele faz falta –, falaria melhor do que eu 10 mil vezes e estaria aqui expondo sua posição. E eu não poderia ficar sem falar em nome do nosso povo, do povo do Estado do Amazonas e do povo brasileiro. Portanto, solidarizo-me com Vossa Excelência. Vamos continuar debatendo cada vez mais. É dessa forma que o Brasil vai avançar. Vossa Excelência coloca posições importantíssimas e tenho certeza de que o Brasil vai avançar paulatinamente, porque isso é um processo e não se dá de uma hora para outra. Existe corrupção, a corrupção já está praticamente em todos os países. Ninguém vai acabar com a corrupção no mundo nem no Brasil, mas da forma como está... Para fazer com que as instituições funcionem, temos que começar pela nossa Casa, pelo nosso Senado da República. Muito obrigado pelo aparte.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – A corrupção e a impunidade, Senhor Senador, caminham

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juntas, e nada melhor nesta tarde do que o aparte de Vossa Excelência. E Vossa Excelência chegou aqui para completar o mandato de um grande brasileiro, Jefferson Péres, e tem se comportado como ele, assíduo, responsável, sempre presente ao debate, sempre dando a sua contribuição. Nunca cheguei a este plenário para não encontrar Vossa Excelência aqui, sempre atento e sempre responsável. De forma que o aparte de Vossa Excelência para mim é engrandecedor.

Quero, Senhor Presidente, avançar um pouco para ouvir mais duas ou três pessoas, se Vossa Excelência me permite, e deixar registrado o meu agradecimento a sua tolerância e a sua benevolência.

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Terá Vossa Excelência o tempo necessário para concluir o seu pronunciamento.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – A impunidade estimula a corrupção, é um cancro que precisa ser extirpado.

Apesar das promessas reiteradas em cada discurso de posse, a cultura da impunidade não apenas permanece entre nós, mas se estabelece em bases sólidas em um terreno cada vez mais fértil.

Em outros países – e temos diversos exemplos recentes – uma mera suspeita é suficiente para que haja uma renúncia, a fim de que alguém rejeite uma colocação pública. E essa iniciativa não representa uma confissão de culpa, como alguns poderiam dizer. Significa apenas a sensatez de separar o espaço público das pendências privadas.

No Brasil dos dias atuais, a certeza da impunidade dá uma força tremenda a quem não agiu com lisura e correção. As pessoas se agarram aos cargos como mariscos no casco de um navio – não caem nem nas maiores tempestades.

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Senhor Presidente, a corrupção é um fator de desagregação política e social. Ela conduz ao desgaste e enfraquece profundamente a legitimidade do poder constituído.

A partir dessa constatação, gostaria de apresentar mais duas propostas que julgo serem de grande importância, apesar de não serem originais, pois recorri a um documento amplamente difundido há alguns anos. Estas sugestões vou fazer na Frente Parlamentar Anticorrupção:

Primeira – A criação de uma agência anticorrupção, com participação do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União e de representantes da sociedade civil, para detalhar um Plano Nacional de Anticorrupção.

Segunda – A retomada do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que pretende acompanhar, junto aos Tribunais Regionais Eleitorais e ao Tribunal Superior Eleitoral, todos os processos relativos às denúncias de compra de votos e uso eleitoral da máquina administrativa.

Eu gostaria também de citar o trecho de um documento que tive oportunidade de ler recentemente:

“A corrupção no Brasil tem raízes históricas, fundamentos estruturais e impregna a cultura de setores importantes do espectro social, político e econômico. A prática de corruptos e corruptores na esfera do poder se dissemina pela sociedade, como exemplo negativo que vem de cima. O compromisso em erradicá-la não pode se limitar a uma prática de denúncias eventuais e, muito menos, servir a fins eleitorais ou políticos imediatos. Ela exige uma intervenção enérgica pelo fim da impunidade e requer ampla ação cultural educativa pela afirmação dos valores republicanos e democráticos da nossa vida política.”

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Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, essas duas propostas que acabei de apresentar e também o texto citado constam do documento “Combate à corrupção – compromisso com a ética”, parte do “Programa de Governo de 2002 Lula Presidente”.

Tomei a liberdade de incorporá-las ao meu discurso, porque considero que traz abordagens atuais, corretas e, principalmente, por nunca terem sido postas em prática pelo atual Governo.

Senhor Presidente, encerro o presente discurso com um elogio à CNBB, que, entre os temas da Campanha da Fraternidade deste ano, defende denunciar os crimes contra a ética, a economia popular e as gestões públicas, assim como a injustiça nos institutos da prisão especial, do foro privilegiado e da imunidade parlamentar para crimes comuns. É essa a postura que se espera da sociedade civil, das igrejas, das entidades de classe e da imprensa. A mudança de postura que se faz necessária num Congresso Nacional só virá pela pressão de todos.

Antes de terminar, Senhor Presidente, se Vossa Excelência permitir um pouco mais de tolerância, eu ouvirei os dois Líderes: o Líder do PSDB, Arthur Virgílio, e o Líder do PSB.

O Senhor Valter Pereira (PMDB – MS) – Só para lembrar, Senador Jarbas, Vossa Excelência não concedeu aparte a nenhum companheiro seu de Partido.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Citei o melhor de todos aqui: o Senador Pedro Simon.

O Senhor Almeida Lima (PMDB – SE) – Vossa Excelência não concederá aparte, Senador Jarbas Vasconcelos?

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Vossa Excelência está meio armado com relação a mim.

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O Senhor Almeida lima (PMDB – SE) – Senador Jarbas, Vossa Excelência não concederá aparte?

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Concedi aparte ao Senador Arthur Virgílio e ao Líder do PSB.

O Senhor Almeida Lima (PMDB – SE) – E consulto Vossa Excelência se me concederá aparte. Senador Almeida Lima. Consulto se me concederá aparte.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Vou ouvi-lo.

O Senhor Almeida Lima (PMDB – SE) – Obrigado. O Senhor José Nery (PSOL – PA) – Senador Jarbas

Vasconcelos, eu gostaria de falar depois, se possível, com breves palavras, para cumprimentá-lo.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Vou ouvi-lo. Se a Presidência permite, o Senador Aloizio Mercadante também.

Senador Arthur Virgílio, com muita honra. O Senhor Arthur Virgílio (PSDB – AM) – Considero,

Senador Jarbas, que ficaria até monótono se todos os apartes fossem de louvação ao seu pronunciamento. Então é bom que ouça mesmo todas as vozes e que cada uma se manifeste de acordo com o que o espírito dita a partir do coração para o cérebro. Mas, muito bem, eu gostaria de registrar que Vossa Excelência salvou, com esse discurso, a tarde modorrenta, cheia de mesmice, do Senado, hoje. Vossa Excelência nos fez viver um belo momento de atividade parlamentar. Vossa Excelência é um daqueles Parlamentares que não dependem de posição institucional para ter a importância que têm. E já era assim há muito tempo, desde quando fomos colegas de Câmara dos Deputados no enfrentamento ao regime autoritário. Nunca vi Vossa Excelência exercendo a função de líder partidário, mas jamais vi Vossa Excelência sendo ignorado na sua opinião pela opinião pública, pela imprensa, pelos seus

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colegas, pelos seus adversários. E é respeitado pelos seus adversários. Eu não me intrometo nos assuntos dos partidos, então, os líderes indicam quem bem querem, é da tradição; por outro lado, há espaço para que eu diga a Vossa Excelência que Vossa Excelência tem toda uma vocação para estar na Comissão de Constituição e Justiça, e Vossa Excelência tem o meu lugar. Está à sua disposição o meu lugar de membro da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para que continue integrando aquele colegiado tão importante que muito perderia sem a sua presença. O fato é que Vossa Excelência deu uma entrevista que foi o grande momento político do Brasil neste ano de 2009, em crise, com tantos acontecimentos intensos. Não vi nada mais importante que tenha repercutido mais fortemente junto à opinião pública do que a entrevista que Vossa Excelência deu às páginas amarelas da revista Veja. Estamos todos hoje aqui mobilizados em torno do seu discurso sereno.

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Prorrogo o tempo do orador que se encontra da tribuna por mais 30 minutos.

O Senhor Arthur Virgílio (PSDB – AM) – Em nenhum momento, vi Vossa Excelência sair para o panfleto, sair para a provocação. Discurso sereno, típico de quem governou o seu Estado por mais de uma vez, a sua cidade por mais de uma vez e que já viveu diversas experiências no Parlamento. E tudo isso a credenciá-lo à posição de respeitabilidade que desfruta hoje. Nós temos que trabalhar com coisas práticas e Vossa Excelência se referiu a fatos práticos e conta desde já com o meu endosso e sei que com o endosso do meu partido por inteiro. Na entrevista, talvez Vossa Excelência tenha sido até um pouco duro naquele embalo em que ia dizendo que os partidos eram mais ou menos iguais e não teria para onde ir. Vossa Excelência teria para onde ir, sim. O meu partido tem pessoas decentes, de caráter, e meu partido

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seria e será um abrigo para Vossa Excelência tão assim Vossa Excelência solicite esse abrigo ou imagine que desse espaço necessita para tocar a sua brilhante carreira pública. Mas veja Vossa Excelência, eu... e nem a propósito, sabendo que amanhã elegeremos o Senador Demóstenes Torres Presidente da Comissão de Justiça da Casa, pedi ao Senador Demóstenes, como primeiro gesto, que tocasse para frente todos os projetos que tivessem a ver com moralidade pública. Tenho um no meio desses todos: é um projeto de resolução. Não tem que ir para a Câmara, não tem que perder tempo com nada, é uma decisão do Senado para vigorar no Senado. E acertamos que o ideal seria entregar a relatoria para Vossa Excelência na Comissão de Justiça. Meu projeto diz que a vida pregressa dos Senadores deve ser passível de exame pela Comissão de Ética sim. Afinal de contas, o decoro não é só a partir do momento em que se é Parlamentar. Suponho que alguém, para se eleger Parlamentar, deva ser decoroso. Suponho isso. Alguém mata e rouba para ser Senador e, depois, não pode ser julgado pela Comissão de Ética da Casa, apesar de ter matado e roubado, para ser Senador. Ora, fica algo impossível de ser entendido pela sociedade brasileira. O Senador Demóstenes me disse que assume e, imediatamente, designa o Relator dessa matéria. E espero mesmo, se Vossa Excelência aceita a oferta, que o Relator seja Vossa Excelência. Estamos aqui num quadro de paralisia. Hoje não votamos, e o PSDB não concorda com votação enquanto não escolhermos os presidentes das comissões. Defendemos o critério da proporcionalidade; defendemos o respeito àquilo que o povo ditou. Cada Partido tem o seu tamanho. O meu é o terceiro. Não quero, portanto, as posições do primeiro, mas não aceito as posições do quinto, de jeito nem qualidade, como diria um bom pernambucano, como meu avô e como Vossa Excelência. E veja a situação estranha a que está relegado o

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Senado hoje. Alguém diz: as comissões estão sem presidente? Não, elas estão com presidente. Na CAE, o Presidente é o Senador Eliseu Resende e o Vice é o Senador Pedro Simon; na Comissão de Assuntos Sociais, o Presidente é o Senador Paulo Duque e o Vice é o Senador João Durval; na Comissão de Justiça, o Presidente é o Senador Pedro Simon e o Vice é o Senador Romeu Tuma; na Comissão de Educação, o Presidente é o Senador Romeu Tuma e o Vice é o Senador Francisco Dornelles; na Comissão de Meio Ambiente, o Presidente é o Senador Eliseu Resende e o Vice é o Senador Valter Pereira; na Comissão de Direitos Humanos, o Presidente é o Senador Paulo Duque e o Vice é o Senador Eliseu Resende; na Comissão de Relações Exteriores, Senador Eduardo Azeredo, o Presidente é o Senador Paulo Duque e o Vice o Senador Pedro Simon; na Comissão de Infraestrutura, o Presidente é o Senador Paulo Duque e o Vice, o Senador Eliseu Resende; na Comissão de Desenvolvimento Regional, o Presidente é o Senador Marco Maciel e o Vice, o Senador Antonio Carlos Valadares; na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, o Presidente é o Senador Romeu Tuma e Vice, o Senador Neuto de Conto; na Comissão de Ciência e Tecnologia, o Presidente é o Senador Camata e o Vice é o Senador José Agripino, com exceção de algumas...

O SENHOR ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB – AM) – (Risos.) Senador, isso não faz jus à sua jovialidade. Tenho criticado a inação desse início do Presidente Sarney. Tenho dito a ele: Presidente, vamos começar a agir e eu paro de criticar, mas, se não começarmos a agir, vou ter que continuar criticando. Não estou aqui para ficar perdendo as minhas tardes e perdendo as minhas manhãs esperando que as coisas aconteçam, se elas acontecerem, e a crise lá fora e nós aqui bancando a nobreza brasileira, na Ilha Fiscal, de ressaca, e a República sendo proclamada na madrugada por

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Deodoro da Fonseca. Temos que elogiar. Com exceção de algumas pessoas de reconhecida jovialidade, como tantos aqui, pode-se dizer que, no primeiro momento da sua gestão, o Senador Sarney prestigiou a sua geração como jamais ninguém e isso não pode perdurar; isso aqui, inclusive, não reflete a proporcionalidade; se refletisse, seria mais equilibrado. Como não reflete, nós não poderíamos mesmo acorrer a uma comissão dessas para votar coisa alguma. Nomes respeitáveis, nomes queridos, nomes estimados, mas não reflete a proporcionalidade, não reflete o jogo de forças que está estabelecido aqui, no Senado. Entendo que nós precisamos mesmo tomar medidas muito claras contra este mal, este câncer que é a corrupção e com atitudes pontuais. Vossa Excelência agora fez um discurso para mim melhor do que faria se se dispusesse ao simples bate-boca com quem quer que fosse aqui, nesta Casa. Vossa Excelência propôs três ou quatro medidas que devem ser meditadas e estudadas por nós. Eu pretendo ver o meu projeto que estuda a vida pregressa dos Senadores votando o quanto antes – teria muita honra se fosse Vossa Excelência o Relator da matéria –, mas, de qualquer maneira, que os Senadores digam: eu, fulano de tal, concordo com esse projeto; eu, beltrano, não concordo, e explique por que, às claras. Eu acabei de sair de uma aliança com o meu querido amigo, Senador Tião, mas eu não tenho o mesmo talento da CUT para pôr outdoor; eu não vou pôr outdoor com o nome de ninguém na rua, não, dizendo... Mas é óbvio que cada um tem que colocar a sua própria face. Por que não quer? Então, diga: eu não quero porque o projeto é defeituoso nisso e naquilo. Não dá para a gente embargar na gaveta, não dá para se dizer que o projeto não foi julgado por qualquer razão que não o não. Então tem que dizer: não, o projeto não é útil, não é adequado, devemos deixar a jurisprudência atual, devemos deixar que seja possível uma

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pessoa matar, roubar, fraudar, se elege e, depois, não tem nenhuma satisfação a dar a ninguém porque só se olha para o futuro. Então é ótimo: o sujeito mata, rouba, frauda, chega aqui, não comete mais nem assassinato, nem fraude, nem roubo, ninguém mexe mais com a vida dele, embora a gente conheça que, na vida pública brasileira, não são raros os reincidentes. Eu, portanto, saúdo o discurso de Vossa Excelência como uma peça madura – e é tautológico de minha parte me referir à maturidade de Vossa Excelência –, mas um discurso que, pela sua própria importância, mobilizou tantas pessoas. Eu acharia mesmo injusto se Vossa Excelência não concedesse aos seus colegas de Partido o aparte por eles solicitado tão fervorosamente. Enfim, Vossa Excelência teria mesmo de ouvi-los, como teria de ouvir a todos. Seria injusto que Vossa Excelência não ouvisse tantos admiradores seus que estão aqui para saudá-lo. Portanto, eu sinto que este é um dos momentos em que a Mesa tem de agir como está agindo o Presidente Marconi Perillo: nada daquele tempo... Nesta hora não tem Regimento. Qual é o Regimento? O Regimento de um Senado que está sem votar há um mês e dois dias, um Senado que está sem deliberar há um mês e dois dias, um Senado que está discutindo quem tem direito e quem não tem direito de presidir uma comissão, quando a gente sabe muito bem quem tem e quem não tem direito de presidir uma comissão? A gente sabe muito bem quem tem e quem não tem pela simples matemática dos votos que as urnas nos deram e que a proporcionalidade aqui reflete. É uma discussão bizantina, uma discussão até apedeuta, aqui para nós, Senador Jarbas Vasconcelos. Portanto, meus parabéns a Vossa Excelência pelo seu pronunciamento. Eu digo a Vossa Excelência que essa cruzada terá muitos seguidores. Eu tenho visto a repercussão que seu pronunciamento e seu nome têm encontrado no País. Percebo isso pela minha

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terra. Tenho andado menos, hoje em dia, pela terra dos outros e tenho andado muito pela minha terra e tenho observado o quanto de admiração se acresceu à admiração de base que Vossa Excelência já tinha em meu Estado, pela atitude corajosa de ter proposto algo para o debate. Vossa Excelência foi duro em relação a seu Partido, Vossa Excelência foi duro em relação à inércia com que, de um modo geral, o segmento político enfrenta esse drama da corrupção e manifestou sua opinião. Eu não vejo, no Código Penal, nada que capitule como crime o que Vossa Excelência disse. Não vejo. Não sou nenhum especialista em Direito, mas eu conheço muito bem o que é crime e o que não é. Vossa Excelência opinou e opinou com muita autoridade e trouxe um debate que despertou a Nação, que fez a Nação acordar. Vossa Excelência beliscou a Nação. Fez muito bem em beliscá-la. Portanto, não terá, de parte do PSDB, ninguém que negue fogo nesse chamamento que Vossa Excelência faz a nós para enfrentarmos em conjunto uma das chagas que mais é responsável por prostituição infantil, por menor que pratica crimes, por favelas dominadas por tiranetes do tráfico, por soldadinhos que morrem aos 15 anos por estarem protegendo as bocas de tráfico nas favelas das grandes metrópoles... A sua e a minha também já estão incluídas entre essas, não são mais apenas o Rio de Janeiro e São Paulo. A corrupção não é feia apenas porque é bonito ser honesto, segundo uma boa avó nossa poderia ter ensinado; a corrupção é ruim porque ela mata, porque ela mutila, porque ela prostitui as gerações; ela é ruim porque empobrece, ela é ruim porque concentra renda nas mãos de gente que não merece. Ela é ruim por tudo isso. E é por isso que eu digo que Vossa Excelência não precisa falar muito para ser o grande Senador que é, nem precisaria estar no Senado para ser o grande homem público que merece, já de

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muito tempo, o meu respeito. Muito obrigado, Senador Jarbas.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Muito obrigado, Senador Arthur Virgílio, a Vossa Excelência que tem desempenhado aqui um papel tão importante como Senador, como Líder do PSDB, representante do Amazonas. E agora, com esse entendimento entre Vossa Excelência e o nobre Senador Demóstenes Torres, de agilizar esse processos que visam à moralização dos costumes, é fundamental, é importante a gente dar esse exemplo à sociedade porque, sem a mobilização da sociedade, sem o despertar da sociedade, sem a pressão da sociedade exercida de forma legítima, a gente não vai a lugar nenhum, não alcança nenhum objetivo.

Ouço o nobre Líder do PSB, Senador Renato Casagrande.

O Senhor Renato Casagrande (Bloco/PSB – ES) – Muito obrigado pelo aparte, Senador Jarbas. O Senador Eliseu já chegou aqui para reivindicar suas propostas, Senador Arthur Virgílio, de várias comissões aqui indicadas pelo Senador Arthur Virgílio para o Senador Eliseu. Quero dizer apenas que Vossa Excelência traz a este Senado um debate sobre a crise institucional que estamos vivendo. Não fez nenhuma acusação direta a nenhuma pessoa, nem mesmo a nenhum Partido, mas levantou um tema que é necessário para o debate neste Senado e no Congresso Nacional. Até porque nós, de fato, nos últimos anos, nos últimos meses – fui Deputado Federal antes de vir ao Senado –, estamos vivenciando, desde a legislatura passada, momentos de escândalo que se abatem sobre o Congresso. Parte dessa responsabilidade é pela fragilidade das nossas instituições. Temos uma jovem democracia que não tem ainda a maturidade e o aperfeiçoamento necessário das instituições exercendo o seu papel e suas funções. Ao

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mesmo tempo, nós, que temos um Congresso hoje livre, também nos ausentamos muitas vezes de nossas prerrogativas. Vossa Excelência falou do tema da reforma política. Eu, em abril de 2008, apresentei um requerimento para que pudéssemos discutir, numa comissão mista do Congresso Nacional,...

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Eu me lembro.

O Senhor Renato Casagrande (Bloco/PSB – ES) – ... a reforma política, mas nós não tivemos capacidade de colocar uma comissão mista para funcionar, porque a Oposição, com medo da discussão sobre o terceiro mandato, e as outras lideranças da Base também, não se mobilizaram para que pudéssemos começar. Não fizemos o debate da reforma política e o Congresso apresentou proposta numa matéria que não é prerrogativa do Executivo. O Governo apresentou uma matéria que não é prerrogativa dele, é prerrogativa do Congresso Nacional. Apresentou, de fato, de uma forma equivocada, na minha avaliação, de forma fatiada. A reforma política tem que ter um arcabouço, tem que ter um esqueleto que se articule, que comunique um projeto com o outro, uma decisão com a outra. Então, nós reclamamos aqui muitas vezes, mas nós demoramos, nós não temos aqui uma dinâmica interna que permita que tomemos as decisões necessárias para que nós possamos dar o exemplo. Então, nós precisamos fazer a nossa parte, mesmo sabendo que o que estamos fazendo são reformas de instituições ultrapassadas. Neste momento, em que estamos com tecnologias novas, é inconcebível, por exemplo, que nós não aprovemos na Câmara um projeto que já foi aprovado aqui no Senado, que é o da transparência. Hoje, o ente da Federação mais transparente é a União. Poucos governos estaduais – o de Pernambuco, do Governador Eduardo Campos, tem um nível de transparência até razoável...

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Lembro que o Governador Eduardo Campos, como Vossa Excelência, é pernambucano. Mas temos poucos governos que têm o Portal Transparência, poucos Municípios têm o Portal Transparência. A transparência ajuda a combater a impunidade. Então, temos muitas coisas que, de fato, precisamos fazer, não vamos fazer todas de uma vez, mas o Congresso tem que cumprir a sua pauta. E para cumprirmos a nossa pauta, temos de sair de fato dessa letargia que já tomou conta de nós há algum tempo. Obrigado, Senador.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Obrigado, Senador Renato Casagrande, que também tem se constituído, nesta Casa, em uma voz valorosa em favor de reforma política e de outras reformas. Ouço o Senador José Agripino e, em seguida, o Senador Valter Pereira.

O Senhor José Agripino (DEM – RN) – Senador Jarbas Vasconcelos, não estamos aqui nem derrubando a CPMF, nem aprovando a Lei Geral das Microempresas, nem fazendo com que o Governo retire a MP nº 232, nem estamos votando e aprovando a Lei de Falências, mas estamos vivendo um bom momento no Congresso, porque estamos sacudindo um assunto que nunca poderia estar dormindo, que é o assunto da corrupção. Em boa hora Vossa Excelência deu aquela entrevista à revista Veja, entrevista que teve enorme repercussão. Repercussão pelo assunto? Não. O assunto corrupção está nas páginas dos jornais e nas matérias da TV todos os dias. A matéria teve repercussão porque Vossa Excelência, cortando na própria carne, acusou o seu Partido e, corajosamente, acusou a corrupção endêmica a que o País assiste, com a autoridade de quem é político, como eu, há quarenta anos e de quem tem ficha limpa. Agora, importante é fazer o discurso, dar entrevista, e Vossa Excelência está aqui dando sequência à

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sua ação, porque importante não é o discurso, é sair do discurso para a ação, é ver o que nós temos de fazer. Senador Jarbas, Vossa Excelência foi Prefeito de uma grande capital, Recife, foi Governador de um grande Estado, Pernambuco; eu fui Prefeito da minha capital, fui Governador duas vezes do meu Estado e sou Senador há três mandatos. Eu não respondo a um único processo. Acho que Vossa Excelência também não.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Não.

O Senhor José Agripino (DEM – RN) – Eu queria que Vossa Excelência concordasse comigo numa coisa. Eu acho que a gente tinha que fazer uma agenda de coisas a fazer, de compromissos a cumprir. Há algumas matérias que devem ser apreciadas, votadas e aprovadas, como solução tópica para o mal da corrupção, que é um mal que não lhe aflige, que lhe deu autoridade para fazer o discurso que está fazendo, para dar a entrevista que deu e para receber o respeito do País que tem. Quando Vossa Excelência foi Prefeito de Recife, e eu me lembro fui Prefeito de Natal, ou quando Vossa Excelência foi Governador de Pernambuco, e eu fui do Rio Grande do Norte, Vossa Excelência foi apoiado por um, dois ou três Partidos políticos, que o apoiaram como me apoiaram não em troca de alguma coisa, mas por apoio às suas idéias, ou as minhas idéias. Nós escolhemos quem nós quisemos naqueles Partidos que nos apoiaram. O que acontece hoje? Existe, hoje, uma praga chamada grupo. Existe Partido que tem um, dois ou três grupos. O atual Governo da República fatia por grupos políticos, e não por partidos políticos, a base de sustentação, e recebe as indicações sem fazer o devido filtro. Nomeia quem indicam os grupos que têm compromisso não com as idéias do Governo, mas com seus próprios interesses, e daí surge a corrupção, que é muito mais no Poder Executivo, que é

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quem nomeia ou demite, do que no próprio Poder Legislativo. O que vai acabar com o grupo? É a reforma política, é o fortalecimento dos partidos políticos, é o compromisso do eleitor com as idéias dos Partidos. E os Partidos que elejam um Presidente da República, que, eleito, aí, sim, com o apoio de dois, três ou quatro Partidos e não de 20 Partidos, possa escolher figuras eméritas, respeitáveis e nomear pessoas corretas não oriundas de grupos, mas de partido político que mereça respeito, porque fez campanhas com idéias. Eu acho que, na essência, é isso que Vossa Excelência defende, que é o que eu defendo, com a autoridade de quem está há quarenta anos na vida pública e não responde, como eu, a nenhum processo. Então, tem autoridade para falar, para se manifestar e para propor ações. A reforma política, Senador Jarbas Vasconcelos, com o fortalecimento dos partidos políticos, é pedra de toque para que comecemos uma guerra, uma guerra santa contra a instalação da corrupção neste País, para acabar com uma praga chamada “grupo político”, que é apelido de partido político que não se dá ao respeito. Quero, portanto, cumprimentando Vossa Excelência, dizer que tenho a honra de me colocar como seu parceiro e como seu amigo. Fui candidato a Presidente desta Casa, fui honrado com o seu apoio e com o seu voto, voto de qualidade e voto de estímulo. Quero dizer a Vossa Excelência que vamos estar juntos muitos anos pela frente, trabalhando pelo nosso País. Cumprimentos a Vossa Excelência.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Se Deus quiser! Para mim, é muito importante o apoio de Vossa Excelência, que é um apoio que tem sido reiterado ao longo da minha presença, desde fevereiro de 2007. Vossa Excelência, atento como é, na dimensão que tem, não deixa passar nada nesta Casa que contrarie os bons costumes, a legislação, o

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Regimento, e tem-se comportado como um autêntico líder, não apenas do seu Partido, o DEM, mas como um grande líder do Senado. Eu tenho um grande estímulo pela nossa amizade e pela nossa convivência. Ouço o Senador Valter Pereira e, em seguida, o nobre Líder do PT. Senador Aloizio Mercadante.

O Senhor Valter Pereira (PMDB – MS) – Senador Jarbas Vasconcelos, Vossa Excelência do respeito e da admiração que sempre devotei à sua conduta.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – E a recíproca é verdadeira, Senador.

O Senhor Valter Pereira (PMDB – MS) – Tanto historicamente, no combate à ditadura, como na passagem que teve na administração e no Parlamento do Estado e do País. Mas não poderia ficar calado porque, há poucos dias, subi a essa tribuna e fiz um reparo à entrevista que Vossa Excelência concedeu à revista Veja – e Vossa Excelência não estava presente. Isso me trouxe um desconforto, mas eu não poderia deixar de falar naquele dia, para não perder a oportunidade, já que o assunto estava efervescendo exatamente naquela ocasião. E o reparo que fiz não foi quanto ao núcleo da sua entrevista, porque Vossa Excelência, no núcleo, combateu a corrupção, que é o que faz hoje nessa tribuna. Mas fiz um reparo quanto à condição que Vossa Excelência colocou o nosso Partido, o PMDB. E, ali, realmente senti-me ferido. Senti-me ferido porque o PMDB é um Partido a quem devoto uma fidelidade histórica. Como instituição ninguém, neste parlamento e fora dele, pode negar a trajetória de trabalhos, de serviços prestados ao nosso País. E é exatamente em função disso que, hoje, o PMDB tem mais de 15 milhões de simpatizantes, tem mais de oito mil Vereadores, tem mais de 1.300 Prefeitos, tem sete Governadores. E é um Partido que tem, indiscutivelmente, a maior capilaridade. E, nesse extraordinário universo, nós

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encontramos Prefeitos da melhor estirpe, Governadores competentes, parlamentares da melhor qualidade. E, no momento em que fui à tribuna, o meu desejo era desagravar o PMDB sem, contudo, reconhecer que o núcleo do combate de Vossa Excelência estava na corrupção. E, aí, nós somos parceiros; no combate à corrupção, sim, nós somos parceiros. Mas, na responsabilização do PMDB, aí eu tenho que divergir de Vossa Excelência, embora Vossa Excelência tenha realçado também, na sua entrevista, que, de repente, não encontrava outro paradeiro, porque via o céu nublado por todos os cantos. Mas o que ficou evidenciado, o que ficou patenteado ali, o que foi explorado pela imprensa foi a crítica que Vossa Excelência fez ao nosso Partido, ao PMDB, e foi aí a minha contrariedade. Hoje, Vossa Excelência se posta como algoz da corrupção, e não do PMDB. E aí eu sou compelido a aplaudi-lo, sou compelido a estender-lhe a mão, porque a corrupção, Senador Jarbas Vasconcelos, é o cupim da República, segundo as palavras do nosso saudoso líder e comandante Ulysses Guimarães. Mas é o cupim que está no PMDB e fora dele. Basta voltar os olhos para alguns dias atrás, quando o Tribunal Superior Eleitoral estava fazendo julgamento de um Governador que não era do PMDB e foi afastado por corrupção. Hoje, certamente está ocorrendo outro julgamento e alguém que também não é do PMDB; e há também Governadores, Prefeitos espalhados por todos os partidos, incluindo o PMDB. Por quê? Porque está espalhada a corrupção no tecido social; está espalhada a corrupção na República brasileira, nos partidos e fora dos partidos. Mas o PMDB jamais pode ser colocado como o responsável pela corrupção ou aquele que está mergulhado nela. É claro, e aqui vai um pergunta: qual é o partido político que não teve algum de seus componentes enredados em problemas de corrupção, em denúncias de corrupção? Talvez tenha um ou dois ou três daqueles que também não têm prefeitos, que

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não têm governadores, que não têm representantes no Congresso, ou que tem um ou dois, porque ela é proporcional também à representação de cada partido. Portanto, Senador Jarbas Vasconcelos, Vossa Excelência hoje faz um pronunciamento sério, responsável, sereno, como tem pontilhado a ação de Vossa Excelência nesta Casa e, neste particular, nós nos identificamos, nós temos de aplaudir Vossa Excelência. Mas eu gostaria de fazer um parênteses antes de encerrar este aparte. Eu acredito que existe um pecado original em toda essa crise ética que tem em nosso País, e ele está na Assembléia Nacional Constituinte, da qual nós participamos. A convocação da Assembléia Nacional Constituinte foi acometida de um pecado original. Foi uma constituinte congressual, uma constituinte que permitia ao legislador legislar em causa própria. Aí está um defeito, sim; um defeito que, simplesmente, deformou a representação federativa. Hoje nós temos uma hipertrofia do Poder Executivo, uma hipertrofia da União, a atrofiar os Municípios, os Estados e os Poderes.

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo PSDB – GO) – Senador Jarbas Vasconcellos, com muito prazer, esta Presidência já concedeu a Vossa Excelência 1 hora e 52 minutos. Fiz isso porque considero relevantíssimo o pronunciamento e todos os apartes. Além do aparte do Senador Valter Pereira, existem ainda quatro Senadores que solicitaram de Vossa Excelência aparte. Vou conceder a Vossa Excelência mais 15 minutos, esperando que esse tempo seja suficiente para que os demais aparteantes possam ser bastante decisivos e concisos em seus pronunciamentos, até porque grande parte desse tempo também foi destinado aos apartes.

Concederei a Vossa Excelência, portanto, mais 20 minutos.

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O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Obrigado.

O Senhor Valter Pereira (PMDB – MS) – Vou concluir já. Mas veja o seguinte, Senador Jarbas Vasconcelos. Acho que Vossa Excelência traz à colação uma discussão da mais alta importância, porque temos de rediscutir tudo. Esse desequilíbrio que existe entre os entes federativos precisa ser discutido, porque o prefeito, hoje, que não tiver os recursos da União, se for administrar um Município pequeno, não dá conta. Hoje mesmo, fiz um pronunciamento sobre isso. O Estado que não tiver uma estrutura econômica, uma atividade econômica robusta também não tem condições de sobreviver sem ajuda da União Federal. Portanto, enquanto não se eliminarem essas dependências de Estados e Municípios da União Federal, dificilmente vamos estancar essa hemorragia da corrupção. Meus parabéns a Vossa Excelência. Acho que Vossa Excelência traz, sim, uma discussão. Mas os cumprimentos que faço a Vossa Excelência são com aquela restrição a que me referi: a de que o PMDB não é o paladino da corrupção. O PMDB faz parte de um sistema todo, que precisa ser reformulado. Aqui não existe nenhum partido político que age como seminarista, porque o partido político não é um seminário.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Senador, é evidente que eu não o incluiria em nenhuma lista de malfeitor. Entendi sua ida à tribuna e gostaria só de relembrar, mais uma vez ,que falei em grande parte do PMDB. É evidente que jamais poderia falar no conjunto do PMDB.

Senhor Presidente, este meu discurso, este debate sobre corrupção, enriquecido pela presença inclusive de deputados federais, que se deslocaram até aqui, só foi possível pela compreensão, pela responsabilidade e pela dimensão de Vossa Excelência. Uma outra pessoa aí talvez

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não tivesse tido a sensibilidade que Vossa Excelência teve de prorrogar tantas vezes esta sessão para que pudéssemos chegar a este ponto. De forma que seria injusto da minha parte, Senador Marconi Perillo, eu que conheço o seu passado, o seu presente, que conheço a sua luta, não fazer este registro, de público para ficar incorporado inclusive ao meu discurso. De forma que agradeço muito a Vossa Excelência.

Não vou finalizar o discurso, vou ouvir, na ordem, os quatro Senadores que faltam: o Senador Mercadante, a Senadora Lúcia Vânia, o nobre Senador Almeida Lima e, para encerrar o meu discurso, o Senador José Nery.

O Senhor Geraldo Mesquita Júnior (PMDB – AC) – Senador Jarbas.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Senador Aloizio Mercadante.

O Senhor Geraldo Mesquita Júnior (PMDB – AC) – Senador Jarbas, é só para Vossa Excelência me incluir também.

O Senhor Aloizio Mercadante (Bloco/PT – SP) – Senador Jarbas, eu queria dizer que, primeiro, Vossa Excelência tem uma atitude na política, que eu reconheço e valorizo, que é a coragem política de falar o que pensa. Acho que isso é muito importante na democracia e no debate político. E eu tenho tido tanto capacidade de negociar e convergir sobre algumas matérias relevantes com Vossa Excelência, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça, quanto de divergir sobre alguns aspectos que eu acho que também são muito relevantes. Sobre a questão da corrupção, esse é um tema permanente na história política, desde a Grécia Antiga, e um tema muito importante para a oposição na disputa política. E, no Brasil, ele tem uma importância estratégica, porque viemos de uma cultura de um Estado patrimonialista, de uma lógica política fisiológica,

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de uma elite que se apropria dos recursos públicos e que criou uma sociedade profundamente desigual, marcada pela exclusão social e por todo tipo de injustiça histórica, um dos piores padrões de distribuição de renda que temos na história. Isso mostra que essa história política tem de ser enfrentada, e a questão da reforma política é o tema central para que possamos mudar o padrão do Estado brasileiro. Na reforma política, acho muito importante que participemos de partidos com que tenhamos compromissos históricos. Se o Senador Romero permitir a gente falar... Senador... Que a gente tenha compromisso histórico para construir. Eu, por exemplo, estou há 27 anos no meu partido, porque é um partido que tem eleição direta de todos os dirigentes...

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – A Presidência solicita a atenção da assistência.

O Senhor Aloizio Mercadante (Bloco/PT – SP) – ...que tem pluralismo democrático, porque as correntes políticas se organizam com total legitimidade. Os dirigentes que erram e cometeram graves erros são substituídos pela militância política. Então, temos de construir partidos, e a reforma política tem de fortalecer a fidelidade partidária e a democracia partidária, como também deve enfrentar o problema do financiamento de campanha. Se não enfrentarmos essa questão, os corruptos continuarão se movimentando no Estado brasileiro a pretexto da política, mas eles não estão servindo à política. Estão destruindo a representação política e prejudicando a representação política. Mas temos de enfrentar com coragem o tema. E não é fácil. Não foi resolvido, eu diria, de uma forma definitiva nas democracias contemporâneas. É um tema ainda a ser construído, e é o tema central da reforma política: fidelidade e o problema do financiamento público. Mas queria tratar de mais dois temas do pronunciamento de Vossa Excelência. Sobre os fundos de pensão, hoje, conversando com a

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importante comentarista política Cristiana Lôbo, ela me perguntava sobre fundos de pensão. E fiz uma reflexão que vou transformar em projeto de lei, para apresentar imediatamente, em cima dessa discussão. Os fundos de pensão são os únicos instrumentos que os trabalhadores brasileiros têm para participar da riqueza da sociedade e para melhorar a proteção social para além da previdência social, que é insuficiente. Então, entre os fundos de pensão, há, por exemplo, o fundo de pensão dos trabalhadores do Banco do Brasil, que é um patrimônio de mais de R$ 100 bilhões, talvez seja hoje o capitalista mais importante nacional. É o fundo de pensão da Previ, com o maior patrimônio histórico construído, 140 mil servidores que contribuem para o fundo, e o Banco do Brasil, que contribui agora com uma parcela menor. O que seria o grande avanço nos fundos de pensão? Primeiro, paridade na gestão; segundo, metade da diretoria eleita pelo voto direto; terceiro, só pode ser diretor do fundo de pensão quem é funcionário de carreira; quarto, o mandato é com tempo definido e não pode ser renovado. Se fizermos uma lei com essas características, não vamos resolver o problema da corrupção, mas vamos melhorar muito o padrão de gestão e vamos inibir práticas que precisam ser superadas no Brasil. Apresentarei o projeto e espero contar com a colaboração de Vossa Excelência. Por último: onde está minha divergência fundamental com Vossa Excelência? Está na relação com o Presidente Lula - e acho que a história, acho Vossa Excelência vai ter que repensar politicamente a relação com o Presidente Lula. Não é só porque é um conterrâneo de Vossa Excelência: é porque ele foi vítima desse Estado. Lula construiu toda sua história de vida lutando contra esse Estado. Vítima, porque viveu na pobreza, não teve acesso à escola, não teve acesso às condições que essa elite criou para os seus filhos; porque teve que construir cada passo da

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vida dele organizando os trabalhadores no sindicato, lutando contra a ditadura, expondo-se em todos os sentidos, para construir uma sociedade diferente. E esse é o sentido maior do seu Governo. Não que não tenha problemas de corrupção no Governo. Tem. Mas tem o compromisso dele de lutar contra. Não que não tenha erros nesse Governo. Tem. Mas tem o sentido histórico que é o que dá 84% de votos ao Presidente. Não é verdade, Senador Jarbas, que o Governo se reduz eleitoralmente ao Bolsa Família. Bolsa Família é um programa que não permite corrupção, é um programa que chega diretamente aos mais pobres, sobre o qual o Ipea diz que distribui mais renda que o salário mínimo hoje, porque vai diretamente, de forma republicana, àqueles que mais precisam. Tem que ter uma porta de saída, e a porta de saída é o emprego, a inclusão social e o crescimento econômico; mas não há como ter uma resposta rápida à pobreza que não seja pelo menos financiar uma bolsa para os filhos poderem estudar. Acho que é reduzir. E a eficácia desse programa está nos indicadores de distribuição de renda, que são os melhores dos últimos cinco anos, de 60 anos da história do IBGE. Emprego, salário mínimo, Bolsa Família são políticas que estão diminuindo a desigualdade neste País, que tem um sentido histórico. Segundo, por ser conterrâneo do seu Estado, o Presidente Lula está deixando - e o eleitor reconhece isso, Vossa Excelência tem vivência, tem uma grande liderança no Estado - o estaleiro em Pernambuco, a refinaria, a Transnordestina, que são projetos estruturantes, que mudam a qualidade histórica do Estado. Por isso, acho que realmente Vossa Excelência, pela história, pela luta e pela tradição, deveria ter uma relação muito mais próxima ao Presidente Lula e, se Vossa Excelência pegar todo o esforço que faz, sei que seu coração está muito mais próximo do que a retórica que Vossa Excelência faz na tribuna.

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O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Senador, as nossas convergências permanecem bem maiores do que nossas divergências. Respeito muito Vossa Excelência e evidentemente não vou ter tempo agora, porque é abusar da benevolência da Presidência, de contestar as colocações do Programa Bolsa Família. Não que o Brasil não precise de políticas compensatórias. Precisa, porque há desnível, há um desnivelamento na população, seja social, seja econômico, mas não dá para discutir isso agora. E os investimentos em Pernambuco não foram deste Governo. Este Governo foi fundamental para consolidá-los, ajudou a trazê-los, inclusive, mas isso seria tema de uma outra conversa, de um outro debate entre mim e Vossa Excelência. Mas ressalto que as nossas convergências são bem maiores do que as nossas divergências.

Senadora Lúcia Vânia, e desculpe-me, porque a senhora há muito tempo pediu o aparte.

A Senhora Lúcia Vânia (PSDB – GO) – Senador Jarbas, quero dizer a Vossa Excelência neste momento que, quando li a entrevista e hoje ouvindo o discurso de Vossa Excelência, reacendeu em mim a esperança: a esperança nesta Casa, a esperança neste País. Eu esperava isso de Vossa Excelência. Eu acompanho há muito tempo a sua trajetória política e, quando Vossa Excelência chegou aqui, neste Parlamento, passando por toda uma trajetória que todos nós conhecemos, vimos como era aplicado nas suas funções, vimos a sua presença constante aqui, neste plenário, a sua presença importantíssima na Comissão de Justiça. Vossa Excelência foi Relator das mais polêmicas matérias naquela Comissão e Vossa Excelência, sempre corajoso, colocava o seu ponto de vista, porque, às vezes, havia divergências; mas Vossa Excelência defendia aqueles pontos de vista com muita coerência e com muita convicção. Quero dizer a Vossa Excelência que, quando o senhor coloca

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aqui que, de repente, o mundo político vive privilegiando a esperteza, em detrimento da inteligência, da competência e do trabalho, Vossa Excelência tem toda a razão. É preciso que pessoas competentes, pessoas inteligentes, dedicadas, que tenham espírito público venham assumir posições como esta que Vossa Excelência assumiu. Portanto, deixo aqui minha solidariedade, deixo aqui minha admiração. Se era tão grande, confesso a Vossa Excelência que, nesses dois anos, eu torcia para que o senhor desse o tom aqui nesta Casa. E deu o tom. Deu o tom do jeitinho que a gente imaginava que poderia ser. Portanto, Vossa Excelência não me decepcionou; pelo contrário, agora minha admiração é dobrada. E pode contar com a minha presença, com o meu voto, com a minha expectativa, com a minha lealdade a todos os projetos que Vossa Excelência coloca como meios para defender este País tão necessitado de alguém que tenha o espírito público de Vossa Excelência.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Muito obrigado, Senadora Lúcia Vânia. Eu que acompanho sua luta na Comissão de Justiça, aqui no plenário, nas comissões, percebo que Vossa Excelência tem sempre se destacado pela desenvoltura, pela competência com que apresenta e defende as suas propostas. Para mim, enriquece muito meu discurso o seu aparte. E me deixa realmente tocado no coração o depoimento que Vossa Excelência dá sobre a minha atuação política.

Ouço o nobre Senador Almeida Lima. O Senhor Almeida Lima (PMDB – SE) – Nobre

Senador Jarbas Vasconcelos, agradeço a Vossa Excelência pelo aparte, pela possibilidade que me dá de participar também deste debate, embora muitos já disseram parte daquilo que eu gostaria de dizer. E quero, inclusive, fazer minhas as palavras de nosso companheiro de Partido, Senador Valter Pereira. Sem dúvida, ele sintetizou o meu

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pensamento quanto às declarações de Vossa Excelência em relação ao nosso Partido, o PMDB. A princípio, vi exatamente como uma descortesia, deselegância de Vossa Excelência na generalização, mas, diante das palavras de Vossa Excelência há poucos instantes, no sentido de que não generalizou para todo o Partido... É evidente que aqueles que tiverem defesa a fazer que o façam. Evidente que aqui falo em meu nome pessoal. Fiquei constrangido, contrariado nesse aspecto. Mas sinto, neste instante, que estou contemplado com as observações feitas por Vossa Excelência, no sentido de que a generalização não diz respeito ao PMDB. Até porque na entrevista de Vossa Excelência, ao lhe perguntar se deixaria o PMDB, salvo engano, Vossa Excelência disse que não porque não tinha para onde ir. Aliás, partido nenhum com assento nesta Casa do Congresso Nacional, que já esteve no poder de forma direta ou indireta, pode ou tem autoridade política e moral diante da Nação brasileira para dizer que é diferente do PMDB. Ou seria o PT que iria dizer isso agora, como no passado o disse? Evidentemente que não. Portanto, essa questão partidária quero dar por encerrada. Quero parabenizar Vossa Excelência quanto ao tema, a questão do combate à corrupção. Embora possa aqui dizer, até com a experiência de seis anos nesta Casa, que, por ocasião da apresentação das propostas – e tenho certeza absoluta, nobre Senador Demóstenes Torres –, muitos que se solidarizaram com Vossa Excelência, ao longo de todos esses dias, ao longo da entrevista e na sessão de hoje, vão negar-lhe apoio para a aprovação de todas elas. Mas quero dizer a Vossa Excelência que conta com o meu apoio. Inclusive com uma proposta que apresentei, que preguei no deserto, desta tribuna onde Vossa Excelência está neste instante. É a proposta do orçamento exclusivo da União, uma proposta contra a corrupção e o desperdício e a favor da Federação e

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do Parlamento, que está aí. A CCJ já foi administrada por diversos partidos e sequer relatada foi. Prevê exatamente aquilo que Vossa Excelência disse, referindo-se ao Orçamento da União como o antro maior da corrupção deste País. Por essa proposta, nega-se o direito ao Senador e ao Deputado de apresentar emendas para Estados e Municípios, pois o objetivo é a transferência, incluindo no FPM, no FPE, aquilo que os Estados e os Municípios têm por direito, inclusive como decorrência das emendas, para que elas não sejam objeto de negociata, dos 10%, dos 20%, que, nós sabemos perfeitamente, é a prática existente neste País. Essa é uma proposta que passarei às mãos de Vossa Excelência assim que deixar a tribuna. Gostaria de não ver esta Casa silenciar. Mas olha, Senador, quero concluir agradecendo Vossa Excelência, parabeninzando-o por esta iniciativa. E espero que o pronunciamento de Vossa Excelência não seja mais um daqueles, a exemplo do meu, pregando, na prática, para o deserto. Pois não podemos compreender que uma proposta se encontra nesta Casa desde 2003, quando aqui cheguei, obrigando a Justiça eleitoral do País a julgar os processos antes da posse daqueles que tiveram a sua eleição impugnada. Isso é corrupção. Tenho uma proposta que está na Comissão de Constituição e Justiça, sem relator, que prevê a pena não apenas privativa de liberdade para o corrupto, mas a pena pecuniária, que é a que mais vai doer no corrupto. Não naquilo que foi objeto da corrupção, mas no seu patrimônio, com aplicação de pena. Ela não foi apreciada, nobre Senador. Portanto são inúmeras,...

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Senador Jarbas, com prazer, vou prorrogar, por mais dez minutos, o tempo de Vossa Excelência, aguardando que o Senador Almeida Lima possa concluir o aparte e solicitando ao Senador Nery, ao Senador Heráclito Fortes,

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nosso querido 1º Secretário, e ao Senador Mesquita que possam também ser bastante sucintos.

O Senhor Almeida Lima (PMDB – SE) – Agradeço a Vossa Excelência, nobre Senador Jarbas Vasconcelos, pelo aparte. Congratulo-me com Vossa Excelência, mas com aquela ressalva que fiz quanto ao PMDB. Mas estou plenamente contemplado. Aproveito exatamente esse finalzinho para dizer que antes tarde do nunca. Isso é dirigido ao nobre Senado Aloizio Mercadante, do PT de São Paulo, que deveria ter apresentado a proposta a que se referiu no início da gestão do Presidente Lula. Mas antes tarde do que nunca. Terá o meu apoio, com certeza. Muito obrigado a Vossa Excelência.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Obrigado, Senador Almeida Lima. Vamos levar em conta e analisar a proposta de Vossa Excelência.

O Senador Geraldo Mesquita havia pedido primeiro, Senador Heráclito Fortes.

Senador Mesquita. O Senhor Geraldo Mesquita Júnior (PMDB – AC) –

Muito obrigado, Senador Jarbas. O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) –

Inclusive, Vossa Excelência tocou no tema de que falei hoje exaustivamente, que é a reforma política.

O Senhor Geraldo Mesquita Júnior (PMDB – AC) – É verdade, é verdade. Eu estava aqui esse tempo todo, Senador Jarbas, refletindo. E é uma necessidade imperiosa de refletirmos permanentemente. Fui um dos três Parlamentares do PMDB que, logo após a entrevista de Vossa Excelência, foram à tribuna falar sobre a referida entrevista. E mais, tomei a iniciativa de escrever uma carta a Vossa Excelência – respeitosa, como não poderia deixar de ser –, pedindo encarecidamente que Vossa Excelência esclarecesse os fatos com relação ao seu colega aqui.

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Naquele momento, Senador Jarbas, eu tinha a noção exata de que estaria trafegando numa linha muito delicada, numa linha muito tênue. A minha intervenção e a carta que formulei a Vossa Excelência poderiam ensejar interpretações do tipo, por exemplo: “Isso é um ato de hostilidade contra o Senador Jarbas?” E respondo, Senador Jarbas: Não. Foi um ato de aflição. E uma outra interpretação possível, uma outra ilação que poderia perfeitamente surgir em decorrência da minha fala, da carta que enviei a Vossa Excelência: o Senador Jarbas tocou numa ferida terrível no nosso País, a corrupção; o Senador Geraldo é contra o combate à corrupção? Claro que não, Senador Jarbas. Eu sou parceiro de Vossa Excelência e de todo brasileiro que tem a coragem de lutar contra a corrupção. Eu queria apenas relatar para Vossa Excelência qual foi o sentimento que me tomou. Antes da sua entrevista, eu havia feito uma viagem ao meu Estado, meu querido Acre, especialmente para visitar os prefeitos que nós havíamos acabado de eleger. Eram quatro Prefeitos do PMDB. Confesso a Vossa Excelência, Senador, que eu fiquei tocado com alguns gestos, com algumas atitudes, de pessoas que eu já conhecia há muito tempo, colegas e companheiros de Partido. Mas ali, recebendo uma prefeitura, as quatro prefeituras endividadas, com problemas enormes. O Prefeito de Bujari, por exemplo, o Padeirinho, levou-me onde estavam carros e máquinas depredados, quebrados. Eu senti ali a aflição dele em recuperar todo aquele patrimônio. O Padeirinho, Senador Jarbas, levanta às 5 horas da manhã e vai para a linha de frente de seus auxiliares na limpeza da sua cidade, atuando e agindo pessoalmente em relação ao que ele entende necessário um prefeito fazer. Fui lá para o Juruá e estive com o Prefeito de Cruzeiro do Sul, com o Prefeito de Marechal Taumaturgo, com o Prefeito de Mâncio Lima. Os três também... Para Vossa Excelência ter uma idéia, Senador

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Jarbas Vasconcelos, agora no Carnaval, o Prefeito Vagner Sales, na companhia da sua esposa, que é Deputada Estadual pelo PMDB, e do Secretário de Educação da sua Prefeitura, passaram os quatro dias em um barco, subindo e descendo o rio na sua região para saber a situação das escolas rurais, para verificar o que poderia ser feito. Eu voltei, Senador Jarbas, gratificado pelo que eu vi: companheiros que estão em uma missão árdua de dirigir pequenos Municípios do meu Estado, mas imbuídos do maior espírito público que um administrador pode ter. Veja, eu estou relatando isso para que Vossa Excelência entenda o sentimento que me tomou naquele momento. Eu chego, abro a revista e vejo a entrevista de Vossa Excelência. No conteúdo, Senador Jarbas, eu já falei que Vossa Excelência usou formas de falar sobre uma chaga no nosso País: a corrupção. Estou com o senhor e não abro. Agora, lembrando daqueles prefeitos, lembrando de dezenas, centenas de companheiros lá do meu Estado, do PMDB, do Presidente do PMDB jovem, por exemplo, o Wiliandro, um menino dedicado, sabe, Senador Jarbas, eu me achei na obrigação, como eu não sou dirigente partidário, como eu não sou líder de nada, eu me achei na obrigação de, pela minha pessoa, desagravar todos eles, cobrando de Vossa Excelência justamente uma retificação na expressão que Vossa Excelência usou. Eu considerei, Senador Jarbas, que Vossa Excelência se valeu de uma generalização que eu achei exagerada. E me senti ali, sabe, com o coração apertado. Eu tenho um patrimônio material muito pequeno, Senador Jarbas. Mas o patrimoniozinho que eu mais burilo – todo o dia eu passo um paninho nele, porque é a coisa que eu tenho mais sagrado para deixar para minha família, para os meus filhos – é a minha honra, não é? Eu imaginei o que deve ter passado na cabeça dos milhares de companheiros do PMDB que prestam um grande serviço a este País, com

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mandato ou não. E eu me senti na obrigação de ir para a tribuna interpelá-lo, como disse, além da carta que enviei. Eu estava tão determinado nessa linha de raciocínio, Senador Jarbas, que hoje eu cheguei a ventilar a possibilidade, tendo em vista que Vossa Excelência não me respondia a carta, eu cheguei a mencionar, a ventilar a possibilidade de interpelá-lo judicialmente, seja lá como fosse. Eu queria uma resposta... Hoje, assisti a Vossa Excelência dizer, mais uma vez, que não acrescenta nem retira uma vírgula do que disse. Mas o seu pronunciamento hoje foi de uma grandeza que faz tempo que a gente não vê nesta Casa. Senador Simon é que disse que Vossa Excelência é uma pessoa difícil. Mas, Vossa Excelência, hoje, abriu as portas, escancarou as portas para uma grande parceria neste País a partir da nossa Casa aqui, não é? Senador, eu posso persistir no equívoco, se eu não tiver uma segunda compreensão dos fatos. Hoje, eu tenho uma segunda compreensão dos fatos. Hoje, eu tenho uma segunda compreensão. E insistir neste equívoco para mim seria desastroso, seria até uma burrice. Eu estou lhe dizendo aqui de público, com toda a humildade, que realmente cheguei a querer, assim, ansiosamente, uma fala de Vossa Excelência com relação à minha pessoa. Mas, olhe, o seu discurso foi claro. Eu não necessito mais dessa resposta. Peço até que Vossa Excelência me devolva a carta. Declaro aqui de público o meu propósito de esquecer a intenção de interpelá-lo judicialmente porque, diante da grandeza, diante da compreensão do que Vossa Excelência coloca para esta Casa, eu acho e repito com toda a honestidade: Vossa Excelência, no conteúdo, acertou. Mas, naquele momento, eu compreendi que, na forma, Vossa Excelência talvez tenha exorbitado aqui e acolá. Eu peço a Vossa Excelência que me devolva a minha carta. Eu estou contemplado e digo aqui de público que não persistirei no

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propósito de interpelar esse grande companheiro que é o nosso colega de Partido Senador Jarbas Vasconcelos. Obrigado pela possibilidade do aparte.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Senador Geraldo Mesquita, Vossa Excelência foi um dos primeiros Senadores com quem eu tive contato quando aqui cheguei. É evidente que jamais faria um julgamento, um pensamento, uma análise de Vossa Excelência, incluindo-o numa lista de pessoas sob suspeita, sob prática de corrupção. Não tive pressa de procurá-lo, de telefonar-lhe, porque achei despropositada a sua iniciativa. Brevemente eu o procuraria para lhe dar uma satisfação, até porque fiquei com a consciência de que falei em grande parte do PMDB e nessa outra parte eu não poderia incluí-lo.

De forma que farei isso. Devolverei a carta que recebi e que está em cima do meu bureau, e manterei com Vossa Excelência o mesmo relacionamento respeitoso e de amizade que tenho desde que aqui cheguei.

Ouço o Senador Heráclito Fortes. O Senhor Heráclito Fortes (DEM – PI) – Senador

Jarbas Vasconcelos, não sabe Vossa Excelência a minha aflição de não poder estar presente no pronunciamento de Vossa Excelência como um todo – eu tinha compromisso na 1ª Secretaria e tive que honrá-los. Mas acompanhei não só a fala de Vossa Excelência, como também a maioria dos apartes. E quero dizer que este depoimento que dou aqui poderá não servir no elenco de aparteadores brilhantes que fizeram uso da palavra nesta tarde, mas, pelo menos, me deixa com a consciência livre de que cumpri um dever: o dever de dar um depoimento sobre um Parlamentar que conheci e que é da minha geração política, embora com pequenas variações de idade que não vêm ao caso. Tivemos um início de carreira na qual tive o privilégio de o acompanhar, eu, como estudante em Pernambuco, e Vossa

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Excelência, em 1970, na primeira eleição de Deputado Estadual. A admiração por Vossa Excelência, ao longo desta vida, ela tem sido crescente, pelo comportamento como Prefeito de Recife duas vezes, como Governador. Aliás, Vossa Excelência, Prefeito de Recife, eu, neófito na atividade em Teresinha, recebi orientações de Vossa Excelência fundamentais. Eu, inclusive, o acompanhei como Presidente do Partido, do PMDB, na campanha de Ulysses Guimarães quando, quase que solitariamente, nós percorremos o Brasil inteiro, de ponta a ponta, defendendo, com muita convicção, a candidatura daquele extraordinário brasileiro. E a convivência aqui neste plenário, para mim, é privilegiada porque somos vizinhos e eu vejo o dia-a-dia do comportamento de Vossa Excelência. A sua angústia com o estado de coisas neste País não é de agora. Uma frase repetida na entrevista “não sei o que eu vim fazer aqui”, eu ouvi de Vossa Excelência muitas vezes, angustiado com a paralisia do Parlamento e, acima de tudo, com a queda da imagem e da qualidade dos trabalhos desta Casa. De forma que, para alguns, o pronunciamento de Vossa Excelência pode ter sido uma novidade, pode ter sido uma surpresa, mas para quem conhece o seu caráter e o seu temperamento, foi uma consequência de tudo isso. Espero que, diferentemente dos desvios impostos por alguns, ele tenha, Senador Marco Maciel, um caráter pedagógico. Espero que não o Partido de Vossa Excelência mas os Partidos brasileiros tenham tirado do seu desabafo, da sua entrevista, uma lição e que nós possamos corrigir essa rota ladeira abaixo que a atividade pública no Brasil vem tomando há alguns anos. Senador Jarbas Vasconcelos, estamos aqui há dois anos, de maneira impotente, tentando melhorar a qualidade, por exemplo, de uma atividade que é fundamental para o País que são as ONGs, as Oscips e derivados. E a base do Governo, poderosa, coloca qualquer

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tentativa de apuração dos fatos para debaixo do tapete sem querer apurar fatos gravíssimos que desviam recursos da Nação, prejudicando um setor que merece de todos nós o apoio, o estímulo e o incentivo. Os fundos de pensão são vetores de corrupção neste País há muito tempo, e não um fato localizado. Não é o Real Grandeza. É preciso que seja passada a limpo essa questão, mas o ideal seria que o Executivo, ao tomar conhecimento desses fatos, tomasse providências e não estimulasse, por meio de escolhas muitas vezes inadequadas, pessoas para geri-los. Senador Marco Maciel, Vossa Excelência sabe que, se tivéssemos tido a coragem de aprovar o orçamento impositivo, teríamos tirado desta Casa metade dos lobistas que campeiam e são conhecidos de todos nós, porque esse orçamento, da maneira que está, nada mais é do que um incentivo e um estímulo ao balcão de negócios. Louvo a iniciativa do Senador Almeida Lima e de todos aqueles que querem fazer com que esse orçamento seja impositivo, a favor da Nação, do Estado, do Município, porque o que nós estamos vendo, Senhor Senador Jarbas Vasconcelos, são os Municípios empobrecendo pela centralização do poder, as obras comandadas pelas grandes empreiteiras, que não se interessam no benefício específico dos pequenos Municípios brasileiros, porque o deslocamento de máquina e de pessoal é nocivo aos seus interesses e ao ganho fácil. Acho que o pronunciamento de Vossa Excelência pode ter sido um alerta positivo a este País. Meu caro Senador Pedro Simon, na semana passada, o Conselho Nacional de Justiça instalou-se no meu Estado, o Piauí, e foi uma lavagem de roupa das mais inesperadas possível. E não quero entrar no valor das denúncias, quem tem razão ou quem não tem, mas membros do Judiciário piauiense sendo denunciados, advogados sendo denunciados. A figura do precatório, como está colocada, as tutelas antecipadas são focos de corrupção

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neste País, Senador Simon, que precisam urgentemente de uma revisão. Portanto, eu espero pela força que Vossa Excelência tem de catalizar a opinião pública – e já o fez. Essa matéria, a entrevista de Vossa Excelência, tem quinze ou vinte dias, tem tido uma repercussão crescente e é bom que não arrefeça. É preciso que alerte e acorde os homens que têm realmente vocação para o serviço público neste país. Seria bom que nessa hora, finalizando, Senhor Presidente, o Executivo se mirasse, pelo menos nesse caso recente, na ação promovida pelo Senado, de afastamento de um diretor, no momento em que pairam dúvidas sobre uma atitude dele, embora que em sua vida pessoal, e o Executivo veja que não é bom ficar estimulando e protegendo os aloprados, os aloprados que se sentem imunes e cada dia avançam na técnica de invadir os cofres públicos brasileiros. Parabéns a Vossa Excelência.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Muito obrigado.

O Senhor Mão Santa (PMDB – PI) – Senador Jarbas, para encerrar, o último aqui.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Senador, o Senador José Nery era quem iria.. (Pausa.). Pois não, Senador Mão Santa.

O Senhor Mão Santa (PMDB – PI) – Senador Jarbas Vasconcelos, por isso que Rui Barbosa está ali. Eu li, como todo o Brasil, a reportagem. Rui Barbosa está ali porque disse sinteticamente isso que está ocorrendo. Vamos fazer nossas as palavras de Rui: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, e ter vergonha de ser honesto”. E terminaria com o nosso partido, mostrando a grandeza daquele que foi companheiro e que nos liderou e está

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encantado no fundo do mar, que disse: ”A corrupção é o cupim que corrói a democracia”. Então, Vossa Excelência reviveu, a seu modo, com seu linguajar próprio de nordestino, sofrido, o que pensou Rui e o que nos guiou o nosso Ulysses Guimarães.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Muito obrigado, Senador Mão Santa pela participação neste meu discurso.

Com muita honra, ouço, para encerrar, o Senador José Nery.

O Senhor José Nery (PSOL – PA) – Senador Jarbas Vasconcelos, em primeiro lugar, quero expressar meu apoio às contundentes declarações e ao pronunciamento tão vigoroso que Vossa Excelência faz no dia de hoje, marcando, na verdade, o início dos trabalhos legislativos. Porque, por mais que esta Casa tenha retornado àquilo que seria sua atividade normal há um mês e dois dias, não fizemos até aqui nada de relevante que mereça registro como merece o forte posicionamento de Vossa Excelência, em que traça uma radiografia da situação política do País, da insanidade, ou melhor, do câncer que se instaurou há muito tempo nas instituições públicas, com o conluio das instituições e empresas privadas, que é o câncer da corrupção. Três dias após a entrevista que Vossa Excelência concedeu à revista Veja, a Bancada do nosso Partido, o PSOL, composta por mim e três Deputados federais, se dirigiu a Vossa Excelência para, primeiramente, manifestar solidariedade por trazer à luz do dia um tema que necessita de tratamento vigoroso, permanente, vigilante de todos, da sociedade brasileira, mas, especialmente, do Congresso Nacional; e em segundo lugar, para manifestar a Vossa Excelência certo desconforto, porque Vossa Excelência, na firmeza dos seus posicionamentos, classificou todos os Partidos como sendo de alguma forma parte desse jogo sujo que emporcalha, que

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envergonha a política, por conta do envolvimento com corrupção. Dissemos a Vossa Excelência, num diálogo muito franco, aberto e fraterno, que nós somos um Partido muito pequenininho, estamos renascendo e reconstruindo o sonho da luta socialista, de um Partido comprometido com a ética, com a verdade, com a seriedade no trato da coisa pública, com a construção de uma verdadeira alternativa que signifique um novo modelo de desenvolvimento para o País que privilegie os pequenos trabalhadores e o povo, ao contrário dos projetos que só tratam de criar cada vez mais um fosso entre os que têm tudo, que é uma minoria, e a grande maioria que vive às custas do trabalho no subemprego, na miséria, vítimas da violência na cidade e no campo. Nós colocamos o desafio de recomeçar, acreditando que, na política, tudo pode ser diferente. Obtivemos de Vossa Excelência, naquele diálogo, o importante compromisso conjunto de trabalharmos pela organização de um movimento, de uma frente parlamentar que envolvesse setores da sociedade civil brasileira, para fortalecer a luta e o combate contra a corrupção neste País, movimento e iniciativa que contam com o nosso apoio e incentivo. Mas é fundamental realizar, conforme Vossa Excelência tão bem se expressou, a reforma política como a mãe de todas as reformas, dita e reconhecida por todo este Plenário, pela Câmara dos Deputados e pelo Executivo, mas que não tem coragem de realizá-la efetivamente, porque, se feita da forma como precisamos, ela vai ferir interesses – e muitos daqueles usufruem as benesses do Poder Público e da corrupção, se atendidas as exigências de uma legislação que vá à raiz do problema, evitando com que a corrupção eleitoral, aquela da compra do voto, do financiamento privado de campanha, em que os eleitos, muita vez, pagam os favores ou apoio com o dinheiro público nas licitações fraudulentas, na corrupção desenfreada. Então, é necessário, de tudo o que o senhor

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aqui expressou nesta tarde e neste início de noite, apontarmos claramente quais são os temas da reforma política; definir uma agenda clara de alguns pontos imprescindíveis sobre os quais não podemos tergiversar, no sentido de trabalharmos para aprovar, em 2009, o financiamento público de campanha; impedir o registro de candidatura dos que têm ficha suja; trabalhar pelo fim do sigilo fiscal de todos os mandatários do País, do Vereador ao Presidente da República; trabalhar pelo fim do foro privilegiado para autoridades, e outros temas. Creio que temos de fazer em uma ordem de prioridade porque, se nós formos abordar todos os aspectos da reforma política que queremos, talvez não consigamos votar matéria nenhuma este ano. Portanto, definir prioridades, engajar a sociedade brasileira, os partidos e os seus Parlamentares aqui, no Congresso Nacional, nessa agenda comum contra a corrupção, identificando quais situações e fatos merecem a apuração através de Comissão Parlamentar de Inquérito; quais os fatos que devemos levar ao conhecimento do Ministério Público Federal para a devida apuração, ao Tribunal de Contas da União, sob pena de esse clamor da sociedade, expresso e detonado pela entrevista, pelo pronunciamento de Vossa Excelência, que aqui teve o acompanhamento, a solidariedade, o questionamento, o apoio da maioria deste Plenário, para que essa iniciativa, que considero brilhante e relevante, produza efeitos práticos e concretos. De modo que daqui a um ano nós possamos celebrar, junto com o povo brasileiro, que ainda acredita que a política pode ser tratada de forma correta e justa, algumas vitórias, com a participação de cada um dos representantes, os Parlamentares de cada partido, no Congresso e no Senado Federal, a fim de que possamos iniciar esse movimento e nos comprometermos de fato para votar as medidas. E que fique bem claro para todos os brasileiros e

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brasileiras quem, de fato, está comprometido a combater a corrupção em toda a sua extensão e profundidade e quem faz aqui discurso da boca para fora. Porque, infelizmente, Vossa Excelência sabe...

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Senador José Nery, por favor...

O Senhor José Nery (PSOL – PA) – Só um minuto, Senhor Presidente, eu vou concluir em um minuto, em respeito ao tempo, dizendo a Vossa Excelência, claramente, que normalmente o pessoal que é pequenininho às vezes fala por último. Mas eu creio que, sob esse aspecto, para mim é até uma homenagem ter de ficar aqui para ouvir o Senador Jarbas Vasconcelos e todos que o apartearam, sob a Presidência de Vossa Excelência. Para mim é um motivo de satisfação, e mesmo que, ao final, não tenha o tempo concedido à maioria dos meus colegas, compreenderei. Sei que o fundamental aqui é fazer com que este tema não seja esquecido, que daqui a uma semana, daqui a um mês, estejamos tratando destes aspectos, das medidas legislativas, dos processos que devem ser abertos para investigar todos os envolvidos em corrupção neste País. Que o País possa voltar a orgulhar-se de seus representantes. Hoje, infelizmente, a maioria da população não tem o respeito que deveria ter pelos políticos. Muitas vezes, nós não nos fazemos respeitar porque alguns acabam se envolvendo em práticas criminosas. Às vezes o mandato serve, inclusive, para promover, manter e garantir a impunidade. Parabéns a Vossa Excelência. O Brasil orgulha-se deste momento. Nós aqui, como seus companheiros, vamos enfrentar esse tema para que, enfim, daqui a algum tempo, comemoremos algumas vitórias. Parabéns a Vossa Excelência e a todos que participaram desta brilhante discussão.

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O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Muito obrigado, Senador José Nery. Foi muito importante o seu depoimento, o depoimento do seu Partido...

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Senador Jarbas, antes de Vossa Excelência concluir, eu queria também falar.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – ...combatendo a corrupção, cunhando uma frase que para mim é fundamental: a gente tem que definir prioridades. Assim como o Executivo – eu fui Prefeito e Governador, era fundamental que fossem definidas as prioridades –, o Congresso e o Senado também têm que definir as prioridades. E essa prioridade hoje, a primordial, fundamental, é a reforma política. Sem ela a gente não vai a lugar nenhum.

A luta contra a corrupção não pode ser só minha, de um grupo de pessoas, não pode ser de uma entidade; ela tem de ser do conjunto da sociedade. Quanto maior for a pressão, mais a gente terá condições de combater a impunidade, e, combatendo a impunidade, podemos, se não vencer, enquadrar num espaço menor a corrupção no País.

Presidente, obrigado pela sua grandeza, pois sem a sua benevolência e tolerância, não só comigo, mas com meu discurso foi possível o debate com toda a Casa. Vossa Excelência permitiu, prorrogou várias vezes, não ficou agarrado ao Regimento, não ficou olhando o relógio, nem ficou maltratando os tímpanos tocando a campainha a todo instante. Foi fundamental a presença de Vossa Excelência, com a sua sensibilidade, para que este debate fosse promovido e a gente pudesse fazer alguma coisa. E isso não é de uma pessoa só, mas de um conjunto de pessoas e de entidades na luta contra a corrupção no Brasil.

Ouço Vossa Excelência e Vossa Excelência encerra o meu discurso.

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O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Senador Jarbas Vasconcelos, eu tive a sorte de presidir esta sessão histórica, este discurso histórico de Vossa Excelência. Já são 2 horas e 50 minutos de pronunciamento e apartes. Fiz isso de forma propositada, porque dei meus primeiros passos na vida pública inspirado por homens públicos da estirpe de Vossa Excelência, de Ulysses Guimarães, de Mário Covas, de José Serra e de tantos outros grandes brasileiros, como Teotônio Vilela, que sempre lutaram para honrar e dignificar a atividade pública, a atividade política; que lutaram pela democracia, pela redemocratização do País e, principalmente, por princípios morais e éticos. Tive a sorte de ser alçado à Presidência Nacional da Juventude do PMDB quando Vossa Excelência estava no exercício da Presidência do PMDB, na ausência do Presidente Ulysses Guimarães.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Que era candidato à Presidência da República.

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Eu acompanho essa luta há muitos anos. Percorri também o Brasil ao lado dele. De modo que eu gostaria de dizer que toda essa temática trazida aqui hoje pelo pronunciamento, de grande conteúdo, de Vossa Excelência tem também o apoio deste Vice-Presidente, agora no exercício da Presidência: Lutar pela reforma política, como Vossa Excelência bem disse, que é a mãe de todas as reformas. Eu também penso assim. Lutar pela reforma do modelo de elaboração dos Orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios. Lutar contra a impunidade, porque a certeza da impunidade é que faz com que todas esses atos e práticas políticas prevaleçam no Brasil. Esses temas todos têm o apoio deste 1º Vice-Presidente do Senado, agora no exercício da Presidência. Foi por essa razão e por muitas outras, tendo sido seu colega como Governador por

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oito anos, tendo tido a oportunidade de condecorá-lo com a mais alta comenda do meu Estado, tendo acompanhado a sua vida pública, a sua trajetória, republicana, limpa e isenta, que fiz questão absoluta de ouvir e de prestigiar este pronunciamento de quase três horas. Parabéns a Vossa Excelência. Vamos ouvir, daqui a pouco, a palavra do Líder do Governo, que vai fazer a resposta. Também vou ler o comunicado de Vossa Excelência.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Muito obrigado.

O SENHOR PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB – GO) – Senador Jarbas Vasconcelos, parabéns! Foi uma honra ter presidido esta cerimônia.

O SENHOR JARBAS VASCONCELOS (PMDB – PE) – Muito obrigado, Senhor Presidente, Marconi Perillo.

Com sua ajuda foi possível esse debate.

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O QUE DISSERAM SOBRE JARBAS

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“JARBAS CONTA TUDO”

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“JARBAS CONTA TUDO” “Veja” – Carta ao Leitor (14 Fevereiro de 2009)

É enorme o peso que tem em um processo judicial o depoimento de uma testemunha ocular. Esse tipo de relato, quando dado de boa-fé e sem inconsistências, é decisivo na formação do veredicto. Na política, os testemunhos de personagens com intimidade com os fatos que revelam são igualmente poderosos. O processo que culminou com o impeachment do presidente da República Fernando Collor, em 1992, começou com um desses depoimentos, a espantosa entrevista que seu irmão concedeu a VEJA em maio daquele ano e que foi estampada na capa com a chamada "Pedro Collor conta tudo". A Carta ao Leitor daquela edição tinha o título "Depoimento que não se pode ignorar". Não foi. Dezenove semanas depois das revelações do irmão a VEJA, Collor deixava a Presidência. As Páginas Amarelas desta semana trazem um conjunto de revelações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos ao repórter Otávio Cabral, 37 anos, quatro dos quais na sucursal de Brasília. Elas constituem um depoimento que também não se pode ignorar.

Com 43 anos de política dedicados primeiro ao antigo MDB e depois ao PMDB, duas vezes governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos relata com a eloquência das testemunhas oculares que seu partido, hoje detentor das presidências do Senado e da Câmara, é uma agremiação que se move apenas por "manipulação de licitações, contratações dirigidas e corrupção em geral".

A entrevista de Jarbas Vasconcelos a VEJA não deixa muitas opções a seus colegas de partido e, por

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consequência, ao Congresso: processam o senador por falta de decoro parlamentar, imolam-se em praça pública ou vestem a carapuça e começam a mudar seu comportamento. O Brasil precisa acompanhar muito de perto o desenrolar do depoimento do senador a VEJA. Ele tem tudo para ser o motor de um profundo e histórico processo de limpeza da vida pública brasileira.

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“GRANDE JARBAS!”

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“GRANDE JARBAS!” Lucia Hippolito (14 de Fevereiro de 2009)

Aqueles que acompanham este blog sabem que não tenho por hábito reproduzir textos alheios.

E por uma razão muito simples. Este é um blog de opinião, não é um site de notícias.

Mas não posso desconhecer um dos pronunciamentos mais importantes dos últimos tempos: a entrevista do senador Jarbas Vasconcelos (PDMB-PE) à revista Veja.

Jarbas é homem sério, ético. Sua trajetória política o credencia como um dos mais relevantes políticos brasileiros. Jarbas é o que permanece do MDB do dr. Ulysses (OK, abro espaço para o senador Pedro Simon e para o prefeito José Fogaça). Lucia Hippolito é cientista política, historiadora e jornalista.

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“É PRECISO TER COERÊNCIA” Jorge Bastos Moreno (16 de Fevereiro de 2009) Jarbas Vasconcelos é herdeiro político de Ulysses Guimarães. Expulsá-lo significa tirar a foto de Ulysses que ornamenta o gabinete da presidência do PMDB. Aliás, aquele quadro com a foto de Ulysses me faz lembrar o primeiro encontro que tive com ele. Disse-Me ele sobre os traidores da legenda que votavam a favor da ditadura: - O programa do partido não deve ser feito santo de bordel. Tímido, estudante ainda do primeiro ano do curso de Comunicação da Universidade de Brasília, eu estava ali diante do maior líder da oposição à ditadura. - Doutor Ulysses, desculpe-me, mas não entendi. E ele: O amigo, quando jovem – aliás, você é ainda um jovem, nunca foi na “Zona”? E eu, mais tímido ainda, e de cabeça baixa, sussurrei: - Já. - O amigo nunca reparou que no quarto de toda a prostituta existe um santo na cabeceira da cama? Fiquei estupefato: o sisudo, austero e formal presidente do PMDB estava ali falando de saliência comigo! Ulysses nunca foi homem de dar intimidade para ninguém. Este foi com certeza a única conversa mais saliente que tivemos. Mas até nisso ele não era vulgar. Na verdade, estava me decifrando, como um professor, o significado de uma frase.

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- Pois é, meu caro, elas fazem de tudo com o cliente ali na frente do santo. Quando o cliente sai, ela vai e acende uma vela para o santo. E, como se estivesse em palanque, gritou batendo na mesa: - O PMDB não pode ser um santo de bordel! Desde esse dia, mesmo iniciando na cobertura política, decidi que, se um dia fosse escrever um livro sobre a minha experiência profissional, daria um título “Santo de Bordel”! Ulysses Guimarães, hoje, com a foto estampada na sede do PMDB, parece um santo de bordel. Jorge Bastos Moreno é jornalista.

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“JARBAS FAZ SEU LANCE”

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“JARBAS FAZ SEU LANCE” Ricardo Noblat (16 de Fevereiro de 2009)

“Você sabe o que vai acontecer, Jarbas?” — perguntou no último sábado, por telefone, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) ao seu colega Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), personagem da mais devastadora entrevista dada por um político nos últimos dez anos. “Não sei”, respondeu Jarbas. “Eu lhe digo: não vai acontecer nada”, concluiu Demóstenes.

O mínimo que Jarbas disse foi que o PMDB é corrupto.

Caciques do partido trocaram telefonemas no fim de semana avaliando a conveniência de rebater a entrevista publicada pela “Veja”.

Descartaram de pronto a ideia de abrir um processo para expulsar Jarbas do PMDB. Ele sairia como herói aos olhos do distinto público, que tem os políticos na mais baixa conta.

Mas a quem caberia responder a Jarbas? A Michel Temer, presidente do partido e da Câmara dos Deputados? Jarbas não o mencionou.

Concentrou suas críticas no PMDB do Senado. José Sarney (AP), um dos seus alvos, está arrasado. Talvez escale a filha Roseana para responder a Jarbas. A resposta oficial do PMDB deve se limitar a uma sugestão para que Jarbas pegue seu mandato e vá embora. Fundador do antigo MDB, duas vezes prefeito de Recife e duas governador de Pernambuco, Jarbas disse à “Veja” o que um político jamais teve coragem de dizer sobre seu próprio partido. “Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras,

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sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais (...), sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos”, espicaçou.

E por que o PMDB quer cargos? — perguntou-lhe o repórter Otávio Cabral. “Para fazer negócios, ganhar comissões.

Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral.

A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção”.

A eleição de Sarney para presidente do Senado foi definida por Jarbas como “um completo retrocesso”, fruto de uma ação constrangedora.

O que esperar depois disso? “Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão”, aposta Jarbas.

Que bateu também no Senado e em outras figuras carimbadas do PMDB, como o senador Renan Calheiros (AL), futuro líder do partido. Sobre o Senado: “Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. O nível dos debates é inversamente proporcional à preocupação com benesses.

É frustrante”. Sobre Renan: “Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. É o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem”. É claro que sobrou também para o governo e Lula. “Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura, agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro”, atirou. Quanto a Lula, “ele fez a

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opção clara pelo assistencialismo. O Bolsa-Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.”

A entrevista de Jarbas deve ser analisada à luz da situação que ele vive no Senado e da eleição presidencial de 2010. Jarbas está isolado dentro da bancada de 20 senadores do PMDB. Ninguém o escuta. Nem mesmo Pedro Simon (RS), que outrora foi capaz de reagir indignado diante de imoralidades.

Simon jogou a toalha. Acomodou-se. É apenas uma fotografia na parede.

Enquanto de cima do muro a maioria dos senadores do PMDB observa a evolução dos aspirantes à vaga de Lula, Jarbas apóia desde já um deles — José Serra (PSDB). O que ele disse à “Veja” repete há mais de um ano dentro e fora do Congresso. Foi um desabafo. Mas houve cálculo político por trás dele. Serra gostaria de ter Jarbas como seu vice. Se Jarbas puder sair do PMDB sem perder o mandato...

Olha aí: formou. Ricardo Noblat é jornalista.

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“VERDADE INCONVENIENTE” Dora Kramer (17 de Fevereiro de 2009)

A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos à revista Veja é um registro de esgotamento. Daqueles momentos em que o ser humano perde a paciência, por algum motivo resolve pagar para ver sem medir de imediato as consequências, diz verdades da mais alta inconveniência e cria situações que podem levar a rupturas benéficas ou ao reforço de pactos maléficos. A intenção inicial nem sempre combina com o resultado final. Tudo depende de adesão da sociedade e das instituições. Na história recente da política há dois momentos assemelhados.

Em 1992, Pedro Collor não queria derrubar o irmão Fernando da Presidência da República quando na mesma revista Veja deu entrevista materializando os boatos que corriam em Brasília havia dois anos e contou quase tudo sobre o esquema de corrupção comandado por Paulo César Farias, o tesoureiro do presidente.

Em 2005, o então deputado Roberto Jefferson não pretendia muito mais que manchar o manto de vestal do PT por causa de problemas de partilha e nem de longe pensava em pôr seu mandato a prêmio quando deu uma entrevista à Folha de S.Paulo assumindo o que já fora duas vezes denunciado e desmentido: que a direção o PT comandava um sistema de financiamento público dos partidos em troca de apoio no Congresso.

Nos dois casos, a primeira reação dos acusados, seus aliados e o entorno de inocentes (in) úteis que preferem as versões oficiais aos próprios olhos e ouvidos foi a de exigir "provas" contundentes. Corrupção por escrito, com certidão

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passada em cartório do céu. Não fosse a ação firme de alguns setores, pessoas e instituições, as denúncias teriam sido atribuídas a intenções escusas dos denunciantes e nada do que se soube a respeito de ambos os episódios teria sido do conhecimento público.

A entrevista de Jarbas à revista Veja estende aos políticos de bem uma tábua de salvação.

Agora, diante do desabafo do senador Jarbas Vasconcelos, reproduzindo em gravador fatos notórios e sobejamente sabidos, esboça-se uma reação parecida. Provas, nomes, documentos, clamam o que Nelson Rodrigues chamava de idiotas da objetividade. Isso, falando dos só equivocados, porque a eles se juntam de carona os mal-intencionados falando em "generalizações" cujas particularidades conhecem em detalhes. Depois do silêncio de 24 horas, a direção do PMDB se reuniu e decidiu oficialmente tentar "esvaziar" as declarações do senador.

Dar a elas um caráter pessoal, deixar que se lancem sobre ele algumas desconfianças, quando nada de que fala por ser ranzinza, uma voz isolada no partido, talvez por isso em busca de alguma notoriedade, um homem a quem não se deve dar atenção, um político na contramão da história tal como é contada nesses dias de supremacia da fama e da popularidade sobre o mérito e o respeito.

O senador Jarbas Vasconcelos nada acrescentou, a não ser sua assinatura, a tudo o que todos os dias é repetido para o conhecimento do público. A eleição de José Sarney para a presidência do Senado foi tachada de retrocesso na imprensa nacional e internacional. O fisiologismo do partido é assumido. Foi o próprio presidente do PMDB quem disse que na próxima eleição ele ficará parte com o governo, parte com a oposição.

O PMDB é tratado permanentemente com desqualificação e não se opõe a isso. Simplesmente parou

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de argumentar contra os fatos. No máximo, quando eles ameaçam suas posições na administração federal, luta pelas posições, nunca para corrigir os fatos. Acabou de acontecer, em proporções reduzidas, o mesmo com o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que apontou a gestão corrupta e ineficaz de seu partido na Fundação Nacional de Saúde.

Foi tratado como um desgarrado, indisciplinado, boquirroto e intolerante, quando foi apenas covarde por ter aceitado dar o dito pelo não dito. Jarbas Vasconcelos apenas ampliou e detalhou o quadro. Baseado na experiência e confiante na aceitação do conceito de que a amoralidade passou de exceção a regra geral, o PMDB deu de ombros. Ouve que há corrupção no partido, nem sequer estranha e não procura saber o que se passa: condena liminarmente o denunciante e dá o caso por encerrado.

Bem, isso é o que a Executiva do PMDB acha que deve ser feito. Não necessariamente precisa ser o que todos os parlamentares, governadores, prefeitos, filiados e militantes do partido e de outras legendas devam seguir. A entrevista de Jarbas Vasconcelos estende aos políticos de bem uma tábua de salvação. Abre a todos a oportunidade de escolher um lado: se o do joio ou do trigo.

Dá à opinião pública a chance de ver quem sustenta a verdade inconveniente dita pelo senador e quem se esconde sob a mentira conveniente contada pela Executiva do PMDB. Considerar condenável o ato do senador requer necessariamente que se admita como louvável o conjunto da obra do PMDB e se apresentem escusas pelo tratamento desrespeitoso dado à legenda. É uma escolha que põe em xeque a oposição a quem o senador anunciou apoio na eleição de 2010. Uma opção entre a ruptura benéfica e a renovação do pacto maléfico.

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Dora Kramer é jornalista, colunista política do jornal “O Estado de S.Paulo”.

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“CONFISSÃO E CORRUPÇÃO”

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“CONFISSÃO E CORRUPÇÃO” Sérgio Costa Ramos (17 de fevereiro de 2009)

- Não foi apenas um desabafo. Foi uma confissão. Talvez tenha sido o maior

desnudamento da história do Império e da República. Um verdadeiro strip-tease, mas também a submissão

a um autêntico martírio: o açoite autoinfligido ao partido que ajudou a fundar e a dar — no passado — credibilidade e decência. Nunca, em tempo algum, o filiado de um grande partido político descerrou tamanho véu.

— Para que o PMDB quer cargos? — perguntou o repórter de Veja Otávio Cabral.

E o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), um dos pilares do antigo MDB, cuja vertical resistência à ditadura conduziria o país à redemocratização, respondeu:

— Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnado em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.

Haverá, no mundo, maior libelo contra um partido político — com a ressalva de que o desabafo estende a todos os partidos a prática de corrupção explícita?

Sem se valer de eufemismos, ou de luvas cirúrgicas, sem amenizar qualquer significado, o senador Jarbas Vasconcelos disse, simplesmente, que “boa parte” do seu partido sobrevive através da prática de corrupção.

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Para bom entendedor: o partido abriga uma quadrilha de ladrões.

Quer dizer: homens de sete ofícios, gatunos, ratos, larápios, meliantes, ladravazes, rapinantes.

Diante de tal “carinho”, o que disse a presidência do partido? Ou a sua Executiva nacional?

Nada. Nem uma palavra. Pelo menos até as 48 horas que se seguiram ao destampatório do senador.

O que confere ao desabafo foros de verdade definitiva. Se o maior partido da República está transformado

nesse covil de trampolineiros, para que país os homens de Bem (e do Bem) devem pedir asilo?

Talvez para uma adaptada Pasárgada, o reino de Manuel Bandeira:

Vou me embora pra Pasárgada/ Lá é outra civilização/ Tem um processo seguro/ De impedir a corrupção... (No original, “concepção”).

Enquanto isso, no PMDB reina o Silêncio dos Inocentes... Sérgio Costa Ramos é jornalista.

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“O PMDB, A CORRUPÇÃO E A GELEIA GERAL BRASILEIRA”

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“O PMDB, A CORRUPÇÃO E A GELEIA GERAL BRASILEIRA” Editorial do Valor Econômico (17 de Fevereiro de 2009)

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) assumiu um duro discurso contra o seu partido no momento em que a maioria dos líderes peemedebistas convergem para a candidatura do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e declarou publicamente o seu apoio ao governador de São Paulo, José Serra (PSDB). "Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência da República", disse, em entrevista à revista "Veja". Vasconcelos, que foi apoiado internamente apenas pelo ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, puxa, assim, o cordão do PMDB que deverá rachar com o governo em 2010 e apoiar o candidato tucano - ele mesmo admitiu, na entrevista, que esse racha é inevitável e serve ao perfil clientelista de "90% do partido, que aderirá com conforto ao Palácio do Planalto qualquer que seja o eleito".

"O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que está mamando e não será possível agora uma traição total. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra. O partido se tornará livre para ser governo do lado do candidato vencedor", afirmou. E foi muito mais duro com o seu partido do que isso. Segundo ele, o PMDB começou a se tornar uma "máquina clientelista" a partir de 1994, quando resolveu ser governo sem ter o trabalho de disputar a eleição. "Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto com José Serra ou Dilma Rousseff. Não terá um gabinete

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presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado".

Embora tenha localizado o início do processo de adesão ao clientelismo do PMDB em 1994, ano em que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disputou o seu primeiro mandato à Presidência da República, Vasconcelos atribuiu ao atual governo a culpa pelas mazelas da política brasileira. "É um governo medíocre. E o mais grave é que a mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso". Ao PMDB, dedicou acusações graves, como usar cargos para "fazer negócios, ganhar comissões". "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção", disse. O senador Renan Calheiros "não tem condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido"; a eleição do senador José Sarney para a presidência do Senado é um "retrocesso", porque "a moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador", completou.

Vasconcelos tem uma história política de 46 anos totalmente ligada ao partido. Foi um de seus fundadores e militou na "ala autêntica", importante grupo de resistência à ditadura. Permaneceu no PMDB quando um racha liderado por Mário Covas fundou o PSDB. Os políticos que deixaram na época o partido e foram atrás de Covas já tinham severas críticas à condução do PMDB, que se tornou uma federação de partidos regionais, em que lideranças locais passaram a ter grande poder sobre a estrutura nacional e enorme necessidade de benefícios do governo federal para se manterem nos Estados. O senador tinha uma afinidade política muito maior com a parte que rachou, mas tomou também uma decisão regional: o PMDB em Pernambuco tinha um forte apelo eleitoral, era dominado por ele e não

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tinha por que abandoná-lo. Teve uma relação estreita com os dois governos de FHC. Com ligações históricas com Serra, deu apoio a Lula depois de eleito, em 2002, mas não queria que o PMDB aceitasse cargos no governo.

Eleito para o Senado em 2006, isolou-se na bancada quando foi a favor do afastamento do presidente do Senado, Renan Calheiros, um dos cardeais do PMDB de agora, que era acusado de usar o dinheiro de um lobista para pagar pensão a uma filha. Foi em meio ao isolamento que deu a entrevista à "Veja". No meio do terremoto provocado pela entrevista, destacou-se a reação do senador Pedro Simon (PMDB-RS), que tem a mesma trajetória política de Vasconcelos. "Acontecem essas mesmas coisas com os outros partidos, PT, PSDB, DEM, PPS e PTB. Estamos numa geleia geral. Acontece que alguns têm mais corrupção porque são maiores que os outros". Ao que parece, em outra ponto eles concordam: "Não tenho para onde ir", respondeu Simon ao repórter que perguntou por que ele não sai do PMDB. "Se eu sair daqui para onde irei?", disse Vasconcelos.

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“EM BUSCA DO PRESTÍGIO PERDIDO”

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“EM BUSCA DO PRESTÍGIO PERDIDO” Merval Pereira (17 de Fevereiro 2009)

Dois movimentos não ligados entre si, mas com objetivos semelhantes, realizados por políticos experientes acostumados a identificar o sentimento dos eleitores e dispostos a abrir o debate sobre temas delicados que ficam soterrados pelas conveniências imediatistas da pequena política, prometem sacudir a pasmaceira de um Congresso dominado pelo pensamento governista.

De um lado, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) abriu seu coração para a revista “Veja”, falando em público o que a imprensa denuncia regularmente, muitos políticos comentam em privado e ele próprio vinha dizendo reservadamente há bastante tempo: a angústia de ver o partido que ajudou a fundar e que foi sinônimo de excelência política, símbolo da resistência à ditadura, transformar-se num agrupamento político corrupto e fisiológico, movido a cargos e verbas públicas.

Do outro, o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), incomodado com o que chama de “partidocracia”, buscando através de uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pode ser julgada já na próxima quinta-feira antes do carnaval, uma valorização dos parlamentares dentro dos partidos para que eles tenham um papel mais relevante no jogo político que não o de meros espectadores dos acordos da cúpula partidária.

Curiosamente, os dois fazem parte de partidos da chamada “base parlamentar” do governo Lula, uma coalizão tão grande quanto disforme de partidos de vários e conflitantes matizes ideológicos, que só têm o interesse

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eleitoreiro a uni-los, uma grande geléia geral onde o debate político deu lugar ao fisiologismo e ao clientelismo, todos dependentes do grande líder carismático, que os anula, mas recompensa com fatias do Estado e expectativa de poder.

A entrevista de Jarbas Vasconcelos não parece ser o primeiro lance de uma série bem montada de ações do senador, como muitos chegaram a pensar, e muito menos deve ser tomada como um movimento político com vistas à sucessão presidencial.

Duas vezes governador de Pernambuco, um dos políticos mais importantes do Nordeste, região hoje amplamente dominada pelo lulismo, o senador Jarbas Vasconcelos é adepto da candidatura do governador de São Paulo José Serra, mas não precisaria dar uma entrevista bombástica para tentar dividir o PMDB, levando um pedaço dele para a candidatura tucana.

O incômodo com a atuação de seu partido o fez desabafar em público, na esperança, disse ontem, de que o debate aberto leve a uma revisão de comportamento.

Mesmo que não tenha a intenção de sair do PMDB, como reafirmou, o senador pode ter reacendido em muitos políticos a inquietação com a situação atual dos partidos. Seu desabafo pode ser o estopim para uma eventual reorganização partidária.

A consulta do deputado Miro Teixeira abre essa possibilidade, embora também não tenha sido feita com essa intenção.

O que o deputado quer é dar mais dignidade aos políticos dentro de seus partidos, para que eles possam aspirar a posições mais relevantes do que simplesmente serem caudatários de acordos de cúpula que os transformam em moeda de troca.

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A “partidocracia” consolidou-se, na opinião de Miro Teixeira, quando o TSE decidiu que os mandatos pertenciam aos partidos e não aos eleitos.

Ele fez algumas perguntas diretas ao TSE que, espera, dará chance ao tribunal de rever aspectos da decisão anterior que produzirá, na sua visão, um mal muito grande à política brasileira no longo prazo, esterilizando o debate político e dando às direções dos partidos poder de vida e morte sobre seus parlamentares.

Miro se utiliza do voto do ministro Joaquim Barbosa, que perguntou: “(...) não deveria haver um mecanismo para examinar a percepção do eleitor quanto à fidelidade do partido político pelo qual se elegeu o candidato tido por insurgente às diretrizes fixadas por ocasião do pleito?” e lança uma dúvida, numa situação que ocorre com frequência nesse Congresso emasculado: “(...) se, em tese, o partido ‘A’ organizar Bloco Parlamentar, na Câmara dos Deputados, com os partidos ‘B’ e ‘C’ adversários da chapa ou coligação com que se apresentou ao povo, nas respectivas eleições parlamentares ou na eleição presidencial, está configurada a hipótese de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, que permite ao parlamentar deixar a sigla sem perder o mandato? E na hipótese de o partido ocupar cargos e integrar governo de coalizão, com o adversário vitorioso?”.

O deputado pedetista também explora a possibilidade de criação de novos partidos e pergunta “em que momento os deputados que decidirem participar da fundação de partido político têm que deixar o partido pelo qual se elegeram, com a proteção da Resolução no22.610/2007 do TSE?”.

Ele pergunta também se a resolução do TSE reconhece ao novo partido fundado por deputados federais

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“os mesmos direitos aplicáveis a novo partido resultante de fusão”, prevista na legislação eleitoral brasileira.

E cita também o parágrafo 6odo Art. 29 da Lei 9.096, de 1995, que proporcionou a criação do PSDB como dissidência do PMDB, para saber se os partidos que eventualmente nascerem com base na resolução do TSE terão os mesmos direitos.

Importante em termos práticos, pergunta se os deputados que formarem um novo partido político levam com eles os votos para definir o tempo de televisão e a divisão do Fundo Partidário.

A consulta de Miro Teixeira dá ainda um toque de modernidade à formação de um novo partido, perguntando se o TSE aceitará o preenchimento da ficha partidária “meio eletrônico”, isto é, o uso da internet na criação de partidos, o que daria abrangência muito maior à representação partidária.

Como se vê, alguma coisa se move abaixo da capa de subserviência com que o Poder Legislativo acerta sua convivência com o Poder Executivo. Merval Pereira é jornalista, colunista de política do jornal “O Globo”.

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“UMA ENTREVISTA DEVASTADORA” Sebastião Nery (17 de Fevereiro de 2009)

Rio - No dia 1º de abril de 1964, enquanto o coronel João Dutra de Castilho depunha e prendia o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, no Palácio do Campo das Princesas, entrava na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Pernambuco Jarbas de Andrade Vasconcelos, nascido em 23 de agosto de 1942, em Vicência, zona da Mata, já no Recife desde os 7 anos.

No dia 13 de dezembro de 1968, quando a ditadura militar dava mais um golpe dentro do golpe, com o AI-5, e Arraes, lá na Argélia, via seu exílio prorrogado sem data para acabar, Jarbas Vasconcelos se formava em Direito. Mas já estava, havia muito tempo, brigando para Arraes voltar.

Em 1966, o MDB nasceu em Pernambuco nas mãos do professor Pinto Ferreira. Jarbas entrou no partido com Oswaldo Lima Filho, Marcos Freire, Egídio Ferreira Lima, Fernando Lyra, Sérgio Murilo, Thales Ramalho, Fernando Coelho, Marcus Cunha.

Na página de filiação do MDB, que Jarbas assinou, estão Odigas Carvalho (assassinado pelos militares), Roberto Freire (deputado, presidente do PPS), Cristovam Buarque (senador, ex-governador de Brasília, PDT).

Jarbas A partir daí, a vida de Jarbas foi a vida do MDB. Saiu

pelo Estado criando diretórios. Em novembro, o partido, ainda fraco, lançou Armando Monteiro Filho para o Senado, contra João Cleófas, da Arena, e perdeu. Em 1969, Jarbas

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era secretário-geral do MDB, até 1975, quando se tornou presidente, e continuou presidente do PMDB, de 1980 a 1982.

Em 1970, Jarbas elegeu-se deputado estadual e líder da oposição na Assembleia. Marcos Freire foi o mais votado do estado para a Câmara Federal: 56.967 votos. Em 1974, Marcos Freire derrotou João Cleófas para senador e Jarbas, principal operário da oposição em Pernambuco, com 32 anos, era o deputado federal com mais votos na história do estado: 67.975. Marco Maciel, da Arena, 55.692. Ricardo Fiúza, da Arena, 54.144. Fernando Lyra, do MDB, 53.238; Carlos Wilson, da Arena, 52.318. Thales Ramalho, do MDB, 38.469. Inocêncio de Oliveira, da Arena, 31.789.

Foram As 16 derrotas que abalaram o Brasil (título de meu livro de 1974) e que começaram a mandar a ditadura de volta para os quartéis.

Arraes Em 1978, Jarbas foi o candidato do MDB a senador.

Teve 600 mil votos, Nilo Coelho 350 mil e Cid Sampaio 300 mil, pela Arena. O senador foi Nilo, pela soma das sublegendas. (O pai de Jarbas morreu na apuração).

Em 1982, Jarbas apoiou Marcos Freire para governador pelo PMDB, que perdeu para Roberto Magalhães do PFL. E voltou à Câmara Federal. Em 1985, elegeu-se prefeito do Recife pelo PMDB, contra Sérgio Murilo do PDS. Em 1986, apoiou Arraes, que se elegeu governador pelo PMDB.

Em 1990, Jarbas era o candidato do PMDB a governador e Arraes a senador. Chapa imbatível. Mas Arraes entregou o governo ao vice Carlos Wilson, saiu do PMDB, foi para o PSB, não aceitou disputar o Senado, fez uma chapa de candidato a federal, encabeçada por ele,

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dividiu o horário de televisão com o PMDB, teve 300 mil votos e elegeu mais quatro.

E assim Arraes derrotou Jarbas, que perdeu o governo para Joaquim Francisco, do PFL. Em 1998, Jarbas deu o troco: elegeu-se governador pelo PMDB contra Arraes do PSB, por mais de 1 milhão de votos, logo no primeiro turno. Uma vitória esmagadora: 64,39%.

Sarney Ninguém, portanto, tem mais autoridade para falar

em PMDB do que o senador do PMDB de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos. Como ele, só Pedro Simon, do Rio Grande do Sul, Orestes Quércia, de São Paulo, Paes de Andrade, do Ceará, fundadores do MDB em 1966, que continuam até hoje no PMDB. Daí a repercussão nacional da devastadora entrevista do senador Jarbas Vasconcelos nas páginas amarelas da Veja desta semana:

1 - "A eleição do senador Sarney para a presidência do Senado é um completo retrocesso. Foi um processo tortuoso e constrangedor. Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão".

PMDB 2 - "O PMDB quer cargos para fazer negócios, ganhar

comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer é corrupção".

3 - "Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com Dilma ou com Serra. O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que

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está mamando. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra".

Lula 4 - "Com o desenrolar do primeiro mandato de Lula,

com os sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Quando o PT deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. Deixou a ética de lado e agora tem como bandeira o PAC, um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo".

5 - "A Dilma é prepotente e autoritária e está se moldando. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência". Sebastião Nery é jornalista, foi Vereador por Belo Horizonte (MG), Deputado Estadual (BA) e Deputado Federal (RJ)

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“O BRASIL VIROU UM GRANDE PMDB”

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“O BRASIL VIROU UM GRANDE PMDB” Arnaldo Jabor (17 de Fevereiro de 2009)

A entrevista de Jarbas Vasconcelos na revista Veja desta semana é uma rara ilha de verdade neste mar de mentiras em que naufragamos. Precisávamos dessas palavras indignadas que denunciam a rede de mediocridade política e de desagregação de poderes que assola o país, do Congresso ao Executivo.

De dentro de casa, Jarbas berrou: “O PMDB é corrupto!” e mostrou como este partido nos manipula, sob o guarda-chuva do marketing populista de Lula. O que Jarbas Vasconcelos atacou já era voz corrente entre jornalistas, inclusive o pobre diabo que vos fala.

Mas sua explosão é legítima e incontestável, vinda de um dos fundadores do MDB, depois transformado nesta anomalia comandada pelo Sarney, que é o líder sereno e hábil da manutenção do atraso em nossas vidas. Duvidam? Vão a São Luís para entender o que fez esse homem com seu jaquetão impecável há quarenta anos no poder daquele Estado. Jarbas aponta: “a moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador Sarney, (...) que vai transformar o País em um grande Maranhão”.

Mais que um partido, o PMDB atual é o sintoma alarmante de nossa doença secular. Era preciso que um homem de estatura política abrisse a boca finalmente, neste País com a oposição acovardada diante do ibope de Lula.

Estamos aceitando a paralisia mental que se instalou no País, sob a demagogia oportunista deste governo. O gesto de Jarbas é importante justamente por ser intempestivo, romanticamente bruto, direto, sem interesses e vaselinas. É

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mais que uma entrevista – é um manifesto do “eu-sozinho”, um ato histórico (se é que ainda sobra algo “histórico” na política morna de hoje). E não se trata de um artigo de denúncia “moral” ou de clamor por “pureza”, é um retrato de como alianças espúrias e a corrupção “revolucionária” deformaram a própria cara da política brasileira. Com suas alianças e negaças, o Governo do PT desmoralizou o escândalo!

Lula revalidou os velhos vícios do País, abrindo as portas para corruptos e clientelistas, em nome de uma “governabilidade” que nada governa, impedido pela conveniência e interesses de seus “aliados”. É como ser apoiado por uma máfia para combater o mal das máfias.

Jarbas não tem medo de ser chamado de reacionário pelo povão ou pelos intelectuais que ainda vivem com o conceito de “esquerda” entranhado em seus cérebros, como um tumor inoperável. Essa palavra “esquerda” ainda é o ópio dos intelectuais e “santifica” qualquer discurso oportunista. Na mitologia brasileira, Lula continua o símbolo do “povo” que chegou ao poder. A origem quase “cristã” desse mito de “operário salvador”, de um Getúlio do ABC, lhe dá uma aura intocável. Poucos têm coragem de desmentir esse dogma, como a virgindade de Nossa Senhora.

A última vez que vimos verdades nuas foi quando Roberto Jefferson, legitimado por sua carteirinha de espertalhão, botou os bolchevistas malucos para correr. Depois disso, chegou o lulo-sindicalismo, ou o peleguismo desconstrutivo, que empregou mais de 100 mil e aumentou os gastos federais de custeio em 128 por cento. O lulismo esvazia nossa indignação, nossa vontade de crítica, de oposição. Para ser contra o quê, se ele é “a favor” de tudo, dependendo de com quem esta falando – banqueiros ou

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desvalidos? Ele põe qualquer chapéu – é ecumênico, todas as religiões podem adorá-lo.

Ele ostenta uma arrogância “simpática” e carismática que nos anestesia e que, na mídia, cria uma sensação de “normalidade” sinistra, mas que, para quem tem olhos, parece a calmaria de uma tempestade que virá para o próximo governante.

Herdeiro da sensata organização macroeconômica de FHC que, graças a Deus, o Palocci manteve (apesar dos ataques bolchevistas dos Dirceus da vida), Lula surfou seis anos na bolha bendita da economia internacional, mas não aproveitou para fazer coisa alguma nova ou reformista. Lula tem a espantosa destreza de nos dar a impressão de que “tudo vai bem”, de que qualquer crítica é contra ele ou o Brasil.

Como disse Jarbas em sua entrevista, o governo do PT “deixou a ética de lado e não fez reformas essenciais, nem nada para a infraestrutura e o PAC não passa de um amontoado de projetos velhos reunidos em pacote eleitoreiro” (...) e o Bolsa Família, que é o maior programa oficial de compra de votos do mundo, não tem compromisso algum com a educação ou com a formação de quadros para o trabalho”.

A única revolução que deveria ser feita no Brasil seria o enxugamento de um Estado que come a nação, com gastos crescentes, inchado de privilégios, um Estado que só tem para investir 0,9% do PIB. A tentativa de modernização que FHC tentou foi renegada pelo governo do PT. Lula fortaleceu o patrimonialismo das velhas oligarquias e o PAC é uma reforma cosmética, como a plástica da Dilma, que ele quer eleger para voltar depois, em 2014. O único projeto do governo é o próprio Lula. Em cima dos 84% de aprovação popular, nada o comove. Só se comove consigo mesmo.

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Lula se apropriou de nossa tradicional “cordialidade” corrupta para esvaziar resistências. Assim, ele revitalizou o PMDB – o partido que vai decidir nosso futuro! Hoje, não temos nem governo nem oposição – apenas um teatro em que protagonistas e figurantes são o PMDB.

E no meio disso tudo: o Lula ,um messias sem programa, messias de si mesmo. 84% do povo apoia um governo que acha progressista e renovador, quando na verdade é ultraconservador e regressista. Nem o PT ele poupou para “conservar” a si mesmo. O PMDB é sua tropa de choque, seu “talibã” molenga e malandro. Agora... tentem explicar este quadro que Jarbas sintetiza com a clara luz de sua entrevista para um pobre homem analfabeto que descola 150 reais por mês do Bolsa Família... Vivemos um grande auto-engano. Arnaldo Jabor é crítico, cineasta e jornalista. Assina coluna no jornal “O Globo”

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“A CORRUPÇÃO VISTA DE DENTRO”

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“A CORRUPÇÃO VISTA DE DENTRO” Editorial d’O Estado de S.Paulo (17 de Fevereiro de 2009)

Desde que, em junho de 2005, o então deputado Roberto Jefferson, do PTB do Rio de Janeiro, denunciou a compra sistemática de parlamentares para servir ao governo Lula - no esquema que entraria para a história com o sugestivo nome de "mensalão" - não se via um político apresentar um libelo tão devastador sobre o comportamento dominante entre os seus pares como a entrevista do senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB de Pernambuco, à revista Veja.

Com uma agravante que ofusca: aos 66 anos, duas vezes governador do seu Estado, com quatro décadas de atividade política sem prontuário, um dos fundadores do partido que viria a liderar a campanha pela redemocratização do País, sob a sigla MDB, Jarbas Vasconcelos não é Roberto Jefferson, nem no retrospecto nem nas motivações por trás das iniciativas de cada qual de falar à imprensa.

Nem no quesito novidade. Por vingança, o petebista abriu para o público uma armação compartilhada pelos beneficiários, operadores e inspiradores do suborno de deputados, para que facilitassem o controle do Planalto sobre a Câmara e garantissem a aprovação dos projetos do governo; mudando de partido conforme a conveniência do lulismo e votando com a consciência da paga recebida e a expectativa de novas remunerações. Já o que o peemedebista acabou de fazer, por desalento, foi endossar, com a autoridade do seu perfil e da experiência no ramo, o

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que a sociedade sabe, ou pelo menos intui, sobre os costumes políticos de parcela dos seus representantes, as razões inconfessas que os levam à política e a sua insensibilidade moral à toda prova.

Embora sem citar casos concretos - salvo o escândalo que envolveu o senador Renan Calheiros -, ele se concentrou nas mazelas do seu partido, indo além da obviedade de que, sem bandeiras, propostas ou rumos, o PMDB é uma confederação de líderes regionais, todos com os seus próprios interesses, dos quais "mais de 90% praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos". Na passagem mais esclarecedora de sua entrevista, Vasconcelos explica que, para alguns, os cargos servem como instrumento de prestígio político.

Mas a maioria "se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral". E arremata: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção." Mal não lhe fez. O maior partido nacional elegeu 7 governadores, 20 senadores, 96 deputados federais e 1.202 prefeitos. Tem 7 ministros, acaba de conquistar o comando do Congresso e é cortejado pelo PT e o PSDB para a sucessão de Lula.

Outro senador e ex-governador que ajudou a criar o velho MDB, o gaúcho Pedro Simon, acrescenta uma dose de desesperança às denúncias do colega. "Acontecem essas mesmas coisas com os outros partidos. Alguns têm mais corrupção que outros porque são maiores."

A "geleia geral" de que fala Simon é decerto indissociável, por exemplo, do processo "tortuoso e constrangedor", como o descreve o pernambucano, da eleição de Sarney para a presidência do Senado, onde "o nível dos debates é inversamente proporcional à preocupação com as benesses". Segundo Vasconcelos, foi

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"um completo retrocesso", pois Sarney "não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Vai transformar o Senado em um grande Maranhão".

A amargura de Vasconcelos é especialmente visível quando reflete sobre o entranhamento da corrupção na era Lula. Em 2002, ele defendia o apoio do PMDB ao presidente recém-eleito. Em pouco tempo, mudou de ideia ao perceber que ele "não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética" - embora ressalve que a corrupção "não foi inventada por Lula ou pelo PT".

De todo modo, o descompromisso não é sinônimo de indiferença. Longe de lavar as mãos diante dos malfeitos dos políticos, Lula os incentiva, mantendo com o sistema de partidos uma relação essencialmente clientelística - não fosse isso, não teria o apoio de 14 legendas. E é com essa mesma matéria-prima invertebrada que ele pretende construir o suporte político da candidatura Dilma Rousseff.

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“UMA AGENDA”

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“UMA AGENDA” Editorial d’O Globo (17 de Fevereiro de 2009)

Há tempos o PMDB atua como uma federação de caciques regionais, aberta a negociações fisiológicas com os inquilinos do Planalto, em busca de vagas e verbas públicas, conquistadas em troca de apoio parlamentar e político. Por isso, o maior partido do país adota a estranha postura — estranha para desavisados — de não pleitear a sério a Presidência da República, a fim de mercadejar apoios nos balcões da fisiologia. Não paga o ônus e ainda capitaliza bônus inconfessáveis do poder.

Nada disso é desconhecido. Mas, ao sair da boca de um senador peemedebista, o pernambucano Jarbas Vasconcelos, a verdade ganha outra dimensão política. Em entrevista à “Veja”, Jarbas acusou o próprio partido de corrupto, criticou de forma pesada a eleição de José Sarney para a presidência do Senado, em cujo comboio voltou à boca de cena Renan Calheiros, e tratou sem rodeios de sua desilusão com Lula, pelo fato de o presidente e o partido dele, o PT, terem frustrado todos os que confiaram na defesa que ambos faziam da ética na política.

A desilusão do senador também tem outro motivo: nenhuma das reformas importantes de que o país necessita foi feita pelo governo, que optou pelo assistencialismo populista numa dimensão jamais vista.

Pode ser que a entrevista de Jarbas Vasconcelos, deputado, governador de Pernambuco, com 43 anos de vida política, iniciada no MDB da resistência à ditadura, seja considerada um ato da sucessão de 2010. Afinal, o senador não escondeu à revista apoiar José Serra para sucessor de

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Lula. Diga-se, também como uma falange do seu partido, dentro da conhecida esperteza peemedebista de colocar fichas na situação e na oposição, para nunca perder uma eleição presidencial.

A entrevista, porém, transcende a conjuntura político-eleitoral, e aborda algo mais profundo: a degradação da vida pública, alimentada por um quadro partidário anêmico, em que as legendas, em geral, são obrigadas a se submeter a puxadores de votos, e não conseguem atrair eleitores em função de projetos e programas, mas por meio de práticas populistas.

A degradação do PMDB é parte da metástase deflagrada a partir da Constituição de 88, com a qual houve uma excessiva proliferação de legendas — algumas de aluguel. Além disso, plasmou-se uma legislação sem qualquer rigor, responsável por permitir a entrada na política de fichas-sujas de toda espécie e do próprio crime organizado.

Tudo isso e ainda a inexistência de uma regra séria sobre a fidelidade partidária criaram um estado de coisas na política brasileira que leva Jarbas Vasconcelos a admitir aposentar-se. Entre as razões que motivaram o senador a assinar embaixo das mais ácidas críticas ao PMDB e ao governo, é provável que tenha sido determinante a constatação de que o governo e o PT foram contaminados pelo vírus da baixa política, do toma-lá-dá-cá, na montagem das alianças partidárias. No mínimo, o senador contribuiu para a agenda de uma discussão séria sobre o poder no Brasil.

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“PASSO DEFINITIVO”

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“PASSO DEFINITIVO” Marisa Gibson (17 de Fevereiro de 2009)

É evidente que a reação do PMDB à entrevista de Jarbas Vasconcelos à revista Veja não ficará restrita à nota da Executiva Nacional, que minimizou as declarações do senador acusando o partido e a maioria de seus integrantes de corruptos. Assim como Jarbas teve coragem de dizer o que queria, os peemedebistas governistas também terão coragem, de uma maneira ou de outra, de inviabilizá-lo mais ainda dentro do partido. Daqui para frente, portanto, a queda de braço será bem mais pesada. E tanto Jarbas como os peemedebistas têm munição e instrumentos suficientes para isso.

O surpreendente é que no PMDB ninguém falou em expulsão e nem mesmo Jarbas acredita que isso venha a acontecer. Ontem, o senador reafirmou tudo o que falou na entrevista, mas vale ressaltar que o que ele disse a respeito do PMDB não foi surpresa para ninguém.

O que causou impacto foi o fato de ele ter falado publicamente sobre o lado podre do seu partido, confirmando que, se o PMDB é o maior partido do Brasil, também é o pior. E sobre este aspecto, Jarbas ganhou a adesão da opinião pública porque fazia tempo que ninguém, no país, mostrava tanta indignação pelo o que acontece nos porões da política brasileira.

Agora, o outro lado da entrevista, aliás, uma resposta em que o senador dedicou poucas palavras, foi o que tirou a oposição estadual do sério. A possibilidade de Jarbas deixar a vida pública e de não disputar, como é sua vontade, as eleições de 2010, é quase uma derrota antecipada para os

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oposicionistas. Mas Jarbas foi taxativo - não vai ceder às pressões. E com 43 anos de arena política, o senador sabe que com o que disse à Veja, ele deu um passo definitivo, tanto no plano nacional como no estadual. Ele nem pode ser candidato a vice de Serra, como ele mesmo diz que não quer, nem pode, por um motivo ou por outro, concorrer ao governo do estado. Isso porque o argumento da dinâmica política não deve prevalecer nem sobre princípios nem sobre a palavra dada. Marisa Gibson é jornalista.

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“A ESPLÊNDIDA SOLIDÃO DE UM INCORRUPTÍVEL”

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“A ESPLÊNDIDA SOLIDÃO DE UM INCORRUPTÍVEL” Augusto Nunes (18 de Fevereiro 2009)

Parece mentira, mas existe a oposição parlamentar que o Brasil decente merece. Chama-se Jarbas Vasconcelos, é senador pelo PMDB de Pernambuco, pertence à espécie em extinção dos políticos incorruptíveis e desde o começo da semana, como convém a raridades admiráveis, está exposto à visitação pública nas páginas amarelas da revista Veja. Vale a pena conhecer alguém que vê as coisas como as coisas são ("O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo").

Vale a pena conhecer alguém que conta o caso como o caso foi ("A maioria dos peemedebistas se especializou em manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção"). E que diz sem medo o que pensa. "Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos num pacote eleitoreiro."

Anestesiado pelo que o entrevistado chama de "banalização do escândalo", rendido à "mediocridade que contamina", feliz com um presidente que "não tem nenhum compromisso com as reformas ou com a ética", o Brasil do faz-de-conta continuou esperando os pesquisadores do Sensus para informar que o coro dos contentes passou de 90%. Decididos a não melindrar o adversário de estimação, os partidos de oposição se solidarizaram silenciosamente

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com os culpados. E os acusados tiveram de engolir as verdades indesmentíveis.

Nascido e criado na Zona da Mata, Jarbas tinha 12 anos quando ouviu do pai, um funcionário público rude e reto, a frase que ficaria marcada a ferro na memória. "Nunca volte para casa com marcas de briga nem dizendo que achou dinheiro na rua." O menino assimilou a lição pela metade: foi sempre irretocavelmente honesto, mas jamais fugiu de briga boa. Na década de 1970, o deputado estadual que fundara o MDB pernambucano brigava pela ressurreição da democracia e contra a ditadura. Aos 66 anos, briga pela restauração da ética, da moralidade e de outros valores revogados pela aliança dos fora-da-lei.

"Os fatos! Os fatos!", resolveram cobrar jornalistas aparentemente alcançados pela epidemia de cegueira conveniente. "Os nomes! Os nomes!", exclamaram nas colunas de leitores alguns idiotas da objetividade. É só teclar as palavras "corrupção" e "partidos" nos sites de busca na internet, poderia ter sugerido Jarbas na entrevista coletiva em que reafirmou o que dissera à Veja.

Dispensara-se de acusações detalhadas, informou, por falta de espaço para tantas. Caso continuem ofendidos, os que viram nas constatações feitas por Jarbas uma afronta sem fundamento a legendas imaculadas estão novamente convidados a buscar alívio na internet. Os simpatizantes do PMDB podem digitar no Google nomes como Valdir Raupp, Renan Calheiros, Romero Jucá - ou apenas a sigla do partido. Para os petistas, basta uma palavra: mensalão.

"O PMDB não tem nada a ver com o partido que combateu o regime militar", constatou Jarbas. Por que não muda de sigla? "Para onde irei?", respondeu o senador com outra pergunta. Melhor esperar a hora de fundar algo melhor no partido obrigado a tolerar o dissidente. Sobram-

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lhe amigos no PSDB, mas falta o que chama de "formação tucana". E está cada vez mais distante do PT e do presidente.

"O Partido dos Trabalhadores se apresentou como templo da moralidade até chegar ao poder", lembrou. "Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção." No fim de 2002, animado com o triunfo de "um ex-operário que havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética", propôs que o PMDB apoiasse Lula "sem cargos nem benesses". Não demorou a decepcionar-se com o presidente que prefere fazer amigos e conquistar aliados por outros meios.

"Sempre houve corrupção, mas o governo Lula provocou a banalização do escândalo", registrou. "O Médici também era endeusado no Nordeste, mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso", argumentou para justificar o desembaraço com que atravessa o samba-exaltação composto por institutos de pesquisa de opinião.

Em três páginas, Jarbas resumiu a extensa plataforma que deveria ser encampada pelos partidos de oposição. Isso se ainda existissem. Augusto Nunes é jornalista.

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“ALTO LÁ, JARBAS NÃO É ROBERTO JEFFERSON”

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“ALTO LÁ, JARBAS NÃO É ROBERTO JEFFERSON” Elio Gaspari (18 de Fevereiro de 2009)

O PMDB OFENDEU-SE com a entrevista que o senador Jarbas Vasconcelos deu ao repórter Otávio Cabral. Um dos seus caciques, o deputado Eduardo Cunha (RJ) indignou-se: "Ele generalizou e não deve se sentir confortável no PMDB depois das críticas. Deve sair".

A reação de Cunha ofendeu a Lei de Serpico, o detetive americano (Al Pacino no filme) que levou um tiro na cara durante uma diligência contra traficantes acumpliciados com seus colegas: "É o policial corrupto quem deve ter medo do honesto e não o contrário".

O que disse Jarbas? "O PMDB é um partido sem bandeiras, sem

propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos."

O que se pode dizer do deputado Eduardo Cunha? O doutor tem 40 anos, está no seu segundo mandato

federal e o PMDB é seu terceiro domicílio partidário. Cunha começou sua carreira pública presidindo a falecida Telerj (1991-1993), durante o governo de Fernando Collor, e a Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (1999-2000), durante o mandarinato de Anthony Garotinho.

Sua contribuição republicana para o governo Lula foi a indicação do arquiteto Luiz Paulo Conde para a presidência das Centrais Elétricas de Furnas. Nas suas

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cercanias fica o fundo de pensão dos funcionários, o Real Grandeza, com ativos de R$ 5,8 bilhões ao final de 2007.

No collorato, Cunha era respeitado pelo acesso que tinha ao empresário-tesoureiro Paulo César Farias. Na virada petista, era visto por Rosinha Garotinho como intermediário fiel em algumas negociações com o PT. Em 2005, numa transação que poderia sepultar a criação da CPI dos Correios, foi desatendido pelo Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

Cunha lidera com descortínio parte da bancada de deputados federais do PMDB. Quando necessário, atua em sintonia com o governador Sérgio Cabral, outro crítico das generalizações de Jarbas. Recentemente, Ronaldo Monteiro Francisco, irmão caçula de Roberto Jefferson, foi nomeado por Cabral para a presidência de uma empresa estatal. O ex-deputado, nacionalmente conhecido desde que implodiu as caixas do mensalão, lavou as mãos e atribuiu a escolha às "qualidades intelectuais e relações políticas de meu irmão" bem como "à amizade de Sérgio e Eduardo Cunha".

O deputado foi inquilino do doleiro Lúcio Funaro, um dos coadjuvantes da crise do mensalão. Explicando-se, disse que se tratava de um aluguel inocente. Quando lhe atribuem nomeações em diretorias de Furnas, da Caixa ou da Petrobras, responde: "Estão exagerando. Eu só indiquei o Luiz Paulo Conde para Furnas. Os outros foram indicados pelas bancadas e eu apenas apoiei".

As críticas de Jarbas Vasconcelos às práticas de uma banda (e que banda) do PMDB diferem das denúncias de Roberto Jefferson porque vêm de fora para dentro das caixas amigas. Todos os seus críticos sabem do que ele está falando e não querem saber de falar nisso.

Michel Temer, presidente do partido e da Câmara dos Deputados, diz que elas não têm "especificidade". Se a generalização foi infame, Temer pegou leve. Se não se quer

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especificar, daqui a pouco começa o Carnaval e, quem sabe, muda-se de assunto. Elio Gaspari é jornalista, colunista dos jornais “O Globo” e “Folha de S.Paulo”.

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“O SILÊNCIO DOS INCRIMINADOS”

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“O SILÊNCIO DOS INCRIMINADOS” Rosângela Bittar (18 de Fevereiro de 2009)

O ministro José Gomes Temporão (PMDB-RJ), da Saúde, já havia se rebelado publicamente contra a desfaçatez com que seu partido pratica a gestão dos recursos públicos e foi mal sucedido ao tentar trocar a direção da Funasa (Fundação Nacional de Saúde, bunker peemedebista de cargos e verbas). Anos atrás, o atual governador Roberto Requião (PMDB-PR) inventou, contra um colega de partido, o "disque Quércia", expressão autoexplicativa.

O próprio presidente Lula já insultou o senador José Sarney (PMDB-AP), não houve processo e hoje são amigos e aliados. O PMDB do Rio, que domina comissões no Parlamento como instrumento de pressão sobre o governo, atravessa períodos de intensas críticas e suspeitas sobre suas relações com Furnas, por exemplo, sem reagir ou se sentir impelido a torná-las transparentes.

Ninguém ignora, nem o eleitorado, as concepções e métodos do PMDB e o partido sabe disso: há cerca de 10 anos encomendou uma pesquisa, divulgada em convenção que realizou no Hotel Nacional, em Brasília, em que um dado deixou a platéia boquiaberta. Os entrevistados declararam ser o PMDB o partido mais corrupto da política brasileira. A informação foi transmitida à imprensa, numa entrevista coletiva, sem o menor sinal de constrangimento ou preocupação. Afirmou-se, na ocasião, que a direção tudo faria para superar esta imagem impregnada, por alguma razão, no imaginário do eleitorado.

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A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) à revista "Veja" é mais um desses momentos em que seu partido, e o governo Lula, a quem o senador se opõe politicamente em dissidência , se veem diante de um perfil desprezível, traçado por uma voz contundente, uma fala substantiva, um discurso político, como há muito se cobrava à oposição. Jarbas não observou conveniências e tudo no seu discurso fez sentido.

Não há novidade no que disse o senador e nem em sua atitude, sempre coerente. Já no discurso inaugural de início de mandato, em 2007, Jarbas Vasconcelos apresentou um olhar em perspectiva não só sobre o seu partido como sobre a política em geral. De volta ao Congresso, depois de 21 anos de mandatos no Executivo, explicitou um manual de atitudes sobre a prática da democracia e o exercício da oposição. Não condenou as alianças, mas alertou que em países com grande fragilidade do quadro partidário, embora as alianças sejam necessárias para governar, é preciso ter como base o respeito ao pluralismo partidário e expressar um programa de governo com objetivos definidos.

Não vendo no PT esta condição, o senador defendeu que o PMDB ficasse como "principal escoadouro das esperanças em construir um Brasil melhor e mais justo".

Não convenceu o PMDB, postou-se na dissidência minoritária de oposição e a defendeu como direito. O senador não destoa agora de seu pronunciamento mas deve constatar que tanto antes como hoje prega ao vento. Os peemedebistas insultados (eles devem saber com quem Jarbas Vasconcelos está falando) fingem-se de desentendidos. Provavelmente pelo temor de reagir. Talvez deduzam que, mesmo sendo um discurso político, pode haver provas e, se as há, qualquer movimento em falso faz o caso virar um incontrolável "mensalão".

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O senador Renan Calheiros, de volta ao cargo de líder do partido depois de graves acusações que sofreu no campo da moral e da ética, faz-se de mouco. O senador José Sarney, presidente do Senado, não repudia a constatação de que sua eleição é retrocesso e continua, como esteve durante a campanha, sem dizer qual projeto tem à frente da Casa. Seus mais próximos preferem apegar-se à ideia de que é possível explorar uma ambiguidade, de resto inexistente, no conceito de que o presidente vai transformar o Senado em um "grande Maranhão".

Resolveram achar poético, romântico, como a censura certamente achou quando liberou Chico Buarque na ironia à ditadura, ao prever que "esta terra ainda vai tornar-se um imenso Portugal".

Renan e Sarney apadrinham a maior parte dos cargos que o PMDB quer, na avaliação do senador Jarbas Vasconcelos, para fazer negócios e ganhar comissões. A maioria do partido se especializou, reforça o senador, "nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral".

Os jornais mostraram ontem que a metade dos senadores do PMDB responde a inquéritos ou ações penais no Supremo Tribunal Federal. Segundo levantamento do jornal O Globo, 40% da bancada peemedebista do Senado são investigados por crimes de corrupção, formação de quadrilha, falsidade ideológica, compra de votos.

Jarbas Vasconcelos não foi, como se vê, leviano nem injusto. Fez uma manifestação política, e é pena que os políticos recusem mais esta oportunidade de recomeçar do zero. Rosângela Bittar é jornalista, colunista do jornal “Valor Econômico”

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“EU SOU, MAS QUEM NÃO É?” Editorial d’O Estado de S.Paulo (18 de Fevereiro de 2009)

Seria de rir, não fosse de chorar - pelo que evidencia da miséria moral da política brasileira - a nota com que o PMDB se manifestou sobre a entrevista do senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, um dos fundadores da legenda, em que ele acusa "mais de 90%" dos seus correligionários de praticar o clientelismo, no escambo do apoio aos governantes de turno, em troca, principalmente, de cargos. Em raquíticas oito linhas, a Executiva Nacional peemedebista faz saber que não dará "maior relevo" às denúncias, desqualificadas como mero "desabafo". Tivesse a agremiação um átimo de pudor, chamaria o dissidente às falas porque o seu assim denominado desabafo expõe o cerne do comportamento fisiológico que de há muito se tornou a razão de ser desse que é o carro-chefe do sistema partidário nacional.

Pois quando fala do apetite compulsivo do PMDB por cargos, o senador observa que a ocupação de espaços na máquina federal não se explica basicamente pela busca de dividendos políticos, portanto eleitorais, que o enfeudamento rende aos ocupantes e, sobretudo, aos seus padrinhos. Se disso se tratasse, até que não seria o pior dos mundos, descontada, vá lá, a promiscuidade que desnatura o princípio constitucional da impessoalidade da administração pública e das decisões de Estado - e a entrevista do senador não passaria de uma dissertação superficial sobre o toma-lá-dá-cá nas relações de poder no País. Só que ele atingiu a veia da questão ao dizer que a

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maioria dos peemedebistas interessados em cargos "se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral". E, para o caso de alguém ainda não ter entendido, cravou: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção."

Diante disso, com a sua murmurada resposta, o baronato partidário passou o proverbial recibo ao denunciante, elevando inadvertidamente os seus argumentos à categoria de constatação de uma realidade objetiva. Ao mesmo tempo, a cúpula deixou subentendido o paradoxo que é a marca de Caim da sigla - e, diga-se desde logo, não apenas desta. Sim, porque, tivessem esses cavalheiros algum resquício de pudor, como se mencionou acima, iriam com tudo contra quem não mediu palavras para dizer a que vem "boa parte" deles. Mas, fizesse o pudor parte de seu padrão de atuação política, não seriam o que são, e o libelo que caiu sobre as suas cabeças teria tanta contundência quanto um tiro de pólvora seca. Em desespero de causa, a nota acusa Vasconcelos de lançar a pecha de corrupção a todo o sistema político, por ter ele afirmado que "a corrupção está impregnada em todos os partidos". Praticamente dá para ouvir os autores repetindo, em coro, o velho bordão do personagem de Chico Anísio: "Sou, mas quem não é?"

Dizem eles ainda que não darão "maior atenção" às suas palavras "em razão da generalidade das acusações". Efetivamente, ele "não aponta nenhum fato concreto que fundamente suas declarações". Vasconcelos se deteve apenas no episódio do colega Renan Calheiros, que em dezembro de 2007 renunciou à presidência do Senado dentro de um arranjo para não ser cassado por quebra de decoro no affair do lobista que pagava as suas contas. Refeito, assumiu a liderança da bancada peemedebista na

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Casa e foi um dos mais notórios cabos eleitorais do bom amigo José Sarney, cuja volta ao comando do Senado, pela terceira vez, Vasconcelos considera "um completo retrocesso". "Não quero citar ninguém por enquanto", justifica-se. "Tenho de ter o mínimo de estratégia." Mas os fatos falam - ou, melhor, clamam - por si.

Para não ir mais longe, a própria representação do PMDB na Câmara Alta é uma usina de indícios veementes de impropriedades. A legenda tem 20 senadores. Basta uma simples consulta à base de dados do Supremo Tribunal Federal (STF) para verificar que 1 de cada 2 deles responde a processo ou está sob investigação. Tudo somado, são 13 inquéritos, 4 ações penais e 5 investigações. Envolvem peixes graúdos, como o líder do governo Romero Jucá, alvo de dois inquéritos, e senadores sem voto, como Edison Lobão Filho. O "per capita" é inigualável, o que representa uma proeza e tanto, mesmo sendo o que é "boa parte", como diria Vasconcelos, dos políticos brasileiros.

A tempo: além de Pedro Simon, o único peemedebista de 1º escalão que apoiou Vasconcelos foi Orestes Quércia...

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“A BRAVURA DO INCORRUPTÍVEL” Augusto Nunes (18 de fevereiro de 2009)

Parece mentira, mas existe a oposição parlamentar que o Brasil decente merece. Chama-se Jarbas Vasconcelos, é senador pelo PMDB de Pernambuco, pertence à espécie em extinção dos políticos incorruptíveis e desde o começo da semana, como convém a raridades admiráveis, está exposto à visitação pública nas páginas amarelas da revista Veja. Vale a pena conhecer alguém que vê as coisas como as coisas são ("O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo"). Que conta o caso como o caso foi ("A maioria dos peemedebistas se especializou em manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção").

E que diz sem medo o que pensa. "Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos num pacote eleitoreiro". Anestesiado pelo que o entrevistado chama de "banalização do escândalo", rendido à "mediocridade que contamina", feliz com um presidente que "não tem nenhum compromisso com as reformas ou com a ética", o Brasil do faz-de-conta continuou esperando os pesquisadores do Sensus para informar que o coro dos contentes passou de 90%. Decididos a não melindrar o adversário de estimação, os partidos de oposição se solidarizaram silenciosamente com os culpados.

E os acusados engoliram aplicadamente as verdades indesmentíveis. Nascido e criado na Zona da Mata, Jarbas tinha 12 anos quando ouviu do pai, um funcionário público

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rude e reto, a frase que ficaria marcada a ferro na memória. "Nunca volte para casa com marcas de briga nem dizendo que achou dinheiro na rua". O menino assimilou a lição pela metade: foi sempre irretocavelmente honesto, mas jamais fugiu de briga boa. Na década de 70, o deputado estadual que fundara o MDB pernambucano brigava pela ressurreição da democracia e contra a ditadura. Aos 66 anos, briga pela restauração da ética, da moralidade e de outros valores revogados pela aliança dos fora-da-lei. "Os fatos! Os fatos!", resolveram cobrar jornalistas aparentemente alcançados pela epidemia de cegueira conveniente. "Os nomes! Os nomes!", exclamaram, animaram-se nas colunas de leitores alguns idiotas da objetividade.

É só teclar as palavras "corrupção" e "partidos" nos sites de busca na internet, poderia ter sugerido Jarbas na entrevista coletiva em que reafirmou o que dissera à Veja. Dispensara-se de acusações detalhadas, informou, por falta de espaço para tantas. Caso continuem ofendidos, não custa lembrar, os que viram nas constatações feitas por Jarbas uma afronta sem fundamento a legendas imaculadas estão novamente convidados a buscar alívio na internet. Os simpatizantes do PMDB podem digitar no Google nomes como Valdir Raupp, Renan Calheiros, Romero Jucá - ou apenas a sigla do partido. Para os petistas, basta uma palavra: mensalão. "O PMDB não tem nada a ver com o partido que combateu o regime militar", constatou Jarbas.

Por que não muda de sigla? "Para onde irei?", respondeu o senador com outra pergunta. Melhor esperar a hora de fundar algo melhor no partido obrigado a tolerar o dissidente. Sobram-lhe amigos no PSDB, mas falta o que chama de "formação tucana". E está cada vez mais distante do PT e do presidente. "O Partido dos Trabalhadores se apresentou como templo da moralidade até chegar ao

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poder", lembrou. "Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção". No fim de 2002, animado com o triunfo de "um ex-operário que havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética", propôs que o PMDB apoiasse Lula "sem cargos nem benesses".

Não demorou a decepcionar-se com o presidente que prefere fazer amigos e conquistar aliados por outros meios. "Sempre houve corrupção, mas o governo Lula provocou a banalização do escândalo", registrou. "O Médici também era endeusado no Nordeste, mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso", argumentou para justificar o desembaraço com que atravessa o samba-exaltação composto por institutos de pesquisa. Em três páginas, Jarbas resumiu a extensa plataforma que deveria ser encampada pelos partidos de oposição. Isso se ainda existissem. Augusto Nunes é jornalista.

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“ENCARCERADO NO PMDB” Maria Cristina Fernandes (20 de Fevereiro de 2009)

Só há dois tipos de políticos: aqueles que levantam grana para fazer política e os que fazem política para levantar grana. O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) tem militado ao longo de seus 40 anos de vida pública na primeira categoria. Nesta militância tem companheiros egressos de quase todos os partidos. É compreensível que se sintam minoritários face ao portentoso exército que cerra fileiras do outro lado. Mas não é esta militância, de um lado ou do outro, que pavimenta a chegada ao poder. É a política. E não são visíveis hoje os rumos da oposição neste campo. É este o resumo da entrevista do senador à 'Veja'.

Não é a primeira vez que Jarbas se rebela contra seu partido ou contra o poder. O que impressiona é como a oposição à qual hoje se filia tenha sido capaz de encarcerar um espírito como o seu nos limites das páginas de uma revista.

O senador pernambucano resistiu ao golpe militar abrindo diretórios do MDB pelo interior de seu Estado; rebelou-se contra a eleição indireta, ausentando-se do colégio eleitoral que escolheu Tancredo Neves; e segurou, como presidente do partido, a campanha de Ulysses Guimarães, quando a maioria de seus correligionários pulava para o barco de Fernando Collor de Mello.

Fez política nadando contra a maré dentro do PMDB, mas não se furtou a deixá-lo quando viu sua carreira ser ameaçada pela burocracia do partido que, em 1985, montou uma convenção municipal para derrotar suas pretensões de se candidatar a prefeito do Recife.

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Jarbas saiu do PMDB e foi para o PSB, quando montou a chamada "Frente Popular do Recife", reunindo PT e PCdoB, além do então deputado federal Miguel Arraes, com quem depois romperia. Elegeu-se prefeito do Recife derrotando um obscuro deputado lançado por seu partido. Passadas as eleições, Jarbas voltou para o PMDB e foi, paulatinamente, reconquistando a legenda.

A eleição que salvou a carreira política do então deputado federal, tendo sido determinante para a história do Estado naquele momento de retomada do poder pelos civis, só foi possível graças a uma infidelidade partidária.

Hoje a história não se repetiria face à decisão dos tribunais superiores de que o mandato é dos partidos, saudada como indício de moralização dos costumes políticos. Foi uma decisão ansiosamente aguardada pelos partidos de oposição, que nela viram a salvaguarda para a defecção de seus correligionários rumo ao curral governista. E teve entusiasmado apoio do próprio Jarbas.

Ainda é cedo para se concluir que o PMDB vai compor chapa com a ministra Dilma Rousseff, mas, para ser substantivo, um movimento pró-Serra no partido hoje teria que partir de posições que internamente detenham poder, como o presidente da Câmara, Michel Temer (SP).

Se a cacicada do PMDB, com os redobrados poderes da fidelidade partidária, limita seus movimentos na política nacional, o senador também enfrenta problemas no plano regional.

Ao contrário do senador Pedro Simon (PMDB-RS), que atira para o céu e preserva pontes na terra face a interesses do governo de sua aliada Yeda Crusius (PSDB), Jarbas hoje tem mitigadas chances de ver seu grupo retomar o poder em Pernambuco.

O governador do Estado, Eduardo Campos (PSB), está na faixa dos 80% de aprovação e conta com o apoio da

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quase totalidade dos 49 deputados da Assembleia Legislativa. Na última vez que foi ao Recife, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalizou publicamente sua candidatura à reeleição.

No início do primeiro governo Lula, quando o ex-ministro José Dirceu (PT) tentou fechar uma aliança com o PMDB que só viria a se concretizar anos mais tarde, o então governador Jarbas Vasconcelos foi a ponta de lança dessa aproximação, respaldada pela simpatia do presidente que nunca esqueceu da visita que o então emedebista lhe fez na prisão.

Dirceu chegou a almoçar no Palácio do Campo das Princesas com Jarbas. Comunicou ao então deputado Eduardo Campos que, em 2006, o lulismo juntaria o então governador e o prefeito do Recife à época, João Paulo (PT), numa única chapa como candidatos, respectivamente, ao Senado e ao governo do Estado.

Veio o mensalão, Dirceu caiu e Jarbas acabou se afastando da esfera petista. Eduardo Campos, que saiu do ministério da Ciência e Tecnologia para reforçar a retaguarda governista na Câmara no auge do mensalão, foi ganhando espaço até que, em 2006, derrotou o candidato jarbista à sua sucessão.

Na entrevista, o senador diz não ter mais pretensão de disputar cargos. Seus correligionários no Estado ficaram em polvorosa, mas não há motivos para desacreditar dele. Maria Cristina Fernandes é jornalista, editora de Política do jornal “Valor Econômico”

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“É PRECISO PUNIR” Veja - (Carta ao Leitor, 20 de Fevereiro de 2009)

A entrevista de Jarbas Vasconcelos, publicada na edição passada de VEJA, deixou Brasília em estado de perplexidade. À explicitação – tão serena quanto desencantada – do senador pernambucano de que seu partido, o onipresente PMDB, é um ninho de corrupção e fisiologismo, o Palácio do Planalto, que dá mundos, fundos e latifúndios para manter a agremiação na base governista, não se manifestou. Preferiu apostar no poder dissipador de crises do Carnaval brasileiro.

A oposição, por sua vez, conseguiu produzir um silêncio ainda mais eloquente: afinal de contas, como romper um namoro, com vistas à eleição presidencial de 2010, que pode dar em casamento? A reação mais reveladora do grau de esgarçamento da política brasileira partiu, no entanto, da cúpula peemedebista.

Diante da afirmação, feita por um integrante histórico do partido, de que "boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção", os caciques da agremiação divulgaram uma nota vaga em que o acusam de lançar uma sombra de suspeição sobre todo o sistema e deram o assunto por encerrado. Mais nada. Não recorreram nem mesmo àquele vício que presta elogio à virtude, o da hipocrisia. Hipocrisia de afirmar, por exemplo, que seria aberta uma sindicância interna ou que Jarbas seria chamado a se explicar.

Ao comentar a repercussão da entrevista de Jarbas junto à cúpula do PMDB, o jornal O Estado de S. Paulo, em editorial, deu-lhe contornos definitivos: "Com sua murmurada resposta, o baronato partidário passou o

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proverbial recibo ao denunciante, elevando inadvertidamente os seus argumentos à categoria de constatação de uma realidade objetiva".

As reações partidárias são um péssimo termômetro para medir a febre de corrupção que desde sempre acomete o tecido político do país – em seus níveis municipal, estadual e federal. Para avançar nessa questão, a sociedade brasileira não pode deixar cair no vazio a entrevista corajosa do senador. VEJA espera ajudar nesse sentido, com a reportagem que começa na página 44.

Além de revelar detalhes do antigo caso de amor do PMDB com o dinheiro do contribuinte, a reportagem elenca os caminhos mais factíveis para tentar deter as delinquências na esfera pública. A transparência nos gastos, gestão eficiente e, principalmente, o fim da impunidade de corruptores e corruptos, tais são as linhas mestras.

O Brasil é um país mais corrupto do que muitos não porque nossa índole seja pior do que a de outros povos. O que nos é peculiar nesse campo é a impunidade. Os corruptos se beneficiam principalmente de um sistema judicial convoluto, que permite recursos, manobras e adiamentos praticamente sem fim. O resultado disso tudo é o incentivo à prevaricação.

Essa lógica precisa ser invertida, de modo que roubar dinheiro público se torne complexo e a punição aos culpados, inescapável. Só assim as coisas começarão a mudar no Brasil.

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“ASSINAREI EMBAIXO”

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“ASSINAREI EMBAIXO” Cristovam Buarque (20 de Fevereiro de 2009)

Nesta semana, a revista Veja publicou uma entrevista com o senador Jarbas Vasconcelos que ficará na história como uma das mais fortes tomadas de posição feita por um político brasileiro. Apesar da discordância de muitos, sua entrevista diz o que muitos pensam e não quiseram, não tiveram grandeza ou oportunidade para dizer. Nenhum líder brasileiro pode ficar omisso. Todos os políticos com cargo eletivo têm obrigação de exigir que as denúncias sejam apuradas.

Não se pode deixar de refletir e tomar posição quando ele afirma que “a eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Um completo retrocesso. Tião Viana, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado.” Ele diz que esta eleição “reflete o que pensa a maioria dos colegas parlamentares.” Foi por causa dessa maioria que, há dois anos, o senador Jefferson Peres teve a coragem de dizer que não pretendia candidatar-se outra vez, com a mesma ênfase de Jarbas dizendo agora que: “às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui”. Porque “o nível dos debates é inversamente proporcional à preocupação com as benesses”.

As declarações relacionadas com o PMDB seriam um assunto interno, se ele não fosse o maior partido, com o controle das duas Casas do Congresso e poder de fazer refém o próprio Executivo. O senador Jarbas diz com toda força que o líder de seu partido no Senado “não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador”.

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Mais grave será se a entrevista do senador Jarbas não tiver consequências. Se nada for feito, o Senado atestará sua tolerância com as acusações. Ou o senador Jarbas está fazendo acusações injustas e merece ser punido, ou ele está dizendo a verdade e é preciso punir que está desmoralizando a política brasileira. Pior será se, em vez de abrirem processo para saber quem está com a verdade, os acusados usarem o poder que têm para punir o senador. Neste caso, é preciso que outros assinem embaixo da entrevista de Jarbas Vasconcelos, para que as acusações sejam apuradas.

Qualquer medida contra o senador Jarbas tomada pela direção do PMDB sem um debate transparente, um julgamento aberto, confirmará suas acusações e será um atestado adicional de desmoralização dos que hoje controlam o poder legislativo brasileiro e, por meio dele, toda a República brasileira.

Jarbas disse na entrevista que o PMDB quer cargos “para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral.” Essa acusação toca não só ao maior e mais forte partido do País, mas também aos governos dos quais o PMDB faz parte: Federal, Estaduais e Municipais. E, indiretamente, a todos os partidos brasileiros que, por isso mesmo, deveriam ter interesse na apuração das denúncias.

Esse tema diz respeito a todos os líderes do País, ao governo federal, ao Senado e à Câmara de Deputados, ao Poder Judiciário. Especialmente ao Ministério Público. Por isso, se o assunto não for devidamente apurado, ou se o senador Jarbas for punido por ter tido coragem de dizer o que pensa sem ser desmentido por um processo

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transparente, é preciso que outros reforcem as acusações que ele fez, nem que seja para que elas sejam apuradas.

Com este artigo, estou pré-assinando embaixo do que disse o senador Jarbas, se suas acusações não forem apuradas ou se ele for punido pela coragem de dizer o que pensa o povo brasileiro. Cristovam Buarque é senador da República

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“O QUADRO ATERRADOR DA CORRUPÇÃO” Editorial do O Estado de S.Paulo (5 de Março de 2009)

A escandalosa tentativa do PMDB, na semana passada, de assumir o controle da Fundação Real Grandeza, responsável pelo fundo de pensão dos funcionários de Furnas e da Eletronuclear, o sexto maior do gênero, foi, sem tirar nem pôr, o que dela viria a dizer o senador peemedebista Jarbas Vasconcelos: uma prova "clara e inequívoca" da procedência de suas denúncias sobre o que move o grosso do seu partido quando trata de ocupar espaços estratégicos na área federal. "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção", acusou o representante pernambucano em recente entrevista à Veja.

Apesar da operação-abafa da cúpula partidária, as suas declarações configuraram um fato político destinado a permanecer em cena por mais tempo do que desejariam os denunciados - e o governo que lhes entrega sossegadamente as chaves da casa.

Na terça-feira, Vasconcelos voltou à carga da tribuna do Senado, cobrando "ações corretivas" contra "a degradação pública do sistema político brasileiro", a começar da armação conduzida pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, outro peemedebista, para derrubar os administradores do fundo de pensão Real Grandeza. Ele os acusou de fazerem "uma bandidagem completa" e "grande safadeza".

O ministro levou um contravapor do presidente Lula, mas fingiu que não era com ele. "As pessoas", comentou em termos gerais um desacorçoado Vasconcelos, "se agarram

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aos cargos como um marisco no casco de um navio - não caem nem nas maiores tempestades." A craca prolifera no ambiente de impunidade. E esta, apontou o senador, "se estabelece em bases sólidas num terreno cada vez mais fértil".

Eis por que ele tem razão ao exigir que o episódio do Real Grandeza não fique por isso mesmo. Talvez a "auditoria independente" que propôs não seja a melhor alternativa para deixar o caso em pratos limpos. Mas o que não se pode, mais uma vez, é "deixar a poeira baixar, esperando que a história seja esquecida, abafada por um novo escândalo".

O universo dos fundos de pensão das estatais, por sinal, é uma das arenas mais ensanguentadas onde se entredevoram as principais legendas da opulenta base governista. "A população", observou Vasconcelos, "não compreende o porquê da disputa ferrenha entre grupos partidários, sempre envolvendo empresas de orçamentos bilionários." Os dez maiores fundos administram carteiras de investimentos que somam mais de R$ 226 bilhões. Não é difícil imaginar a cadeia de apetites ao redor dessa bolada.

Isso não faz necessariamente dessas instituições antros de corrupção. Mas é fato que os recursos do Real Grandeza, por exemplo, abasteceram o valerioduto, conforme apurou a CPI do Mensalão. Seis daqueles dez fundos são controlados pelo PT, vale dizer, pelo apparat sindical ligado ao partido - em especial, ainda hoje, por apadrinhados dos companheiros ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken. O PMDB, entre outros, não se conforma com isso. O resultado é uma briga suja de máfias partidárias.

Do ângulo do interesse público, o problema é que, "nessa mistura de partido, governo e sindicatos, ninguém sabe onde está o Estado, que acaba se dissolvendo em

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interesses múltiplos", como diz o presidente do PSDB, senador Sergio Guerra, em um raciocínio que se encaixaria à perfeição no discurso de Vasconcelos. "Foi isso que gerou o mensalão."

Ele não exagera ao classificar de "aterrador" o quadro da corrupção na esfera federal, muito menos ao assinalar que o cenário vinha sendo encoberto pelos bons resultados da economia - para o conforto de um presidente que prometera, na primeira campanha ao Planalto, "uma intervenção enérgica pelo fim da impunidade e uma ampla ação cultural educativa pela afirmação dos valores republicanos e democráticos em nossa vida política", lembrou o senador.

Mas Lula dirigiu as suas energias para adquirir o apoio, com a devida paga, da ampla banda podre da política nacional. Amargo sinal dos tempos: por "constatar o óbvio, apenas isso", Jarbas Vasconcelos foi afastado da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A decisão foi do líder do PMDB na Casa, ninguém menos do que Renan Calheiros, outro dos amigos do peito do presidente. São políticos dessa, digamos, categoria que dão as cartas no Brasil do lulismo.

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“UM GRANDE MARANHÃO” Demétrio Magnoli (5 de Março de 2009)

"Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos." Na sua recente entrevista à Veja, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) concluiu explicando o motivo por que seu partido quer cargos. "Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral."

Antes que secasse a tinta que imprimiu as declarações de Jarbas, como se para comprová-las e ridicularizar a nota de frouxa indignação emitida pelo PMDB, veio à luz o episódio exemplar do Real Grandeza, o fundo de pensão de Furnas. A operação de tomada de assalto da direção do fundo, que administra um patrimônio de R$ 6,3 bilhões, foi tramada dentro do Executivo, pelo ministro Edison Lobão, que agia ostensivamente em nome do PMDB, e brecada na última hora por intervenção de um presidente da República acossado pela mobilização dos funcionários e pensionistas da estatal.

Lobão abriu sua ofensiva por meio de uma entrevista a O Globo na qual acusou os dirigentes do Real Grandeza de praticarem "uma bandidagem completa" e promoverem "uma grande safadeza" com a finalidade de "não perder a boca". Se as palavras do ministro tivessem significado, ele

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pediria demissão na hora em que foi desautorizado pelo presidente. Na outra ponta, Lula não o desautorizaria sem o demitir se a privatização da coisa pública não fosse moeda corrente no negócio que mantém com o PMDB. Mas Lula e Lobão nem sequer coraram: eles conhecem as regras do jogo.

Pedro Simon, um homem inocente, exigiu de Jarbas uma lista de nomes dos corruptos. Jarbas não fez uma denúncia de corrupção, mas um diagnóstico político, que solicita complementos. O sistema político brasileiro, reorganizado nos estertores da ditadura militar, articula-se ao redor de quatro grandes partidos: PT, PSDB, DEM e PMDB. Os três primeiros veiculam, bem ou mal, narrativas ideológicas sobre o Brasil e o mundo. O quarto, contudo, não é de fato um partido, mas a expressão maior do cancro patrimonialista que envenena todo o sistema político. No fundo, o PMDB é uma abóbada sob a qual se abrigam comandos de captura parcelar do Estado.

"O patrimonialismo é a vida privada incrustada na vida pública", escreveu Octavio Paz. Na mesma passagem de O Ogro Filantrópico, ele aponta o paradoxo crucial do Estado mexicano, que foi "o agente principal da modernização", mas "ele mesmo não conseguiu se modernizar inteiramente".

O peso do passado manifesta-se na atitude do chefe do governo, que "considera o Estado como seu patrimônio pessoal" e, por essa razão, o corpo de funcionários públicos, "dos ministros aos contínuos e dos magistrados e senadores aos porteiros, longe de constituir uma burocracia impessoal, forma uma grande família política ligada por vínculos de parentesco, amizade, compadrio, conterraneidade e outros fatores de ordem pessoal".

O Brasil não experimentou uma revolução que se institucionalizasse como partido oficial. Mas aqui, como lá,

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jamais se traçou uma fronteira nítida entre a "vida privada" e a "vida pública". O PMDB só existe porque inexiste essa fronteira.

Um tema crucial na literatura de oposição à ditadura militar brasileira era a crítica ao poder da chamada tecnoburocracia. Os militares excluíram os políticos do núcleo do aparelho de Estado. A Arena, partido oficial da situação, acolheu a parcela da elite política conformada com a subordinação imposta. No MDB, partido oficial da oposição, abrigaram-se os políticos insatisfeitos, que almejavam retornar ao centro do palco.

A transição negociada de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves representou um triunfo do MDB. A tecnoburocracia retrocedeu e restaurou-se o acesso da elite política às fontes da riqueza pública. Sob a Presidência de Sarney, o líder da Arena transferido para o PMDB, salgou-se a terra em que germinava a oportunidade de uma reforma modernizante do Estado.

No México dos tempos áureos do PRI, as maiorias parlamentares eram automáticas. No Brasil, são construídas pelo Executivo, por meio da privatização oculta dos fragmentos mais cobiçados do aparelho de Estado. A corrupção é a face complementar da degradação do Parlamento.

O PMDB é, por natureza, o eterno partido da situação. De Sarney a Lula, o partido sem programa nem ideias configurou as maiorias governistas de todos os presidentes. Agora, no acender das luzes da campanha de 2010, os peemedebistas formam provisórias colunas distintas, alinhadas atrás dos principais candidatos ao Planalto. O PMDB estará na próxima base governista, com Serra, Dilma, Aécio ou Ciro, praticando o esporte em que se especializou: chantagear presidentes, vendendo apoio parlamentar em troca de cargos que servem como chaves

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para "manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral".

O PMDB descrito por Jarbas, uma hidra de múltiplas cabeças, tem em Sarney sua figura icônica. O representante parlamentar do poder militar em crise, o presidente improvável que distribuía freneticamente concessões de rádio à sua vasta corriola enquanto o País naufragava no mar da hiperinflação, o "oligarca eletrônico" do pobre Maranhão, na síntese precisa empregada pela revista The Economist, converteu-se anos atrás em aliado interessado de Lula.

Nessa condição, ele controla uma fatia do Estado, na qual se encontram o Ministério e as estatais subordinadas a seu afilhado político Lobão. Agora, com o patrocínio de um Lula que só tem olhos para 2010, a personificação do patrimonialismo retorna à presidência do Senado. Como disse Jarbas, seu desígnio é transformá-lo "em um grande Maranhão". Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP

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“A LUTA DE JARBAS”

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“A LUTA DE JARBAS” Roberto Magalhães (12 de Março de 2009)

Os pernambucanos acompanham a história de Jarbas Vasconcelos desde o seu surgimento na vida política do nosso Estado, ainda na década de 60.

Nos anos que se seguiram e até os dias atuais, o militante corajoso e afirmativo expandiu suas fronteiras de atuação, exercendo mandatos em diferentes esferas federativas. Foi deputado estadual, deputado federal, prefeito do Recife, governador do Estado e, atualmente, senador da República.

Não é surpresa para todos nós, amigos, correligionários e adversários, vê-lo crescer na confiança e no respeito da opinião pública nacional, ao denunciar o estado de desorganização, de inversão de valores e de decadência dos costumes políticos, de partidos e de instituições públicas, pela ação predatória de agentes políticos, burocratas, lobistas e congêneres.

Vale lembrar palavras de Jarbas em seu discurso, no Senado, em 3 de março de 2009: “O exercício da política não pode ser transformado em um balcão de negócios. O que se vê hoje no nosso País é um sentimento de descrença, com a impunidade corroendo as bases da democracia. O poder pelo poder leva ao quadro político degenerado que hoje vivemos em nosso País, no qual a esperteza é mais valorizada que a inteligência e a correção ética.”

O senador identifica as distorções do modelo eleitoral como a matriz da quebra dos valores e da contaminação dos mandatos pela corrupção. O financiamento privado e o voto

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em lista aberta são a porta larga para a compra de votos e o comprometimento do processo democrático.

A reforma política é, em seu juízo e no de políticos responsáveis, urgente e indispensável, a partir do financiamento público de campanhas eleitorais associado à fidelidade partidária.

Jarbas produziu um discurso sereno, lúcido e corajoso, ao catalogar alguns episódios como a recente luta travada entre o PMDB e o PT pelo controle do Real Grandeza, fundo de pensão dos funcionários da estatal Furnas Centrais Elétricas S.A. Ele aponta, também, a elaboração e execução do Orçamento Geral da União como espaço para a degradação do exercício da política.

Condena a entrega de cargos de gestão financeira por indicação de partidos ou parlamentares, propondo lei que exija o exercício desses cargos por servidores de carreira, previamente aprovados pelo Senado.

Os casos ocorridos recentemente envolvendo representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, como a briga por fundos de pensões, a descoberta de mansão e castelo ocultos e o encontro do presidente com quase quatro mil prefeitos, em Brasília, para fazer campanha prematura da ministra-candidata, confirmam a urgência de se colocar freios à indevida utilização dos instrumentos de poder do Estado.

É preciso despertar a indignação adormecida da sociedade se quisermos converter a incredulidade e passividade em ações concretas contra a corrupção.

Na edição nº 2.103 da Veja, de 11 de março, temos o anúncio de um novo fato indecoroso: a conhecida empresa internacional Kroll, que presta serviços de espionagem, teria contactado detetives em Pernambuco para investigar a vida do senador pernambucano e familiares, procedimento intolerável.

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Já não há lugar para a omissão. Mas é animador saber do apoio de brasileiros de

várias regiões à reconstrução de um regime de moralidade administrativa e de ética política em nosso País, conforme registra a mídia nacional.

Jarbas Vasconcelos revela-se sintonizado com a melhor tradição pernambucana de não faltar ao País, quando necessário se faz levantar a voz e partir para a luta em defesa dos elevados interesses da Nação. Roberto Magalhães, advogado, foi Vice-Governador de Pernambuco, Governador de Pernambuco, Prefeito do Recife e Deputado Federal

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“JARBAS E BRUZUNDANGA”

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“JARBAS E BRUZUNDANGA” Gustavo Krause (13 de Março de 2009)

Quem ficou surpreso com a entrevista do senador Jarbas Vasconcelos, não o conhece ou, deliberadamente, esquece sua trajetória política. Nem os mais ferrenhos adversários podem lhe negar os atributos do destemor e coragem cívica. Correu riscos efetivos se colocando entre os chamados autênticos do então MDB em todo processo político de transição do regime autoritário para o regime democrático.

Outro ponto relevante: franqueza e lealdade para com os adversários e aliados, a despeito da retórica contundente.

É o seu estilo. Seu modo de fazer política. E estilo é como o nariz, cada um tem o seu. Não significa que seja melhor ou pior, que garanta maior ou menor sucesso na competição política, até porque não existe uma receita pronta para o que se possa considerar êxito nesta complexa empreitada. É diferente. E esta diversidade de estilos é que dá um colorido à vida e, em especial, à vida das democracias.

Em certos momentos, Jarbas não hesita em usar o martelo. No mundo das ideias e no espaço da política, há momentos em que é preciso usar o martelo. Existiam e existem intelectuais, jornalistas, pensadores que "filosofam com o martelo" e investem contra ideias dominantes, verdades cristalizadas, e dogmas irredutíveis. Existiam e existem políticos que, vez por outra, largam de mão as conveniências, os panos mornos, a dissimulação, para dar um choque no faz de conta da realidade mistificada. Usa o martelo. Ou a alta voltagem do que Dora Kramer,

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socorrendo-se de Al Gore, chamou de "verdade inconveniente".

É preciso, de vez em quando, dar e receber choques. É preciso chacoalhar a letargia do conformismo, a subserviência asquerosa, a indignação reprimida, a venalidade descarada sem medir preços e consequências imediatas. O futuro manifestará, mais cedo ou mais tarde, um agradecido reconhecimento.

E não me venham com o argumento cínico do "tem que provar". Jarbas não usou a retórica jurídica. Não falou como advogado, logo seu discurso não é o libelo dos tribunais do júri. Jarbas se expressou através de um dos direitos fundamentais do estatuto universal dos direito políticos: o direito de opinião. No caso dele, senador, devidamente protegido pela imunidade parlamentar cuja serventia é, precisamente esta, e não assegurar a impunidade dos delinquentes, travestidos de representantes do povo.

Para denunciar o lodo moral e a mediocridade política, cada um usa a arma de que dispõe. Jarbas usa o mandato de senador e a retórica política, legitimado que está, como representante do povo pernambucano.

Outros, um escritor, por exemplo, usa a literatura para desvendar o Brasil real aos olhos embaçados de sua população. Isto me remete a uma obra clássica de Lima Barreto Os bruzundangas, postumamente publicada (1923).

O mulato Afonso Henriques de Lima Barreto foi grande escritor e jornalista. Encarava a literatura com uma função social. Suas assumidas inclinações anarcosocialistas, inspiraram a crítica mordaz da sociedade de sua época, notadamente da República Velha e, como escritor militante, alimentava ele a esperança de despertar forças renovadoras de costumes sociais e práticas políticas.

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O autor de O triste fim de Policarpo Quaresma, um mestre da sátira e da ironia, retrata, em diário de viagem, um país imaginário cujas mazelas – os privilégios, o poder oligárquico, as sanguessugas do erário, as desigualdades sociais, os apaniguados, os retrógrados, as propinas, o nepotismo – estavam entranhados nos costumes e na cultura política.

Bruzundanga, que era um decalque ficcional do Brasil, estava, assim, organizado: o presidente, um deslumbrado idiota, era o "Mandachuva", a Justiça era denominada "Chicana", dez mil burocratas, não concursados (comissionados de hoje), formavam a "Guarda do Entusiasmo", uniformizados de "povo", para dar "vivas" ao chefe sem risco de a massa ignara errar o seu nome, o grande nome das finanças era o deputado Felixhimino Ben Karpatoso, situacionista e continuista, relator do orçamento que pregava menos impostos e aumentava a taxa sobre "o bacalhau da Noruega" e sobre todos os produtos concorrentes com os nacionais, o sistema eleitoral era viciado e, na falta de bolsas, os meios de convencimento do eleitor eram os "coronéis", os "cabalistas", os "capangas", os "fósforos" (votavam pelos mortos ou ausentes) e a ata falsificada pelo "bico da pena".

Bruzundanga tinha Constituição com artigos muito bons, inclusive, um nas disposições gerais que determinava: "Toda vez que um artigo desta Constituição ferir os interesses de parentes da "situação" ou de membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação ao caso". Maravilha!

Lima Barreto foi o arauto do Brasil contemporâneo, Jarbas revisitou a Bruzundanga. É isso aí, tudo uma coisa só, e estamos conversados.

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Gustavo Krause, consultor, foi Prefeito do Recife, Governador de Pernambuco, vereador, deputado federal e Ministro da Fazenda e do Meio Ambiente

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“CRUZADA DE JARBAS PAUTA 2010”

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“CRUZADA DE JARBAS PAUTA 2010” Ruy Fabiano (14 de Março de 2009)

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) está programando uma série de viagens pelo Brasil, tendo como bandeira a campanha anticorrupção. Não irá sozinho. Diversos políticos, a maioria do PSDB, se dispõem a acompanhá-lo.

É improvável que sua cruzada moral resulte concretamente em alguma coisa. É um tema recorrente na política brasileira. Produz espasmos de indignação e, no máximo, desemboca em CPIs, que, quando bem-sucedidas, cassam algumas cabeças coroadas e contribuem para uma catarse da opinião pública.

O tema, no entanto, pautará esse início de pré-campanha com vistas a 2010. No PT e no PMDB, os mais incomodados com a inesperada cruzada, não se tem dúvida de que Jarbas trabalha sua pré-candidatura a vice-presidente da República na chapa tucana de José Serra. A campanha eleitoral, a rigor, já começou.

Desde que Lula decidiu colocar a ministra Dilma Roussef a tiracolo e com ela percorrer o país, a pretexto de lançamento das obras do PAC, a oposição decidiu ir à luta. Sabia que a interpelação ao Tribunal Superior Eleitoral daria em nada e que seria necessária uma ação mais afirmativa para se contrapor à campanha de Dilma.

Jarbas deu o mote com a entrevista a Veja. Desdobrou-a em discurso no Senado, acrescido da denúncia de que estaria sendo espionado por seu próprio partido. Está criando as condições para justificar seu desligamento

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do PMDB, sem perda de mandato. Tem até outubro para fazê-lo.

A campanha do senador pernambucano, a certa altura, coincidirá com os primeiros julgamentos do Mensalão, que colocarão o governo em posição de desconforto. É previsível que o governo reaja e se estabeleça uma guerra de dossiês. Mas a desvantagem em tal confronto é sempre do governo, qualquer governo, já que tem em mãos os instrumentos coercitivos e punitivos – e, pois, o dever de agir. A oposição, não: pode apenas falar.

A denúncia de Veja contra o delegado Protógenes Queiroz recoloca o descontrole do governo sobre seu aparelho de segurança. Não é, porém, um tema de grande impacto popular, até porque há certa tolerância na opinião pública quanto ao uso de processos heterodoxos na caça aos corruptos. Os fins justificariam os meios. Do ponto de vista, do direito, um absurdo; do ponto de vista do marketing, um tema de escasso potencial.

A corrupção é vista como uma epidemia que macula os três Poderes. As leis processuais favorecem os que dispõem de dinheiro para pagar bons advogados, servindo-se do cipoal de recursos que elas oferecem. Por isso, a ortodoxia processual inspira ceticismo, que dá sustentação a procedimentos ilegais, em nome de uma justiça de resultados. Quando um delegado como Protógenes Queiroz, o da Operação Satiagraha, é exposto como alguém que enfrentou poderosos, é, por isso mesmo, recebido como herói.

Daí a pouca repercussão popular da CPI dos Grampos, prorrogada pela Câmara. Alguém acha que dará em algo?

Jarbas centralizará sua cruzada contra o governo e os partidos que lhe dão sustentação, denunciando licitações viciadas, uso indevido de cargos, fisiologismos. E é esse

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mote que será reverberado pelos seus aliados do PSDB e do DEM.

O que se prevê é uma proliferação de denúncias e de CPIs: dos fundos de pensão, das ONGs, da terra etc. Muito barulho por nada. Não que não haja nada. Corrupção é realidade concreta na vida pública brasileira. O que não há, por isso mesmo, é efetiva determinação política dos partidos de levar essa questão a um desfecho concreto. Reproduz-se aí o episódio bíblico de Maria Madalena: ninguém está em condições de atirar a primeira pedra.

Quem quiser saber detalhes operacionais – o modus faciendi da corrupção no Brasil contemporâneo - consulte o livro “Nervos de Aço” (Editora Topbooks, 2006), de Roberto Jefferson, o paladino do Mensalão. Continua sendo a bíblia mais informativa do tema, fornecendo, além de nomes e datas, CPFs e CNPJs dos infratores.

Como contribuição efetiva ao combate à corrupção, vale por dezenas de entrevistas de Jarbas Vasconcelos, que, nas suas denúncias, ainda que corajosas e bem-intencionadas, se ateve aos adjetivos, desprezando os substantivos.

Jefferson faz o contrário. Explica como se “captam” recursos de órgãos públicos, quer de maneira direta, quer por meio dos fornecedores. Ali se faz o caixa eleitoral (e pessoal), nutrindo os partidos dos meios de financiar suas candidaturas. Não há, quanto a isso, exceções. Um mandato de deputado federal no Rio de Janeiro, segundo Jefferson, não sai por menos de R$ 1 milhão.

Quem o tem não quer gastá-lo de seu próprio bolso, não quer comprometer patrimônio pessoal com política (ainda que a política o tenha construído). E quem não o tem terá que providenciá-lo de algum modo. Nas duas hipóteses, é preciso correr atrás, e o Estado tem sido, historicamente, o cofre preferencial.

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Ruy Fabiano é jornalista

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“O PMDB É UMA BELA FLOR EM NOSSA TERRA”

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“O PMDB É UMA BELA FLOR EM NOSSA TERRA” Arnaldo Jabor (24 de março de 2009)

O senador chegou e me botou o dedo na cara: "Vocês, jornalistas que infestam o País, agora só falam

do PMDB, da corrupção no Congresso. Vocês fervilham como formigas em cima de instituições que não conhecem. O PMDB é uma das mais belas florações de nossa história. Vocês se esquecem de nossas tradições e atribuem malignidade à pequenas ações inocentes, hábitos incrustados em nossa alma como a cana, o latifúndio, como nossos bigodes que vocês chamam de ?bregas?, nossos jaquetões e gravatas zebradas, a tristeza conformada no rosto de nossas esposas, as alegres tradições country, os churrascos eufóricos, as ancas de amantes risonhas, as joias de ouro tilintando em pescoços e pulsos, a viril antipatia de nossos chefes políticos. Nisto tudo vocês deviam ver que alguma coisa sólida e cultural existe neste Brasil e que isto é belo.

Quando eu faço uma piscina azul em minha casa no sertão, ela brilha como um retângulo de esperança em meio à seca. Não é arrogância, mas solidez. Não é crueldade, pois é preciso que alguém tenha piscina na caatinga para que a dor dos miseráveis seja suportável. A vida do pobre ganha um sentido hierárquico: ele está embaixo, mas se consola porque alguém vive feliz em cima.

Eu acrescento ordem ao mundo com minhas motocicletas no agreste, eu sei da beleza de passear de Harley Davidson com minha mulher oxigenada e

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rechonchuda (chamo-a de minha ?potrinha?), com um belo abrigo Vuitton, para que nossa passagem cause um ?Ohhh!? nos ?bóias-frias? das lavouras. Sei que há orgulho nisso, mas grande é meu prazer do ?pudê? herdado, o prazer de ver o fantasma de meu avô entre os canaviais flamejantes, de ver as mãos magras agarrando os chapéus - homens humildes e curvados quando eu passo.

Esses belos instantes servem de bálsamo contra tantos que acham que o Brasil piorou.

Muita coisa melhorou, sim. Vejam minha lancha ancorada no Iate Clube, vejam as parabólicas em meu teto de fazenda, vejam os gritos alegres de meus filhos no carro japonês rolando na poeira da fazenda, o rubro Mitsubishi entre vacas magras, o jatinho pousando entre caveiras de burro.

Não pense que meu peito se confrange diante da palavra ?corrupção? no PMDB; não há corrupção entre nós; é apenas a continuação de um processo histórico. O dinheiro que arrecadamos, na relação entre a coisa pública e privada sempre nos pertenceu. Ou você acha que haveria obras e progresso sem esta simbiose? Não há casamento sem interesse. É belo e progressista o interesse político. A honestidade alardeada é hipocrisia. Este Jarbas (não o nosso Barbalho, mas o Vasconcelos) está sabotando uma secular dinâmica política para se promover... Vaidade pura... Ele está prejudicando a doce aliança PT-PMDB, que permite que o País evolua, como bem disse nossa candidata em campanha (até segunda ordem) Dilma. Reclamam dos 181 diretores, mas esquecem que eles formam um pelotão cordial de amigos fiéis. Admire a beleza superior deste imenso patrimônio espiritual que nós possuímos no Partido, feito de favores, amizades, famílias amplas, burocratas cooperativos. É legitimo que eles queiram incluir mais e mais os bens do País como uma prótese de suas vidas

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privadas, coroadas pelo êxito. Sem enriquecer, para que fazer política?

Nossos peitos estão felizes em nossas camisas de seda que vieram de Miami; há um progresso enorme em nossas famílias, mas os pessimistas só olham para as costelas dos famintos. Querem o quê? Que fiquemos magros também, que dividamos nossas conquistas com os que nada têm, querem socializar a miséria? Ademais, é impossível salvá-los. São 40 milhões de pobres, chocados em quatro séculos de tradições. A única solução é virar os olhos para a beleza do poder no campo e na cidade: a alegria de sermos senhores feudais sobre cidades inteiras, a volúpia de ver os fulgurantes escritórios, a hábil tessitura de negócios fiscais, a grande arte dos lucros fabulosos, a sensação épica na hora da propina, as mandíbulas salivando a cada grande negócio. Tudo isso é belo!

Quem disse que o mundo é para mudar? Isto é herança protestante de frios anglo-saxões. Será que vocês não veem, jornalistazinho petulante, que vocês, profissionais do pessimismo, são cegos para outras formas de beleza? O encanto dos shoppings de luxo, as paisagens urbanas vistas através do Blindex, as velozes paixões dos cartões de crédito, o eufórico alarido dos restaurantes, os roncos de jet skis no mar, os gemidos das amantes nos lençóis de cetim, os jatos prateados, a euforia dos almoços de conchavos e ?troca-trocas?, tudo isto que doura o nosso progresso? Por que só olhar para o fracasso dos famintos?

Esta crise mundial da economia vai se avolumar. Estou me lixando... pois quando o País definhar, continuaremos a ver o que havia de natural e belo em nossas vidas, o que era a continuidade da ordem do mundo.

E, a cada catástrofe (como vocês chamam), adaptaremos (com incrível habilidade) nossa felicidade para os novos tempos. Sempre estaremos bem em qualquer

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governo, progredindo, honrando nosso passado de donatários. E quando aumentarem as invasões e convulsões sociais, com os inevitáveis extermínios em massa, as esterilizações obrigatórias, as fogueiras de favelas, vocês verão que isso é natural, que isso é o ?survival for the fittest? - (?sobrevivência do mais forte?, como bem traduziu meu filho de Harvard...)

E quando a argentinização, venezuelização ou mesmo a bolivianização do Brasil se fizer, iremos naturalmente para o Exterior, com nossas fortunas (que já estão lá) e ainda sentiremos no peito o orgulho de ver a sobrevivência de nossa tradição colonial portuguesa.

Nós nos ufanamos deste Brasil que se manteve tão sólido e parado no tempo - graças a nós, sem modéstia!"

O orgulhoso político ajeitou o jaquetão e se encaminhou de fronte alta para o salão azul do Senado. Era feliz. Arnaldo Jabor é crítico, cineasta e jornalista. Assina coluna no jornal “O Globo”, reproduzida em diversas publicações no País.

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TRABALHOS PUBLICADOS - Uma Análise da Economia Canavieira de Pernambuco (1972)

- Liberdade e Desenvolvimento (1973)

- O Papel da Oposição (1978)

- Constituinte Já! A Solução da Crise (1978)

- Pernambuco: Descaso e Miséria (1983)

- Denúncias Contra o Governo e o Regime (1984)

- A Oposição Exercida Como Direito (2007)

- Democracia e Estado de Direito (2007)

- O Apagão do Governo Lula (2007)

- CPMF: Um Imposto Anacrônico (2007)

- Ulysses Vive (2007)

- Orgulho de Pernambuco (2008)

- De Tributos e Abusos (2008)

- Abaixo A Mediocridade (2008)

- Por Uma Gestão Pública de Qualidade (2008)

- Josué de Castro – Um Vida Contra A Fome (2008)

- A Voz do Semiárido (2009)

- A Verdade Inconveniente (2009)

- Na Linha de Frente (2009)

- O Resgate da Política (2009)

- A Praga da Cochonilha em Pernambuco (2009)

- Por Pernambuco, pelo Brasil – Volume I (2009)

- Em defesa da Democracia e da Liberdade (2009)

- A Perda do Pudor (2009)

- Por Pernambuco, pelo Brasil – Volume 2 (2009)

- Sem oposição não há democracia (2010)

- Por Pernambuco, pelo Brasil – Volume 3 (2010)

- Por um salário mínimo maior (2011)

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Senador Jarbas Vasconcelos

Senado Federal

Ala Senador Dinarte Mariz, Gab.4

70.165-900 – Brasília – DF

Telefone (81) 3303-3245

Fax: (61) 3303-1977

e-mail: [email protected]

Site: www.jarbasvasconcelos.com.br

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BIOGRAFIA RESUMIDA Senador da República pelo Estado de Pernambuco (2007-2015) Deputado Estadual (1971-1974) Deputado Federal (1975-1978 e 1983-1985) Prefeito da Cidade do Recife (1986-1988 e 1993-1996) Presidente da Associação dos Prefeitos de Capitais Presidente Nacional do PMDB(1989-1990) Governador do Estado de Pernambuco (1999-2002 e 2003-2006)

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EDIÇÂO DO LIVRO EDIÇÃO Ennio Benning CAPA Bruno Maia de A. Silva IMPRESSÃO Gráfica do Senado Federal

 

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