LIVRO - ARQUIVO LIMPO · É a continuidade sobre um novo solo, um novo céu, um novo rio, uma nova...

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54º FEMUP 54º Festival de Música e Poesia de Paranavaí 51º Concurso Literário de Contos De 13 a 17 de novembro de 2019 Centro Cultural Rodrigo Ayres de Oliveira Praça dos Pioneiros Paranavaí – Cidade Poesia Impresso na Artes Gráficas Berezovski Guarapuava, PR - 1.000 exemplares

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54º FEMUP 54º Festival de Música e Poesia de Paranavaí

51º Concurso Literário de Contos

De 13 a 17 de novembro de 2019

Centro Cultural Rodrigo Ayres de Oliveira Praça dos Pioneiros

Paranavaí – Cidade Poesia

Impresso na Artes Gráficas Berezovski Guarapuava, PR - 1.000 exemplares

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...Não há como tirar ou reduzir qualquer parte de um festival que tem sido uma referência tão forte para os artistas, justamente pelo que representa: a união do verso, da palavra, da música, da declamação, das linhas que entremeiam a vida em uma jornada de resistência contra tudo o que tenta retirar de nós o senso de uma humanidade única. Talvez, em uma carta que deveria pretender dar alguma sugestão para um FEMUP melhor, eu não esteja acrescentando coisa alguma. Desculpem-me, sou apenas um poeta que não pretende nada além de que a poesia desta vida seja perene. Que sabe que o que aí está já nos basta tão plenamente que, se acaso uma única gota fosse tirada desse mar, sentiria dentro de si um naufrágio. Pois se nada acrescento é apenas para rogar que nada seja subtraído de algo tão belo. Que o FEMUP continue a ser multidão com um só coração.

André Kondo (São Paulo, Fevereiro de 2019).

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ÍNDICE APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 05

POESIAS - Comissão Julgadora. ........................................................................................ 08 Memórias de Vila Sevira, I - Lao Bacelar. ............................................................................. 10 Caixa de míudezas - Eduardo Carvalho. .................................................................................. 13 Bosque de Esperanças - Nando Nogueira. .......................................................................... 18 Flores de Chumbo - Francisco Guilherme. ........................................................................... 19 Dois Sóis - João Romário Fernandes Filho. ......................................................................... 20 O Carrossel das horas - Solidade Lima. ............................................................................... 21 Licões de uma classe - Adriano Cirino. ................................................................................ 23 Inspiração - André Paulo Gabriel. ......................................................................................... 24 As Palavras - Helder Louis Rodrigues. ................................................................................. 25 (de) compondo a anatomia de acusações compostas - Jeferson Douglas Bicudo. .............. 31 Poemas não sabem esperar - Giuseppe Caonetto. .............................................................. 35 Florbela Espanca - Felipe Figueira. ...................................................................................... 36

CONTOS - Comissão Julgadora. ......................................................................................... 39 Alecrim - Ronaldo Ventura. ................................................................................................... 41 Sede - Helder D’Araújo. ........................................................................................................ 47 Maria Agônio - Maurício Witczak. ........................................................................................ 53 O Sertão de Severino, o Sertão do Patrão - Raquel Pagno. ................................................ 56 A vida das imagens mortas - Rômulo César Melo. ............................................................... 60 Sobre a verdade (e outras mentiras) - Roberto Gonçalves................................................... 67 Anas - Grégori Gabriel. ......................................................................................................... 73 O sermão: uma súplica à montanha - Jeferson Douglas Bicudo. ......................................... 81

MÚSICAS - Comissão Julgadora. ......................................................................................... 88 Agridoce - Lucas de Paula. ........................................................................................................91 Horta Farta - Digo Ferreira. ................................................................................................... 92 Confetes e Serpentinas - Rubia Divino e Erica Silva. ........................................................... 97 Vem - Aline Lessa e Ithalo Furtado. ..........................................................................................98 A Função - Bilora. ................................................................................................................. 99 Mana - Juliana Valverde. .................................................................................................... 100 A mais pura verdade - Grazi Pires e Dejeane Arruée. ........................................................ 101 Roseira – Emiliano Pereira. ................................................................................................ 102 Do caos a lama - Edson Penha e Peter Mesquita. ............................................................. 105 Empoeirado - Thiago K.. ..................................................................................................... 106 Dolinha de 20 - Alexandre Ministério Lemos e Daniel Conti. .............................................. 108 Câmara Escura - Luiza Sale. .............................................................................................. 111

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Curita – Ernandes. .............................................................................................................. 112 Lugar Nenhum - Willian Mattos. .......................................................................................... 113 Som Negro - Emanuela Marazzi. ........................................................................................ 114

Normal - João Henrique e João Zaia. ................................................................................. 115 Velho Amigo - Bruninho Belilia. .......................................................................................... 116 Regresso a casa da Fazenda - Cidão. ............................................................................... 118 Rosa Rainha - Qxinho. ....................................................................................................... 119 Mundo Banal - Thiago Guglielmi. ........................................................................................ 120 Positive Vibration - Myojoo. ................................................................................................ 121 Toque Oriental - Braguinha................................................................................................. 122 Comigo - Marquinhos Diet. ................................................................................................... 123 Baião Paraná - Pedro Enrique. ........................................................................................... 124

DECLAMADORES - Comissão Julgadora e Declamadores. .............................................. 128

LEITURA DRAMÁTICA DOS CONTOS. ............................................................................ 132 AGRADECIMENTOS. ........................................................................................................ 134 HINO DO FEMUP ........................................................................................................................... 135 FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ. ............................................................................... 136

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APRESENTAÇÃO

O grande Patrimônio Cultural da Cidade Poesia, que desde 1966, faz morada no coração desta Cidade, nesta edição de 2019, recebeu um total de 1.118 inscrições: Sendo 136 músicas, 551 poesias, 383 contos e teve 48 declamadores no Concurso Zé Maria de Declamação. Foram recebidos trabalhos de 296 cidades de 25 estados brasileiros, além de inscrições da Argentina, França e Japão. São números que celebram a vida e a prosperidade do nosso FEMUP.

Uma grande ponte de 54 metros, entre um lado e outro, ligando cidades, estados, países e unindo gerações. Debaixo da ponte, como dizia Paulo Cesar de Oliveira “tem um rio que não para de partir”. Essa ponte só cumprirá o seu papel se em toda sua dimensão não houver nenhuma interrupção, nenhuma lacuna, nada que abale sua estrutura ou que impeça essa trajetória do começo ao fim.

Fim que não é FIM. É a continuidade sobre um novo solo, um novo céu, um novo rio, uma nova perspectiva, uma nova emoção, um novo velho.

Ou seria melhor um velho novo? Assim podemos pensar, sobre a história do nosso FEMUP. Os artistas premiados são como a água que passa trazendo VIDA ao Festival, quando vai embora leva um pedaço da Cidade Poesia, e se por acaso, retornarem ao Festival, já não serão mais os mesmos, trarão consigo outras histórias. Os organizadores, como verdadeiros mestres, usam o que tem de melhor para firmar em solo instável, estacas estruturais, que mantém o FEMUP de pé durante tanto tempo. E o público, vibrante, emocionado e acolhedor, a cada ano se renova, se RECRIA, assim como a paisagem às margens do rio, diferente a cada momento. Enfim, não teríamos chegado a 54 edições se não fosse o carinho, respeito e dedicação de todos que por ele passam. Você já viu um pôr do sol de cima de uma ponte, onde o sol parece mergulhar no rio? Garanto que é lindo! O 54º FEMUP está especial, é este SOL pronto para mergulhar no RIO, alçando novos horizontes, rígido como o alumínio maciço do Troféu Natividade e com as ASAS do tamanho do mundo para acolher a todos que o desejarem abraçar.

Rafael Torrente Diretor Presidente da Fundação Cultural

Esta é mais uma edição de um dos mais tradicionais festivais do gênero do País, talvez o mais tradicional nesse formato, que reúne tantas artes no mesmo palco, no mesmo contexto. Manter um festival com tamanha

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tradição vivo ao longo de tantos anos, com tantas mudanças de hábitos, deve ter sido uma grande epopeia. Epopeia essa que pouco tem a ver com o poder público em si, pois os governos passam e a cultura permanece. Não fossem os verdadeiros artistas, o FEMUP não mais existiria, aliás, sequer teria sido criado. Constantemente ouvimos que Paranavaí tem uma “cultura forte”. Conceito muito mais defendido pelos populares de outras cidades do que os nossos. E isso me intriga! É exatamente aqui que reside o grande desafio. Fazer o FEMUP brilhar nos olhos dos cidadãos de Paranavaí com o mesmo brilho que enxergamos quando falamos dele para artistas e cidadãos de outras cidades. Dizer que somos a CIDADE POESIA incomoda muita gente que, sem o mínimo de intimidade com a cultura, defende que sejamos chamados de CIDADE DA LARANJA, DA MANDIOCA OU DO GADO. A CULTURA, considerada como patrimônio imaterial, sempre se sobreporá aos cultivos relacionados à vocação econômica de uma cidade. As raízes fincadas pela cultura, entendida como costume, tradição e as mais diversas artes, embora sujeitas a mudanças, serão sempre mais fortes e seguras do que atividades econômicas que, não obstante sua importância para o desenvolvimento da cidade, são voláteis. A praça da xícara é um retrato disso. O café passou, ficou a história retratada através do monumento (arte). Uma es(cultura) retratando uma ex cultura. Restam os cafezais do hino. Precisamos elevar e comemorar a arte, cuja mola mestra em Paranavaí leva o nome de FEMUP e deve ser exaltado e retratado sempre que possível. É por isso que defendo a construção de uma barriguda gigante para retratar a importância de nosso festival, para que nossos habitantes entendam aquilo que autores, atores, músicos, poetas e poetisas do Brasil já entenderam: O FEMUP é gigante! Por mais vocações econômicas que uma cidade possa ter, um povo sem cultura sempre será pobre, independentemente dos resultados da sua balança comercial. VIVA O FEMUP! VIVA A BARRIGUDA!

Kiq Prefeito de Paranavaí

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POESIAS

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POESIAS COMISSÃO JULGADORA

LÍGIA SOUZA OLIVEIRA – Curitiba , PR Dramaturga, crítica, professora e pesquisadora. Doutora em Artes Cênicas pela USP, com estágio de pesquisa em Literatura Francesa na Université Paris 8, mestre em Letras pela UFPR e graduada em Artes Cênicas pela UNESPAR/FAP. Já publicou as dramaturgias "encontros diários", "personne" e “outros sons” e encenou "para ler aos trinta" e “herdeiras de antígona". É coordenadora do Núcleo de Dramaturgia do SESI/PR e professora no curso de Produção Cênica da Universidade Federal do Paraná.

LUCAS FIORINDO – Maringá, PR É ator, livre pesquisador e produtor cultural. Atualmente, trabalha com o solo teatral ‘Ficções do Interlúdio’, baseado na obra de Fernando Pessoa. Esse espetáculo é fruto de sua principal pesquisa estética que é sobre a transposição da poesia do verbo para a poética teatral: entre a lírica e a dramática. Acredita, seguindo Pessoa, que a poesia é a emoção expressa em ritmo através do pensamento.

NILSON MONTEIRO - Curitiba, PR Nascido em Presidente Bernardes (SP), há 68 anos. Graduado em Letras e Literatura Francesa pela Universidade Estadual de Londrina. Jornalista há 48 anos e escritor. Autor de 13 livros. Membro Honorário da Academia de Letras de Londrina. Membro da Academia Paranaense de Letras (cadeira nº 28), da qual é Diretor de Comunicação.

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POESIAS FASE NACIONAL

Memórias de Vila Sevira, I Lao Bacelar

Belo Horizonte - MG

Caixa de míudezas Eduardo Carvalho São Paulo – SP

Bosque de Esperanças

Nando Nogueira Jundiai - SP

Flores de Chumbo Francisco Guilherme

Santo André - SP

Dois Sóis João Romário Fernandes Filho

Fortaleza - CE

O Carrossel das horas Solidade Lima

Feira de Santana - BA

Licões de uma classe Adriano Cirino

Belo Horizonte – MG

Inspiração André Paulo Gabriel Juiz de Fora – MG

As Palavras

Helder Louis Rodrigues Curitiba - PR

POESIAS FASE REGIONAL

(de) compondo a anatomia de acusações compostas Jeferson Douglas Bicudo

Paranavaí - PR

poemas não sabem esperar Giuseppe Caonetto

Paranavaí - PR

Florbela Espanca Felipe Figueira Paranavaí - PR

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MEMÓRIAS DE VILA SEVIRA, I

“Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.”

(Carlos Drummond de Andrade)

I Eu era menino, menino-homem de cinco dedos de idade... Quando se tem cinco anos, tudo ainda é cinco vezes maior Que nem o pé-de-mamão, imenso, mais alto que a casa! No velho rádio ABC, de tardinha, Papai bebia notícias: Falava-se, ainda em Am, na guerra feia na Indochina Eu infantachava que Indochina era uma China cheia de índios Papai refalava que os franceses eram lá muito tresenxeridos Que os francos já haviam se ferrado duas vezes aqui no Brasil Que os intrometidos vieram meter o nariz onde não foram chamados... II Eu não tinha uma imagem da guerra, mas na cuquinha a imaginava: Guerra era lá um trem muito ruim, feio feito briga de marimbondo Com abelhas enfezadas, usando os besouros pretos como tanques Vietnam e Hanói eram longinomes que já doíam no coraçãozinho... Não doía a “Eu-sim-que”, cheia de neve, na Terra de Papai Noel Mas, o que era neve? Um algodão-doce gelado que caía do céu? ‘Viét-Nam’ e ‘Ra-nói’ eram nomes gostosos de pronunciar, assim, Papai recontava à mamãe que lá morria gente miúda feito formigas Minhas orelhitas ouviam antenadinhas toda aquela bruta covardia. III Eu gostava muito de formigas, e brincava doce com elas... Sempre fui amigo de formigas, menos das capetinhas lava-pés, Muito das mil lágrimas infantis foi por culpa das saca-saias, Essas, quando sozinhas, eu as matava, sem dó nem piedade, Formigas lava-pés me eram a malcriação maior do tal Capeta Formigas lava-pés nunca foram amigas de menino algum... Marimbondos-de-fogo em si tinham algo do Chifrudo Tinhoso! Como as tataranas-cabritas do Cão, que dão íngua no sovaco Besouros que pareciam fusquinhas, esses sim, inofensivos...

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IV As notícias nos vinham pelas ondas da Rádio Inconfidência Meus ouvidos curumins ouviam nomes que vinham de longe: A Rússia era um gigante gelado, forte, capaz de ir às estrelas A Itália era uma bota velha cheia de ‘macarrão com mastumáti’ A Indochina? Um cacha-prego triste, pertim do fim do mundo Lá, lá ‘Onde Judas perdeu as botas’, desexplicava meu papai... ‘Onde Judas perdeu as botas’ foi minha primeira aula de Geografia Então o Mundo era um Mundão, bem maior do que eu imaginava! V Mamãe, a mãe mais medrosa do mundo, era cheia desses deles: Medo de que a tal guerra feia da Indochina chegasse ao Brasil Medo de que a luta na Indochina gerasse a falta de alimentos Medo de soldados, armas de fogo, fuzis, canhões, raios, trovões De que a estupidez trouxesse aflição como em ‘milnovicenzitrinta’ Isso e depois, como nos tempos dum tal Getuiovarga Presidente, De que tudo fosse outra vez racionado: pão, arroz, feijão, açúcar... 'Milvovicenzitrinta’ era uma triste aula de História em boca materna. VI Ah, mas eu gostava muitinho de brincar bonito de Canadá Canadá era um lugar bom, que ficava assim pra lá do Brasil No Canadá não havia guerra, nem lava-pés, nem marimbondos... Papai me desexplicou que o Canadá era uma imensa 'terra de gelo' Que lá não tinha manga, nem pitanga, nem rolinha, nem sabiás... Que importava? Quando eu ia para lá até os bem-te-vis me seguiam ‘Imensa terra de gelo' foi minha segunda aula de Geografia. Mas eu era o único menino feliz do mundo a brincar de Canadá! VII Um dia meus olhos infantis viram pela primeira vez um mapa-múndi: Uma colcha de retalhos assimétricos, meio puídos, mas coloridos Um Mundo Retalhado, de países desbotados e não certinhos Não eram floridos e bem costurados, como a colcha da mamãe... Aqueles olhos de pombos eram as capitais das nações desunidas E os cocozinhos de mosquitos eram cidadezinhas quaisquer Mas quantos nomes esquisitos, curiosos, bons de brincar na boca: Islândia: Rei-que-já-vi; Tailândia: Bangue-coque; Nicarágua: Manágua! VIII

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Na parede, no mapa do Brasil, a cor de Minas ainda era verdinha Como o Paraná e o Amazonas; São Paulo era meio cor-de-rosa velho Belo Horizonte era uma bolinha preta dentro da qual eu-piá morava Desde curuminzinho, assim, passei a amar e a viajar pelos mapas Nas ideias, eu esticava um tapete mágico e sobrevoava os países As minhas Minas, o meu Brasil e todo o meu Mundo Retalhado... Canadá era um nome gelado assim 'pras bandas do Polo Norte' Polo Norte é logali, onde a gente lambe primeiro a bola de sorvete. IX Hoje o mundo inteirinho de cabe nas memórias de Vila Sevira Vila Sevira virou Bairro União, o mundo continua retalhado: Cinco vezes menor, cinco vezes mais triste, cinco vezes desbonito. Ou desmeninei, ou cresci demais.

Lao Bacelar - Belo Horizonte (MG) Professor universitário (aposentado). Poeta amador e letrista de música popular. Participa eventualmente de concursos literários de contos e poemas. No FEMUP, em 2007, 2009, 2013, 2015 e 2017 fez amigos e conquistou suas "Barrigudas".

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Caixa de Miudezas

Se não a fizeste ainda, então, faz agora: é chegada a hora dessa tarefa linda.

Escolhe uma caixa especial,

pequena, mas nem tanto, o equivalente espacial aos miúdos encantos.

Será o teu cofre secreto de relíquias e tesouros coisas que, de certo,

valerão mais do que ouro.

Já sabida a finalidade, escolha a fiel companheira com a qualidade certeira

para durar por longa idade.

Depois, forra-a com esmero por dentro, por fora, nos lados, impregna de capricho sincero

o berço das memórias em simulacros.

Improvisa uma chave qualquer que mantenha a arca lacrada

e, assim, para o que der e vier, do acervo, nunca perderes nada.

O primeiro objeto escolhido

deve ser muito especial importante como um filho

de adoção espiritual. Há quem prefira um talismã

ou encantado amuleto único, talvez a primeira joia do clã

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ou um segredo em código rúnico.

É difícil escolher para o outro, mas bem simples quando para si; olha para dentro do próprio olho

e vê, em ti mesmo, o que eu não vi.

Muitas lembranças virão depois, umas tantas debandarão cedo,

terão sido sem sentido pois, ou talvez partam por medo!

Algumas ficarão para sempre, até que o inventário concluído vaporize como se, de repente, a memória perdesse o sentido.

Guarda o pretérito de presente

para o indeterminado futuro que sempre aguarda renitente pela recordação disso tudo.

Compõe o acervo

em total discernimento com apenas e tão-somente

o que é raro e imanente.

Se o primeiro dente caído vai ao telhado para a fada acho que não custa nada

o segundo perpetuar-se ali. E também o primeiro cacho, tirado do teu cabelo um dia, igual a um pequeno penacho ainda preso por fita adesiva.

E uma coleção, quem sabe, de tuas fotos três por quatro

para ver que o tempo não cabe na pequena dimensão do retrato.

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Guarda ali um brinquedo ou apenas um fragmento, uma espécie de amuleto

com feliz lembrança dentro.

Junta um tanto de papel, coberto de finas estampas, escritas em lindas palavras ou com os mapas do céu.

Reserva uma velha lupa

com que ver o selo eleito, e a foto do passeio na garupa com aquele abraço estreito.

Se servir de conselho,

separa um bom compasso, senão para colheres desenho, para arredondares teus pactos.

Não pode faltar a concha do mar

eleita na passarela de areia, entre tantas e tantas sem par, a dona do feitiço das sereias. Deve ainda constar na lista

uma semente nunca antes vista, encontrada no início de uma jornada de quando ainda não sabíamos nada.

Preserva ali também uma flor,

plastificada, seca, ou como for... junto com ela um tanto do amor seja de quando e de quem for!

Se acaso fizeres um poema, desses que valha ser relido,

copie-o com caprichosa pena e deposite-o na urna ainda vivo.

Conserva, se possível em destaque e de um jeito que não se amassem,

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os primevos planos da tua vida a serem revistos no último dia.

Ah, verás que serão inevitáveis certos hóspedes desagradáveis

com bagagens de rancores e dívidas tralhas que melhor ficam excluídas.

Não caias na terrível tentação de guardares injúria ou traição,

pois o mini baú feito de harmonia desvirtualiza-se nessa sintonia.

Guarda só o que merece cuidado

e, se já estiver esfarrapado, faz curativo de esparadrapo e espere o tempo sará-lo.

Não exibas a caixa com vaidade; ninguém saberá de que se trata

da recordação de todas as idades colocada ali como relíquia rara.

Se encontrares uma só pista

que te pareça verdadeira, guarde-a até que exista uma outra mais certeira.

Mas, se souberes o final,

ou onde fica a saída, nada leves como sinal

da viagem então concluída.

Olha, mortalha não tem bolso: distribui, antes da partida, até o pó do último osso; faz desprendida partilha.

Antes, um último esforço:

por favor, ensina as crianças a fazerem o particular esboço das suas miúdas esperanças.

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Mostra-lhes como pode uma caixa de miudezas ser um encantado pote

com o tônico da permanência.

Eduardo Carvalho - São Paulo (SP) Publicou O Teatro Delirante (poesia 2014 Giostri), Retalhos de Sampa (poesia 2015 Giostri), Sessenta e Seis Elos (romance histórico 2016 FCP) Prêmio Oliveira Silveira da Fundação Cultural Palmares MinC, e Xadrez (romance epistolar 2019 Patuá) Prêmio Cidade de Belo Horizonte. No prelo, Evoé 22! (dramaturgia 2019 no prelo) Prêmio Incentivo à Publicação do MinC.

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Bosque de esperanças

Na lama do descaso ele transpira seus limites E arrisca-se mais longe até que as forças o abandonem

O chão retém seus passos e o calor o faz ceder Deitado sob o sol então repousa enquanto escuta

No vasto descampado almeja ouvir algum chamado Ou gritos de socorro que o apontem direções Mas dentro do silêncio apenas ecos da aflição De almas sufocadas por instantes de agonia Desiste do cansaço e novamente está de pé

Mas luta numa guerra que já sabe estar perdida Chora sem saber sequer por quem está chorando E segue em sua procura enquanto o dia o permitir Olhares embrumados que despertam sentimentos

Vozes e bramidos que comovem multidões Bravos como a força de um abraço acolhedor

Brados de quem sente em si a perda tão de perto Amor não se define pelo apego a quem se ama!

Amor não reconhece o próprio medo quando o enfrenta! Faz de uma tragédia uma lição de humanidade

Traz na própria dor um recomeço inevitável Presta-se ao socorro sem que espere recompensa

Sente o sofrimento endereçado ao semelhante Leva algum sorriso onde a alegria se calou Sangra na presença de enlutados corações

Se forte faz-se o homem quando em meio à sua ruína Se encontra no altruísmo o combustível de sua marcha

Quantas das sementes que plantadas sob o lodo Hão de se tornar o nosso bosque de esperanças?

Nando Nogueira - Jundiai (SP) Nando Nogueira nasceu em Franca/SP. É professor de estudos vocais e piano desde 2000 e cofundador do Núcleo Musical FLM de Jundiaí. Formado em Letras pela Universidade Paulista.

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FLORES DE CHUMBO Uma primavera estranha, feita através De flores de chumbo, se desenvolve Ao redor dos jardins e cresce com eles. Se trata de uma noite de muitos anos Para a qual as respostas não costumam Surgir de onde se espera, de onde A esperança mais produz os seus pedaços; Mas de alguma região do pesadelo Que nos sufoca enquanto ousamos Seguir pelo mesmo caminho, entre Montanhas, entre moinhos, onde Se derramam gotas pequenas, de ferro, De ódio e de sobressaltos. Dormiremos Entre peixes contaminados. Árvores Que, ao invés de frutos, produzem Enforcados. Estradas que, na verdade, Nos levam para o abismo, em meio Ao fétido outono desses viadutos; Dutos altamente explosivos. Encima Deles, vivas casas. Paisagem, miragem Potencialmente perigosa. Sinos sombrios No alto da capela. Sinais sombrios: Poesia vetada, mar por onde bóiam Cadáveres, baleias. Chuva profunda Chuva ácida. Água podre. Água morta. Urubus e águias. Inebriante cheiro De um ventre. Vida oriunda de algum Bueiro ou lodo. Vida, não se sabe De que tipo ou de qual propósito. Apenas vida. E se existe luta ou Palavra que a defina, nem tudo Pode ser dado ante essa estranha Primavera, cujos indícios são bastante Contraditórios entre si. E entre As fronteiras que cercam os jardins Verticais.

Francisco Guilherme – Santo André (SP) Começou escrevendo versos aos 14, aos 18 participou de oficinas literárias com o poeta paulistano Claudio Willer. Aos 35, lançou seu primeiro livro de versos, Rascunhos De Um Vendaval, durante a semana de literatura de Santo André-SP.

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Dois sóis "Um, dois, feijão com arroz", à mesma voz, cantavam elas duas saltitando, na mesma praça em que me vi brincando, por tantas vezes, de encarnar heróis. Agora não me vejo mais lutando em vivo embate com nenhum algoz: só vejo à frente dois pequenos sóis, que fazem dia quando estão brincando... A luz que fazem, mais que luz, é vida, inesperadamente amanhecida em mim ao som das gargalhadas delas! Ao vê-las, sigo adulto, mas criança, no embalo renovado das lembranças que as duas devolveram a mim mais belas...

João Romário Fernandes Filho – Fortaleza (CE) Oficial do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará e professor do Colégio Militar do Corpo de Bombeiros. Bacharel em Comunicação Social, Especialista em Ensino de Astronomia e Licenciando em Matemática. Coautor de dois livros e poeta premiado em quatro concursos nacionais desde 2018. Marido da Bruna. Pai da Letícia Luz e do Gabriel Sírius.

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O Carrossel das Horas

Morrem as horas, movem-se os ponteiros... Somos do Tempo as voltas do Destino: humanos entre humanos e divinos imortais, tão mortais, e passageiros. Pela vida, entre cismas, para o nada ou para a súbita asa sublimante: a tênue e leve luz destes instantes, o pólen que serpeia ao pó da estrada. Eternos como eterno é um segundo, brevíssimos crepúsculos, cadentes cometas pelo céu do inconsciente, milésimos no pêndulo do mundo. Uma folha, outra folha tarda ao vento e se vai, voo da tarde, tão ligeira como ave azul do sonho, alvissareira... Não mais tardamos que um só vil momento! Entre entretempos corre-nos um rio que se esqueceu, esconso, de seu curso: uma rês tresmalhada contra o Urso do Tempo a devorar-nos num sutil segundo... Pássaros passando e só! Nada além nos é dado ou conferido: o Tempo que ora flui é já perdido, aquele que ainda vem é logo pó. Mas a presteza é sempre viva e terna e a eterna brevidade nunca passa! Logo o orgulho, também, se despedaça e se esconde, de novo, na caverna... Carbono das esperas, despedidas, crono(i)logicamente nos levando (enquanto escapa tiquetaqueando) e já não damos mais por nossas vidas.

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O Tempo é o Senhor dos desgastes, dos destroços e enlaces, dos convulsos relógios derretidos sobre os pulsos erguendo contra nós as suas hastes. O Tempo que é sem Tempo e sem um fim e é Tempo, num destempo, sempre junto... O próximo segundo é um defunto e nevam-se os cabelos sobre mim.

Solidade lima – Feira de Santana (BA) Solidade Lima ou Solea Púrpura, aurora dos 2 de Dezembro de 1982; Bahia. Quatro obras lançadas: As Vestes do Vento, Voos em Descuido, Inenigmática e As Lâminas do Tarô e Os 12 Trabalhos de Hércules. Prêmio Nacional de Poesias Carlos Drummond de Andrade (2014). Prêmio Nacional de Poesias Júlio Salusse (2017 e 2018). Prêmio Internacional de Poesias Chave de Ouro (2018).

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Lições de uma classe [...] lições da pedra (de fora para dentro, cartilha muda), para quem soletrá-la. João Cabral de Melo Neto Se, por hipótese, de um criado-mudo um piano esplêndido se forjasse, logo o colocariam dentro de uma classe, p’ra que da aresta esmiuçassem estudo. Se de sua face o ouvido, contudo, algum aluno então aproximasse, nada lhe diria o piano-impasse: pois que, ao contrário, aquele que o ouve é surdo. Se, ainda, deste piano-de-costura uma caixeta (ou câmara escura) se armasse, voltar-se-iam todos ao ofício de antes e, uma vez mais, coletivo caduca, nada apreenderiam da caixa que educa: pois que a caixa-cofre é sem orifício. E se enfim se convertesse o cofre em mala, valise estúpida ou vanguarda estática, em volume morto, peso ou gramática, passaria a classe, pois, da teoria à prática: − Se não tem serventia, antes d’spachá-la! – e, num asilo, acordariam penhorá-la.

Adriano Cirino – Belo Horizonte (MG) 24 anos, é jornalista graduado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e autor do livro "Nos bastidores de ‘Escobar’ & outras crônicas bogotanas" (Crivo Editorial, 2018). Dedica-se à escrita de crônicas, reportagens, perfis e poesias, tendo sido publicado pela revista El Malpensante (Colômbia) e pelo selo Off Flip de Literatura.

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inspiração às vezes, é necessário empilhar palavras umas sobre as outras para que se faça mais, assim, fiel a um pensamento mais sentido que pensado, mais bonito do que prático, o que não faz, por automático, que nele escrito venha incluída qualquer qualidade de que se diria: — veja, é poesia.

André Paulo Gabriel – Juiz de Fora (MG) Estudante de Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro do Periódico Alethes.

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AS PALAVRAS the sun is in a Box somewhere asleep like a cat BUKOWSKY as palavras são anciãs vão se espremendo pelos anos e encontram sem trabalho no mais ínfimo espaço lá se guardam escondidas de toda luz e despojadas de aparatos vão concedendo novas sílabas sutis mas quando jovens as palavras ansiavam luz e repensavam extasiadas sobre montanhas e árvores das rochas a preferida de palavras mais ousadas era aquela a qual o olho algum alcança o sopé branco e reluzente das árvores a predileta de palavras mais contidas era a do conhecimento que ia condescendente frutificando o bem e o mal no sol bailavam nuas da lua tinham reminiscências inveja causavam ao firmamento pois apesar de não brilharem propriamente era de qualquer luz seu provimento pois eram energia sem assomo em cada membro traziam um engatilhar mantendo sempre alvos precisos

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AS PALAVRAS DESCONHECIAM CISTERNAS

elas se plantaram em campo aberto em alguma asa do vento no coração das tempestades a elas o mundo se distinguia entre noite e dia e sol e lua e apesar de serem determinadoras de conceitos e significados pouco sabiam dos caprichos da natureza apenas vivenciando seus rumores

AS PALAVRAS NÃO IMAGINAVAM CAVERNAS para elas não havia lugar algum onde não houvesse a luz pura com seus céus azuis límpidos e vermelhos vestígios de aquarela ou um ocaso aceso por astros mas eram sempre questionadas acerca do começo do chão e então as palavras procuraram mapas e conselhos, invertendo seu olhar para onde não existia a permuta do dia. todo lodo e som de pingos as constrangeram toda sorte de sombras densas todo intuito que o medo encerra todo teto isento de céus toda nesga de luz devorada assustadas com tantas galerias e sua noite impermista as palavras preferiram o sobre o vento refrescando com flores e o tempo a embalar com mitos e tudo ainda o que não era escrito ganhava vestes com suas letras não que esquecer tenha sido fácil os pesadelos eram muitos o desconcerto atravessava aparente e pesava o corpo que não soçobrava

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AS PALAVRAS AGORA SABIAM E SUPORTAVAM e se entregaram ao ofício com dedicação e apreço não cansavam de ditar endereços e nada do que antes era nomeado ganhou designação forma signo (aos amigos inseparáveis das rosas elas os declaram espinhos) (elas que batizaram o prego aos longínquos brilhantes da noite da tabuleta do oleiro) elas os batizaram estrelas) (elas que declaram calor (ao inquietante brinquedo do céu

o que cozinha a argila) elas inventaram que nuvens) (elas que concluíram a união aos eternos soluços do mar hoje chamada cimento) elas concluíram que ondas)

(elas que inventaram que teto e solo e parede uma casa)

às intenções enormes a declaração do sonho ao redemoinho de espantos o batismo da imaginação ao despertar de aspectos e distinções toda invenção do amor

aos complexos reflexos e intuitos uma conclusão que medo

AS PALAVRAS TIVERAM UMA INTUIÇÃO: A ESCRITA

antes lúcidas e felizes com o tempo as palavras passaram da ação à vigília guardaram suas ferramentas mudando seu modo de operar no mundo não que tudo já tivesse tido engendre e nome mas eram poucas as vezes que a este interesse eram chamadas mantinham um pequeno exército para estas ocasiões mas era cada vez menor seu destacamento

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mas sempre vivazes e libertas as palavras não se faziam saciadas e apesar dessa satisfação começaram a se deixar desmontar e serem sobrepostas e agora ao invés de apenas nominar as frases eram agora sua empreitada e a paga era toda sorte de escritos

(ainda era na luz que moravam quando começaram as histórias e felizes e irmanadas iam vestindo ideias com seus prelos de alvorada) (logo viriam as parábolas e até leis feitas em tábua)

as palavras não entendiam como que da concretude de uma árvore podia ser feita a sua morada mas entre elas admitiram que antes nada as podia represar e agora fixas poderiam para muito repousar na desdita do papel nunca houve distância alguma que as palavras não pudessem estreitar nunca nada antes trouxera dúvidas e vestidas com seu manto de obliterações elas sentiram pesar a alma e que algo estava acontecendo sendo mais que frases dispostas ou que somente histórias tudo era muito maior que antes um sobressalto um arremesso um pouso tosco o fim de todos os cuidados pois logo os homens começaram a usar as palavras como malabaristas e as dispunham em pé lhes dando ritmo lhes dando cor

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e as juntaram irmãs em rima as palavras agora eram vertidas dentro da arena da métrica e a luz agora as procrastinavam

vinham vestidas de sombras andrajos escuros e uma fúria intempestiva

não havia mais brancura nas pradarias nem lugares para serem bem vistas as rochas elas não mais vestiam nas árvores apodreceram seus ninhos a nova forma queimava as retinas aos céus causavam sangria E ENTÃO AS PALAVRAS CONHECERAM A POESIA e após a poesia as palavras se desdobraram em afazeres pois ela tinha fome era uma energia que queimava tudo desde crepúsculos até princípios de alvorada a poesia exigia invenções diárias metonímias alicerces semióticas imagísticas descaminhos antinomias e não dormia sequer segundos toda insônia a trajava toda noite o seu sustento

as palavras então outra vez desceram às galerias pesarosas com seu fardo engoliram o medo e se uniram ante a escuridão com desvelo mas nesse abrigo atro onde os silêncios nasciam as palavras gestaram sons em solidão:

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nasceu o poeta, o resvalar da memória nasceu a dor, o silêncio que não perdoa nasceu a viração, a destituição da proa nasceu o mito, o véu de tempo e história a lua esculpida, nasceu a beleza que ressoa o desejo tangível, nasceu a dedicatória o amor como mito, nasceu a moratória o poeta como ofício, nasceu a pessoa e vieram de mãos dadas sonetos e terzenas redondilhas, decassílabos, pés quebrados, estrofes que reincidindo a luz e verbena ficaram entrelaçadas como antigas colegas argumentando que todo o seu rematado é composto de necessidades e entregas

AS PALAVRAS ADORMECERAM E SONHARAM não houve pesadelos só o silêncio primevo umbilical um ventre invertido repleto de sons e mitos de um escuro quase denso onde as palavras

finalmente entenderam seu destino: serem da poesia a alma

Helder Louis Rodrigues – Curitiba (PR) Curitibano, escritor, poeta de vagas horas. Colecionei barrigudas e saudades de Paranavaí.

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(de)Compondo a anatomia de acusações compostas ‘’Os escribas e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher que fora apanhada em adultério. Puseram-na no meio da multidão...’’ Perante o meu sepultamento, ouço o tilintar do martelo. Condenado: o corpo é culpado. Procuro o Cristo agonizado nos olhos dos juízes Todavia, só vejo o deus que afoga, queima e mata a sangue frio. Sorvo em meu cadáver vivo integral amaldiçoado rastejado. Subjugado. desde o mais cândido fio de cabelo apedrejado. Humilhado. CORPO CRUCIFICADO! até as solas dos pés descalços trago. (apreendes então?!) As marcas vitais que corroboram: sou o alicerce do pecado capital original da maçã apodrecida na boca sórdida da pecadora primária que alforriou a Pandora. SOU EU! (reparastes nas cicatrizes?) Amanhã... nem sei se viverei ou escreverei mas hoje, já que as palavras insistem nesse solilóquio livre libertaremos uma a uma: Carne barata da esquina. Trago em meu corpoema poemadecorpo corpofeitodeematomas a identidade do meu gênero: pecador. (consegues notar os adjacentes segredando baixinho?!) até quando essa culpa e perplexidade habitará cada célula minha? cada órgão interno atassalhado Mas que para o infindo não se perca

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o fluxo de consciência há de se redobrar e recobrar e ao principio de minha tez retornar sem que o término se possa desejar. (Vem aqui. Sinta...) titio sentiu. Irmão sentiu. Há alguém que não tenha sentido? Que não tenha tocado? Que não tenha olhado? Penetrado e depois alertado que sou eu o único culpado desse corpo carregado de fados pesados de doenças. De dores. O meu cadáver com vida grita. CORPO IMUNDO CUSPIDO ESCANCARADO PARA OS DEMÔNIOS! marcas então minha alma canta... (Cócegas). a alma não canta absolutamente nada ela apenas voa para longe... lá... onde dizem haver paz. não haver homens. Sem julgamentos. Sem culpas. lugar de cruz onde poderei deixar a minha. (entretanto, eu não creio em uma só palavra- embora as metáforas estáticas do papel me tocam sem nunca ter saído dele) agora é só o apodrecido que vai se decompondo em milhares. (notastes que dizem que alucino e nessas horas me oferecem chá?) Doía moía quebrantado despedaçado chorando implorando (no espaço em branco há um silêncio maior de sombras que se veem e que se lembram) lembram do cheiro. Lembram da cor. lembram do gosto. Lembram da boca gemendo alto e chorando contrito. eu pedia. (?!)Disseram que eu pedia. Disseram que eu queria. Disseram que a culpa era minha. Com partes do meu corpo à mostra. A culpa é minha. De burca. A culpa é minha. De fralda. A culpa é minha. Com minha orientação sexual. A culpa é minha. Minha. toda minha. olhos roxos ensanguentados em estado de coma fugindo pelos becos escuros trocando de lugar ao ver olhares vermelhos em minha direção:

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SOU EU: O morador de Sodoma e Gomorra queimado pelo incêndio do deus raivoso que me odeia: me coloca numa gangorra, me gira sem parar, fazendo vomitar e engolindo os meus vermes. Não sou e nunca serei apenas Eva. (embora um quê de serpente serpenteie em mim) Condenam-me como aberração e psicológico alterado. (Nem mesmo as leis dos homens me deixam com tranquilidade) (Consegues ver essas ínguas?) no pescoço, axila, virilha... pecado. o sangue familiar escorria transbordando e eu ia sentindo o quente jorrando como um rio inundando dentro fora dentro fora dentro... e eu ao relento. (ouves dizendo que eu pedi a penetração mais amordaçada?) Sinto um enorme nojo de mim procuro alivio nas santas escrituras mas as dores só aumentam no que restou de alma (estou bem... estou bem) Lambo o sangue que escorre por entre as pernas bebo esse líquido vermelho como a celebrar uma nova ceia e notabilizo essa desgraça ao qual eu me submeti o corpo é putrefaz igual todos os defuntos possíveis tio. Irmão. Há algum que não?

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E ao término sem início mutilo-me mordo os pedaços e me despedaço pois o corpo nunca foi tão importante quanto a alma que padecida carrega em si todas as acusações marcas traumas de uma infância (ânsia)

(compreendestes agora que o corpo nunca foi metáfora?) E antes que eu não possa mais suspirar

uma última súplica: não desconheças as cicatrizes em cada parte que me compõe pois são elas os sinais flamejantes que os meus hematomas não são metonímias. Não sou a parte pelo todo. Sou Tudo sem ser nada. Sou corpo e sou morte. Gero vida e gero culpa. Não gero nada e sou culpado. (entendestes finalmente que sou eu o fruto do pecado?) Fim de julgamento. Condenado

Jeferson Douglas Bicudo, Paranavaí (PR) Selecionado em outros anos no Femup: seis vezes como declamador, três como poeta e um como contista (além de sempre estar à frente de leituras dramatizadas), Jeferson não se vê sem o Femup. Poesia não é luxo, é necessidade para a alma. É alívio para as dores. É remédio que cura as enfermidades da alma.

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poemas não sabem esperar germinam e se jogam feito amor desesperado poemas querem ser lidos tal como a pele em busca do toque suave e declamados como gemidos incandescentes expelidos pelos poros dos versos em êxtase há desejos nos poemas próprios e impróprios sanhas intermináveis das palavras escritas na tintura do vinho há nos poemas a pressa insaciável dos amantes em abraçar o chão e ali plantar seu gozo profundo poemas sofrem sua própria angústia dor de ser poema à espera da voz que os liberte

Giuseppe Caonetto - Paranavaí (PR) Natural de Paranavaí, poeta, escritor, membro fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, é autor de quatro livros de poesia e participa de várias coletâneas poéticas.Também escreve microcontos, e prepara seu primeiro livro de micronarrativa.

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Florbela Espanca

I – A flor que é bela Aquele que aprende a perdoar faltas em dias que não se repetem deu um grande salto para a liberdade. Aquele que aprende que a morte não é o pior dos inimigos, mas a dor, mãe de todos os déspotas, verá que a avareza é a pólvora das derrotas. Aquele que ama a cultura há tempos aboliu as fronteiras entre a vida e a morte. Aquele que percebeu que uma greve em Lima ou uma guerra na China são uma coisa só compreende que desde que o mundo é mundo só há uma guerra. Aquele que aprendeu a se encontrar durante a escuridão tem nas velas um símbolo para a cegueira. Aquele que quebra as grades de uma gaiola de ouro sente que a neve do deserto, ou a lava dos alpes, é mil vezes mais agradável que ter as asas tolhidas. Aquele que não vende os dons dificilmente desistirá de alguma empreitada sem antes aplainar o solo e levantar meia dúzia de estacas.

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II – A flor que espanca Aquele que aprende a não dizer “não entendi nada” está a um passo do grande “só sei que nada sei”. Aquele que não acredita em milagres pouco terá para dar ao mundo no que tange a novidades. Aquele que desejar somente o beijo da pessoa amada verá em seus olhos uma casa para sempre adornada. Aquele que for capaz de afirmar “eu sou o outro” se tornará a melhor barreira contra muralhas. Aquele que valorizar a irmã que tem saberá que um pedaço de carne pode muito bem ser um pedaço do céu. Aquele que morrer em alto-mar nada mais fará do que voltar para o útero da Mãe Terra. Aquele que se fartar de cultura deve tomar cuidado para depois não se fartar do tédio.

Felipe Figueira - Paranavaí (PR) Doutor em Educação e professor de História e Pedagogia no IFPR Campus Paranavaí. Desde 2015 tem realizado diversas viagens pelo Brasil e pelo mundo, seja para verificar aspectos há muito lidos, seja para acompanhar situações que, devido aos personagens não terem voz, dificilmente serão narradas em livros.

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51º Concurso Literário de

contos

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CONTOS COMISSÃO JULGADORA

GABRIELA FUJIMORI DA SILVA – Paranavaí, PR Possui Graduação em Letras (Português - Inglês) pela Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí (2008). Especialista em Língua Portuguesa e Literaturas pela Universidade Estadual do Paraná (2009). Mestre na Área de Letras, Estudos Literários, pela Universidade Estadual de Maringá (2018). Atualmente é docente do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal do Paraná, Campus Paranavaí, com atuação na área de Língua Portuguesa e Língua Inglesa. Participa de projetos de pesquisa e extensão na área de literatura e historicidade. BEATRIZ ÁVILA VASCONCELOS – Curitiba, PR Doutora em Filologia Clássica pela Universidade Humboldt de Berlim, com pesquisas no campo da retórica, do imaginário cultural e da narrativa ficcional antiga. É professora do Bacharelado em Cinema e Audiovisual da Unespar - Campus de Curitiba II e do Mestrado em Cinema e Artes do Vídeo da Unespar, com interesse nas seguintes áreas: estéticas e teorizações de cineastas, imaginário cultural, genealogia das imagens, poesia e dramaturgia. MARCELO BOURSCHEID – Curitiba, PR Escritor, tradutor, diretor e pesquisador teatral. Doutor em Letras - Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Trabalhou como professor de dramaturgia e escrita criativa em instituições como SESI, SESC, UFSC, UDESC, UTFPR e Fundação Cultural de Curitiba, dentre outras. Atualmente é Diretor de Extensão da Unespar - Universidade Estadual do Paraná e um dos idealizadores do Projeto Teatro de Segunda.

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CONTOS - FASE NACIONAL

Alecrim

Ronaldo Ventura São Bernardo do Campo - SP

Sede

Helder D’Araújo Gama – DF

Maria Agônio

Maurício Witczak Brasília – DF

O Sertão de Severino, o Sertão do patrão

Raquel Pagno Lages – SC

A vida das imagens mortas

Rômulo César Melo Recife - PE

CONTOS - FASE REGIONAL

Sobre a verdade (e outras mentiras)

Roberto Gonçalves Paranavaí - PR

Anas

Grégori Gabriel Paranavaí – PR

O Sermão: uma súplica à montanha

Jeferson Douglas Bicudo Paranavaí - PR

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ALECRIM

Riacho e cigarras. Sinfonia de minha infância. Quieta. Eu enroscada em mim. Feito bolinho de gente. Não querendo ser peixe, não querendo ser planta. respirava. A existência se comprovava pelo brilho, reflexo, nos olhos e pela fome diária e tardia de broa e de pão de minha mãe. leite, ovos, manteiga, carne, arroz, toucinho, couve. tudo fazia presença na mesa. Mas a querência era sempre a mesma. Broa e pão de minha mãe. Na cadeira em frente ao mais velho e ao lado dos outros eu ficava como que na raiz grossa. quieta. Respirando. Já respirei tanto que perdi a conta. Não entendia coisa com coisa nem questão fazia. Gostava assim, de graça, queria nada não. O dia nascia e pintava de vermelho tomate o céu que prometia uma manhã fresca. Mãe, estendia a toalha e clareava o rosto pela janela, enquanto o bezerro já pegava a sua parte por direito. Pai, já sentado fazia às vezes dos bons dias, que nós, um a um beijava a mão, pedia a benção e solicitava o dia bom. O bom do dia era o Pão de Cristo, que Mãe fazia para nós. Demorava três dias para ficar pronto, sendo assado assim debaixo da coberta, tal qual ovo de galinha galada. Meus irmãos e irmãs teimavam desde sempre e Pai ralhava com todos. ficando assim difícil pegar ponta de pão, cotovelo, bico, de onde se tira miolo e entucha a manteiga, essa feita por mim, com toda força dos meus oito anos. Café, Pai plantou, nós colhemos, sol torrou, burro moeu, Mãe ferveu, e ninguém bebia. Era ruim para diabo. Pecado falar diabo dentro de casa. Como pecado era não comer o pão de mãe, que era de Cristo. O mais velho não comia, e falava que não comeria nada que viesse dessa casa, para de não dar motivos de implicância, para ter com que bater boca com Pai. Eu, de minha parte, mais esperta e feliz, e com mais fome, também acredito, pois se assim não fosse, nunca que Raul, ou algum, não comia o pão de gostoso que sozinho, e sozinha comia boa parte, enquanto família abria boca e segurava o queixo. De mim, só me lembro da mancha manteguenta na roupa rota e do sorriso enorme de lua que me fazia as manhãs frescas, desde sempre. Desde sempre. Nem me lembro de como chegamos. A coisa mais antiga na cabeça é da gente andando feito mula. A gente andou, andou, andou, andou que chega. No sol a gente pingava que nem açude. Boizinho, cachorro de ninguém que ia com a gente cansou e quis ir no colo, não foi, todo mundo queria ir de colo essas horas. Mas se todo um segurar o outro e o outro segurar o um, quem ia segurar todo mundo? Talvez Deus, mas ele nunca tava por perto. E a gente andou, andou, andou que me deu vontade de cantar, mas nem era dia de Reis, sei não se podia, não cantei. Fui pegando pedra que se parecia flor. Queria fazer enfeite, ramalhete de jardim que durasse para sempre. Assim como a saudade, pois saudade de dentro de mim, menina, era tão grande que parecia que nunca ia ter fim. Estar viva é sentir saudade.

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É resposta que viveu. Vim assim de destrambelho, eu e todos. Mãe, Pai, o mais velho, o outro, Tarcília, Venância e eu no fim da escadinha. O boizinho? Boizinho morreu. Enterrei seu corpinho e me mandaram fazer cruizinha, nunca gostei de cruizinha, coloquei um pé de flor. Margarida. Eu em menina, toda fogueta, corria, subia e desdescia após. Manga, goiaba, amora, tudo no pé, sentada em forquilha ou galho grosso. Ruminava de manhã os raios que me traziam no rosto um corte d’orelha orelha cheio de dentes miúdos. Terminada a benção de pai, fugia da mesa pro quintal do tamanho do mundo. Rainha e senhora. Comandante das minhocas e cirurgiã de lesmas. Cocoricava também. Mas sempre um pouco antes da corrida pro rio. que ganhava quem chegasse sem nada. Ia deixando camisa, chinela, tudo pelo caminho. E pulava caindo feito pedra num frio de estalar os ossos dentro da gente. Uma vez vinha como sempre e chegando feito anjo no pé da santa, pelada de nua, foi que o vi pela primeira vez. Que ainda não tinha nome. nem pernas. Só sorrisos. e peito liso como o meu. O sol brilhou naquela boca que me disse vem. Eu pelada, estátua na beira, fui. Pisando como se pisa no pasto com medo da bosta do bode fujão. Não de medo dessa vez, mas com assombro. Certeza do destino. Seu nome me disse. O meu não saiu. Me disse boba. Eu feito boba. parada. quieta. a boca aberta para mosquito. Zangado, sem porquês, saiu do rio e me atirou pedra, três. Um boba mais forte e mais alto foi a primeira coisa que tornei a ouvir, gritou e saiu. Eu, parada, pelada, no frio daquela água que corria da primavera, não entendia o porquê, mas já sabia que me tinha tornado gente. Sabia que aquele frio em volta e o quente por dentro era o tal do amor. Pai também já era morto quando Mãe recebeu uma carta. Nunca que eu tinha visto uma carta antes, o mundo era só nóis. Mãe pegou a carta e levou para a filha do seu Diomá ler, ela sabia, qual delas eu não sei, Mãe chegou e disse que se Deus não ajudar ia tudo pras Cucuia. Fiquei pensando, onde será que é Cucuia? Devia de ser pra lá de Arapiraca, que até onde eu sabia era o lugar mais longe de tudo. E quê que Deus tinha que fazer? Fiquei sabendo não, acho que nem ele, Mãe não mandou carta para ele. Sabia escrever não. Nada de justo essa tal de vida. Por vias, fui no meu quarto e deixei tudo de pronto. Se a gente ia pra Cucuia, não ia levar bronca de tá atrasando todos na hora da mudança. Pai tinha alambique, no fundo de uma casinha fora de nossa casa, ele pegava as casca da banana e deixava secar no sol, mascava e cuspia dentro duma panela, eu não gostava não. Eu mascava e engolia tudo. Gostoso. Pai não gostava não, ralhava e eu ia pra dentro com bucho cheio de casca de banana. As casca cuspida ficava trancada com tampa depois de tempo ele acendia um fogo baixin,

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depois pingava. saía num caninho e pingava na garrafa. E assim de pinga e pinga ele foi bebendo e se fez tudo que se fez. Foi em noite que vento veio e quis levar tudo com ele. Pai não deixou. Tentou segurar teto, parede, e mundo inteiro com as mãos. Os mais velhos junto dele nem peso faziam. Vento e raio. Raio pegou na árvore e derrubou galho em cima de Pai. Ele preso e a gente pra perto. Primeira vez que via sangue de gente. E nem fazia idéia que era igual de bicho. Seus olhos que pareciam maiores que a lua, iluminavam meu caminho, eram tão verdes, que o resto da fazenda se refletia, imitava. Seus olhos. Que viram os meus primeiro. Me assustavam eu criança. Boi-Tatá. Vaga-lumes que Deus te deu. Olhos que lavavam. Coisa que nunca vi. lágrimas suas. Olhos, que trincados no ódio, deu a saber a todos o destino de si próprio. Infelicidade de coisa besta. Pai olhou pro nada e cada um queria que fosse pro outro e disse Filho. Esquece. Chorar faz bem. Aduba nossa terra e faz crescer frutos como nós. Amargos e fortes. E começou a chover. Não foi sem medo que fechei seus olhos. respeitosa de te tocar. Agora descansa meu pai. Choveu para lavar à lagrimas o sal dos olhos. Meu quinhão engolia junto com os gritos. Não queria fazer coral com minha mãe. Achei direito não. Chorei minha dor própria depois. Pai era vida de Mãe, ela ficou de menos, pela metade. deu dó. Alguns aniversários passaram, só dos meus foram três, mais um pouco era mais um e o mundo mudava do leite pro queijo. À força. Ele aparecia mais e eu ia na casa dele. Mas não ia. Ficava fora, longe, olhando que nem pato. Ele aparecia e eu se escondia. Meu peito subia e descia mais rápido que tatu virando bola. Fiquei sabendo de tudo. O dono da casa que ele usufruía como se dele fosse, chamava Diomá e era pai dele não, mas irmão desse, seu tio por determino. Ele passava tempos em tempos aqui e depois voltava pra lá de onde era, um lugar chamado cidade, longe depois do Sol. Seu Diomá tinha 3 filhas: Ilena, Beleuza e Creuza. Seu Diomá tinha muita imaginação e pouco gosto. Todas maiores que nóis tudo em casa. Tinha um menino que trabalhava lá. E ele era preto, mas preto, tão preto, mas tão. Era encerado de preto. brilhava. Acho que ele era preto até por dentro. Acho tão bonito gente preta. Tem cor. Não é assim borrado que nem eu. Esse menino ficou sendo o quem eu contava tudo. Contava de tudo. Mas tudo pela metade. Contava dos tremor que eu tinha, contava da boca que secava quando ele aparecia, quando voltava da sua casa cidade, contava da vontade de comer tangerina e deixar as cascas em redor e fazer caminhozinho pela mata até meu colo, na querência dele seguir e se deitar e saber meu cheiro. Mas querência não é podência, já dizia-se todos. O pretinho virou amigo de Tarcília e Mãe brigou com todos por isso, nunca entendi o malefício, ele nunca fez mal e só vinha depois do trabalho, quase noite, ás vezes ele apertava ela dum jeito que parecia que doía, mas ela nunca que reclamou, devia de gostar. Pretinho foi embora, Tarcília chorou que só, Mas depois não largava de Mãe, acho que agora elas se entendia, as duas tinha

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perdido um. Pretinho foi embora e nem pude contar para ele o que eu ensaiei tanto, ele meu confessor, mas nunca soube disso. A vida tem de tudo mesmo. Mas tem tudo mesmo nesse mundo, se o mundo um dia se acabar ainda vai faltar um tanto de coisa para se fazer. É o que eu acho. Eu só acho. Certeza de nada. não. Certeza única era ele. Ele que me invadia as narinas, as idéias e tudo que dentro infla. Querência. Vontade de nem sei. Mais um aniversário passando e ele aparecia cada vez mais bonito. Rabisco de pêlo, no peito, no braço, em volta da boca. Teve vez, ele veio antes do comum dos dias. Estava de Eva no banho da manhã e olhei para um lado não muito acostumado de se ver e ele tava lá. Olhando feito boi. E eu parei, sendo olhada feito paisagem, me apertou tudo dentro de mim que acabei fazendo xixi, a vergonha de tudo me fez sair d’água e carregar roupa sem dizer nada palavra, só perto de casa que me vi pelada. Fiquei com vergonha mais. Não fui ver sua casa o mês inteiro. Nesse ínterim eu vagueava os pensamento que só tinha um porto seguro. Ele. Fazia dele meu motivo de falas sozinhas. meu deus em oração do corpo. queria ser hóstia consagrada e me dar para ele em comunhão. Numa manhã que ele estava longe acordei molhada. O sangue sujava tudo e meu medo de doença me fez saltar janela e correr pro rio para me limpar, se fosse morrer, queria que fosse ali, onde ele podia me ver um dia, eu corria e torcia para que se ele me visse defunta, mortinha, que pelo amor do que eu sentia, que eu estivesse limpa. Ai, imagina se ele me visse e tivesse nojo? Se eu tivesse morta e visse isso, morria de novo. Me lavei e esperei. Não saía nada, saía da água, saía de novo, voltava. Fiquei que nem maracujá de tão enrugada. Decide chorar pra minha mãe, ela devia estar acostumada com choro, com medo e com morte em família, meu lençol estendido no vento e minha mãe com um sorriso no rosto e aperto no peito me contou que agora eu era mulher-moça, ué, mas sempre não fui? Agora não podia mais tomar banho em pêlo, nem correr sem camisa, nem um monte de coisa. Inclusive a começar ter medo de menino. Queria isso não. Queria era nadar e ver meu bem, deixar meus peitos irem em direção ao sol, já estavam querendo ir, porque não? Medo já tinha, mas medo era meu, não era deles não, deles não. dele. Tudo meu era dele, até meu medo, soube nesse dia. Queria isso de moça não. Coisa de Deus, mãe me disse. Eita que esse Deus é muito sem graceira! Parece menino bobo que tem brinquedo de monte e escolhe um para quebrar sem muito se importar. Brincando comigo assim. Minhas coisas era tudo coisa séria! raiva que me deu. Tarcília me contou que foi por causa parecida disso que Mãe mandou pretinho embora. Me falou que menino é nada, mas homem é bom. Qual a diferença? Eles sangram também? Não sangravam. Eita, não disse que esse Deus era um moleque de traquina? Só com as meninas ele apronta disso. Ai que raiva! Toda noite ia pro riacho, pro lago que formava, antes do rio, ia de noite para

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que ninguém não visse meu corpo mudando crescendo para tudo quanto é lado. Desses tempo em diante só fazia duas coisas. Pensava nele e falava prele em pensamento. Minhas noites eram goles de água e teu nome em gemido. Da boca para dentro. Minhas mãos em prece, ora esperava, ora apertava a cabeça e ralhava com os cabelos. A coisa distante do mar e eu afogada nos seus olhos. Feito banana-da-terra. Feito sua, doce e molenga no sorriso que derramava na janela. O sol vinha, brilhava e se instalava na tua boca. Eu querendo engolir tudo e ser só eu na tua existência. O sol que não engoli trazia pesado dentro do peito, amargava minha retina e amarrava meu destino. Eu dava voltas em torno da casa grande de seu tio. Fugia e retornava feito cachorro atrás do rabo, tudo na minha vida é roda de carroção. Gira, gira, gira, e volta, volta, volta. Por causa de tudo voltava, pagava fome e tomava chuva deitada.Vontade louca de dizer. Vem! Me dá essa tua mão em reza e deixa eu te mostrar o mundo que não vi. Tudo mudava e me dominava e o medo de ficar louca e o medo de ficar sã e esquecer dele me fez contar tudo para quem dividia o quarto comigo. Falei da tremedera, da quentura, da secura na boca, só não falei do nome que me vinha junto. Seguia conselho de Venância e ia tomar banho gelado no lago. De novo. No fim dum dia ele veio. Era o mês da surpresa. Tanta coisa junta que nem sei. Não tinha estrela, nem coruja, nem nada. Nem o moleque do Deus apareceu, deu sumiço. A lua também. Só o chão viu. Só a terra vermelha que tanto foi sabor e cheiro. que foi chão e céu e berço aberto. A terra dos meus pés. Onde enterrei boizinho. Onde plantei bananeira que nunca deu cacho. Onde plantei bananeiras daquelas de cabeça pra baixo. Onde caí, sentei, corri atrás de galinha, de bola, de Venância com boneca minha, feita de palha de espiga. Nem essa tava perto. Só o chão. Ele veio seguido de eu após o banho. Eu sabia dele atrás e ele me chamou, não parei, não olhei, não falei, andei com vontade de rezar, mas pra quem? Pai já era morto e mãe, tadinha, devia de tá durmindo. Pegou meu braço e me virou. Eita, como ele era bonito, era tudo, era resultado de esperanças e brincadeiras, era meu sonho, tava tão, tão, que nem vi que ele apertava mais forte do que carecia, falou comigo, perguntava coisa que nem ouvi, eu só molengava nas pernas e antes de acontecer segurei o xixi. Magina a vergonha. Eu me mexi e ele me puxou de novo. Aí eu senti que tava doendo e pedi, falei que não precisava da força. Queria falar que já era dele desde que saí pro mundo de dentro de mãe. Ele não quis. Quis é morder minha boca, assustada saí pra trás e ele veio atrás, me pegando feito porco, me jogando como resto, caí no chão e assustada disse não. Coisa que não se faz. Mordeu meu pescoço e arrancou camisa velha que fazia de pijama, mordeu meu peito que já era dele, não precisava ser assim. Eu toda quieta, emboladinha para dentro, pensando que sentia dó de novo. Que pena. Uma coisa tão bonita jogada fora. Um mundo feito pra ele e ele não quis, nem sabia se era bonito. Ele machucou

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minhas pernas, cuspiu em mim e foi-se. Foi-se tudo. No pouco que me atinei me vi só. coisa que nunca não quis. e eu quieta, chorando por dentro, nem ali estava, tava era lembrando dos doces que não fiz pra ele ainda, do brincar de dar risada que a gente ia fazer por toda a vida, ele me machucou forte e me trouxe de volta. Mãe falava que a gente chora quando nasce e que a gente dá muita dor. Acho que deve ser parecido. Mas aquilo não era vida que saía não, era morte. Mais uma. Bonito seria a consumação de qualquer coisa que não fosse aquilo que me sobrava.

Na terra que me fez, padecia eu. Meu sal em lágrimas, metade do mar, adubou meu lar. Onde cresci e cri. Lavou meu rosto e manchou junto com o sangue o que restava de corpo, alma e vontade. Meu joelhos da cor do chão não sentia. Meus olhos não sentia. Nem dor das costumeiras sentia. Era coisa diferente. Já comi tatu, comi pão amargo, comi até bolo de barro, mas gosto na boca que nem esse nunca nem tinha visto e podia viver muito bem sem ele. Não carecia de mais dor não. Ele era meu tudo. Neblina dos meus olhos. Imagem santa de amor quieto. Não podia. Não podia ter acabado com tudo que eu tinha ainda de menina assim, desse jeito, sem eu deixar. Uma vez uma manga que caiu em cima de mim que me fez sangrar o nariz. Doeu e marcou meu rosto para sempre. Agora foi outra coisa, sangrava menos e doía tudo. Bonito seria a consumação se houvesse sido. Nada disso que havia. Dor de sozinha. Gemido para dentro sem cura, sarna que não coça. Ele não quis. Não quis fazer parte da coisa mais séria que sabia que existia. Minha vida. Resolveu jogar. Desgrama sem sorte, sem rumo, sem norte. Levantei como pude e andei de volta para lavar. De novo. Aquelas águas tinham visto tudo de mim. Eu menina, eu moça, eu coisa, mulher não era. Pensamento de fim tomou posse. O que fazer? Esperei tanto por muito coisa e o que veio foi pior que nada. E levou tudo junto. Sobrei carcaça. Fruto podre da árvore da vida. Mãe não merecia ver mais um sem vida. Decidi ir com o rio, já tinha visto tudo de mim. Eu menina, eu moça, e agora eu coisa morta. Parei de perto e decidi pela última corrida. Queria que nem o chão me visse. Na verdade dei mais uma chance. Mas não aconteceu nada. Nem a estrela d’alva apareceu para me guiar. Nem nada também para me impedir. Nem pedrinhas para trupicar Deus colocou na frente.

Chorei mais um pouco e saí de carrera e me joguei num escuro frio e molhado. Agora sou só destroço de memórias. Voltei para lugar algum. E sentada no nada, sem ter mais para onde ir, desisto.

Ronaldo Ventura – São Bernardo do Campo (SP) Dramaturgo, diretor de teatro e escritor. Vem praticando sua escrita há pouco mais de 20 anos. Possui 04 livros publicados, sendo 02 romances e 02 de dramaturgia.

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SEDE

Tudo começou numa casa preenchida de objetos antigos. Nas paredes havia pinturas variadas. Os mais incontáveis estilos. Mesas de madeira maciça comportavam ânforas e variados tipos de vasos de diversos países. Enfileiravam-se alguns bustos dos imortais. De Homero a Cervantes. O piso todo revestido em madeira de lei. Sobre este havia um tapete de espessura considerável e de um toque macio. Impressionado eu acariciava aquele sedoso pelo como de um tigre. Todos os móveis daquela residência eram incrivelmente belos. Vasos com espécimes de plantas de todos os tamanhos decoravam cômodos e varandas. Mobílias contendo coleções de insetos mais variados como em exposição. Havia um urso empalhado. Também um leão. Havia tanta coisa que, confesso, desafia minha memória no momento.

Um quadro, entre tantos, me chamou a atenção. Estava abscondido sob uma espécie de manto. Não resisti e toquei aquele tecido. Um tipo de cetim de tom azul escuro. A luz daquela casa era um tanto escassa. Havia lâmpadas, mas numa tonalidade ocre, bem suave, que impedia de ver direito alguns itens. Havia a necessidade de aproximação para apreciar os detalhes. Ao toque do tecido, que irresistivelmente me convidava ao desvelamento daquela peça, que estava sobre um cavalete, veio-me um calafrio mortal. O motivo fora um vulto que se apresentou na sala daquela casa. Tomei um susto como acontecia havia anos. Era um mordomo. Diacho! Donde que saiu esse homem?!, gritaram meus pensamentos. A respiração logo acelerou. O coração desequilibrou-se. Tinha aquele homem olheiras fundas. Escaveirado. Esquálido. Trazia com sua presença uma aura de morbidez. Ainda lembro que minhas mãos gelaram. Até agora, ao fazer esse registro, ainda gelam e suam. Ouriçam os cabelos da cabeça.

Disse-me, sem esboçar nenhuma feição no rosto: “Boa noite, senhor”. “Boa noite. Mas quem é ... ”, respondi, apreensivo. “Suspeito que o senhor seja o nosso hóspede esta noite, não? ” Hóspede? Mais que hóspede, pensava comigo. “Ah, sim”, fiz o jogo daquele desconhecido. “Então, faça o que o senhor ia fazer”. “Fazer? Como assim? O que eu ia fazer? ” Fiz parecer desconhecer o que ele estava sugerindo. “Remova o tecido de sobre esse quadro” “Deste quadro aqui? ” Nesse momento, tocava eu o tecido. Uma curiosidade corrosiva me impelia para ver o que tinha ali. “Isso, faça”. Ordenou, sem ser deselegante. Mas os gestos comedidos do mordomo não combinavam com a expressão sepulcral de sua face e principalmente com aquele olhar. Havia algo oculto sob a face grave. As olheiras sulcadas pareciam um abismo. Sem mais demora levantei o tecido. Não aguentava o ar de mistério. No entanto, não conseguia ver a imagem. Ela era sobremodo sombria. Sussurrei algo. Algo que expressava dificuldade. Não me lembro agora. Foi quando senti o diabo do mordomo em meu dorso, trazendo um candeeiro e sussurrando mortalmente: “Esse é

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o melhor de nossos itens, senhor. ” Com mil diabos! Gritaram novamente os meus pensamentos. Que susto! Susto maior me esperava advindo daquela aterradora imagem. Os vermes refestelavam-se num banquete inumano. Ouviam-se os ruídos execráveis de insetos corroendo o tecido da tela. Me afastei, temeroso. “Não há mais volta, senhor. Todos aqueles que contemplam o quadro do anfitrião desta casa são levados num instante pelos demônios que aprisionaram sua imagem. ” Tão logo quando ele terminou de falar senti como que braços poderosos me puxando para dentro do quadro. E vozes aterradoras diziam: “Você nunca mais sairá daqui! ”

As agonias daquele pesadelo começaram. Me puxavam os braços de dentro do abismo.

“Lancem esse homem ao mar! ” Foi o que ouvi. De repente, estava eu numa embarcação que lembrava aquelas antigas caravelas. “Está havendo um engano, senhores! ” Protestei. Tudo em vão. “Engano foi o nosso, seu covarde! Se não eras marinheiro, então por que escolheu essa profissão? ” Falava um homem. Parecia o capitão. “Joguem logo esse peso morto! ” Lançaram-me como a Jonas. Enquanto eu boiava naquelas águas gélidas, vi a nau singrar, apartando-se cada vez mais de mim. Senti-me logo sugado por um monstro marinho. Suas enormes mandíbulas me engoliram. Céus! Foi aquela besta indomável de Melville. Senti um liquido negro derreter-me. Uma sensação horrível. Logo tudo estava escuro, mas ouvia, dispersas ainda, aquelas vozes do quadro, títeres, como se estivessem puxando cordas atadas ao meu corpo e uma sensação monstruosa de estar ainda sendo sugado para mais fundo.

Tudo parou de repente. Senti meus pés agora pisando o chão. Ouvi vozes como que dentro duma casa. Mas não me parecia a mansão do começo deste sonho. Ainda estava escuro. Mas sentia o chão. Menos mal. Aquela sensação de náufrago era angustiante. As vozes se tornaram mais inteligíveis. “Vamos, mulher! Tenha coragem. Ele se tornou esse inseto asqueroso, mas ele não morde. ” “Ai, senhora. Não sei se vou aguentar fazer isso. ” Essa última voz falava em tom de nojo. Foi quando ouvi aquele som de lousa sendo arranhada advindo da parede, acho. “Satanás! ”, gritei. Um inseto idêntico a uma barata, gigante, estava no teto daquele quarto e vinha em minha direção. Tentei fugir, mas a porta estava fechada. Golpeei-a várias vezes, mas em vão. Aquele inseto asqueroso começou a me perfurar com suas antenas e suas patas como adagas. Senti o sangue espirrar. A consciência foi enfraquecendo. Acredito que ele me devorou. Riam-se os demônios de mim.

Após aquele banquete, transportaram o que sobrou de mim. Não sei se a alma, me levaram para outro ambiente. Havia uma mesa e uma lâmpada acesa. Papéis e mais papéis sobre a mesa. Nas paredes, prateleiras de livros. Me vi ao lado da chaminé. De cócoras. Levantei-me em direção àquela mesa. Foi quando ouvi os

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grasnados de uma ave advindos da janela aberta. Céus! Um corvo falante! De dentro da casa, pela janela, consegui vê-lo. Dizia ele: “Sua jornada está só começando, peregrino. ” Pediu para que imediatamente eu saísse do santuário de seu senhor. “Se você quiser que o seu fio de prata não se rompa, não conspurque a casa do maior dos maiores. ” Perguntei imediatamente como sair daquele lugar. Ele disse para eu pular a janela. Aquela casa era labiríntica e somente o dono sabia como entrar e sair. Logo segui o seu conselho. Num zás pulei para fora. Senti a brisa da natureza. Me aliviou um pouco. Mas trazia em seu ar um cheiro dos túmulos. O corvo me contou que no muro de cerca viva que circundava a casa havia flores. Pediu para eu colher uma e trazer até ele. Sem questioná-lo fui depressa. Céus! Como eram lindas aquelas flores! Não sei dizer com o que se pareciam. Grasnou a ave. Mandou-me levar até ele depressa. “Mas não as cheire! ”, advertiu. Não entendi o conselho. Não resisti. E quando funguei o aroma da morte que tinha naquela flor, minhas pernas pesaram. Uma dor de cabeça atravessou-me o crânio e ouvi longe o corvo dizer: “Todos que aqui vem não resistem a essas flores deletérias enviadas por outro poeta. ”

Riam-se os diabos. Eu os ouvia bem agora. Uma voz dizia. “Chega! Agora é a minha vez”. Senti que fui arremessado pelo espaço vazio até um caixão. Pelo ar, vi que estava sendo levado a um cemitério. Prendeu-me dentro de um caixão aquela força inquebrantável. “Tirem-me daqui! Basta com este inferno! Socorro! ” Comecei pela primeira vez a me desesperar. Mas em vão. As agonias daquele pesadelo caíram sobre mim da forma mais esmagadora e prostrante. Após algum tempo, tentei me acalmar. Silêncio. Pensei comigo que aquele silêncio característico de cemitérios é o mesmo até no mundo onírico. Foi quando ouvi uma batida na madeira do caixão. “Toc-toc-toc.. ” Alguém veio me resgatar. ” “Quem está aí? ” “Parece que não estás numa boa situação, escritor... ” “Hã?! Como assim? Como você sabe que eu escrevo? ” “Todos escrevem” “Quê?! Como assim? ” “Todos os que eu livro dessa situação acabam escrevendo algo para mim”. “Mas quem é você? ” “Não importa, por ora. Queres ou não sair daí? ” “Ah! Claro! ” “Tirarei você dessa cova. Mas com a condição de escrever sua assinatura num contrato que trago comigo” “Contrato, mas que contrato? ” “ Presumo que você não esteja em condições de questionar. Posso muito bem ir embora” Silêncio. “Tá bom”, aquiesci. “Assino o que você quiser. Mas me tire deste inferno ”. A voz então gargalhou, como que se deleitando em meu desespero. Em seguida, abriu a tampa do caixão. Logo que saí daquele claustro, vi o homem bem alinhado. Cabelos pretos, sedosos. Pele morena. Os olhos castanhos. Mas havia no ar uma sensação de estranheza. Mais do que tudo que eu experimentara até então. “Onde assino? ” Riu-se novamente. “Aqui, senhor. Assine aqui, por favor. ” Colocou o papel em cima do meu caixão, e eu, sem ler as cláusulas logo assinei. “Mas me diga do que se trata este contrato. ” “Não se preocupe. Sua vida na terra não será das piores. E por mais que você tente fugir, Paulo, eu pessoalmente o irei buscar para o cumprimento do contrato. ” “Como é o seu nome? ”

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Indaguei mais uma vez. Já ia entre os túmulos aquele gentil senhor. As vozes voltaram. Faziam chacotas. Foi quando me sussurrou gélido no coração. Mas por que me chamou de Paulo? O diabo tem seus mistérios.

Novamente aquela força irresistível puxou-me daquele lugar suspenso entre céu e terra e levou-me a um castelo. O frio era cortante. Transportou-me logo para uma região de frio. Odeio frio. Eu que estava de jeans, blusa e tênis. Mas ouvi quando alguém disse: “Por mil demônios estranho. Cale essa sua boca e saia da minha frente! ” Santo Deus! Donde apareceu aquele homem dentro daquela couraça, lança em mãos?! “Hoje nós descobriremos que feitiçaria é essa? ” “Feitiçaria?! Como assim? ” “Fantasma, homem. Sussurros de espectros” “Essas coisas não existem! ” Respondi. “Se não existissem, eu não estaria aqui, perdendo meu tempo. Veja! Eia! O espectro aturdido do rei” “Rei, mas que rei? ” “De qual mundo tu és? Não vês que este que ronda pelo pátio é o rei da Dinamarca? ” De repente, senti uma estocada pelas costas. Atravessou-me a espada. Ainda vi o fantasma e o soldado me observando enquanto minha visão se enfraquecia.

Como numa cópia perfeita da imagem fantástica de Antão sendo transportado nos ares por criaturas obscuras – que, aliás, me lembro nitidamente de ter visto sobre uma das mesas daquela belíssima sala, o primeiro lugar de meu sonho, réplica, aquela, impressionante em todos os detalhes – transportaram novamente gênios inumanos. Então fui elevado.

Vi-me amarrado e sendo acusado de traição por nada menos, aquele que é o maior pirata da literatura universal, Gancho. Cutucava-me as costelas com sua espada pontiaguda. “Vamos, miserável! ” Já embaixo estava o leviatã antigo, aquele crocodilo mítico. “Tic-tac, tic-tac” Céus! E não é que eu ouvi o devorador “Tic-tac”! Esse teatro de horrores não acaba?! Antes mesmo de cair n’água, ouvi os ossos do meu corpo serem triturados pela besta do precipício. Ouvi ainda o urro dos piratas e o riso espasmódico dos demônios, agentes de todo o meu pesadelo.

Eu saia de um cenário maleficamente arquitetado por aquelas poderosas criaturas e era colocado noutro. Dominavam a magia dos faunos. Pois, por mais que eu tentasse conter-me, era irresistível aquela coerção que me tirava de uma aventura e me punha noutra, contra minha débil vontade. Eles, como que lessem meus pensamentos, diziam: “Você está em nosso domínio, escritor”. Gargalhavam como os trovões orquestradores de tormenta.

Vi-me noutro espaço. Loucura! Insânia! Nunca que em perfeito juízo eu faria aquilo. Estava sentado e tinha escrito o último testamento do amor. Me ardia o coração. A consciência dominada por aquele sentimento autodestrutivo. O cano da arma na boca. Aqueles gênios brincavam comigo. “Não! Não! ” Eu gritava, em vão. O indicador não estava sob meu controle. Então: “Pow! ” O projétil atravessou o céu da boca, dilacerando e queimando o cérebro. Doutro lado, o mingau de miolos

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manchava o papel de parede do escritório. Tratava-se de reviver a tragédia de Werther.

Mudava infernalmente os ambientes, e eis que me vi agora sob uma das maiores ilusões do capeta. Brincou com meus sentidos e me fez acreditar que eu estava despertando daquele labirinto quimérico. Mas percebi que aquele recinto não era o de minha casa. O Senhor do ilusionismo não deixa suas presas com facilidade. Cobriu-me de repente aquele manto vermelho. Era ele. Sim. Lord Holmwood. Senti as garras caninas do Nosferatu adentrarem profundo a pele de meu pescoço. A sensação era como de uma benzetacil sendo aplicada, mas numa superdose. O absinto sinistro havia sido ministrado. Semimorto, sentia uma força drenadora levando a vida.

Encontrei-me, então, dependurado, transmutado num espantalho. Pássaros malignos bicavam freneticamente as minhas palhas, a fim de devorarem meus olhos. Como meus pés e pulsos estavam atados à estaca, sofri por um momento. Ouvi vozes. À frente vinha um leão aterrador. “Aslan?!”, pensei. Aqueles malignos nunca que evocariam Aslan ali. Logo mais atrás, uma garotinha acompanhada pelo homem de lata. Ao lado da mocinha estava um cãozinho do pelo bem alvinho. Mas fiquei menos inquieto por lembrar que o espantalho, por mais descerebrado que fosse, era a mente do grupo. Tinha a chance de me vingar dos responsáveis por tudo que estava me acontecendo naquele sonho. Contudo, aqueles seres, de amadores, nada possuíam.

No primeiro desafio que tivemos, consegui livrar meus amigos, mas não a mim. A floresta estava em chamas e conseguimos salvar inúmeros animaizinhos. O leão venceu o seu medo. O homem de lata não hesitou em pegar n’água mesmo sabendo que se expunha à ferrugem. Dorothy e Totó se esmeraram em salvar muitos, abrigando os bichos longe do fogo. Quando o incêndio estava controlado, uma mísera faísca caiu em minha palha, que estava muito seca, devido à alta temperatura, e foi o suficiente para me deixar em cinzas em poucos minutos. Lembrei-me dum texto antigo que diz: “Ó pequena fagulha! Incendeias um corpo inteiro. ” Gargalhavam aqueles gênios maléficos.

Banqueteavam-se as vozes no mais sinistro riso. Achei-me então numa caserna mal iluminada, suja. O ambiente estava inundado de um odor esquisito. Ouvi uma voz estridente: “Vamos, escudeiro! Dê-me minha espada e meu escudo! ” Meus olhos não me enganavam. Aquele era o incrível cavaleiro da Mancha! Percebi que eu estava com os utensílios – escudo, espada e lança – do ilustre cavaleiro e imediatamente corri em sua direção. Mas uns cinco marmanjos me impediram e moeram-me a pauladas. Ouvia dizerem, enfim: “Esse é o tratamento que damos aos loucos por estas terras ”. Acho que se enganaram. Mas aqueles seres que mudavam com facilidade aquelas cenas não cometiam erros. O errante ali, naquelas muitas estórias, era eu, e não o viandante fantástico que lutava com Enaquins invisíveis.

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Apagou-se minha visão. E, já mudado o cenário, vi-me noutra situação embaraçosa. Obra daqueles seres maléficos. Surgiu uma multidão enlouquecida. Brandiam porretes, tochas, machados e foices brandia em gestos de ameaça. Foi quando me vi atado com cordas. Não era possível aquilo! Sim! Era eu aquele boneco fraco a todo tipo de delinquências: Pinóquio. Estavam em dúvida se me queimavam ou pinicavam com machado. Pelo que ouvi, as peripécias haviam passado do limite. Não vi Gepeto, não vi a fada e tampouco vi o fiel grilo falante. Leram a sentença: “Culpado! ” O algoz me pegou com facilidade e, com ajuda doutro, desmontou-me todo. É excruciante sentir toda a agonia de um episódio desses como se fosse realidade.

Achei-me no jardim de Alice. Como sei? Impossível não discernir o surto apoplético na voz que vociferava: “Cortem a cabeça!!!” Os soldados, marionetes, logo me pegaram pelos braços. Então vi tudo rodopiar. E repetidas e repetidas vezes transportavam-me aqueles seres para vários mundos. Fui esmagado por Golem. Grendel desmembrou-me membro a membro, lentamente, e depois mastigou-me mais lentamente ainda. Lutei contra as hostes celestes superiores ao lado do Lúcifer de Milton. Ele até me considerou um bom combatente. Vi-me julgado por Procusto. E, por fim, aconteceu o que de pior tinha de acontecer. Depositaram-me aqueles espíritos no pântano do Nada. Tive o fim de Artax.

Acordei em gotas de suor daquele meu sonho fantástico, como que saído das agonias de Tofete. Os personagens de todos os livros que li até então neste ano vingaram-se de mim. Tocava ainda minha playlist. Conduzia Dudamel, imperturbável, a orquestra sinfônica de Viena o primeiro ato de Also Sprach Zaratustra, de Richard Strauss. Diante de mim estava uma pilha de livros novos que havia comprado com uma bonificação que recebi de um concurso literário. Tenho sede! Foi o primeiro pensamento que me trespassou o cérebro.

Helder D’Araújo - Gama (DF) Livreiro, escritor e amante dos livros.

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MARIA AGÔNIO Segunda-feira. Aquela mulher, cruzando a ruazinha triste da cidade intoxicada é Maria Agônio. Degrau mais alto da escada. De baixo pra cima, são cinco “fio” e, no topo, ela: a mãezinha amada. Todos compactados num mesmo barraco de favela, erguido na periferia agônica da Capital Paulista. Capital do grito do Ipiranga, dos museus de letras, das artes e das ciências. Todo esse conhecimento, restrito a poucos, em pleno coração do analfabeto Brasil. A poluição da megalópole que faz doer os olhos se deita nas favelas coloridas e nada carnavalescas. Maria Agônio ainda não sabe, mas logo vai virar uma porta-bandeira invisível na passarela. Retirante-mulher, sem-terra e pouca pátria, leva nos passos a fome dos seus, que se abrigam na sombra do barraco cor de sangue ralo. E caminha... Semblante de espanto constante, olhos lacrimejantes, ouvidos bem perto dos alto-falantes histéricos. Ela e sua sina de sempre. Ela, a fome, a secura dos lábios e o desejo pelo ofício que transformaria os dias e confortaria as noites. Ela e mais uma segunda-feira atrás de qualquer troteado de trabalhadora, faxineira, diarista, gari... Ela e o nada. À noitinha, dentro do barraco, Maria anuncia durante a reza que nos dias que se seguem, todos devem se preparar para a morte e ressurreição de Jesus. Ela não sabe, mas a semana também vai ser santa pra ela. Terça-Feira. Aquela mulher que se embrenha na selva de pedra é Maria Agônio. Na sua agonia alucinante, a cidade é um dragão mais destemido do que os monstros de mandacaru, que outrora se erguiam na penúria da sua terra rachada. Agora, não há miragens e nem milagres para Maria-mulher-de-fé. E na falta de labuta e “trabaio”, vai a cesta básica mesmo, que mantém o corpo caminhando morro acima. E mais uma vez ela entra na fila da distribuição. E ali, entre a farinha e o sal, estava escrito seu destino. Mas isso ela ainda não sabia. Ainda não. De noite, no barraco, todos “cômi” o arroz. No dia do arroz, não tem farinha, dia da farinha, não tem macarrão e no do macarrão não tem feijão. A carne não tem seu dia. -Acho que vou conseguir “trabáio”. Esses dia perto de páscoa, os “home” fica “mais bom” e hei de ser agraciada. Dizia Maria pros “fio”, tentando mostrar que a semana santa deixa a capital misericordiosa. Ou seja, pelo menos naqueles dias, bondosa com a miséria. Depois da reza, todos no barraco dormiram pensando que em breve, Jesus iria morrer. Quarta-feira. Aquela mulher que deixa o barraco cor de terra, antes mesmo de o sol aparecer por completo no céu da Paulicéia desvairada, é Maria Agonio. Alicerce inabalável da construção familiar. De trás pra frente algumas sobras de madeira, papelão e um

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barraco pra chamar de lar. Todos recolhidos no grande bolsão periférico da linda capital dos monumentos de heróis descascados. O sol castiga o seu lombo de gente que acorda com os galos e vai em busca de poder lavar casas de madames ou os banheiros públicos, onde se lê nas portas pichadas: “O Brasil é nosso” - Será que é mesmo, pensava ela. Ela caminha sem parar, até se lembrar da sina: Ela e o céu. Ela sem serviço. Ela e o nada. De volta aos rebentos, mostra estar arrebentada. Silêncio no barraco. Escuridão e poucas velas. Noite fria. Maria pede pra só ela fazer a reza e suplica pra que Jesus, quando morrer, deixe esperança pelo menos pros “fio”. Depois, bênção e boa noite. Quinta-feira. Aquela mulher que passa ligeira pelo bar do seu Tonhão, pra desviar da cachaça, ópio transparente, é Maria Agônio. Passa ligeira e faz seu coração, que precisava de um trago, virar pedra. Mal sabe ela, que logo ela toda também será dura como a rocha. Retirante-mulher- estrangeira dentro de seu país, leva nos ombros o peso de se sentir uma mula velha, cria da favela, que já não serve pra servir. - Mas a redenção há de vir, meu pai. Antes do domingo de páscoa terei “selviço.” Esse era seu pensamento em meio aos delírios santos desses dias de via sacra. As provisões da cesta básica só davam até o sábado, e a próxima generosa doação do estado, só viria no mês que vem. E mais um dia se escorre pelas mãos de Maria Agônio, que em sua agonia-retirante, via no vermelho do céu o seu sangue pálido cobrir o horizonte. De noite, no barraco a reza foi mais rápida. Saber que no dia seguinte, Jesus iria morrer, deixava todos emudecidos. Sexta-feira. Aquela mulher que chega pro almoço com um pão adormecido é Maria Agônio. É dia do feijão e ela até acha bom que não haja carne na mesa. O momento é de jejum e oração: Jesus vai morrer. Em cada uma das tigelas, um pedaço de pão misturado ao feijão e, nas canecas, a água barrenta que mais parece sangue anêmico. Na reza do dia, todos são discípulos e refazem a santa ceia, mesmo sem ter um Judas no meio deles. O gole do vinho-água-barrenta sela o pacto sagrado da família Agônio. E inicia-se a via crúcis. No gole de Maria, um gosto de sangue e a falta de ar. Entre os grãos do seu feijão, uma pedra de misericórdia. O ar é pouco. O grito não sai. A pedra na traqueia paralisa a combatente. A via sacra é o caminho agonizante até o vizinho. Do vizinho, de carroça até o posto de saúde. Posto sem previsão de vaga. Sem médico. Ambulância sem pressa até o grande hospital. No hospital, fila de espera e maca ruidosa. A maca percorre todos os corredores do calvário. Longe dali os fiéis em procissão acompanham a crucificação de Jesus. E Maria, depois de muitas horas agônicas, se deita na mesa da cirurgia. Antes da traqueostomia, uma

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risada do anestesista e um susto que leva a pedra pro pulmão. Instantes finais do coração. Uma última oração e o suspiro de óbito. Sábado. Meia-noite Aquela mulher com os braços abertos em formato de cruz, com soros, cateteres e uma etiqueta no dedão, é Maria Agônio. Na sua missão redentora, verteu sangue e salvou a família de ter mais um domingo de Páscoa com tantas agonias. Uma morte a mais é uma agonia a menos. A família toda reza, agradecendo a Ressurreição. Ainda bem que já é sábado. Aleluia.

Maurício Witczak - Brasília (DF) Bacharel e Licenciado em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes Dulcina de Brasília. É ator profissional, poeta, dramaturgo, roteirista, e jornalista. Em 2006, com a poesia "Eu terra", venceu o concurso de poesias "Carlos Drummond de Andrade”, promovido pelo Sesc-DF. Como escritor participou de diversas antologias. Tem 4 livros publicados.

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O SERTÃO DE SEVERINO, O SERTÃO DO PATRÃO

Que morava em Gereguedém, nem é preciso mencionar. Caboclo típico do sertão do Brasil, chamava-se Severino, como a metade dos homens da cidade. A outra metade chamava-se Cícero, em homenagem ao padrinho.

Sempre alegre, de pés descalços e roupa remendada, tinha o ofício de plantador e cortador de palma, aquela espécie de cacto que é só o que nasce no chão alquebrado pela seca. A palma era do patrão e servia de ração pras poucas vacas magricelas, e Severino rezava para sobrar, e quando sobrava, levava pra casa para alimentar seus quatro filhos.

Dentro do coração do sertanejo, sempre existe uma esperança, e a de Severino era que a sorte mudaria a qualquer hora, da noite para o dia. E um dia, enquanto capinava na fazenda do patrão, viu um moço se aproximar. Parecia bem de vida, usava roupas que Severino pensou serem de festa.

— Um bão dia pro sinhô! — gritou Severino, de longe. O moço acenou com a mão, e seguiu direto pra casa do patrão.

Depois que o moço foi-se embora, Severino não aguentou, correu pra junto do patrão, queria saber o que tão ilustre figura viera fazer nas bandas do sertão. O patrão, que não era de dar trela ao Severino, explicou que o moço era um turista, um tal de repórter, jornalista, que vinha saber mais sobre o sertão.

— E vai perguntá logo pro patrão? — E Severino, curioso como só, na próxima visita do tal de jornalista, colou o ouvido na porta da casa do patrão, só pra ouvir da boca dos ricos, como era o seu sertão.

— É um lugar muito bonito, — contava orgulhoso o patrão — tem terra sobrando para o gado, tem muito espaço para plantar a palma, tem muita mão de obra barata. Tem uma cidade aqui bem pertinho, onde se pode comprar quase tudo, e as estradas secas, não são tão ruins assim para os automóveis.

Severino não entendeu a metade do que ouviu, mas uma coisa ele entendeu: entendeu que o sertão do patrão, não era o sertão de verdade, aquele em que o povo vivia às duras penas para sobreviver. Da tal cidade, Severino nunca ouvira falar, e automóvel, ele nem sabia que era o carro do patrão.

Decidiu esperar a entrevista terminar, enquanto o patrão servia ao jornalista umas delícias que Severino nunca havia nem visto nem provado, mas que o embriagava só com o aroma quentinho e doce.

Assim que o homem saiu, ideando as maravilhas que escreveria sobre o sertão, Severino saiu correndo atrás, e o alcançou já bem pertinho da porteira.

— Sinhô! Ei, seu moço! — O jornalista, surpreso, recostou-se no palanque e esperou por Severino, que já corria ofegante. O pobre não tinha nem força suficiente para carregar a própria carcaça.

— Se quer carona, já vou logo avisando... — veio o moço com desculpas. — Num quero carona, não sinhô. Só quero lhe contá sobre o sertão. Num foi

por isso que o sinhô veio?

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— Mas, o seu patrão já me contou tudo o que eu precisava saber. — Num contô. Eu tava escuitando, e sei que ele num contô. Si o sinhô quisé,

vamo inté a minha casa, num fica longe não sinhô, eu vô e vorto todo dia a pé. O jornalista, munido da curiosidade típica da profissão, não recusou a oferta.

Embora não gostasse do sertão, daquele povo pegajoso e queimado de sol, quase morto de fome e de sede, de fato, seria bom ter mais um ponto de vista para engrandecer a matéria que escreveria.

Caminharam mais de uma hora, o jornalista gemendo e praguejando a sola do sapato que furara pelas pedras que cobriam a estrada seca de terra rachada. Severino cantarolava, seus pés descalços tinham a pele grossa, talvez mais grossa do que sola dos sapatos grã-finos do jornalista, já não doía nadinha pisar nas pedras. Era bom demais ter companhia pelo trajeto, embora o jornalista só reclamasse.

Finalmente, despontou no horizonte o casebre do caboclo. Severino ouviu o jornalista, que deixara escapar um “Graças a Deus!”, aliviado. Entrou na frente, gritando para a sua Maria, para trazer um balde enferrujado, que servia de único banco da casa, e que era reservado às visitas.

— Pur favô, tenha bondade! O jornalista nem teve tempo de reclamar, atirou-se sobre o balde, e arrancou

os sapatos dos pés. Severino admirou-se com a fraqueza daquele homem, chegou a ficar com dó, seus dedos sangravam, cortados pelas próprias unhas e os calos causados pelos sapatos estouraram.

Visto que já entardecia, e o jornalista não poderia voltar a pé pra tão longe, Severino convidou para passar a noite em seu casebre. O moço quis recusar, mas sentia tanta dor, que admitiu ser impossível chegar de volta à fazenda do patrão.

Severino preparou uma cama, com uns pedaços de tábua que tinha. A mulher forrou-as com todos os lençóis esfrangalhados da casa. Até um arremedo de travesseiro conseguiram. Ao jornalista, figura ilustre, lá da cidade, Severino queria dar todo o conforto e o luxo que pudesse.

A noite caiu e a hora da janta chegou. Depois de agradecer a Deus, por ter sido tão generoso no dia em que tinham visita, Severino pôs o latão que servia de banco na beira da pequena mesa de tábuas, à cabeceira, e em frente a um prato cheio de sopa de palma com um pouco de sal, e um pedaço de pão seco, que era o último da família.

O jornalista sentou-se, enquanto as seis pessoas da família o obsevavam de pé, em torno da mesa. Segurou a colher de pau, talhada pelo próprio Severino, e engoliu algumas colheradas da sopa rala que não era nem de longe tão ruim quanto parecia.

— Vocês não vêm? — perguntou o jornalista, sem jeito. Não conseguia engolir o caldo quente, enquanto as quatro crianças famintas ficavam olhando para ele.

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— Num sinhô. É que o pão acabô, e a palma que sobro hoje era pôca. Mais num se acabrunhe não, que amanhã há de sê mió!

Envergonhado, o jornalista disse que estava satisfeito com a refeição que fizera na casa do patrão, e entregou o pão e a sopa aos quatro garotos, que com um sorriso amarelo, mas alegre como o moço nunca tinha visto, repartiram entre si. Mas reparou que Severino e Maria nada comeram.

Depois da refeição, os meninos saíram um pouco pra brincar no terreiro, fazendo carrinhos com pedrinhas que empilhavam, e sobre as quais apoiavam uma lata vazia de querosene, e garantiam que aquele era o caminhão pipa que viria para trazer água para sua família. O caminhão que só existia nos sonhos daqueles meninos, mas que na verdade, nunca chegava.

— O sinhô deve tá cansado. Já tá na hora de durmi. — Severino chamou pra dentro a garotada. Arranjou um pouco de água meio lamacenta, encheu o balde/banco, e entregou-o para o jornalista.

— Eu vi falá que os sinhô lá da cidade, gosta de se lavá, antes de durmi. — E vocês, Severino, não se lavam, não? — Bão, é que a água tá acabando, e o sinhô sabe como é, se nóis num

economizá, não vai tê nem pra tomá... Mais num se acabrunhe não, que amanhã há de sê mió!

O jornalista devolveu o balde cheio, não faria mal algum ir deitar sem se lavar por um dia. Além do mais, a água estava tão turva que era bem capaz de sujá-lo mais do que já estava. Depois da oração em família, onde Severino pedia a Deus uma boa noite de sono ao seu ilustre visitante, o jornalista ajeitou-se como pôde na cama dura de tábuas e com pouca forragem, montada especialmente para ele, no cômodo menor da casa, dividida em duas partes.

Não conseguiu dormir. Fazia calor, mas a aragem e os insetos que entravam pelas frestas do casebre o incomodavam. Levantou-se, e no cômodo que servia de cozinha estava Severino e a sua família, todos sentados no chão, recostados à parede, cochilando amontoados.

— Hei, Severino! — cochichou o jornalista. — O que foi homê? — Severino se acordou assustado. — Leve as crianças para a cama, não tenho sono. Prefiro ficar lá fora pra ver

as estrelas brilhando. Severino acordou a Maria, que dormia com o menorzinho nos braços, e

carregou os meninos maiores pro arremedo de cama, junto da mãe. Depois seguiu para fora, onde o jornalista sentado na terra e abraçado aos joelhos, como se fosse criança, chorava.

— O sinhô tá bem? — Eu nunca estive tão bem Severino. Você me fez enxergar a injustiça que

eu ia praticar ao escrever sobre o sertão. Não ia contar do seu sertão, que é um sertão onde existe bondade, apesar da miséria, e onde o verdadeiro Deus ainda está

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vivo entre os homens. Esse lugar onde não se tem quase nada, mas reparte-se o que tem, até mesmo com alguém como eu, que tenho muito mais que vocês. Eu ia contar sobre o sertão do patrão, o lugar maravilhoso, onde os poderosos vivem para explorar gente de bem como você, Severino, e enricar ainda mais à custa do seu trabalho.

O jornalista se foi, e passado algum tempo, chegou à casa de Severino uma correspondência. Severino quase a devolveu, convicto de que o embrulho não poderia ser para ele que jamais tinha recebido um mensageiro na vida. E como não sabia ler, Severino não poderia saber qual era a mensagem.

A duras penas, Severino foi convencido de que a encomenda era mesmo sua, e o mensageiro, com pena do pobre Severino, se ofereceu para ler. Dentro do embrulho, havia uma revista, cheia de letras e de imagens coloridas, a coisa mais linda que Severino viu em toda a vida.

Dentro dela, o mensageiro leu a reportagem completa do amigo jornalista, cujo título era O Sertão de Severino, e dizia tantas coisas bonitas que a Maria chorou emocionada de ouvir.

Raquel Pagno – Lages (SC) Raquel Pagno nasceu em Lages/SC, participou de dezenas de antologias, incluindo a coletânea "Sede Vampírica" com participação especial de Paulo Coelho e Stephen King. Entre outros,recebeu o Prêmio Luso-Brasileiro de Melhores Contistas, o Prêmio Diamonds of Art and Education, o Prêmio Latino Americano de Excelência Artística. Seus livros foram traduzidos em 4 idiomas.

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A VIDA DAS IMAGENS MORTAS

O escritor precisa entregar o livro. O editor liga há uma semana duas vezes ao dia: como está o andamento, já conseguiu o desfecho, encontrou seu assassino? Olha o prazo, rapaz, o prazo está se encerrando, o segundo cheque entrará na conta daqui três dias conforme o combinado, mas somente se me entregar os originais depois de amanhã, entendeu? Deve ser a crise da meia idade, nunca me atrasou antes, tá ficando velho, cara.

Dois dias, dois míseros dias. O caderno escrito pela metade e a outra com as

folhas em branco. Caneta azul, tem que ser Bic, compra o pacote de quatro unidades na mesma papelaria no Centro a duas quadras do cemitério onde está enterrada a família incluindo o querido avô. O bloqueio criativo acontece talvez porque tenha mudado de vendedor no balcão. Seu Arnaldo morreu, que Deus o tenha, vinte anos trabalhando ali, por coincidência o escritor tem vinte anos de carreira literária de relativo sucesso, vinte anos comprando de seu Arnaldo pacotes de Bic com quatro canetas.

Escreve o dia inteiro. Curiosamente, os textos fantásticos, os melhores, os

premiados e reconhecidos pela crítica foram produzidos de madrugada, entre a meia-noite e às cinco da manhã, ouvindo canto gregoriano, jazz ou Benito de Paula. Bêbado. Quanto mais bêbado mais bonito o texto. Antes de abrir a garrafa faz o sinal da cruz do lado inverso ao recomendado pelo catolicismo e dá três pulinhos a São Longuinho para achar as palavras exatas e perdidas.

Desacredita em inspiração, aos estudantes do Ensino Médio bate na tecla da

transpiração no trabalho, o importante é o suor; em off, atrás das cortinas do palco da sala de aula, custa rezar para que o passarinho azul das boas ideias venha cantar nos ouvidos? E, se não chegar com as asas das grandes sacadas, o autor visitará templos de religiões cristãs e também budistas, participará de novenas, contemplará asilos com doações e até mesmo fará oferendas em terreiros, como naquela sexta-feira, um frasco de alfazema e uma galinha preta moça, jamais tocada por esporão de galo. Nas entrevistas aos blogs literários insiste em ser contra qualquer tipo de superstição, acredita no trabalho, no serviço pesado.

Só escreve de branco e sem cuecas, desliga o modem, amarra as partes

pudendas com um cadarço para não sofrer ereções enquanto redige, porque escrever, meus queridos, é atividade da alma, pura, espiritual e litúrgica, afirma nas palestras em universidades públicas. E a bebida, escritor? É verdade que todo bom escritor teve, tem ou terá problemas com álcool? A bebida é magia, caros alunos, a embriaguez, ao menos no meu caso, não é um vício, nunca, é ferramenta, paro

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quando quiser, apenas a porta de abertura para a transcendência, fala com a mão tremendo porque há dois dias não bebe.

Responde aos jornalistas que não precisa de rituais para escrever, ao menos

não lembra ter, embora somente o faça segurando a imagem em miniatura de Júlio Cortazar adquirida numa viagem para Buenos Aires. Esquiando na neve de Bariloche teve a ideia do livro, este do desfecho incerto e não sabido. Dois dias para entregar o projeto e o final não chega na mente e a porra do cachorro, Bilu, latindo no pé do ouvido.

A mãe internada no hospital, o tratamento caro, precisa do cheque do filho da puta do editor que o pressiona ao telefone. Sem o dinheiro, a segunda parte do adiantamento dos direitos autorais, como pagar os médicos, remédios, exames? Devia ter economizado a primeira parcela da grana, gastou em uísque para poder escrever o restante do romance policial, mas Dona Felipa desmaiou, descobriram a doença, tudo desandou, a saúde materna foi embora e levou com ela a criatividade.

Foi dormir depois de cinco doses e dois tarjas pretas, acordou, resta somente

um dia. Bingo. Sonhou com o avô. O velho mandava que procurasse a segunda máquina de escrever guardada nos entulhos do quarto dos fundos da casa onde mora com a mãe, a segunda, porque a primeira, a Royal 1933, estava quebrada. Seria uma Continental, a mesma marca, cor, igualzinha a usada por Érico Veríssimo, O Tempo e o Vento, o vento entrando pelas janelas assanhando os cabelos e o tempo saindo veloz, escorrendo, falta um dia, escritor, um dia apenas.

O avô também era escritor, ao menos dizia ser, apesar de nunca ter

publicado nada e possuir como grande glória literária o fato de ter sido vizinho de Oswald de Andrade no prédio de três andares, berço do Modernismo, o Covil da Rua Libero Badaró em São Paulo, com quem trocava bom dia e palavras sobre o tempo no hall social. Acha primeiro a Continental, deve ajudar de alguma forma, pensa. Lembra da última vez no terreiro. Mãe Dininha recebeu uma entidade, um velho queria ajudá-lo a escrever o final do livro. Quem sabe não era o espírito do avô ou, ainda melhor, o fantasma de Oswald ou de Érico?

Senta-se na mesma cadeira no escritório improvisado, meio lá, meio cá, põe

um pedaço de papel debaixo do pé de madeira mais curto para dar o equilíbrio. Apanha o jornal e abre nas páginas policiais na tentativa de ler notícias sobre algum assassino, se o convencia a virar personagem do romance, um daqueles bandidos casca grossa. Ouve e canta a Internacional Comunista. A mesa de vidro com o fundo cinzento e madeira cor de uísque e a cadeira com o forro do clube de futebol o convidam a soltar as feras, abrir as comportas do inferno em si, começa datilografar.

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Era uma noite fria. A lareira acesa no casarão da família Thompson, noite da festa de Natal no bairro londrino. As chamas amarelavam a sala dando aspecto de fotografia antiga. A família recebia os amigos numa grande festa, aniversário do patriarca e também de um certo Jesus. Os garçons entravam e saíam da cozinha vestindo ternos pretos, cabelos em gel bem penteados, crianças brincavam de esconde-esconde e a árvore enfeitada de bolas coloridas acentuava a melancolia nos olhos da anfitriã, uma senhora de cabelos brancos e xale vermelho. Era uma noite fria e a lareira...

Não consegue sair dessa cena. Já na segunda dose caubói, olha para o litro

e vê a bela árvore enfeitada com bolas coloridas e a estrela na ponta, os convidados, um deles por certo seria o assassino. Por que o barão se manteria nos aposentos na noite de Natal? Os leitores vão querer saber e ele, o escritor, não tem respostas. A melancolia nos olhos da baronesa deve ter justificativa convincente, talvez as mortes dos homens da família, quatro no total, incluindo o filho mais velho dos Thompson, herdeiro imediato do título de barão. As mortes causadas por objeto pérfuro-contundente cravado na garganta, podem ser motivo suficiente para a tristeza dela. Faz sentido.

Sexta dose, pega o litro pelo gargalo e resolve sair de casa. Caminhar até o

casarão que o inspirou a criar o cenário do livro afinal é logo ali. Tem a chave, conseguiu com os herdeiros, fãs de sua obra. Abre o portão principal e segue a passos trôpegos virando a garrafa, procura a chave, bolsos vazios. A carteira cai no chão de terra e lama, deve ter guardado dentro do bolsinho de moedas, a porta se abre, um homem alto e bem vestido faz uma reverência:

- Boa noite, escritor. Só faltava o senhor chegar. Entre, por favor. Dezenas de pessoas em trajes de gala circulam no salão maior. A árvore

enfeitada, a lareira aquecendo o ambiente, neve caindo do lado de fora - dá para ver pelas janelas - garçons apressados abrindo a porta da cozinha, um cheiro gostoso de comida, crianças se escondendo atrás dos sofás e uma senhora de olhos melancólicos ajeita um xale vermelho. O escritor reconhece a mansão Thompson. Ao vê-lo, a baronesa finalmente deságua o sorriso como se os dentes brancos estivessem represados.

- Ora, ora, que maroto o senhor, hein, nos fazendo esperar desse jeito.

Pensei que não viria mais. Meu marido bateu o pé, disse que somente desceria se e quando o ilustre convidado chegasse. Já mandei chamá-lo.

- Perdão, a senhora me conhece? - Claro, todos aqui o conhecem, como é modesto. Lá vem o barão.

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Um homem de idade avançada, os cabelos rarefeitos despenteados, média

estatura com um smoking branco destoando dos demais de cor preta, barriga saliente sob a faixa escura, bigode à Nietzsche. O escritor engasgou ao perceber que seu avô o cumprimentava, não reconhecia o neto, talvez por estar mais velho, um adulto. Pensou em se revelar, saber como seria possível, depois de morto, o velho estar ali naquela festa, mas antes pediu ao garçom uma dose.

- Qual o uísque está sendo servido? - Da marca que costuma beber, senhor. Tudo aqui é feito de acordo com sua

preferência, ao estilo e gosto do escritor. O casal segurou-lhe os braços, cada um de um lado, e o conduziu para fora

do salão principal onde dançavam ao som de jazz. O garçom veio trazer o copo, uma garrafa e um prato de queijos e salame. No som tem início a Internacional Comunista, vem a vontade de escrever. Chegam a uma sala menor, a mesa de vidro com o fundo cinzento, a madeira cor de uísque e a cadeira com o forro do clube de futebol fazem saber que está no escritório de casa ou num lugar semelhante.

- Precisa terminar a história hoje. Essa festa não é pelo Natal ou para

comemorar o aniversário do barão Thompson, o senhor a criou para revelar o motivo dos crimes e quem é o assassino, lembra? Todos os personagens anseiam por isso, porque ninguém sabe quem pode ser o criminoso, imagine se tornar de uma página para outra um crápula sanguinário. Veja a insegurança de cada um aqui.

- Preciso é de uísque. - O senhor o terá. Aliás, receberá o que for necessário para escrever, todos

os rituais que pratica, comidas, música, bebida, tudo. Os convidados, ou melhor, os personagens em breve o cercarão com perguntas, querem respostas. Hoje, meu marido ficou de revelar um segredo, assumirá quem é o dono da grande joia procurada por todos, lembra?

- Sim, sim, a grande joia, toda a trama gira em torno disso, ninguém sabe do que se trata e quem a possui. Infelizmente, nem eu.

- Mas o senhor tem que saber, resolva isso de uma vez. Lá está a máquina de escrever Continental. Já sobre a sua mesa, basta sentar e começar o trabalho, finalize a obra, paramos na metade do seu caderno de anotações, inertes desde a página noventa e dois.

- É isso, a joia verde, não é uma esmeralda, nada disso. A máquina de escrever, eis a riqueza maior de vovô ou do barão Thompson, o objeto da cobiça do assassino, o motivo dos crimes, como não tive essa ideia antes, meu Deus. Eureka. É por meio dela que tudo se define, o passado, o futuro dos personagens.

- Sem querer ser indelicada, nem colocar qualquer tipo de pressão, faça

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rápido, por favor. Ficou uma pasmaceira essa história, todos nessa casa numa festa que não sai do canto. Deus me livre reclamar muito, mas estou com essa roupa há umas dez páginas, sem tomar banho, o vestido pinicando no corpo, aquele personagem comilão vai acabar explodindo de tantos canapés, olha lá, vai pegar outro de camarão, afora os trinta e nove porcos com maçãs na boca que já passaram por mim. E o tio Jaime, do jeito que o senhor o fez um personagem beberrão, não chega ao final do livro por causa de cirrose, está bebendo demais, aproveitando o cenário, as bandejas indo e vindo sem parar.

- Vou começar a tecer as cenas com cuidado, construir um encadeamento que de forma natural me levará ao assassino. Mais uísque, por favor, vovô, ops, barão Thompson.

As teclas lentas pelos dedos inábeis fazem barulho, atraindo os convidados

que se aproximam e formam uma plateia atenta a cada palavra, como se representassem as legendas de um cinema e eles fossem as imagens. O relógio de parede avança com os ponteiros rápidos, três da manhã e a neve diminui do lado de fora. Meninos e meninas continuam brincando de esconde-esconde sem sentir fome ou sono porque o escritor não descreve tais sensações, tampouco o cansaço abate os garçons a entrar e sair da cozinha ao som das canções de Nat King Cole. Começam as perguntas.

- De onde o senhor me criou? - Dos meus pesadelos. - Por que me imaginou assim? - Me inspirei num vizinho do tempo de infância. - Como pensou no meu caráter? - Você é fruto de uma notícia de jornal. - Precisava me fazer tão sórdida? - Tinha sido traído e estava bêbado naquela noite. - Senhor escritor, diga logo quem é o assassino. A polícia será chamada?

Haverá mais alguma morte? - Calma, pessoal, deixem o homem trabalhar, disse a baronesa. Pensava no cheque, o dia fatal logo chegaria a reboque do sol. Os céus

começavam a ganhar a tonalidade da transição entre o negro, o cor-de-rosa e o azul até o alaranjado e depois o amarelo. As teclas continuavam, agora mais apressadas, e tudo que pensava ser ficção passava a se tornar palpável, fazer parte da realidade. Experimentava o gosto de ver suas criaturas, sentir o perfume, observar os trejeitos, ganhavam rosto, percebia a vida das imagens mortas e o movimento de seres que antes respiravam apenas na mente criativa.

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Vira mais uma dose, logo o editor entrará no escritório aos gritos. Reclamará da demora, a revista literária quer a foto da capa, a sinopse e um capítulo na íntegra. O pessoal do cinema cobra o original para começar a adaptar o roteiro e os patrocinadores ligam a todo instante, além dos convites de feiras literárias e entrevistas sobre a nova obra de suspense do escritor. Cadê o final? Por que o bandido mata? E a joia? Quem é o assassino?

Apertavam-se, chegavam mais perto, o escritor é uma ilha cercada de

smokings e vestidos longos por todos os lados. Quem matou o padre? E o filho mais velho dos Thompson? Quem rasgou a garganta do primo e a do sobrinho, foi com faca ou punhal, por que estamos todos aqui nesta festa, quem de nós é o assassino, o que acontecerá nas próximas páginas, existe alguma justificativa nobre para o crime, um problema financeiro, um transtorno psicológico?; diga, escritor, o criminoso é apenas um doente inimputável, ou um psicopata sem qualquer sentimento, homem ou mulher, sairá preso daqui, haverá uma cena de julgamento, o livro terminará na prisão, pode haver uma sequência, uma trilogia?

O escritor se vê num mar de zumbis que fecham o cerco como urubus sobre

carniça. Vão diminuindo o espaço, ele tenta sair por sobre os personagens que o comprimem colocando os pés nos ombros deles até que pisa nas cabeças e consegue avistar um teto todo branco com garranchos de cor azul nos quais pula para se agarrar passando para cima do teto. Olha para baixo e vê os convidados, a baronesa, o barão, todos com os braços levantados, pedem que retorne, perguntam quem deles é o assassino, desça daí, escritor. Um vento forte vira a página.

Está num deserto branco sem areia. A camisa manchada de vermelho, o

sangue é dele ou houve o último crime, naquela confusão, no aperto, o assassino pode ter agido mais uma vez, o sangue da vítima respingou porque não vê nenhum corte em si, pode ter sido isso, faz sentido. Precisa sair daquele lugar e terminar o livro, perdeu o controle sobre a obra, quem pode ter escrito no lugar dele?

Vê a garrafa de uísque, está enorme, a garrafa de um gigante e se sente um

inseto. A caneta Bic azul logo aparece sobre a mesa, parece um canhão, o tamanho dá três dele, agora pode ter ideia de como Gregor Samsa sofreu ou Gulliver, caminha sobre a folha em branco do caderno de anotações, pelo amor de Kafka, o que está acontecendo?, sua, agonia, precisa mudar esse final, não era assim terrível, não é um texto fantástico ou de literatura insólita, apenas um suspense policial, os leitores vão odiar, o editor ficará muito puto.

Tropeça num grampo, desaba sobre um clipe, rola sobre o próprio corpo e

cai desacordado. A quentura do sol entra pela janela e agride o rosto. Abre os olhos,

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a cabeça dói por dentro, conhece a ressaca, dói por fora, o filete escorre do supercílio. Olha o calendário na parede, a folha indica o dia do prazo de entrega. A garrafa de uísque voltou ao tamanho normal assim como a caneta Bic, fica mais calmo, pode ter sido alucinação alcoólica.

Procura o celular, duas chamadas do editor, a primeira às duas e quatro da

manhã. A segunda às três e meia, dez segundos a conversa entabulada, nada lembra. Levanta-se e vê o caderno aberto e na página está escrito fim. Depois da descrição do cenário da festa algumas páginas foram escritas de caneta com uma letra diferente, mais feia, embora parecida com a dele. Próximo ao fim gotas vermelhas sobre a mesa, melam a cadeira e fazem rastro no chão.

Pensa em ler aquelas páginas inéditas, será que bebeu tanto assim e nem

lembra dos escritos? Não deveria ter ido ao terreiro, pode ter sido possuído por algum espírito, um Exu, Érico Veríssimo, Oswald de Andrade, o avô. A linha de sangue segue pelo corredor, algum bicho morto, Bilu, o cachorrinho xodó da mãe, pode estar ferido, quem sabe ele mesmo feriu o bichinho. A carreira viscosa e vermelha continua pela cozinha semelhante às cenas do seu livro "A vida das imagens mortas", os cadáveres sempre eram arrastados pelo assassino deixando as manchas de sangue no piso, corpos trancados nos armários a serem descobertos quando começavam a cheirar mal.

O sangue terminava no guarda-roupas do quarto de entulhos, que tinha sido

do avô. Caralho, matei Bilu e joguei o corpo dentro do armário feito o personagem do assassino fazia? Puta que pariu, endoidei. Quando minha mãe voltar, vai procurar o cachorro. Espero que ao menos o final do livro esteja bom. Preciso ter coragem e abrir essa merda, enterrar o cachorro, nunca gostei mesmo desse seboso.

Fechou os olhos e abriu a porta. Recebeu a pancada, sentiu o peso do

cadáver do editor com uma caneta Bic enfiada na jugular e desabou no chão, a cabeça bateu na primeira máquina de escrever do avô, a que nunca tinha sido achada, a Royal 1933. Começou a sangrar também. O editor e o escritor em silêncio. A vítima e o assassino finalmente descoberto. O livro pronto sobre a mesa. Um fim.

Rômulo César Melo – Recife (PE) Nascido no Recife em 1976. Procurador Federal, escritor, poeta, autor de três livros de contos publicados – Minimalidades (Ed. Bagaço/2013), Dois Nós na Gravata (Ed.Cepe/2015) - vencedor do II Prêmio Pernambuco de Literatura e O Colecionador de Baleias (Ed.Cepe 2018); de um livro de poemas, Bad Trip (Cartonera Aberta/2017).

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SOBRE A VERDADE (E OUTRAS MENTIRAS)

“É preciso que nunca sejamos nós mesmos.

É o que chamam o cúmulo do progresso...”

(Crime e Castigo – Fiodor Dostoievski)

Olhava para o horizonte como quem olha para dentro de si mesmo...

Naquele instante procurava encontrar-se na perfeição do nada que avistava... Estava tentando encontrar a velha face que talvez esquecera em algum lugar...

Apenas queria retomar a vida que escondera por trás de verdades imperfeitas...

“Pretendo a verdade pura:

a faca que dilacere,

o tiro que nos perfure,

o raio que nos arrase” *

Olhando para o horizonte, lembra que tempos idos costumava andar de mãos dadas com ela... Vertia-lhe o esplendor de confiança e inocência. Nada além da verdade. Nada!

Era a ela que recorria quando se sentia só. Espionava sua face como quem procura algo abjeto. Mas não encontrava. Admirava a verdade. Simplesmente, sonhava com a verdade...

# # #

Vivia uma vida pacata. Sempre primou pela verdade. Angustiante, mas verdade. Talvez, a palavra mais popular de seu imenso vocabulário de homem extremamente culto, dono de uma mente prodigiosa.

Tudo verdades... Assim plainava em sua vida. Olhos nos olhos quando falava. Distância mínima para sentir o vapor exalado dos lábios contendo plenas verdades.

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Era assim. A verdade deveria ser plena! Sem enfeites. Sem retoques...

Trabalhava naquele cubículo há anos. Dali tirava o seu sustento e da família que lhe pertencia.

Lembra que começou ainda jovem. Vendia chapéus. Os melhores da pacata cidade e de toda aquela região. Deles tudo sabia. Chapéu Panamá, o seu predileto, “definido pela palha toquilla, que é sua principal matéria prima, que só é encontrada no Equador e em pequena parte da Colômbia...”. Sempre gostava de esclarecer. “Chapéu Fedora, com aba curta, feito de feltro. Chapéu Coco, preferia chamá-lo de Bowler, como os ingleses, embora os americanos o chamassem de Derby. Chapéu Clochê, simplesmente especial para destacar a silhueta feminina. Chapéu Cartola ou Top Hat, símbolo da aristocracia inglesa do século XVIII”... Esse era o seu passatempo preferido. Estudar os variados tipos de chapéus, dispensando-lhes tal atenção que deixava boquiabertos a todos que o rodeavam.

Não era afeito a rodinhas de conversa ou burburinhos. De piadas nunca ria. Aliás, mostrar os dentes não era sua especialidade. Os chapéus, sim, estes eram a sua verdade. Usava-os para cobrir a cabeça, a mente, contra tudo que não fossem verdades... Para ele o gesto de cobrir a cabeça expressava a necessidade de protegê-la das forças hostis ou dar ênfase e visibilidade de tal modo a atrair a atenção divina.

Enfim, era um acessório que fazia parte de seu cotidiano. Não, não, não! Não era simplesmente um acessório, mas um modus vivendi que adotara para os seus dias.

Era casado. Sua esposa, Aletéia, era magnificamente linda! Todos na pacata cidade admiravam seu encantamento. Ao contrário do esposo, era extrovertida e afeita a conversas longas e animadas. Sempre que saía fazia questão de usar o seu Chapéu Clochê, presente caríssimo, carinhosamente ofertado pelo patrão do esposo, Doutor Hermes, como era conhecido nas redondezas...

Doutor Hermes, homem bem afeiçoado de corpo viril, eloquente e excelente comerciante. Conhecido também por seu chapéu diferenciado de abas largas e copa baixa e redonda e sua sandália personalizada. A única. Pois fazia questão de mandá-las fabricar.

O casal tinha apenas um filho, Evandro, nome ventilado pelo patrão que prontamente foi aceito por ela. Não era do gosto de nosso vendedor de chapéus esse nome. Para ele o nome do filho era algo que deveria ser escolhido exclusivamente pelo casal. Sempre fazia as vontades de sua deusa, e mais uma vez prevaleceu a vontade, digamos, da mulher... O rapazote nada parecia com o pai. Nenhum traço.

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Nada! Para piorar, conforme crescia, muitos identificavam a eloquência, o formato do nariz e o porte atlético do rapaz como algo “hermeniano”. Assim diziam...

## ## ##

Pois bem, nosso personagem, não estava muito bem organizado em suas ideias. Há dias vinha pensativo e sorumbático, desculpem a expressão, ou preferem macambúzio, meditabundo? Mas, como estava dizendo, o nosso herói dos chapéus, homem temente a verdade, agora estava em um dilema profundamente angustiante.

Acordou disposto a enfrentar aquele dia sem o seu inseparável Chapéu Panamá. Sim, iria ao trabalho com a cabeça descoberta. Sem sua usual proteção contra as “forças adversas”. Enfrentaria aquele dia com a cara limpa, ou melhor, de cabeça limpa. Sem máscaras!

“Que é que os homens temem, acima de tudo? O que for capaz de mudar-lhes os hábitos”. ****

Estava assim há tempos... Andava inquietado com os burburinhos que cresciam conforme crescia o rapazote... Podia senti-los, mas não ouvia devido a particular proteção do inseparável chapéu. Porém, os traços firmes “hermenianos” do moço não havia chapéu que escondesse…

Cumprimentou o patrão de uma forma menos esfuziante e bem mais discreta que usualmente costumava fazer. “Bom dia, Doutor Hermes!”

Ao citar esse nome, “Hermes”, algo acendeu em sua mente. Hermes! Como dissemos acima, nosso protagonista era extremamente erudito e dono de uma mente prodigiosa.

Buscou em seus arquivos mentais a história do deus Hermes, habilidoso com as palavras, mas, segundo os seus vastos conhecimentos, era sedutor e colecionador de relacionamentos. Mais ainda: o que lhe acendeu uma luz na mente, agora liberta da proteção do Panamá, era a característica que esse falacioso deus usava para percorrer todo o Olimpo: um chapéu alado chamado Pétaso... Chapéu este com abas largas e copa baixa e redonda tal qual ao que o patrão sempre usou. Jamais permitiu que fosse vendido na loja, pois queria exclusividade para o seu...

Ligando os pontos, buscou em sua mente o nome de um dos filhos desse famigerado deus entre as dezenas que obteve em seus casos amorosos... Entre Eros, Hermafrodito, Pã, Cidão, estava... Evandro! Sim, o nome de seu filho também estava entre os filhos do deus Hermes... Nome sorrateiramente ventilado pelo Hermes de carne e osso. O Hermes de verdade...

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Acima da verdade estão os deuses...

Sentia tremuras nas pernas. Agora se sentia naufragado em suas certezas. Maldito dia que saiu sem o seu Panamá! Mas, não era isso que sempre perseguia? A verdade como o centro de tudo? Pela primeira vez sentia-se acovardado diante da verdade. Justamente a verdade, algo que tanto idolatrava.

“O homem é um covarde... e mais covarde ainda quem lhe reprova essa covardia” ****

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Olhando para o horizonte como quem olha pra dentro de si mesmo lembrou-se de quando viu pela primeira vez aquela garota exuberante e imediatamente apaixonou-se. O nome, Aletéia, a deusa que personifica a Verdade, foi o ápice do que sempre sonhou. “Casar-se com a Verdade...”. Sentia-se o próprio Prometeu esculpindo as formas de Aletéia. Perfeita Aletéia em seu caríssimo Chapéu Clochê... Doado pelo Doutor Hermes...

Sem o seu inseparável Panamá agora está exposto às verdades das quais sempre procurou se esquivar...

Olhando para o horizonte como quem busca a si mesmo, agora não busca somente algo que o acumule, mas algo que o preencha... Verdade... Nefasta regra que a todos arrasta. Insana. Opressora. Tendenciosa...

“Aletéia, nunca mentiu”- pensa... Afinal, nunca a questionou! Mentir não é esconder verdades... Mentir, sim, é contá-las!

“A verdadeira verdade é sempre inverossímil” ****

Agora vê que tudo que vivera, ou procurava viver, era uma farsa. Nada era real! Ou não... O real estava a sua volta, talvez escondido pelo Panamá em sua cabeça... Apenas queria viver a sua verdade. Indolor. Lembra de um poema:

“Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;

Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?

Não os quero abrir de viver! Ó Verdade, esquece-te de mim!”**

O que possuía? O filho? A esposa? O emprego? Ao invés de responder, sente esvaziar-se...

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“Verdade dorme tão perfeitamente despertada que em si a verdade é o vazio” ***

Olhando para o horizonte como quem busca a si mesmo, o homem, expert em chapéus, agora vê que levara um tremendo chapéu da vida.

Não, não poderia acovardar-se dessa vez... A Verdade era tudo o que tinha agora. Nada de covardia!

“Tudo está ao alcance do homem, e tudo lhe escapa, em virtude da sua covardia” ****

#### #### ####

Dá alguns passos e agora se encontra em frente ao espelho de provar chapéus... Nem se lembrava mais como era sem os seus. Sente-se em uma caverna escura aberta em rocha dura onde dançam ignotas sombras nas paredes. Ao vê-las, dentro de si, surpreendido, sente medo delas e silenciosamente grita! “O que é a verdade?”. Em resposta ouve o eco surdo de sua voz: “A verdade é o homem que está diante de você!”

Olhando para o homem em sua frente, no espelho, finalmente encontra o horizonte que estava dentro de si mesmo...

“A natureza é um espelho, um espelho, e o mais transparente! Olhe para ele e veja-se, é assim mesmo!” ****

Arrisca um sorriso. Finalmente sorri. Não um sorriso sarcástico. Sorri o sorriso dos fortes. O sorriso que escondera há tempos debaixo do Chapéu Panamá... Sorri para a Verdade que também sorri para ele agora.

Encara-a não mais como uma aliada, mas como um ente qualquer que poderia variar de forma dependendo do ângulo que fosse apreciado.

Agora era ele, Aletéia, Evandro e a Verdade, fazendo parte da mesma família. O que realmente sempre importou em sua vida foi a felicidade de sua deusa. Talvez nada lhe pertença, mas cuidará de todos, como quem cuida de segredos guardados. Decide guardá-los, assim como vinha fazendo até então...

“Quando é preciso, afogamos até nosso senso moral, a liberdade, a tranquilidade, até a consciência, tudo, tudo, vendemos tudo por qualquer preço! Contanto, que nossos entes queridos sejam felizes.” ****

Dá uma última olhada no homem do espelho. O homem que acabara de encontrar. O homem que até então estava guardado. O homem do espelho sorri para

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ele. Não um sorriso cheio de verdades inquestionáveis que invariavelmente machucam quem as persegue. Mas um sorriso de quem lhe revela uma nova faceta da vida. Um sorriso que o convida a dançar com as surpresas que sempre a vida apresenta. Um sorriso que o tira da letargia do tempo e o faz girar no salão infestado de verdades sequiosas para tirá-lo para dançar... “Dance acima dos princípios. Dance com a valsa que a vida se lhe apresenta. Não pare. Dance! Encontre sempre um sorriso que combine com cada ocasião, com cada verdade, como se fosse um chapéu... E saia dançando pelo salão da vida...”. As palavras do homem no espelho ficam impregnadas em sua alma. Sorri...

“Eu não matei nenhuma pessoa humana; apenas matei um princípio. Um princípio, foi o que eu matei”. ****

Dá meia volta. Encara o patrão... Sorri um sorriso perfeito. O sorriso dos fortes. O sorriso exato para aquela ocasião.

...Pede licença. E, sorrindo, sai para buscar o Chapéu Panamá que havia esquecido em sua casa...

“Aleluia! Aletéia!!! E para o espanto da platéia

a verdade vem à tona! O circo sem a lona

está nua a conspiração!” (Bernardo Maciel)

* Lara de Lemos, in ‘Inventário do Medo ** Álvaro de Campos, in ‘Poemas’ *** António Ramos Rosa, in ‘Volante Verde’

**** Fiodor Dostoievski, in “Crime e Castigo”

Roberto Gonçalves - Paranavaí (PR) Servidor Público Estadual. Formado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura. Membro da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Participa do FEMUP desde 2000, sendo premiado em contos e poesia (regional e nacional), além de músicas e declamação.

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ANAS

O delirante barulho da cidade grande ecoava como uma sinfonia infernal. As fileiras de carros e pessoas pareciam formigas, que cruzavam o ambiente para os mais diversos cantos em seus respectivos cotidianos. Cada formiga com seu formigueiro, cada formigueiro com seu sistema. E sistema era o que não faltava. Em cada canto tinha um, arquitetado para aprisionar vidas, e governá-las em meio à ganância do ser humano com o próprio ser humano. Os problemas sociais, econômicos, políticos, entre outros, disputavam quem exalava a maior desgraça. De qualquer modo, a população seguia seu rumo na desvairada avenida do caos.

E em meio ao caos, vivia Ana. Uma ominosa mulher de trinta anos, que mais parecia ter cinquenta devido ao inegável cansaço em seu rosto. Todo dia acordava as cinco da madrugada, preparava o café, tomava um banho célere, e corria para pegar o ônibus, tal que a levava até o metrô, e com ele enfim chegava ao seu sistema. “Analista de Segurança, T.I”, era o que dizia em seu crachá. Seu trabalho envolvia o contexto de proteção — a mulher ralava para conseguir proteger bancos de dados, sites, e sistemas virtuais de marcas famosas, que inclusive a processariam se ela cometesse algum erro.

— Um emprego comum, um salário comum, uma desgraça comum — dizia ela para si mesma, em um tipo de ditado cômico e trágico.

Quando o sol se extinguia no horizonte, Ana terminava o penoso turno, e isso significava ser transportada novamente de ônibus e metrô durante uma hora, junta a outras formigas da sociedade. Quando ela chegava de volta aos seus domínios, tinha de lavar a roupa, por pra secar, dar uma geral na louça, e analisar — desalentada — os boletos de contas que não paravam de chegar. Quantas vezes Ana se questionou como aguentava viver assim. Quantas vezes ela quis saber como as outras formigas conseguiam suportar isso: trabalhar em um emprego insatisfatório, ter que gastar a maior parte do salário com contas, e ficar só com as migalhas, para quem sabe daqui alguns anos — juntando — conseguir comprar alguma coisa usada. Mas se ela ousasse se demitir, seria jogada em outro sistema — o do desemprego.

Ser um escravo, ou um servo? Eis a questão.

E graças a tal rotina fora necessário o uso de alguns medicamentos, inclusive antidepressivos. Afinal, eles tornam o ser humano uma massa de carne sem emoção. Tem coisa melhor para o sistema do que uma vida que não questiona, que simplesmente trabalha, fala “Sim, senhor”, e não reclama? Pobre Ana. Ela estava optando por nem olhar para o seu reflexo no espelho. Para que iria encará-lo? Contemplar o seu fracasso existencial? Não precisava, pois já estava se acostumando a sentir sua alma se dissolvendo aos poucos. Às vezes, Tereza — sua

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mãe — ligava. As duas conversavam brevemente, a fim de verificar se estava tudo bem em suas patéticas rotinas, e até fingiam felicidade. Mas Tereza era mais sábia e experiente. Estava ciente de que sua filha não estava nada bem. Até a convidou a voltar para casa, em baixo de sua asa, mas Ana era dura demais consiga mesma e recusou.

— Filha, se não quer voltar, ok, mas não precisa fingir que está envolvida em felicidade. Sinto o cheiro de mentira em sua voz. Mude sua vida antes que ela mude você! — a voz de Tereza ribombou no telefone, como um chicote que açoita diretamente o coração.

Em certo dia, a porta de Ana bateu. Quando ela a abriu, quase deu um pulo. Estava ali, diante de si, alguém que não via há anos. Corpos simétricos e almas opostas, vindas do mesmo ventre.

— E aí, vai me deixar entrar? — interpelou Ana Clara, com o olhar semicerrado. Ela geralmente exalava em rebeldia.

— Você reaparecer na minha vida desse jeito... Isso é coisa da mãe... — sussurrou Ana Vitória, olhando para sua irmã da cabeça aos pés. A visão vil daquela presença lhe causava arrepios.

— E que diferença faz? — questionou Ana Clara, que passou a força pela porta, praticamente empurrando sua semelhante para o lado.

— Você é o exemplo sólido de problema!

— É, eu sei — assumiu Ana Clara, em desdém. — Você é a que faz tudo certinho, segue as regrinhas, e eu sou a desgraça em pessoa. Você deve se odiar tanto quando se olha no espelho, não é mesmo? — e então, se deitou no sofá da sala como se fosse à dona do lugar. — Você detesta ter o mesmo rosto bonito que o meu, irmã. Quando vê o seu reflexo, sempre acaba lembrando de mim, sua paixão!

As gêmeas ficaram na sala, se encarando profundamente. Ana Vitória saraivou rajadas de fúria com seus olhos, enquanto que sua mente estourava em vasta insegurança. Já Ana Clara, sequer se sentiu abalada, seu olhar provocante, somado ao seu sorriso indecente, funcionava como um valioso escudo emocional.

— Eu não vou suportar sua existência — disparou Ana Vitória. — Você é uma viciada!

— Você que não vive sem tarja preta, e eu que sou a viciada? — rebateu Ana Clara, franzindo a testa.

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Ana Vitória prontamente se sentiu baleada. E sem delongas, interrogou: — O que diabos você quer aqui?!

— Bom... Eu sei da sua rotina patética. Sei do seu trabalho, e de tudo o que faz nele.

— Está me espionando?!

— Será que por algum mísero momento, você esqueceu no que eu sou boa? Será que se esqueceu de que fui eu que te ensinei tudo o que sabe, no mundo da segurança da informação?

Um frio na barriga dominou Ana Vitória, junto a uma profunda tormenta que explodiu em sua mente. Teve até de disfarçar a leve tremedeira que aconteceu em uma das mãos. Neste momento, sabia bem que sua irmã não estava brincando. Ana Clara era uma hacker talentosa, engenhosa, e ousada. Tão ousada que já ganhou a vida roubando dados de empresas, e os vendendo para as marcas rivais. Espionagem digital era o seu reino, como também, foi o contexto que a fez ser mandada para a cadeia anos atrás.

— O que você quer?

— Quero sua vida. Por um tempo é claro — revelou Ana Clara, em plena calmaria.

— Minha vida? — estranhou Ana Vitória. Como assim, alguém iria querer ser um escravo do sistema?

— Pois é, o mundo da voltas. Não se preocupe. Tenho tudo planejado. Não será difícil assumir a sua identidade, não visualmente pelo menos.

— Por que? Por que quer a minha vida? O que tem de bom nela para você?

Ana Clara suspirou, e após alguns segundos, tomou coragem e disse:

— Olha... Bom...

— Como assim? Que desgraça você está aprontando?! — interveio a irmã, com suspeitas.

— Quanto menos souber, melhor para você. Que mal tem em aceitar a minha proposta? Podemos fazer um rodízio. Eu trabalho em uma semana, e na seguinte você volta. É como tirar férias a cada sete dias, irmã. A função do seu cargo é patética. É impossível eu não gabaritar. E sem mencionar que isso iria te ajudar. Você está toda trincada, da até pena de ver.

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A função do analista de segurança, basicamente era criar defesas no mundo virtual, para impedir que meliantes cometessem invasões. Ana Clara sabia exatamente como fazer invasões bem arquitetadas. Teria pessoa melhor para elaborar defesas? Seria como contratar um experiente ladrão, para guarnecer um banco. Foi então que a tentação corrompeu a mente de Ana Vitória. O que era certo e errado se tornou relativo. Tereza havia lhe dito para mudar sua vida, antes que a vida a mudasse. Que mal tinha em seguir um conselho de mãe?

Na primeira semana, a temerária Ana Clara fez incontáveis melhorias na arquitetura de segurança de vários sites, impressionando o chefe — o maldito que vivia dando em cima das funcionárias. Já Ana Vitória, se empanturrou de pipoca, junto a maratonas de séries e filmes. Não abandonava o sofá em frente à TV, exceto quando Tony — seu amado — vinha lhe visitar. O casal trabalhava na mesma empresa, mas em turnos diferentes, por tanto, não era sempre que podiam prestigiar a presença um do outro. Quando se encontravam, a cama se tornava uma selva dominada pelo prazer, que recebia o suor de corpos quentes e arranhados, e rugidos que acabavam incomodando os vizinhos.

Na empresa de segurança — um extenso andar, lotado de vários escritórios enfileirados —, a hacker se esforçou para ocultar sua natureza impudente. E mesmo assim, ainda deixou escapar uma maquiagem mais obscura do que o normal, se comparada com a “tradicional funcionária Ana Vitória”. Os companheiros de trabalho estranharam um pouco, porém, graças ao semblante raivoso e provocante da Ana que ali estava, nada disseram. Uma semana aqui, outra ali, tudo parecia um sonho para Ana Vitória, pois sua cópia sombria estava fazendo tudo conforme o combinado.

Na “residência das Anas”, a ousadia ascendeu em indecência. Um certo dia, Tony bateu na porta, e foi recebido por uma Ana mais rebelde. Ele estranhou, mas não teve coragem de perguntar nada, até porque foi dominado por uma sequência de beijos mais quentes do que o esperado. A presença de Ana Clara era agressiva, insanamente lasciva, e no mínimo direta. Sem dificuldades, ela tornou-se uma rainha montada em seu trono — Tony.

O fato de se ter mentes que funcionavam de modos opostos em um só local, resultou em um conflito entre as irmãs. Raivosas e aflitas por conta de suas diferenças, tensas discussões se sucederam. Um tormento parecia insistir em eclodir quando elas ficavam juntas. Tony acabou aparecendo em um momento turbulento, e ficou no mínimo perdido com uma discussão que ouvira. O rapaz ficou ainda mais surpreendido quando, de repente, as duas se viraram para ele, e, juntas deram simultaneamente um tapa em sua face. Em seguida, ele foi arrastado e jogado na cama, sendo dominado hostilmente por duas presenças simétricas, e ao mesmo tempo opostas.

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Três existências unidas sob uma paixão ardente, tais que queimavam através de seus corpos envolvidos nas posições mais variadas, e mergulhadas em um prazer colossal. Tony teve de aprender a lidar com as duas: em como satisfazê-las, e, em como se esquivar dos conflitos que elas criavam com elas mesmas. Eis o momento em que o homem amadurece, e se conscientiza de que a doze dupla de prazer vem acompanhada de problemas dobrados. E não vendo melhor alternativa, resolveu desabafar com alguém mais experiente:

— Pai... Preciso te contar algo... — disse Tony, timidamente no celular. — Eu vou ser pai. Pai em dobro...

— O que?! — estranhou o velho.

No mesmo instante, Tony acabou olhando de relance para trás, e notou que estavam lhe espionando. Não importava qual Ana era, pois no final das contas, elas sempre ficariam sabendo das mesmas coisas. Mas algo não tão preocupante, quanto ao fato de que ele, em um futuro breve, receberia uma carga dobrada de responsabilidade paternal.

Os rodízios das Anas continuaram. Tony sempre acabava reportando as suas amadas, o que os encarregados da empresa diziam e faziam. Nada passava despercebido. E Ana Clara não era tola, muito menos lerda. Vendo que iria ser mãe, agiu com seu plano, que desde sempre estava arquitetado e engatilhado. Ela aproveitou que o chefe costumava assediar Ana Vitória — e em uma das vezes em que ele a abraçou, ela habilmente colocou um Pen Drive no bolso da calça do safado. A bomba havia sido encaminhada para o alvo, que ingenuamente se tornou uma presa tênue. Em pouco tempo, o chefe notou o aparelho em sua veste, e o inseriu no seu computador de trabalho. Para ele, aparentemente se tratava de um Pen Drive vazio, e nada mais do que isso.

Mas não tardou e... Boom! Tudo aconteceu tão rápido quanto uma explosão.

Os policiais eclodiram em bando e aos gritos, com as armas severamente apontadas. Mas os agentes da lei só queriam uma pessoa em específica, e Ana Clara já previa isso. Em poucos momentos, prenderam o chefe da empresa, e se retiraram em silêncio. Os funcionários ficaram sem entender absolutamente nada.

— O que diabos aconteceu? — quis saber Tony, quando vislumbrou a presença sombria de sua amada deitando na cama. Os boatos do que havia acontecido na empresa se espalharam vertiginosamente.

Ana Clara, completamente nua, ficou pousada com um sorriso sensual, apenas observando em silêncio a figura de Tony. Já ele, não deixava de contemplar o círculo tribal que tinha tatuado nas costas dela. Mordendo os próprios lábios, Ana

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explodia em puro prazer por conta do que fizera. Após alguns instantes, ela enfim confessou:

— Nosso querido chefe era bem mais hábil em gestão financeira, do que na própria segurança da informação. E esse tipo de detalhe não me passaria despercebido. É como ter um rato solto em um quarto cheio de gatos — Ana teve de se segurar para não rir. — No Pen Drive, havia um programa oculto. Ele é executado no mesmo instante em que é inserido em um computador. Somente pessoas altamente capacitadas conseguem notar a presença desse programa, como por exemplo, um investigador da polícia...

— E o que esse programa faz? — Tony ficou no mínimo ansioso para saber.

— Lembre-se que nós trabalhamos com informações sigilosas de empresas. O programa que estava no Pen Drive, simplesmente recolhia esses dados empresariais, e os mandava para um e-mail específico — Ana deu um longo beijo em Tony, finalizando com uma leve mordida nos lábios dele.

— Um e-mail? — suspeitou ele, ficando ainda mais curioso.

— Sim, o mesmo e-mail que eu criei, com um nome fictício é claro. O mesmo e-mail, que na última semana enviou dados das marcas que protegemos, para as marcas rivais. Inclusive, um ato que rendeu alguns milhões em uma conta bancária maquiada na Suíça. Digamos que através de uma denúncia anônima, nada maliciosa, tais empresas ficaram sabendo de que suas informações mais preciosas foram traficadas... Nem era previsível que a polícia iria agir... — contou ela, com notável tom de cinismo.

— Uma conta que é sua, mas que por lei internacional, o banco não pode informar o seu nome sem um real motivo, e neste caso, pelos olhos da lei você não fez nada... Já o nosso chefe, ou melhor, ex-chefe, cometeu o crime de: vender informações restritas, das empresas que ele cobrava para proteger. Se ele não tem em posse, a verba que supostamente conseguiu com tal negociação ilegal, já não é algo tão relevante para a polícia, pois o Pen Drive fantasma é a principal prova do caso. O mesmo Pen Drive que estava no escritório dele... — concluiu Tony, ao compreender todo o ocorrido. Seu sorriso foi algo inegável. Indecentemente ele aprovou tudo.

No mesmo dia, Ana Vitória se mergulhou em um banho peculiar. Um ato purificador não só de corpo, mas também de alma. Um detalhe era de que as Anas tinham a mesma tatuagem nas costas: o círculo tribal, que basicamente representava um ciclo simétrico. Assim que Ana saiu do Box, e se enxugou na frente do espelho da

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pia, notou que não estava sozinha no recinto. Nunca estivera. Enquanto Ana Vitória estava de pé, de frente ao espelho, Ana Clara estava viva no reflexo do vidro.

— Conseguimos...

— Conseguimos — repetiu a cópia devassa, agora orgulhosa.

— A maior ironia de nossa existência é o nosso próprio nome. Se escrevermos Ana ao contrário, continuará Ana.

— Ou seja, mesmo ao contrário, nós continuamos a mesma coisa... — concluiu ela consiga mesma, sob um sorriso de satisfação.

Bipolaridade existencial. Ana Clara Vitória era uma só mulher.

Uma vida que ficou tão traumatizada após ser presa no passado, que se viu obrigada a separar sua mente de acordo com o que era, e assim, trancou a sete chaves a Ana de antes em uma caixinha. E após essa decisão, de separar radicalmente o que tinha sido, com o tempo acabou se tornando outra pessoa, algo tecnicamente oposto, mas sob o mesmo corpo. Depois de ser condenada, e cumprir sua pena, os remédios a ajudaram a se comportar, e aceitar ser escravizada pelo sistema. Entretanto, um ato de redenção artificial que não teria efeito perene. Pois, a mente de uma mulher se afoga em incontáveis conflitos quando se está grávida. As ‘Anas’ perceberam que precisariam se unir para o bem das filhas, que estavam gerando no mesmo ventre.

Seu chefe fazia questão de relembrá-la, que o salário baixo que recebia, era por conta da ficha suja que ela tinha na justiça:

“— Devia me agradecer por ter te contratado, depois de ter saído da cadeia. Seu salário nunca vai subir, mas pelo menos não estará desempregada.”

A perspectiva de que iria ser mãe, ganhando uma merreca, e sofrendo assédio diariamente, não foi nem um pouco do agrado das Anas. Não foi atoa que uma ajudou a outra, inclusive quando a hacker bateu na porta, a atual Ana acabou abrindo, e a deixou ficar — ela precisava entrar novamente em sua vida. A porta da caixinha deveria ser aberta — a caixinha de seu âmago, propriamente em recôndito...

Ana precisava ser “clara” para obter sua “vitória”, e essa seria a sua maior e indecente metáfora. Tony sabia o tempo todo, e como já dito, teve de se adaptar a tudo.

“— O senhor vai ser avô em dobro. Ana está grávida de gêmeas! — revelou ele ao pai, pelo celular.”

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De fato, Tony iria ter responsabilidade dupla. Já as Anas, após o golpe que as libertou do sistema, se unificaram salubremente em uma só mente, em pura harmonia. As diferenças entre elas se dissolveram quando não houve mais o envolvimento de nenhum remédio, e assim, Ana Clara Vitória exibiu um visual exótico, mostrando ao mundo as suas faces sem qualquer insegurança. Não tardou, e as passagens só de ida para a Suíça foram compradas pelo casal, que seguiu para um novo lar, em uma nova vida.

— Existem seres que estão apenas vivos, e aqueles que realmente estão vivendo — refletiu Ana Clara Vitória, quando concluiu que havia se tornado livre e feliz, tanto de mente, quanto de coração.

Greg Gabriel - Paranavaí (PR) Roteirista, Diretor, Preparador de Elenco, e Diretor de Fotografia, da web série Notre-Dame (YouTube). Planeta Carbono - Ficção Científica publicada na Amazon. Doce Amargo Whisky - Drama (em processo de campanha de arrecadação p/ publicação). Gênesis vol.I - Propagação - Ficção Científica/Super Heróis (em processo de campanha de arrecadação p/ publicação).

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O SERMÃO: UMA SÚPLICA À MONTANHA Somente sozinha sabendo silêncios sim sente sempre solitária sofre sepultos

Terço na mão e um nome de luz, Lúcia, aflita. Pai nosso. Pão nosso. Pai

nosso. Pão nosso. Pai?! Pão?! Onde? O pai fora assassinado na época conturbada onde protestar não podia, ir às ruas proclamar por justiça não era direito. O direito era ficar calado comendo das migalhas do moralismo que se dizia não corrupto.

Lúcia: lucida luzindo luz carregando lúcifer. Lembra até hoje com carinho da coragem e afeto de seu pai. Com medo,

recorda o tempo passado, mas o medo não é para si, pois o ‘’para si’’ não existe. Viveu para os outros e agora o motivo de sua vida já não era o mesmo.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje. O pão dera para o menino da rua, lembrava Zé, mas não queria lembrar.

Meu Deus! Quanto tempo. Como esquecer? Ainda mais hoje... ainda mais hoje!!! Perdoai as nossas ofensas. Que ruindade no coração. Não sabia mais se queria perdão, perdoar. O perdão é algo que só acontece nas novelas que passava na casa da patroa! A alma dilacerada quer mesmo sair gritando por José, esmurrando mundo inteiro, atirando soco nos policiais desgraçados. Primeiro, o pai. Depois, José. Mais uma lágrima no terço: Tsunamis na cruz diária. Hoje era aniversário, o sofrimento aumentava. De hoje, não passa! Que saudade!! Que saudade do meu menino. Primeiro, sonhava em ser bailarino, depois dizia que ia ser médico. Já pensou? Ahh... esse menino vai ser o que quiser! Vai ser sim. Se não quiser ser nada, que mal tem? Ele fica aqui morando comigo. Esse menino... Você tá doida, Lúcia? Onde é que Zé vai ser médico? Aqui no morro não tem isso não. Mas eu luto. Eu conheço bem esse maldito luto. Eu faço faxina na casa das madames e... Chega! Che-ga! Para diacho. Dorme! Dorme que a fome passa, o pai sempre dizia... Olhava o colchão no chão, que havia ganhado de Zé. Mamãe agora vai dormir bem. As dores nas costas iriam parar. O menino repetia.. foi na semana do colchão que aconteceu a tragédia. Mesmo depois de todos os vendavais devastados de seu interior, conservava-o ali. Do mesmo jeito. O colchão no chão. A dor era tanta.. Doía... se moía.. e ainda dói. O primeiro salário foi gasto para melhorar as dores nas costas. Como aliviar agora a dor da alma?

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o dentro é dor inalcançável pra ser dito ou alcançado por qualquer palavra lavra. A palavra não lavra. Pai Chronus que não se fez Kairós para entender o abismo do obscuro que dilacera as têmporas e rói cada osso. Palavras que não (des)crevem almas pensadas descritas. Alma corroída pelos anjos, pelas trevas, pelos demônios. Todos moram ali com ela.

O destino, hoje, entretanto, reservara-lhe uma surpresa:

Entre tantos lamentos, Lucia enxugou as lágrimas, limpou o terço, mas o coração não. O coração não podia mais ser limpo, tão grande era a vingança que morava nele. Coração quebrado despedaçado repleto de lamúrias mil. Coração de mãe que chora e luta por seu luto. Levasse eu... levasse eu... não o menino. O menino era bom, nunca fizera mal a ninguém. Quando criança, o pai lhe alertava sobre os perigos que ela teria que enfrentar: mulher, negra, moradora de periferia. Todavia, sonhadora.... sonhava em ser veterinária, cuidar dos bichinhos. Mas aí se envolveu com coisa errada. Por que não ouviu papai? Depois se apaixonou perdidamente pelo policial. Então, lá estava Lúcia, anos depois do pai ter morrido, do jeitinho que ele lhe havia alertado: sozinha, porém com algo em seu ventre, que não hesitou em tentar tirar. Quando viu a barriga crescendo, foi à farmácia tentar comprar a droga mais cara para se libertar daquilo. Não, não haveria de querer nada que lembrasse aquelas noites com os homens fardados. Ela amou um, mas naquela noite drogada, não foi só de um, foi de todos. Todos a penetraram. Ela dizia não. Disseram que queria, que a roupa pedia, que se não fosse puta não estaria ali. Lucia: sem lucidez louca lamentava-se.

Carne barata: era assim que se sentia. Lembrou-se do primeiro salmo: bem-aventurado aquele que não se assenta a roda dos escarnecedores. ESCARNECEDORA! Carne putrefata de mulherzinha que não cuidou do corpo. Não... não queria. Não sabia. Mas quem haveria de tirar isso da cabeça dela? Desde sempre ensinada. Qualquer pensamento contrário seria vitimização.

Iria tirar esse nojo de si sim! Essa criança... esse ser sem pai... esse...PAUSA. Porém, num relampejo, lembrou-se dos pecados... Não sabia o que fazer. Mas já cometera tantos.

Paradóxo. Oximoro. Antítese. E agora, dona Lúcia? Como criar esse filho de uma puta? Ave Maria, eu sei que não sou uma boa menina, porém passa de mim esse

cálice. Eu não posso gerar. Não tenho condição de criar. Por que eu não ouvi papai? Agora não temia mais só pela vida do feto. Temia pela sua. Como tirar isso de si? Brilhante ideia: morreriam os dois. Seria muito mais fácil ir direto ao inferno, conversar com Lucifer, seu nome desejado, e ser queimada aos poucos. Até não

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sobrar nada: só as cinzas e a alma atormentada, igual aos sonhos. Deveria era se chamar Lucifer, conhecer Lúcifer. Não o Lucifer de luz que regia anjos, mas o expulso do paraíso, rejeitado no céu, rejeitado na terra, rejeitado. Não tinha nada de Lúcia desde que nascera.

De repente, temeu. Lúcia: mulher batalhadora. Batalhadora o quê? Era medrosa. Indagações ainda a indignavam.

Sabia que a filha da patroa havia feito isso seguramente numa clínica e a família protestando semanas depois ideologias religiosas, que atualmente tomam viés político, dizendo que não podia. Realmente, não podia pra ela: mulher sem condições. Ela que se preservasse, ela que não andasse entre os policiais e não tomasse a droga. Ela que acordasse do inconsciente e enquanto fosse penetrada se levantasse e lutasse contra todos os chamados cidadãos de bem. Silêncio no quarto com o terço na mão. As lembranças sempre retornam:

O tempo passou e decidiu: teria o menino e se chamaria José, em homenagem ao pai do menino Jesus. Nome abençoado que seria o recomeço dessa vida conturbada, perturbada, atormentada repleta de injustiças milhões.

Já era tão sozinha nesse mundo. Começaria do zero a vida quando o menino nascesse. Não seria uma mãe como a sua, que fugiu quando ela ainda era criança. Lúcia só tinha luz no nome, a alma era tão obscura, mais crescente que qualquer treva que se possa conhecer e aprofundar como uma cratera no espaço que suga toda a força gravitacional escurecendo aos pouco: definição exata de sua alma. No dia que o menino nasceu, ao seu lado a imagem da santa. Assim como nós perdoamos os que nos têm ofendido. Livrai-nos do mal. Era natal: e foi num dia igual a esse que perdera a virgindade. Não gostava de papai noel. Não gostava de barbas. Odiava vermelho. No entanto, o vermelho que escorria entre suas pernas agora era diferente: não tirava de si a inocência. Trazia o seu recomeço. Poderia se reencontrar nesse dia. As lembranças vinham... e agora estava ali, enxugando o terço. Não queria pensar nisso. Olhou o colchão ao lado do seu, foi ali e o acariciou. Ai, que saudades do meu Zé. Que saudade. Nenhuma palavra pode exprimir maior o sofrimento de uma mãe nesse momento. Só quem passou madrugadas esperando transportar o diamante do ventre para a mão e o vê virar cinzas entende. Saudade. O menino iria ser bailarino. Saudade. O menino iria ser médico. Saudade.

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Com saudade, Lucia, o nome de luz, e alma de Lucifer adormeceu. No outro dia, cedinho, o menino sujo da rua bateu à porta. A mulher foi o atender e com vergonha notou que estava sem um pedaço de pão para o dar. Mas ainda tinha alguns biscoitos que trouxera do futuro lixo da casa da patroa. Ela não era de muitas palavras, nem ele. Os olhares, entretanto, falaram. O nome de luz deu os biscoitos ao menino e em seguida, baixou os olhos, ele entendeu que era hora de partir e já estava se virando para ir embora. Algo estranho, porém, ocorreu. Não. O menino não sairia assim. Já que não havia como satisfazer a barriga do menino com o pão, tentaria satisfazer a alma. Contar-lhe-ia uma história. Qual boa criança não gosta de ouvir uma história bem contada? E isso Lucia sabia. Ah..se sabia... não era letrada, mas não precisava de teoria alguma para tocar uma vida. Havia tanto homem letrado, para quem trabalhava, que não a olhava como ser humano. De que vale tanto estudo se não consegue nem ver que por baixo de nossas peles somos iguais, diacho? Hoje, não tinha pão, mas tinha diversão.. - Qual o seu nome, garoto? - Eu não tenho nome não, senhora. - Ora, diacho. Como não tem nome? - Eu sou um lixo imundo. - És o bicho amado.

Bicho carregado, escória da sociedade. Os cidadãos de bem tentavam varrer da rua esses cachorros imundos e sujos.

- Vou lhe contar uma história. Entre. O menino ficou meio assustado com a proposta. Não queria saber de ouvir

nada não. A fome não passa assim. Haveria de achar pão em algum lugar. - Vivo por aí. - Enquanto ainda viver está bom. Não começou com era uma vez. A interrupção não tardou: - Ué, mas balé é coisa de menininha. A mão se endureceu. Aquele rapazinho merecia um soco, diacho. Ele é igual. Todos são iguais! Num ataque de ansiedade, previu esmurrando o menino e aliviando a tensão que tanto retaliou, mas nada fez. Explicou: - Cada ser humano tem que ser aquilo que quer ser- falava sussurrando- Pare com esses pensamentos, menino! Quem coloca isso na nossa cabeça são eles... são eles.... Eles já dizem tudo o que temos que fazer, mandam e desmantam, matam e não desmatam. Percebestes o silêncio?

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Então inventou partes bonitas de uma história que ligeiramente conhecia, e quando iria chegar na parte preferida, tão fantasiada, teve seu enredo interrompido por um barulho de fora. - A senhora ouviu isso? São eles!!! Eles vieram pegar a gente. Tiros. Tiros. Tiros. Eles iriam fazer igual fizeram com o José. Tiro. Eles iriam matar o menino. Tiro. Descobririam que o estereótipo da criança era de marginal. Um sonhava em ser bailarino e depois médico. Outro sonhava com um pão e acordar vivo. Tiro. - Calma, menino! Calma! O menino se desesperava. Não queria morrer de bala perdida. Não queria. E se entrassem ali naquela casa? Já havia sentido isso antes. O nome de luz não deixaria que fizessem isso. Já levaram Zé. Mataram o filho de graça e não pôde fazer nada. Naquela data especial, dia de natal, ninguém faria nada ao menino. Suscintamente, o presente de natal chegou: o reencontro. O menino, apavorado, abraçou dona Lucia e ela não o negou. Ali, não era mais o menino que vinha pedir pão que abraçava: era José. O seu Zé bailarino que curaria os enfermos, que trabalhou e lhe comprou um colchão, que foi morto brutalmente por policiais que não lhe deram satisfação alguma. Foi confundido com bandido. Sempre eram... O garoto achava que se consolava nos braços da mulher, sem mal saber que era ela quem se confortava em seus braços. Rezava ali. Abraçando o menino, sentindo que a hora dos dois chegaria e, aliviada, sentia que dessa vez não ficaria para ter de sepultar o outro (seriam levados juntos) sem que sentissem falta deles, sem que tivessem a morte vingada. A morte pegaria a mão dos dois e os levaria a dançar um balé feito por Zé. Quanto espaço precisa-se para mostrar a imensidão de um abraço? Cessou. Lá fora, os gritos cessaram. Os tiros cessaram. Os olhos abriram. Lúcia e o menino estavam vivos e agarrados um ao outro no colchão que a mãe do futuro médico havia usado tão pouco (pois mataram o garoto naquela semana). O abraço caloroso marcava o reinicio de um vivo natal.

Qualquer palavra, nesse momento, se faz desnecessária, mas ressalta-se o brilho nos olhos e lágrimas escorrendo de ambos. Lúcia percebera que aquela seria uma data para comemorar e desfazer todas as montanhas criadas desde que Zé fora levado.

- Gostaria de dormir essa noite aqui?

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O menino aquiesceu com vergonha. Lúcia, feliz, voltou para a Santa e pediu-lhe mais perdão que nunca.

Retornou para o menino com mais uns biscoitos e deu continuidade a história até que ele adormeceu aos olhos atentos de uma mãe.

Enquanto observava o menino dormindo, vergonhosamente olhou de longe o frasco de veneno ao lado da padroeira. Daquela noite passaria... Perdoai as nossas ofensas e não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos do mal, amém.

Jeferson Douglas Bicudo – Paranavaí (PR) Conheceu o Femup em 2013 e desde então participou treze vezes até 2018 como declamador e poeta. Esse conto foi escrito entre muitas lágrimas e em um momento muito delicado de sua vida. Tem as palavras como alivio para as tristezas que lhe assombram a alma de vez em quando.

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MÚSICAS

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MÚSICAS COMISSÃO JULGADORA

VÂNIA MALAGUTTI – Maringá, PR Graduada em Música - Educação Musical (2007) e em Licenciatura em Artes Cênicas - modalidade Parfor (2014) pela Universidade Estadual de Maringá, Especialista em Educação Especial (2010) pela mesma instituição e mestre em Música - Educação Musical (2013) pela Universidade Federal do Paraná. Professora do Quadro Próprio do Magistério do Estado do Paraná ministrando a disciplina de Artes desde 2009 no Ensino Fundamental e Médio. Tem experiência com o ensino de música na Educação Infantil, Fundamental e ensino Superior. PAULINHO SCHOFFEN - Maringá, PR Músico, compositor e produtor cultural, desde 2017. É responsável pelo projeto Cottonet-Clube - o projeto tem como principal objetivo res-significar o valor da arte e para isso realiza ações e produções em vários seguimentos artísticos. Atualmente ocupa também o cargo de Diretor de Eventos da Secretaria de Cultura de Maringá-PR.

LUÍS BOURSCHEIDT – Curitiba, PR Formado em Educação Musical (2006) e em Produção Sonora (2008) pela UFPR. É também Mestre em Música (2008), pela mesma instituição. Tem experiência na área de educação musical, atuando também como compositor e arranjador de música e editor de som para teatro e cinema. Como músico instrumentista, já acompanhou e gravou com diversos artistas e, atualmente, participa d'A Banda Mais Bonita da Cidade, grupo com o qual já gravou 5 discos e participou de diversas turnês pelo Brasil e pelo exterior. É professor do IFPR - Campus Curitiba desde 2009, atuando nos cursos de Pós Graduação em Educação Musical para a Educação Básica e no Curso Técnico de Produção de Áudio e Vídeo, nas áreas de produção de áudio e desenho de som para cinema.

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MÚSICAS – FASE NACIONAL

Agridoce Lucas de Paula

Intérpretes: Banda Pássaro Vivo Pato de Minas (MG)

Horta Farta Digo Ferreira

São Paulo (SP)

Confetes e Serpentinas Rubia Divino e Erica Silva Intérprete: Rubia Divino

Maringá (PR)

Vem Aline Lessa e Ithalo Furtado

Intérprete: Aline Lessa Rio de Janeiro (RJ)

A Função

Bilora Contagem (MG)

Mana

Juliana Valverde São Paulo (SP)

A mais pura verdade

Grazi Pires e Dejeane Arruée Intérpretes: Banda 50 Tons de Pretas

Porto Alegre (RS)

Roseira Serra Acima Trio

Curitiba (PR)

Do caos a lama Edson Penha e Peter Mesquita

Intérpretes: Joice Terra e Peter Mesquita São Paulo (SP)

Empoeirado

Thiago K. São Paulo (SP)

Dolinha de 20

Alexandre Ministério Lemos e Daniel Conti Intérprete: Daniel Conti

São Paulo (SP)

Câmara Escura Luiza Sales

Intérpretes: Luiza & Pedro Rio de Janeiro (RJ)

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MÚSICAS – FASE REGIONAL

Curita Ernandes

Intérpretes: El Jabuti Paranavaí (PR)

Lugar Nenhum Willian Mattos

Paranavaí (PR)

Som Negro Emanuela Marazzi

Paranavaí (PR)

Normal João Henrique e João Zaia

Paranavaí (PR)

Velho Amigo Bruninho Belilia

Intérpretes: Banda Domínio Livre Paranavaí (PR)

Regresso a casa da Fazenda

Cidão Intérpretes: Cleiton Viola e Cidão

Paranavaí (PR)

Rosa Rainha Qxinho

Paranavaí (PR)

Mundo Banal Thiago Guglielmi

Intérpretes: Montanas Trio Paranavaí (PR)

Positive Vibration

Myojoo Intérpretes: Elemento Principal

Paranavaí (PR)

Toque Oriental Braguinha

Paranavaí (PR)

Comigo Marquinhos Diet Paranavaí (PR)

Baião Paraná Pedro Enrique Paranavaí (PR)

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AGRIDOCE Intro - D, Am7, D, Am7 D, Am7, D, Am7, F, F D D7 (D, Am7, D, Am7) Vem que eu lhe dou um afago D D7 (D, Am7, D, Am7) Um breve silêncio em meio agridoce de um tom D D7 (D, Am7, D, Am7) Vem que a vida nos espera D D7 (D, Am7, D, Am7) Matuta e ligeira com a faca e o queijo na mão Am G (D, D7, D, D7) Ah...e se for pra voltar Am G (D, D7, D, D7) Eu beijo essa boca molhada e te levo pra mim Am G (D, D7, D, D7) Ah...e se for enrascada F F C (D, D7, D, D7) Essa vontade danada tá perto do fim (D, Am7, D, Am7) (D, Am7, D, Am7, F, F) D D7 (D, Am7, D, Am7) Vem que eu lhe dou um afago D D7 (D, Am7, D, Am7) Um beijo na testa e um corte em seu coração D D7 (D, Am7, D, Am7) Vem que a vida nos espera D D7 (D, Am7, D, Am7) Matuta e ligeira com a faca e o queijo na mão Am G (D, D7, D, D7) Ah...e se for pra voltar Am G (D, D7, D, D7) Eu beijo essa boca molhada e te levo pra mim Am G (D, D7, D, D7) Ah...e se for enrascada F F C (D, D7, D, D7) Essa vontade danada tá perto do fim

Lucas de Paula - Pato de Minas (MG) Intérpretes: Banda Pássaro Vivo Lucas de Paula é presidente da Associação Peleja Criaçao Cultural, é produtor do Festival Marreco e foi músico das bandas Vandaluz e O Berço. Músico autodidata é criador e compositor da Banda Pássaro Vivo.

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Digo Ferreira - São Paulo (SP) Músico, compositor, reconhecido por sua identidade musical singular. Em 2016 lançou o seu primeiro CD Renascendo no SESC Sorocaba. Com 17 anos de carreira já tocou ou gravou ao lado de Elba Ramalho, Toninho Horta, Oswaldinho do Acordeon, Bocato, Thiago Espirito Santo, Mestrinho, Arismar do Espirito Santo, Mariana Aydar, Tato Falamansa, Vinícius Dorim, André Marques e Vintena Brasileira, entre outros.

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CONFETES E SERPENTINAS

Tenho uma hipersensibilidade em me envolver Com o subjetivo, distorcido, estranho, esquisito. Tendo a fazer da cagada um drama sem fim Por sujeitos que não merecem minha loucura Com o objetivo de negar todos meus enganos Desci a ladeira do impar pra ser par Em um dia quente, como outro o sorriso me veio. Entre serpentinas e confetes me rasguei. A tarde ta linda, som ta massa A rua estreita beira o cais Os olhos passeiam, o perfume inebria. Sorte de a mão cadê meu par (2x) A quarta ta cinza Eu me perdi Me perdi de mim Nessa coisa de affair de carnaval Entre encontros e desencontros Só ilusão Subo a ladeira, não quero mais brincar. Subo a ladeira, não quero mais brincar. Subo a ladeira, não quero mais brincar.

Rubia Divino e Erica Silva Intérprete: Rubia Divino - Maringá (PR) A cantora e compositora carioca de pé vermelho saúda a diáspora brasileira, carregando consigo algo muito precioso: A força, a espiritualidade, a voz e o caminho. Uma mulher negra em uma oportunidade de mostrar o quão importante e responsável é carregar o legado da música preta brasileira, a partir de seus olhos e vivências.

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VEM

Am7 No atlas do seu corpo, um quarto escuro F Me fez queimar os mapas, ir a fundo Dm7 Am7 E seguir por labirintos A#7 Am7 E ferir os meus instintos F E7 Onde enfim serei preciso? Na sombra do que fui Já nada basta Qualquer presságio falha em sua falta Dormir é tão difícil Difícil te esquecer Am7 F Vem, me deixa confusa Dm7 E7 Em que parte sua eu vou ficar bem? Am7 F Vem, descansa seus fardos Dm7 Me mostra um pecado E7 Dm7 Cm Onde eu possa repousar também Bm Am Também Na sombra do que fui Já nada basta Qualquer presságio falha em sua falta Dormir é tão difícil Difícil te esquecer Vem, me deixa confusa Em que parte sua eu vou ficar bem? Vem, descansa seus fardos Me mostra um pecado Onde eu possa repousar também Também

Aline Lessa e Ithalo Furtado - Rio de Janeiro (RJ) Intérprete: Aline Lessa. Aline é Musicista nata, multi-instrumentista, compositora e cantora. Com sua 1ª banda, Tipo Uísque, lançou dois EP\'s pela Gravadora Som Livre. Em 2014 começou a trabalhar em canções diferentes se entregando às infuencias caseiras e serestas que ouvia com seu pai. A estas, uniu seus estudos de violino e piano, para dar à luz em 2015 ao seu 1º álbum solo. Chamou atenção da gravadora. Biscoito Fino, com quem assinou contrato para lançar seu segundo disco, "Hoje Falo Por Mim", em 2017.

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A FUNÇÃO Intro: E E B7 E B7 E Era um quê de quadras no canto B7 E Contracantos de carinhar B7 E Era tanto que não deu tempo A E B7 E De ver o tempo correr de lá B7 E Dona Rosa rezava pouco B7 E Pelo tanto que já sofreu B7 E Quando Quinca fez a requinta B7 E Terreiro inteiro se estremeceu E7 E Deu no bico e dois na embigada E7 E Diz que um deles quis indoidá E7 E Deus acuda! Juca Viola A E B7 E e Noca Pandeiro vão imbolá (E) (E B7) A bala abala o belo embola o dia Embalo na melodia pra poder desembolar A bela bola um beijo embala o dia Eu bolo a melodia pra também embelezar A Vento ouviu da ladeira E Deu sinal na roseira B7 E Uma rosa na minha mão A Numa noite faceira E Versos de lua cheia B7 E Uma vida inteira na canção (somente viola) Quando o dia clarear Deixa virar Segue o vento na função Voa, gente amor é sol nascente em comunhão

Bilora - Contagem (MG) São 4 discos gravados, o mais recente “Balanciô”. Foi o 3º lugar com a música "Tempo das Águas" no Festival da Música Brasileira de 2000, organizado pela Rede Globo. Em 2012, o seu cd “Balanciô” recebeu o prêmio Rozini de Excelência da Viola Caipira como Melhor cd de Viola do ano. Em 2011 fez show em Buenos Aires – Argentina, pelo “Música Minas Intercâmbio Internacional”.

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MANA Mana, já lhe mataram? Mana, eu já morri muitas vezes Mana, mana Mana, me dê a mão Mana, temos o chão E a obrigação de não parar de andar Resistir é seguir Não vai ter mais morte viva, mana nenhuma palavra a menos a mais que a nossa fala em paz não só seja ouvida, mas vire memória viva do tempo

Juliana Valverde - São Paulo (SP) Compositora, cantora e poeta. Graduou-se em Letras (PUC-SP), formou-se em Canto popular (ULM), especializou-se em Literatura (ISE-Vera Cruz) e hoje é mestranda em Crítica literária (PUC-SP). Ao lado do grupo Ôctôctô, interpreta canções próprias e de Julio Valverde em shows do projeto Saveiro. É autora dos livros de poesia “Mindinho maior de todos” (2017) e “Entre dois ou mais espaços brancos” (2018). Atualmente prepara seu primeiro CD autoral.

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A MAIS PURA VERDADE Preta Olha onde você chegou Pois um dia acreditou Que a vida ia sorrir pra ti Preta Quantas vezes em transição Os olhares de negação Da tua cor, da tua raça da tua voz Mas Preta, Agora chegou tua vez A história que você fez Entre lágrimas, lutas, turbantes e anéis Preta, Buscou na tua ancestralidade A mais pura das verdades Pra se reconstruir Preta Da tua voz os sons Da tua pele os tons De uma nação inteira. Solta esse cabelo black e vai onde quiser Respeita a minha herança, eu sou guerreira, sou mulher ´cê ri do meu sorriso, ´cê ri do meu cabelo Somos 50 tons de povo brasileiro

Grazi Pires e Dejeane Arruée - Porto Alegre (RS) Intérpretes: Banda 50 Tons de Pretas Dejeane: formação musical: Escola Conservatório De Música Ospa e Graduação: Licenciatura em música. Grazi Pires: Musicoterapeuta Cantora de MPB, samba e Pop Rock interacional fez sua carreira tocando em Projetos Acústicos.

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Emiliano Pereira – Serra Acima Trio - Curitiba (PR) O Serra Acima Trio formou-se no início de 2012, com a direção musical do renomado violeiro Rogério Gulin e tem como integrantes: Emiliano Pereira, João Triska e Junior Bier. Por meio da formação inovadora de um trio de violas, o grupo busca uma identidade única, conjugando elementos das tradições da música erudita às concepções e influências da música instrumental e folk.

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DO CAOS A LAMA As dores de seus ais é o que restou Escorrendo lentamente pelos vales Que um dia foram verdes Que eram belos, a quem fale O que restou disso doutor? Não dá nem pra descrever Das mil cores e matizes, monocrômico Marrom-sangue, pandemônio Não tem um que não se zangue Que não diga: trambiqueiro! Esperamos que um dia seu doutor Eles dobrem seus joelhos Diante de um criador raivoso Diante de um Deus bem rigoroso Pois aqui a lei dos homens Não vale para cobrar Aqueles que nunca assumem Que pra ter vale arrasar Diante de um Deus firme e justo E que multiplique os custos Pois aqui a lei dos homens Não vale para cobrar Aqueles que nunca assumem Que pra ter vale matar Refrão Da lama ao caos Do caos a lama Um só grito, voz que clama Por justiça que inflama Triste história e sem fim Brumadinho e Mariana

Edson Penha e Peter Mesquita - São Paulo (SP) Intérpretes: Joice Terra e Peter Mesquita Compositor, instrumentista e produtor musical, Peter Mesquita é formado pela Emesp Tom Jobim, já trabalhou com nomes como Simoninha, Jairzinho e P. Fabio de Mello. Já realizou trabalhos nacionais e internacionais, voltando recentemente de uma produção feita na Noruega. Edson Penha é produtor do grupo Nhambuzim, vocalista, compositor e mestre em Geografia pela USP.

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Empodeirado

G A flor caída C G C Escondida na semente G O olho d´água C G C Vendo o mundo pelo rio Em Passou depressa A7 Em A7 O tempo é o bote da serpente C Calor de gente D7 G Derreteu tremor de frio G A despedida C G C Disfarçada no encontro G Boca da noite C G C Soletrando o amanhã Em Veio ligeiro A7 Em A7 O tempo é o raio natimorto C Um olho gordo D7 Em Ou uma estrela guardiã C D Em Quem não voltou C B7 C Deu motivo pra lembrar C D Em Empoeirou C B7 C D7 Tempo passa sem passar Buquê de vinho Reservado na videira O pé de vento Tropeçando por aí Num breve tempo O tempo é só o tempo inteiro Um companheiro Sem ninguém com quem sair O beijo doce

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No amargo da saliva Dedo de moça Apontando uma saída Novo ambiente O tempo é um golpe de vista Piscar de olhos Roda o filme de uma vida.

Thiago K. - São Paulo (SP) Thiago K é um cantautor paulistano que tem dois discos gravados. O primeiro "Em meio a tantas possibilidades de morte, me peguei pensando na vida", lançado em 2015, foi eleito um dos 100 melhores discos do ano. O segundo "Quando o grito enfim chegar", será lançado em novembro de 2019. Além disso, o compositor já foi premiado em inúmeros festivais de música pelo país.

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Alexandre Ministério Lemos e Daniel Conti - São Paulo (SP) - Intérprete: Daniel Conti Daniel Conti - Lançou em 2016 seu primeiro álbum, “Estadia” - considerado um dos 100 melhores discos do ano pelo portal Tramp. É graduado em Violão Popular na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cursou canto popular na Universidade Livre de Música (ULM, atual EMESP) e fez pós-graduação em Canção Popular pela Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Alexandre Lemos é compositor com mais de 150 canções gravadas, por inúmeros intérpretes e parceiros, entre eles Ney Matogrosso, Renato Teixeira, Sergio Reis, Marjorie Estiano, Ceumar, Celso Viáfora e MPB4.

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CÂMARA ESCURA A melhor versão dos fatos Não passa na televisão A vida além do retrato Não cabe na revelação A câmara escura do mundo Inverte tudo o que se vê O enquadramento oportuno Recorta o melhor de você A verdade não vai se vestir Com a roupa que você lhe der A verdade inconteste É aquela que se despe Aos olhos de quem não quer Mesmo já estando fartos Queremos mais uma porção Outra coleção de dados vazados Em exibição Se as aparências enganam, Aumenta a exposição Verdades da última hora Em vasta distribuição A verdade não vai se vestir Com a roupa que você lhe der A verdade inconteste É aquela que se despe Aos olhos de quem não quer Corta, corrige, colore, controla Impecável edição Filtra, satura, distorce, e agora? Pronto pra publicação A verdade não vai se vestir Com a roupa que você lhe der A verdade inconteste É aquela que se despe Aos olhos de quem não quer

Luiza Sales - Rio de Janeiro (RJ) Com dois CDs solo lançados -"Breve Leveza", em 2012 e "Aventureira", em 2015 - a cantora e compositora carioca Luiza Sales recentemente lançou o EP "Gostaria te Encontrar", em duo com o pianista Pedro Carneiro Silva. O duo "Luiza & Pedro" realizou mais de 30 shows passando por 6 países da Europa em 2018. Luiza foi também professora de canto em Nova Déli - Índia, em 2017.

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CURITA Intro (C Am C Am E G E Am C Am C ) Luz, aqui, vai mofar. C6/9 Am Em Curita abre sol. E7 G Vento frio, mas abre sol Em G Ninguém vai botar biquíni, não. Em G Em Curita não é pra tanto, não. C5+/9 Am Põe casaco no varal E7+ G E aproveita o dia bom. Em G Na alameda da consolação Em G Cai a noite sem constelação. Refrão C C7+

E vai fluir F#-5/7 G#o Para um mar de mágoas, C C7+ F#-5/7

Só serenando canções G#o Mofadas. Está em ruínas Num lar de vagal Adentra a noite Nas almas vagas Intro (C Am C Am E G E Am C Am C ) – do início Nostalgia vem daqui, Alivia a solidão. Lobas passam no passeio sem Autorização, tá tudo bem. Nuvens vêm e vão e vêm. Umidade é tudo bem. Em quinze minutos, calçadão, Chove, frio ou sol tá tudo bom. Refrão

Ernandes - Paranavaí (PR) Intérpretes: El Jabuti Ernandes estuda música desde os seis anos de idade e sempre foi apaixonado por música, poesia e arte. Formou-se em Letras pela UEM e trabalha como professor de Língua Portuguesa na rede estadual e particular. Estudou música na Escola de Música e Belas Artes, atual UNESPAR.

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LUGAR NENHUM INTRO - G F G G Veja só como eu estou Não sei bem, mas sei que estou F Cansado de dizer G Tantas bobagens G E eu digo sinceramente Não sinto mais F O fogo ardente que vai G Dentro do coração G De um jeito inconsequente Eu vivo a me afogar F Profundamente num mar G Feito de ilusão Dm G Faz tanto tempo que eu me sinto assim Dm Um dado viciado a rolar G Num jogo de azar que nunca vai ter fim G E eu tento seguir em frente Correndo devagar F Por um caminho a levar G Talvez a lugar nenhum G De um jeito indiferente Doente a desejar F O beijo quente de arriscar G Viver a não ser comum

Willian Mattos - Paranavaí (PR) Músico, compositor e produtor musical. Em 2016 criou o seu projeto Kanis e lançou o seu primeiro trabalho: o EP Parceiros, Amigos, Amores. Em 2017 ganhou o seu primeiro FEMUP com a música “Pra Trás” e em 2018 levou outra "barriguda" com a faixa “Quem Pegou Você”. Nesse momento Willian está lançando o seu primeiro álbum como artista solo "Realizando Sonhos Que Não São Seus".

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SOM NEGRO

O tom da minha pele vai pairar O tom da minha pele vai abrir Uma luz no fim do túnel pra eu passar O tom da minha pele vai pairar Porque a minha cor é normal O que não é legal É o teu preconceito Não grita comigo Me olha direito, me olha direito. Me diz de qual planeta você nasceu Que você pode ser você mas eu não posso ser eu Porque minha cor é escura mais escuro é o teu coração Me diz de qual planeta você nasceu Que você pode ser você mas eu não posso ser eu Mas eu vou ser eu e agora sou eu Porque esse som é som negro Negro, negro, negro, negro.

Emanuela Marazzi - Paranavaí (PR) Compõe desde os 8 anos de idade e começou a cantar profissionalmente com 15 anos. Premiação de 1º lugar no Festival Festivoz e no Festival Fespin. Premiada no Festival Femup 2018 e participação especial em Homenagem ao dia da mulher. Atualmente trabalho em uma empresa de shows, componho e participo de festivais e eventos.

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NORMAL

Intro: Bm G

Bm Vamo nessa gente boa GQue isso tudo é normal, é normal Bm Meu caminho G Meu destino Bm Conchas firmes GOndas livres Bm Em louco céu G A Em mar Am D Tudo é normal G D9/F# Em Ô gente simples sente aqui Am D Pessoas caminhando G D9/F# Em Sem saber pra onde ir (vocalização) Am D G D9/F# Em Am D G F# G Em Am D G

João Henrique e João Zaia - Paranavaí (PR) Intérprete: João Henrique Advogado, músico. compõe desde 1988. Nascido em João Pessoa, já participou de diversos FEMUP. Já tocou nos Barzinhos de Paranavaí e hoje compõe canções gospel.

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VELHO AMIGO

Intro: G - C/E - D/F# - G – Bm(5+) – Am4 – Am4(9) – Am4 – G – G9 – G – C – G – C G C G Se as cordas pudessem contar

C G Dos sorrisos e das lágrimas

C G As lembranças jamais se vão

C D Quando a viola toca aquela canção

G C C9 C D Que me leva a ir onde eu tenho paz D G C Me faz sentir que eu sou capaz

REFRÃO C9 G/B G/A G

Você que sempre me guiou D Em

Velho amigo me ensinou Em/F# Em/G Em/A Em/B

C9 G Tua partida não deixou

D G C G C G Me esquecer, do que ficou

G C G E se minha voz pudesse alcançar

C G O passado pra me recordar

C G Naquela mesa com seu violão

C D Agora toca um samba no meu coração

G C C9 C D Que me leva a ir onde eu tenho paz D G C Me faz sentir que eu sou capaz

REFRÃO C9 G/B G/A G

Você que sempre me guiou D Em

Velho amigo me ensinou Em/F# Em/G Em/A Em/B

C9 G Tua partida não deixou

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D G C G C G Me esquecer, do que ficou D G C C9 C D Que me leva a ir onde eu tenho paz D G C Me faz sentir que eu sou capaz

Bm6(9) C6 Velho Amigo Em/C Em Em/C Em Em/C Em Esteja onde estiver Em/C Em Em/C Em Em/C Em (2x)D Sigo os passos que quer

Bm6(9) C6 Velho Amigo Em/C Em Em/C Em Em/C Em Esteja onde estiver Em/C Em Em/C Em Em/C Em (2x)D Sigo os passos que quer

REFRÃO C9 G/B G/A G

Você que sempre me guiou D Em

Velho amigo me ensinou Em/F# Em/G Em/A Em/B

C9 G Tua partida não deixou

D G C G C G Me esquecer, do que ficou

Bruninho Belilia - Paranavaí (PR) Intérpretes: Banda Domínio Livre Bruninho Belilia é guitarrista e um dos compositores da banda Domínio Livre. Já participou de outras edições do FEMUP como instrumentista e teve a composição Naú(Frágil) selecionada na categoria Regional em 2018. A banda Domínio Livre conta com Núbia Rafaela, Arthur Bellanda, Douglas Batista, Ginaldo Baldo e Paulo Oliveira que contribuíram nos arranjos da gravação.

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REGRESSO A CASA DA FAZENDA

Ao regressar a casa da fazenda o quanto mudou

Passou por reformas e pinturas novas a casa ganhou

Olhei pro quintal, vi que os frutos cresceram, também floreceram e até madurou

Foi ai que senti que eu envelheci e o tempo passou.

Na fazenda moravam quarenta famílias, até parecia uma procissão

Com enxada nas costas subiam pra roça, também trabalhavam em grande mutirão

Coviaro e plantaram e também lenharam mais de duzentos mil pés de café

Foi com muita luta e um tal sacrifício para manter nosso Brasil de pé

Na colônia extistia duas vendinha que atendia a povoação

Quando a tarde caia e a noite chegava à luz que acendia era de lampião

Lembro-me da escolinha e da professorinha que me ensinou o beaba

Não me sai da lembrança o meu tempo de infância jamais voltará

Até hoje existe na beira da estrada a capela de tábua hoje é de alvenaria

Todos domingos rezavam a missa em ação de graça a Deus nosso Pai e a Virgem Maria

Também agradeciam pela família, pela saúde, e o pão de cada dia, pelo céu e as estrelas, pela chuva mansa, e um sol de um novo dia.

Cidão - Paranavaí (PR) Intérpretes: Cleiton Viola e Cidão Baterista – já participou de vários programas de televisão de âmbito nacional e regional, esta gravando seu segundo cd de música raiz sertaneja.

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ROSA RAINHA

F7M F6 O mundo será mais bonito Em5/7 A7 Bem mais gloriosa vida Dm7 Buscando o amor e o infinito Cm7 F7/9 O perfume da rosa querida

Bb7M Bbm6 Oh! Bela rosa

Am7 D7/9 Quem te fez tão bela assim Gm7 C7 Esqueço os espinhos que trazes Am5b/7 D7 Rosa façamos as pazes Gm7 Am7 Me traz teu carinho Bb7M C7 F7M D7 Que é tudo que eu quero pra mim

Gm7 C7 Singelo perfume me faz reviver

Am7 D7 Alegrias sinas com a mocidade

Gm7 C7 Terna simplicidade me leva a crer

Cm7 F7/9 A plena certeza de felicidade Bb7M Bbm6 Sorri na janela rosa Am7 D7 Seja primavera rosa

Gm7 Am7 Bb7M C7 F7M Sou cravo e és rosa rainha do meu jardim

Qxinho - Paranavaí (PR) Proprietário da Escola de Música Pixinguinha, participa do Femup desde 2006.

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MUNDO BANAL

(G#m)

Se você quer sair deste mundo banal Sai de cima, dessa sina Do seu preconceito E viver, nessa vida Quase sem memória Quanto mais existir consciência solte as amarras do pensamento

Queira não reprimir o que importa pra mim Com mentiras, e falácias E jurisprudências E essa marra, nessa farda Esqueça a honra ao mérito Quanto mais existir consciência solte as amarras do pensamento

Estou com meu coração sem bandeiras Estou com meu coração sem fronteiras Não quero restrição aduaneira Me deixa passar

Thiago Guglielmi - Paranavaí (PR) Intérpretes: Montanas Trio Trabalha com música desde 2007, já tendo participado e lançado discos com o Montanas Trio, Inner Giants, Kanis e agora encabeça os projetos Guglielmi Blues e FreeJazzNoFingers. Já se apresentou por vários estados do Brasil e Uruguai, com participações em festivais de renome. Aos 28 anos, o músico e compositor reside em Paranavaí e segue atuando em várias frentes musicais.

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POSITIVE VIBRATION

(D B C#m G#m)

Quantos te humilharam? Quantos te ajudaram? Faça as contas de quem está do lado! Fazer o bem a quem? Sem mal a ninguém, eu to esperto sai fora meu bém! Coração flagelado, poeta atordoado, cada um é cada um então respeite o meu espaço! Processo do progresso tá parado, a constituição avisou que é só papel e não vale nada! Muitos deixaram de lado sua estrada, minha boca já está seca e continuo na parada! É um processo elementar meu caro, que está na missão, na contenção parceiro!

Positive vibration! É firme e forte sempre com os meus irmãos!

Olhe para frente e tenha suas opiniões, neste sistema de vermes e leões! Onde ninguém sabe de verdade as intenções, é um jogo marcado bobeou não leva boi! Mostro pra vocês como é que fiz como é que sou, minha rima é diferente, mas mantém sangue no flow! Desde pequeno essa foi minha profissão, na real música pra mim é mais que vender show! Faço de verdade, isso aqui é sem maldade, tudo o que escrevo é pura necessidade, de mostrar que a cultura suburbana só cresce a cada dia bem longe de sua gana! É um processo elementar parceiro!

Positive vibration! É firme e forte sempre com os meus irmãos!

Eu vou que vou, pelego sonhador viajando na loucura de Dalí meu salvador! Sem stress na moral, com o elemento principal, na estrada todo dia isso é tão surreal! Mas cadê? O cauê? Peraí to em SP! To na vibe positiva com os irmãos só de rolê! Pode pá, na lapa, o começo da jornada, anunciada abençoada e bem longe do fim!

Positive vibration! É firme e forte sempre com os meus irmãos!

Myojoo - Paranavaí(PR) Intérpretes: Elemento Principal Guilherme Myojoo é compositor e vocalista da banda Elemento Principal onde participaram de outras 3 edições do FEMUP, dos festivais WebFestValda, SP Music Festival, Paraíso do Rock entre outros. A banda lançou seu EP de estréia em 2014 com 6 faixas e em 2017 lançou seu primeiro álbum com 10 faixas, incluindo uma ao vivo no Circo Voador-RJ.

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Braguinha - Paranavaí(PR) Professor de música. Músico integrante de vários grupos musicais, entre eles Gralha Azul, Bola de Meia, Rio Acima, Cidadãos Dançantes, Sertania Nordestina, Grupo de Choro Pixinguinha e outros. Atualmente exerce a função de professor de acordeon em Paranavaí e Planaltina do Paraná.

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COMIGO

É importante para mim Ficar momentos a sós comigo Voltar meu pensamento ao infinito Eu necessito

Eu quero estar em paz Com meu coração sem rancor E conservar-me assim Quando abrir meu leque por aí

Quando a flecha que voa de dia Ou a epidemia que ronda no escuro Vier me visitar Eu estarei seguro.

Marquinhos Diet – Paranavaí (PR) Músico e compositor. Toca na noite, participante de vários Festivais pelo Brasil.

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Pedro Enrique - Paranavaí (PR) Toca guitarra desde os 12 anos de idade. Está morando há 15 anos em Paranavaí. Veio de São Paulo para trabalhar com música.

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DECLAMAÇÃO

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DECLAMAÇÃO COMISSÃO JULGADORA

DO 26º FESTIVAL ZÉ MARIA DE DECLAMAÇÃO

CAMILA LEMES – Paranavaí, PR Formada em História pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) – Campus Paranavaí. Graduanda de Pedagogia e pós em Métodos de Ensino. Atua como Contadora de Histórias nas Bibliotecas e atividades gerenciadas pela Fundação Cultural e na Rede Municipal de Ensino.

JANIELE DE CARVALHO NUNES – Paranavaí, PR Cursou Letras (Português/Inglês) pela Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR - Campus FAFIPA. Entre suas diversas atuação no campo das Artes participou do grupo Cia Oficina e Cia Aldeola. Atua como atriz e professora de português na rede pública.

PRISCILLA MARQUIS PEREIRA – Paranavaí, PR Bacharel em Psicologia pela UEM e em Artes Cênicas pela FAP. Especialista em Educação Especial (ESAP) e Saúde Mental (UEM). Formação em Terapia Comunitária (UFPR). Atuação em espetáculos como “Baal” de Bertold Brech, “Jozú” (adaptação) de Hilda Hilst e “Farfalhos” de criação coletiva na pesquisa de palhaças. Operou na iluminação e sonoplastia do espetáculo de dança “Maianita” e da peça “O Guarani” durante o Comboio Cultural do Circo Teatro Sem Lona. Hoje integra o grupo voluntário Médicos do Humor com a Palhaça Pétala, é Psicóloga clínica e de uma instituição municipal de ensino infantil e fundamental I.

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DECLAMADORES

JEFERSON DOUGLAS BICUDO Professor de português, literatura, redação e teatro, tem a poesia como seu escape. Participa nas categorias declamação, poema e conto, mas declamar é o que o deixa mais ansioso e cada ano se vê mais desafiado ao subir ao palco. Declama: “Flores de Chumbo”, de Francisco Guilherme. Santo André (SP).

DANIELA BONETTI SIMONETTI Atriz, poeta, declamadora. Graduada em Direito pela Unipar Universidade Paranaense. Integrante do grupo GT Artes Cênicas. Presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Paranavaí e representante do segmento Artes Cênicas pelo mesmo conselho. Membra da Academia de Artes e Letras de Paranavaí. Declama: “(de) compondo a anatomia de acusações compostas”, Jeferson Douglas Bicudo. Paranavaí (PR).

AMAURI MARTINELI Bacharel em Administração de Empresas pela Unespar. Ator, Diretor Teatral e Diretor de Produção pelo SATED/PR. Recebeu o diploma "Fazenda Velha Brasileira" pelos relevantes serviços prestados à coletividade paranavaiense. Realizou a direção e produção de diversos projetos culturais aprovados em Leis Estaduais e Federais. Declama: “poemas não sabem esperar”, Giuseppe Caonetto. Paranavaí (PR).

RAIZA MEDEIROS Começou a fazer teatro aos 10 anos. Classificou-se em primeiro lugar no primeiro poetizando, realizado pela escola CAIC. Aos 17 integrou o Núcleo Teatral da Vila. Classificou-se entre os melhores declamadores em 2011. A partir de 2012 passou a declamar individualmente e vem se classificando entre os 12 melhores desde então. Declama: “Caixa de míudezas”, Eduardo Carvalho. São Paulo (SP).

GABRIEL TREVISAN Estudante, tendo declamado já algumas vezes no Festival Zé Maria de Declamação e pela segunda vez participa do FEMUP. Declama: “Bosque de Esperanças”, Nando Nogueira. Jundiai (SP).

LUCIANA GUEDES Contadora de Histórias, atriz, produtora cultural, diretora teatral. Graduada em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná. Declama: “Memórias de Vila Sevira, I”, Lao Bacelar. Belo Horizonte (MG).

VAL BARBOSA 50 anos. Trabalha com publicidade e locução de Rádio. Neta e mãe de declamadores. Cursando Capacitação em Educação em aúdio e vídeo. Uma palavra pra resumir sua vida - Resiliencia. Declama: “Dois Sóis”, de João Romário F. Filho. Fortaleza (CE).

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FELIPE GOMES Me considero uma criatura amorfa e mutável, de encontro sempre me apaixonei pela arte em todas as suas formas e o conhecimento seja ele empírico ou cientifico. Faço teatro há três anos na Universidade Paranaense – UNIPAR . Cursando o 3º ano de Arquitetura na mesma. Em tudo busco ser a melhor versão que posso apresentar e ao mesmo tempo olhar a todos com os mesmos olhos sem julgar. Declama: “O Carrossel das horas”, de Solidade Lima. Feira de Santana (BA).

GIOVANNI GIMENEZ 22 anos. Ator e integrante do grupo de teatro arte acadêmica. Último ano de graduação no curso de arquitetura e urbanismo. Quinto ano participando do festival Zé Maria de declamação e terceiro ano consecutivo participando como declamador no FEMUP. Declama: “licões de uma classe”, de Adriano Cirino. Belo Horizonte (MG).

RAFAEL SCHINDLER 19 anos, acadêmico de engenharia química, ja fez a peça "O Homem Que Calculava" com o grupo GTFIM do Sesc e "A menina e o Vento" com a Oficina de Teatro da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade. Já participou de duas edições anteriores do FEMUP na categoria declamador e se sente realizado em estar mais uma vez no festival. Declama: “Inspiração”, André Paulo Gabriel. Juiz de Fora (MG).

JHONATAN AGUIDO Amante da arte, participando de algumas edições do femup desde 2006, sendo realmente amante desse festival. Como eu sempre digo “A arte corre em minhas veias”. Declama: “As Palavras”, Helder Louis Rodrigues. Curitiba (PR).

LÍVIA MICHELETTI Danço a mais de 10 anos, atualmente no Corpo de Ballet Tayna Mateus, onde participei de diversas competições e festivais. Faço teatro há quatro anos na Universidade Paranaense – UNIPAR. Cursando o 3º ano de Direito na mesma. Participei do grupo de teatro do Colégio Marins com parceria do Sesc 2009/2011. E atualmente, tenho o quarto ano de participação como declamadora no FEMUP. Declama: “Florbela Espanca”, Felipe Figueira. Paranavaí(PR).

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LEITURA DRAMÁTICA

DOS CONTOS

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LEITURA DRAMÁTICA DOS CONTOS

Grupo Pausa Para o Riso Jéssica Marinho, Karina Lima, Rebeca Caroline dos Santos

O Grupo Pausa Para o Riso é um grupo voluntário que atua com humanização hospitalar, os integrantes fazem visitas quinzenais para a ala pediátrica da Santa Casa de Paranavaí, o grupo é atuante na cidade desde 2004, inicialmente com o nome Amigos do Riso e atualmente Pausa Para o Riso. LEITURA: SOBRE A VERDADE (E OUTRAS MENTIRAS) de Roberto Gonçalves.

Arte acadêmica – UNIPAR Roberto, Lindsay, Anara, Vitoria e Cristofer

O grupo de teatro tem a finalidade de promover a arte e a cultura aos universitários, tendo como um dos resultados a interação entre cursos e voluntários. LEITURA: ALECRIM de Ronaldo Ventura.

Cia. Rouxinol de Teatro Maria Salete, Ana Paula Máximo, Stefania dos Santos, Carol e Cidalina Moderno

A Cia. Rouxinol de Teatro iniciou suas atividades em agosto de 2018. Desde então mantêm seus ensaios semanais trabalhando diversas técnicas teatrais e vivenciando a arte do encontro e do fazer teatral, atuam com declamações de poesias, montagem cênicas e contação de histórias. LEITURA: SEDE de Helder de Araújo.

Grupo da oficina de teatro Fatecie Max Ketlyn Barbosa, Maria Julia Shiroshima, Yasmin de Melo, Andyeline Vicentes, Jeferson Douglas Bicudo.

Os alunos representam uma parte dos declamadores, leitores e escritores da escola Fatecie Max. LEITURA: ANAS de Greg Gabriel.

Coletivo Gaia Rosi Sanga, Karina Lima, Adriana Prado, Jane Carvalho

O grupo é composto por atrizes que iniciaram em 2019 um estudo de proposta cênica sobre o feminino. LEITURA: MARIA AGÔNIO de Maurício Witczak

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Arte universitária – UNIPAR Amanda, Tati, Thamires, Nayele e Fabio

O grupo de teatro tem a finalidade de promover a arte e a cultura aos universitários, tendo como um dos resultados a interação entre cursos e voluntários. LEITURA: O SERTÃO DE SEVERINO, O SERTÃO DO PATRÃO de Raquel Pagno.

GT de Artes Cênicas Danny Bonetti, Graciele Rocha e Gabriela Fujimori

Coletivo de Estudos Cênicos composto por atores de Paranavaí que se dedicam ao fomento das artes cênicas no município. LEITURA: O SERMÃO: UMA SÚPLICA À MONTANHA de Jeferson Douglas Bicudo.

Era uma Vez - Fatecie premium Rayani Segantini, Maria Eduarda, Marcos Fontes, Ana Helena, Geovanna de Carvalho

Grupo ligado ao Femup desde o ano de 2016, apaixonados por leitura e poesia. LEITURA: A VIDA DAS IMAGENS MORTAS de Rômulo César Melo.

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AGRADECIMENTOS

Prefeitura de Paranavaí

Carlos Henrique Rossato Gomes - Prefeito

Américo de Castro – Secretário de Comunicação Social

Secretários Municipais

Servidores Municipais que direta ou indiretamente estão envolvidos com a realização do FEMUP

Conselho Municipal de Política Cultural

ALAP - Academia de Letras e Artes de Paranavaí

GT de Artes Cênicas

Grupo Gralha Azul

Grupo TEP – 50 anos

RPC - Rede Paranaense de Comunicação

SESC - Serviço Social do Comércio

Tiago Beckheuser – Zazulê

Equipe de Colaboradores, estagiários e prestadores de serviço que atuam para a Fundação Cultural

Banda de Apoio: Luciano Torres (trombone), Márcio Souza (trompete), Mateus Gonsales (Piano e teclado), Arnaldo Santos (Violão e Guitarra), Renan Oliveira (Contrabaixo), André Lauer

(Bateria), Adriano Martins (Percussão).

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HINO DO FEMUP Luzes que emanam do alto Iluminam nobres ideais São Jovens que querem crescer E um dia hão de vencer Nosso festival se expande Projeta talentos, brados culturais

Pois seu campo de batalha é a cultura Poemas e canções, de corações a sonhar O FEMUP é um festival Que há de sempre brilhar mais Nossos Jovens são assim Decididos a vencer

Letra: Cleuza Cyrino Penha Música: Carlos Cagnani A letra foi atualizada em 1996

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FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ

Prefeito Municipal Carlos Henrique Rossato Gomes

Diretor Presidente Rafael Lucas Torrente

Diretora Geral Rosi Sanga

Divisão de Desenvolvimento Cultural Jesus Soares

Divisão de Equipamentos Culturais Maurício Bana

Departamento de Eventos Mariana Amaro dos Santos

Agente Administrativo Cássia Ribeiro de Souza

Esmeralda de Oliveira

Agentes de Conservação e Serviços Gerais Charlene Pinheiro

Stefania dos Santos Elisângela Araújo

Sueli Matias Lopes Juraci Pereira de Carvalho Luís Francisco de Oliveira

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FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ

Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa

Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade

Museu Histórico, Antropológico e Etnográfico de Paranavaí

Bibliotea Municipal Júlia Wanderley

Biblioteca Cidadã Boulivar Penha

Rua Guaporé, 2080 - Cx. P. 511 CEP 87705-120 Paranavaí-PR (44) 3902 1128

[email protected]

www.paranavai.pr.gov.br

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