Literatura Mahmundi Kleber de cordel “Quero que a Mendonça ... fileA identidade de uma...

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Literatura de cordel Uma tradição revolucionária e transformadora. Kleber Mendonça Filho O diretor de Aquarius fala sobre seu trabalho e suas referências. Uma revista da Blooks Livraria blooks.com.br Julho/Agosto 2016 Edição gratuita Mahmundi “Quero que a minha música seja a trilha sonora da vida das pessoas.”

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Literatura de cordel Uma tradição revolucionária etransformadora.

Kleber Mendonça FilhoO diretor de Aquarius fala sobre seu trabalho e suas referências.

Uma revista da Blooks Livraria

blooks.com.brJulho/Agosto 2016

Edição gratuita

Mahmundi“Quero que a minha música seja a trilha sonora da vida das pessoas.”

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A identidade de uma publicação está no diálogo com seus leitores. Esse é o jeito Blooks de ser e nossa revista não poderia ter outra cara. Cada página é feita com gente boa que explora novos cenários e aponta direções. Literatura de cordel, erotismo, K-Pop e outros assuntos agitam a pauta dos nossos colaboradores. Oferecemos espaço de resistência para você que conversa, debate, concorda e discorda, sempre aberto ao indivíduo e às suas singularidades. Uma revista impressa para resistir também ao tempo em plena era digital que faz tudo parecer efêmero. Resista com a gente!

editorial

Editoras Camilla Savoia

Taissa Reis

Projeto gráfico Retina 78

Capa e diagramação Guilherme Costa

Artes originais da capa J.Borges

Revisão Cindy Leopoldo Rocino Crispim

Impressão Bangraf

Conselho editorial Ana Claudia Souza

Camilla Savoia Christiano Menezes

Elisa Ventura Taissa Reis

Toinho Castro

Matérias e sugestões de pauta [email protected]

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Rio de Janeiro Espaço Itaú de Cinema – Botafogo Praia de Botafogo, 316 Telefone: (21) 2237-7974

São Paulo Shopping Frei Caneca – Consolação Rua Frei Caneca, 569 – 3º Piso Telefone: (11) 3259-2291

Você encontra a Revista Blooks em nossas lojas e nos locais a seguir. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Circo Voador, Fundição Progresso, IED, Parque das Ruínas e Cine Odeon. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, Museu Afro Brasil, Casa das Rosas, IED, Pinacoteca e Quanta Academia de Artes.

É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade, sem prévia autorização.

Acesse o site revistablooks.com para receber a revista em seu e-mail.

A Revista Blooks é uma publicação bimestral da Ginga Edições.

10a literatura de cordel como tradição transformadora

capa 34 o boom do k-popapontamentos

8cinemaolhares 30 kleber mendonça filho

e pedro siqueira

conversa

18sexo em versos livresliteratura 36 a transgressão dos

poetas e das crianças

literatura infantil

22o dialeto de mahmundisonoridades 38 iris helena

perfil

26a literatura como fonte de sentido para viver

ensaio 42 a cara da blookscuradoria

29músicaolhares 46 ruan d’ornellas

capturas

6as coisas que nos faZem ser quem somos sumárionOssA gEntE

ruan d’ornellas é artista plástico, diretor de arte e ilustrador. É viciado em Instagram e tem insônia quase toda noite. De Volta Redonda, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar Belas Artes. É representado pela C.galeria e seu traba-lho atual consiste principalmente em uma pesqui-sa de signos, símbolos e significados.Foto: Acervo pessoal

gustavo (gus) moura de almeida é advogado formado pela PUC-Rio. Além de gerente de vendas e relações institucionais da Portas Vilaseca Galeria, é diretor da TATO - The Art Translation Office, especializada em traduções e versões no campo da arte.Foto: Marco Rodrigues

cristiane tavares é Mestre em Literatu-ra e Crítica Literária pela PUC-SP. Assessora projetos de leitura junto a diferentes institui-ções e coordena o curso de Pós-Graduação Livros, crianças e jovens: teoria, mediação e crítica, no Instituto Superior Vera Cruz. É colaboradora das revistas Emília e Brasileiros. Autora dos livros Quintais e Aos olhos do mar.Foto: Acervo pessoal

Érica imenes é formada em Produção Audiovisual e Jornalismo e atua em comuni-cação e produção de eventos. Trabalha com o SarangInGayo (maior e mais antigo portal de cultura coreana do Brasil) e a Far Music Entertainment (empresa especializada em eventos de entretenimento sul-coreano).Foto: Acervo pessoal

rodrigo tupinambá carvão é psica-nalista membro da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisa da Infância, psicomotri-cista membro da Sociedade Brasileira de Psi-comotricidade, professor de Educação Física, criador e blogueiro do Projeto Chutebol (projetochutebol.com.br).Foto: Aline Wilhem

letícia novaes é atriz, escritora, cantora e compositora da banda Letuce. Lançou seu primeiro livro, Zaralha - abri minha pasta, em 2015, pela editora Guarda-Chuva.Foto: Acervo pessoal

pedro siqueira é estudante de Jornalis-mo na Universidade Católica de Pernambuco e apaixonado por música, cinema e TV. Tra-balhou como repórter do caderno Viver, do Diário de Pernambuco, onde redigiu textos e entrevistas voltados para a cultura e para o entretenimento. Também colaborou com o blog Play, do portal Pernambuco.com.Foto: Paulo Paiva

kleber mendonça filho é cineasta, formado em Jornalismo pela UFPE, com um trabalho abrangente como crítico e responsável pelo setor de cinema da Fundação Joaquim Nabuco. Dirigiu diversos curtas e os longas Crítico, O Som ao Redor e Aquarius.Foto: CinemaScópio

bruna escaleira escreve desde que aprendeu a combinar as letras. É formada em Jornalismo pela USP, pós-graduada em Jor-nalismo Cultural pela FAAP e autora do livro entranhamento, pela Editora Patuá. Faz parte do coletivo de mulheres Circular de Poesia Livre, além de promover saraus e oficinas de escrita criativa e feminismo.Foto: Acervo pessoal

monica ramalho é jornalista, fotógrafa, curadora de séries musicais, autora do livro infanto-juvenil Cartola e roteirista do docu-mentário Raphael Rabello. Atua como asses-sora de imprensa e produtora de conteúdo para redes sociais à frente da Belmira Comu-nicação. Leitora apaixonada, é cliente Blooks desde o primeiro dia da livraria.Foto: Emanuelle Schreiber

Yasmin thaYná é cineasta, diretora e fundadora da plataforma de conteúdo au-diovisual AFROFLIX, curadora da FLUPP (Festa Literária das Periferias) e consultora de audiovisual no Instituto de Tecnologia e Sociedade. Dirigiu e escreveu os longas KBELA e BATALHAS e fez a direção da sé-rie AfroTranscendence.Foto: Acervo pessoal

Jarid arraes é escritora, cordelista e autora do livro As Lendas de Dandara. Criadora da Terapia Escrita, mediadora do Clube da Escri-ta para Mulheres e do Clube Leitura Indepen-dente. Possui mais de 50 títulos publicados em literatura de cordel, alguns em parceria com a ONG Artigo 19 e o site Think Olga.Foto: Acervo pessoal

Escolhi falar do passado longínquo. No longínquo tempo antes da internet em que os adolescentes aprendiam a ser adultos assistindo Malhação e lendo a revista Capricho. Foi assim que aprendi o que era menstruação, sexo, drogas e rock’n’roll. Em notas de rodapé, a publi-cação trazia mensagens, poesia, Clarice Lispector. Mas uma edição especial ocupou suas páginas com apenas uma música: A vida é um desafio, dos Racionais MC’s. A cada página, um verso.

Eu precisei de uma revista que só retratava adolescentes brancos para conhecer o grupo mais preto do Brasil. Desde então, passei a perseguir aquela forma de emocionar que falava de dor, mas também de vida, que segue adiante apesar das “mil tretas”.

ana paula lisboa é filha de dois pretos, escritora, coordenadora de metodologia, colunista e DJ. Não necessariamente nessa ordem.

a vida É um desafioFoto: Mayara Donaria

Comecei a escrever sobre empoderamento e representatividade negra em 2012, mas foi em 2014, quando assisti ao documentário Libertem Angela Davis, de Shola Lynch, que tive a real sensação de que a chave tinha virado. Ao ver toda luta e engajamento de Angela, mulher e ne-gra, na defesa dos direitos humanos, principalmente do povo negro, em tempos de forte repressão nos Estados Unidos, passei a ver no meu trabalho, que era apenas intuitivo e atrelado à moda, uma necessida-de cada vez mais intensa de me aprofundar na militância, entender melhor fenômenos políticos e sociais e, sobretudo, estudar – afinal, só aprendemos nos livros de História a visão eurocêntrica dos fatos, que reduz o negro meramente à condição de escravo, sem transmitir que temos um passado e um vínculo muito forte com a nossa ances-tralidade, que nos foram cruelmente roubados. A partir daí, entendi que essa seria uma espécie de missão na minha vida: após três anos em São Paulo, voltei para o Rio de Janeiro, alterei minha dinâmica de trabalho formal e lancei o mequetrefismos.com, plataforma que tem como intuito colocar o negro como o protagonista dos conteúdos, seja escrevendo, seja como pauta. Nada disso faria tanto sentido se não ti-vesse conhecido a luta e a trajetória de Angela Davis, esse importante símbolo de luta pelos direitos raciais e sociais.

luiza brasil é jornalista, niteroiense, carioca por vocação e pau-listana por disposição. Formada em Jornalismo pela PUC-Rio com es-cala em Moda e Styling pela London College of Fashion, fez currículo na escola da vida com a papisa da moda, Costanza Pascolato. Acredita que tudo que reluz e tem animal print é ouro e, para ela, o “black” sempre será o “the new black”: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-o, respeitando-o e sendo fiel às suas origens.

libertem angela davisFoto: Leo Faria

A antologia 26 poetas hoje, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, mudou minha vida. Eu tinha 16 anos e ganhei de presente do meu pai. Foi um acerto e tanto. Até esse dia, achava que poesia era outra coisa: rebuscada, séria, formal. Fiquei totalmente fascinada ao ler pela pri-meira vez Chico Alvim, Ana Cristina Cesar, Chacal, Waly Salomão e outros poetas da geração marginal. Aquele era o convite certeiro para conhecer outra poesia, bem à vontade, no tema e no assunto, de bermuda e chinelo.

alice sant’anna nasceu no Rio, em 1988. Escreveu os livros de poesia Dobradura, pela 7Letras, em 2008, e Rabo de baleia, pela Cosac Naify, em 2013. Em 2016, lançou Pé do ouvido, pela Companhia das Letras.

poesia de bermuda e chineloFoto: Alexandre Sant’Anna

as coisas que nos faZem ser quem somos

tantas, mas tantas coisasFoto: Andressa Andrade

Meus pais tinham livros. Muitos. Com um pai professor universitário, a maioria deles tratava de temas que eu não entendia ou gostava — admi-nistração, economia, motivação de pessoas, algo de autoajuda. Os livros de minha mãe se acumulavam nos cantinhos das estantes onde coubes-sem, amassados pelos grandes calhamaços de Micro e Macroeconomia. Mas eram esses cantinhos que eu revirava aos 10 ou 11 anos de idade.

E foi neles que achei um livro sobre um senhor que levou seu filho para conhecer gelo. O livro não era sobre isso. Cem anos de solidão é sobre tantas, mas tantas coisas. Mas me lembro de pensar “as pessoas podem escrever assim?”. E isso fez toda a diferença.

luisa geisler é escritora e tradutora. É autora de Luzes de emer-gência se acenderão automaticamente (Alfaguara, 2014), Quiçá (Re-cord, 2012) e Contos de Mentira (Record, 2011). Participou de projetos e residências internacionais como a OMI International Arts Center, em Nova York, e a Serpentine Gallery, de Londres. Possui textos publi-cados da Argentina ao Japão (via Atlântico) e acha essa ideia simpática.

o que o som de um cabelo pode nos ensinar sobre cinema e racismotexto e modelo: Yasmin thaYná foto: alile dara onawale

Dia desses tive a oportunidade de estrear um filme em Salvador, na Bahia. Era uma sexta-feira do mês de janeiro, verãozão da-queles. Foi lá no Engenho Velho de Brotas, no Solar Boa Vista. Gente de todos os tipos e idades, predominantemente negra. O Bra-sil que pulsa estava ali, querendo assistir KBELA, um filme sobre ser mulher e tor-nar-se negra. Eu suava frio, como acontece com boa parte dos artistas quando sabem que a casa teve lotação máxima e que voltou gente pra casa.

Fiquei tranquila pós-filme, no bate-pa-po, quando uma menina negra baiana pe-gou o microfone e deu um depoimento que, em poucas palavras, dizia o seguinte: “Eu nunca achei que um dia escutaria num filme o som de um cabelo crespo sendo pentea-do.” Ela nunca imaginou ouvir o mesmo som que escuta todos os dias antes de sair

de casa. O som que vem de uma raiz que sempre lutou por um país de todos, essa raiz que está sempre com força e fazendo baru-lho nesse país. Pertencimento, se ver, se ou-vir: foi disso que essa menina negra falou. Naquele dia tive a certeza de que fazer cine-ma era coisa muito séria, pois certas esco-lhas podem afetar a vida de maneira que você não imagina. Para o bem e para o mal.

Ouvir ou ver um cabelo sendo penteado no cinema não é exclusividade minha, nem do KBELA. Mas conseguir dizer dez nomes de filmes brasileiros em que escutamos o som de um cabelo crespo sendo penteado pode ser um desafio. E estou falando do Brasil, onde a maioria é negra. É por causa desses atravessamentos do dia a dia que me pergunto: que produção de imagem, per-tencimento e sentido, que noção de identi-dade são essas que a gente tem criado no

país? Quem faz? Quem representa? Quem re-presenta o que, quando e onde? Quem conta a história? Quem tem direito à memória?

Os profissionais do enquadramento (jor-nalistas, publicitários e cineastas) têm nas mãos a ferramenta mais poderosa da política, considerando como política todas as nossas relações no contexto coletivo, em sociedade, e no nosso convívio particular. A imagem, principalmente em produtos audiovisuais (novela, cinema etc.), tem um papel funda-mental na criação de imaginários: ao mesmo tempo em que a comunicação, a criação de imagens no geral, pode mudar toda uma per-cepção sobre um grupo social, pode, também, destruir. E considerando que o cinema foi um meio muito importante para tornar negativa a imagem do negro, vejo como urgente a cria-ção de outros imaginários sobre as pessoas negras no Brasil.

Uma artista e designer de que eu gosto muito é a Diane Lima. Ela faz a seguinte per-gunta: criar ou ocupar novos espaços? Eu acho essa pergunta muito boa para pensarmos várias coisas, inclusive o cinema. O modo como o cinema opera é elitista. Mas a gente não pode deixar de notar que está rolando uma mudança. As novas narrativas e os novos narradores estão vindo com ou sem apoio das políticas públicas. E eu acho que é isso que vai forçar uma mudança significativa na política e no modo como o cinema é feito no Brasil. Ge-rar oportunidade não é colocar um branco com a cara pintada de preto na novela, no pro-grama, no teatro. E sim convidar essas pessoas negras para serem roteiristas, para estarem em papéis na novela como engenheiros, exe-cutivos, artistas. É fazer o esforço básico de construir a imagem de um Brasil do século vinte e um: com pessoas negras, que somam apenas mais da metade da população, nas equipes e em cargos de liderança, e não só para servir o café e limpar a sujeira.

É por isso que eu acredito: fazer filme não tem nada a ver com tapete vermelho. Isso é firula inventada por quem gosta de vitrine e perfumaria. Fazer filme é fazer política. Não é close, é trabalho, é batalha, é luta. É isso que fazemos. Sejamos responsáveis!

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Dezenas de folhetos coloridos pendurados em um cordão e um homem sertanejo sentado ao lado,

com seu chapéu de couro no topo da cabeça. Para muitas pessoas, essa é a imagem evocada quando a literatura de cordel

vem à mente. Embora essa representação seja importante para com-preender as raízes do cordel e sua identidade, trata-se de um reducionis-

mo do que é a literatura e a cultura nordestina em si – isso quando sequer há espaço para relacionar o cordel com literatura.

Faça um experimento: entre em alguma livraria e procure por cordéis. Não importa se a livraria é de grande porte ou um espaço dedicado a publicações alter-

nativas e independentes: quando o assunto é cordel, se muito, você poderá encontrar uma quantidade bastante limitada de livros que falam sobre o tema ou, com muita sorte, uma espécie de livro – na maioria das vezes infantil – que vai brincar com a ideia de fazer cordel. Os folhetos, montados com xilogravuras nas capas, são difíceis de encontrar até mesmo em bibliotecas.

Mas por que um tipo de literatura e expressão cultural tão tradicional fica de fora das livrarias, bibliotecas e eventos literários? A resposta certamente não está na qua-lidade da escrita, uma vez que o cordel está cheio das características que muita gen-te adora exigir para classificar algo como boa literatura: métrica impecável, rimas ricas, ritmo, melodia, forte marcação identitária, histórias diversas que mesclam humor, folclore, romance e política. No entanto, se a qualidade literária não explica o status de esquecimento que lhe é imposto, o que mais explicaria?

É possível lançar uma série de teorias e respostas, a começar do preconceito contra o Nordeste, já que o mercado literário e a mídia estão profundamente centralizados no sul e no sudeste do Brasil. Porém, apesar de essa ser uma opção bastante eloquente, não dá para descartar a hipótese da ignorância como um dos fatores decisivos nesse quadro gradativo de esquecimento da literatura de cordel. Afinal, como as pessoas podem consumir – e escrever – algo que não conhecem?

A situação é uma espécie de bola de neve às avessas. Pouca gente tem contato com o cordel, porque é uma literatura que ainda vive presa num imaginário popular de exclusão; as novas gerações não se interessam, porque o cordel não está na mídia e não é a sensação popular do momento; e assim, os responsáveis pelas editoras,

livrarias e eventos literários acabam por não incluir o cordel e os cordelistas em seus espaços. No fim das contas, todo mundo perde.

Mas e se você conhecesse o cordel de forma mais aprofundada? Se pudesse enxergar seu potencial transformador na sociedade?

E se tivesse a oportunidade de escrever o seu próprio cordel, algo mudaria?

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texto: Jarid arraes

a literatura de cordel

como tradição transformadora

obras: J.borges

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Esse tipo de cordel com proposta social é chamado de Cordel Engajado e pode trazer política, defesa de causas e críticas sociais para a literatura de uma maneira profundamente envolvente. Afinal, a literatura de cordel é excelente para entreter e divertir, mas é melhor ainda quando consegue contribuir para a transformação da sociedade em uma realidade onde exista mais equidade e respeito pela diversidade.

Esse respeito, aliás, pode começar pela própria valorização do cordel, algo que só deve acontecer quando todos os empecilhos preconceituosos forem tirados do caminho. Ainda há muito a se caminhar, sobretudo com o alarme do tempo piscando e gritando que um dia, infelizmente, o cordel pode virar artigo de museu. Se não for lembrado, escrito e divulgado, o cor-del pode acabar, o que seria, no mínimo, um enorme desperdício.

Mas como tudo fica mais convincente e acessível quando dito em ritmo de cordel, prefiro concluir a defesa da causa em versos de septilha.

Com a literatura de cordel como aliada, o clichê de “mudar o mundo” não soa tão inalcançável. Os folhetos de cordel são baratos, acessíveis e extremamente fáceis de transportar e de compartilhar com outras pessoas. Melhor ainda: são ideais para utilização em sala de aula. Entre rimas, estrofes e melodias, muitos assuntos pertinentes podem ser tratados e debatidos.

Nos últimos quatro anos, desde que comecei a publicar os meus cor-déis, recebi centenas de mensagens com depoimentos de educadores que compram meus folhetos e utilizam minhas rimas para falar sobre questões raciais, de gênero, de diversidade sexual e história. Com a série Heroínas Negras na História do Brasil, séculos de esquecimento começam a ser rom-pidos e muita gente escuta falar, pela primeira vez, sobre as mulheres negras que foram líderes quilombolas e guerreiras na luta contra a escravidão.

Pelo cordel, nomes como Tereza de Benguela, Dandara dos Palmares, Zacimba Gaba e Mariana Crioula protagonizam discussões acaloradas sobre racismo e machismo; até mesmo uma aula de português pode ser a oportu-nidade perfeita para colocar essas questões em pauta.

O pOtenciAL revOLuciOnáriO

DO cOrDeL

Algumas obras de Jarid Arraes

Eu nasci foi no sertãoCariri do CearáTerra feito a aguardenteQuente toda de torrarE foi lá que aprendiO que venho dividirPra você poder pensar.

O meu povo nordestinoCheio dessa inteligênciaFez brotar a tradiçãoCom imensa competênciaDo cordel para escreverE pra todo mundo lerNa mais pura excelência.

Mas a mim muito incomodaUm danado dum problemaQue plantado em preconceitoSe transforma num dilemaPois o tal esquecimentoSem nenhum embasamentoSó impõe o seu esquema.

O cordel fica excluídoMuito pouco que é lembradoEm evento literárioNem sequer é mencionadoPorque acham que cordelÉ só resto de papelPra largar e ser rasgado.

Mas é grande ignorânciaA raiz pra se arrancarPorque se você conheceVai bem fácil concordarQue cordel é realezaLiterária de riquezaSempre pronta a declamar.

Pra criar um bom cordelÉ preciso habilidadeE pra ter eficiênciaÉ preciso de verdadeRespeitar a tradiçãoEscrever com emoçãoE honrar a identidade.

Impossível que não éBasta apenas praticarDeixar livre a expressãoE com força se inspirarO trabalho é mais certeiroQuando o que vem primeiroÉ o afeto por rimar.

É por isso que eu assumoMinha mais nobre missãoDe falar sobre o cordelE espalhar a inspiraçãoPara quem deseja lerOu se arrisca a escreverPor ter admiração.

Inda digo sem rodeio:O cordel é liberdadePorque não fica na mãoDe nenhuma autoridadeNão precisa de editoraPois nenhuma é detentoraDa final maior verdade.

Ao cordel vai recorrerQuem quiser se expressarE não tem um cabra vivoQue isso possa censurarAcredite no que faloVenha junto no embaloPro cordel se preservar.

Do cordel eu sinto orgulhoPorque vem do meu sertãoSinto orgulho do meu povoCom profunda gratidãoPois cordel é resistênciaÉ também resiliênciaNossa rica tradição.

Transforme ideias em livros

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“Escrever é o verdadeiro prazer.”

Virginia Woolf

cOrDeL pArA tODO MunDO Ler – e eScrever:A literatura de cordel pode ser escrita por qualquer pessoa, em diferentes tipos de es-trofes e rimas. A mais comum se chama sextilha e é ideal para compor suas primeiras histórias. Abaixo, o exemplo de uma estrofe do meu cordel Travesti não é bagunça:

Isso tudo é lamentávelÉ tão triste e revoltanteTravesti também é genteSer humano e importanteQuem não pensa desse jeitoÉ que é intolerante.

Na sextilha simples, as rimas ficam no final dos versos 2, 4 e 6. O restante pode ser escrito como se desejar, desde que a métrica esteja bem encaixada. Uma forma de fa-cilitar esse ponto importante é transformar seus versos em um “forró”, em que cada frase deve demorar o mesmo tempo para ser cantada; ou ainda recorrer a quatro bati-das na mesa ou na perna para contar o tempo. Se o verso puder ser declamado dentro do período dessas quatro batidas sem ser apressado e sem modificar a pronúncia das palavras, é bem provável que você tenha respeitado a métrica corretamente.

Veja um exemplo retirado do meu cordel Photoshop é a mulesta:

Photoshop nesses casosServe só para enganarMuda o corpo por completoQue é prassim ludibriarA mulher comum que vêTal mentira a desejar.

É um danado dum esticaPuxa aqui, puxa acoláTira isso e tira aquiloE esse vamo é clarearDiminui, só emagreceNo padrão faz encaixar.

Para quem está começando, vale re-correr aos verbos para facilitar. Além disso, não precisa ter medo de “escre-ver errado”. O cordel fica ainda mais marcante quando expressões popula-res, gírias e erros intencionais entram no jogo de palavras. É o que dá iden-tidade ao cordel e o torna mais inte-ressante. Mas isso não quer dizer que a escrita não exija certo tempo de fa-miliarização: a poesia do cordel não é aleatória, é carregada de identidade e de melodia. O cordel tem seu próprio jeito de ser declamado e é exatamen-te isso que o torna tão único e lúdico. É por isso que o cordel é tão eficien-te quando utilizado para transmitir mensagens importantes e necessárias, como temáticas políticas e sociais.

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Em tempos de Tinder, nudes e sexo virtual, dizer que literatura erótica é tabu parece um disparate. Mas nem tanto. Se imagens ou palavras de sexo explícito viajam telas afora sem pudor, o mesmo nem sempre acontece com conversas ou textos eróticos. É que erotismo não é sexo em si, mas desejo sexual trans-figurado pela imaginação e inserido na cultura. O fato de clássicos centenários de autores como Oscar Wilde e Marquês de Sade terem sido publicados no Brasil somente a partir da última década mostra como as editoras ainda evitam obras eróticas.

No entanto, a resistência do mercado, da crítica e do público, da moral e dos bons costumes frente ao erotismo é contraditória à essência da literatura. “Não há erotismo sem fantasia, assim como não há literatura sem ficção. O princípio ativo da vida eró-tica coincide, portanto, com o da criação literária, uma vez que ambos se movem ao sabor de desejos que jamais se esgotam em si mesmos e sempre en-sejam um mais-além no horizonte”, diz a professora Eliane Robert Moraes na abertura da Antologia da

poesia erótica brasileira, que organizou e lançou em 2015 pela Ateliê Editorial.

Fruto de uma pesquisa de mais de dez anos, o livro reúne cerca de 350 poemas de autores do Bra-sil Colônia aos atuais, dos consagrados Gregório de Matos, Carlos Drummond de Andrade – que dei-xou, propositalmente, sua produção erótica a ser publicada depois de sua morte –, Hilda Hilst, Ana Cristina Cesar e Arnaldo Antunes a escritores me-nos conhecidos, como Francisco Moniz Barreto e Moysés Seysom, além, é claro, de textos anônimos, muito comuns no gênero.

Apesar da predominância masculina na literatura erótica e no meio literário internacional até hoje, o erotismo vem sendo tomado como instrumento de libertação pelas mulheres há muito tempo. Em 1928, Gilka Machado lançou Meu glorioso pecado, o pri-meiro livro de poemas eróticos publicado por uma mulher no Brasil. Por falar sobre desejo sexual femi-nino e denunciar as desigualdades sociais enfrentadas pelas mulheres, a obra foi considerada extremamente

À margem do mercado por séculos, a literatura erótica defende seu espaço nas prateleiras

sexo em versos livres

texto: bruna escaleira ilustrações: arthur luiZ piZa

arte design

Bistrôlounge

Galeria

AteliêRua Bambina, 06 | Botafogo | Rio de Janeiro

3178 6601 [email protected]

ousada e as críticas moralistas que recebeu afetaram até a vida pessoal da autora. Talvez isso explique porque uma das maiores poetas de sua época acabou sendo pouco conhecida pelas gerações futuras.

Nas décadas de 1970 e 1980, a propagação das ideias da Segunda Onda Feminista no país, que propunha o direito à libertação do corpo e ao prazer, coincidiu com o surgimento de autoras que se impõem como mulheres na escrita, inclusive em produções eróticas, como Clarice Lispector, Hilda Hilst, Adélia Prado e Ana Cristina Cesar. Foi nesse contexto, em 1984, que outra mulher organizou a 1º Antologia Brasileira de Poemas Eróticos. Também poeta e contista, a paraense Olga Savary reuniu textos de 30 autoras e 47 autores, entre consagrados e desconhecidos.

Se hoje assistimos à ascensão de vozes femininas nos blogs e nas praças, é porque somos descen-dentes de mulheres que lutaram por sua liberdade até nas prateleiras. Por isso, é preciso seguir rei-vindicando que as próximas antologias eróticas sejam mais igualitárias. E é importante reforçar que o erotismo jamais será estranho à literatura. Como disse o poeta mexicano Octavio Paz, “a relação entre erotismo e poesia é tal que se pode dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poesia corporal e a segunda uma erótica verbal”.

Outras publicações eróticasRevista Nin, orgs. Alice Galeffi e Letícia Gicovate – Guarda-Chuva

Do desejo, Hilda Hilst – Biblioteca AzulA teus pés, Ana Cristina Cesar – Companhia das Letras

O amor natural, Carlos Drummond de Andrade – Companhia das LetrasSérie Clássicos da Literatura Erótica, Vários autores – Hedra

Senta direito, querida, Suzana da Costa Longo – Patuá

sOnORidAdEs 23

o dialeto de mahmundi

texto: monica ramalho fotos: darYan dornelles

Mah veio de Marcela Vale. Mundi, do latim, significa o mundo que a artista carioca de 30 anos recém-completados, radicada em São Paulo há sete meses, está conquistando gradualmente a bordo de sua música, uma mistura bem equilibrada de toques eletrônicos, levada indie e um tal de lo-fi. Do inglês low-fidelity, a expressão quer dizer que o registro está em baixa fidelidade, originando ruídos e distorções que incrementam a música depois de serem cuidadosamente bu-rilados nos notebooks pela garotada.

Marcela atrai os ouvidos de quem curte a sonoridade dos anos 1980, aquela cena dançante que já flertava com o eletrônico, da qual Rita Lee, Marina Lima e Lulu Santos são alguns embaixado-res. O nome Mahmundi também vem de um login que a jovem cantora, compositora e multi-ins-trumentista criou para a plataforma MySpace, em 2004. “Achava que as pessoas não entenderiam, mas hoje tenho muita tranquilidade com esse nome que inventei sem grandes pretensões”, diz.

Nascida em Marechal Hermes, subúrbio carioca, a menina quieta cresceu sintonizando no dial as suas preferências. “E eu tocava na igreja a semana inteira. Foi onde aprendi o bê-a-bá musical, ao lado de amigos de infância”, recorda. Frequentou os cultos que ensinavam a palavra de Deus dos 9 aos 18 anos. “Saí porque queria conviver de outra forma com o mundo. Essa coisa da fé me deu uma consciência valiosa de quem eu sou, mas precisava de uma vivência maior para seguir”, pondera. Nessa fase, as dúvidas costumam ser muitas.

“Talvez, em algum momento, eu não tivesse a certeza do caminho, mas sempre soube que seria música”, avalia. Bateria foi seu primeiro instrumento e, até hoje, ela se vê pensando no me-lhor uso dos pratos, da caixa, em como inseri-los na canção, de que jeito criar uma textura mais impactante. A cabeça é da produtora que Marcela poderia ter sido, caso os ventos soprassem em outra direção. “Gostaria de pintar, de dançar e, certamente, de escrever. Acho que também seria produtora, algo muito próximo do fazer música.”

Entre 2007 e 2013, atuou como técnica de áudio do Circo Voador, respeitável casa de espetá-culos do Rio de Janeiro. “Encontrei muita gente que colaborou demais com o meu aprendizado e foi nesse tempo que descobri o meu som”, rebobina. Mahmundi compunha, gravava em casa e lançava os primeiros singles nos intervalos do expediente formal. O primeiro EP, Efeito das Cores, chegou despertando a curiosidade de meia dúzia de jornalistas, em março de 2012. Foi gravado no tumulto do Carnaval daquele ano e rendeu mais do que ela esperava.

O EP traz o sucesso Calor do amor, que ga-nhou videoclipe dirigido por Yugo, com fotogra-fia de Eduardo Magalhães, ambos ainda na equi-pe da cantora. O meio da moda recebeu muito bem as cinco faixas do EP e choveram convites para tocar em diversos eventos do segmento. No mesmo ano, Mahmundi entrou no Circo Voador e foi levada direto ao camarim. Não como a fun-cionária que ainda era, mas como uma das atra-ções de um festival. Simples como ela só, diz que nada foi melhor do que compartilhar umas cerve-jas com a galera na madrugada, pós-show. Aquela celebração da vida foi muito mais importante do que qualquer mudança de status quo.

Entre a estreia e o segundo EP, Setembro, lança-do em maio de 2013, mais uma enxurrada de no-vidades. “Foi um período de transição. Setembro é o registro sonoro do Rio no inverno. Um inverno que foi além da sensação térmica: um amigo meu tinha acabado de falecer e as músicas imprimem minha reflexão sobre aquela fase.” Em seis faixas, ela derrama um pouco do seu pranto e congela a sua dor. Na capa, uma baita fotografia do Morro Dois Irmãos com céu nublado e gente se exercitan-do no calçadão de Ipanema.

Admiradora de Waly Salomão, Ferreira Gullar, Ayrton Senna, Phil Collins, Rihanna, Sophie Calle, Ryuichi Sakamoto, Marcos Valle, João Donato, Lincoln Olivetti e Rita Lee, com quem já foi comparada, a jovem Marcela converte em músi-ca o que vive em relacionamentos de toda or-dem e situa seus experimentos sonoros num lugar quase inexistente nesse tempo globaliza-do, com mensagens e notícias em tempo real: o do sossego. “Optei por fazer arte e, assim como faço da música um lugar de contemplação, que-ro levar o meu público para esse lugar. A minha bandeira é o descanso.”

Descanso que bate de frente com o estilo de vida que o presente impõe. A moça trocou o Rio, onde morava com a mãe e a irmã, por São Paulo.

“Mudei para ampliar a carreira. Queria chegar aos 30 anos em outro lugar, literalmente. Aqui acor-do com entrevistas para dar e bastante trabalho. É muito concreto”, diz, mais no sentido da realização do que do cinza que dá o tom da capital paulistana. “Procurei um lugar parecido com o Jardim Botâni-co e vivo aqui cercada pelas minhas plantas e pelos meus livros, boa parte de poesia”, revela Marcela.

E a poesia transborda nas dez faixas do novíssi-mo Mahmundi, a conjunção dos dois EPs iniciais da artista. A primeira bolacha cheia foi batizada com o seu nome, a exemplo de tantos outros álbuns de estreia que cumprem a missão de apresentar uma nova voz ao público. Metade do disco é de regrava-ções: Calor do amor, Desaguar e Quase sempre vie-ram do EP Efeito das Cores. Leve, do EP Setembro, e o single Sentimento lhe rendeu a estatueta de Nova Canção no Prêmio Multishow de Música Brasileira de 2014.

Em termos práticos, o convite do produtor Carlos Eduardo Miranda para fazer o disco pelo selo StereoMono/Skol Music veio a reboque do prêmio que ela já havia conquistado no ano an-terior, na categoria Novo Hit pelo supracitado Calor do amor. Na outra metade do álbum, mais cinco inéditas, entre elas Azul, Eterno verão e Wild, títulos que compõem o dialeto mahmun-diano, feito com vasta paleta de cores, estações do ano e condições climáticas.

Abraçada a guitarras, sintetizadores, teclados, baterias e percussões, a cantora reforça bonito o power trio que é a base da sua obra e ganha forma com Lux Ferreira e Felipe Vellozo, que se distri-buem entre programações, drum machines, bai-xos, teclados, moogs e efeitos. Os estelares Silva e Kassin fazem participações especiais no lança-mento, que compila o que Mahmundi produziu de melhor até agora. “O importante a dizer sobre a minha música é que quero que ela seja a trilha so-nora da vida das pessoas.” Devagar se vai ao longe. Devagar ela chega lá.

“Optei por fazer arte e, assim como faço da música um lugar de contemplação, quero levar o meu público para esse lugar. A minha bandeira é o descanso.”

A experiência subjetiva do tempo no século XXI tem sido marcada pela sensação de uma aceleração sem precedentes nos afazeres co-tidianos. A revolução provocada pela inter-net em nossas vidas ainda está, suponho, em seu estágio inicial e, no entanto, incide já de maneira decisiva na relação da psique huma-na com o entorno, com o seu ambiente. Esta aceleração parece ter uma íntima relação com a necessidade de sermos cada vez mais eficientes e produtivos (inclusive nas áreas da vida que não são dedicadas ao trabalho especificamente), o que implicaria uma dis-cussão mais ampla sobre quais fatores estão por trás disso. Mas isto é outro papo.

Diante deste quadro, creio compartilhado pela maioria de nós, a postura pragmática – em seu sentido mecânico – ante a vida cos-tuma ser a saída para darmos conta de tan-tas tarefas em nosso cronômetro semanal. O espaço-tempo destinado à elaboração do

vivido (o sentir/pensar sobre si e sobre o sentido de suas ações) pode muitas vezes fi-car escasso. Ainda que sejam construções fabulosas sob diversos prismas, as redes sociais e a internet por muitas vezes se prestam mais ao acúmulo de informações instantâneas e a expressões pessoais rasas do que às reflexões que, efetivamente, con-tribuem para enriquecer a vida de alguém.

Chego então ao ponto central deste tex-to: a literatura pode ser, mais do que usada, “vivida” como uma fonte, potente e inesgo-tável, uma importante aliada na produção de sentido na vida do sujeito. Mesmo, e tal-vez principalmente, em meio às incessantes demandas virtuais.

Aqueles que puderam experimentar o fascínio que uma boa história pode oferecer sabem a que estou me referindo. A capaci-dade de se identificar com os personagens e seus dramas, de imaginar soluções para

seus dilemas, de se colocar no lugar de outrem e viver as emoções que perpassam os encontros e desencon-tros, instigam o imaginário a trabalhar numa dimen-são própria, pessoal, num tempo também próprio, diferente do cronômetro mundano. Ali cabem o vazio, a espera, a elaboração. Tudo isso se empresta às nossas próprias vidas! Outros veículos do campo da cultura podem proporcionar caminhos semelhantes, como o cinema, os esportes, a música, o teatro, enfim; mas o livro que enreda o sujeito em sua trama se torna um companheiro de jornada, mais do que a sessão do fil-me em cartaz ou do êxtase momentâneo de sua can-ção predileta em um show, por exemplo.

Ao instigar o psiquismo a trabalhar no campo da fantasia, a literatura aponta, ainda, para a criatividade a partir da sensibilização – que exige sentimento e re-flexão, formulação de hipóteses. Ser criativo não im-plica para nós, pessoas comuns, realizar uma obra grandiosa e genial. Mas, ao contrário, a possibilidade de reinventar a vida em seus pormenores. Talvez isso, nos dias atuais, signifique reaver o próprio tempo, o tempo que nos resta.

É justamente no espaço-tempo entre uma ação e seu desenrolar que, consciente ou inconscientemente, percebemos suas consequências e lhes atribuímos um significado – aquilo que estou chamando de sentido, sem o qual se pode perder o propósito de viver, fazer adoecer. Se adotamos, pelos motivos que sejam, a saí-da pragmática pura, pouco resta da elaboração do sentido. Para a dor, a pílula; para o amor, a internet; para o vazio, qualquer coisa, dos vícios múltiplos à violência nonsense.

Longe de situá-la em um pedestal, lugar idealizado de cura (mais próprio dos fármacos), creio na literatura tanto como consolo para a dor de existir, bem como es-timulante por seu potencial imaginativo. Saber que não sofremos sozinhos, ou que outros chegaram a realizar seus destinos, nos irmana em nossa frágil condição.

A produção de sentido à qual estou me referindo se revela ainda numa certa estética própria, de quem ousa enfrentar o dia com literatura. Em meio à multidão de celulares, do ônibus ou do metrô, talvez no horário do almoço, lá está o sujeito genuinamente concentrado, que assume feições de emoção em meio à história com a qual se envolve, imaginando seu desenlace. A trama literária provoca um estranhamento no cotidiano, como uma brecha, um rasgo ao qual o sujeito pode re-correr para perguntar os quês e por quês do que está se passando lá fora. Ou lá dentro, de si.

É curioso e ao mesmo tempo trágico como no Brasil, muitas vezes, aqueles que têm o hábito de perambu-lar por aí com um livro desinteressado na bolsa (para qualquer emergência existencial), ainda sejam vistos com desconfiança, como intelectuais disfarçados. Devem estar escondendo alguma coisa.

O psicanalista inglês Donald Woods Winnicott cos-tumava dizer que a criatividade é uma conquista pes-soal, que “faz com que a vida valha a pena ser vivida”. Uma vida criativa é plena de sentido, construído pelo próprio sujeito. A literatura faz parte do arsenal de que devemos dispor para que, ao contrário de sermos sub-missos à realidade cronometrada ou de nos perdermos na insanidade virtual, consigamos manejar a dureza dos dias de maneira mais criativa, pessoal e intransferível.

a literatura como fonte de sentido para viver

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texto: rodrigo tupinambá carvão

passar na

Blooks

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letícia novaesolhares MúsiCA

música atual para criançasTenho três sobrinhos. Como sou a tia cantora, faço uns testes musicais com eles. O mais velho mora em Londres, tem 7 anos, e gosta de Sade, para meu orgulho. Outro dia, via Skype, apre-sentei Bob Marley e sua reação foi boa: dançou de um jeito maluco e lembrei da primeira vez em que ouvi Bob Marley, ou da primeira vez em que me bateu forte. Tinha 13 anos, dormia com o rádio ao lado da cama, e em muitas noites o aparelho caía no chão, me causando um susto tremendo. Eu ia dormir ouvindo Chopin na rá-dio MEC e acordava num bombardeio. Numa noite, com a fita preparada no ponto para gravar (nunca se sabia quando iria tocar algo que você queria ouvir de novo), comecei a ouvir algo di-ferente do que estava acostumada. REC rápido. “Is this love, is this love, is this love that I´m fee-ling... ”. Voltava a fita e dava play inúmeras ve-zes. Grande epifania. Foi tão simples apertar play num link cheio de clássicos do reggae e di-zer “Rapha, this is Bob Marley, what do you think?”. Trajetórias.

Os outros dois sobrinhos são irmãos e mo-ram mais perto, felizmente. Pedro, com 5 anos, já sabe reconhecer minha voz. Mais novinho, ouvia qualquer cantora no rádio, de Gal Cos-ta até Ana Carolina, e dizia “Tia, tia!”. Agora já sabe diferenciar, para minha alegria, e às vezes tristeza. Fernando só tem 1 ano, e, ou-tro dia, enquanto tomava conta dos dois, senti que estava prestes a chorar, quando lembrei do poder devastador da música. Poderia ter ligado a televisão com a Galinha Pintadinha? Poderia. Poderia também apelar, one-more-ti-

me, para Bob Marley? Poderia. Ousei. Abri o Spotify e comecei a colocar músicas de bandas atuais. Teve Mohandas, teve Biltre, teve Sécu-los Apaixonados, teve Ava Rocha, teve Aba-yomy, teve minha banda – Letuce – também, e nessa hora Pedro me apontou o dedo e disse: “Você!”. Tão curioso observar crianças saindo da zona de conforto das músicas infantis e ou-vindo o que está sendo feito agora. Dançavam, riam e eram livres de julgamento. Desejei re-cuperar essa sensação.

Neste exato momento em que digito, um ra-paz no interior do Rio Grande do Norte acaba de adquirir uma placa de som e vai começar a brin-car de gravar suas ideias mirabolantes. Vai apren-der, na marra ou com tutoriais no YouTube, como mixar uma faixa. Me espanto e me animo. Há quem diga que falta conhecimento musical teórico. Concordo em partes. Muitas vezes te-mos uma ideia e nos encantamos tanto que nela embarcamos e criamos uma música. Postamos, compartilhamos e nos esquecemos de apenas um detalhe: a pesquisa. Já fizeram algo parecido. Acredito em zeitgeist, mas confio também em pesquisa. Teve uma ideia? Esqueça. Tenha ou-tra. E outra. E outra. Na sua quinta ideia, você talvez atinja um cerne especial. Um acorde à es-pera de uma melodia. Fazer música hoje em dia é se defrontar com todos os fantasmas maravi-lhosos e geniais do passado. E também com os vivos. Pegar o violão e arriscar é um ato de ou-sadia máxima, é acreditar no poder de equilí-brio espontâneo e poético da atual geração. Bo-tar fé, como dizem.

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Cineasta, Kleber Mendonça Filho migrou do vídeo para o digital nos anos 1990, no qual experimentou ficção, documentário e videoclipes, e para o 35mm na década de 2000, quando realizou A Menina do Algodão (codirigido por Daniel Bandeira - 2003), Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005), Noite de Sexta, Manhã de Sábado (2006), Crítico (sua primeira experiência em longa - 2008) e Recife Frio (2009). Seus filmes receberam mais de 120 prêmios no Brasil e no exterior, com seleções em festivais como Brasília, Tiradentes, Festival do Rio, Gramado, Karlovy-Vary, Clermont-Ferrand, Hamburgo, BAFICI, Indie Lisboa e Cannes (Quinzena dos Realizadores). O Som ao Redor é seu primeiro longa-me-tragem de ficção. Estreou no Festival de Rotterdam em fevereiro de 2012, foi selecionado em mais de 100 festivais e ganhou 32 prêmios. Foi escolhido pelo New York Times como um dos 10 melhores filmes de 2012. Foi também o representante do Brasil no Oscar 2014, na categoria de melhor filme estrangeiro. Seu segundo longa de ficção, Aquarius, estrelado por Sonia Braga, estreou na competição principal do Festival de Cannes em maio de 2016.

você passou anos filmando curtas-me-tragens e agora chega ao segundo longa de ficção. boa parte dos curtas foi referen-ciada em o som ao redor. essas citações também estão presentes em aquarius?

Eu não referenciei os curtas de forma cal-culada. Vejo isso como um grupo de ideias que venho desenvolvendo desde quando comecei a filmar, na década passada. São coisas que gosto e que, quando chegou a hora de fazer O Som ao Redor, decidi re-visitar. Mas eu nunca escrevo uma cena

pensando “Ah, nessa cena aqui vou fazer uma homenagem a Eletrodoméstica!”, não funciona assim. É mais fácil para quem observar os filmes em conjunto depois de alguns anos notar algumas similaridades. No caso de Aquarius, não saberia dizer ao certo. Isso fica para o público. Alguém em algum momento pode apontar uma coisa ou outra, mas eu vejo isso como se fosse a assinatura de alguém. O que importa para mim é que o trabalho saia de maneira mui-to pessoal e autoral, e dentro de uma série de coisas que me interessam.

conversa comklebermendonça filho por pedro siqueira

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Foto: CinemaScópioFoto: CinemaScópio

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UM ÍCONE DAEDIÇÃO EUROPEIA,AGORA NO BRASILPlaneta lança, na Flip,a Tusquets, um dos principaisselos literários da Espanha

em aquarius, todo o processo de filmagem, pós-produção e lançamento durou menos de um ano. pensando no longo período de mon-tagem de o som ao redor, aquarius foi um fil-me mais fácil de fazer?Aquarius foi meu maior filme e também o mais rápido. Foi um tipo de recorde pessoal, porque durante os curtas passei muito tempo fazendo. Não por eles serem necessariamente complica-dos, mas porque sempre estava envolvido em ou-tras atividades simultaneamente. O processo de Aquarius foi diferente. Há um ano, conheci Sonia Braga, ela veio ao Recife, fizemos o filme e come-cei a montá-lo imediatamente. Foi um caso muito feliz de entusiasmo aplicado. A montagem com o Eduardo Serrano durou seis meses e três sema-nas, um processo muito intenso e firme. Quanto mais eu montava o filme, mais gostava dele e me entusiasmava. Espero que o próximo também en-tre nesse processo. É intenso, mas gera um resul-tado muito bom.

aquarius chegou a ser definido como um fil-me musical por publicações internacionais, e a personagem clara ostenta uma vasta cole-ção de cds e vinis. qual é a importância da música na trama?A música em Aquarius não serve só como trilha, ela tem uma importância enorme. Cada canção é um personagem no filme. Tenho 47 anos e ouço música seriamente há pelo menos trinta. A música fica a mesma, mas você vai envelhecendo, mudan-do, e ela muda pra você também. Esta é uma das ideias que estão no filme. A música é um marca-dor de tempo, é a trilha da vida de alguém, não se perde no tempo, assim como livros e filmes. Você pode ouvir Queen muito jovem, continuar ouvindo mais velho e sentir de uma forma diferente.

lançar o filme em parceria com uma produtora francesa e com apoio da globo filmes gerou algum tipo de pressão maior?Admito que foi a primeira vez que eu tive que, mesmo que do ponto de vista filosófico, “dar satisfações” a ou-tras pessoas que não são do meu círculo íntimo. Meus filmes sempre foram praticamente feitos em casa, ou seja, com pessoas muito próximas e que estavam sem-pre acompanhando o projeto. A partir do momento em que você envia um roteiro que acabou de escrever a um coprodutor francês, no caso o Said Ben Said, da SBS, gera aquela preocupação de aceitação. Trabalhamos também com a Globo Filmes, o que foi, na verdade, até mais tranquilo, porque eles já queriam apoiar a produ-ção muito com base no resultado de O Som ao Redor, que também foi vendido para a Globo. Todos foram parceiros muito tranquilos, respeitosos e interessados, desde o roteiro até a filmagem e a finalização. Realizar uma coprodução é uma primeira experiência que faz parte da vida de qualquer cineasta.

coincidentemente ou não, a trama do filme pode ser vista como uma metáfora da situação política atual, o que se propagou ainda mais pela reper-cussão do protesto em cannes. como você enxer-ga a relação do cinema como impulsionador de discussões políticas?Quando você trabalha com cinema, você meio que sintoniza algumas frequências, e se faz um trabalho que é bem honesto e real, há uma possibilidade de sair com um retrato bem realista do mundo, da sociedade, do país onde você vive... Penso que todas essas coinci-dências relacionadas à trama do filme e ao momento político do Brasil não são coincidências. Para mim, o cinema é muito forte e tem uma capacidade muito grande de projeção. Não acho que o cinema possa mu-dar o mundo, mas ele é capaz de dar uma chacoalhada. E, quando isso acontece, é muito bonito.

“Não acho que o cinema possa mudar o mundo, mas ele é capaz

de dar uma chacoalhada. E, quando isso acontece, é muito bonito.”

Aquarius (2016) Foto: Victor Jucá

O Som ao Redor (2013)Foto: Victor Jucá

J.P. CuencaDescobri que estava morto

Arthur JapinO homem com asas

UM ÍCONE DAEDIÇÃO EUROPEIA,AGORA NO BRASILPlaneta lança, na Flip,a Tusquets, um dos principaisselos literários da Espanha

APOntAMEntOs

texto: Érica

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Na última década, a Coreia do Sul deixou de ser apenas uma pequena península na Ásia, conhecida pelas incríveis inovações tecno-lógicas de multinacionais como Samsung e Hyundai, e viu sua indústria de entreteni-mento ganhar espaço cativo como uma das responsáveis por incrementar a renda do país e ajudá-lo a manter seu status como um dos “tigres” do continente. A Onda Hallyu – ou Hallyu Wave, em inglês – é o termo que se refere à cultura pop coreana, que se espalhou pela Ásia no final dos anos 1990. Os sul-corea-nos preferiram que o termo usado para tratar dos aspectos modernos da sua cultura fizesse alusão a algo que representasse toda a sua ri-queza, logo, escolheram uma “onda”, que pode fluir para qualquer lugar do mundo e literal-mente inundar as pessoas com seu conteúdo.

A explosão da Onda Hallyu começou com a exportação de dramas (as novelas co-

reanas) para a China, há duas décadas. Com isso, a Coreia do Sul mostrou-se como um novo polo de produção de cultura pop, exportando seus produtos culturais tam-bém para outros países vizinhos. No come-ço, o foco da Onda Hallyu estava nas nove-las e, em seguida, foi para a música (o chamado K-Pop), mas, com o passar dos tempos, ampliou-se para tudo relacionado à cultura coreana: filmes e arte em geral, gastronomia, esportes e cosméticos. Em 2012, as massas mundiais foram surpreen-didas pelo sucesso do cantor e rapper PSY, com a viralização de seu Gangnam Style. A internet, aliás, é a maior aliada da propaga-ção dessa onda pelo mundo.

Mas a popularidade do K-Pop não descre-ve, simplesmente, o fenômeno de certo pro-duto cultural sendo consumido em escala glo-bal – e nem se limita ao caso isolado de PSY.

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Deve-se notar que o K-Pop absorveu diferentes tipos de influências para resultar em um estilo distinto, que trans-cende a experiência da audiência de ouvir uma música. O mercado do K-Pop é, hoje em dia, um dos mais ricos do mundo, tanto em ganhos monetários, quanto em di-versidade cultural. Ele reúne gêneros como hip-hop, trap, rock, entre tantos outros, em misturas e conceitos que são lançados constantemente pelos artistas para o público. Ou seja: nenhum artista de K-Pop é preso a um estilo musical em particular, mas se foca no lançamento de um álbum (ou single) de cada vez, com seu respectivo conceito de música e visual (roupas, maquiagem), e repe-te esse processo em uma proposta completamente nova a cada lançamento, após um breve hiato para produção desses novos trabalhos. Nomes como Big Bang, 2NE1, Girl’s Generation e EXO, entre muitos outros, são verda-deiros camaleões no que diz respeito a surpreender e se reinventar a cada álbum.

Apesar de todo esse processo de constante reno-vação parecer complicado, os artistas sul-coreanos são treinados para se dedicarem 100% ao trabalho. Os aspirantes a artistas precisam passar por audições antes de se tornarem trainees em agências que geren-ciam suas carreiras e são responsáveis por criar novos grupos e artistas de sucesso. É comum que esses trai-nees troquem de agências durante essa parte do pro-cesso, já que elas fazem avaliações mensais baseadas em suas evoluções e cortam vínculos com aqueles que não atingem suas expectativas. O investimento das agências é revertido em aulas diárias de canto, dança, atuação, línguas estrangeiras (já visando as atividades do grupo em terras internacionais) e conduta. Este

último item é importante para a imagem do artista em potencial, já que a cultura dos idols tem toda uma normatividade sobre como agir em público. Ser um idol, ou seja, ser um artista de K-Pop, vai além dos rostinhos bonitos e das coreografias bem elaboradas.

Os idols exercem tamanha influência nos fãs que chegam à beira de causar acidentes diplomáticos se uma palavra é colocada fora de contexto. Esse foi o caso da cantora Tzuyu, integrante do grupo femini-no Twice, que se viu no centro de uma controvérsia com a República Popular da China, em janeiro desse ano, ao se declarar taiwanesa, e não chinesa. Para a parcela ocidental do público, a declaração não pare-ce grande coisa, mas os asiáticos levam bem a sério suas brigas territoriais e o sentimento de patriotis-mo, especialmente na questão da autonomia de Tai-wan em relação à China.

Já no Brasil, o nicho do K-Pop é menor, mas perce-be-se um crescimento constante. A internet permanece como maior ferramenta da fomentação do cenário de K-Pop no Brasil, com o trabalho de portais como Saran-gInGayo, KoreaIn Magazine e Korea Post, que cuidam de estender o interesse dos brasileiros sobre o entreteni-mento da Coreia do Sul, com conteúdo em português.

Em 2015, os meninos do Bangtan Boys fizeram um show para 6 mil fãs, que lotou o Espaço das Amé-ricas, em São Paulo, e marcou o evento como o 1º de K-Pop bem-sucedido no país. Depois disso, grupos como Lunafly, Ailee, NU’EST e SHINee também pi-saram em solo brasileiro nos últimos dois anos, o que só faz aumentar o interesse local nessa cultura vinda do outro lado do mundo.

a transgressão dos poetas e das criançastexto: cristiane tavares ilustrações: daniel bueno mãe à vida escolar, o Pequeno Fascista co-

mete abusos e delitos, convertendo-se, rapidamente, em um ser autoritário. Sem poupar o leitor, o autor constrói um univer-so absurdo-verossímil. O perfil do Pequeno Fascista de Bonassi em muito se aproxima de perfis cada vez mais frequentes nas redes sociais, nas rodas de conversa e, inclusive, em projetos de lei propostos por partidos de extrema-direita. As ilustrações de Daniel Bueno captam o universo hostil das grandes metrópoles brasileiras, nas quais prolifera a violência, e retratam os personagens em seus exageros expressivos, quase caricatos.

Concluo com um convite a você para intensificar a pesquisa a outras obras infan-tis e instigantes, já que a lista é, felizmente, farta! É comum que nestes títulos a subver-são não se dê apenas na escolha do tema, mas também em sua singular abordagem. Texto, ilustrações, projeto gráfico e cruza-mento de linguagens compõem o objeto-li-vro, convocando àquela desautomatização do olhar. Em tempos de volta dos discursos retrógrados e altamente conservadores em diferentes esferas, é mais do que urgente bus-car livros que se contrapõem a visões estrei-tas da experiência humana em sociedade.

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Manoel de Barros fala em “criançamento das palavras”, Mia Couto diz buscar “a língua em estado de infância”, Gaston Bachelard afirma que “um excesso de criança é um germe de poema” e Octavio Paz define poesia como “retorno à infância”. Diversos escritores e filó sofos já escreveram sobre a proximidade do universo infantil com o caráter inovador da poesia. Para esses autores, o poeta e a criança se assemelham, sobretudo, por vive-rem certa transgressão pela linguagem. Transgredir como sinônimo mesmo de con-travenção e possibilidade de recriar sentidos. Algo que dialoga com o conceito discutido por Chklovski de desautomatização do olhar, um modo peculiar de se debruçar sobre a realidade, desvinculado de qualquer mecani-cismo, didatismo, utilitarismo.

Longe de ser consenso, esse modo de pensar a infância se contrapõe a uma con-cepção corrente de que a literatura destinada ao público infantil deveria obedecer a certos padrões pré-estabelecidos de comportamen-to, correspondendo a um modo específico de vida em sociedade que, ao fim, levaria

à domesticação e alienação dos impulsos vitais da infância. Essa lógica serve a uma ideologia de mercado própria do sistema ca-pitalista selvagem que rege nossas relações sociais e determina a qualidade dos livros publicados para crianças. Há muito tempo, no entanto, esse modo de pensar já encontra opositores de peso. São autores, ilustradores e editores que apostam na inteligência das crianças como leitoras e na arte como for-ma privilegiada de instigar seu livre pensar. Não é de se espantar que ocupem espaço reduzido no catálogo das grandes editoras, que afinal servem aos interesses do capital. Com raras exceções, estes livros costumam sair com baixa tiragem, deixando de circular rapidamente para dar lugar a novos títulos, numa engrenagem tão difícil de quebrar.

Comento aqui um exemplo publicado em 2005, mas de uma atualidade gritante. Partindo de uma epígrafe de Brecht, Fer-nando Bonassi, o autor de O pequeno fascis-ta, da Cosac Naify, apresenta um personagem propositadamente esteriotipado, justamente para questionar estereótipos. Da barriga da

Iris Helena é uma artista que em curto pe-ríodo de tempo vem traçando uma trajetória de destaque no cenário artístico nacional. No mesmo ano em que se graduou em Artes Visuais na Universidade Federal da Paraí-ba, recebeu menções honrosas no 61º Salão de Abril e no 2º Prêmio Energias nas Artes, da EDP em parceria com o Instituto Tomie Ohtake, além de um prêmio-aquisição no 13º Salão Municipal de Artes Plásticas de João Pessoa – sua cidade natal. Somam-se a estes reconhecimentos participações relevantes no programa Rumos, do Itaú Cultural, no salão de artes visuais Novíssimos, da Galeria de Arte Ibeu, e na 2ª Bienal Industrial do Ural, na Rússia. O convite para participar do ano do Brasil na Alemanha, em 2013, fez com que sua obra fosse incorporada ao acervo do Mi-nistério das Relações Exteriores.

Seus desejos de aperfeiçoamento levaram-na a estabelecer residência no Distrito Federal

para realizar mestrado em Poéticas Contempo-râneas na Universidade Nacional de Brasília. Esta mudança de cidade propiciou a realização de residência artística no Núcleo de Arte do Centro-Oeste. Hoje, aos 29 anos, Iris Helena já realizou mais de 40 exposições, individuais e coletivas, e é representada pela carioca Portas Vilaseca Galeria, que foi responsável pela cir-culação de seu trabalho em Bogotá, Cidade do México, Lima, Miami e Nova York, além de in-seri-lo em importantes coleções particulares no Rio de Janeiro – incluindo a de Gilberto Chateaubriand em comodato ao Museu de Arte Moderna – e em São Paulo.

As obras de Iris Helena inscrevem-se no campo da arte fotográfica por intermédio do uso da impressão em meios não usuais, como a linguagem. Como pesquisa, a artista dedi-ca-se à documentação das diversas nuances envolvendo a paisagem urbana. Foi assim que desenvolveu a sua série mais conhecida,

iris helena

38 PERfiL texto: gus moura de almeidafoto: hannah gopa

Catálogo de Ruínas Volume 1 (2011)

Lembretes. São imagens de praças, esquinas, avenidas ou igrejas de João Pessoa, reunidas em um mosaico formado por centenas de post-its amarelos.

Nas peças da série Zona de Conforto, a artista cria justaposições de horizontes de diferentes cidades sobre embalagens metálicas de remédios. Fruto de uma pesquisa sobre monumentos naturais, edifícios emblemáticos e estatuária, e como desdobramento do trabalho em post-its, Iris criou a série Monumentos, em que usa marcadores plásticos de livros em atraentes com-posições fluorescentes.

Outra série que revela grande ineditismo técnico chama-se Ruínas, da qual faz parte a obra Catálogo de Ruínas - Volume 1 (2011), um livro de 20 páginas da artista. Por vezes em preto e branco, outras em cores, ela usa o papel higiênico como suporte. Mais recentemente, conti-nuou ampliando o seu repertório ao utilizar fragmentos erodidos de parede como meio para a experimentação na série Casa Pré-fabricada.

Quem tem a oportunidade de travar contato com suas obras sente-se atraído de imediato, não só pela surpresa técnica nelas inseridas, mas também pelo impacto das imagens retrata-das. A produção de Iris Helena caracteriza-se pelo frescor criativo com o qual, se apropriando de elementos de consumo diário, constrói um conjunto de trabalhos dotado de leitura singular das relações entre o público e o privado, a necessidade da preservação cultural e o binômio memória e esquecimento.

Quem tem a oportunidade de travar contato com suas obras sente-se atraído de imediato, não só pela surpresa técnica nelas inseridas, mas também pelo impacto das imagens retratadas.

Há afetos que nos acompanham para sempre: livros, discos e filmes que fazemos questão de compartilhar!

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CURADORIA

OS ANÉIS DE SATuRNO

W. G. SEBALDCOMPANhIA DAS LETRAS

KRAFTWERK PuBLIKATION

– A BIOGRAFIADAVID BuCKLEy

SEOMAN

LIVR

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PENSANDO O SÉCuLO XX

TONy JuDT COM TIMOThy SNyDER

OBJETIVA

Tony Judt foi um dos grandes historiadores do século XX, período ao qual dedicou seu pensamento, lançou luzes importantes sobre a história do período após a Segunda Guerra e refletiu sobre as consequências do conflito na ordem global. Pensando o século XX é o último livro de Judt e reúne uma série de conversas entre ele e o também historiador Timothy Snyder sobre as ideias políticas da Europa moderna, poder e justiça. Sofrendo de esclerose lateral amiotrófica, Judt produziu esse trabalho já bastante debilitado, mas com força suficiente para ser definitivo e relevante.

MOMO E O SENhOR DO TEMPO

MIChAEL ENDEWMF

MARTINS FONTES

Conhecido mundialmente pelo clássico A história sem fim, o escritor alemão Michael Ende nos apresenta em Momo e o Senhor do Tempo (que já foi editado no Brasil com o título de Manu, a menina que sabia ouvir) uma bela fábula sobre os tempos sem tempo em que vivemos. Seus homens cinzentos nos amarram em um presente sufocante feito de tarefas e compromissos que representam as “vantagens” da modernidade, mas que logo se revelam armadilhas. A menina Momo é o ímpeto interior que se rebela, não aceita os homens cinzentos e parte em uma luta para redefinir o tempo e a vida.

Para entender a música pop hoje é fundamental escutar o Kraftwerk, um grupo que não é exatamente popular, mas que lançou as bases sólidas de muito do que escutamos atualmente. Influenciando artistas do quilate de David Bowie, Joy Division/New Order e Afrika Bambaataa, entre outros, a obra do Kraftwerk provocou uma reação que vai além da composição e passa pela postura diante da mídia, da indústria musical e da relação íntima com a tecnologia. Kraftwerk Publikation - A biografia traz à tona a história desses artistas estranhamente revolucionários, cujo DNA pulsa em cada beat que toca nas rádios.

O romance Os anéis de Saturno é uma das principais obras do alemão W. G.Sebald. Publicado em 1995, o livro traz um narrador preso a uma cama de hospital, que rememora uma caminhada pelo leste da Inglaterra, onde o autor chegou a morar. O passeio, se é que pode ser chamado assim, é uma viagem pela história e pelas ruínas daquela região. O narrador de Sebald move-se também em pensamento ao especular, descrever e tocar em assuntos como a dominação do Congo pelos Belgas, a China e a pesca do arenque. A visão curiosa e questionadora de Sebald nos arrebata em uma prosa singular.

NOSTALGIA DA LuzPATRICIO GuzMáN

IMS/BRETz FILMES

PatricioGuzmán Nostalgia da luz

No deserto de Atacama, no Chile, a três mil metros de altitude, astrônomos tiram proveito da transparência do céu para explorar galáxias longínquas em busca de vida extraterreste. Paralelamente, aproveitando a secura do solo do local, que conserva intactos os restos de seres vivos, arqueólogos estudam múmias e outra relíquias pré-colombianas, e um grupo de mulheres procura os corpos de seus parentes desaparecidos durante o perío-do da ditadura militar no país sob o regime de Pinochet. “Como explicar que os ossos humanos são iguais a cer-tos asteroides? Como explicar que o cálcio de nossos ossos é o mesmo cálcio encontrado nas estrelas?” – per-gunta-se Patricio Guzmán. Como explicar que as estrelas recém-nascidas se formam com nossos próprios átomos depois que morremos? “Como explicar que no Chile, o principal centro astronômico do mundo, sessenta por cento dos assassinatos da ditadura ainda não foram es-clarecidos? Como é possível que os astrônomos chilenos olhem para as estrelas que estão a milhões de anos luz no passado e que nas escolas não seja possível ler nos livros o que se passou no Chile há apenas 30 anos? Como explicar que um sem número de corpos enterrados pelos militares foram desenterrados e atirados no mar? Como explicar que o trabalho de uma mulher que busca com as próprias mãos no deserto é parecido com o tra-balho de um astrônomo?”.

NostalgiadelaluzDireção e roteiro: Patricio Guzmán. Fotografia: Katell Djian. Montagem: Patricio Guzmán e Emmanuelle Joly. Produção: Renate Sachse. Produção executiva: Verónica Rosselot. Uma coprodução: Atacama Production (Fran-ça), Westdeutschens Rundfunks, Blinker Filmproduktion e WDR (Alemanha), Cronomedia (Chile) e TVE, Televisión Española (Espanha). 2010.

Idioma falado \ espanhol | Legendas \ português 90 min. aprox. \ cor \ ntsc \ região livre \ formato 1:85 \ dolby digital

Extras \ livreto com textos de Patricio Guzmán e José Carlos Avellarlivreto Entreatos, de Jorge Bodanzky, anotações fotográ-ficas das ruas e muros de Santiago pouco antes do golpe InstitutoMoreiraSalles \ www.ims.com.br \ outubro 2015

Produzido no Polo Industrial de Manaus por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfica S/A – Indústria Brasileira – Av. Guaruba, nº 585, Distrito industrial – Manaus/AM – CNPJ: 67.562.884/0004-91, sob licença e encomenda de Bretz Filmes Distribuidora e Produtora Ltda EPP, CNPJ 39.079.678/0001-47. INDÚSTRIA BRASILEIRA. O prazo de validade do disco é indeterminado desde que observados os seguintes cuidados: armazenar em local seco, livre de poeira, não expor ao sol, não riscar, não dobrar, não engordurar, não manter a temperatura superior a 55°C e a umidade acima de 60gr/m3, e segurar o disco sempre pela lateral e pelo furo central. ADVERTÊNCIA: licenciado apenas para uso doméstico. Contato Bretz Filmes: 24-2231.6872 / [email protected]

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Distribuição

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O filme do documentarista Patricio Guzmán se passa no deserto do Atacama, no Chile, e tem um roteiro mínimo, preciso, que ergue um profundo questionamento político dentro de um cinema de alta qualidade. No Atacama, homens e mulheres tiveram seus restos mortais abandonados, enterrados ou simplesmente jogados de helicópteros durante o regime ditatorial do general Augusto Pinochet. Enquanto astrônomos vasculham o espaço nos telescópios da região, um grupo de mulheres vasculha as areias em busca dos seus entes perdidos na violência da ditadura chilena. Uma triste poesia.

FITzCARRALDOWERNER hERzOG

VERSáTIL

O CINEMA DE Ozu

yASuJIRO OzuVERSáTIL

Yasujiro Ozu é um mestre. Inspirou Wim Wenders, Jim Jarmush, Hal Hartley e Akira Kurosawa... Sim, Kurosawa! Então temos muito o que aprender com Ozu. A famíla, o conflito de gerações, a nostalgia e a velhice são temas que permeiam a obra do falecido diretor japonês. Ozu deixou um legado vasto, uma filmografia perfeccionista que se debruça com habilidade técnica e narrativa sobre a sociedade japonesa da primeira metade do século XX, carregado de um aprendizado que vale até hoje. O box O cinema de Ozu traz cinco filmes que cobrem o principal período de sua carreira.

CERIMôNIA DE CASAMENTOROBERT ALTMAN

IMS/BRETz FILMES

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título originalA WEddiNG [EUA, 1978]

idiomas faladosiNGLês, iTALiANO

legendas PORTUGUês

125 min aprox. | cor | ntscregião 4 | dolby stereo

extraslivreto com os ensaiosA PROPÓsiTO dE UM cAsAMENTO, Jonathan Rosenbaum, e QUATRO NOTAs sOBRE ALTMAN, de Hernani Heffner

instituto Moreira salles www.ims.com.brjaneiro de 2013

classificação indicativa

16não recomendado para

menores de 16 anos

Consumo de drogas, insinuação de sexo,

violência

“cada filme deve ser diferente. Eu não gosto de me repetir. Trabalho com o desconhecido e o inseguro, com um impulso que costumo chamar de «quociente de medo”. Maior o medo, maiores as possibilidades de chegar a um bom filme. Gosto de correr riscos, permitir acidentes, descobrir acertos e erros. Prefiro não saber se vai funcionar ou não. Por isso não planejo detalhadamente o que vou fazer. digo apenas: vamos usar duas câmeras e disparar 500 mil pés de filme em torno de 48 personagens numa festa de casamento”.ROBERT ALTMAN

durante o casamento de uma jovem do sul dos Estados Unidos com um aristocrata do meio-oeste americano, os convidados se desentendem todo o tempo. O noivo supostamente engravidou a irmã da noiva. O irmão da noiva vive tomando comprimidos, segundo ele, para a epilepsia. A irmã do noivo é viciada em drogas e casada com um italiano que segundo rumores teria ligações com a Máfia. Uma briga medonha explode entre as famílias quando o carro da lua de mel se espatifa contra um caminhão tanque e todos acreditam que os noivos morreram.

Produzido e distribuído por AMZ Mídia industrial s.A. Av. cupiúba 260, distrito industrial, Manaus AM – cNPJ 14.919.768/0001-78, sob licença da Bretz Produtora de Vídeo Ltda EPP – cNPJ 39.079.678/0001-47. iNdÚsTRiA BRAsiLEiRA. denuncie a pirataria: [email protected] ou caixa Postal 593 cEP 01059-970 são Paulo sP. O prazo de validade desde disco dVd é indeterminado, desde que observados os seguintes cuidados: armazenar em local seco e livre de poeira; não expor ao sol; não riscar; não dobrar; não engordurar; não expor a temperaturas superior a 55oc e umidade acima de 6g/m3; segurar o disco sempre pela lateral e pelo furo central. AdVERTêNciA: Esta copia em dVd da obra original, incluindo sua trilha sonora, é destinada exclusivamente a exibições domésticas, não sendo permitida nenhuma outra forma de utilização nem reproduções totais ou parciais. A violação dos direitos exclusivos do produtor e do distribuidor sobre esta obra é crime (art. 148 do código Penal), punível na forma da lei.

TWENTiETH cENTURY FOX e LiONs GATE FiLMs apresentam Um filme de ROBERT ALTMAN “A WEddiNG”Estrelando (em ordem alfabética) dEsi ARNAZ JR., cAROL BURNETT, GERALdiNE cHAPLiN, HOWARd dUFF, MiA FARROW, ViTTORiO GAssMAN, LiLLiAN GisH, LAURA HUTTON, ViVEcA LiNFORs, PAT MccORMick, diNA MERRiLL, NiNA VAN PALLANdT Roteiro de ROBERT ALTMAN e JOHN cONsidiNE Música original JOHN HOTcHkisProdução e direção ROBERT ALTMANA WEddiNG © 1978 Twentieth century Fox Film corporation. All Rights Reserved.

© 2013 Twentieth century Fox Home Entertainment LLc. Todos os direitos reservados. TWENTiETH cENTURY FOX, FOX, e logos associadas são marcas registradas da Twentieth century Fox Film corporation e entidades relacionadas. disTRiBUÍdO POR HOLLYWOOd cLAssics LTd. EM NOME dE TWENTiETH cENTURY FOX HOME ENTERTAiNMENT, iNc. E disPONiVEL NO BRAsiL EXcLUsiVAMENTE PELO iNsTiTUTO MOREiRA sALLEs.

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Nesse filme incrível de Robert Altman, lançado em 1978, a matriarca de uma família rica morre na véspera do casamento da bisneta. A família resolve, então, esconder a falecida e tocar o casamento adiante. A partir daí, Altman narra com fina ironia a trama de uma sociedade hipócrita que tem algo a esconder. No filme, se destaca a conhecida habilidade do diretor em tecer tramas com uma miríade de personagens (são 48!) com histórias entrecruzadas, narrativas que se sobrepõem umas às outras num retrato impiedoso do ser humano.

O cinema de Werner Herzog é conhecido, como o próprio, pela sua intensidade que tangencia a loucura. As realizações dos seus filmes, em si, já dariam filmes espetaculares. Lançado em 1982, Fitzcarraldo, um épico alucinado filmado na amazônia peruana, traz a história de Brian Sweeney Fitzgerald e seu sonho de construir um teatro de ópera em plena floresta. Como estamos falando de Herzog, e seu fiel ator Klaus Kinski, o filme nos carrega assim como os índios arrastam o bar monumental de Sweeney através da densa mata e dos morros onde sonho e pesadelo se erguem de mãos dadas. Herzog é cinema em sua essência. FI

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A MOON ShAPED

POOLRADIOhEADXL RECORDINGS

Após um hiato de quase cinco anos, a banda Radiohead volta em ótima forma com um dos discos mais antecipados de 2016. Donos de um som inconfundível, este disco é uma mistura de novas canções com outras nem tanto, que eram apenas conhecidas pelos fãs nas execuções ao vivo nos shows da banda. O disco foi lançado já em meio a uma turnê internacional em que o Radiohead vem executando novas versões de faixas, como Creep. Segundo Will Butler, do Arcade Fire, A Moon Shaped Pool é “um ótimo álbum para se usar como uma trilha sonora de um sonho no meio da tarde”.

BLACKSTARDAVID BOWIE

SONy MuSIC

AMOR GERALFERNANDA ABREu

SONy MuSIC

No primeiro álbum de inéditas em doze anos, Fernanda Abreu mostra toda a criatividade que esteve retida durante esta década difícil na vida pessoal da cantora. Fernanda diz que Amor Geral é um disco centrado no amor do outro, porque são os amores dos outros que nos fazem sentir vivos. Sua opção de montar o disco com produtores diferentes, cada um com uma sonoridade adequada para cada faixa, reproduz essa receptividade ao amor dos outros, com um trabalho múltiplo, mas também com a identidade forte da “garota carioca suingue sangue bom” bem marcada, que em meio às adversidades continua com fome de viver. E de amar.

MM3METá METáINDEPENDENTE

Se aproveitando da falta de barreiras da internet, o Metá Metá, formado por Jussara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França, lançou seu MM3 não apenas para o Brasil, mas para o mundo. As raízes afro-brasileiras se fazem evidentes em canções como Osanyin,Toque Certeiro e Oba Koso, esta última uma versão da banda para um canto do candomblé. Contando ainda com Marcelo Cabral e Sergio Machado como apoio para este álbum, Metá Metá une o jazz e o rock em suas formas progressiva e psicodélica e resulta em uma sonoridade brasileira na voz forte de Jussara.

Seu “presente de despedida”, segundo o amigo e produtor Tony Visconti, Blackstar é o último álbum de David Bowie. Lançado dois dias antes de sua morte, suas faixas são permeadas por referências ao câncer, mantido em segredo por dezoito meses, e à proximidade da morte. É impossível não ouvir Lazarus sabendo de sua luta e não se emocionar ao passar pelos versos “I’ll be free/Just like that blue bird/Now ain’t that just like me?”, porque Bowie se manteve até o último dia, antes de voar, livre, fazendo arte, e nos surpreendeu mais uma vez com um álbum impecável e inovador, e não há nada mais David Bowie do que isso.M

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Início meio fim. É um fato que a gente esquece: o dia começa no ponto em que termina a noi-te. Presos em Áquila, os dois só se encontram nesse ponto do enredo. Me perguntaram a his-tória desse quadro, pois bem, é essa. Acontece que vejo, todos os dias, os dias todos morrerem, e todas as coisas morrerem, e todas as coisas nascerem, e a cada dia sei que um novo dia nasceu para morrer. Eu que não gosto de dormir, que não tenho receio do escuro e sim medo de não acordar, preferia arder com o Vinicius. Resisto, mas acabo indo pra cama e quando acordo já está claro. O fato é que quase nunca vejo o dia nascer, mas acompanho sempre seu envelheci-mento. Seu meio dia jovial, sua tarde serena, até que vai gentilmente para dentro da noite. Sem gritos, o dia envelhece para se tornar noite quente e nós, convencidos que somos, dizemos que ele acabou, ficamos com raiva, bradando que passou muito rápido, que morreu antes de nós.

Aí é que está o segredo: a verdade é que o dia só está diferente. Ele agora, enfeitado de estrelas e muito mais esperto, é a noite. A noite é muito mais sábia do que o dia. E, quando todos se vão, nós conversamos. Tento acompanhá-la e ela me faz companhia. Mas, sorrateira como é, sempre manda o sono me levar. E de novo eu não vi o dia nascer. Mas sempre tem aquele dia em que o sono não consegue chegar, e eu, herói de mim mesmo, vejo o dia que agora é noite morrer, afinal. Eu venci o dia, vivi mais tempo do que ele, não fui enganado pela noite e a vi ir embora para nascer um novo dia. E aí vou dormir, ignorando o fato de que a noite muito viva apenas voltou a ser dia. E que isso é um fim meio início. Início meio fim, meio início, cíclico. Espero pra ver o que vou ser depois que for noite.

ruan d’ornellas

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LEIA E NÃO DESCANSE EM PAZ. DESCUBRA O QUE SE ESCONDE DO OUTRO LADO DA VIDA NO NOVO THRILLER DO PREMIADO AUTOR DE O DEMONOLOGISTA.