Literatura infantil

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Literatura infantil: origens, visões da infância e certos traços populares Ricardo Azevedo * O objetivo deste artigo é comentar certos aspectos ligados ao estudo da chamada literatura infantil, particularmente os que dizem respeito às suas raízes e seus possíveis vínculos com a cultura popular. Se considerarmos que a origem da literatura infantil está necessariamente ligada ao surgimento da escola burguesa, portanto aos livros didáticos, teremos um tipo de literatura para crianças. Se, ao contrário, partirmos do pressuposto de que a literatura infantil é fundamentalmente ligada, tanto no plano do conteúdo como no da forma, às manifestações da tradição popular, teremos outra literatura, mais rica, complexa e humana. 1. Sobre as origens da literatura infantil Numerosos estudiosos têm partido do pressuposto de que só se pode, realmente, falar em literatura infantil a partir do século XVII, época da reorganização do ensino e da fundação do sistema educacional burguês. Segundo essa linha de pensamento, antes disso e em resumo, não haveria propriamente uma infância no sentido que conhecemos. Antes disso, as crianças, vistas como adultos em miniatura, participavam, desde a mais tenra idade, da vida adulta. Não havendo livros, nem histórias dirigidas especificamente a elas, não existiria nada que pudesse ser chamado de literatura infantil. Por este viés, as origens da literatura infantil estariam nos livros publicados a partir dessa época, preparados especialmente para crianças com intuito pedagógico, utilizados como instrumento de apoio ao ensino. Como consequência natural deste processo, o didatismo e o conservadorismo (a escola, afinal, costuma ser instrumento de transmissão dos valores vigentes) deveriam ser considerados componentes estruturais, por assim dizer, da chamada literatura para crianças. * Ricardo Azevedo, escritor e ilustrador, é doutorando em Letras pela Universidade de São Paulo.

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Literatura infantil: origens, vises da infncia e certos traos populares

Literatura infantil: origens, vises da infncia e certos traos populares

Ricardo Azevedo*O objetivo deste artigo comentar certos aspectos ligados ao estudo da chamada literatura infantil, particularmente os que dizem respeito s suas razes e seus possveis vnculos com a cultura popular. Se considerarmos que a origem da literatura infantil est necessariamente ligada ao surgimento da escola burguesa, portanto aos livros didticos, teremos um tipo de literatura para crianas. Se, ao contrrio, partirmos do pressuposto de que a literatura infantil fundamentalmente ligada, tanto no plano do contedo como no da forma, s manifestaes da tradio popular, teremos outra literatura, mais rica, complexa e humana.1. Sobre as origens da literatura infantilNumerosos estudiosos tm partido do pressuposto de que s se pode, realmente, falar em literatura infantil a partir do sculo XVII, poca da reorganizao do ensino e da fundao do sistema educacional burgus. Segundo essa linha de pensamento, antes disso e em resumo, no haveria propriamente uma infncia no sentido que conhecemos. Antes disso, as crianas, vistas como adultos em miniatura, participavam, desde a mais tenra idade, da vida adulta. No havendo livros, nem histrias dirigidas especificamente a elas, no existiria nada que pudesse ser chamado de literatura infantil. Por este vis, as origens da literatura infantil estariam nos livros publicados a partir dessa poca, preparados especialmente para crianas com intuito pedaggico, utilizados como instrumento de apoio ao ensino. Como consequncia natural deste processo, o didatismo e o conservadorismo (a escola, afinal, costuma ser instrumento de transmisso dos valores vigentes) deveriam ser considerados componentes estruturais, por assim dizer, da chamada literatura para crianas.Trabalhos como Literatura Infantil y Juvenil en Europa - Panorama Histrico1 - da estudiosa francesa Denise Escarpit ou Anlisis terico del cuento infantil2 de Marisa Bortolussi, entre outros, nos apresentam, mais ou menos, essa viso geral.A pretexto de reconstituir a histria da literatura infantil, Denise Escarpit inicia seu trabalho j no sc. XVII, apontando quais teriam sido os primeiros livros para crianas. Cita, como exemplo, o trabalho Orbis Sensualium Pictus (1658), de Comenius, obra criada com o intuito de ensinar latim atravs de gravuras, um antepassado, sem dvida, do nosso livro didtico ilustrado para crianas. Antes do sculo XVII, afirma Escarpit, no existiria nada que pudesse ser tratado como literatura infantil. A pesquisadora francesa, entretanto, no deixa de mencionar diversas atividades expressivas e populares como as adivinhas, rimas infantis e certos jogos de palavras que, segundo ela, fariam parte da gnese da literatura infantil mas s ganhariam esse contorno - o status de literatura infantil - quando reaproveitadas e pelos primeiros livros destinados especficamente ao pblico infantil. Tal adaptao, note-se, significava, na verdade, a incorporao de aspectos francamente didticos e utilitrios, ligados educao moral, por exemplo.A autora refere-se s narrativas populares, por ex. fabliaux (narrativas breves, alegres, annimas, em geral abordando pequenos casos da vida cotidiana - adultrios, espertezas etc. muito populares no perodo medieval.); contos maravilhosos (de fadas ou de encantamento); fbulas; lendas etc., frisando que, basicamente, eram dirigidos a adultos e contados por adultos. Faz ainda uma interessante associao entre a cultura popular, o que era produzido pelo e para o povo, e o que era oferecido s crianas. Diz textualmente Denise Escarpit que, neste perodo,: Decir popular equivale a decir bueno para los nios.Que essas narrativas eram compartilhadas por adultos e crianas fato conhecido e confirmado por Phillipe Aris3 e Peter Burke4 entre muitos outros historiadores. Alis, por essa poca, eram tnues os limites entre a vida adulta e a infantil.Aris compara a criana medieval a um delicado e querido bichinho de estimao. A morte de crianas pequenas, lembra ele, era fato corriqueiro, seja por falta de higiene, por doenas, pela fome ou por causa das intempries. Sofria-se com tal perda, mas tratava-se de um episdio banal, passvel de ocorrer em todas as casas. Outras crianas, em todo caso, nasceriam. Conseguindo sobreviver aos riscos da primeira infncia, o ainda pequeno indivduo medieval j costumava, l pelos sete anos de idade, ser encaminhado para o aprendizado de alguma profisso. Sempre segundo Aris, sabemos que a criana desta poca adquiria seus conhecimentos, principalmente, atravs do aprendizado prtico e pela convivncia social. A escola medieval era uma instituio precria, bastante desorganizada e pouco comparvel com a que conhecemos em nossos dias. Alm das escolas eclesisticas, estabelecidas, em princpio, para formar religiosos, existiam cursos avulsos, mantidos por professores e mestres-escolas (que eram livres para estipular seus prprios currculos) tambm avulsos, e s. Em todo caso, certo que, por esta poca, poucas crianas iam escola ou permaneciam nela por muito tempo.Participando da vida comunitria, dos costumes sociais, hbitos, linguagem, jogos, brincadeiras e festas, aparentemente no havia, no perodo medieval, assuntos que a criana no pudesse conhecer. Os temas da vida adulta, as alegrias, a luta pela sobrevivncia, as preocupaes, a sexualidade, a morte, a transgresso das regras sociais, o imaginrio, as crenas, as comemoraes, as indignaes e perplexidades eram vivenciadas por toda comunidade, independentemente de faixas etrias. Na verdade, a criana de mais de sete anos ocupava, ao que parece, o papel de um pequeno adulto, inexperiente e frgil, incapaz de certas coisas talvez, mas j uma pessoa na vida, importante como fora na famlia e na sociedade. Vale lembrar que o esprito popular medieval, coletivo por princpio, ligado a festas e atos pblicos era, ao mesmo tempo, marcado pelo fatalismo, pela crena no fantstico, em poderes sobre-humanos, em pactos com o diabo e em personificaes de todo tipo. Nesse mundo, onde a crena em fadas, gigantes, anes, bruxas, castelos encantados, elixires, tesouros, fontes da juventude, quebrantos e pases utpicos e mgicos era disseminada, crianas e adultos sentavam-se lado a lado nas praas pblicas, durante as festas, ou noite, aps o trabalho, para escutar os contadores de histrias.Neste sentido, falar em contos maravilhosos ou de encantamento quando nos referimos s narrativas populares medievais pode ser considerado um equvoco. No havia neste contexto, principalmente levando-se em conta as concepes populares, uma separao ntida entre o real e o fantstico. Mesmo hoje, pensando bem, essa separao assunto complexo e discutvel. O realismo, portanto, em termos, a realidade, para muitos, como Ehrenzweig5, baseia-se fundamentalmente em esquemas convencionais, culturais e compartilhados, de apreenso e percepo. Em outras palavras, segundo o autor, em princpio, vemos e captamos o que fomos condicionados a ver e captar.Mas voltemos tentativa de discutir as origens da literatura infantil.No possvel negar que falar em contos de fadas hoje, tem significado para todos ns, quase que automaticamente, falar em crianas. Sem colocar em discusso suas diversas denominaes, contos de encantamento, contos maravilhosos, fbulas ou simplesmente contos populares, como queria Andr Jolles6, importa lembrar sua notvel influncia em inmeras obras da literatura infantil. No poucos autores de livros para crianas e outros, utilizaram e continuam utilizando, como referncia, vrios aspectos temticos e formais dos contos populares para desenvolver seu prprio trabalho. Vale lembrar, entre muitas outras, obras como Pinquio7, Aventuras de Xisto8, Histria meio ao contrrio9, Uma idia toda azul10, Os pregadores do Rei Joo11, A Fada-Sempre-Viva e a Galinha-fada12 e Tampinha13, todas com evidentes vestgios das narrativas populares.Se verdade que o universo dos contos populares pode, de alguma forma, ser vinculado a um certo universo infantil (visto com as devidas ressalvas; discutiremos o assunto logo abaixo), a literatura para crianas possivelmente teria outras razes, desvinculadas da fundao da escola burguesa, e, assim, novas indagaes vm baila.O estudo dos contos tradicionais, essas narrativas dirigidas a todas as pessoas, independentemente de faixas etrias, pelo menos se levarmos em considerao as pesquisas de estudiosos dspares como Andr Jolles e Paul Zumthor ou Mikhail Bakhtin, Peter Burke e Johan Huizinga, demostra que os mesmos representam verdadeiro depsito do imaginrio, das tradies e da viso de mundo oriundos de um certo esprito popular, estando enraizados em antiqussimas narrativas mticas. Alm disso, sobreviveram ao longo dos sculos atravs da transmisso oral feita por contadores de histrias, jograis e menestris, num tempo, nunca demais frisar, em que a vida comunitria e coletiva era intensa (em oposio vida privada e dos interesses individuais).Ora, se o conto tpica expresso da cultura popular e se, com o passar do tempo, houve (para no dizer que talvez sempre tenha havido) uma aproximao entre conto popular e a infncia, ou entre o popular e o infantil, vale indagar: que caractersticas, afinal, tm esses contos e quais delas, eventualmente, podem ter permanecido vivas na literatura para crianas?

2. Sobre um certo universo infantilAntes de continuar, vamos examinar um pouco o que significa este para crianas.Classificaes usuais como infantil e juvenil, podem, naturalmente, ser teis em determinadas situaes (por exemplo, as mercadolgicas), mas, convenhamos, parecem bastante imprecisas. Infantil indica crianas. Mas, que crianas? De trs, cinco, sete, nove ou onze anos? Alfabetizadas ou no? possvel tratar uma pessoa de sete da mesma forma que tratamos uma de nove? Um livro para uma criana de oito anos agradaria a uma de dez?Para alguns, pessoas de onze anos j no seriam crianas mas sim adolescentes, portanto caracterizveis como juvenis. Mas o que seria juvenil? Jovens de onze, de treze ou de quinze? possvel tratar um jovem de onze da mesma forma com que tratamos um de quinze? Quais os pontos comuns e as diferenas entre um jovem de treze e uma criana de nove anos? Seriam duas pessoas de treze anos iguais?Questionamentos deste tipo tm, na verdade, algum cabimento?Considerando a literatura, a motivao esttica, o discurso ficcional, potico e no utilitrio, faz sentido falar em livros dirigidos a determinadas faixas etrias? Seria vlido dividir a complexa realidade humana, matria prima da arte, em abstratos grupos de idade? possvel tratar a infncia como uma massa homognea de pessoas? Para determinar graus de escolaridade talvez sim, mas para falar em experincia existencial?No caso dos livros didticos, a diviso dos assuntos em faixas etrias parece ser um procedimento bastante razovel. Pensamos no contedo de determinada matria, com contornos ntidos, organizado num grau crescente de dificuldades, dividido em tantos anos letivos, transmitido de forma objetiva a indivduos com, mais ou menos, as mesmas caractersticas e no mesmo estgio fsico e neurolgico.Considerando a existncia de livros de literatura infantil, contendo um discurso subjetivo, ficcional e potico, no didtico (no utilitrio) por princpio, o mesmo procedimento seria vlido?E levando-se em conta a bvia (e humana) diferena entre as experincias individuais de cada um? H crianas de 8 anos que j trabalham. H meninas de 11 anos que j so mes. H filhos de pais separados. H crianas que perderam o pai. H traumas. H temperamentos. H sonhos. H vivncias absolutamente pessoais (o gosto, os prazeres, a perspectiva do sublime). Alm disso, possvel encontrar, num mesmo grupo, pessoas oriundas de tradies, culturas e concepes de mundo diferentes.Em suma, h de tudo quando levamos em conta o plano da existncia particular e no o da genrica, esquemtica e higinica estatstica.A viso que temos hoje do que seja criana ligada, naturalmente, ao nosso contexto histrico, social, cientfico (epistemolgico) e cultural. Estamos habituados a conviver, pelo menos em certas classes sociais, com uma infncia apartada da vida adulta (do trabalho, da sexualidade, da poltica etc), habitando um universo delimitado por assuntos escolares, certo vocabulrio, certas brincadeiras e certos assuntos. Em outras pocas, existiram outras crianas, tratadas de outras formas, ocupando outros espaos dentro da famlia e da sociedade. No perodo medieval, como vimos, crianas e adultos trabalhavam duro. noite, sentavam-se lado a lado e juntos deliciavam-se com as mesmas histrias, participavam das mesmas festas e, pelo menos em tese, estavam sintonizados com as mesmas inquietaes. Se examinarmos a vida da criana pobre, habitante de uma favela, hoje, encontraremos situao similar. Num outro extremo, em nosso perodo histrica e em certas camadas sociais, podem ser encontrados jovens com mais de vinte anos de idade sem noo do que seja o trabalho ou o exerccio da cidadaniaVoltamos questo, aparentemente ingnua. O que so crianas? Que recursos afinal, esto virtual e potencialmente presentes na infncia? Seria esse conceito, este estgio da existncia, uma coisa to cristalina, consensual e ntida assim? O que so adultos? possvel trat-los como uma massa homognea e abstrata? Ser vlido generalizar esses termos com tamanha segurana?Se de fato, bvia e indiscutivelmente, existem diferenas entre adultos e crianas, separ-los em dois mundos distintos com contornos claros parece-nos uma idealizao precria e redutiva, bastante afastada de qualquer coisa que se possa chamar realidade.De momento, em todo o caso, o que nos interessa so principalmente os seguintes pontos: 1) se levada a srio, a noo de que existem dois universos lquidos e certos separando crianas e adultos ir, fatalmente, nos levar a determinado tipo de literatura infantil;2) se considerarmos que adultos e crianas compartilham, em linhas gerais, um mesmo universo, com certeza teremos outra literatura infantil, a nosso ver infinitamente mais rica e complexa e humana.3. Vnculos entre o conto popular e a literatura infantilVale a pena tentar apontar alguns pontos que, em nossa viso, poderiam aproximar as narrativas populares da literatura para crianas.No plano da expresso, do discurso (ou do significante), sabemos que os contos populares sobreviveram ao longo dos sculos de boca em boca, transmitidos por bardos, menestris e contadores de histrias. Estes, invariavelmente, recorriam a um discurso conciso, a uma linguagem marcada pela expresso oral, frmulas verbais pr-fabricadas, ditados, frases feitas e a um vocabulrio popular e acessvel, tendo em vista a comunicao clara e direta com a platia14.Encontraremos situao anloga na maioria absoluta das obras destinadas ao pblico infantil: textos concisos, marcados pela oralidade, utilizando vocabulrio familiar e construdos com a inteno de entrar em contato com o leitor.Da mesma forma, no plano do contedo, muitos pontos de contato unem os contos populares literatura infantil. Vamos enumerar apenas alguns deles:1. A recorrncia do elemento cmico. O riso, o deboche, a alegria e o escrnio como revide aos paradoxos contrapostos pela existncia;2. O uso singularmente livre da fantasia e da fico, muitas vezes como forma de verificao ou experimentao da verdade; Estes dois primeiros itens, para Mikhail Bakhtin15, so ndices das mais arcaicas tradies populares.3. Personagens movidos muito mais por seus prprios interesses, pelo livre arbtrio, pela aproximao afetiva, pelo senso comum, pelos sentidos, pela empatia, pela viso subjetiva, pela busca da felicidade (a moral ingnua referida por Andr Jolles) do que por uma tica geral, pr-estabelecida, racional, abstrata, uniforme, objetiva, imparcial e impessoal, que pretende determinar, a priori, o certo e o errado. Na literatura infantil, a moral ingnua reaparece regendo personagens que vo de Emlia de Lobato e Raquel de A bolsa amarela de Lygia Bojunga ao Menino maluquinho de Ziraldo, parentes, sem dvida, dos tambm transgressores e inesperados Juca e Chico, Pinquio, Alice e Peter Pan;4. Certos temas e enredos tradicionais remanescentes, ao que tudo indica, de imemoriais narrativas de iniciao, e que poderiam, mesmo que precariamente, ser rotulados como a busca do auto-conhecimento ou da identidade ( recorrente em numerosos contos de fadas. Na literatura infantil, surge em obras que vo de Pinquio e As aventuras de Alice no Pas das Maravilhas16 a A bolsa amarela17 e o Homem que soltava pum18) ou a luta do velho contra o novo (basta lembrar de contos populares como A Branca de Neve e de obras como Peter Pan19 e, por que no, As aventuras de Alice no Pas das Maravilhas, A bolsa amarela e o Homem que soltava pum);5. O uso livre de personificaes e antropoformizaes;6. A possilbilidade da metamorfose;7. As poes, adivinhas, instrumentos e palavras mgicas;8. Histrias apresentando um carter inicitico, nas quais o heri parte, enfrenta desafios ( engolido por um peixe, perde a memria, v-se transformado num monstro etc.) e retorna modificado;9. Imagens recorrentes como vos mgicos, monstros, oxmoros etc;10. O final feliz. Este recurso, presente em inmeras narrativas populares, considerado por muitos um ndice de alienao. Na verdade, este expediente, utpico por natureza, parece estar enraizado em certas concepes arcaicas como as que preconizam a renovao peridica do mundo (o eterno retorno). Por este vis, tudo no mundo fecundado, nasce, cresce, prospera, decai, apodrece, morre e renasce. Em outras palavras, tudo, no fim, acaba voltando pureza original, portanto, no fim, tudo d certo. Se no deu certo, diz o ditado popular, porque ainda no chegou ao fim20.4. ConclusoAo abordar temas to amplos num espao to exguo no tivemos, nem de longe, a pretenso de ser conclusivos.Fica clara porm, no que diz respeito ao estudo da literatura infantil, a necessidade urgente de discutir alguns pontos: 1) a oposio entre uma literatura infantil necessariamente utilitria (ligada lio e inteno didtica) e outra necessariamente potica (= literria) e no-utilitria (ligada fico, inteno esttica e especulao existencial); 2) a oposio entre a existncia de um universo infantil e outro compartilhado, basicamente por crianas e adultos; e ainda, 3) a identificao das razes da literatura infantil com o surgimento da escola burguesa em oposio aos elos existentes entre a literatura infantil e os contos maravilhosos, portanto, cultura popular.BIBLIOGRAFIA1) ESCARPIT, Denise. La literatura infantil y juvenil en Europa. Trad. Diana Flores, Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1981.2) BORTOLUSSI, Marisa. Anlisis terico del cuento infantil. Madrid, Alhambra, 1985.3) ARIS, Phillipe. 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