Linguistica Aplicada Ao Ensino de Lingua Estrangeira

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ReVEL, vol. 2, n. 2, 2004 [www.revel.inf.br] 1 SPADA, Nina. Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Estrangeira: uma entrevista com Nina Spada. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Vol. 2, n. 2, 2004. Tradução de Gabriel de Ávila Othero. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br]. LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA UMA ENTREVISTA COM NINA SPADA Nina Spada University of Toronto ReVEL - Quais são as contribuições mais importantes da Linguística Moderna para o ensino de língua estrangeira? Spada - Uma das primeiras e mais significativas contribuições da Linguística Moderna para o ensino de segunda língua e de língua estrangeira foi a concepção de linguística estrutural, que, quando combinada com a teoria behaviorista de aprendizagem, levou ao desenvolvimento do método audiolingual. Esse método, considerado o primeiro método "científico" de ensino de língua, passou a dominar a área por muitas décadas antes da chegada da "revolução linguística" de Chomsky no final dos anos de 1960, com a introdução da Gramática Universal (GU). A ideia de que existe uma gramática universal das línguas humanas se originou com a visão de Chomsky sobre a aquisição da língua materna (L1). Ele estava procurando uma explicação para o fato de que praticamente todas as crianças aprendem sua língua em um momento de seu desenvolvimento cognitivo em que elas estão experimentando dificuldades para conquistar outros tipos de conhecimento que parecem ser bem menos complicados do que a linguagem. Chomsky argumentou que isso não poderia ser conquistado pela mera exposição a amostras de linguagem no ambiente linguístico, porque a língua a que a criança é exposta é incompleta e algumas vezes "degenerada" ou fragmentária. Além disso, as crianças parecem ser capazes de adquirir sua língua materna sem qualquer "feedback"

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    SPADA, Nina. Lingustica Aplicada ao Ensino de Lngua Estrangeira: uma entrevista com Nina Spada.

    Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Vol. 2, n. 2, 2004. Traduo de Gabriel de vila

    Othero. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].

    LINGUSTICA APLICADA AO ENSINO DE LNGUA ESTRANGEIRA

    UMA ENTREVISTA COM NINA SPADA

    Nina Spada

    University of Toronto

    ReVEL - Quais so as contribuies mais importantes da Lingustica

    Moderna para o ensino de lngua estrangeira?

    Spada - Uma das primeiras e mais significativas contribuies da Lingustica Moderna

    para o ensino de segunda lngua e de lngua estrangeira foi a concepo de lingustica

    estrutural, que, quando combinada com a teoria behaviorista de aprendizagem, levou ao

    desenvolvimento do mtodo audiolingual. Esse mtodo, considerado o primeiro mtodo

    "cientfico" de ensino de lngua, passou a dominar a rea por muitas dcadas antes da

    chegada da "revoluo lingustica" de Chomsky no final dos anos de 1960, com a

    introduo da Gramtica Universal (GU). A ideia de que existe uma gramtica universal

    das lnguas humanas se originou com a viso de Chomsky sobre a aquisio da lngua

    materna (L1). Ele estava procurando uma explicao para o fato de que praticamente

    todas as crianas aprendem sua lngua em um momento de seu desenvolvimento

    cognitivo em que elas esto experimentando dificuldades para conquistar outros tipos

    de conhecimento que parecem ser bem menos complicados do que a linguagem.

    Chomsky argumentou que isso no poderia ser conquistado pela mera exposio a

    amostras de linguagem no ambiente lingustico, porque a lngua a que a criana

    exposta incompleta e algumas vezes "degenerada" ou fragmentria. Alm disso, as

    crianas parecem ser capazes de adquirir sua lngua materna sem qualquer "feedback"

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    sistemtico de correo, nem qualquer instruo. Chomsky ento concluiu que as

    crianas devem ter uma faculdade inata da linguagem - um mecanismo com o qual elas

    j nascem - que as torna capazes de "decifrar o cdigo" da linguagem que elas

    eventualmente iro aprender como lngua materna, atravs de um processo de

    formulao de hipteses e testes.

    Mesmo que Chomsky no tenha um interesse particular por ensino ou aprendizagem de

    segunda lngua, seu trabalho influenciou as duas reas. Uma viso de aprendizagem de

    segunda lngua que compartilha alguns pressupostos da abordagem da GU a Monitor

    Theory, de Krashen (1982). Com base em pesquisas em aquisio de segunda lngua

    (L2), Krashen props que, por a aprendizagem em L2 ser similar aprendizagem em L1,

    deveriam ser feitos esforos para criar ambientes em salas de aula de L2 que se

    aproximassem das condies da aquisio de L1. Ele sups que, se aprendizes de L2

    fossem expostos a um "input compreensvel" e se recebessem oportunidades de se

    concentrarem mais em significados e mensagens do que em formas gramaticais e

    acuidade, eles seriam capazes de adquirir sua segunda lngua de forma parecida com

    que os aprendizes de L1 aprendem sua lngua materna. Dessa forma, a Monitor Theory

    disponibilizou um considervel apoio para o ensino de lngua estrangeira e segunda

    lngua, particularmente para o Communicative Language Teaching (CLT) e para o

    movimento que no se centrava em forma lingustica, mas em comunicao e

    significado.

    Uma outra importante contribuio da Lingustica Moderna para o ensino de lngua

    estrangeira, e particularmente para o CLT, pode ser encontrada na teoria da

    competncia comunicativa, proposta pelo sociolinguista Dell Hymes no comeo dos

    anos 1970. Essa teoria postula que saber uma lngua inclui muito mais do que saber as

    regras de sua gramtica (i.e. competncia lingustica). Hymes chamou a ateno para a

    importncia das regras do uso lingustico (i.e. competncia comunicativa). Essa viso

    levou a diversos desenvolvimentos no campo do CLT, incluindo a criao de currculos

    comunicativos, materiais de ensino de lnguas e metodologias. Desde a dcada de 1980,

    o CLT, em suas vrias formas e interpretaes, tem continuado a dominar o campo de

    ensino de segunda lngua e tambm, cada vez mais, o campo de ensino de lngua

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    estrangeira. claro que a Lingustica apenas uma das disciplinas que tm influenciado

    o ensino de lngua estrangeira. H muitas outras que tm desempenhado um papel

    muito importante, como a psicologia e a educao.

    ReVEL - Voc acha que importante que um professor de lngua

    estrangeira tenha uma formao em Lingustica?

    Spada - Eu acredito que uma formao em Lingustica muito importante para os

    professores de lngua estrangeira se essa formao for suficientemente abrangente,

    abordando aspectos formais, funcionais, pragmticos e sociolingusticos da linguagem.

    O professor com formao em Lingustica deveria no apenas compreender o

    funcionamento da linguagem, mas tambm entender como o aluno faz esforos para

    aprender. Assim, o professor pode ter a sensibilidade para compreender os erros e

    outras caractersticas do desenvolvimento do aprendiz de lngua estrangeira. Ento, eu

    acredito que importante para o treinamento lingustico incluir algo sobre como as

    lnguas so aprendidas. Obviamente, os professores de lngua estrangeira deveriam no

    apenas possuir conhecimento e domnio avanados da lngua, mas tambm a habilidade

    de fazer esse conhecimento acessvel e compreensvel para o aluno. Frequentemente

    esse tipo de conhecimento obtido em cursos de gramtica pedaggica que so

    tipicamente oferecidos em programas de Lingustica Aplicada e no em programas de

    Lingustica.

    Nas palavras de um conhecido linguista aplicado, "parece razovel esperar que os

    professores devam saber a sua matria [i.e. a lngua]. Esse conhecimento fornece as

    bases de sua autoridade e d a garantia da ideia de que eles esto praticando uma

    profisso. Sem esse conhecimento especializado, eles no tm autoridade, nem

    profisso... O mnimo que poderamos esperar dos professores, ento, que eles saibam

    a sua matria" (Widdowson, 2002, p. 67).

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    ReVEL - O quanto um professor pode aprender ao analisar os erros dos

    alunos?

    Spada - Como Corder (1967) afirmou em seu artigo sobre a anlise de erros, "quando os

    alunos produzem 'frases corretas', eles podem apenas estar repetindo algo que j

    tenham ouvido; quando eles produzem frases que diferem da lngua-alvo, podemos crer

    que essas frases refletem o verdadeiro conhecimento do aluno sobre as regras e padres

    daquela lngua." Eu acredito que os erros dos alunos so uma fonte muito importante

    para o professor de lngua estrangeira. Eles so uma espcie de janela que nos mostra o

    que est acontecendo "dentro da mente do aluno" e podem ajudar os professores de

    diversas formas. Por exemplo, prestando ateno aos erros dos alunos, os professores

    podem diagnosticar que tipos de erros os alunos esto cometendo e ento decidir o que

    fazer com eles. Os erros tambm sempre fornecem uma indicao sobre o progresso do

    aprendiz e, por isso, podem ajudar no processo de avaliao. A ocorrncia de um

    nmero mais alto de erros do que o esperado em determinada atividade pode indicar

    que aquela atividade est muito difcil. Por outro lado, poucos erros de certo tipo podem

    indicar ao professor que o processo de aprendizagem est acontecendo. Por isso, um

    professor pode aprender um bocado analisando os erros dos alunos.

    A habilidade de perceber e analisar os erros dos estudantes requer um slido

    conhecimento da lngua que est sendo ensinada. Conhecer a lngua materna do aluno

    tambm pode ajudar bastante. Este ltimo tipo de conhecimento pode ser um objetivo

    mais realstico ao se ensinar lngua estrangeira (ao contrrio de segunda lngua), em que

    tipicamente a maioria dos estudantes compartilha da mesma lngua materna.

    ReVEL - Qual voc acredita que seja a melhor idade para que uma criana

    comece a aprender uma lngua estrangeira?

    Spada - Praticamente qualquer um diria "quanto mais novo, melhor", quando se trata

    de aprender uma lngua estrangeira atravs da educao formal, em escolas. Contudo,

    tanto a experincia como a pesquisa tm mostrado que estudantes mais velhos podem

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    obter um nvel de proficincia alto, se no nativo, em uma lngua estrangeira. Ento a

    resposta para a pergunta "qual a melhor idade para que as crianas comecem a

    aprender uma lngua estrangeira" depende de diversos fatores, sendo os dois mais

    importantes: 1) os objetivos e as expectativas do programa instrucional e 2) o contexto

    em que o ensino acontece.

    Se o objetivo de aprender/ensinar uma lngua estrangeira obter o mais alto nvel de

    habilidade na segunda lngua, ou seja, o nvel em que um falante de segunda lngua se

    torne igual ao falante nativo, h sustentao para o argumento de "quanto mais cedo,

    melhor". Esse apoio, encontrado na literatura sobre a hiptese do perodo crtico,

    baseado no princpio de que fatores biolgicos e maturacionais limitam a capacidade de

    aprendizagem de lnguas depois de uma determinada idade.

    No entanto, alcanar a fluncia de uma lngua estrangeira em um nvel de falante nativo

    no o objetivo de todos os alunos em todos os contextos. Na verdade, a maioria dos

    aprendizes de lngua estrangeira est principalmente interessada em obter uma

    habilidade bsica de comunicao na lngua estrangeira, porque a sua lngua materna

    continuar sendo a sua lngua principal. Nesses casos, pode ser mais eficiente comear o

    aprendizado da lngua estrangeira mais tarde. Pesquisas tm mostrado que, quando

    recebem apenas algumas horas de instruo por semana, alunos que comeam mais

    tarde (por exemplo, por volta dos 10-12 anos, ao invs de 6-8 anos) geralmente se

    igualam com aqueles que comearam mais cedo. Sendo assim, uma ou duas horas por

    semana no ir produzir falantes de segunda lngua muito avanados, no importa o

    quo cedo tenham comeado.

    ReVEL - Que livros voc poderia sugerir para os professores de lngua

    estrangeira que queiram saber mais sobre a Lingustica Aplicada ao ensino

    de segunda lngua e de lngua estrangeira?

    Spada Brown, H.D. (1994). Principles of language learning and teaching (3rd

    edition). Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall Regents.

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    Candlin, C. & Mercer, N. (Eds.) (2001). English language teaching in its social context:

    A reader. New York: Routledge.

    Hinkel, E. & Fotus, S. (Eds.) (2002). New perspectives on grammar teaching in second

    language classrooms. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.

    Lightbown, P.M. & Spada, N. (1999) How languages are learned (2nd edition). Oxford:

    Oxford University Press.

    Trappes-Lomax, H. & Ferguson, G. (2002). Language in language teacher education.

    Amsterdam: John Benjamins.

    Schmitt, N. (Ed.) (2002). An introduction to applied linguistics. Oxford: Edward

    Arnold.

    Stern, H.H. (1993). Fundamental concepts of language teaching. Oxford: Oxford

    University Press.