Linguistica textual

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1 UCG - 2003/1 - VPG ESPECIALIZAÇÃO EM LETRAS Lingüística Textual Prof. João Ernandes Texto para estudo: BENTES, A C. Lingüística Textual. In- MUSSALIM, F. e BENTES, A C. (org.) Introdução à lingüística 1, domínios e fronteiras. São Paulo: Corte, 2001 p. 245/287) LINGÜÍSTICA TEXTUAL Anna Christina Bentes 1. UM BREVE PERCURSO HISTÓRICO Atualmente, tomar-se o texto como unidade de análise no campo dos estudos da linguagem pode parecer pouco questionável ou, mais ainda, constituir-se em uma verdadeira necessidade. No entanto, esta idéia nem sempre foi bem aceita: houve um percurso de mais de 30 anos desde que o termo "Lingüística de Texto" foi empregado pela primeira vez por Harald Weinrich, autor alemão que postula toda a Lingüística ser necessariamente Lingüística de Texto. Sem dúvida, o surgimento dos estudos sobre o texto faz parte de um amplo esforço teórico, com perspectivas e métodos diferenciados, de constituição de um outro campo (em oposição ao campo construído pela Lingüística Estrutural), que procura ir além dos limites da frase, que procura reintroduzir, em seu escopo teórico, o sujeito e a situação da comunicação, excluídos das pesquisas sobre a linguagem pelos postulados dessa mesma Lingüística Estrutural - que compreendia a língua como sistema e como código, com função puramente informativa. Ingedore Koch (1994), em seu texto Lingüística Textual: retrospecto e perspectivas e Luiz Antônio Marcuschi (1998a) em sua conferência intitulada Rumos atuais da Lingüística Textual, pronunciada no LXVI Seminário do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo, em junho de 1998, enumeram os estudos de diversos autores', principalmente nos Estados Unidos e na Europa, como aqueles que constituíram a primeira geração que propunha o texto como uma unidade legítima dos estudos lingüísticos e dava uma guinada no tratamento da língua. Denise Maldidier, Claudine Norman e Régine Robin, em texto da década de setenta, intitulado Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa, apresentam um breve histórico da constituição do campo dos estudos do discurso na França, discutindo resumidamente os interesses e os problemas das abordagens semiológicas (Roland Banhes, Greimas), das pesquisas sobre as pressuposições (Oswald Ducrot) e da elaboração do conceito de enunciação (Émile Benveniste), para então apresentarem os interesses da chamada Análise do Discurso de linha francesa. Todas essas abordagens podem ser vistas como fazendo parte deste esforço teórico, iniciado na década de sessenta, de construir uma Lingüística para além dos limites da frase, a chamada "Lingüística do Discurso". Ao longo desta apresentação, tentaremos apontar algumas diferenças importantes entre as tradições anglo-saxônica e francesa de estudos sobre o discurso/texto'. Na história da constituição do campo da Lingüística de Texto, podemos afirmar que não houve um desenvolvimento homogêneo. Segundo Marcuschi (1998a), "seu surgimento deu-se de forma independente, em vários países de dentro e de fora da Europa Continental, simultaneamente, e com propostas teóricas diversas"4. Mas, de uma forma geral, é possível distinguir três momentos que abrangeram preocupações téoricas bastante diversas entre si. Não há consenso entre os autores de que houve uma certa cronologia na passagem de um momento para outro. Podemos afirmar, no entanto, que houve não só uma gradual ampliação do objeto de análise da Lingüística Textual, mas também um progressivo afastamento da influência teórico-metodológica da Lingüística Estrutural saussureana: em um primeiro momento, o interesse predominante voltava-se para a análise transfrástica, ou seja, para fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas que ficassem limitadas ao nível da frase; em um segundo momento, com a euforia provocada pelo sucesso da gramática gerativa, postulou-se a descrição da competência textual do falante, ou seja, a construção de gramáticas textuais; em um terceiro momento, o texto passa a ser estudado dentro de seu contexto de produção e a ser compreendido não como um produto acabado, mas como um processo, resultado de operações comunicativas e processos lingüísticos em situações sociocomunicativas;

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1 UCG - 2003/1 - VPG ESPECIALIZAÇÃO EM LETRAS Lingüística Textual Prof. João Ernandes Texto para estudo: BENTES, A C. Lingüística Textual. In- MUSSALIM, F. e BENTES, A C. (org.) Introdução à lingüística 1, domínios e fronteiras. São Paulo: Corte, 2001 p. 245/287)

LINGÜÍSTICA TEXTUAL

Anna Christina Bentes 1. UM BREVE PERCURSO HISTÓRICO

Atualmente, tomar-se o texto como unidade de análise no campo dos estudos da linguagem pode parecer pouco questionável ou, mais ainda, constituir-se em uma verdadeira necessidade. No entanto, esta idéia nem sempre foi bem aceita: houve um percurso de mais de 30 anos desde que o termo "Lingüística de Texto" foi empregado pela primeira vez por Harald Weinrich, autor alemão que postula toda a Lingüística ser necessariamente Lingüística de Texto.

Sem dúvida, o surgimento dos estudos sobre o texto faz parte de um amplo esforço teórico, com perspectivas e métodos diferenciados, de constituição de um outro campo (em oposição ao campo construído pela Lingüística Estrutural), que procura ir além dos limites da frase, que procura reintroduzir, em seu escopo teórico, o sujeito e a situação da comunicação, excluídos das pesquisas sobre a linguagem pelos postulados dessa mesma Lingüística Estrutural - que compreendia a língua como sistema e como código, com função puramente informativa.

Ingedore Koch (1994), em seu texto Lingüística Textual: retrospecto e perspectivas e Luiz Antônio Marcuschi (1998a) em sua conferência intitulada Rumos atuais da Lingüística Textual, pronunciada no LXVI Seminário do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo, em junho de 1998, enumeram os estudos de diversos autores', principalmente nos Estados Unidos e na Europa, como aqueles que constituíram a primeira geração que propunha o texto como uma unidade legítima dos estudos lingüísticos e dava uma guinada no tratamento da língua. Denise Maldidier, Claudine Norman e Régine Robin, em texto da década de setenta, intitulado Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa, apresentam um breve histórico da constituição do campo dos estudos do discurso na França, discutindo resumidamente os interesses e os problemas das abordagens semiológicas (Roland Banhes, Greimas), das pesquisas sobre as pressuposições (Oswald Ducrot) e da elaboração do conceito de enunciação (Émile Benveniste), para então apresentarem os interesses da chamada Análise do Discurso de linha francesa. Todas essas abordagens podem ser vistas como fazendo parte deste esforço teórico, iniciado na década de sessenta, de construir uma Lingüística para além dos limites da frase, a chamada "Lingüística do Discurso". Ao longo desta apresentação, tentaremos apontar algumas diferenças importantes entre as tradições anglo-saxônica e francesa de estudos sobre o discurso/texto'.

Na história da constituição do campo da Lingüística de Texto, podemos afirmar que não houve um desenvolvimento homogêneo. Segundo Marcuschi (1998a), "seu surgimento deu-se de forma independente, em vários países de dentro e de fora da Europa Continental, simultaneamente, e com propostas teóricas diversas"4. Mas, de uma forma geral, é possível distinguir três momentos que abrangeram preocupações téoricas bastante diversas entre si.

Não há consenso entre os autores de que houve uma certa cronologia na passagem de um momento para outro. Podemos afirmar, no entanto, que houve não só uma gradual ampliação do objeto de análise da Lingüística Textual, mas também um progressivo afastamento da influência teórico-metodológica da Lingüística Estrutural saussureana: em um primeiro momento, o interesse predominante voltava-se para a análise transfrástica, ou seja, para fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas que ficassem limitadas ao nível da frase; em um segundo momento, com a euforia provocada pelo sucesso da gramática gerativa, postulou-se a descrição da competência textual do falante, ou seja, a construção de gramáticas textuais; em um terceiro momento, o texto passa a ser estudado dentro de seu contexto de produção e a ser compreendido não como um produto acabado, mas como um processo, resultado de operações comunicativas e processos lingüísticos em situações sociocomunicativas;

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2 parte-se, assim, para a elaboração de uma teoria do texto. Falemos agora um pouco mais detalhadamente de cada um destes momentos.

Na análise transfrástica, parte-se da frase para o texto. Exatamente por estarem preocupados com as relações que se estabelecem entre as frases e os períodos, de forma que construa uma unidade de sentido, os estudiosos perceberam a existência de fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas: o fenômeno da co-referenciação5, por exemplo, ultrapassa a fronteira da frase e só pode ser melhor compreendido no interior do texto. Antes de passarmos à análise do exemplo a seguir, faz-se necessário observar que neste primeiro momento de constituição da Lingüística Textual, um dos principais conceitos de texto era o de Harweg (1968), afirmando que um texto era "uma seqüência pronominal ininterrupta' ��� e que uma de suas principais características era o fenômeno do múltiplo referenciamento'. Um outro conceito de texto importante era o de Isenberg (1970): um texto era definido como uma "seqüência coerente de enunciados". (I) "Pedro foi ao cinema. Ele não gostou do filme."

Observar esse trecho, adotando uma perspectiva textual, significa olhar o emprego do pronome pessoal de 3a. pessoa de uma forma diferente. Aqui, a relação entre nome e pronome não é de simples substituição, no sentido mais corriqueiro do termo. O uso do pronome está fornecendo ao ouvinte/leitor instruções de conexão entre a predicação que se faz do pronome ("não gostou do filme) e o próprio SN em questão (considerado como aquele sobre o qual também já se disse algo). Esse movimento contribui para a construção da imagem do referente ("Pedro") por parte do ouvinte. Será a congruência entre as predicações feitas sobre o pronome e o próprio SN ("Pedro"), e não só a concordância de gênero e número, que permite afirmar que o pronome ele é co-referente de Pedro. Em outras palavras, é por conta desta congruência que sabemos que o pronome ele se refere a Pedro. No entanto, apenas a presença do mecanismo de co-referenciação, ao longo de uma seqüência, não garante que esta se constitua em um texto. Mais adiante, trataremos especificamente deste fenômeno, que se convencionou chamar de "coesão referencial".

Foram justamente estudos sobre o fenômeno citado, além de outros estudos, como, por exemplo, aqueles em que, para se dar conta de pares ou seqüências maiores de frases, foi tentada a ampliação de classificações já existentes dos tipos de relações passíveis de serem estabelecidas, entre as orações, por meio de determinados conectivos, que fizeram com que se desenvolvesse a linha de pesquisa denominada "análise transfrástica". Essa linha de pesquisa também se interessou por investigar vários outros fenômenos "transfrásticos": a pronominal ização, a seleção dos artigos (definido e indefinido), a concordância dos tempos verbais, a relação tópico-comentário e outros. No entanto, os estudos sobre a conexão entre enunciados também levou os pesquisadores a indagarem sobre como se estabelecia a relação entre uma seqüência e outra serra a presença de um conector. Vejamos os exemplos'° a seguir: (2) Não fui à festa de seu aniversário: passei-lhe um telegrama. (3) Não fui à festa de seu aniversário: estive doente. (4) Não fui à festa de seu aniversário: não posso dizer quem estava lá.

Em (2), sabemos que é a relação adversativa, implicada pelo conector "mas", a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Em (3), sabemos que é a relação explicativa, implicada pelo conector "porque", a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Em (4), sabemos que é a relação conclusiva, implicada pelo conector "portanto", a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciados.

No entanto, os correctores mencionados (ou ainda outros que pudessem substituí-los) não estão presentes. Nesse caso, caberia ao ouvinte/leitor construir o sentido global da seqüência, estabelecendo mentalmente as relações argumentativas adequadas entre os enunciados. O fato de ter sido necessário considerar, na construção do sentido global do enunciado, o conhecimento intuitivo do falante acerca das relações a serem estabelecidas entre sentenças, e o fato de nem todo texto apresentar o fenômeno da co-referenciação, constituíram-se em fortes motivos para a construção de uma outra linha de pesquisa, que não considerasse o texto apenas como uma simples soma ou lista dos significados das frases que o constituem. Passou-se, então, ao objetivo de elaborar gramáticas textuais.

Nas primeiras propostas de elaboração de gramáticas textuais, nas palavras de Marcuschi (1998a), tentou-se construir o texto como objeto da Lingüística. Apesar da ampliação do objeto dos estudos da ciência da linguagem, ainda se acreditava ser possível mostrar que o texto possuía propriedades que diziam

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3 respeito ao próprio sistema abstrato da língua. Dizendo de outra forma, as primeiras gramáticas textuais representaram um projeto de reconstrução do texto como um sistema uniforme, estável e abstrato. Neste período, postulava-se o texto como unidade teórica formalmente construída, em oposição ao discurso, unidade funcional, comunicativa e intersubjetivamente construída.

Como foi dito anteriormente, não é possível afirmar que houve uma ordem cronológica entre o primeiro momento (análise transfrástica) e as propostas de elaboração de gramáticas textuais. Pode-se afirmar, no entanto, que as propostas de elaboração de gramáticas textuais de diferentes autores", tais como Lang (1971, 1972), Dressler (1972, 1977), Dijk (1972, 1973) e Petôfi (1972, 1973, 1976), surgiram com a finalidade de refletir sobre fenômenos lingüísticos inexplicáveis por meio de uma gramática do enunciado. Esses autores possuem alguns postulados em comum. Em primeiro lugar, consideram que não há uma continuidade entre frase e texto porque há, entre eles, uma diferença de ordem qualitativa e não quantitativa, já que a significação de um texto, segundo Lang (1972), constitui um todo que é diferente da soma das partes 'Z. Além disso, consideram que o texto é a unidade lingüística mais elevada, a partir da qual seria possível chegar, por meio de segmentação, a unidades menores a serem classificadas. A segmentação e a classificação de um texto em unidades menores deveria, no entanto, sempre considerar a função textual dos elementos individuais, ou seja, que tipo de papel cada elemento desempenha em uma dada configuração textual. Por último, consideram que todo falante nativo possui um conhecimento acerca do que seja um texto, conhecimento este que não é redutível a uma análise frasal, já que o falante conhece não só as regras subjacentes às relações interfrásticas (a utilização de pronomes, de tempos verbais, da estratégia de definitivização etc.), como também sabe reconhecer quando um conjunto de enunciados constitui um texto ou quando se constitui em apenas um conjunto aleatório de palavras ou sentenças. Um falante nativo também é capaz de resumir e/ou parafrasear um texto, perceber se ele está completo ou incompleto, atribuir-lhe um título ou produzir um texto a partir de um texto dado, estabelecer relações interfrásticas etc. Assim, todo falante possuiria, segundo Charolles (1989), três capacidades textuais básicas, a saber: a) capacidade formativa, que lhe permite produzir e compreender um número potencialmente elevado e ilimitado de textos inéditos e que também lhe possibilita a avaliação, com convergência, da boa ou má-formação de um texto dado; b) capacidade transformativa, que o torna capaz de reformular, parafrasear e resumir um texto dado, bem como avaliar, com convergência, a adequação do produto dessas atividades em relação ao texto a partir do qual a atividade foi executada; c) capacidade qualificativa, que lhe confere a possibilidade de tipificar, com convergência, um texto dado, isto é, dizer se ele é uma descrição, narração, argumentação etc., e também a possibilidade de produzir um texto de um tipo particular.`

Segundo Fávero & Koch (1983), se todos os usuários da língua possuem essas habilidades, que podem ser nomeadas genericamente como competência textual, poderia justificar-se, então, a elaboração de uma gramática textual" que deveria ter basicamente as seguintes tarefas:

a) verificação do que faz com que um texto seja um texto, ou seja, a busca da determinação de seus princípios de constituição, dos fatores responsáveis por sua coerência, das condições em que se manifesta a textualidade;

b) levantamento de critérios para a delimitação de textos, já que a completude é uma das características essenciais do texto;

c) diferenciação de várias espécies de textos." É interessante ressaltar aqui que o projeto de elaboração de gramáticas textuais foi bastante

influenciado, em sua gênese, pela perspectiva gerativista. Essa gramática seria, semelhante à gramática de frases proposta por Chomsky, um sistema finito de regras, comum a todos os usuários da língua que lhe permitiria dizer, de forma coincidente, se uma seqüência lingüística é ou não um texto, é ou não um texto bem formado. Este conjunto de regras internalizadas pelo falante constitui, então, a sua competência textual.

No entanto, as tarefas enumeradas não conseguiram ser executadas a contento, apesar de todos os esforços de vários lingüistas, como os anteriormente citados `.

Se, por um lado, o projeto revelou-se demais ambicioso e pouco produtivo, já que muitas questões não conseguiram ser contempladas (por exemplo, como estabelecer as regras capazes de descrever todos e

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4 apenas todos os textos possíveis em uma determinada língua natural?) e já que não se conseguiu construir um modelo teórico capaz de garantir um tratamento homogêneo dos fenômenos pesquisados, por outro lado, isso significou um deslocamento da questão: em vez de dispensarem um tratamento formal e exaustivo ao objeto "texto", os estudiosos começaram a elaborar uma teoria do texto, que, ao contrário das gramáticas textuais, preocupadas em descrever a competência textual de falantes/ouvintes idealizados, propõe-se a investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso.

Nesse terceiro momento, adquire particular importância o tratamento dos textos no seu contexto pragmático`, isto é, o âmbito da investigação se estende do texto ao contexto, este último entendido, de modo geral, como o conjunto de condições externas da produção, recepção e interpretação dos textos. Segundo Marcuschi (1998a), no final da década de setenta, a palavra de ordem não era mais a gramática de texto, mas a noção de textualidade, compreendida por Beaugrande como um "modo múltiplo de conexão ativado toda vez que ocorrem eventos comunicativos". As mudanças ocorridas em relação às concepções de língua (não mais vista como um sistema virtual, mas como um sistema atual, em uso efetivo em contextos comunicativos), às concepções de texto (não mais visto como um produto, mas como um processo), e em relação aos objetivos a serem alcançados (a análise e explicação da unidade texto em funcionamento ao invés da análise e explicação da unidade texto formal, abstrata), fizeram com que se passasse a compreender a Lingüística de Texto como uma disciplina essencialmente interdisciplinar, em função das diferentes perspectivas que abrange e dos interesses que a movem. Ou ainda, mais atualmente, segundo Marcuschi (1998a), pode-se desenhar a LT como "uma disciplina de caráter multidisciplinar, dinâmica, funcional e processual, considerando a língua como não-autônoma nem sob seu aspecto formal"2°. Passemos agora, então, a considerar os diversos conceitos de texto que predominaram em diferentes períodos. 2. CONCEITO DE TEXTO

Poderíamos iniciar esta parte, apresentando uma definição de texto, de preferência a mais atual e/ou a mais reconhecida no campo dos estudos sobre texto no Brasil, indo, digamos assim, direto ao ponto. Entretanto, se assim o fizéssemos, estaríamos apagando o fato de que os conceitos, por mais interessantes e explicativos que sejam em um determinado contexto histórico, são resultado de um longo processo de reflexões, de idas e vindas, de disputas de/ entre diferentes sujeitos sobre um certo objeto em um determinado campo do conhecimento. Preferimos então, mesmo sacrificando um pouco o didatismo, tentar revelar aqueles que acreditamos serem os pontos mais importantes desta história" da construção do conceito de texto.

A partir daqui, passaremos a uma reordenação dos momentos anteriormente apresentados, considerando não a constituição do campo e seus objetivos, mas, sim, a definição de texto predominante. Podemos afirmar que, em uma primeira fase dos estudos sobre textos, fase esta que engloba os trabalhos dos períodos da "análise transfrástica" e da "elaboração de gramáticas textuais", acreditava-se que as propriedades definidoras de um texto estariam expressas principalmente na forma de organização do material lingüístico. Em outras palavras, existiriam então textos (seqüências lingüísticas coerentes em si) e não-textos (seqüências lingüísticas incoerentes em si). Segundo Koch (1997), nesta primeira fase, os conceitos de texto variaram desde "unidade lingüística (do sistema) superior à frase" até "complexo de proposições semânticas"Z2. A concepção que subjazia a todas essas definições era a de texto como uma estrutura acabada e pronta, como "produto de uma competência lingüística social e idealizada"z3. Um conceito de texto que pode representar este período é o de Stammerjohann (1975):

É possível perceber, nessa definição, uma ênfase no aspecto material e/ou formal do texto: sua extensão, seus constituintes. Nesse sentido, o texto é encarado como uma unidade que, apesar de teoricamente poder ser de tamanho indeterminado, é, em geral, delimitada, com um início e um final mais ou menos explícito. Ainda fazendo parte da fase em que o texto é visto como um produto acabado, como uma unidade formal a ser necessariamente circunscrita, há definições que priorizam o fato de o texto apresentar um determinado conjunto de conteúdos. Como exemplo, podemos citar aquela em que o texto é considerado como "um complexo de proposições semânticas". Weinrich (1971) ressalta que os textos podem ser definidos a partir de aspectos diversos: "a) a seqüência coerente e consistente de signos

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5 lingüísticos; b) a delimitação por interrupções significativas na comunicação; c) o status do texto como maior unidade lingüística' 25. Essa definição, apesar de considerar, ao mesmo tempo, vários aspectos (o da delimitação, o do sentido e do status no interior de uma teoria lingüística da unidade "texto"), ainda pode ser vista como pertencente à primeira fase, quando o texto é visto como o elemento primeiro de pesquisa, sem que se considere o que Leontiev (1969) afirma ser essencial: o fato de que "o texto não existe fora de sua produção ou de sua recepção��

Considerar as condições de produção e de recepção dos textos significa, então, passar a encarar o texto não mais como uma estrutura acabada (produto), mas como parte de atividades mais globais de comunicação. Nesse sentido, nas palavras de Koch (1997), trata-se de tentar compreender o texto no seu próprio processo de planejamento, verbalização e construção2'. Sendo assim, em uma segunda fase, aquela que abrange a elaboração de uma teoria do texto, a definição de texto deve levar em conta que: a) a produção textual é uma atividade verbal, isto é, os falantes, ao produzirem um texto, estão praticando ações`, atos de fala. Sempre que se interage por meio da língua, ocorre a produção de enunciados dotados de certa força, que irão produzir no interlocutor determinados) efeito(s), ainda que não sejam aqueles que o locutor tinha em mira. Dijk (1972) afirma que, em um texto, apesar de se realizarem diversos tipos de atos (em uma carta, por exemplo, podem realizar-se atos de saudação, pergunta, asserção, solicitação, convite, despedida, entre outros), há sempre um objetivo principal a ser atingido, para o qual concorrem todos os demais. O autor propõe, então, a noção de "macroato" de fala, aquele que estaria ordenando os demais. Além disso, não se pode esquecer que essas ações ou esses "macroatos" estão inseridos em contextos situacionais, sociocognitivos e culturais, assim como a serviço de certos fins sociais; b) a produção textual é uma atividade verbal consciente29, isto é, trata-se de uma atividade intencional, por meio da qual o falante dará a entender seus propósitos, sempre levando em conta as condições em que tal atividade é produzida; considera-se, dentro desta concepção, que o sujeito falante possui um papel ativo na mobilização de certos tipos de conhecimentos, de elementos lingüísticos, de fatores pragmáticos e interacionais, ao produzir um texto. Em outras palavras, o sujeito sabe o que faz, como faz e com que propósitos faz (se entendemos que dizer é fazer); c) a produção textual é uma atividade interacional, ou seja, os interlocutores estão obrigatoriamente, e de diversas maneiras, envolvidos nos processos de construção e compreensão de um texto. Sobre esse aspecto, nada nos parece mais claro para explicar a noção de interação verbal do que o trecho que se segue: Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.

Não poderíamos deixar de seguir a forma como Koch (1997), em seu último livro, finaliza o problema da conceituação da unidade "texto". A autora não só apresenta a sua própria formulação sobre o que é um texto, mas também a formulação de mais outros dois autores. Ao fazer isso, sinaliza para o fato de que sempre teremos à nossa disposição mais de uma definição de texto ou daquilo que se postula ser o objeto da Lingüística Textual, importando, então, escolher aquelas que compartilhem pressupostos teóricos e que sejam passíveis de serem reconhecidas como estabelecendo relações de proximidade e complementariedade. Para concluirmos esta seção, apresentaremos duas das definições de texto mobilizadas pela autora, e em uma delas, além da definição de texto, são apresentados os objetivos da disciplina:

Poder-se-ia, assim, conceituar o texto, como uma manifestação verbal constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais'.

Proponho que se veja a Lingüística do Texto, mesmo que provisória e genericamente, como o estudo das operações lingüísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais. Seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos constituintes lingüísticos, a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o sistema de

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6 pressuposições e implicações a nível pragmático da produção do sentido no plano das ações e intenções. Em suma, a Lingüística Textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. Por um lado, deve preservar a organização linear que é o tratamento estritamente lingüístico, abordado no aspecto da coesão e, por outro lado, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear: portanto, dos níveis do sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas". 3. A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS NO TEXTO

Nesta seção, trataremos dos fenômenos da coerência e da coesão textuais. A coerência, segundo Koch (1997), "diz respeito ao modo como os elementos subjacentes à superfície textual vêm a constituir, na mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos".33 A coesão, ainda segundo a autora, pode ser descrita como "o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos lingüísticos presentes na superfície textual encontram-se interligados, por meio de recursos também lingüísticos, formando seqüências veiculadoras de sentido' 1.14 Neste capítulo, também por razões de espaço, daremos maior ênfase aos aspectos relativos à coerência textual, do que aqueles relativos à coesão. Uma principal motivação para organizarmos o trabalho dessa maneira foi a própria natureza dos textos escolhidos como objetos de análise. Os dados, no entanto, não foram escolhidos apenas porque se constituíam em bons exemplos para a teoria a ser apresentada. Ao contrário, procuramos trazer textos diversos, que circulam em nossa sociedade e com os quais estamos em contato cotidianamente, de uma forma ou de outra. Letras de músicas, manchetes e/ou títulos de matérias jornalísticas, propagandas, artigos de opinião, trechos de colunas de jornal, entre outros, são, a nosso ver, o material lingüístico que devemos tomar para a análise e compreensão dos processos de construção dos sentidos e do funcionamento da linguagem. Exatamente por reconhecer a complexidade dos processos de produção e compreensão dos textos nas diferentes situações comunicativas, priorizamos uma espécie de leitura top-down dos textos analisados, ou seja, uma leitura que considere, primeiramente, os elementos subjacentes ao texto para uma primeira aproximação, para depois, então, tendo considerado os condicionamentos mais amplos a que os textos estão submetidos, passarmos a tentar compreender mais especificamente os recursos lingüísticos mobilizados na superfície textual. 3.1. A coerência textual

Buscaremos, a partir de agora, apresentar os principais pontos de uma discussão central na Lingüística Textual, a saber, aquela sobre as relações entre texto e coerência. Essa discussão começa a ocorrer a partir do momento em que se percebe que o(s) sentido(s) do texto não está/estão no texto em si, mas dependem) de fatores de diversas ordens: lingüísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais. Isso se constitui em uma postulação legitima, já que os estudos sobre o texto não estavam mais centrados na construção de uma gramática textual, mas sim, na busca do que chamaram de "critérios de textualidade". Para Koch & Travaglia (1989), "a textualidade ou a textura é aquilo que faz de uma seqüência Iingüístíca um texto e não um amontoado areacóTto ac paláV«s. A seqüência é percebida como texto quando aquele que a recebe é capaz de percebêla como uma unidade significativa global"".

A partir do estabelecimento dessas premissas, acontece o debate: existe o não-texto? Alguns autores responderam que sim. Para Beaugrande & Dressler (1981), "texto incoerente é aquele em que o receptor (leitor ou ouvinte) não consegue descobrir qualquer continuidade de senado, seja pela discrepância entre os conhecimentos ativados, seja pela inadequação entre conhecimentos e o seu universo cognitivo" Marcuschi (1983) também defende a existência de textos incoerentes.

Michel Charolles (1987a, apud Fávero & Koch, 1983) afirma que, a partir de meados da década de setenta, houve uma revisão das gramáticas de texto porque se verificou que as seqüências de frases não eram coerentes ou incoerentes em si, mas que tudo dependia muito da situação em que estas seqüências eram enunciadas e da capacidade do receptor de calcular o seu sentido. Charolles (1989), em seu clássico artigo Introdução aos problemas da coerência dos textos, afirma que não há textos incoerentes em si, porque não há regras de boa formação de textos (como há para as frases) que se apliquem a todas as circunstâncias e cuja violação, como na sintaxe das frases, levasse ao mesmo veredicto: é um texto, não é

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7 um texto. Segundo o autor, tudo vai depender muito dos usuários (do produtor e, principalmente, do receptor) do texto e da situação.

Para o autor, quando estamos diante de um texto, nossa primeira atitude é a de sermos cooperativos para com ele, ou seja, sempre agimos como se este fosse coerente, fazendo tudo para compreendê-lo.

Charolles, a partir da década de oitenta, defende que a coerência de um texto é um "princípio de interpretabilidade", ou seja, todos os textos seriam, em princípio, aceitáveis. No entanto, admite-se que o texto pode ser incoerente em/ para determinada situação comunicativa. Em outras palavras: "o texto será incoerente se seu produtor não souber adequá-lo à situação, levando em conta intenção comunicativa, objetivos, destinatário, regras socioculturais, outros elementos da situação, uso dos recursos lingüísticos etc. Caso contrário, será coerente".

No entanto, nem todos são destinatários ou leitores cooperativos. Em uma matéria da revista Veja, de 6 de janeiro de 1999, intitulada Qualquer nota e com o subtítulo Pretensiosas ou ingênuas, as letras sem sentido dão o tom na MPB, o jornalista Celso Masson, na seção de música da revista semanal, emite julgamentos bastante categóricos a respeito do que ele chama de "falta de idéias para uma boa letra". Olhando o título e o subtítulo, já podemos antecipar que o jornalista irá fazer uma pesada crítica à falta de conteúdo das letras da MPB de hoje. Um dos recursos que o autor utiliza para qualificar o referente textual "as letras da MPB" são as adjetivações bastante pejorativas em relação a este referente: "letras sem sentido", "letras mais esquisitas", "versos estapafúrdios", "letras estranhas", "letras que são apenas associações de palavras, encaixadas umas nas outras por sua sonoridade", "versos misteriosos", "pérolas", "refrões pegajosos". Sua crítica abrange tanto compositores mais consagrados como Caetano Veloso e Gilberto Gil, como outros compositores mais recentemente lançados como Chico César, Carlinhos Brown e Claudinho & Buchecha. Não continuaremos a mostrar os outros recursos que o autor do texto utiliza para sustentar sua argumentação. Tampouco pretendemos avaliar a análise feita pelo autor. Nossa intenção ao trazer este exemplo é o de mostrar que: a) os leitores e/ou destinatários podem emitir julgamentos sobre a coerência (sentido global) ou incoerência (falta de sentido global) das produções textuais que a eles são destinadas; b) os leitores e/ou destinatários podem chegar à conclusão de que nem todos os textos são, em princípio, aceitáveis; neste sentido, para eles, existem textos "sem sentido", ou ainda, "incoerentes"; c) os leitores e/ou destinatários podem fazer julgamentos sobre a coerência ou incoerência de uma certa produção textual, levando em consideração apenas os esquemas textuais a partir dos quais esta produção se encontra estruturada; na matéria da revista Veja, por exemplo, é possível perceber, em um certo trecho, que o autor revela a sua preocupação com uma ausência da "estrutura narrativa da canção"; em outras palavras, este leitor possui uma determinada imagem do que seria o "verdadeiro" esquema textual ao qual as letras de música deveriam corresponder; seu julgamento está baseado em um certo descompasso que existe entre a imagem deste esquema textual que ele gostaria de ver atualizado ou expresso e aquilo que de fato é elaborado pelos compositores; d) os leitores e/ou destinatários podem emitir julgamentos de coerência ou incoerência sobre uma determinada produção textual, considerando apenas partes do texto com o qual tiveram contato; mais uma vez a matéria da revista Veja é um bom exemplo disso, já que o autor mostra apenas os trechos de algumas músicas, omitindo o resto das letras; esse foi o caso da letra da música do compositor MC Buchecha (da dupla Claudinho & Buchecha): se o jornalista não tivesse recortado apenas o trecho "Venero demais o meu prazer/Controlo o calendário sem utilizar as mãos", mas tivesse reproduzido o texto", provavelmente seria mais difícil emitir julgamentos tão severos; a expressão "versos misteriosos" talvez não se aplicasse aos versos em questão, caso o jornalista não emitisse seu julgamento baseado, principalmente, no recorte39 feito por ele próprio da letra da música; de qualquer maneira, o importante é que o leitor ou o destinatário pode emitir julgamentos mais generalizantes sobre uma determinada produção textual, mesmo considerando apenas algumas partes do texto, que prejudicariam, segundo a óptica do leitor ou destinatário, a compreensão global do texto; e) a atribuição da qualidade de "coerência" ou "incoerência" a uma determinada produção textual não é unânime; um mesmo texto pode ser qualificado por alguns leitores e/ou destinatários como incoerente, e, por outros, como coerente; mais uma vez, a matéria referida anteriormente é um exemplo disso: comentando o trecho da letra da música Só Love, "Venero demais o meu prazer/Controlo o calendário sem utilizar as mãos", o jornalista relata que o compositor MC Buchecha, ao ser indagado sobre o significado dos versos em questão, respondeu que se tratava de um manifesto antionanista (aqui considerando-se que o

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8 produtor do texto também é seu leitor); já o jornalista refere-se ao trecho acima como "perólas" e "versos misteriosos"; f) como já dissemos no início desta análise, a atitude do leitor ou destinatário ante uma determinada produção textual pode ser mais ou menos cooperativa; isso dependerá de uma série de fatores, entre eles, o próprio papel social do leitor ou do destinatário: um crítico de arte (seja ele especificamente crítico de música, de obras literárias, de artes plásticas etc.), um professor de língua e/ou de literatura, um editor chefe de uma redação de jornal, um assessor de editora etc., até porque suas atividades profissionais dizem respeito à compreensão analítica das diferentes linguagens, deverão ler e/ou ouvir os textos de maneira diferente daquela de outros leitores e/ou destinatários das mesmas produções textuais; g) finalmente, ao emitirem o julgamento sobre a coerência ou a incoerência de um determinado texto, os leitores ou destinatários das produções textuais podem não levar em consideração vários outros fatores, que podem contribuir para a construção de um sentido mais global. Se atentarmos para as considerações feitas a partir da matéria da revista Veja, podemos confirmar a postulação de que a coerência é um princípio de interpretabilidade, ou seja, podemos perceber que a coerência de um texto não depende somente de uma correta decodificação dos sentidos presentes no texto, decodificação esta feita por meio da detalhada observação dos elementos lingüísticos.

Em nossa vida cotidiana, imersos em nossa cultura ocidentalizada e letrada, quase desde sempre em contato com as mais diversas formas textuais, estamos, a toda hora, processando listas (telefônicas, de nomes de alunos com suas respectivas notas, de produtos com preços, entre outras), extratos bancários, prestação de contas do condomínio, notificações de excessos no trânsito, ordens de serviço, dicionários, enciclopédias, editais de concursos, anúncios publicitários etc. como textos, porque atribuímos a essas seqüências significados globais. No entanto, para cada um desses gêneros textuais, devem ser observadas certas condições: não os lemos da mesma maneira, e os princípios gerais aplicados, necessários para que o(s) sentido(s) global(is) sejam) estabelecido(s), não vêm especificamente de nossa capacidade de decodificação do sistema lingüístico, mas de nossa inserção na sociedade como um todo. Em outras palavras, a coerência de uma determinada produção textual depende de uma série de fatores, entre os quais alguns já apontados, tais como recursos lingüísticos, conhecimento de mundo, papel social do leitor ou destinatário etc., e outros que serão apresentados logo a seguir, quando estivermos examinando textos, ou partes deles, tomados como legítimas unidades de análise. Vejamos o exemplo a seguir: (5) Debaixo dos caracóis dos seus cabelos (Roberto Carlos/Erasmo Carlos) . 1. Um dia a areia branca 2. Seus pés irão tocar 3. E vai molhar seus cabelos 4. A água azul do mar 5. Janelas e portas vão se abrir 6. Pra ver você chegar 7. E irão se sentir em casa 8. Sorrindo vai chorar 9. Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 10. Uma estória pra contar 11. De um mundo tão distante 12. Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 13. Um soluço e a vontade 14. De ficar mais um instante 15. Você anda pela tarde 16. E o seu olhar tristonho 17. Deixa sangrar no peito 18. Uma saudade um sonho 19. Um dia vou ver você 20. Chegando num sorriso 21. Pisando a areia branca 22. Que é seu paraíso

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9 23. As luzes e o colorido 24. Que você vê agora 25. Nas ruas por onde anda 26. Na casa onde mora 27. Você olha tudo e nada 28. Lhe faz ficar contente 29. Você só deseja agora 30. Voltar pra sua gente 31. Debaixo dos caracóis do seus cabelos 32. Uma estória pra contar 33. De um mundo tão distante 34. Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 35. Um soluço e a vontade 36. De ficar mais um instante

O exemplo (5) pode nos ajudar a compreender, em primeiro lugar, como a situação comunicativa

interfere na produção/recepção do texto. Segundo Koch e Travaglia (1990), a situação comunicativa tanto pode ser entendida em seu sentido estrito - contexto imediato da interação -,como pode ser entendida em seu sentido mais amplo, ou seja, o contexto sócio-político-cultural. Sobre a letra da música do exemplo (5), poderíamos dizer, somente a partir dos conteúdos nela expressos, que ela fala sobre uma pessoa que se encontra em um lugar distante, que não está feliz e que tem como sonho voltar para o seu lugar de origem. Os motivos pelos quais esta pessoa se encontra distante e triste não estão explicitados. No entanto, se tivermos conhecimento de alguns elementos relevantes do contexto sociocultural em que a letra foi produzida, como, por exemplo, o fato de que ela foi produzida quando vários intelectuais e artistas tiveram de sair do Brasil e viver no exílio em outros países, seria possível fazer uma outra leitura, ou seja, seria possível dizer que o poeta/locutor não fala simplesmente de uma pessoa triste em um lugar distante, mas dos sentimentos de tristeza e de vazio de uma pessoa quando esta se encontra no exílio, obrigada a ficar longe da sua gente, de sua cultura, do seu lugar: "Você anda pela tarde/E o seu olhar tristonho/Deixa sangrar no peito/Uma saudade um sonho..."; ou ainda "As luzes e o colorido/Que você vê agora/Nas ruas por onde anda/Na casa onde mora/Você olha tudo e nada/lhe faz ficar contentelVocê só deseja agora/ Voltar pra sua gente...".

O conhecimento da situação comunicativa mais ampla contribui para a focalização, que pode ser entendida como a(s) perspectiva(s) ou pontos) de vista pelos) qual(is) as entidades evocadas no texto passam a ser vistas, perspectivas estas que, com certeza, afetam não só aquilo que o produtor diz, mas também o que o leitor ou destinatário interpreta. Continuando a análise do texto, podemos afirmar que o conhecimento de um outro elemento da situação comunicativa pode contribuir para uma releitura do texto em questão. Por exemplo, se soubéssemos que o poeta/locutor do texto em questão tinha em mente uma pessoa específica, a qual procura homenagear com esta música, e se soubéssemos que a pessoa a quem o texto se refere é o poeta e compositor baiano Caetano Veloso, os versos a seguir significariam diferentemente para nós: "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos/Uma estória pra contar/De um mundo tão distante..."; "Um dia a areia branca/Seus pés irão tocar/E vai molhar seus cabelos/A água azul do mar..."; "Um dia vou ver você/Chegando num sorriso/Pisando a areia branca/ Que é seu paraíso...".

O fato de sabermos quem é o sujeito de quem esses versos falam, o fato de sabermos que ele é baiano, de sabermos que a Bahia é um dos estados litorâneos do Brasil, o fato de termos contato com a imagem do artista naquela época, com cabelos compridos e encaracolados, o fato de sabermos que ele passou um tempo morando em Londres, durante alguns anos do regime militar, o fato de termos tomado contato com um conhecimento mais específico sobre o referente textual nos faz olhar a letra da música com outros olhos e, a partir de então, a nossa interpretação não será mais a mesma. Temos aqui uma situação comunicativa reconstruída, de um tempo em que a liberdade era um valor apenas cultivado nos corações e mentes, sem poder ser experienciado plenamente, situação esta que podemos apenas vislumbrar, quando entramos em contato com a letra da música de Roberto e Erasmo.

Não estamos advogando que esta letra não é possível de ser interpretada sem o conhecimento de determinados elementos da situação comunicativa em que ela foi produzida. Isso seria negar a existência

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10 de sua poesia, da polissemia, da própria noção de coerência como um princípio de interpretabilidade. Seria negar o fato de que ela pode muito bem se ajustar a situações outras de distanciamento, de solidão, de tristeza. O que estamos simplesmente dizendo é que a situação comunicativa pode contribuir fortemente para a construção de um ou de mais de um sentido global para o texto. Uma boa análise textual deve levar em consideração este fator, sob pena de deixar de enxergar/mostrar as possibilidades das relações entre a linguagem e o mundo. Vejamos um outro exemplo em que podemos melhor discutir outros fatores de coerência:

(6) E. C. T. (Nando Reis/ Marisa Monte/Cadinhos Brown) 1. Tava com cara que carimba postais 2. Que por descuido abriu uma carta que voltou 3. Tomou um susto que lhe abriu a boca 4. Esse recado veio pra mim, não pro senhor 5. Recebo craque colante, dinheiro parco embrulhado 6. Em papel carbono e barbante �� E até cabelo cortado, retrato de ������8. Pra batizado distante 9. Mas, isso aqui, meu senhor, 10. É uma carta de amor 11. Levo o mundo e não vou lá 12. Levo o mundo e não vou lá ����Levo o mundo e não vou lá ����Levo o mundo e não vou lá 15. Mas esse cara tem a língua solta 16. A minha carta ele musicou 17. Tava em casa, a vitamina pronta 18. Ouvindo no rádio a minha carta de amor 19. Dizendo: eu caso contente, papel passado e presente ��Desembrulhado o vestido ���Eu volto logo, me espera ��Não brigue nunca comigo ���Eu quero ver nosso filho �����professor me ensinou fazer uma carta de amor ���Leve o mundo que eu vou já

Esse é um texto que se constitui um excelente exemplo para análise de vários aspectos, tanto aqueles relativos à coerência, como os relativos à coesão textual. Em nossa análise, entretanto, daremos prioridade para alguns fatores de coerência, a saber, o ���� ������������������� ���� ������������������e as ������� �����Começaremos por aquilo que, a nosso ver, pode ser o maior responsável por uma certa dificuldade de compreensão do texto: o jogo de vozes, ou seja, a mudança não marcada textualmente de enunciado, que contribui para que o texto apresente internamente diferentes perspectivas. Caso o leitor ou o destinatário não percebam a troca de enunciadores, a mudança no foco/na perspectiva, a compreensão do sentido global do texto pode ficar prejudicada. Vejamos como podemos proceder a esta análise: a) da linha 1 à linha 3, quem fala é o locutor (ou narrador) do texto; narrativa em 3ª pessoa; b) na linha 4, quem fala é o narrador do texto, mas como personagem da história; discurso direto da personagem, em um diálogo com a outra personagem; c) da linha 5 até a linha 8, quem fala é o "cara que carimba postais", ou seja, um funcionário dos correios, respondendo à interpelação feita pela outra personagem; d) nas linhas 9 e 10, volta a falar o narrador, como personagem da história, dando continuidade ao diálogo com o funcionário dos correios; e) da linha 11 à linha 14, quem fala é o "eu poético" do funcionário dos correios; f) da linha 15 à linha 18, volta a aparecer a voz do narrador; g) da linha 19 à linha 24, quem fala é o enunciador da carta;

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11 h) na linha 25, quem fala é o "eu poético" do narrador, em resposta ao "eu poético" do funcionário dos correios.

Como podemos perceber, este texto é construído a partir de um emaranhado de pontos de vista. Não pretendemos esgotar aqui todas as configurações de vozes ou perspectivas enunciativas nele presentes, mas tentaremos apresentar aquela que nos parece possível de ser sustentada pela teoria do texto aqui postulada. Temos, no mínimo, quatro vozes: a voz do narrador, a voz das duas personagens (o narrador como personagem e o funcionário dos correios) e a voz do enunciador da carta. Além dessas vozes, podemos dizer que tanto o narrador, como o funcionário dos correios sustentam cada um uma outra voz, a saber, os "eus poéticos". Ambos são personagens complexas, heterogêneas, que dão voz, na mesma história, a diferentes sujeitos: de um lado, temos o funcionário dos correios que também se apresenta como poeta; de outro, temos o narrador, que é também personagem da história, destinatário da carta que aparece no interior da história e ainda parodiador da fala do funcionário/poeta.

Essas mudanças de perspectivas, em sua maioria, não se encontram marcadas, como é mais usual, nem por uma pontuação especial, nem por verbos dicendi. Apenas a introdução do esquema textual4Z "carta pessoal", dentro do esquema textual "letra de música" é marcada por um verbo dicendi (linha 19). Apresentar um esquema textual dentro de outro é um movimento bastante complexo. Provavelmente, por isso foi marcado de modo mais explícito.

Algumas marcas lingüísticas, como os dêiticos ("Esse recado veio pra mim, não pro senhor..."; "Mas isso aqui, meu senhor, é uma carta de amor..."), podem nos oferecer pistas sobre quem está falando. Já as mudanças nas pessoas do discurso (de 3° pessoa para 1a, de 1° pessoa para 3'`, de la para 2a) podem contribuir para que tenhamos a sensação de que o texto apresenta as chamadas incoerências locais. No entanto, os diferentes enunciadores vão se seguindo e é a partir do estabelecimento de uma série de inferências por parte do leitor/destinatário e da ativação de seu conhecimento de mundo, que é possível reconstruir as situações narradas no texto e atribuir-lhes um sentido global. Além disso, devemos lembrar ainda que o leitor ou destinatário de uma determinada produção textual depende do conhecimento partilhado sobre o que está sendo focalizado para interpretar as palavras e/ou enunciados num sentido apropriado.

Começando pelo título da música, a partir do seu conhecimento sobre o que significa a sigla "E.C.T." em nosso país, a saber, a Empresa de Correios e Telégrafos, o leitor já ativa um determinado frame (conhecimento de senso comum sobre um conceito central, e seus componentes podem ser trazidos à memória sem uma ordem ou seqüência), a partir do qual irá situar o texto. No caso, o frame é "Correios" e o leitor, então, poderá situar o contexto institucional tematizado pelo texto.

Para compreender o texto, no entanto, o leitor terá de mobilizar uma outra forma de organização do conhecimento na memória, a saber, os esquemas (conjunto de conhecimentos ordenados numa progressão, de modo que se podem estabelecer hipóteses sobre o que será feito ou mencionado no universo textual). Ao entrar em contato com o texto, precisamos partilhar um certo tipo de conhecimento sobre o funcionamento dos Correios, funcionamento este que obedece a uma determinada ordem. Por exemplo, sabemos que caso uma correspondência deixe de ser entregue ao seu destinatário, seja por que motivo for, ela volta para os Correios, para que seja devolvida ao seu remetente e, neste percurso de volta, deve ficar por um período na instituição. Um outro exemplo é o seguinte: sabemos que a correspondência de uma pessoa é inviolável; por isso, faz sentido o encadeamento construído pelo narrador para a sua história: o funcionário "tomou um susto que lhe abriu a boca" (linha 3) provavelmente por ter sido descoberto em ato de violação da lei ou porque não esperava ser descoberto etc.

Se a pessoa que está aguardando a correspondência percebe a demora na entrega, ela irá encaminhar-se aos Correios com o objetivo de tentar encontrá-la. Isso já se constitui em um plano, outra forma de conhecimento que consiste em saber como agirem uma determinada situação para alcançar um determinado objetivo.

Essas formas de conhecimento de mundo (esquemas, planos) são fundamentais para que possamos atribuir sentido aos versos "Tava com cara que carimba postais/Que por descuido abriu uma carta que voltou/Tomou um susto que lhe abriu a boca... ".

Um outro elemento muito importante para que possamos entender este texto é o estabelecimento de inferências. Os diversos tipos de conhecimento de mundo (ou modelos cognitivos, a saber, os frames, os esquemas, os planos) que precisamos partilhar com o produtor do texto estão implícitos e foram inferidos

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12 por nós. Não se encontra explícito no texto o fato de que alguém se dirigiu aos Correios porque estava esperando uma carta. Vejamos como Koch & Travaglia (1990) se referem ao papel desempenhado pelas inferências na compreensão global do texto:

Quase todos os textos que lemos ou ouvimos exigem que façamos uma série de inferências para podermos compreendê-lo integralmente. Se assim não fosse, nossos textos teriam que ser excessivamente longos para poderem explicitar tudo o que queremos comunicar. Na verdade é assim: todo texto assemelha-se a um iceberg - o que fica à tona, isto é, o que é explicitado no texto, é apenas uma parte daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado. Compete, portanto, ao receptor ser capaz de atingir os diversos níveis de implícito, se quiser alcançar uma compreensão mais profunda do texto que ouve ou ����

As ações relatadas pelo narrador (a pessoa ir aos Correios com o objetivo de recuperar uma carta, plano este que não se encontra referido no texto) fazemnos inferir que a personagem estava aguardando uma correspondência. Essa inferência só é possível ser feita porque partilhamos com o produtor do texto um conhecimento sobre o funcionamento dos Correios: o remetente, caso sua correspondência não seja entregue, recebe-a de volta. O remetente não precisa ir aos Correios para recuperar a correspondência que enviou. Quem precisa ficar atento, se está esperando alguma correspondência, é o destinatário. Considerando esses conhecimentos, podemos afirmar que a personagem que narra a história é o destinatário da carta que voltou. Isso pode ser confirmado pelo verso "Este recado veio pra mim, não pro senhor" (linha 4), fala da personagem, destinatário da carta, em diálogo com o funcionário dos Correios, ao reclamar do fato de ele (o funcionário) ter lido a sua carta.

Podemos ainda estabelecer outras inferências, a partir do conteúdo da carta enviada à personagem. Podemos inferir, por exemplo, a partir de nosso conhecimento sobre determinados modos de agir altamente estereotipados em uma dada cultura, chamados scripts, que o narrador é uma mulher, já que o enunciador da carta que ela recebe lhe diz que já volta e lhe pede que ela espere por ele. Podemos chegar a esta conclusão por sabermos que em nossa cultura, em geral, quem se ausenta é o homem, que parte em busca de emprego, em outra cidade. Esta inferência pode ser estabelecida a partir do verso "Eu volto logo, me espera" (linha 21). Para reforçar nossa hipótese, ainda contamos com uma outra informação presente na carta: "Eu quero ver nosso filho" (linha 23). A pessoa que escreve para o narrador não está com o filho; logo, inferimos que quem está com o filho é o destinatário da carta, ou seja, a mãe, considerando que normalmente é a mulher quem fica com os filhos quando o pai se ausenta.

Além disso, a presença do pronome possessivo "nosso" no verso "Eu quero ver nosso filho" permite-nos inferir que se trata de uma comunicação entre os pais de uma criança.

Por último, gostaríamos de comentar as inferências que podem ser estabelecidas a partir do verso "Eu caso contente, papel passado e presente" (linha 19). Podemos afirmar que este verso inicial faz parte de uma carta-resposta (dentro da história relatada pela narradora). Essa hipótese pode ser confirmada caso consideremos que a própria estrutura dialógica da letra pressupõe, para o aparecimento do verso da linha 19, o que Sanford & Garrod (1981) denominam de "cenário interpretativo de um texto": uma mulher pergunta a um homem, "Você casa comigo?", então, ele responde, "eu caso contente, papel passado e presente". Dado~este cenário interpretativo, ficariam justificados tanto o caráter de carta-resposta (considerando aqui não só o seu enunciado inicial, como também todo o conteúdo que se segue), como também a própria expectativa da narradora/personagem em receber esta resposta, o que a levou a colocar em funcionamento o plano de ir aos Correios reclamar pela carta que lhe seria endereçada. Que maior prova de amor do que aceitar um pedido de casamento?

Neste momento, os leitores poderiam nos perguntar sobre qual poderia ser a nossa hipótese a respeito dos motivos que levaram a narradora/personagem a escrever um pedido de casamento, já que, em nossa sociedade, este é um papel tradicionalmente reservado ao homem. Há alguns indícios na própria carta, mas deixaremos ao leitor a possibilidade de construir a sua hipótese de leitura.

Como dissemos no início da análise desta letra de música, não pretendemos esgotar aqui todas as estratégias de processamento, mobilizadas na produção e recepção desse texto. Com base nas postulações de Koch (1997), podemos afirmar que estivemos centrados até aqui na análise das estratégias cognitivas efetuadas pelos interlocutores, compreendidas como aquelas que dizem respeito ao uso do conhecimento (conhecimento de mundo, conhecimento partilhado, conhecimento do contexto sociocultural). Em outras palavras, segundo a autora, "as estratégias cognitivas, em sentido restrito, são aquelas que consistem na execução de algum cálculo mental por parte dos interlocutores".

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13 Não foi possível discutir os outros tipos de estratégias de processamento textual4', a saber, as

estratégias sociointeracionais ou algumas outras estratégias textuais. Não tratamos, por exemplo, do caráter oral do texto, não fizemos uma discussão mais aprofundada sobre a sua estrutura dialógica, sobre a presença de alguns elementos de coesão etc. Nosso objetivo foi o de tentar exemplificar como se pode proceder a uma análise considerando o texto como resultado de uma atividade verbal, que revela determinadas operações lingüísticas e cognitivas, efetuadas tanto no campo de sua produção, como no de sua recepção.

Há outros fatores também importantes para a compreensão do sentido global de um texto. A intertextualidade é um desses outros fatores. Koch (1990) afirma que a intenextualidade é um fator de coerência importante na medida em que, para o processamento cognitivo de um texto, se recorre ao conhecimento prévio de outros textos. Para Banhes (1974), "(...) todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis ". Isso significa que

todo texto é um objeto heterogêneo que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude ou a que se opõe. (...) Essas formas de relacionamento entre textos são, como se verá, bastante variadas.

Em nossas práticas cotidianas de linguagem, não percebemos o quanto os produtores utilizam-se dessa rede de relações entre os textos, ao elaborarem os seus próprios textos, e o quanto nós, leitores ou destinatários, não percebemos que, ao processarmos o que lemos ou ouvimos, muitas vezes nos utilizamos de nosso conhecimento sobre outros textos, para atribuir sentido global às diversas formas textuais com as quais estamos em contato. Vejamos os exemplos abaixo:

(7) Ligações perigosas de Frankie (subtítulo, máfia, presidentes, mulheres e jornalistas). Título de um matéria publicada no Caderno B do Jornal do Brasil, de 16/05/98, sobre Frank Sinatra.

(8) Algum poder ao povo. Título de um matéria publicada no Caderno Internacional do Jornal do Brasil, de 16/05/98, sobre os conflitos na Indonésia.

(9) Entre beijos e tapas. Título de um texto de crítica de teatro, publicado no Caderno B do Jornal o Brasil, de 16/05/98

(10) Dizem que a primeira copa a gente nunca esquece. Essa, então, ficará na memória para sempre. É a última do século e tem que dar Brasil. Fala de Roberto Carlos, lateral da Seleção Brasileira convocado para a copa de 1998 no Correio Popular, jornal de Campinas, São Paulo, 15/08/98.

(11) Quem não fizer o PIC Carnaval é ruim da cabeça. Ou doente do pé.( Propaganda do Banco Itaú de um tipo de poupança que dá prêmios).

(12) De volta para o futuro. Título a matéria de capa do Caderno Ilustrado da Folha de São Paulo, de 12/01/99, sobre o escritor paulistano Jerônymo Monteiro, pai da ficção científica brasileira.

Os exemplos de (7) a (12) podem ser classificados como o tipo de intertextualidade que Sant'anna

(1985) chama de intertextualidade de semelhanças. Antes de passarmos a uma análise do que significa essa expressão, vejamos a que textos remetem os textos dos exemplos: o título (7) retoma o título do filme Ligações Perigosas, do diretor Stephen Frears; o título (8) remete ao dito "Todo poder ao povo"; o título (9) remete à música Entre tapas e beijos, de Leandro e Leonardo; o título (10) remete ao dito "o primeiro beijo, a gente nunca esquece"; o título (11) remete ao verso "quem não gosta de samba, bom sujeito não é, é ruim da cabeça, ou doente do pé", da música Samba da minha terra, de Dorival Caymmi; o título (12) retoma o título do filme De volta para o futuro, do diretor Robert Zemeckis.

Dizemos que esses exemplos incorporam o intertexto, para seguir-lhe a orientação argumentativa. Em outras palavras, os textos dos exemplos de (7) a (12) reafirmam os intertextos retomados, reafirmam os seus conteúdos proposicionais e ainda orientam o leitor para concluir de forma semelhante àquela do texto-fonte. Sendo assim, podemos dizer que esses exemplos propõem uma adesão ao que é dito no texto original. É neste sentido que Maingueneau (1976) postula para esse tipo de fenômeno um valor de captação de um texto por outro. Há uma pequena modelização no exemplo (8), pelo uso do pronome indefinido "algum", mas o enunciado tenta orientar o leitor para a mesma direção da argumentação "o povo é quem deve decidir, o povo é quem deve mandar."

Os exemplos de (7) a (12) retomam outros textos por motivos diferentes. Por exemplo, os objetivos de uma propaganda (11) são diferentes dos objetivos de matérias jornalísticas (7, 8 e 12), de um artigo de opinião (9), de uma opinião pessoal de alguém sobre determinado assunto (10). Mas não se pode negar que

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14 todos eles, ao serem elaborados a partir de um outro texto, de domínio mais ou menos público, revelam um pouco dessa nossa habilidade de brincar com a linguagem, de nos utilizarmos dela com grande desenvoltura para conseguirmos os efeitos desejados. Isso no campo da produção. Já no campo da recepção, pode-se dizer que conhecer o texto-fonte permite ao leitor justamente perceber este jogo, mas isso não significa dizer que ele não será capaz de compreendê-lo, caso não conheça o texto retomado. Se o leitor não fizer o reconhecimento do texto-fonte e/ou não conseguir perceber os motivos de sua reapresentação, provavelmente vai encará-lo como um evento novo, atribuindo-lhe, assim, o sentido global possível de ser produzido.

Um exemplo dessa possibilidade de leitura é o desenho Os Simpsons. Nos desenhos da série, acontecem remessas a outros textos, principalmente a filmes, quase sempre no sentido de parodiá-los, ironizá-los. Neste caso, teríamos o que Sant'Anna (1985) chama de intertextualidade das diferenças, que consiste em representar o que foi dito para propor uma leitura diferente e/ou contrária. Maingueneau (1976) postula para este tipo de fenômeno um valor de subversão de um texto por outro texto.

Em um dos episódios do desenho mencionado, a família toda, ao mudar-se para uma casa assombrada, passa a agir e a falar como várias personagens de filmes de suspense ou de terror. Uma das cenas retomadas é a clássica cena do filme Psicose, de Alfred Hitchcock, em que o assassino mata com uma faca uma outra pessoa. Uma criança que assista ao desenho, provavelmente, não deverá estabelecer as relações intertextuais ali mobilizadas, já que os textos retomados não são de seu conhecimento. Mas muito dificilmente deixará de atribuir um sentido global ao episódio. Podemos concluir, então, que o estabelecimento de relações intertextuais depende do conhecimento prévio e consciente dos textosfontes por parte do leitor.

Koch & Travaglia (1990) afirmam que o fenômeno da intertextualidade é muito comum entre as matérias jornalísticas de um mesmo dia ou de uma mesma semana, na música popular, em nossas apropriações de provérbios e ditos populares, em textos literários, publicitários etc. Os autores afirmam ainda que as relações entre textos podem ser explícitas ou implícitas. Os exemplos de (7) a (12) são exemplos de intertextualidade implícita porque neles não se encontra a indicação da fonte. Nesse caso, o receptor, como já dissemos anteriormente, deverá ter os conhecimentos necessários para recuperá-la. Vejamos alguns exemplos de intertextualidade explícita: (13) Eu demito, diz FHC sobre aliado que votar contra. Título de uma matéria da Folha de S. Paulo, de 24/12/98, sobre as conseqüências das possíveis infidelidades partidárias da base governista. (14) Eucaristia não é show, diz bispo de MT. Título de uma matéria da Folha de S. Paulo, de 13/12/98, onde D. Pedro Casaldáglia comenta o estilo de celebração do padre Marcelo Rossi. (15) Não sou gerente da crise, diz FHC. Título da manchete de capa da Folha de S. Paulo, de 02/01/99, a respeito do discurso de posse do Presidente da República, no Congresso Nacional.

Segundo Koch & Travaglia (1990), o discurso relatado (exemplos 13, 14 e 15), as citações e referências no texto científico, resumos, resenhas, traduções, retomadas da fala do parceiro na conversação face a face etc., constituem-se em exemplos de intertextualidade explícita, porque neles ocorre a indicação da fonte do texto primeiro. O que é interessante notar em todos os exemplos citados anteriormente retirados de jornais é que o recurso à intertextualidade (explícita e implícita) é bastante utilizado pelos produtores deste gênero textual, principalmente nos títulos.

Uma hipótese explicativa possível para a presença maciça deste recurso em títulos de matéria jornalística, seja ela de jornal ou de revista, é a tentativa de chamar a atenção do leitor, por meio de um uso diferenciado dos recursos lingüísticos (no caso dos exemplos de intertextualidade implícita). Além disso, pode também ocorrer a pressuposição de que o leitor, ao acionar seus conhecimentos prévios sobre o texto-fonte ao qual o título remete, produza uma imagem positiva sobre a instituição jornalística e/ou sobre o produtor do texto, pelo fato de perceber a presença de uma certa criatividade na produção do gênero textual em questão (ver julgamentos do tipo "puxa, que inteligente este título, ou esta publicidade etc."). Já o fenômeno da citação é considerado, por vários estudiosos do texto e do discurso, como fundamentalmente ambíguo. Se, por um lado, como diz Maingueneau (1989), o locutor do texto jornalístico se distancia daquilo que é dito, ao atribuir aqueles conteúdos explicitamente a outrem, por outro lado, ele pode estar concordando com aquilo que é dito, sem necessariamente responsabilizar-se por isso`. Considerando que as falas escolhidas para servirem de títulos para matérias jornalísticas não são de qualquer um, ou seja, que esta escolha, em geral, tem a ver com a autoridade de quem fala, com a

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15 importância atribuída ao que é dito, com o interesse que a fala poderá despertar nos leitores etc., podemos afirmar que o recurso à intertextualidade explícita está estreitamente ligado às suas condições de possibilidade: ou seja, as citações nos títulos de matérias jornalísticas ou mesmo em manchetes não são feitas da mesma maneira, não possuem a mesma força e não estão funcionando da mesma forma que as citações feitas em um texto científico ou em um romance. A nosso ver, o recurso à citação em títulos está estritamente ligado ao contexto institucional de produção, a saber, a instituição jornalística. Os locutores nela inseridos, ao produzirem seus textos, são levados a explorar ao máximo os recursos de linguagem que lhes ofereçam a possibilidade de se constituírem como simples "mediadores" entre o público e a informação. Assim, estaria reforçada a ideologia da "objetividade" e da "neutralidade", tão cara a determinados tipos de texto e/ou discursos, entre eles, o jornalístico. Não pretendemos esgotar aqui a discussão sobre o funcionamento deste fenômeno, mas apenas apontar algumas possíveis explicações para o aparecimento de determinados recursos nos textos escolhidos para serem analisados.

Por último, gostaríamos de discutir mais especificamente os dois exemplos a seguir: (16) Vendas de veículos caem 45% no varejo (comparação entre outubro do ano passado e outubro deste ano). Título de uma matéria de 1a página da Folha de S. Paulo, de 28/10/98. (17) Melhora a venda de carro popular (naquela semana, houve um crescimento de 10 pontos em comparação com a semana anterior). Título de uma matéria de la página do Correio Popular, jornal de Campinas, de 28/10/98.

O que mais nos chama a atenção nesses dois exemplos é o fato de que as duas informações, aparentemente contraditórias entre si, aparecem com o mesmo destaque em dois jornais de São Paulo, no mesmo dia. Em uma, afirma-se que houve uma queda na venda de carros. Na outra, afirma-se que houve um aumento na venda de carros. Quem estaria dizendo a verdade? Qual seria a informação mais correta? Apesar de muito correntes e de aparente interesse geral, essas são perguntas que uma análise textual não se propõe a responder, dado que admitimos que um texto sempre será constituído de uma multiplicidade de significações, tudo dependendo de diversos fatores, entre eles, a intenção de quem produz e, da parte do leitor ou destinatário, a disponibilidade de aceitar aquilo que é dito.

Lendo os conteúdos das matérias, podemos perceber que os índices de comparação são muito diferentes. No exemplo (16), o índice é a comparação do número de vendas de carros no espaço de um ano; no exemplo (17), o índice é a comparação do número de vendas de carros no espaço de uma semana. Há ainda uma outra diferença a ser considerada: no exemplo (16), fala-se das vendas de carros em geral; já no exemplo (17), fala-se apenas das vendas de carros populares.

Um dos fatores de coerência que nos pode ajudar a compreender esse fenômeno é a intencionalidade. Segundo Koch & Travaglia (1990), "a intencionalidade refere-se ao modo como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados' ����Para os autores, a intencionalidade tem uma relação estreita com a argumentatividade53. Não devemos entender aqui a noção de intencionalidade de uma forma simplista. Segundo Vogt (1980), a noção de intencionalidade é lingüisticamente constituída. Ela se deixaria representar, de uma certa forma, no enunciado, por meio do qual se estabelece um jogo de representações, que pode ou não corresponder a urna realidade psicológica ou social. Isso significa dizer que não há uma necessária consciência, no momento da produção textual, desta argumentatividade, constitutiva de toda a atividade verbal. No entanto, as formas lingüísticas utilizadas revelam certas intenções.

No caso dos exemplos (16) e (17), a argumentatividade, ou seja, a existência de uma determinada intenção ou objetivo por parte de quem produz um texto, pode ser percebida pela presença de uma determinada informação em detrimento de outra e pela forma de apresentação desta informação. Esses dois elementos constituiriam, enfim, o sentido do enunciado. No exemplo (16), a queda na venda de veículos é a informação apresentada. A forma de apresentação dessa informação é feita com o uso do tempo verbal no presente do indicativo (o que denota a certeza do locutor sobre o que fala) e de um recurso argumentativo clássico: a apresentação de dados numéricos (o que constrói um efeito de verdade, já que "os números não mentem").

No exemplo (17), a informação é o contrário daquela apresentada no exemplo anterior: melhoria na venda de veículos populares. Essa seria a principal diferença. Mas não é só isso: a forma de apresentação da informação também é diferente. A utilização do verbo "melhorar" produz um efeito menos definido do que aquele apresentado pelo verbo "cair" do enunciado anterior, já que "melhorar" exprime um conceito subjetivo, apresentado em escalas graduadas, escalas estas que dependem, principalmente, da conclusão a

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16 que se pretende levar o interlocutor: aumentarem 10% o número de vendas dos carros pode significar uma melhoria, em uma determinada escala de valores; pode significar um estacionamento, em outra escala de valores, e pode até significar um decréscimo em outra. Não estamos querendo dizer aqui que um exemplo é mais exato ou verdadeiro do que outro. O que estamos tentando mostrar é que a intencionalidade é construída lingüisticamente, que esta construção pode ser observada por meio das formas do dizer e não só pelos conteúdos expressos nos textos.

Daremos agora um outro exemplo, para finalizar a discussão sobre intencionalidade e sua relação com um outro fator, a informatividade: (18) "Quem ganha, quem perde. Pesquisa Datafolha mostra que Ciro Gomes (PPS) é, até agora, quem mais ganhou com o desgaste do Presidente. No cenário da eleição seira FHC, fica pouco atrás do petista Lula (22% a 27%), mas abocanha a maior parte do eleitorado tucano em 98: 21 %" (texto retirado da coluna "Painel", da Folha de S. Paulo, de 16/02/98).

O fator informatividade diz respeito ao grau de previsibilidade das informações que estarão presentes no texto, se essas são esperadas ou não, se são previsíveis ou não. Além disso, é a informatividade que vai determinar a seleção e o arranjo da informação no texto, de modo que o receptor possa calcularlhe o sentido com maior ou menor facilidade (Koch & Travaglia, 1990). Não pretendemos fazer uma discussão muito longa sobre o exemplo (18). Só pretendemos mostrar como o arranjo das informações presentes no texto está condicionado pelas intenções de seu locutor e como estas intenções são reguladas pelo contexto situacional mais amplo de produção do texto.

No exemplo (18), a informação tematizada é quem seria o possível candidato "vencedor" na eleição presidencial de 1998. Podemos dizer que essa nota possui um grau médio de informatividade, já que os candidatos listados na pesquisa eram os mesmos das eleições anteriores.

A nota inicia com um enunciado que se propõe a revelar "quem mais ganha". No primeiro enunciado, o candidato apontado como o "vencedor" é Ciro Gomes, do PPS. No entanto, no enunciado seguinte, começa a se esboçar como se deu o arranjo da informação nesta nota. Em primeiro lugar, o predicado "ganhar" não diz respeito ao conjunto total dos eleitores, mas se refere ao conjunto de eleitores que votaram em FHC. Contudo, isso só é revelado na construção "A mas B", que vem logo a seguir, onde sabemos que o argumento mais forte ("abocanha a maior parte do eleitorado tucano em 98: 21 %") vem após o mas. Sendo assim, o universo no qual o verbo "ganhar" faz sentido somente é revelado na última oração do texto.

Além disso, os números que revelam o candidato Lula vencendo o próprio candidato Ciro Gomes, construído como "o vencedor" pelo locutor da nota, aparecem entre parênteses, numa ordem que também pode causar alguma imprecisão no cálculo de sentido a ser produzido pelo leitor. Para minimizar a informação de que Lula é o candidato apontado como vencedor pela própria pesquisa mobilizada pelo locutor, este se utiliza do advérbio "pouco" e do arranjo sintático em que o referente textual (Ciro Gomes), apesar de não ser o vencedor na pesquisa, ainda é sujeito da ação, mesmo subentendido: "Fica pouco atrás do petista Lula".

Nos exemplos (16), (17) e (18), podemos perceber que as informações presentes nos noticiários" não são neutras. Elas podem ser arranjadas para produzir efeitos muito específicos: no caso do exemplo (16), uma notícia que afirma uma queda em 45% nas vendas de carros, muito provavelmente nos aponta para a construção de uma imagem pouco positiva da situação econômica do país; no mesmo dia, uma outra notícia, exemplo (17), que relata uma melhora na venda de carros populares, muito provavelmente nos aponta para a construção de uma imagem um pouco mais positiva da situação econômica do país; uma nota (18) sobre uma possível vitória de um determinado candidato nas próximas eleições presidenciais nos aponta para a construção de uma imagem bastante positiva do candidato em questão. Não foi possível discutir todos os fatores de coerência que contribuem para a construção do sentido global do texto. Também não foi nosso objetivo, como já dissemos anteriormente, esgotar as leituras possíveis dos exemplos apresentados. Tivemos apenas o intuito de apresentar textos com os quais temos contato cotidianamente e fazer análises que pudessem contribuir para uma melhor observação, como profissionais da linguagem, dos processos sociocognitivos envolvidos na construção dos sentidos. Nas análises dos últimos exemplos, já começamos a mobilizar os nossos conhecimentos sobre a forma de organização dos

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17 recursos lingüísticos na superfície textual, ou seja, sobre alguns mecanismos de coesão. Passemos agora a discutir mais especificamente alguns aspectos relativos a esses mecanismos. 3.2. A coesão textual

Para fazer uma análise de alguns aspectos da coesão textual, escolhemos o trecho a seguir: (19) Quem são eles 1. Nas mãos deles, 169 milhões de vidas, o destino de um país gigante e uma crise brutal, com risco até de congestões capazes de ferimentos profundos no regime constitucional e na tranqüilidade relativa dos brasileiros. 2. Tudo foi dado a eles: o sacrifício de direitos, o sacrifício de milhões de empregos, o sacrifício de incontáveis empresas brasileiras, o sacrifício da legitimidade do Congresso, o sacrifício do patrimônio nacional, o sacrifício da Constituição. E eles quebraram o país. 3. Quem são eles? Um presidente abúlico, alheio a todas as realidades desprovidas de pompas e reverências e que só reconhece um ser humano, por acaso ele próprio; avesso a administrar, por desconhecimento agravado pela indecisão, e que se ocupa tanto de bater papo quanto não se ocupa de trabalhar. 4. Como complemento, um ministério apenas pró-forma, desautorizado pela evidência de que não foi montado para ser competente, mas por negócio político. E nele uma equipe econômica dividida entre inseguros eternos, como Pedro Malan, e a audácia dos imaturos no saber e na mentalidade, como Gustavo Franco e Francisco Lopes. 5. Em 36 horas, entre quarta e sexta-feira, o presidente e seus orientadores econômicos submeteram o Brasil a três sistemas cambiais. O dos últimos anos; o da repentina desvalorização do real, na quarta-feira; e o recomendado na noite de quinta pelo governo americano e o FMI (como relatou o "The New York Times"), liberando o valor do dólar em relação ao real. Ou seja, desvalorizando ainda mais o real. Nem no Haiti isso aconteceu alguma vez. 6. Não é necessário, portanto, considerar o que eles fizeram em quatro anos para saber do que são capazes contra a crise perigosa. Bastam as 36 horas de obtusidade e de leviandade, com o presidente insistindo duas vezes em sair de férias a meio do turbilhão que angustiava o país. (...) (Jânio de Freitas, Folha de S. Paulo, 17/02/98).

A partir de agora, principalmente por questões de espaço, tentaremos fazer a análise do texto do exemplo (19), considerando alguns mecanismos de coesão utilizados pelo locutor do texto, para conseguir construir sua avaliação sobre os fatos econômicos e políticos acontecidos na semana que precedeu a publicação do artigo.

Em primeiro lugar, o locutor inicia seu texto com uma certa "estratégia de suspense". Ele anuncia que vai falar sobre algumas pessoas (ver o título do artigo), mas não as identifica de pronto. No título, o locutor mobiliza o pronome "eles" para iniciar a construção do referente textual.

Em geral, os textos são iniciados de outra maneira, introduzindo o referente textual por meio de um nome, de um sintagma, de um fragmento de oração, uma oração, ou todo um enunciado, que, "além de fornecerem, em grande número de casos, instruções de concordância, contêm, também, instruções de sentido, isto é, fazem referência a algo no mundo extralingüístico"55.

No entanto, o locutor desse texto prefere continuar com a "estratégia de suspense". No primeiro parágrafo, as pessoas que serão tematizadas pelo texto são designadas pelo pronome "deles", na expressão "Nas mãos deles (...)". No início do segundo parágrafo, o locutor se refere às pessoas sobre quem vai falar por meio do pronome "eles", no enunciado "Tudo foi dado a eles". E finaliza esse parágrafo com o enunciado "E eles quebraram o país".

Até aqui, portanto, o locutor utilizou-se do recurso da pronominalização para atribuir ações às pessoas de quem fala. Será apenas a partir do terceiro parágrafo que o locutor vai nos desvendar o mistério sobre a identidade do referente textual. O locutor faz, então, a pergunta: "Quem são eles?", e responde: "um presidente abúlico" (terceiro parágrafo); "um ministério apenas pró-forma" e "(...) e, nele, uma equipe

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18 econômica dividida entre os inseguros eternos, como Pedro Malan, e a audácia dos imaturos no saber e na mentalidade, como Gustavo Franco e Francisco Lopes" (quarto parágrafo).

Esse mecanismo é o que Koch (1989) chamará de coesão referencial: "aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outros) elementos) do universo textual' ���� . No nosso exemplo, os pronomes utilizados nos dois primeiros parágrafos fazem remissão aos sintagmas e às orações dos terceiro e quarto parágrafos do texto. Como essa remissão foi feita para frente no texto, é denominada catafórica. Podemos dizer que esse texto teve um início catafórico.

A partir do quarto parágrafo, as remissões serão anafóricas: as expressões "o presidente e seus orientadores econômicos" remetem para trás, para as expressões "um presidente" e "uma equipe econômica" respectivamente. A anáfora, em geral, é um movimento de remissão mais comum, mais utilizado na construção da referência. Iniciar um texto cataforicamente é menos comum, apesar de ser um recurso argumentativo que começa a se fazer mais presente nos textos jornalísticos, como é o caso do nosso exemplo.

Do ponto de vista argumentativo, ficou bastante interessante a combinação da estratégia de suspense na construção dos referentes textuais com a atribuição de um imenso poder a este mesmo referente, pelo mecanismo sintático de apassivação, nos dois primeiros parágrafos do texto: "nas mãos deles", estávamos todos nós e o destino de nosso país; "tudo foi dado a eles"; e a enumeração bastante enfática (pela repetição do sintagma) dos diferentes "sacrifícios" impostos por "eles". Por último, o enunciado na voz ativa, atribuindo aos referentes uma ação da maior gravidade: "E eles quebraram o país".

Essa combinação fez com que a revelação da identidade dos referentes textuais fosse mais marcante do ponto de vista argumentativo, já que antes desta identidade ser revelada, a ela foram acrescentadas as imagens de um poder imenso que não foi utilizado em benefício daqueles que a "eles" se entregaram.

Um outro mecanismo importante de coesão referencial presente neste texto é a definitivização. Segundo Koch (1997), uma das regras para o emprego dos artigos como formas remissivas é aquela em que um referente, ao ser introduzido por um artigo indefinido, somente pode ser retomado por um artigo definido. Coerente com a estratégia de suspense, o locutor utiliza-se ao máximo do expediente de iniciar os parágrafos com referentes introduzidos por artigos indefinidos, como, por exemplo, "(...) Um presidente..." (parágrafo 3), "(...) um ministério..." (parágrafo 4), "(...) uma equipe econômica..." (parágrafo 4), para somente, então, a partir do quinto parágrafo, começar a desvendar o "eles" : "o presidente" (parágrafos 5 e 6) e "seus orientadores econômicos" (parágrafo 5).

Poderíamos continuar falando de outros mecanismos de coesão referencial utilizados pelo locutor nos quatro primeiros parágrafos do texto: a elipse, no terceiro parágrafo: "(um presidente) alheio a todas as realidades (...)", "(um presidente) que só reconhece um ser humano, por acaso, ele próprio (...)", "(um presidente) avesso a administrar (...)"; a remissão catafórica (para frente) do pronome indefinido "tudo" aos diferentes "sacrifícios", no segundo parágrafo; a remissão anafórica do pronome indefinido "isso" aos enunciados anteriores, no quinto parágrafo; a repetição do sintagma "o sacrifício", no segundo parágrafo, a repetição da expressão nominal definida "o presidente", entre outros. Não seguiremos adiante na enumeração dos mecanismos utilizados. O que nos interessa dizer, finalmente, sobre o mecanismo da coesão referencial é que este não é utilizado ingenuamente, estando, na maioria dos casos, a serviço dos objetivos do locutor no momento da produção de seu texto. No exemplo (19), vimos que este mecanismo apoiou fortemente a argumentação empreendida pelo locutor.

Passemos agora à análise dos mecanismos de seqüenciaçãos' utilizados para a progressão do texto do exemplo (19). A progressão do texto pode ser percebida pela forma como o tema é, ao mesmo tempo, mantido e renovado. Este procedimento de manutenção temática diz respeito à articulação entre a informação dada (tema) e a informação nova (rema). No caso do exemplo (19), a seqüenciação predominante é a chamada seqüenciação parafrástica, ou seja, aquela com procedimentos de recorrência. Um primeiro exemplo dessa forma de seqüenciação é a recorrência de estruturas sintáticas ou o chamado "paralelismo sintático": "(...) o sacrifício de direitos, o sacrifício de milhões de empregos, o sacrifício de incontáveis empresas brasileiras, o sacrifício da legitimidade do Congresso, o sacrifício do patrimônio nacional, o sacrifício da Constituição (...)" (segundo parágrafo). Um outro exemplo desse mesmo recurso: "(um presidente) alheio a todas as realidades (...), (um presidente) avesso a administrar" (terceiro parágrafo). A reiteração dos termos desempenha um papel fortemente argumentativo, como se a repetição

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19 das estruturas funcionasse de forma que registrasse, de maneira definitiva, na memória do leitor, as críticas feitas aos referentes textuais.

Um outro exemplo de seqüenciação parafrástica é a recorrência de conteúdos semânticos ou paráfrase. No texto de Jânio de Freitas, a paráfrase é feita no final do quinto parágrafo, introduzida pela expressão "ou seja": "(...) e o recomendado na noite de quinta-feira pelo governo americano e o FMI (como relatou "The New York Times"), liberando o valor do dólar em relação ao real. Ou seja, desvalorizando ainda mais o real". A paráfrase aqui presente serve para reforçar o encadeamento discursivo que o locutor do texto vai estabelecer logo a seguir, introduzido pelo operador "nem": "Nem no Haiti isso aconteceu alguma vez".

O encadeamento discursivo estabelecido é o de conjunção, efetuado por operadores, como "é", "também", "não só... mas também", "tanto... como", "além de", "além disso", "ainda", "nem", que ligam enunciados que constituem argumentos para uma mesma conclusão. No caso de nosso exemplo, o relato feito pelo locutor, ao longo do quinto parágrafo, só servirá de reforço para o argumento de incompetência e má-gestão dos governantes ante a crise que se abateu sobre o país naquela semana. Além disso, implicitamente, coloca esta gestão em comparação com o governo do Haiti, país famoso por suas injustiças sociais, violências e instabilidade econômica. Não tivemos a pretensão de esgotar a análise dos recursos coesivos presentes nesse texto. Apenas estivemos fazendo um exercício de observação de alguns recursos coesivos importantes, mobilizados pelo locutor na construção de sua argumentação. 4. CONCLUSÃO

Este texto pretendeu apresentar resumidamente o que a área de Lingüística Textual, no Brasil, conseguiu desenvolver teoricamente para propiciar análises sistemáticas de produções textuais sociocognitivamente contextualizadas. Além disso, o texto pretendeu oferecer uma breve revisão dos conceitos e categorias que foram sendo elaborados ao longo da história de construção deste campo. Estivemos explorando até aqui basicamente os conceitos de coerência e coesão textuais, conceitos esses que são considerados imprescindíveis para aqueles que pretendem trabalhar com níveis textuais e/ou discursivos de realização da língua.

Nesta conclusão, pretendemos apontar alguns aspectos que não foram problematizados e/ou discutidos, mas que também fazem parte dos interesses dos analistas do texto/discurso. Por exemplo, não tratamos aqui das atividades de produção do texto falado. Já há, sobre o português brasileiro, uma vasta produção acadêmica que discute as principais estratégias de processamento textual nesta modalidade". Também têm sido publicados estudos voltados para as relações entre análise do texto/discurso e o desenvolvimento da competência textual e/ou discursiva na escola59.

Em 1997, Teun A. Van Dijk publicou dois volumes que refletem mais atualmente os diversos interesses que estão no âmbito da tradição anglo-saxã de estudos sobre texto/discurso. O primeiro volume intitula-se Discourse as structure and process e o segundo volume chama-se Discourse as social interaction. Este conjunto, intitulado Discourse studies: a multidisciplinary introduction, é composto por artigos de vários autores europeus e norte-americanos sobre uma ampla gama de tópicos e áreas, indo das abordagens mais retóricas, estilísticas e lingüísticas, até direções psicológicas e especialmente mais sociológicas de pesquisa. Alguns artigos trabalham com textos escritos, outros com conversação informal ou institucional em múltiplos contextos sociais. Alguns trabalhos enfocam as estruturas abstratas do discurso, outros, a organização ordenada da fala, assim como outros discutem as implicações sociais, políticas e culturais do discurso. Diferentes perspectivas teóricas estão contempladas neste conjunto de trabalhos. O autor afirma que os dois volumes constituem a mais ampla e completa introdução aos estudos do discurso até os dias de hoje.

Podemos dizer ainda que os estudos sobre texto/discurso têm se aproximado bastante do que costumamos chamar de estudos cognitivos, principalmente daqueles ligados a uma concepção de cognição que pressupõe uma visão integrada das faculdades cognitivas do ser humano, onde linguagem, percepção, afeto, atenção, memória, estrutura cultural e outros componentes do sistema cognitivo encontram-se definitivamente inter-relacionados. Por último, pode-se dizer também que recentemente houve uma

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20 retomada do interesse pela questão da tipologia e dos gêneros textuais. Para tanto, remeto o leitor para o recente trabalho de Marcuschi (2000) sobre gêneros textuais. Esperamos que o leitor possa, a partir da leitura deste texto, ter vislumbrado o amplo leque de interesses e perspectivas teóricas que constitui a área e possa interessar-se pelos muitos caminhos dos estudos sobre texto/discurso. BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 3. ed. São Paulo, Hucitec, 1986. (título original, 1929) Problemas da poética de Dostoiévski. São Paulo, Forense-Universitária, 1981. (título original, 1970) BASTOS, L. K. & MATTOS, M. L. A produção escrita e a gramática. São Paulo, Martins Fontes, 1986. BASTOS, L. K. Coesão e coerência em narrativas escolares. São Paulo, Martins Fontes, 1994. BEAUGRANDE, R. A. de & DRESSLER, W. U. Introduction to text linguistics. London/ New York, Longman, 1981. CASTILHO, A. T. A língua falada no ensino de português. São Paulo, Contexto, 1998. Sobre este tema, ver os trabalhos de Marcuschi (1999a), (1999b), (1999c). CHAROLLES, M. Introdução aos problemas da coerência dos textos. In: GALVEZ, C. (org.) O texto: leitura e escrita. Campinas, Pontes, 1989 (Título original, 1978). CORREIO POPULAR, 1º caderno. Campinas, 28/10/98. COSTA VAL, M. G. Redação e textualidade. São Paulo, Martins Fontes, 1991. DIJK, T. A. Van. Some aspects of text grammars. Paris, The Hague, 1972. . Cognição, discurso e interação. São Paulo, Contexto, 1992. . Discourse as structure and process. In: Discourse studies: a multidisciplinary introduction. London/New Delhi, Thousand Oaks/Sage Publications, v. 1, 1997. . Discourse as social interaction. In: Discourse studies: a multidisciplinary introduction. London/New Delhi, Thousand Oaks/Sage Publications, v. 2, 1997. DUCROT, O. Princípios de semântica lingüística. São Paulo, Cultrix, 1977. (título original, 1972). . O dizer e o dito. Campinas, Pontes, 1987 (título original, 1984). FÁVERO, L. L. & KOCH,1. G. V. Lingüística textual: introdução. São Paulo, Cortez, 1988. (título original, 1983) FOLHA DE S. PAULO. Caderno Ilustrada. São Paulo, 02/01/99. . 1° Caderno. São Paulo, 28/10/98. . Coluna Painel. São Paulo, 28/10/98. FRANCHI, C. Linguagem - atividade constitutiva. In: Cadernos de Estudos Lingüísticos, UNICAMP, n. 22, pp. 9-39, 1992. FREITAS, Jânio de. Quem são eles. Folha de S. Paulo. 1" Caderno. São Paulo, 17/02/98. GARCIA, O. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 197 8. GARRAFA, L. Coerência e literatura infantil: introdução à análise textual de produções literárias para a infância. Dissertação de mestrado. PUC-SP, 1987. GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo, Ática, 1996. (título original, 1984) . Portos de passagem. São Paulo, Martins Fontes, 1991. GUIMARÃES, E. R. J. Texto e argumentação. Campinas, Pontes, 1987. JORNAL DO BRASIL. Caderno B. Rio de Janeiro, 16/05/98. . Caderno Internacional. Rio de Janeiro, 16/05/98. KOCH, 1. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo, Cortez Editora, 1987. . A coesão textual. São Paulo, Contexto, 1989. . A interação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992. . O texto e a construção dos sentidos. São Paulo, Contexto, 1997. . A referenciação textual como estratégia cognitivo-interacional. In: Produção textual: interação, processamento, variação. Natal, Editora da UFRN, pp. 69-80, 1999a. . Lingüística textual: retrospecto e perspectivas. In: Revista Alfa, v. 42, 1999b. (titulo original, 1994) . Formas referenciais e sua função textual. In: Scripta, PUC-MG, 1999c, no prelo.

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21 KOCH, I. G. V. & BARROS, K. Tópicos em lingüística de texto e análise da conversação. Natal, Editora da UFRN, 1997. KOCH, I. G. V. & TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. São Paulo, Cortez, 1989. . A coerência textual. São Paulo, Contexto, 1990. MAINGUENEAU, D. Introduction aux méthodes de l'analyse du discours. Paris, Hachette, 1976. . Novas tendências em Análise do Discurso. Campinas, Pontes/ UNICAMP, 1989. MALDIDIER, D.; NORMAND, CL. & ROBIN, R. Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa. In: ORLANDI, E. P. (org.) Gestos de leitura. Campinas, UNICAMP, 1994. MARCUSCHI, L. A. Linguística textual: o que é e corno se faz. Recife, UFPE, 1983. (Série Debates) . Rumos atuais da Lingüística Textual. Texto da conferência pronunciada no LXVI Seminário do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo (GEL). UNESP, São José do Rio Preto, junho, 1998a. . Aspectos da progressão referencial na fala e na escrita no português brasileiro. Texto apresentado no Colóquio Internacional - A Investigação sobre o Português em África, Ásia, América e Europa: Balanços e Perspectivas. Berlim, 2325 de março, 1998b. . Cognição e produção textual: processos de referenciação. Texto apresentado durante o II Congresso Nacional da ABRALIN. Santa Catarina, UFSC, 25 a 27 de fevereiro, 1999a. (Mimeografado.) . Cognição, explicitude e autonomia no texto falado e escrito. Conferência pronunciada no III ELFE - III Encontro de Língua Falada e Ensino. Maceió, UFAL, 12 a 16 de abril, 1999b. (Mimeografado.) . Referenciação e progressão tópica: aspectos cognitivos e textuais. Texto apresentado durante o Grupo de Estudos Lingüísticos do Nordeste (GELNE). Fortaleza, setembro, 1999c. (Mimeografado.) . Gêneros textuais: o que são e como se constituem. Recife, 2000. (Mimeografado.) MARCUSCHI, L. A. & KOCH, 1. G. V. Processos de referenciação na produção discursiva. D.E.L.T.A., 14, n. especial, pp. 169-190, 1998a. . Estratégias de referenciação e progressão referencial na língua falada. In: ABAURRE, M. B. (org.) Gramática do português falado, v. VIII, 1998b, no prelo. MASSON, Celso. Qualquer nota: pretensiosas ou ingênuas, as letras sem sentic tom na MPB. Veja, 06/01/99. Seção Música. RAMOS, J. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo, Martins Fonte: SANT'ANNA, A. R. de. Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo, Ática, 1985. VOGT, C. Linguagem, pragmática e ideologia. São Paulo, Hucitec/Funcamp,

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22 UCG - 2003/1 - VPG ESPECIAL. EM LETRAS Lingüística Textual Prof. João Ernandes

EXERCÍCIOS SOBRE COESÃO TEXTUAL Os exercícios abaixo foram todos retirados do de Ensino Médio Português, Língua e Literatura, Editora Moderna, de Maria Luiza Abaurre, Marcela Nogueira Pontara e Tatiana Fadel. Faça-os atentando-se para a possibilidade de se estudar gramática realmente contextualizada. 2. Observe que, na tira transcrita acima, há uma situação de interlocução: José da Silva escreve uma declaraçãode amor a Maria da Conceição.

1. Nesta unidade, você estudou os recursos coesivos que conferem unidade textual. Que elemento, na tira a seguir, garante a coesão textual e que efeito de sentido ele atribui ao pensamento da esposa do general?

a) Que elementos lingüísticos são responsáveis pela manutenção da interlocução? b) 0 que provoca estranhamento com relação a esta carta? c) 0 que provoca o riso na leitura do úitimo qua drinho?

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23 3 (Unicamp-SP) Leia a tira acima e responda em seguida às perguntas: a) A história contém no total cinco falas. Transcreva aquela que instaura o impasse do diálogo. b) 0 dono do bar propõe-se a satisfazer qualquer desejo dos clientes. Transcreva a frase que indica essa possibilidade. c) 0 raciocínio que leva Eddie Sortudo a responder "OK. Vou querer isso" no segundo quadro não é totalmente insensato. Por quê? 4. Os trechos que seguem foram retirados de redações escritas por alunos do ensino médio. Todos apresentam, em maior ou menor grau, problemas na articulação dos elementos textuais, principalmente no que diz respeito à utilização dos recursos coesivos. Após identificar os problemas, reescreva os trechos de modo a torná-los mais claros e coesos. No momento de reescrevê-los, você pode, além de substituir elementos coesivos, introduzir ou explicitar idéias de modo a garantir que o sentido desejado pelo autor possa ser recuperado. a) Agora o caso mais surpreendente onde o ser humano pode chegar foi o caso do índio, onde jovens ou animais tocaram fogo nele, pensando que fosse um mendigo; e daí, e se fosse um mendigo? temos que avisá-los que o mesmo também é gente como nós, e qual o sentido de tocar fogo em uma pessoa que não está fazendo mal a ninguém, uma pessoa que por natureza já é sofrido e pobre. Estes animais qual será a punição? b) A televisão não é perfeita, mas pode se extrair muita coisa boa dela. É o caso da TV Cultura, onde há vários programas educativos, excelentes, onde a criança aprende muito. Sendo assim, a televisão não é um estímulo à ignorância e sim um estímulo à sabedoria, só se torna ignorante uma pessoa que teve unia má educação, onde aprendeu desde criança as coisas ruins da vida. c) Hoje em dia, a televisão divulga programas impossíveis de crianças, jovem e adultos não ficarem por dentro do que acontecem. Já as crianças a respeito do sexo, as senas da televisão mostra, mas uma pode estar descobrindo o sexo, ou seja, os prazeres da vida. d) No Brasil, sempre que se descobre uma corrupção é feito um sensacionalismo em cima e, de repente, surge outro escândalo para abafar o anterior, ou seja, não se têm leis severas onde pessoas que estão envolvidas sejam punidos exemplarmente para que os mesmos não continuem a cometê-los.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES 1 (Unicamp-SP) Leia atentamente os textos abaixo: I Estes são alguns dos equipamentos que a reserva de mercado não permitia a entrada no país sem a autorização do DEPILA. (FSP, 18 out. 1992) II Fazer pesquisa insinuando que 64% dos brasileiros acham que existe corrupção no governo Itamar não é um ato inteligente, de um jornal de que todos gostamos e que é dever de nós brasileiros lutar pela conservação de sua isenção. (Adaptado de Ewerton de Almeida. Folha de S.Paulo)

Reescreva os trechos acima, introduzindo as seqüências "cuja entrada" e "cuja isenção", respectivamente. (Faça apenas as alterações necessárias, decorrentes da nova estrutura das frases.) 2 Leia a tira abaixo:

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Cartão de Natal 1. Pois que reinaugurando essa criança pensam os homens reinaugurar a sua vida e começar caderno novo, fresco como o pão do dia; pois que nestes dias a aventura parece em ponto de vôo, e parece que vão enfim poder explodir suas sementes: 3. O pronome demonstrativo essa pode ter, dentre outras as seguintes funções: • indicar a localização no espaço em relação à segunda pessoa do discurso (perto da pessoa com quem se fala (a quem se escreve); • lembrar ao ouvinte ou ao leitor algo já mencionado

Após reler o início do poema de João Cabral, responda: a)A qual dos empregos acima descritos corresponde uso do pronome demonstrativo no primeiro verso? b) Justifique a resposta do item anterior e retire do poema o dado que a comprova. 4. Leia o texto abaixo e responda as questões. INIMIGOS

O apelido de Maria Teresa, para o Norberto, era "Quequinha". Depois do casamento, sempre que queria contar para os outros uma de sua mulher, o Norberto pegava sua mão, carinhosamente, e começava: - Pois a Quequinha... E o Quequinha, dengosa, protestava: - Ora, Beto!

Com o passar do tempo, o Norberto deixou de chamar a Maria Teresa de Quequinha. Se ela estivesse ao seu lado e ele quisesse se referir a ela, dizia:

No último quadrinho, o uso de duas preposições diferentes é o que produz o humor da fala de Gizinho. Quais são estas preposições e que relações estabelecem? (UFRJ)

2. que desta vez não perca esse caderno sua atração núbil para o dente; que o entusiasmo conserve vivas suas molas, e possa enfim o ferro comer a ferrugem, o sim comer o não. (João Cabral de Melo Neto. Museu de Tudo)

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25 - A mulher aqui... Ou, às vezes: - Esta mulherzinha... Mas nunca mais Quequinha. (0 tempo, o tempo. 0 amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. 0 tempo ataca em silêncio.

0 tempo usa armas químicas.) Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher por "Ela". - Ela odeia o Charles Bronson. - Ah, não gosto mesmo. Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chamasse de Ela, ainda usava um vago

gesto de mão para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer "essa aí" e a apontar com o queixo. -Essa aí... E apontava com o queixo, até curvando a boca com um certo desdém. (0 tempo, o tempo. 0 tempo captura o amor e não o mata na hora. Vai tirando uma asa, depois a

outra...) Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, o Norberto nem olha no sua direção. Faz um

meneio de lado com o cabeça e diz: - Aquilo...

(Luís Fernando Verissimo. Novas Comédias do Vida Privada) a) Sabendo que "pronome é a palavra variável que identifica, na língua, os participantes da interlocução e os seres", sendo classificado de acordo com o tipo de referência que estabelece, volte ao texto e, com base nesta afirmação, classifique os pronomes destacados. b) De que maneira o uso dos pronomes contribui para a construção do efeito de humor que se pode observar nesse texto? 5 (Unicarnp-SP) “(...) vejo na televisão e no rádio que o "cujo" bateu asas e voou. Virou ave migratória.”

O comentário acima, do escritor Otto Lara Resende (Folha de S.Paulo, 8 out. 1992), refere-se ao fato de que o uso do pronome relativo "cujo" é cada vez menos freqüente. Isso faz com que os falantes, ao tentarem utilizar esse pronome na escrita, construam seqüências sintáticas que levam a interpretações estranhas. Veja o exemplo seguinte:

O povo não só quer o impeachment desse aventureiro chamado Collor, como o confisco dos bens nada honestos do sr. Paulo César Farias e companhia. E que a esse PFL e ao Brizola (cuja ficha de filiação ao PDT já rasguei) reste o vingança do povo... [L. A. N. Painel do Leitor, in Folha de S.Paulo]. a) 0 que L. A. N. pretendeu dizer com a oração e parênteses? b) 0 que ele disse literalmente? c) Que tipo de conhecimento deve ter o leitor para entender o que L. A. N. quis dizer? 6. Leia a propaganda abaixo e responda o que se pede:

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Goulache: prato típico húngaro que consiste em ensopado de carne e verduras, temperado com páprica. Helga: esposa de Hagar. 8 (Fuvest-SP) Leia: No final do Guerra Civil americana, o ex-coronel ianque [... ] sai à caça do soldado desertor que realizou assalto a trem com confederados. 0 uso da preposição com permite diferentes interpretações da frase acima. a) Reescreva-a de duas maneiras diversas, de modo que haja um sentido diferente em cada uma. b) Indique, em cada uma das redações, a noção expressa pela preposição com.

a) Identifique e classifique o pronome que aparece no texto da propaganda. b) Qual sentido o jornal pretende que se dê à expressão "uma outra língua"?

7. (Unicamp-SP) 0 humor da tirinha abaixo gira em torno de um enunciado ambíguo (isto é, que pode ter mais de uma interpretação): Responda: a) como Eddie Sortudo esperava que Hagar interpretasse sua pergunta? b) como Hagar de fato interpretou a pergunta de seu amigo? c) o que torna a pergunta ambígua, na forma em que se apresenta?

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27 UCG - 20003/1 - VPG ESPECIALIZAÇÃO EM LETRAS Lingüística Textual Prof. João Ernandes Texto para estudo: COERÊNCIA: DE QUE DEPENDE, COMO SE ESTABELECE. In- KOCH, Ingedore G. Villaça e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. São Paulo, SP: Cortez, 1989. 4.1. Considerações gerais

Por tudo o que já dissemos até agora, fica mais do que evidenciado que a coerência se estabelece na dependência de uma multiplicidade de fatores, o que inclusive levou a uma abordagem multidisciplinar dessa mesma coerência. Uma vez que ela passou a ser vista como um princípio de interpretabilidade do texto, tudo o que afeta (auxilia, possibilita ou dificulta, impede) essa interpretação do texto tem a ver com o estabelecimento da coerência.

Os estudos sobre coerência, abstraídas as questões de ênfase e explicitude dos fatores abordados, são quase unânimes em postular que o estabelecimento da coerência depende: a) de elementos lingüísticos (seu conhecimento e uso), bem como, evidentemente, da sua organização em uma cadeia lingüística e como e onde cada elemento se encaixa nesta cadeia, isto é, do contexto lingüístico; b) do conhecimento de mundo (largamente explorado pela semântica cognitiva e/ou procedural), bem como o grau em que esse conhecimento é partilhado pelo(s) produtor(es) e receptor(es) do texto, o que se reflete na estrutura informacional do texto, entendida como a distribuição da informação nova e dada nos enunciados e no texto, em função de fatores diversos; c) de fatores pragmáticos e interacionais, tais como o contexto situacional, os interlocutores em si, suas crenças e intenções comunicativas, a função comunicativa do texto.

Evidentemente, cada um destes fatores se relaciona com outros fatores. Assim, o conhecimento de mundo terá a ver, na interpretação, com a construção de um mundo textual e sua adequação aos modelos de mundo do produtor e receptor do texto. Essa construção do mundo textual vai depender largamente das inferências que o interpretador faz ou pode fazer. Em nível semântico, tal conhecimento de mundo terá a ver com o estabelecimento de uma unidade/continuidade de sentido, um sentido único para o todo. Ligada ainda ao conhecimento de mundo, temos a questão da informatividade, que diz respeito à previsibilidade/ imprevisibilidade da informação dentro do mundo textual .

0 contexto situacional se relaciona tanto com o nível semântico e o conhecimento de mundo, como, por exemplo, na identificação de referentes deiticamente indicados, quanto com o nível pragmático, quando, por exemplo, só se pode identificar que ato de fala é executado por um enunciado por saber situacionalmente que temos um patrão falando com o empregado numa fábrica. Retornaremos a estas questões no item sobre situacionalidade.

Pragmaticamente, princípios conversacionais, como os de Grice (1975), podem afetar o estabelecimento da coerência. Grice estabelece, como postulado básico que rege a comunicação humana, o Princípio da Cooperação ("Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida no momento em que ocorre pelo propósito ou direção do intercâmbio em que está engajado") do qual decorrem quatro máximas: a) Máxima da Quantidade ("Faça que sua contribuição seja tão informativa quanto for requerido para o propósito corrente da conversação; não a faça mais informativa do que o requerido"); b) Máxima da Qualidade ("Não diga o que acredita ser falso; não diga senão aquilo para o que você possa fornecer evidência adequada"); c) Máxima da Relação ("Seja relevante pertinente): d) Máxima do Modo ("Seja claro").

Charolles e Franck apresentam o princípio da cooperação como básico no processo de interpretação que leva ao estabelecimento da coerência: os usuários sempre se assumem mutuamente como cooperativos e, portanto, crêem que a seqüência lingüística a ser interpretada foi produzida para ser um texto coerente, quer os sinais de coerência se manifestem diretamente na superfície lingüística ou não. Isto se explica por meio dos princípios de textualidade que abordamos em 4.8., a saber, a intencionalidade e aceitabilidade. Charolles (1987) enfatiza que a coerência é estreitamente dependente do interpretador que recebe o texto e busca interpretá-lo, usando seus conhecimentos lingüísticos,

de mundo etc.

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28 Nos textos conversacionais orais, elementos paralingüísticos também atuam no

estabelecimento da coerência: olhar, movimentos do corpo (Goodwin, 1981), expressão facial, posturas corporais, interação corporal (proximidade, toques etc.), gestos (dêiticos ou não) podem dar o sentido ou modificar totalmente o sentido do que se enuncia, afetando, pois, a coerência. Van Dijk (1981) apresenta a seguinte lista: movimentos dêiticos, outros gestos, expressão facial, movimentos do corpo e interação corporal, como afetando a identificação de atos de fala realizados através dos enunciados. Sabemos que, em muitos casos, tais elementos afetam o enunciado também no que respeita a seu sentido não-pragmático, proposicional. Outros elementos que afetam o cálculo do sentido e, portanto, a coerência, apenas no oral, são a entonação e fatores prosódicos em geral, como velocidade e ritmo de fala. Diferenças da coerência no oral e no escrito ainda são apresentadas nas seções 2.4., 4.2. e 4.7.

A coerência depende também da observação de certas convenções sociais de como se devem realizar certos atos de fala. Assim, por exemplo, a fala do doente mental não se preocupa com o significado social das ligações que faz e, por isso, soa incoerente.

Charolles (1978) propõe quatro meta-regras de coerência: repetição, progressão, não-contradição e relação. Segundo a meta-regra de repetição, um texto, para ser coerente, deve conter, em seu desenvolvimento linear, elementos de recorrência estrita. A meta-regra de progressão diz que, para que um texto seja coerente, é preciso haver no seu desenvolvimento uma contribuição semântica constantemente renovada. 0 que se depreende dessas duas regras é que, em todo texto, deve haver retomadas de elementos já enunciados e, ao mesmo tempo, acréscimo de informação. São estas idas e vindas que permitem construir textualmente a coerência. As retomadas são feitas, em grande parte, por meio dos mecanismos de coesão referencial e, na progressão, exercem papel importante os mecanismos de coesão seqüencial (cf. Koch, 1989). Isto é, a coerência manifesta-se parcialmente no texto através dos mecanismos coesivos. Segundo a meta-regra de não-contradição, para o texto ser coerente, "é preciso que no seu desenvolvimento não se introduza nenhum elemento semântico que contradiga um conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrência anterior, ou deduzível desta por inferência". Já pela meta-regra de relação o texto será coerente se "os f atos que se denotam no mundo representado estejam relacionados". Posteriormente, Charolles (1979) propõe o acréscimo da meta-regra de macroestrutura, tomada de empréstimo a Van Dijk.

Poder-se-ia acrescentar uma meta-regra de "superestrutura", que teria a ver com a estrutura de cada tipo de texto: descritivo, narrativo, dissertativo etc. Isto corrobora o que propusemos em 2.4. e reiteramos na seção sobre intertextualidade quanto à relação entre tipos de texto e coerência. Para Charolles (1978), as meta-regras tratam da constituição da cadeia de representações semânticas e suas relações de conexidade que constituem o texto. As meta-regras estabelecem "um certo número de condições que um texto deve satisfazer para ser reconhecido como bem formado por um dado receptor, numa dada situação". Ora, a introdução do receptor e da situação traz à tona a questão da interlocução e deixa claro que tais meta-regras estão sujeitas a aspectos da situação de comunicação e não são, por si, suficientes para explicitar as condições que um texto deve atender para ser bem formado.

Antes de passarmos ao comentário, de forma mais particularizada, da relação da coerência com os fatores aqui levantados, gostaríamos ainda de registrar as colocações de Franck (1980) sobre seqüências fortemente e fracamente coerentes.

Franck (1980) propõe a inclusão, na análise da conversação, da noção de relevância da teoria dos atos de fala, afirmando que a fala de um interlocutor é coerente com a fala do antecessor, no sentido mais amplo do termo, quando ela retém um aspecto significativo, ainda que secundário, da fala anterior. Só em continuações optimais, as pressuposições e a estrutura temática dos enunciados anteriores são totalmente assumidas e suas preferências de continuação atendidas. Para Franck, neste caso, temos uma contribuição (fala) fortemente coerente, porque seu aspecto significativo essencial se liga ao aspecto significativo essencial da contribuição (fala) anterior. No outro caso, em que o aspecto significativo essencial do segundo turno se orienta para um aspecto não essencial do primeiro, ou vice-versa, temos uma fala fracamente coerente. Franck dá o seguinte exemplo:

(I I) (1) A - 0 Sr. deseja falar com meu marido? 0 interpelado pode prosseguir com uma das seguintes falas: (2) B - Sim, por favor, se não for incomodá-lo, prezada senhora. (3) B - Por quê? A senhora é esposa de Willi Müller? (4) B - Não fale assim tão cheia de si, eu a conheço

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29 de antigamente, Lisa. (5) B - Pst, não fale tão alto. Ninguém deve nos ouvir. Para Franck, (2) é fortemente coerente com (1), e (3) a (5) são fracamente coerentes. Franck

afirma que falas fracamente coerentes podem perturbar a evolução harmônica de uma conversação ou irritar o parceiro, ofendendo-o. Isto ocorre porque o receptor considera que o outro não coopera adequadamente, desviando o rumo da conversação.

Para nós, quando a coerência é forte, estabelecese facilmente a relação entre as falas, ocorrendo o oposto no caso da coerência fraca.

Nas seções seguintes, buscaremos explicitar como cada tipo de fator e/ou cada fator em particular concorre para o estabelecimento da coerência.

4.2. Conhecimento lingüístico Todos os estudiosos são unânimes em admitir que os elementos lingüísticos têm grande

importância para o estabelecimento da coerência, embora Brown e Yule (1983) afirmem que é ilusão pensar que entendemos o significado de uma mensagem com base apenas nas palavras e na sintaxe. Buscando evidenciar que a compreensão depende de nosso conhecimento de mundo e de fatores pragmáticos, dão exemplos de mensagens lingüísticas que não têm a forma de frase, semelhantes ao exemplo (12).

(12) Exemplo semelhante ao de Brown e Yule é o do aviso transcrito abaixo e afixado no quadro de avisos junto à entrada da biblioteca de uma instituição que se dedica ao estudo da linguagem.

Colóquios 0 discurso narrativo dos mitos indígenas Prof. Dr. João da Silva ï.' feira, 20-10-1988 14 horas Auditório 111 A compreensão deste aviso, cujos elementos lingüísticos não chegam a constituir uma frase,

depende pelo menos dos seguintes conhecimentos do produtor e receptor do texto, não presentes no aviso: a) que os colóquios são reuniões de professores e alunos da instituição e outros interessados em que um pesquisador (da instituição ou não) expõe um trabalho seu em andamento ou concluído, seguindo-se à exposição discussões sobre o assunto; b) que o assunto é de lingüística; c) quem é o Professor e quais suas qualificações; e d) onde é o Auditório III.

Vimos que é a coerência que determina, em última instância, que elementos vão constituir a estrutura superficial lingüística do texto e como eles vão estar encadeados na seqüência lingüística superficial, e isto é suficiente para deixar claro que a recuperação desta coerência passa pelas marcas lingüísticas. Muitos autores inclusive chamam a atenção para a relação do lingüístico com o conceitual-cognitivo (conhecimento de mundo) e com o pragmático, o que reforça ainda mais a importância das marcas lingüísticas como pistas para o cálculo do sentido e, portanto, da coerência do texto. Vejamos algumas destas colocações.

Beaugrande e Dressier (1981) dizem que há relações (um certo paralelismo) entre o nível gramatical e o conceitual do texto, mas que a cadeia gramatical só se estende por pequenas partes do texto, enquanto a cadeia conceitual abrange o texto todo. Beaugrande (1980) mostra e exemplifica alguns candidatos razoáveis para correlação preferencial entre os níveis gramatical e conceitual. Um dos exemplos que ele dá desse paralelismo pode ser esquematizado como em (13):

(13) Nível gramatical Nível conceitual sujeito - para - verbo agente - para - ação objeto - para - estado Isto quer dizer que, quando temos, no nível gramatical, uma estrutura que relaciona um sujeito

com um verbo, no nível conceitual a preferência é para que o sujeito seja um agente se o verbo for de ação, e para que o sujeito seja um objeto (um ser visto como paciente ou não-agente) se o verbo for de estado, como em (14) e (15):

sujeito (14) 0 menino agente abriu a porta (ação) sujeito

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30 sujeito (15) A sala objeto estava suja (estado) Tanto a preferência é esta que outras relações são possíveis, mas, com freqüência, são vistas

como resultado de alterações (podemos dizer transformações) da forma básica, como em (16), onde a passiva é vista como uma transformação da ativa

sujeito (16) A porta objeto foi aberta (ação) pelo menino (agente) Prince (1981) e Yule (1981) deixam clara a relação das formas lingüísticas com a estrutura

informacional, o que seria mais um papel dessas formas no estabelecimento da coerência. Fillmore (1981) mostra que a pragmática das expressões é necessária para explicar certos fatos

que ocorrem no emprego das mesmas e que as condições pragmáticas para a frase permitem saber suas possibilidades de interpretação e, portanto, permitem perceber/estabelecer sua coerência.

Fillmore exemplifica, utilizando a pragmática dos verbos ir e vir em frases que adaptamos para o português nos exemplos (17) a (20). Para facilitar a percepção das diferenças pragmáticas entre as frases, Fillmore utiliza o recurso de imaginar que elas são parte de um roteiro cinematográfico e como seria a filmagem do que cada frase descreve e como ficaria a cena em termos de elementos presentes, posição da câmara etc. Usamos aqui o mesmo recurso. Assim, pode-se perceber que as frases, para serem aceitas como bem seqüenciadas, requerem um contexto em que os eventos possam ser observados na ordem determinada pelas seqüências que os descrevem.

(17) A porta da lanchonete de Henrique abriu e dois homens vieram para dentro. - câmara (observador) dentro da lanchonete - supõe que um dos homens, ou os dois, abriram a porta - só há dois homens (18) A porta da lanchonete de Henrique abriu e dois homens foram para dentro. - câmara (observador) fora - alguém dentro abriu a porta - pode haver mais de dois homens, mas só dois entram ou há um close na porta e se vêem dois

homens entrarem (Isto porque temos "dois ho mens" e não "os dois homens".) (19) Dois homens aproximaram-se da lanchonete de Henrique, abriram a porta e foram para

dentro. - câmara (observador) fora - pode ou não haver mais de dois homens em cena - com certeza, foram os dois homens que

abriram a porta (20) Dois homens aproximaram-se da lanchonete de Henrique, abriram a porta e vieram para

dentro. - câmara (observador) dentro, mas tem de haver uma janela ou porta de vidro ou algo que

permita a observação dos eventos na ordem em que são descritos - pode ou não haver mais de dois homens em cena - com certeza foram os dois homens que abriram a porta No que respeita à relação do lingüístico com o pragmático, também Van Dijk (1981:233-6)

mostra a importância dos traços lingüísticos do enunciado, em todos os níveis (fonético /fonológico, morfológico/lexical, sintático e semântico) para apreender os atos de fala realizados e, portanto, estabelecer a coesão pragmática.

Para Fillmore (1981), a tarefa mais importante da gramática do discurso é caracterizar, com base no material lingüístico contido no discurso sob exame, o conjunto de mundos em que o discurso pode representar um papel e daí a importância da contextualização que as formas lingüísticas permitem. Fillmore não está falando de contexto lingüístico (contexto), mas de contexto de situação.

Fillmore também mostra a relação das formas lingüísticas com o tipo de texto, o que tem a ver com a ligação entre intertextualidade e coerência e relaciona-se com o discutido em 2.4. Usa como exemplo o caso do texto narrativo onisciente seletivo do ponto de vista de um personagem, mostrando

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31 como o tipo do texto afeta o uso de elementos tais como pronomes, nomes pessoais, SNs definidos, tempos, palavras dêiticas, regras de seqüenciamento e o uso de itens lexicais epistêmicos, avaliativos e de experiência psicológica. Se o tipo de texto estabelece privilégios e restrições especiais ao uso de elementos lingüísticos, evidentemente vai influir na possibilidade de interpretação e percepção da coerência.

Franck (1986), falando das sentenças com "dupla ligação sintática" que ocorrem na conversação, mostra que em alguns casos elas tem uma função ligada à questão da tomada e manutenção do turno e outra ligada à questão da coerência e da relevância da fala presente em face dos enunciados imediatamente precedentes. Sentenças ou frases com dupla ligação sintática são aquelas que contêm um termo ou expressão que tem a possibilidade de formar seqüência sintática tanto com o que vem antes como com o que vem depois. Nas musicas é, comum o uso desse recurso para sugestão de duplo sentido. Nestes casos, a dupla ligação sintática se evidencia pela forma de cantar com uma certa divisão das frases pelo ritmo e pausas da música. Um bom exemplo é encontrado no trecho da música "Você não entende de nada" de Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso, transcrito em (21), em que o termo "você" é cantado entre duas pausas relativamente longas, podendo, por isso, ser percebido tanto como objeto do verbo comer quanto como sujeito de "tá entendendo".

(21) Você é tão bonita. Você traz a Coca-Cola eu tomo Você bota a mesa eu como, eu como, eu como, eu como, eu como

//Você// Não tá entendendo quase nada do que eu digo Eu quero é ir-me embora Eu quero é dar o fora E quero que você venha comigo. As sentenças com dupla ligação sintática são apenas um exemplo de como o texto oral pode

usar tipos de pistas lingüísticas diferentes daquelas do escrito para obter coerência, ou, por outra, para que o ouvinte possa perceber o texto como coerente.

Para finalizar este comentário da relação de elementos e estruturas lingüísticas com a coerência, gostaríamos de apenas elencar uma boa parte (a lista não é exaustiva) dos fatores de natureza lingüística cujo funcionamento textual e papel no estabelecimento da coerência já foi, de alguma forma, enfocado. São eles: a anáfora (pronominal - retomadas pronominais, nominal, dêitica, possessiva); as descrições definidas (com o mesmo referente); o uso dos artigos; as conjunções, os conectores interfrásicos; marcas de temporalidade; tempos verbais (sucessão, concordância); a repetição (de signos, estruturas etc.); a elipse; modalidades; entonação; subordinação e coordenação; substituição sinonímica; ocorrência de signos do mesmo campo lexical; ordem de palavras; marcadores conversacionais; o componente lexical e os conceitos e mundos que se deflagram no texto; fenômenos de recuperação pressuposicional; fenômenos de tematização: temarema, tópicocomentário e marcas de tematização; fenômenos de implicação; orientações argumentativas de elementos do léxico da língua; componentes de significado de itens lexicais.

4.3. Conhecimento de mundo Se o conhecimento lingüístico é necessário para o cálculo da coerência, todos os estudiosos são

unânimes em afirmar que tal conhecimento é apenas parte do que usamos para interpretar um texto e, portanto, para estabelecer sua coerência. 0 estabelecimento do sentido de um texto depende em grande parte do conhecimento de mundo dos seus usuários, porque é só este conhecimento que vai permitir a realização de processos cruciais para a compreensão, a saber:

a) a construção de um mundo textual. A esse mundo se ligam crenças sobre mundos possíveis na concepção dos usuários, o que passa pelo modo como o receptor vê o texto: falando de um mundo real? de ficção? etc. Isto influencia decisivamente se ele vai ver o texto como coerente ou incoerente. Além disso, para haver compreensão é preciso que o mundo textual do emissor e do receptor tenham um certo grau de similaridade.

0 mundo textual, a representação do mundo pelo texto, nunca coincide exatamente com o "mundo real", porque há sempre a mediação dos conhecimentos de mundo (que podem ser mais ou menos amplos), dos interesses e dos objetivos de quem produz (fala, escreve) o texto e de quem o recebe (ouve, lê) e interpreta, buscando seu sentido. Para que a coerência do texto possa ser estabelecida é preciso haver

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32 correspondência, ao menos parcial, entre os conhecimentos ativados a partir do texto e o conhecimento de mundo do receptor, armazenado em sua memória de longo termo;

b) o relacionamento de elementos do texto (frases, partes do texto), aparentemente sem relação, através de inferências;

c) o estabelecimento da continuidade de sentido, através do conhecimento ativado pelas expressões do texto na forma de conceitos e modelos cognitivos;

d) a construção da macroestrutura. 0 conhecimento de mundo é visto como uma espécie de dicionário enciclopédico do mundo e da

cultura arquivado na memória. Vários estudos tratam da memória falando em memória semântica e episódica ou em memória de longo termo (ou permanente), de médio termo (ou operacional) e de curto termo (ou temporária). As memórias semântica e episódica podem ser encaixadas na memória de longo termo. Por isso vamos caracterizar apenas as três últimas, utilizando principalmente as formulações de Kato (1986). A memória temporária é o lugar onde podemos armazenar seqüências de números ou de palavras e tem uma capacidade de armazenagem limitada, conforme alguns estudos, a sete itens. A memória operacionál é o lugar onde o conteúdo proposicional é armazenado, não tendo limitação quantitativa. Nela ocorre recodificação dos elementos da memória temporária com uma abstração da forma, através da associação de seu conteúdo proposicional a uma informação prévia do indivíduo. Os conceitos são aí ativados como unidades de sentido. A memória permanente é o espaço de armazenagem e organização de todo o nosso conhecimento de mundo, incluindo o conhecimento lingüístico, conceitos, modelos cognitivos globais, fatos generalizados e episódios particulares provenientes da experiência de cada indivíduo.

Normalmente os estudiosos dividem o conhecimento em dois tipos: a) conhecimento enciclopédico ("background knowledge") que representa tudo o que se

conhece e que está arquivado na memória de longo termo; b) conhecimento ativado ("foreground knowledge") que é trazido à memória presente

(operacional e/ou temporária). Esse conhecimento pode ser comum, resultado da experiência cotidiana, ou científico. A

diferença entre os dois pode afetar a compreensão e criar problemas de coerência, principalmente porque o científico so é ativado em circunstâncias particulares, fora das quais o texto se processa pelo conhecimento comum. Vejamos um exemplo. Embora cientificamente o "tomate" seja uma "fruta", o conhecimento comum não o coloca nesta classe, mas em outra classe: a dos "legumes"; assim, diante de uma seqüência como (22) abaixo, as pessoas acham-na problemática e imaginam que seu produtor se tenha enganado ou no uso da palavra fruta ou da palavra tomate ou, por não verem uma relação direta entre as duas frases, vão tentar imaginar uma situação em que ela faça sentido, calculando-lhe a coerência.

(22) Meu filho trouxe-me uma caixa de tomates. As frutas estavam podres. Finalmente, é preciso lembrar que o conhecimento de mundo resulta de aspectos socioculturais

estereotipados. A compreensão do texto vai ser vista como um processamento da informação, do conhecimento

na memória. Os estudos têm revelado que o conhecimento de mundo se estabelece e se armazena na

memória não isoladamente, mas que se organiza e representa na mente em conjuntos, em blocos, como unidades completas de conhecimento estereotípico, chamadas de conceitos e modelos cognitivos globais, dos quais passamos a falar. As teorias semânticas que propõem a compreensão do texto através do processamento de conhecimento na memória são chamadas normalmente de construtivistas, cognitivas ou procedurais.

Para Beaugrande e Dressler (1981), o conceito é um bloco de instruções para operações cognitivas e comunicativas, é uma configuração de conhecimentos estruturados em uma unidade consistente, mas não monolítica ou estanque. Dividem os conceitos em primários (objetos, situações, eventos, ações) e secundários (estado, agente, entidade afetada, relação, atributo, localização, tempo etc.) e propõem um modelo de funcionamento dos conceitos no processo de compreensão do texto. Neste modelo, os conceitos primários seriam os candidatos mais prováveis a centros de controle no texto, a partir dos quais se pode processá-lo na construção da continuidade de sentido que estabelece a coerência.

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33 Segundo Garrafa (1987), os modelos cognitivos globais "são blocos completos de

conhecimentos relativos a conceitos intensamente utilizados na interação humana. São estruturas cognitivas que organizam nosso conhecimento convencional de mundo em conjuntos bem interligados".

Entre os modelos cognitivos globais, os "frames", esquemas, planos e "scripts" vêm sendo citados na literatura como os tipos básicos que são utilizados no processamento cognitivo dos textos com vistas à sua compreensão. Ao lado deles, aparecem os cenários e modelos mentais. Alguns desses modelos foram propostos pelos estudos de inteligência artificial ("frames", "scripts"), outros pela psicologia da cognição (cenários, esquemas, modelos mentais). Embora todos os autores que trabalham na linha construtivista reconheçam a existência dos modelos cognitivos, cabe lembrar que ha uma flutuação terminológica, de modo que o mesmo conceito pode aparecer com diferentes nomes e o mesmo nome pode aparecer ligado a diferentes conceitos. Há autores que utilizam um só nome para todos os tipos de modelos cognitivos (teoria dos "frames", teoria dos "esquemas" etc.). Tomaremos como base a proposta de Beau-grande e Dressier (1981), com alguns acréscimos que julgamos necessários.

"Frames" são "modelos globais que contêm o conhecimento de senso comum sobre um conceito central (por exemplo, Natal, viagem aérea); estabelecem quais as coisas que, em princípio, são componentes de um todo, mas não estabelecem entre eles uma ordem ou seqüência (lógica ou temporal)".

Os esquemas diferem dos "frames", porque "são modelos cujos elementos são ordenados numa progressão, de modo que se podem estabelecer hipóteses sobre o que será feito ou mencionado a seguir no universo textual. As ligações básicas são a proximidade temporal e a causalidade, sendo, pois, os esquemas previsíveis e ordenados". Exemplos: Comer em um restaurante, pôr um carro em movimento. Um tipo particular de esquemas são as superestruturas ou esquemas textuais (Van Dijk) de que trataremos em 4.10.

Planos são "modelos globais de acontecimentos e estados que conduzem a uma meta pretendida. Além de terem todos os elementos numa ordem previsível, levam a um fim planejado". Exemplo: num texto de instruções para montagem de um aparelho.

"Scripts" são "planos estabilizados, utilizados ou invocados com muita freqüência para especificar os papéis dos participantes e as ações deles esperadas. Diferem dos planos por conterem uma rotina preestabelecida. Trata-se de um todo sequenciado de maneira estereotipada, inclusive em termos de linguagem, ou seja, como se age verbalmente numa situação". Exemplos: cerimônia religiosa e civil de casamento, certas partes de uma sessão de júri, um ritual religioso qualquer (missa, batizado etc), seqüências de cumprimento.

Cenário, segundo Sanford e Garrod (1981), é o "domínio estendido de referência" que é usado na interpretação de textos, "desde que alguém pode pensar no conhecimento de ambientes e situações como constituindo o cenário interpretativo atrás de um texto". 0 cenário é específico de uma situação (no cinema, no restaurante etc.). 0 que estes autores chamam de cenário é incluído por outros na noção de esquemas, "frames" etc.

Johnson-Laird (1981) acha que a interpretação de sentenças depende do conhecimento de mundo e que a representação mental de uma sentença pode tomar a forma de um modelo interno do estado de coisas caracterizado pela frase e que ele chama de modelo mental. Adota a semântica procedural porque não interessa o conteúdo fenomenológico ou subjetivo do modelo mental, mas sua estrutura e o fato de que possuímos procedimentos para. construí-lo, manipulá-lo e interrogá-lo. Muitos dos procedimentos tomam como garantida uma base comum de conhecimento, inclusive fatos sobre o mundo, a língua e as convenções que governam a conversação. Como se percebe, os modelos mentais são praticamente a proposta de construção do mundo textual a que nos referimos.

Finalmente, temos as macroestruturas, que não são modelos cognitivos, mas são estruturas globais e fundamentais para a compreensão do texto. A macroestrutura foi proposta por Van Dijk (1981) para a interpretação coerente de um texto. Trata-se de uma espécie de estrutura profunda semântica do texto, que é representada por uma macroproposição obtida através de macrorregras que reduzem e abstraem o conteúdo proposicional das seqüências textuais, mas ao mesmo tempo organizam seu conteúdo em termos de hierarquização. A macroestrutura é definida no nível da representação semântica global do texto. A macroestrutura teria como correlato psicológico um esquema cognitivo que determina o planejamento, execução, compreensão, armazenamento e reprodução do texto. A macroestrutura temse revelado como o elemento do texto que melhor e mais permanentemente é recordado. Como se pode ver, determinar a macroestrutura de um texto é estabelecer sua coerência, pelo menos em termos semânticos. A frase que expressa a macroestrutura é chamada também de "macroproposição textual".

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34 4.4. Conhecimento partilhado Já que o conhecimento do mundo é importante para o processo de compreensão do texto,

emissor e receptor tem de ter conhecimentos de mundo com um certo grau de similaridade. Isto vai constituir o conhecimento partilhado que determina a estrutura informacional do texto em termos do que se convencionou chamar de dado e novo.

Classicamente se considera nova a informação que o falante apresenta como não sendo recuperável a partir do texto precedente e como dada aquela que o é (Halliday). A noção de dado e novo tem apresentado flutuações no correr do tempo. Prince (1981) discute as principais propostas e, a partir da visão de texto como um conjunto de instruções de um falante para um ouvinte sobre como construir um modelo de discurso particular, contendo entidades, atributos e ligações entre entidades, propõe uma escala de "familiaridade assumida" e uma taxinomia de diferentes tipos de dados e novo, a saber:

Cada tipo de entidade desta escala pode ser definido como segue. Nova é a entidade que está

sendo introduzida no discurso pela primeira vez e pode ser de dois tipos: totalmente nova, quando o falante precisa "criá-la" a partir do texto (exemplo 22) ou não-usada, quando se supõe que ela já é familiar ao ouvinte (exemplo 23).

(22) Um disco voador sobrevoou a cidade. (23) Pelé hoje é comentarista esportivo.

As entidades totalmente novas podem ser ancoradas (exemplo 24) ou não-ancoradas (exemplo 22), conforme estejam ou não relacionadas a alguma outra entidade por meio de um SN propriamente contido no SN que introduz a entidade.

(24) Um professor que eu conheço disse que não acredita na existência de extraterrestres. SN

de ancoragem. As entidades inferíveis podem ser de dois tipos: as inferíveis não-contidas, que são aquelas que o

falante supõe serem deduzíveis, pelo ouvinte, de outras entidades já evocadas ou inferíveis, via raciocínio lógico ou plausível (exemplo 25); e as inferíveis contidas, que são aquelas em que a entidade a partir da qual a inferência é feita é representada por um SN contido dentro do SN que introduz a entidade classificada como inferível contida (exemplo 26).

(25) Subi no táxi e o motorista não quis me levar ao aeroporto. (26) Uma destas casas será vendida. As entidades evocadas também podem ser de dois tipos: as evocadas textualmente que são

aquelas já mencionadas no texto (exemplo 27) e as evocadas situacionalmente que representam participantes do discurso ou traços salientes do contexto extralingüístico (exemplo 28).

(27) Encontrei o marido de Dora. Ele me contou que ela estava viajando. (28) Por favor, você pode me esclarecer uma dúvida? Essa escala funciona dentro do seguinte princípio de conversação: "os ouvintes não gostam de

introduzir novas entidades, quando as velhas são suficientes para o propósito comunicativo; e os falantes, se são cooperativos, formam seus enunciados de modo a possibilitar ao ouvinte fazer uso máximo de entidades velhas". Ora, isto tem tudo a ver com a possibilidade do receptor do texto de calcular o seu sentido e, portanto, estabelecer sua coerência.

Prince acha que tudo isto leva a um fenômeno talvez válido para o discurso em geral: a tendência para usar SNs que sejam tão altos na escala de familiaridade quanto possível. Há também um outro

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35 fenômeno relacionado a este que parece especialmente pertinente para o discurso da conversação informal: uma tendência para o uso de construções sintáticas em que não ocorrem, na posição de sujeito, SNs baixos na escala. Para Prince, uma taxinomia de familiaridade assumida permitiria estudar mais profundamente a relação entre forma e compreensão. Isto tem a ver com elementos já apresentados nesta seção e com pontos levantados em 4.2.

Van Dijk (1981) mostra que o tópico da sentença, que é um conceito semântico-pragmático, tem a ver com a estrutura informacional do texto e se manifesta na estrutura de superfície por diversos meios: ordem de palavras, sintagmas ou morfemas específicos, entonação, acento etc.

A importância do conhecimento partilhado para o cálculo do sentido e, portanto, para o estabelecimento da coerência, revela-se em seqüências conversacionais do tipo pergunta/resposta em que esta não tem ligação lingüística ou de conteúdo explícita com aquela, como no exemplo (29).

(29) - Você vai à aula amanhã? - Os ônibus estarão em greve. 4.5. Inferências Outro fator importante para a compreensão e o estabelecimento da coerência de um texto,

ligado ao conhecimento de mundo, são as inferências. Basicamente se entende por inferência aquilo que se usa para estabelecer uma relação, não explícita no texto, entre dois elementos desse texto.

Beaugrande e Dressier (1981) dizem que inferência é a operação que consiste em suprir conceitos e relações razoáveis para preencher lacunas (vazios) e descontinuidades em um mundo textual. Para eles, o inferenciamento busca, pois, sempre resolver um problema de continuidade de sentido.

Para Brown e Yule (1983), inferências são conexões que as pessoas fazem quando tentam alcançar uma interpretação do que lêem ou ouvem, isto é, é o processo através do qual o leitor (ou ouvinte) consegue captar, a partir do significado literal do que é escrito ou dito, o que o escritor (falante) pretendia veicular. A inferência é sempre vista como uma "assunção ligadora", isto é, que estabelece uma relação entre duas idéias do discurso.

Como surgem as inferências? Evidentemente de uma necessidade e do conhecimento de mundo do leitor ou ouvinte. Charolles (1987a) diz que o processo de interpretação e reinterpretação é comandado pelo princípio da coerência, que leva aquele que interpreta o texto a construir relações que não estão expressas nos dados do texto: estas relações são as inferências que podem ser ou não lingüisticamente fundadas. Observa que os lingüistas se põem como tarefa separar as inferências lingüisticamente fundadas das não lingüisticamente fundadas. Nesta tarefa, alguns sobrecarregam o léxico (enciclopédico) de seus sistemas com o fim de manter o máximo de inferências dentro do domínio lingüístico, mas observa-se que as determinações lingüísticas cedem cada vez mais terreno a outras determinações, como as psicológicas.

Charolles (1987) propõe uma classificação das inferências em diferentes tipos: a) substanciais, inalienáveis ou necessárias: que seriam aquelas a que não podemos fugir, que

são obrigatoriamente feitas (exemplos 29 a 31). (29) João tem um Scort XR3 --> João tem um carro. b) "convidadas" ou possíveis: que podem ou não ser feitas. (30) João tem um Scort --> João tem carteira de motorista. c) contextuais: que variam com o contexto. (31) Você sabia que o João parou de fumar? substancial: João fumava antes. contextual: Pode haver uma reprovação nessa pergunta, se ela é feita com o propósito de

censurar o interlocutor que não quer parar de fumar. Esse tipo de inferência é que ocorre nos atos de fala indiretos. (32) Você pode me passar o sal? --> Ele quer o sal. d) retroativas ou para trás: são as que se fazem sobre o sentido de um termo ou expressão a

partir de algo dito posteriormente. (33) Pedro tem um grilo. a) Alimenta-o todos os dias. animal b) Não sabe se a namorada gosta dele. preocupação. Beaugrande e Dressier (1981:102) apresentam objeções ao uso das inferências na explicação do

processo de compreensão de textos ou como parte do modelo que representaria esse processo por duas

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36 razões: primeiro, porque as inferências admitidas neste processo seriam escolhidas arbitrariamente e, segundo, porque as inferências admitidas são poucas, uma vez que os usuários podem fazer muitas outras.

Sempre se podem fazer muitas inferências a partir dos elementos de um texto. Como limitar essas inferências apenas às necessárias e/ou relevantes à interpretação autorizada pelo texto e desejada pelo seu produtor? De acordo com Brown e Yule (1983), um problema que se levanta para toda tentativa de incorporar o conhecimento do mundo ao processo de compreensão do texto é encontrar um meio de limitar a incorporação de dados desse conhecimento ao estritamente relevante, na interação.

Alguns meios que executariam essa difícil tarefa de limitar as inferências seriam: a) o contexto, que pode ser o contexto lingüístico (ou co-texto) e o contexto de situação

(contexto sociocultural, circunstancial). A atuação do co-texto é questionada por Brown e Yule (1983), que dizem que os elementos do contexto lingüístico não dão base ao analista para determinar as inferências que realmente são feitas, porque a ação de inferir fica como um processo que é dependente do contexto específico do texto e localizado no leitor (ou ouvinte) individual;

b) a cooperação retórica, em termos de aceitação de argumentos; c) a força ilocuciondria do enunciado e a tarefa do ouvinte (ou leitor); d) a localização, a que Charolles (1987) se refere como "filtragem pelo alto". (Sobre

focalização, cf. 4.9.) Diante da dificuldade de limitação das inferências, poder-se-ia considerar ideal que se

construíssem textos que exigissem poucas (ou nenhuma) inferências para sua compreensão. Como bem observam Brown e Yule (1983), "tais textos requereriam muito espaço para veicular pouquíssima informação, se bem que não exigiriam por parte do leitor (ouvinte) muito trabalho interpretativo via inferência. Todavia, os textos reais não são assim: eles mostram uma quantidade mínima de coesão formal, assumem quantidades massivas de conhecimento 'backgrounded' existente e normalmente requerem que o leitor (ouvinte) faça, sejam quais forem as inferências, que ele sinta como querendo operar para obter uma compreensão do que está sendo veiculado".

Finalmente é preciso lembrar que, freqüentemente, o produtor do texto deseja que as inferências não sejam limitáveis, que o texto abra muitas linhas de possíveis inferências. É o caso do texto dúbio (como muitas falas políticas e textos de humor e propaganda) ou polissemico (como na literatura).

4.6. Fatores pragmáticos Já deve ter ficado claro de tudo o que foi dito até aqui que o estabelecimento da coerência

depende em muito de fatores pragmáticos, já que a compreensão do texto depende em grande parte desses fatores: tipos de atos de fala, contexto de situação, interação e interlocução, força ilocucionária, intenção comunicativa, características e crenças do produtor e recebedor do texto etc. têm a ver com a influência do pragmático na coerência.

Segundo Brown e Yule (1983), três aspectos são constitutivos do processo de interpretação de textos: computar a função comunicativa, usar o conhecimento sociocultural geral e determinar as inferências a serem feitas. Comentando a questão da função comunicativa do texto, dizem que a coerência se basearia não na relação entre os enunciados, mas entre ações realizadas com os enunciados (coerência pragmática), ou seja, os atos de fala na interação. Dentro da função comunicativa abordam, ainda, a questão de situações de fala sociologicamente determinadas, com convenções marcadas para que a interação se realize e dão como exemplo a questão da "aula", remetendo ao estudo feito por Sinclair e Coulthard. Outros exemplos desse tipo de situações seriam: no restaurante, conversação telefônica, consulta médica, assembléia de membros de uma instituição, reuniões administrativas etc.

Van Dijk (1981) diz. que, ao lado da macroestrutura semântica de um texto, que dá sua coerência semântica, temos uma macroestrutura pragmática, que dá a sua coerência pragmática. Essa macroestrutura pragmática seria um macroato de fala ao qual se subordinariam, hierarquicamente, todos os atos de fala realizados por subpartes e frases do texto. Esse macroato é obtido através de macrorregras (generalização, apagamento e construção) do mesmo tipo daquelas que dão origem à macroproposição semântica e seria também um construto fundamental para o processamento do texto tanto na produção como na compreensão. Van Dijk deixa claro que o processo de compreensão do texto obedece a regras de interpretação pragmática e, portanto, a coerência do texto não se estabelece sem levar em conta a interação e as crenças, desejos, quereres, preferências, normas e valores dos interlocutores. Estuda, ainda, a relação

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37 entre atos de fala e "frames", concluindo que a verificação do preenchimento ou não das condições necessárias para que o ato de fala seja apropriado deve ser feita pelo nosso conhecimento do mundo e sua organização em "frames". Isto serve para nos mostrar como os elementos ou fatores atuantes no processo de produção e compreensão de textos e, portanto, de sua coerência, atuam de forma interligada. Evidência dessa interligação seriam também os elementos do texto que Marcuschi (1938) e Fávero e Koch (1985) chamam de "contextualizadores". Esses elementos seriam de dois tipos: a) contextualizadores propriamente ditos, que ajudam a ancorar o texto na situação comunicativa: assinatura, local, data e elementos gráficos; b) perspectivos, que contribuem para fazer avançar expectativas a respeito do texto: título, início do texto, autor, estilo de época, corrente científica, filosófica, religiosa a que pertence. Elementos como assinatura, indicação de local, data e autor mostram a relação do lingüístico com fatores pragmáticos do contexto de situação; o título terá muito a ver com focalização; as implicações, na interpretação do texto, do estilo de época, corrente científica, filosófica ou religiosa a que se filia o autor só podem ser dadas pelo conhecimento de mundo.

Diretamente ligado à questão pragmática temos o fator da situacionalidade, que abordamos a seguir.

4.7. Situacionalidade Para Beaugrande e Dressier (1981), a situacionalidade refere-se ao conjunto de fatores que

tornam um texto relevante para dada situação de comunicação corrente ou passível de ser reconstituída. Bastos (1985) afirma que a coerência se estabelece pelo nível de inserção do texto numa

determinada situação de comunicação. Somos de opinião que, se a condição de situacionalidade não ocorre, o texto tende a parecer incoerente, porque o cálculo de seu sentido se torna difícil ou impossível. Foi a não-situacionalidade que, em grande parte, levou muitos estudiosos a dizerem que certos textos eram incoerentes, propondo, com base nisso, uma gramática de texto de um tipo que incorporava algo semelhante à gramaticalidade/agramaticalidade das frases para os textos. Depois verificou-se que textos ditos incoerentes eram perfeitamente coerentes, e faziam sentido, desde que os imaginássemos numa situação X, com determinadas características, como já foi exemplificado.

Seria interessante lembrar aqui o que se comentou no item 4.5 sobre o efeito do contexto de situação na limitação das inferências que se deve ou pode fazer na interpretação de um dado texto.

Van Dijk (1981) dá toda uma relação dos elementos que devemos observar na análise contextual e como faze-lo. Ele liga este contexto à identificação e produção dos atos de fala, ou seja, à coerência pragmática do texto. Para ele, o contexto também seria uma abstração em que só se levam em conta os elementos da situação pertinentes para a produção e compreensão. Em resumo, na análise contextual, que ocorre durante a compreensão pragmática, o usuário da língua levaria em conta as seguintes informações sobre o contexto social em questão: seu título específico, o "frame" do contexto relevante no momento, as propriedades/relações das posições sociais, funções e indivíduos que as preenchem, bem como as convenções (regras, leis, princípios, normas, valores) que determinam as ações socialmente possíveis dos membros envolvidos. Para Van Dijk, esses contextos são dinâmicos e, por isso, sua análise é um processo permanente no qual as pessoas constroem os traços relevantes do contexto.

Pensamos que o contexto de situação se reflete não só no pragmático, como quer Van Dijk, mas também no semântico. Evidência disso seria o caso dos dêiticos e a especificidade do significado dos homônimos, que seriam tomados num sentido e não noutro devido à focalização imposta ao texto pela situação em que ele é produzido.

Cumpre registrar que, no oral, pelo menos num certo sentido, a coerência depende muito mais do contexto situacional do que no escrito, porque no oral os elementos da situação cooperam no estabelecimento das relações entre os elementos do texto em mais alto grau do que no escrito, sobretudo por haver muitas entidades evocadas situacionalmente e por ser decisiva a influência da situação no cálculo do sentido. Uma evidência dessa dependência é a dificuldade que se encontra para interpretar fala gravada. Todavia, há casos de textos escritos muito dependentes da situação, como placas indicativas de direção, de silêncio em hospitais, indicativas de salas

• seções em instituições diversas etc. e que, inclusive, foram chamadas, pela teoria lingüística tradicional, de frases de situação.

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38 É preciso lembrar, porém, como o fazem Beaugrande e Dressier, que a relação texto-situação

se estabelece em dois sentidos: da situação para o texto e do texto para a situação. Isto significa que se, por um lado, a situação comunicativa interfere na maneira como o texto é constituído, o texto, por sua vez, tem reflexos sobre a situação, já que esta é introduzida no texto via mediação. A mediação é aqui entendida como a extensão em que as pessoas introduzem, em seu modelo da situação comunicativa (do "mundo real"), suas crenças, convicções, objetivos, perspectivas. Assim, o texto jamais será um espelho do mundo real, visto que a situação acaba sendo recriada pelo texto através dessa mediação

• que a evidência disponível na situação é introjetada no modelo de mundo juntamente com o conhecimento prévio e as expectativas que se têm sobre o modo como

• "mundo real" se encontra organizado. Até mesmo no caso de descrições aparentemente objetivas, os textos são mais que simples "reações" aos "estímulos" da cena, uma vez que as pessoas têm opiniões estabelecidas sobre o que merece ser observado e registrado, o que é ou não digno de nota.

4.8. Intencionalidade e aceitabilidade Beaugrande e Dressier afirmam que, "para que uma manifestação lingüística constitua um texto,

é necessário que haja a intenção do emissor de apresentá-la • a dos receptores de aceitá-la como tal". As noções de intencionalidade e aceitabilidade são

introduzidas para dar conta, respectivamente, das intenções dos emissores • das atitudes dos receptores. Cada uma delas pode ser tomada em dois sentidos: um restrito e

um amplo. Em sentido restrito, a intencionalidade trata "da intenção do emissor de produzir uma

manifestação lingüística coesiva e coerente, ainda que essa intenção nem sempre se realize integralmente, podendo mesmo ocorrer casos em que o emissor afrouxa deliberadamente a coerência com o intuito de produzir efeitos específicos". Exemplo destes últimos seria uma situação em que o falante produzisse um texto desconexo para passar a impressão de que está bêbado, louco ou desmemoriado. Já a aceitabilidade diz respeito à atitude dos receptores "de aceitarem a manifestação lingüística como um texto coesivo e coerente, que tenha para eles alguma utilidade ou relevância". Tanto Charolles (1987a) como Grosz (1981), bem como Brown e Yule (1983) consideram essa intencionalidade e aceitabilidade em sentido restrito, ao dizerem que os falantes sempre agem como se o texto fosse coerente, numa espécie de atitude cooperativa: um quer sempre produzir um texto que faça sentido e o outro sempre vê a produção do primeiro como algo que ele fez para ter sentido e agem em função disso, pois, como diz Charolles, o interpretador faz tudo para calcular o sentido do texto e encontrar sua coerência. Grosz acrescenta ainda que esse cooperativismo age também em termos de focalização: no diálogo, os interlocutores supõem sempre que estão agindo num campo comum.

Em sentido amplo, "a intencionalidade abrange todas as maneiras como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções comunicativas", enquanto a aceitabilidade "inclui a aceitação como disposição ativa de participar de um discurso e compartilhar um propósito" comunicativo. Em sentido amplo essas duas noções têm a ver com o que se vem chamando, na literatura lingüística, de argumentatividade. Subjacente aos aspectos cognitivos do uso lingüístico, existe uma atividade básica: a argumentação. É através dessa atividade que os conhecimentos são selecionados e estruturados em textos". Koch (1984) diz que a atividade de interpretação fundamenta-se, exatamente, na convicção de que quem produz um texto (falando ou escrevendo) "tem determinadas intenções, consistindo a intelecção na captação dessas intenções, o que leva a prever, por conseguinte, uma pluralidade de interpretações".

Como se pode perceber, a intencionalidade e aceitabilidade, sobretudo em sentido restrito, são as duas faces constitutivas do princípio de cooperação e, neste sentido, definitórias da coerência no sentido aqui proposto, de um princípio de interpretação segundo o qual sempre se julga que o texto faz sentido, é coerente e se faz tudo para calcular esse sentido.

4.9. Informatividade Para Beaugrande e Dressier (1981), a inf ormatividade designa em que medida a informação

contida com a questão do conhecimento de mundo e do conhecimento partilhado.

Page 39: Linguistica textual

39 Segundo Grosz, falante e ouvinte, no diálogo, focalizam sua atenção em pequena parte do que

sabem e acreditam, e a enfatizam. Assim, certas entidades (objetos e relações) são centrais para o diálogo e não só isto, mas também elas são usadas e vistas através de certas perspectivas que afetam tanto o que o falante diz quanto como o ouvinte interpreta. Grosz exemplifica: a) uma construção pode ser vista de diferentes perspectivas: como uma maravilha da arquitetura, uma casa, um lar ou, podemos acrescentar, um patrimônio histórico cultural, um empecilho a um empreendimento etc.; b) certo evento pode ser visto como uma compra, uma venda, uma transação comercial etc.

Para Grosz, há um relacionamento em dois sentidos entre a língua e a focalização: o que é dito influencia a focalização e vice-versa. Todavia, as pistas que o falante fornece ao ouvinte sobre o que está focalizando podem ser lingüísticas ou de conhecimento partilhado lingüístico e não-lingüístico (o que vêem por exemplo). 0 ouvinte depende das crenças compartilhadas sobre o que está sendo focalizado para interpretar as palavras num sentido apropriado. Os falantes agem como se estivessem focalizados semelhantemente, quer estejam ou não (princípio de cooperação), e tendem a estabelecer um campo comum. Caso não estejam focalizados semelhantemente, as diferenças de focalização causam problemas de compreensão que só são detectados se ocorrerem problemas maiores de compatibilidade.

Para Grosz, a focalização não só torna a comunicação mais eficiente, como, na verdade, a torna possível. Evidentemente, tudo isto afeta a capacidade e a possibilidade do ouvinte de estabelecer a coerência de um texto, interpretando-o convenientemente.

Além do que se disse acima sobre a relação da focalização com o lingüístico, Grosz afirma que as descrições definidas são um dos meios-chaves pelo qual se manifesta a influência da focalização no diálogo; e que a focalização e o uso das formas lingüísticas adequadas para expressá-la são necessários para a identificação do referente adequado, o que mostra a importância da focalização para gerar e interpretar descrições definidas. Isto é facilmente perceptível no texto "No aeroporto", de Carlos Drummond de Andrade, transcrito abaixo.

NO AEROPORTO Carlos Drummond de Andrade Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor.

Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras e, a bem dizer, não se digne pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões, pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.

Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções para com o mundo ocidental e o oriental, e em particular o nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação.

Devo admitir que Pedro, como visitante, nos deu trabalho: tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores. Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou importuno. Suas horas de sono - e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia - eram respeitadas como ritos sacros, a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém nós mesmos é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos. Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da tv. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.

Objeto que visse em nossa mão, requisitava-o. Gosta de óculos alheios (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo

Page 40: Linguistica textual

40 diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis - porque me esquecia dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada, sobre a razão íntima de seus atos.

Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade - e, até, que a nossa amizade lhes conferia caráter necessário, de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.

Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.

(In Cadeira de balanço. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1976, pp. 61, 62.) Como se pode observar, as descrições definidas utilizadas por Drummond nos levam a construir

uma imagem equivocada de Pedro. Somente no último parágrafo é que o autor nos dá condição de identificar adequadamente o referente, o que altera a focalização que vinha sendo feita até então, levando-nos a encarar de um modo novo tudo o que dissera anteriormente sobre Pedro. Evidentemente, Drummond usa o desvio de focalização como uma técnica para produzir um texto com quebra de expectativa. Tal recurso pode ser utilizado com outros fins.

Van Dijk (1981) também se refere à questão da focalização, mas a coloca do lado do analista, ao dizer que a perspectiva em que este se coloca pode interferir na identificação do tipo de ato de fala realizado por uma seqüência lingüística.

Grosz propõe a existência da focalização e seu efeito na produção e compreensão dos textos, mas não indica o que a determina. A nosso ver, muitos fatores podem determinar certa focalização. Talvez o mais forte seja o interesse e a história dos indivíduos. Um bom exemplo disso (que também serve de exemplo da atuação da focalização em textos escritos) é apresentado por Anderson e reproduzido por Brown e Yule, em que o mesmo texto com alguns termos homônimos no inglês, como "play" (tocar, jogar), é lido de modo completamente diferente por um grupo de levantadores de peso e por um grupo de moças, alunas de uma escola de música, devido à focalização diversa que fazem dentro dos respectivos campos: esporte e música. Outro exemplo seria o de um romance lido por um sociólogo, um psicanalista, um religioso e um ativista político. Com certeza as leituras, devido à focalização de cada um, seriam bastante diferentes ...

0 contexto em que se produz o texto pode também focalizar e especificar, por exemplo, o sentido de homônimos como no exemplo (34) em que, para cada situação indicada em a, b e c, a descrição definida "a chave" terá um significado diferente.

(34) Dê-me a chave. a) um mecânico para outro na oficina enquanto conserta um carro (ferramenta); b) a mulher para o marido na porta de casa (instrumento que aciona a fechadura); c) uma pessoa para outra na situação de resolução de um enigma (aquilo que permite solucionar

o problema). Cremos que os diferentes elementos do contexto podem gerar focalização. Não pretendemos

aqui fazer um levantamento de todos os elementos causadores de focalização, mas apenas alertar para o fato de que eles existem. Apenas mais um exemplo: os títulos dos textos podem ser fortemente focalizadores, por selecionarem áreas do conhecimento de mundo, avançando expectativas. Um bom exemplo disso é o texto de Bransford e Johnson que aqui transcreveremos traduzido para o português que, de acordo com o título colocado, tem duas leituras completamente diversas. Os títulos seriam:

a) Uma viagem espacial a um planeta habitado ou b) Uma marcha pela paz vista do 40.' andar de um edifício. (Veja comentário sobre este texto em 4.12)

A vista era de tirar o fôlego. Da janela, podia-se ver a multidão embaixo. Tudo parecia

extremamente pequeno de tal distância, mas ainda se podia distinguir as roupas coloridas. Todos pareciam estar se movendo numa mesma direção, de modo ordeiro, e parecia haver tanto criancinhas como adultos. A aterrissagem foi tranqüila, e, felizmente, a atmosfera era tal que não houve necessidade de usar roupas

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41 especiais. A princípio, havia grande agitação. Depois, quando os discursos começaram, a multidão se aquietou. 0 homem com a câmara de televisão fez várias tomadas do local e da multidão. Todos eram muito amigáveis e pareceram contentes quando a música começou. (Bransford e Johnson (1973) in CLARK, H. H. and CLARK, E. V. (1977). Psychology and Language. New York, Harcourt/Brace Jovanovich, p. 156.)

Gostaríamos de lembrar que a focalização vem sendo, intuitivamente ou não, usada no ensino de produção de textos, quando se fala de delimitação de assunto e objetivo. Veja-se o exemplo (35).

(35) Ao produzir um texto sobre a Amazônia o autor pode optar por uma das seguintes delimitações do assunto:

a) A floresta amazônica b) População da região amazônica c) Bacia fluvial da Amazônia d) Riquezas da região amazônica e) etc. Escolhendo a delimitação a, pode construir o texto com um dos objetivos abaixo: a) Mostrar a necessidade de preservação da floresta amazônica para o bem da humanidade. b) Comentar sobre as espécies da flora amazônica - a) para simples caracterização b) do ponto de vista de sua utilidade para o homem. c) Levantar possibilidades de exploração econômica da floresta. d) Falar da fauna da floresta amazônica. e) Discutir as dificuldades de instalação do homem na floresta. Como se pode observar, a focalização vai depender também dos objetivos traçados pelo autor. 4.11. Intertextualidade Conforme Beaugrande e Dressier, a intertextualidade compreende as diversas maneiras pelas

quais a produção e recepção de dado texto depende do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores, isto é, diz respeito aos fatores que tornam a utilização de um texto dependente de um ou mais textos previamente existentes.

Tais maneiras, a nosso ver, incluem fatores relativos a conteúdo, fatores formais e fatores ligados a tipos textuais.

Os fatores ligados a conteúdo são bastante evidentes e se ligam a questões de conhecimento de mundo. Um exemplo seria o fato de nos referirmos, neste texto, a atos de fala, força ilocucionária, condições de felicidade sem nos preocuparmos em explicar o que sejam, remetendo, intertextualmente, a outros textos da ciência lingüística que tratam do assunto. Dessa forma, o entendimento desse texto depende do conhecimento de outros e, portanto, também sua coerência. Outro exemplo seria o de matérias jornalísticas que cobrem um mesmo fato, durante vários dias. Cada artigo pressupõe que os leitores conheçam os artigos sobre o mesmo assunto publicados anteriormente, estabelecendo com eles a inter-textualidade. Não nos estenderemos mais nas questões intertextuais ligadas ao conteúdo.

Quanto à intertextualidade de caráter formal, ela pode estar ou não vinculada à tipologia textual. Limitarnos-emos aqui a dar exemplos não ligados à tipologia, já que o aspecto tipológico é tratado a seguir. Há textos que mantêm intertextualidade com a Bíblia por lhe imitarem a forma. Naturalmente, quem ler estes textos, sem conhecer a Bíblia, pode até atribuir-lhes um sentido, mas certamente deixará de perceber muitas das significações pretendidas pelo produtor dos mesmos. É o caso também do texto "Grande ser, tão veredas" de Paulo Leminski, publicado na Folha de S. Paulo, que remete, pelo título, mas sobretudo pela forma em que é escrito, a Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa.

GRANDE SER, TÃO VEREDAS

Paulo Leminski A pois. E não foi, num vupt-vapt, que as altas histórias gerais da jagunçagem deram de

ostentar suas prosápias e bizarrias no tal horário nobre da caixinha de surpresas, pro bem e pro mal, Rede Globo chamada?

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42 Compadre mano velho, mire e veja as voltas que o mundo dá. Quem havera de dizer que toda

essa aprazível gente cidadã ia botar gosto em saber das fabulanças daqueles tempos, quando o desmando e a contra-lei atropelavam os descampados do Urucuia, lá praquelas bandas brabas, onde tanto boi berra?

Só dizendo mesmo, a bem dizer, como proclamava meu compadre de Andrade, Oswald, dito e falado, lauto fazendeiro de S. Paulo: a massa ainda vai comer do biscoito fino que eu fabrico. A graça que ia nisso! Tinha muita graça meu compadre de Andrade. Mas o senhor, que é homem instruído, não faça pouco nem ponha reparo nas facécias do compadre Oswald. Era homem sabido de esperto, e quando parecia que estava mais se rindo, mais se estava falando sério. Tudo questão de tino, coisa que é que nem coragem, que tem, como tem gente que não vai ter nunca.

De modos que esse brazilzão todo, rol de gente de nunca acabar, está ficando sabendo, devagarinho, das andanças do jagunço Riobaldo Tatarana, ao lado do seu querido Reinaldo, vale dizer Diadorim. Só que tem um desconforme. A gente não sabia, de princípio, que Reinaldo era mulher, que nem a gente já fica sabendo nas televisivas fabulanças. E se bem me alembro, a memória tem dessas coisas. Reinaldo não era tão bonito como essa beleza de dona Bruna, Lombardi chamada, italiana tirana de tanta boniteza. Semelhava assim, no pisco do olho, uns jeitos de garoto nos seus quinze, o mais tardar seus dezessete anos, emborasmente mais judiado, que a jagunça vida nasceu pra dar formosura pra ninguém.

Nem ninguém jagunceia por picardia, jagunceia por precisão. Tarcísio Meira? Meira, dos Meira de Buritis-Altos? Ah, não. A pois. Veja você, que é gente de

prol e de escol, mire e veja. Não assemelha o Hermógenes. Não. Deus esteja. T'arrenego, e esconjuro! 0 cão com o cão, e a faca na mão! Aquilo não era criatura de Deus, quem viu, viu sabendo, e bem sabido. Era feio como a necessidade, ninguém nunca deitou os olhões num indivíduo mais puxado a sapo, que até cascavel, pra quem gosta, até tem lá suas graças e desenhadas cores.

É, despotismo de calamidades! Teve o fim que mereceu, que o diabo escolhe quem quer, Deus só escolhe os seus.

Do Diabo? Diaa? Diadorim? Do diabo, não se fala. Que diabo hoje não faz favor na gente cidadã. Que diabo,que nada! o coisa-ruim, o que-nem-se-diga, o diantre, o dívida-externa, o Aids, o inflação, o Dielfim-Netto! Acreditar não digo que a gente acreditava. Difícil era achar quem duvidasse, o senhor releve a sutileza, que é cortesia de jagunço velho, mor de não estragar a pontaria.

Pontaria, pontaria mesmo, quem teve nem nunca deixou de ter, foi Riobaldo Tatarana Guimarães Rosa, esse o nome cabal e completo, homem de muitas letras, nenhum igual ninguém nunca viu. A pois, mano velho. Tino e siso era ali, jagunço de caudaloso cabedal, tiro certeiro no olho da onça jaguarete, pau e pau, pum e pum.

Quem dissera? Nem quem diria! Aquela parolagem toda, jaguncismo de lei, no tal nobre horário da Rede Globo chamada... Custoso é o mundo de entender, custosa a fala de Riobaldo Tatarana Guimarães Rosa. Aquilo é falar de cristão, cruz-credo, me persigno!? Nem nenhuma lei de sã gramática aquele jagunço reverenciava, e era tudo um redemoinho de sustos, que gente como nós é minuciosa nas artes do sem-sobreaviso. Surpresa só. Vá que a gente cidadã nos seus nobres horários vá saber o que a gente só dizia no oco do toco, o senhor que é de lá me diga... e a caixa de surpresa, televisão chamada. não tem validade de força pra suflagrar no durante e no seguinte, os cafundós de filosofismo que Tatarana Guimarães Rosa enredava naqueles cipós lá dele... que esse Tatarana fosse o Homero desses brasis todos, Homero, o senhor sabe, o Adão dos cantadores...

Divago. Mas não disperso. Esse rural acabou. A pois. Mas que foi muita coragem desse tal sio Avancino, Avancini, o senhor me corrija e reja, de ponhar em vídeo e áudio tanto caudal primitivo, que isso foi, foi macheza, ninguém duvida, quem havera de? Eh, mão de obra!

Efetuar proezas é da vida, e o que for do homem, o bicho não come. Contar é que impecilha, a lembrança não pousa nunca no mesmo lugar, e o dito nunca fica como foi, nem o escrito, que só vem muito depois.

Consoantemente meu compadre falecido Tatarana, na glória esteja! Costumo e tenho bom uso de dizer, que com ele aprendi, "viver é muito perigoso".

Vê lá se televisionar não havera de ser! (Folha de S. Paulo, "Folha Ilustrada", 1.0 semestre/1986.)

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43 Quanto à intertextualidade por fatores tipológicos, ela pode se dever à estrutura que

caracteriza cada tipo de texto ou a aspectos formais de caráter lingüístico próprios de cada tipo de texto. Para que um texto seja bem compreendido e visto como coerente, é preciso que apresente certas características próprias do tipo de textodo qual ele é apresentado como sendo um exemplar. No que se refere à estrutura de cada tipo de texto, é fundamental a noção de superestrutura que Garrafa (1987), seguindo os passos de Van Dijk, define como estruturas globais características de certos tipos de discurso, esquemas discursivos provenientes de um aprendizado intuitivo ou sistematicamente dirigido, conhecimentos convencionais relativos a tipos de discurso,envolvendo, além de uma seqüência esquemática, características de linguagem, de recursos retóricos ou estilísticos etc. Além de serem convencionais, as superestruturas são culturalmente dependentes. Embora de natureza cognitiva, cremos que as superestruturas tem muitoa ver com intertextualidade tipológica, sendo apreendidas na prática dos indivíduos como receptores de textos. Sua natureza é em parte distinta da dos modelos cogni tivos globais já mencionados, pelo menos à medida que os usuários têm dificuldade em explicitá-las, sem um aprendizado sistemático, ao contrário do que acontece com os "frames", esquemas, planos e "scripts" sobre os quais, em geral, são capazes de falar sem dificuldade: eles responderão a "Como é ir a um restaurante?", mas não terão a mesma facilidade em dizer como é uma narrativa.

Bastos (1985) afirma que "a coerência dos textos narrativos se estabelece também no nível da estrutura propriamente dita de uma narrativa". Assim, a título de exemplo, podemos imaginar o que aconteceria se alguém dissesse que ia contar um caso e produzisse um texto que não se encaixasse em nenhuma estrutura narrativa conhecida na sociedade e na cultura em que a interlocução ocorre. Um exemplo desse tipo é dado por Kintsch e Van Dijk, que fizeram um experimento onde leitores não foram capazes de resumir um mito apache, porque ele apresentava uma estrutura narrativa diferente daquela com a qual estavam acostumados.

Fillmore (1981) exemplifica, com o discurso narrativo do tipo onisciente seletivo, o tipo de elementos lingüísticos, construções e elementos contextualizadores que podem ou não aparecer. 0 uso de elementos que não são próprios desse tipo de discurso cria problemas de coerência. Assim, por exemplo, não se pode colocar nada nesse tipo de narrativa que não seja possível dizer do ponto de vista do personagem que é o narrador e como isto afeta as possíveis interpretações para seqüências do texto. Este fator afeta o uso de pronomes, nomes pessoais, SNs definidos, tempos, palavras dêiticas, regras de seqüenciamento e o uso de itens lexicais epistêmicos, avaliativos e de experiência psicológica.

Coulthard (1977) mostra como a superestrutura de textos é importante para a coerência: usa o exemplo das piadas que, segundo ele, teriam uma forma fixa e podem ser arruinadas por pequenas alterações, ao serem recontadas, deixando de criar o efeito pretendido pelo falante que, então, deixa de poder ser calculado pelo ouvinte.

Um texto (oral ou escrito) que se apresenta como uma discussão deve satisfazer duas condições para ser possível: "de um lado que exista um terreno de entendimento (valores implícitos, compartilhados), de outro lado que, sobre estes pontos de acordo, se confrontem sistemas de crenças e de valores diferentes" (Garcia, 1980). Se não houver esse confrontamento e o texto for apresentado como discussão, os receptores terão dificuldade de entender o que se passa e de estabelecer a coerência do texto.

Brown e Yule (1983) discutem a questão do discurso em uma situação social particular (o que cria um veio tipológico), como, por exemplo: aula, conferência, conversa telefônica, consulta médica etc. Esses tipos de discurso são mais sociologicamente do que lingüisticamente determinados e têm características (sociais e lingüísticas) que afetam as condições de coerência. Citam o exemplo das aulas estudado por Coulthard.

Todas as características da conversação são mostra de que diferentes tipos de texto têm marcas diferentes para estabelecer a continuidade textual a que se referem os estudiosos como condição para a coerência dos textos: marcadores conversacionais, por exemplo, não são usados em textos científicos ou narrativos, a não ser que reproduzam, em estilo direto, a conversação.

Outros veios tipológicos podem ser explorados. Seria o caso, por exemplo, de tipologias ligadas a estilos de época. É preciso lembrar ainda que, apesar de os tipos genéricos (como narrativa, por exemplo) terem suas características, subtipos têm características particulares que os distinguem de outros subtipos. É esse o caso do exemplo de Fillmore que vimos há pouco. Evidentemente romances policiais, narrativas épicas, contos, fábulas, contos de fadas etc., enquanto narrativas, compartilham características comuns, mas apresentam outras que as distinguem entre si e justificam sua existência.

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44 Todas estas questões ligadas à intertextualidade influenciam tanto o processo de produção

como o de compreensão de textos e apresentam conseqüências no trabalho pedagógico com o texto, como tudo o mais que vimos até aqui.

4.12. Relevância De acordo com Giora (1985), uma das principais condições para o estabelecimento da coerência

é a de relevância discursiva. Para ela, um texto é coerente quando o conjunto de enunciados que o compõem pode ser interpretado como tratando de um mesmo tópico discursivo. Um conjunto de enunciados será relevante (para um tópico discursivo subjacente) se eles forem interpretáveis como predicando algo sobre um mesmo tema. Assim, a relevância não se dá linearmente entre pares de enunciados, mas entre conjuntos de enunciados e um tópico discursivo. Se isto não ocorrer, o texto poderá ser ainda coerente no caso de dado enunciado ou conjunto de enunciados virem explicitamente conectados por meio de um marcador de digressão. Portanto, para que vários segmentos textuais com diferentes tópi-cos discursivos possam, mesmo assim, preencher o requisito de relevância, eles devem ser relacionados por um hipertópico discursivo subjacente em termos de "aboutness" (ser sobre algo); contudo, quando não o forem, poderão ainda ser considerados coerentes se fizerem uso de um conector explícito para marcar a digressão. Cabe lembrar, porém, que, na linguagem oral, nem sempre esses marcadores ocorrem. Na linguagem escrita jornalística, as digressões são comumente destacadas sob a forma de quadros com comentários e informações paralelas a que se remete no corpo da reportagem. Nesta, eles representariam digressões se seu conteúdo fosse encaixado no continuum do texto nos pontos em que se lhes faz referência.

Para muitos autores, hoje em dia, a noção de tópico discursivo é crucial para a compreensão da coerência textual.

No texto de Bransford e Johnson citado no item 4.10, se o título for "Marcha pela paz vista do 40.º andar de um edifício", haverá problemas de relevância com relação ao segmento: "A aterrissagem foi tranqüila e, felizmente, a atmosfera era tal que não houve necessidade de usar roupas especiais", que não "é sobre" o tópico estabelecido pelo título.

Nos exemplos (36) a (38), temos casos de digressão. Em (36) um texto acadêmico em que a digressão se evidencia pelos marcadores "É interessante lembrar" e "Voltando ao estudo do humor". Em (37) temos um texto oral em que a falante insere uma explicação sobre a função de sua auxiliar, retornando em seguida à especificação dos elementos que constituem suas tarefas. A única marca dessa digressão é o "aliás", que todavia não explicita o fato de que a explicação seja uma digressão. Em (38), temos um exemplo literário bastante interessante: o narrador conta o diálogo entre os dois personagens e a digressão introduzida na conversa por um deles é assinalada pelo narrador através de "perguntou, por desconversa" e "E logo tornava a falar no de antes". Neste caso fica evidente que a digressão ocorreu por uma tentativa de mudança de tópico não aceita pelo interlocutor, mas a causa das digressões e seus tipos não é nosso objetivo aqui e não nos estenderemos sobre isto. Os exemplos visam apenas mostrar casos em que digressões não perturbaram a coerência dos textos.

(36) Quanto aos estudos sobre o humor sabe-se que, embora não houvesse pesquisa sobre o

humor, ele é objeto de teorias desde Platão até nossos dias. Aristóteles já dizia que o riso é algo próprio do homem. Isto na segunda parte de sua Poética onde ele discorre sobre o humor, o riso, a comédia, a arte que nasce dos "simples", isto é, do povo. Infelizmente parece que a segunda parte de sua "Arte Poética", a que tratava da comédia, se perdeu. É interessante lembrar que a leitura dessa obra é o motivo que Umberto Eco usou na composição do seu "0 Nome da Rosa". onde toda a trama ocorre pela proibição de ler algo que falava do riso, algo que não era de Deus, mas do demônio. Voltando ao estudo do humor, registramos a opinião de Raskin (1987 e 1987a) para quem somente na última década é que a pesquisa sobre humor tem se desenvolvido satisfatoriamente. Para ele, antes de FREUD não se pode falar em pesquisas sobre o humor, mas apenas de alguma coisa que muitos grandes disseram de permeio com outras coisas, mas que, sem dúvida, se tornaram sementes da pesquisa atual.

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45 (TRAVAGLIA, Luiz Carlos. 0 que faz quem rir. 0 humor brasileiro na televisão. Texto

inédito, 1988, 106 pp.) (37) Doc. seus filhos estão com que idade H.? L2 com três e cinco anos 285 Doc. eles têm noção de ho::ras... noção de:: horário? 1 L2 olha nós( )... ( ) têm:: noção de horário... porque eh eles... lá lá em casa é tudo em

função de horário... Doc. ahn ahn 290 L2 não é verdade? então eles são ... obrigados não não sei Doc. ( ) L2 exatamente se eles têm noção de tempo... mas eles têm noção de horário que tudo tem hora

eles têm noção de atrasados ou 295 não atrasados ((risos)) ( ) C L i isso se a mãe buZIna... mais brabamente então é porque está atrasado 1 L2 ( )(não é) porque sem querer eu vou 300 apitando mais porque... tem que levantar L 1 tem que vestir os dois ... são pequeninos né? 1 L2 e tenho que me vestir... porque ambos são pequenos ... então eles não aceitam muito a

pajem né para éh::... aliás não é pajem pajem é arrumadeira mas 3305 L1 ( ) I L2 quer dizer não é só não vive em função deles mas de manhã... a única função dela é me ajudar com eles... mas eles não aceitam o menino porque... quer fazer tudo sozinho...

no que eu procuro deixar... e a menina porque quer quee seja 310 a (mamãe) que faça né? então sou eu que:: tenho que ir fazer et cetera et cetera... depois o

café:: em casa o café é muito demorado... muito complicado quer dizer então até eles comerem todas as coisas que fazem... parte do café eles demo::ram um briga com o outro a divisão tem que

315 ser ABsolutamente exata... porque se um tiver mais do que o outro sai um monte de briga na realidade não acabam tomando tudo não comendo tudo que tem

L 1 (e eles tem) 320 L2 mas preCISA TER IGUALLI ( ) L2 basta ser igual... pode sobrar tudo mas a divisão tem que ser igual. (Inquérito n .O 360, Projeto NRC/SP in CASTILHO, Ataliba Teixeira de e PRETI, Dino. A

linguagem falada culta na cidade de São Paulo. Vol. II: Diálogos entre dois informantes. São Paulo, T. A. Queiroz/FAPESP, 1987. pp. 143 e 144) (38) Sempre a par com Delmiro, Lélio notava o modo de Canuto - a cara avermelhada, em

quadro na cisgola branca, de fino trançado, e enfeitada até com anéis - que de distância vigiava-os, como que sério de ciúme. O Pernambo entoara, pouco adiante, uma trova de três versos. Aquele resfriado rendia longe, seguindo os todos volteios da vereda. Mas, Delmiro, o que ele queria mesmo era falar de si, seus projetos, de sua raiva de não poder prosperar, de ter de remar como pobre vaqueiro. - "Sabe, meu pai foi boiadeiro de renome, e meu avô dono de fazenda, pompeano!" Ele, Delmiro, ainda havia de se fazer, lidava nesse caminho, não baixava o topete por nada nenhum, não se entregava! 0 que carecia era de um começo de cabedal, para mascatear, revender gados; amouxava, já tinha oito contos-de-réis, a juros, com seu primo Astórgio, em Arinos. E proteção de gente graúda, isto sim, é que era importante. Ainda esperava mais uns dois anos, e então ia para outro lugar - pra Mato-Grosso, ou, agora se dizia que

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46 o melhor era o Paraná, quem sabe... De nervoso, pegava a fumar, e cotucar dedo no nariz. A mote, perguntando a Lélio: que planos que tinha? Lélio se atalhava, não estava com disposição para nisso pensar - a vida regulada no estreito o desconcertava, assustava. Por alguma coisa em Delmiro, a gente podia gostar dele; e já era seu amigo. Mas fazia mal aquela sua fúria de tenção, o companheiro recordava idéia de um chaleirão que fervesse, e a fervura fazendo pular a tampa; esse cobiçar, esse ronco interior, de gana encorrentada, chega cheirava a breu, secava os espíritos da gente, dava até sede.

- "E o J'sé jórjo?" - perguntou, por desconversa. - Bugre, de diabo. .. " "- E o Placidino?" - Ara, coitado. Idiota... " Delmiro respondia abrutado, como se estivesse dando soco no amigo.

Agora, quando se esquentara naqueles pensamentos, parecia tomar raiva de todo o mundo. Mas falava assim sem principal, zangado no instante, por Lélio ter tapado seus assuntos. Tanto, que, voltando rastro, emendava- "J'sé-Jórjo é companheiro correto, homem que já achou os desgostos da vida... Placidino também é bom rapaz, nunca fez mal a ninguém..." E logo tornava a falar no de antes. Que o perigo era a gente se embeiçar por uma mocinha sertaneja, surgir casamento, um se prendendo e inutilizando para todo o resto da vida. Casar, só com uma fazendeira viúva, uma viúva ainda bem conservada. Mesmo ali no Gerais a gente campeava algumas, que valer valiam. Aí era o que Lélio também devia de ter em cautela: namoro com moça pobre, filha de vaqueira, era ameaça de aleijão... E ali tinha, por dizer? - Lélio pergun-tava. Ah, bonitas, em alguma condição, tinha só três: Marimba e Biluca, filhas de Lorindão; e Manuela - irmã de Maria Júlia, mulher de Soussouza. Com essas, então, ele carecia de medir cuidado! Menos com a Biluca, já noiva do Marçal, filho do Aristó, e vaqueiro também, que agora estava no retiro do São-Bento, porque depois de casados eles dois queriam morar lá, e nas horas de folga ele mesmo ia levantando sua casinha. 0 Marçal era o melhor de todos, alegre e sincero, Lélio ia ver...

(ROSA, João Guimarães. No Urubuquaquá, no Pinhém [Corpo de Baile]. Rio de janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1978, pp. 145 e 146)

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47 (Coesão e coerência, distinção) UCG - 2003/1 - VPG ESPECIALIZAÇÃO EM LETRAS Lingüística Textual Prof. João Ernandes

Textos exemplificativos da distinção entre coesão e coerência • A coesão é condição suficiente e necessária para que haja textualidade???? (1) Meu filho não estuda nesta Universidade. Ele não sabe que a primeira Universidade do mundo

românico foi a de Bolonha. Esta Universidade possui imensos viveiros de plantas. A Universidade possui um laboratório de línguas.

(2) Maria está na cozinha. a cozinha tem as paredes com azulejos. Os azulejos são brancos. Também o leite é branco.

(3) O gato comeu o peixe que meu pai pescou. O peixe era grande. Meu pai é alto. Minha mãe também gosta. O gato é branco. Tenho muitas roupas brancas.

• A coerência é condição suficiente e necessária para que haja textualidade???? (4) Luz Paulo estuda na Cultura Inglesa. Fernanda vai todas as tardes ao laboratório de física do colégio.

Maria fez 75 pontos na FUVEST. Todos os meus filhos são estudiosos. (5) CORTE (Maria Amélia Melo)

(O dia segue normal. Arruma-se a casa. Limpa-se em volta. Cumprimenta-se os vizinhos. Almoça-se ao meio-dia. Ouve-se rádio à tarde. Lá pelas 5 horas, inicia-se o sempre.)

(6) A PESCA (Affonso Romano de Sant'Anna)

o anil a garganta o anzol a âncora o azul o peixe o silêncio o tempo a boca o peixe o arranco o rasgão a agulha vertical aberta a água mergulha aberta a chaga aberto o anzol a água a linha aquelíneo a espuma ágilclaro estabanado o tempo a âncora o peixe o peixe a areia o sol

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• O contexto pragmático é condição necessária e suficiente para que haja textualidade????

(7) Comemora-se este ano o sesquicentenário de machado de Assis. As comemorações devem ser discretas

para que dignas de nosso maior escritor. Seria ofensa à memória do Mestre qualquer comemoração que

destoasse da sobriedade e do recato que ele imprimiu à sua vida, já que o bruxo do Cosme Velho

continua vivo entre nós.

(8) Temos convidados para o almoço. Calderón foi um grande escritor espanhol.

(9) a) Pedro é botânico. Ele ama a natureza.

b) Pedro é botânico. A soma dos ângulos de um triângulo é igual a 180º

10) João Carlos vivia em uma pequena casa construída no alto de uma colina árida, cuja frente dava para o

leste. Desde o pé da colina se espalhava em todas as direções, até o horizonte, uma planície coberta de

areia. Na noite em que completava 30 anos, João, sentado nos degraus da escada colocada à frente de sua

casa, olhava o sol poente e observava como a sua sombra ia diminuindo no caminho coberto de grama. De

repente, viu um cavalo que descia para a sua casa. As árvores e as folhagens não lhe permitiam ver

distintamente; entretanto observou que o cavalo era manco. Ao olhar de mais perto verificou que o

visitante era seu filho Guilherme, que há 20 anos tinha partido para alistar-se no exército, e, em todo esse

tempo, não havia dado sinal de vida. Guilherme, ao ver seu pai, desmontou imediatamente, correu até ele,

lançando-se nos seus braços e começando a chorar.

FONTES: Os textos acima foram retirados de a) FÁVERO, L.L Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2000 b) KOCH I. G. V. e TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. São Paulo: Cortez, 1989

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A infância escamoteada

Folha de S. Paulo (7 de agosto de 1995) A impressão de que alguns problemas, como o dos menores de rua, são crônicos no Brasil tem sido

normalmente alimentada pela ineficácia das políticas públicas. Mas certas características da mentalidade popular contribuem para que se fortifique essa impressão de que o problema do menor é renitente. Motoristas irritados acreditam que, ignorando a criança pedinte, estarão conscientizando-a de que deve trabalhar e ganhar dinheiro. Outros, porém, decidindo-se pela doação, encontram ali uma oportunidade para mitigar as dores de consciência que, em maior ou menor grau, atingem a todos. Em ambos os casos, a consciência individual pretende dar o assunto por encerrado: no primeiro, o motorista foi didático em sua irredutibilidade e não tem mais nada a fazer; no segundo, o transeunte acredita ter-se reconciliado com a miséria humana e contribuído para minorá-la um pouco. Entre esses dois extremos - o da inflexibilidade de uns, travestida de lição de vida, e o da suscetibilidade dos mais solidários - o problema da marginalidade infantil requer mais a formação de uma consciência social a respeito de sua magnitude do que o mero aplacamento das consciências individuais.

Roteiro 1

Questões de interpretação 1. Por que se tem a impressão de que o problema do menor é crônico no Brasil? 2. Como se comportam os dois tipos de motoristas apresentados pelo autor no segundo parágrafo? 3. Por que o autor afirma no terceiro parágrafo que em ambos os casos os motoristas dão o assunto

por encerrado? 4. Como o problema poderia ser então resolvido? Questões gramaticais: revisão de classes de palavras 1. Retire do texto o que se pede:

• Quatro exemplos de substantivos abstratos, • Dois exemplos de numerais ordinais.

2. Dê a classe gramatical das palavras sublinhadas nas frases abaixo • A impressão de que alguns problemas, como o dos menores de são crônicos no Brasil tem sido

normalmente alimentada pela, ineficácia das políticas públicas. • Mas certas características da mentalidade popular contribuem para que se fortifique essa impressão

de que o problema do menor é renitente. 3. Em que tempo e modo estão conjugados os verbos que aparecem nos períodos que compõem o

exercício anterior: • São • Tem sido alimentada • Contribuem • É

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50 Roteiro 2

1. 0 título do texto sugere que o editorial vá pronunciar-se a respeito que assunto? 2. Ao iniciar o primeiro parágrafo, o autor não se refere em particular problema dos menores,

apresentando-o apenas como um exemplo de problemas "crônicos". Inicialmente, que causa apresenta para a existência desses problemas

3. A conjunção "mas" opõe uma situação a outra. Que oposição a conjunção "mas" estabelece no primeiro parágrafo do texto?

4. Ao opor uma situação a outra, a ordem dos elementos não é indiferente. Compare as duas afirmações: • João é inteligente, mas preguiçoso. • João é preguiçoso, mas inteligente. Com certeza, João vai preferir que, no conselho de classe, o professor de matemática diga a segunda,

que vai livrá-lo das aulas de recuperação. Isso ocorre porque o elemento que vem depois do "mas" tem maior peso argumentativo. Levando em conta o que foi afirmado, qual dos elementos ligados pelo "mas" será desenvolvido pelo autor do editorial?

5. No segundo parágrafo, o autor apresenta dois exemplos que procuram caracterizar a mentalidade popular.

• Quais são eles? • Há entre os dois exemplos uma relação de oposição. Qual a palavra que mostra o confronto entre

um e outro exemplo? 6. Você acha que a crítica é dirigida apenas aos motoristas? Explique. 7. Ler exige que o leitor, além de fazer antecipações a respeito dos conteúdos do texto, faça também

uma série de relações com o que já foi dito à medida que avança no processo de leitura. Vamos reler o terceiro parágrafo: "Em ambos os casos, a consciência individual pretende dar o assunto por encerrado: no primeiro, o motorista foi didático em sua irredutibilidade e não tem mais nada a fazer; no segundo, o transeunte acredita ter se reconciliado com a miséria humana e contribuído para minorá-la um pouco".

• A que trechos anteriores do texto se referem os numerais destacados? • Há também neste parágrafo uma relação de oposição. Como o autor separa uma parte da outra?

8. Releia agora o último parágrafo do texto: "Entre esses dois extremos - o da inflexibilidade de uns, travestida de lição de vida, e o da

suscetibilidade dos mais solidários - o problema da marginalidade infantil requer mais a formação de uma consciência social a respeito de sua magnitude do que o mero aplacamento das consciências individuais".

Os substantivos abstratos destacados são derivados de adjetivos: inflexibilidade é derivado de inflexível (indiferente, insensível); suscetibilidade é derivado de suscetível (que se ofende com facilidade, melindroso).

• A que trechos anteriores do texto se referem os substantivos abstratos destacados? • Você acha que o autor conseguiria o mesmo efeito se, em lugar de "inflexibilidade", usasse

"firmeza" e se, em lugar de "suscetibilidade", usasse "sensibilidade"? 9. 0 autor não apóia nenhuma das posições apresentadas como exemplo da mentalidade popular,

mas parece ter maior antipatia pela primeira. Selecione palavras ou expressões do texto que justifiquem a afirmação acima. 10. 0 autor apresentou um problema: as crianças abandonadas. Apontou duas causas para esse

problema: "a ineficácia das políticas públicas" e "certas características da mentalidade popular", aprofundando apenas uma delas. Afirmou que a solução para o problema não deve ser individual, mas social.

Você acha que o editorial conseguiu explicar como resolver o problema das crianças abandonadas?

(FONTE: PARÂMETROS EM AÇÃO (TERCEIRO E QUATRO CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL, VOL. I)

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51 UCG - 2003/1 - VPG ESPECIALIZAÇÃO EM LETRAS Lingüística Textual Prof. João Ernandes

EXERCÍCIOS SOBRE I N F E R Ê N C I A S Um caçador sai pela manhã em busca da caça. Entra no mato e vê rastros: choveu na véspera e

há pegadas no chão; pequenos galhos rasteiros estão quebrados; o capim está amassado em vários pontos; a carcaça de um bicho está à mostra, indicando que foi devorado há poucas horas; há um grande silêncio no ar, não há canto de pássaros, não há ruídos de pequenos animais.

O caçador supõe que haja uma onça por perto. Ele pode, então, tomar duas atitudes. Se, por todas as experiências anteriores, tiver certeza de que a onça está nas imediações, pode preparar-se para sabe que caminhos evitar, se não estiver em condições de caçá-la; sabe que armadilhas armar, se estiver pronto para capturá-la; sabe como atraí-la, se quiser conservá-la viva e preservar a espécie.

O caçador pode ainda estar sem muita certeza se há ou não uma onça nos arredores e, nesse caso, tomará uma série de atitudes para verificar a presença ou ausência do felino: pode percorrer trilhas que sabe serem próprias de onças; pode examinar melhor as pegadas e o tipo de animal que foi devorado; pode comparar, em sua memória, outras situações nas quais esteve presente uma onça, etc.

Assim, partilhando de indícios, o caçador raciocina para chegar a uma conclusão e tomar uma decisão. Temos aí um exercício de raciocínio empírico e prático (isto é, um pensamento que visa a uma ação) e que se assemelha à intuição sensível ou empírica, isto é, caracteriza-se pela singularidade ou individualidade do sujeito e do objeto do conhecimento.

Quando, porém, um raciocínio se realiza em condições tais que a individualidade psicológica do sujeito e a singularidade do objeto são substituídas por critérios de generalidade e universalidade, temos a dedução, a indução e a abdução. (Marilena Chauí. Convite à Filosofia) INFERÊNCIA: Inferir algo pode ser definido como o processo de raciocínio segundo o qual se conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.

Texto 1 Texto 2

O que levou Eddie Sortudo a olhar para cima, no último quadrinho, em resposta a uma observação de Hagar, foi uma conclusão a que chegou sobre gaivotas mortas. Que conclusão é essa e de que informações ele partiu para chegar até ela? Que informação, mais relevante, não foi considerada por Eddie e fez com que ele acabasse olhando para o lugar errado`?

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52 Texto 3

A letra de música transcrita abaixo deve servir como referência para você responder às perguntas 1 a 4.

Domingo no parque

O rei da brincadeira - ê José O rei da confusão – ê João Um trabalhava na feira - ê José Outro na construção – ê João A semana passada No fim da semana João resolveu não brigar No domingo de tarde Saiu apressado não foi pra Ribeira jogar Capoeira, não foi pra lá Pra Ribeira, foi namorar 0 José como sempre no fim da semana 1 Qual é a história contada pela letra da música? 2 O que é possível inferir com relação à morte de João e Juliana? Justifique. 3 Qual é a importância do sorvete e da rosa para a construção das inferências acerco do texto'? 4 E possível inferir que José matou Juliana e João porque foi traído?

Foi fazer no domingo um passeio no parque lá perto da boto do rio foi no porque que ele avistou Juliana, foi que ele viu Foi que ele viu Juliana na roda com João Uma rosa e um sorvete na mão Juliana seu sonho, uma ilusão Juliana e o amigo João O espinho da rosa feriu Zé E o sorvete gelou seu coração O sorvete e a rosa - ê José A rosa e o sorvete - ê José Õ dançando no peito - é José Do José brincalhão - ê José Juliana girando, ai girando Oi na roda gigante, oi girando O sorvete é morango - é vermelho E a rosa é vermelha - é vermelha Oi girando, girando - olha a faca Olha o sangue na mão - ê José Juliana no chão - ê José Outro corpo caído - ê José Seu amigo João - ê José Amanhã não tem feira - ê José Não tem mais construção - ê João Não tem mais brincadeira - ê José Não tem mais confusão - ê João (Gilberto Gil)

FONTE: ABAURRE, M.L. PONTARA, M. N. e FADEL, T. Português, língua e literatura. Editora Moderna

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53 UCG - 2003/1 - VPG ESPECIALIZAÇÃO EM LETRAS Lingüística Textual Prof. João Ernandes

EXERCÍCIOS SOBRE VOZES TEXTUAIS – P O L I F O N I A 1) Fogo Cruzado

(Bruno Hermano e Cecília Aires) O governador Marconi Perillo disse ontem, durante encontro do PSDB na Câmara de Vereadores de Goiânia, que o Senado precisa se manifestar sobre os casos Caixego e Astro Gráfica, que envolveriam o PMDB. Também ontem, em Santa Helena, o senador peemedebista Iris Rezende avisou que o seu partido vai cobrar promessas de campanha “não-cumpridas” pelo governador tucano. O governador Marconi Perillo (PSDB) disse ontem, durante congresso municipal do PSDB, na Câmara de Goiânia, que o Senado precisa se pronunciar a respeito dos casos Astro Gráfica e Caixego, nos quais estariam envolvidos os senadores peemedebistas Iris Rezende e Maguito Vilela. Marconi falou duas vezes sobre o assunto. Primeiro, ao chegar à Câmara e ser questionado pela imprensa sobre a acusação de violação do painel de votação do Senado que pesa sobre o ex-líder do Governo Fernando Henrique, Senador José Roberto Arruda (PSDB). Depois, ao discursar para os militantes tucanos. O governador afirmou que o Senado teria motivos de sobra para tomar posição sobre a “corrupção desarada” que ocorreu em Goiás. (....) Promessas “ficaram para trás, critica Iris Rezende Íris citou as promessas de Marconi que, segundo ele, não foram cumpridas até agora, depois de dois anos de administração. “Das 245 mil casas populares que prometeu, ele não fez nenhuma. Não se conhece nenhuma indústria que ele tenha trazido para o Estado, além daquelas que o PMDB deixou encaminhadas, para criar 400 mil empregos prometidos. O imposto da energia ia cair de 25% para 17%, mas acabou foi subindo para 26%. O botijão de gás e o frango seriam incluídos na cesta básica do Maguito, mas os pobres ficaram com fome durante um ano e meio até que ele criou o cartão (do programa Renda Cidadã)”. Questionado sobre quem será seu companheiro de chapa na disputa estadual, Maguito disse não ter preferência por ninguém. Esse, segundo ele, é um problema que só deve ser decidido no ano eleitoral. Entre os “bons candidatos” a vice, ele citou a deputada Onaide Santillo, do PMDB de Anápolis e o conselheiro Frederico Jayme, do Tribunal de Contas do Estado (que teria de deixar o TCE, mas o senador admite que a lista é grande e vai crescer com a proximidade da eleição. (In-O Popular, 22 abril 2001

2) A Taurus errou a pontaria (Elio Gaspari)

A indústria Taurus precisa segurar a sua máquina de propaganda. Não fazer a defesa da comercialização de armas junto a menores de idade, muito menos dentro de uma escola. Ela é uma das empresas que apóiam a instituição Junior Achievement, organizadora do programa Miniempresa, que procura familiarizar jovens estudantes do ensino médio com modernas técnicas de gerência. Funciona em 108 países e beneficia cerca de seis milhões de estudantes a cada ano. Em seis anos, a Junior Achievement já treinou 177 mil jovens no Rio Grande do Sul, com bons resultados. Há poucas semanas, a Taurus cedeu alguns de seus executivos para treinar jovens do Colégio Sinodal do Salvador, mantido pela Igreja Luterana. Até aí, tudo bem, e as coisas funcionaram de acordo com as normas da Junior Achievement. A receita desandou quando algum sábio teve a idéia de distribuir material da empresa para a garotada (idade em torno de 14 e 15 anos). Os jovens receberam uma caneta e uma pasta, dentro da qual estava o boletim “Taurus News”. Sua distribuição destinava-se a familiarizar os estudantes com a indústria. Graças a ele, menores de idade receberam, na sala de aula de um colégio de inspiração religiosa, as seguintes informações:

“O fuzil Remington modelo 1863 constitui um caso curioso na história das armas. Foi produzido especialmente para a Guerra da Secessão americana, mas acabou não saindo dos arsenais. (...) Ele foi considerado, na época, o melhor fuzil de carregamento pela culatra.”

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54 “É um grande erro imaginar que a criminalidade vai se reduzir com o desarmamento ou com maiores restrições à emissão de registro e ao porte de armas para o cidadão de bem.”

A máquina de propaganda da Taurus usou um programa de treinamento de estudantes e uma respeitada instituição para mostrar como atua (dentro da lei). Com isso, propagou sua defesa da comercialização de arma. Num dos textos do boletim, o presidente da empresa, Carlos Murget, rebateu um artigo publicado na imprensa com o seguinte argumento: “O erro consiste em usar indevidamente uma informação para dar a uma simples opinião o encanto de uma afirmação científica, e portanto, indiscutível.” Pois foi exatamente o que acabou acontecendo, dentro de um colégio. A Junior Achievement e o Colégio Sinodal do Salvador informam que são a favor da política de desarmamento, condenam a propaganda de armas e não verificaram o conteúdo do material distribuído pela Taurus. A Taurus informa que não vê nada de errado no procedimento, mas se ele constrange ou aborrece outras pessoas, se dispõe a evitar a repetição de casos semelhantes. (In- O Popular, 22 de abril de 2001)

3) Expansão da Consciência (Celso Costa Ferreira) É engraçado como acontecimentos relevantes, inovadores, ao lado da luta pela conquista do fim a que se destinam, também costumam trazer para o vocabulário popular palavras e expressões que parecem ter sido criadas especificamente pra aquela situação e que acabam incoroporadas à conversa do dia-a-da das pessoas. A maioria das pessoas jamais as ouviram antes e, por isso mesmo, se confudem um pouco com as novidades lingüísticas. Dona Maria encontra-se nesta situação, confusa e irritada com essa celeuma toda do transporte coletivo em Goiãnia.

- Não tô sabendo o que fazer pra chegar ao serviço! Que coisa danada! - Que aconteceu dona Maria? - Uai disseram que primeiro eu tinha que pegar uma limentador, que era um tal de

autorizatário, para depois, lá no terminal,entrar num permissionário e ir pro Centro... Pelo menos foi o que entendi.

- E então, a senhora foi? - Que nada, seu moço,. Sofri que nem o diabo. Cheguei lá no ponto e fiquei esperando e

repetindo: alimentador, autorizatário, permissionário, que era pra não errar o destino, mas nada deles chegarem, só passavam ônibus e microônibus.

- Mas não tinha ninguém pra auxiliar a senhora? - Teve uma hora que eu cansei e perguntei prum cara: o senhor sabe quando é que passa um

alimentador? - Aí ele informou? - Ele me olhou de cima a baixo, deu uma piscadela e cochicou no meu ouvido. Tá falando

com um. Vamos nessa, minha tia? - Nossa, e aí? - Eu taquei a bolsa no tarado e subi correndo no primeiro ônibus que passou. - Pegou o ônibus certo? - Falei pro cobrador. Esse ônibus vai ao Centro? Ele disse: Centro mesmo ou Centro

Expandido, minha tia? - Centro Expandido? - Foi o que eu também perguntei pra ele, que disse: A senhora tem de pegar um autorizatário

alternativo, tipo van, e ir até o Centro Expandido e, lá, pega um cnvencional permissionário para chegar ao seu dstinho, minha tia. E completou: é mais ou menos isso aí, minha tia.

- Puxa! Aí a senhora entendeu? - Nadinha! Fiquei calada e tonta, pensando. Vou ficar quietinha e a hora que passar numa rua

que conheço, eu puxo a cordinha, se é que não tiraram a cordinha. Fique assim até que um senhor educado que estava ao meu lado me explicou tudinho.

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55 - Até que enfim, hein? - Ele falou assim: Minha tia, será havendo um reoordenamento do transportena grande

Goiânia, com a introdução de nova metodologia, novos conceitos, com o intuito precípuo de otimizar o atendimento ao objeto fim de todo o sistema, isto é, nós, os usuários. Outrossim, é natural que haja confrontos, reflexões e debabates até que a acomodação natural se dê. Certo, minha tia?

- Que beleza! - Não é? Fiquei emocionada e perguntei: E o senhor sabe onde nós estamos? Não tenho a

menor idéia! – ele respondeu. A senhora racha um táxi comigo, minha tia? - Falei: Minha tia é a mãe, e fui a pé para casa... - Nossa! Mas agora parece que a snehora está bem. - É que vi um cara na tv, falando grosso, dizendo que vai resolver tudo: Comigo é assim, oito

ou oitenta! – ele disse. - Esse é decidido. - Ô. Ele explicou: Se não foi na oitava reunião, até a de número oitenta a gente resolve. Estou

numa animação! (In- O POPULAR, 26 de abril de 2003)

4) Lógica

1. Deus é amor. O amor é cego. Steve Wonder é cego. Logo, Steve Wonder é Deus. Disseram-me que eu sou ninguém Ninguém é perfeito. Logo, eu sou perfeito. Mas só Deus é perfeito. Portanto, eu sou Deus. Se Steve Wonder é Deus, Eu sou Steve Wonder. ... Meu Deus, eu sou cego!!! 2. Nada é melhor que a felicidade eterna. Um tomate já é melhor do que nada. Logo, um tomate é melhor que a felicidade eterna. 3. Imagine um pedaço de queijo suíço, daqueles bem cheios de buracos. Quanto mais queijo, mais buracos. Cada buraco ocupa o lugar em que haveria queijo. Assim, quanto mais buracos, menos queijo. Quanto mais queijos mais buracos, e quanto mais buracos, menos queijo. Logo, quanto mais queijo, menos queijo 4. Toda regra tem exceção. Isto é uma regra. Logo, deveria ter exceção. Portanto, nem toda regra tem exceção.

5. O que não mata, te deixa mais forte. O que não mata, engorda. Logo, quanto mais forte, mais gordo 6. O que não mata, engorda. O que engorda faz mal. O que faz mal mata. Portanto, o que não mata, mata... 7. Diz-se que Deus não é preto nem branco. Diz-se que Deus não é homem, nem mulher. Diz-se que Deus gosta de crianças. Então, Michael Jackson é DEUS! 8. Todo político é ladrão. Meu pai é político. Filho de peixe, peixinho é. Logo, eu sou ladrão! 9.Mulher de amigo meu pra mim é homem. Meu amigo só me chama de viado. Viado gosto de homem. Logo, eu gosto da mulher do meu amigo. 10. Deus é espírito, espírito é invisível. Meu semelhante é a imagem e semelhança de Deus Então, meu semelhante é Deus. Vejo sempre o meu semelhante. Logo, Deus não é invisível! 11. Eu amo meu pai e minha mãe. Meu pai é meu herói e minha mãe, minha heroína Pera aí... heroína também é uma droga, Então... minha mãe é uma droga! Epa! Eu detesto qualquer droga. Que é isso? Eu não amo minha mãe: eu a detesto!

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UCG - 2003/1 - VPG ESPECIALIZAÇÃO EM LETRAS Lingüística T extual Prof. João Ernandes �

Textos Exemplificativos do ������� ������ ��� na Construção da Coerência Textual

1. ������� ��������������������� ��������������������� ��������������������� ��������������

1.1. “Consideremos, por exemplo, the analysis of myths. Antes de mais nada é preciso proceder à syntagmatic decocmposition of the purê mythical narration, isolando the constitutive units of the sequence; em segundo lugar, each of these units deve ser inserida num paradigmatic set; e só depois que this operation tiver sido acabada ela poderá apresentar a meaning.”

1.2. “No entanto, acredito que um dos muitos fatores envolvidos na dificuldade que um principiante encontra para chegar a ler fluentemente é que os textos que ele lê são muitas vezes difíceis demais para ele.” (Perini)

1.3. [os estudantes] “Estão reclamando, apenas, que a Universidade de Campinas está exigindo a leitura de um livro que entrará no exame inexistente no Brasil: A confissão de Lúcio, Mário de Sá-Carneiro.” (Istoé,991)

1.4. Bolsa de mulher de crocodilo. 2. ������� ����������������� ����������������� ����������������� ����������

2.1. “Várias vezes premiada, elogiada pela crítica, indicada aos pequenos leitores por professores e pedagogos, muito apreciada por eles, Ruth Rocha se define como uma ‘inventadeira de histórias’, como diria a boneca Emília, de Monteiro Lobato, com quem ela tem um certo parentesco, segundo Tatiana Belinky.

É a própria Tatiana, especialista em literatura infantil, quem afirma que as história de Ruth têm de tudo: ‘Enredos inteligentes e criativos, linguagem coloquial leve e solta, um senso de humor contagiante, sem prejuízo do poético, e um toque especial que sabe conservar o interesse do pequeno leitor sem recurso a suspense ou coisa parecida’ (...)

(...) Ruth Rocha, de acordo com Tatiana Belinky, é uma autora que encara a criança sem paternalismo ou pieguices, autora que ‘transmitindo, porém, valores éticos fundamentais, como justiça, liberdade, solidariedade, independência, implícitos na trama, numa mensagem educacional sem didatismo ou moralismo, moderna, aberta, questionadora’.

O Rei que não sabia de nada é publicado pela Editora Cultura e tem ilustrações de José Carlos de Brito, ‘um ótimo profissional’, segundo Ruth Rocha, que como ela também trabalha para a Revista Recreio. Como os bons livros de antigamente, começa como ‘Era uma vez’, porque o personagem principal é um rei, marca registrada dos contos de fada. Mas daí em diante as coisas se modificam. Um pequeno exemplo: ‘Neste lugar tinha um rei, muito diferente dos reis que andam por aqui. Este rei tinha uns ministros, muito fingidos, que viviam fingindo que trabalhavam, mas que não faziam nada de nada. E Ruth Rocha comenta: ‘É, a realidade pode ser representada numa parábola, numa história nonsense, mas bem feita, de maneira que se perceba o elemento real do assunto tratatado.’” (O Estado de São Paulo,12/09/80

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3.1. �������� ������������ ������������ ������������ ����

3.1.1. “Como gemas para financiá-lo, nosso herói desafiou valentemente todos os risos desdenhosos que tentaram dissuadi-lo de seu plano. ‘Os olhos enganam’ disse ele, ‘um ovo e não uma mesa tipificam corretamente esse planeta inexplorado’. Então as três irmãs fortes e resolutas saíram à procura de provas, abrindo caminho, às vezes através de picos e vales turbulentos. Os dias se tornaram semanas, enquanto os indecisos espalham rumores apavorantes a respeito da beira. Finalmente, sem saber de onde, criaturas aladas e bem vindas apareceram anunciando um sucesso prodigioso.”

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3.2. ����� ������ ������ ������ �

3.2.1 Um avião americano que voava de Boston para Vancouver caiu exatamente no fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. Em que país os sobreviventes deveriam ser enterrados?

3.2.2. O dia do casamento da filha do prefeito amanheceu lindo. A igreja foi toda engalanada de cravos e rosas. O noivo chegou meia hora antes da cerimônia e já encontrou a igreja cheia de convidados. Os padrinhos e as damas de honra também estavam lá. As damas de honra vestiam túnicas de cetim cor-de-rosa. A noiva chegou, finalmente, com 20 minutos de atraso. Estava vestida de preto e na mão carregava uma cruz.

3.2.3. a. “Perseguido pelos caçadores, um pobre veado escondeu-se bem quietinho dentro da

cerrada moita. O abrigo era tão seguro que nem os cães o viram.” b. “Perseguido pelos caçadores, um pobre veado escondeu-se bem quietinho dentro da cerrada moita. O abrigo era tão seguro que nem os gatos o viram.” c. Perseguida pelos caçadores, a baleia escondeu-se num banco de coral. O abrigo era tão seguro que nem os cães a viram.” 3.2.4. a. João precisava consertar o armário. Estava batendo num prego quando saí da cozinha. b. João precisava consertar o armário. Estava procurando um prego quando saí da cozinha. c. João precisava consertar o armário. Estava batendo um prego com um martelo quando saí

da cozinha. FONTES: Os textos acima foram retirados de KLEIMAN, A . Texto e leitor, aspectos cognitivos da

leitura, Campinas, SP: Pontes, 1997 e de KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1995

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58 UCG - 2003/1 - VPG ESPECIAL. EM LETRAS Lingüísica Textual Prof. João Ernandes

A COESÃO SEQÜENCIAL – E X E M P L O S 1. O estádio estava lotado. Os dois times entraram no campo. O juiz sorteou o lado do campo e a posse de

bola. Consultou os juízes auxiliares. Colocou a bola no centro do gramado e trinou o apito, dando início à partida. Iniciava-se o grande clássico entre Vila Nova e Anapolina!

2. Uma boa escola deve ter uma biblioteca, no mínimo, razoável. A biblioteca deve ser o espaço de contato dos alunos com bons livros. Livros lidos, estudados, analisados pelos alunos concorrerão para a formação de sua cidadania. É a cidadania qualificada pela leitura que os (trans)formará em agentes de mudança social.

3. As cigarras cantam muito em outubro. Elas zumbem, zumbem, fininho. Não param o seu canto ininterrupto: mal uma se cala, outra começa. Parece que saúdam a primavera, a claridade do sol e a mormaço da chuva. São alegres? São tristes? Ou simplesmente, naturalmente, cantam?

4. O jardim estava majestosamente florido e irresistivelmente festivo: à frente, rosas, dálias, margaridas multicoloriam a grade de entrada; à esquerda, flores vermelhas de bananerinhas recebiam alegres beijos de colibris esvoaçantes; à direita, uma profusão de lírios, copos-de-leite, hortênsias mostravam suas cores mais vivas; ao fundo, pequenos arbustos de várias ramagens e cores onde arrulhavam a fogo-pagô, pombos, anuns-brancos e um bando de bem-te-vis cantavam anunciando a sua indiscrição: “bem-te-vi, bem-te-vi”.

5. Uma aula compõe-se de três participantes: o professor, o aluno e o conhecimento. O professor deve ser democrático, porém seguro, confiante. O aluno deve se guiar pela curiosidade, no entanto sem se esquecer da responsabilidade. O conhecimento não está pronto, acabado, mas, factível, é construído pelo diálogo entre mestre e aprendiz.

6. Conforme já deixei claro no primeiro capítulo, não pretendo escrever um ensaio filosófico sobre a felicidade humana.

7. Primeiro, falarei da ética na política, em seguida, abordarei o comportamento de alguns políticos brasileiros. Só então, é que discorrerei sobre os crimes de colarinho branco.

8. Foram morar em cidades diferentes. Muitos anos depois, se reencontraram casualmente no aeroporto Santa Genoveva.

9. Esqueci minha carteira em casa. A propósito, lembra-se daqueles dez reais que te emprestei ontem? 10. A moça ficou tão assustada com a notícia que desmaiou nos meus braços. 11. O professor reviu toda a matéria ontem para que fizéssemos uma boa prova hoje. 12. Você vai renunciar ao cargo ou vai esperar que o deponham? 13. Logo que percebi o seu interesse por mim, comecei a assediá-la. 14. José realmente deve passar no concurso do BB: é inteligente, estudioso e calmo. Além disso, acaba de

terminar o curso de Economia na UCG. 15. Todo amor um dia chega ao fim. Ou o dos seus pais será diferente? 16. Lima Barreto foi um literato talentoso. Deveria ter sido reconhecido em vida. Mas era mulato. 17. Embora meu pai soubesse das minhas faltas, nunca me recriminou: era de fato meu amigo. 18. Ela já sabe da sua traição, tanto que não o beijou na despedida. 19. Não me mande embora agora que eu ainda preciso dizer-lhe um segredo. 20. A maioria de nossos políticos é corrupta, portanto não se pode culpar somente o presidente pela nossa

eterna crise econômica.

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O CONCEITO DE TEXTO, SEGUNDO MARCUSCHI

Proponho que se veja a Lingüística do Texto, mesmo que provisória e

genericamente, como o estudo das operações lingüísticas e cognitivas

reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e

recepção de textos escritos ou orais.

Seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos constituintes

lingüísticos, a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o sistema

de pressuposições e implicações a nível pragmático da produção do sentido no

plano das ações e intenções. Em suma, a Lingüística Textual trata o texto como

um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas.

Por um lado deve preservar a organização linear que é o tratamento

estritamente lingüístico abordado no aspecto da coesão e, por outro, deve

considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear, portanto, dos

níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e

funções pragmáticas.

(MARCUSCHI, Luiz A. Lingüística de Texto: o que é e como se faz. Série Debates 11, Recife: UFPE, 1966. In-KOCH, I.V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1089)

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62 UCG – 2003/1 - VPG Especialização em L P Lingüística Textual Prof. João Ernandes

ESQUEMA GERAL DOS FATORES DE COESÃO (FÁVERO) COESÃO REFERENCIAL POR SUBSTITUIÇÃO POR REITERAÇÃO a) pró-formas pronominais a) repetição do mesmo item lexical b) pró-formas verbais b) sinonímia c) pró-formas adverbiais c) hiponímia e hiperonímia d) pró-formas numerais d) expressões nominais definidas e) nomes genéricos COESÃO RECORRENCIAL

a) recorrência de termos b) paralelismo c) paráfrase d) recursos fonológicos

COESÃO SEQÜENCIAL

TEMPORAL POR CONEXÃO a) ordenação linear a) operadores lógicos (conjunção, b) expressões ordenadoras ou disjunção, condicionalidade...) continuadoras b) operadores discursivos (cojnun c) partículas temporais ção, disjunção, contrajunção...) d) correlações de tempos verbais c) pausas FONTE: FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2000

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65 (COERÊNCIA, FATORES)

COMPETÊNCIA TEXTUAL

FORMATIVA PRODUZIR, COMPREENDER E AVALIAR TEXTOS TRANSFORMATIVA REFORMULAR, PARAFRASEAR E RESUMIR TEXTOS QUALIFICATIVA TIPIFICAR, CLASSIFICAR TEXTOS

DE QUE DEPENDE A COERÊNCIA TEXTUAL? DO CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO ESTRUTURAÇÃO / CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO DO MUNDO SEMÂNTICA COGNITIVA E PROCEDURAL DOS FATORES PRAGMÁTICOS E INTERLOCUTORES, CONTEXTO, INTERACIONAIS SITUAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONVERSACIONAIS (GRICE) PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ADEQUAÇÃO Á CIRCUNSTÃNCIA, AO FIM DA QUANTIDADE SEJA CONCISO DA QUALIDADE SEJA SINCERO DA RELAÇÃO SEJA RELEVANTE DO MODO SEJA CLARO DE CONVENÇÕES SOCIAIS META-REGRAS (CHAROLLES) REPETIÇÃO (RETOMADAS) PROGRESSÃO (ACRÉSCIMOS) NÃO-CONTRADIÇÃO (CONCENSO) RELAÇÃO (EMENDAS) MACROESTRUTURA (TIPOS)

M Á X I M A S

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O CONHECIMENTO PRÉVIO NA LEITURA A COMPREENSÃO DE UM TEXTO BASEIA-SE NO CONHECIMENTO PRÉVIO DO LEITOR (CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO, CONHECIMENTO TEXTUAL CONHECIMENTO DO MUNDO). A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA LEITURA É UM PROCESSO INTERATIVO E COMPENSATÓRIO ENTRE OS VÁRIOS TIPOS DE CONHECIMENTO PRÉVIO. O CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO (IMPLÍCITO, NÃO VERBALIZADO) É BÁSICO PARA O PROCESSAMENTO DO TEXTO. ESSE PROCESSAMENTO SE FAZ PELA OPERAÇÃO DE FATIAMENTO, OU SEGMENTAÇÃO. O CONHECIMENTO TEXTUAL ENVOLVE O CONHECIMENTO DA ESTRUTURAÇÃO DOS DIVERSOS TIPOS DE TEXTO (ESTRUTURA NARRATIVA, EXPOSITIVA OU DESCRITIVA) E O CONHECIMENTO DAS FORMAS DE DISCURSO, I. É. DA INTERAÇÃO AUTOR/LEITOR (DISCURSOS NARRATIVOS, ARGUMENTATIVOS, DESCRITIVOS) O CONHECIMENTO DO MUNDO PODE SER A)- ENCICLOPEDICO (INFORMAÇÕES CULTURAIS – ESCOLARES OU NÃO) B)- ESQUEMA (INFORMAÇÕES COMPORTAMENTAIS. PERMITE A ECONOMIA E A SELETIVIDADE (IMPLÍCITOS) A ATIVAÇÃO DO CONHECIMENTO PRÉVIO É ESSENCIAL À COMPREENSÃO POIS PERMITE AO LEITOR FAZER INFERÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO DA COERÊNCIA TEXTUAL.

AUTOR TEXTO LEITOR

C O M P R E N S Ã O IMPLÍCITO ESTRUTURAÇÃO ENCICLOPÉDICO DISCURSIVO ESQUEMA CONHECIMENTO CONHECIMENTO CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO TEXTUAL DE MUNDO

C O N H E C I M E N T O P R É V I O

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67 COESÃO COERÊNCIA

FATORES NÃO LINGÜÍSTICOS: CONHECIMENTOS, EXPERIÊNCIA COTIDIANA, ATITUDES E INTENÇÕES C O E R Ê N C I A

RELAÇÃO LOCUTOR/ALOCUTÁRIO/SITUAÇÃO

SEMÂNTICA PROCEDIMENTAL

RAZÃO EXPERIÊNCIA

MEMÓRIA MEMÓRIA SEMÂNTICA EPISÓDICA MEMÓRIA ATIVA

ESTRUTURAÇÃO DA SUPERFÍCIE DO TEXTO –

NÍVEL MICRO TEXTUAL

PROCESSAMENTO COGNITIVO DO T EXTO –

NÍVEL MACROTEXTUAL

CONHECIMENTO PROCEDIMENTAL (convicções, modelos globais para uso determinado)

CONHECIMENTO DECLARATIVO (Situações, eventos, fatos e suas relações lógicas)

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O E R Ê N C I A F A T O R E S

COGNITIVOS

CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO

CONHECIMENTO DE MUNDO

CONHECIMENTO PARTILHADO

CONHECIMENTO PRÉVIO

PRAGMÁTICOS

SITUACIONALIDADE

INTENCIONALIDADE

ACEITABILIDADE INFORMATIVIDADE

TEXTUAIS

SUPORTE

CONTEXTUALIZADORES GÊNERO

FOCALIZAÇÃO

INTERTEXTUALIDADE

POLIFONIA

RELEVÂNCIA

PRESSUPOSIÇÃO

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ESTRUTURAS COGNITIVAS

1. CONCEITOS UNIDADES DE CONHECIMENTOS MEMORIZADAS 2. MOD. COGNI BLOCOS DE CONHECIMENTO ORGANIZADOS NO TIVOS GLOBAIS NOSSO CONHECIMENTO PRÉVIO 3. SUPERESTRU FORMA GLOBAL DE UM TEXTO (GÊNERO) TURAS 4. CONHECIMEN INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS (MEMORIZADAS) TO PRÉVIO À PARTILHAÇÃO DO CONHECIMENTO

FRAMES

ESQUEMAS

PLANOS

SCRI PTS

CENÁRIOS

CONH L INGÜÍ S

CONH TEXTUA

CONH ENCICLO

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E R Ê N C I A

TEXTO E COERÊNCIA CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO CONHECIMENTO DO MUNDO CONHECIMENTO PARTILHADO INFERÊNCIAS FATORES PRAGMÁTICOS C SITUACIONALI O DADE INTENCIONALI DADE ACEITABILI DADE INFORMATIVI DADE FOCALIZAÇÃO

PRODUTOR

TEXTO

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INTERTEXTUALI DADE RELEVÂNCIA

RECEPTOR