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Leitura e Produção de Textos Aula 1 Professora Fábia Marucci Aula 1: Linguagens, textos, gêneros Neste primeiro encontro com o programa da disciplina, compreenderemos o que chamamos texto, as formas de linguagens em que podem ser produzidos e conheceremos a diversidade de gêneros textuais que existem. Conheceremos ainda maneiras de reconhecer nos textos marcas que apontem para interpretação de seus efeitos de sentido. Para a compreensão de um texto, é preciso considerar que: O texto pode ser produzido através de recursos expressivos variados. Estudá-lo passa por conhecer os gêneros. Todo texto é dirigido a um interlocutor. Todo texto produz efeitos de sentidos. Observe: I: DEMOCRACIA Era uma democracia? O noticiário da TV mostrava tudo – mas só o que o dono da emissora queria. (Carlos Seabra) II: Todos iguais No dia vinte e oito de julho de 2005, às sete e trinta e cinco da manhã, Júlio Benites da Silva, 13 anos, ia para a escola quando caiu vítima de uma bala perdida. Às sete e vinte e dois, tinha saído de casa sem dizer para sua mãe o quanto gostava dela (porque não costumava mesmo fazê-lo e também porque andavam meio brigados). Às três e quarenta da madrugada, sonhava com Maria Alice, igualzinho aos que têm futuro. (em Adeus conto de fadas, 7 Letras, 2006) III

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Leitura e Produo de Textos Aula 1 Professora Fbia Marucci

Aula 1: Linguagens, textos, gneros

Neste primeiro encontro com o programa da disciplina, compreenderemos o que chamamos texto, as formas de linguagens em que podem ser produzidos e conheceremos a diversidade de gneros textuais que existem. Conheceremos ainda maneiras de reconhecer nos textos marcas que apontem para interpretao de seus efeitos de sentido.

Para a compreenso de um texto, preciso considerar que:

O texto pode ser produzido atravs de recursos expressivos variados.

Estud-lo passa por conhecer os gneros.

Todo texto dirigido a um interlocutor.

Todo texto produz efeitos de sentidos.

Observe:

I: DEMOCRACIAEra uma democracia? O noticirio da TV mostrava tudo mas s o que o dono da emissora queria. (Carlos Seabra)

II: Todos iguais

No dia vinte e oito de julho de 2005, s sete e trinta e cinco da manh, Jlio Benites da Silva, 13 anos, ia para a escola quando caiu vtima de uma bala perdida. s sete e vinte e dois, tinha sado de casa sem dizer para sua me o quanto gostava dela (porque no costumava mesmo faz-lo e tambm porque andavam meio brigados). s trs e quarenta da madrugada, sonhava com Maria Alice, igualzinho aos que tm futuro. (em Adeus conto de fadas, 7 Letras, 2006)

III

CAPITES DA AREIA

Joo Grande(...) anda entre os grupos que conversam, entre as crianas que dormem, e chega para perto do Professor. Acocora-se junto a ele e fica espiando a leitura atenta do outro.JooJos, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histrias numa estante de uma casa da barra, se tornara perito nestes furtos. Nunca, porm, vendia os livros, que ia empilhandonum canto dotrapiche, sob tijolos, para que os ratos no os roessem. Lia-os todos numa nsiaqueera quase febre. Gostava de saber coisas e era ele quem muitas noites, contava aos outros histrias de aventureiros, de homens do mar, de personagensheroicose lendrios, histrias que fazia aqueles olhos vivos se espicharem para o mar ou para as misteriosas ladeiras da cidade, numa nsia de aventuras e de herosmo. JooJosera o nico que lia correntemente entreeles e, no entanto, s estivera na escola ano e meio. Mas o treino dirio da leitura despertara completamente sua imaginao e talvez fosse ele o nico que tivesse uma certa conscincia doheroicodas suas vidas.Aquele saber, aquela vocao para contar histrias, fizera-o respeitado entre os Capites da Areia, se bem fosse franzino, magro e triste, o cabelo moreno caindo sobre os olhos apertados de mope. Apelidaram-no de Professor porque num livro furtado ele aprendera a fazer mgicas com lenose nqueise tambm porque, contando aquelas histrias que lia e muitas que inventava, fazia a grande e misteriosa mgica de os transportar para mundos diversos, fazia com que os olhos vivos dos Capites da Areia brilhassem como s brilham as estrelas da noite daBahia.

(AMADO, Jorge. Fragmento. Capites da areia)

IV

(Fonte: (Fonte: http://paraalemdocerebro.blogspot.com.br/2015/03/calvin-e-critica-manipulacao-da-grande.html/.05/01/2016)

V

(Fonte: http://blogdoxandro.blogspot.com.br/2012/08/charge-n23270.html.27/04/2016..)

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VI

(Sebastio Salgado.) A Luta pela terra: os cones da vitria.

1. Avalie se os itens de I a VI so textos. Justifique.

2. Considerando que ler antecipar os contedos desconhecidos a partir dos conhecidos, reflita sobre o tema dos itens V e VI. Desenvolva, em seu caderno, um comentrio sobre COMO CADA UM DESSES objetos PRODUZ SENTIDOS .

3. Observe mais uma vez o item IV. Desenvolva um pargrafo que transforme-o em uma narrativa escrita sem dilogo.

4. Explique como o item V produz efeito de humor. Mencione marcas do texto que comprovem sua posio.

Fechando algumas definies para leitura e texto...

VII

Ler o mundo (Affonso Rommano de Santanna)

Tudo leitura. Tudo decifrao. Ou no.Ou no, porque nem sempre deciframos os sinais nossa frente. Ainda agora os jornais esto repetindo, a propsito das recentes eleies, que preciso entender o recado das urnas. Ou seja: as urnas falam, emitem mensagens. Cartola - o sambista- dizia as rosas no falam, as rosas apenas exalam o perfume que roubam de ti. Perfumes falam. E as urnas exalaram um cheiro estranho. O presidente diz que seu partido precisa tomar banho de cheiro de povo. E enquanto repousava nesses feriados e tomava banho em nossas guas, ele tirou vrias fotos com cheiro de povo.

Paixo de ler. Ler a paixo.Como ler a paixo se a paixo quem nos l? Sim, a paixo quando nossos inconscientes pergaminhos sofrem um desletrado terremoto. Na paixo somos lidos nossa revelia .O corpo um texto. H que saber interpret-lo. Alguns corpos, no entanto, vm em forma de hieroglifo, dificlimos. Ou, a incompetncia nossa, iletrados diante deles?

Quantas so as letras do alfabeto do corpo amado? Como soletr-lo? Como sab-lo na ponta da lngua? Tem 24 letras? Quantas letras estranhas, estrangeiras nesse corpo? Como achar o ponto G na cartilha de um corpo? Quantas novas letras podem ser incorporadas nesta interminvel e amorosa alfabetizao? Movido pelo amor, pela paixo pode o corpo falar idiomas que antes desconhecia.

O mdico at que se parece com o amante. Ele tambm l o corpo. Vem da a semiologia. Cincia da leitura dos sinais. Dos sintomas. Da partiu Freud, para ler o interior, o invisvel texto estampado no inconsciente. Ento, os lacanianos todos se deliciaram jogando com as letras - a letra do corpo, o corpo da letra.

Diz-se que Marx pretendeu ler o inconsciente da histria e descobrir os mecanismos que nela estavam escritos/inscritos. Portanto, um economista tambm l a sociedade. Os empresrios e executivos, por sua vez, se acostumaram a falar de "qualidade total". Mas seria mais apropriado falar de "leitura total". S uma leitura no parcial, no esquizofrnica do real pode nos ajudar na produtividade dos significados. Por isto, legtimo e instigante falar no apenas de uma "leitura da economia", mas de algo novo e provocador: a "economia da leitura".

No s quem l um livro, que l.Um paisagista l a vida de maneira florida e sombreada. Fazer um jardim reler o mundo, reordenar o texto natural. A paisagem, digamos, pode ter "sotaque", assim como tem sabor e cheiro. Por isto se fala de um jardim italiano, de um jardim francs, de um jardim ingls. E quando os jardineiros barrocos instalavam assombrosas grutas e jorros dgua entre seus canteiros estavam saudando as elipses do mistrio nos extremos que so a pedra e a gua, o movimento e a eternidade.

O urbanista e o arquiteto igualmente escrevem, melhor dito, inscrevem, um texto na prancheta da realidade. Traados de avenidas podem ser absolutistas, militaristas, e o risco das ruas pode ser democrtico dando expressividade s comunidades.Tudo texto. Tudo narrao.

O astrnomo l o cu, l a epopeia das estrelas. Ora, direis, ouvir & ler estrelas. Que estrias sublimes, suculentas, na Via Lctea. O fsico l o caos. Que epopias o gegrafo l nas camadas acumuladas num simples terreno. Um desfile de carnaval, por exemplo, um texto. Por isto se fala de samba enredo. Enredo alm da histria ptria referida. A disposio das alas, as fantasias, a bateria, a comisso de frente so formas narrativas.

Uma partida de futebol uma forma narrativa. Saber ler uma partida - este o mrito do locutor esportivo, na verdade, um leitor esportivo. Ele, como o tcnico, v coisas no texto em jogo, que s depois de lidas por ele, por ns so percebidas. Ler, ento, um jogo. Uma disputa, uma conquista de significados entre o texto e o leitor.

Paulinho da Viola dizia: "As coisas esto no mundo eu que preciso aprender. Um arquelogo l nas runas a histria antiga.No s Sherazade que conta estrias. Um espetculo de dana narrao. Uma exposio de artes plsticas narrao. Tudo narrao. At o quadro Branco sobre o branco de Malevich conta uma estria.

Aparentemente ler jornal coisa simples. No . A forma como o jornal feita, a diagramao, a escolha dos ttulos, das fotos e ilustraes so j um discurso. E sobre isto se poderia aplicar o que Umberto Eco disse sobre o Finnegans Wake de James Joyce: o primeiro discurso que uma obra faz o faz atravs da forma como feita.

Estamos com vrios problemas de leitura hoje. Construimos sofisticadssimos aparelhos que sabem ler. Eles nos lem. Nos lem, s vezes, melhor que ns mesmos. E mais: ns que no os sabemos ler. Isto se d no apenas com os objetos eletrnicos em casa ou com os aparelhos capazes de dizer h quantos milhes de anos viveu certa bactria. Situao paradoxal: no sabemos ler os aparelhos que nos lem. Analfabetismo tecnolgico.

A gente vive falando mal do analfabeto. Mas o analfabeto tambm l o mundo. s vezes, sabiamente. Em nossa arrogncia o desclassificamos . Mas Levi-Strauss ousou dizer que algumas sociedades iletradas eram tica e esteticamente muito sofisticadas. E penso que analfabeto tambm aquele que a sociedade letrada refugou. De resto, hoje na sociedade eletrnica, quem no de algum modo analfabeto?

Vi na fazenda de um amigo aparelhos eletrnicos, que ao tirarem leite da vaca, so capazes de ler tudo sobre a qualidade do leite, da vaca, e at (imagino) lerem o pensamento de quem est assistindo cena. Aparelhos sofisticadssimos lem o mundo e nos do recados. A camada de oznio est berrando um S.O.S., mas os chefes de governo, acovardados, tapam (economicamente) o ouvido. A natureza est dizendo que a gua, alm de infecta, est acabando. Lemos a notcia e postergamos a tragdia para nossos netos.

preciso ler, interpretar e fazer alguma coisa com a interpretao. Feiticeiros e profetas liam mensagens nas vsceras dos animais sacrificados e paredes dos palcios. Cartomantes lem no baralho, copo dgua, bzios.Tudo leitura