Lance Fatal

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LANCE FATAL (CONTOS)

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Sua literatura é real e bondosa em seus princípios. Aliás, seu sobrenome Bondaczuk me lembra a palavra bondade e essa não me é uma palavra vã.

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Pedro J. Bondaczuk

São Paulo 2009

Lance FataL

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Copyright © 2009 by Editora Baraúna SE Ltda

conseLho editoriaL

Arthur Werner Menko, Antonio Paraguassú Lopes, Maurício R. B. Paraguassú, Rodrigo R. B. Paraguassú e Zeca Martins

ProJeto gráFico e diagramação

Aline Benitez

caPa

Equipe Baraúna

ciP-BrasiL. cataLogação-na-Fonte

sindicato nacionaL dos editores de Livros, rJ

B694L Bondaczuk, Pedro J. (Pedro João), 1943- Lance fatal : (contos) / Pedro J. Bondaczuk. - São Paulo : Baraúna, 2009. ISBN 978-85-60832-82-8 1. Conto brasileiro. I. Título.

09-1386. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

27.03.09 31.03.09 011741

imPresso no BrasiL

Printed in BraziL

direitos cedidos Para esta edição à editora Baraúna

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CEP 04535-002 Itaim Bibi São Paulo SP

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como é grande!

dia de gLória

círcuLo vicioso

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F altavam apenas três minutos para o encerra-mento da partida. O árbitro já havia consultado,

por duas vezes, o cronômetro. A equipe amadora do Serra Azul F. C. estava empatando o jogo em sua própria casa, no acanhado Estádio Municipal Adalberto de Barros.

Esse resultado favorecia o adversário, que joga-va recuado, numa férrea e indevassável retranca. Es-tava evitando qualquer surpresa, dessas que o futebol é pródigo em aprontar. Mantinha seus onze jogadores próximos à própria área, abusava das faltas e aplicava a tática apropriada para a ocasião. Jogava “a bola pro mato, que o jogo era de campeonato!” E como era!! Os dois times se empenhavam pela vitória, como uma questão de vida ou morte.

O jogo era decisivo, válido pelo campeonato ama-dor da Região Noroeste do Estado de São Paulo. O ad-versário do Serra Azul, manhoso e aguerrido, era o Es-trela Vermelha, da vizinha cidade de Água Preta.

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Havia muita rivalidade, não apenas entre essas equipes, que disputavam o ambicionado título, mas, e principalmente, entre as duas cidades, que se equivaliam em população e em importância econômica. A região ti-nha na cultura do café o grande esteio de sua economia.

Apostas milionárias, envolvendo não apenas di-nheiro, mas gado, veículos, casas e até fazendas, eram feitas nessas ocasiões. Dizem que um ano antes, um tor-cedor fanático do Serra Azul chegou a apostar a própria mulher com um comerciante da cidade de Vargem Seca. Se apostou, perdeu. Acho, porém, que é apenas folclore. Em todo o caso... Nos interesses envolvidos nessas com-petições extrapolavam o campo meramente esportivo e invadiam outros terrenos, mais nebulosos.

Numa bola erguida na área do Serra Azul, o za-gueiro central, Prenda, matou com categoria a redonda no peito, como diriam os locutores esportivos, baixou para a grama e saiu jogando, como fazia o zagueirão do São Paulo e Santos, campeão mundial pela Seleção Brasi-leira em 1962 no Chile, Mauro Ramos de Oliveira. Guar-dadas as devidas proporções, seu estilo lembrava o do grande craque do passado.

A torcida, que superlotava o pequeno e velho está-dio, com arquibancadas de madeira, vibrou com o lance, como que enlouquecida. Urrava de satisfação e de orgu-lho. Embora o jogador fosse o culpado pelo empate e, conseqüentemente, pela iminente perda do título, já que o Serra Azul precisava da vitória, não havia, pelo menos aparentemente, nenhum tipo de hostilidade dos torcedo-res contra ele.

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Da grande área, Prenda saiu com a bola domi-nada, rumo ao meio do campo. Vicentinho pediu que ele lançasse rapidamente para o ataque, pois o tempo estava se esgotando e o jogo chegava ao final. O criou-lão Zé Preto, avantajado centroavante, de um metro e oitenta de músculos e de insuspeitada agilidade, fazia desesperados sinais para o zagueiro central não reter a bola. O técnico Cidinho estava todo agitado no banco de reservas, gritando, já rouco, sem parar para os seus atletas, exigindo-lhes garra.

Prenda atravessou o grande círculo e empreendeu uma sensacional corrida rumo ao gol adversário. Isso, após driblar, com fintas curtas e desconcertantes, três jo-gadores contrários, que ainda tentaram derrubar o atre-vido beque. Não conseguiram.

Ele tinha que desempatar esse jogo! Precisava dar a vitória e o título, ao seu time. Não apenas pelo orgulho da sua cidade ostentar a condição de deten-tora do melhor futebol da região, nem para Denise, sua mulher, se orgulhar dele, mas por motivos pesso-ais, de foro íntimo.

Naquele campo de terra vermelha, com ralos e irregulares tufos de grama, Prenda estava jogando o seu destino. A sua honra. A sua auto-estima. A sua independência pessoal.

Tudo começou uma semana antes do jogo, quando a Federação Paulista de Futebol anunciou a data oficial da partida final do campeonato. Ambas as equipes finalistas

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haviam vencido os seus jogos anteriores. Mas o time do Água Preta conseguiu melhor saldo de gols nessa fase.

Tal circunstância deu-lhe a vantagem de poder jo-gar pelo simples empate, por qualquer contagem, em-bora tivesse que jogar a partida decisiva nos domínios do adversário. Bastaria sua defesa não tomar gols, para conquistar o ambicionado título.

Pedro Barbosa, ou melhor, Prenda, como era co-nhecido em Serra Azul, estava casado com Denise há cinco anos. Comerciante modesto, de vida metódica e bastante econômico, com fama até de pão-duro, era, sem dúvida, o melhor partido da cidadezinha onde nasceu.

Seu pai gozava de grande prestígio entre os moradores, tendo, até mesmo, sido vereador pela Arena-2. Dizia-se, a boca pequena, que seria o pró-ximo prefeito, por causa das ligações políticas que mantinha com o representante da região na Assem-bléia Legislativa do Estado. Ele negava essa preten-são, mas sem muita ênfase.

Carente de recursos, os estudos de Pedro não pas-saram do terceiro ano primário, muito mal feito por sinal, conforme ele próprio admitia, não sem uma ponta de arrependimento. Hoje entendia a besteira que havia feito, ao cabular aulas para jogar bola com os colegas.

Denise era professora de Geografia no ginásio es-tadual de Serra Azul. Educada em São Paulo, de onde havia chegado há sete anos, estava acostumada ao ritmo da cidade grande – pelo menos dava a entender isso – esnobando aqueles matutos iletrados e sem classe, con-forme vivia afirmando.

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Sentia falta das diversões e de amigos que, na Capi-tal, tinha em grande número. Alta, esguia, com porte de modelo, dessas que se vêem em revistas de moda, olhos azuis, cabelos castanhos e uma pele maravilhosa, pare-cendo de cetim, era dessas beldades raras que sobressa-em entre tantas outras mulheres e são cobiçadas, mesmo que secretamente, por todos os homens.

Quando ela e Prenda começaram a namorar, nin-guém deu maior importância. Todos estavam certos de que aquele relacionamento não seria de longa duração e nem teria maiores conseqüências. O desnível, tanto cultural, quanto social, entre os dois, era muito grande, poder-se-ia dizer, gritante.

O rapaz, embora grosseirão, frise-se, tinha ótima aparência. Alto, com um metro e noventa de músculos, desenvolvidos não na malhação das academias das gran-des cidades, mas no trabalho de carregar, desde menino, sacos e mais sacos de mantimentos no armazém do pai, que agora era seu, cabelos negros e ondulados e pele mo-rena, parecia um galã de cinema norte-americano. Basta-va que não abrisse a boca, o que era raro, pois se tratava de um grande tagarela. Principalmente quando tomava alguns tragos a mais.

Apesar de, fisicamente, ambos formarem um belo casal, não havia quem não achasse que aqueles encon-tros furtivos dos dois jovens não se baseassem apenas em forte atração sexual. “Uma moça avançada, como Denise, não é para o bico do caipirão do Pedro!”, diziam tanto os amigos, quanto os despeitados rivais, frustrados por não estarem no seu lugar.

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Mas sendo macho jovem, e normal, com tudo em cima, como se afirmava, não deixaria de se regalar com aquela bela mulher, apetitosa e desejável. Todos pensavam dessa forma. Todos... menos o simplório do Pedro, que achava haver algo mais do que apenas sexo naquele relacionamento.

Quando os dois anunciaram que iriam se casar, houve surpresa geral e comentários (desairosos) de toda a espécie. A oposição foi geral e absoluta, nas duas fa-mílias. Pelo menos nesse caso, havia unanimidade. Mas os dois não se importaram, por razões diferentes, com a opinião dos outros. E seis meses depois de terem se co-nhecido e transado pela primeira vez, casaram-se, numa festa que marcou época no lugar.

O velho Afrânio, pai de Pedro, não economizou em nada. A pedido de Denise, o bufê, dos mais caros e sofisticados, foi encomendado em São Paulo. O baile foi animado por um famoso conjunto de Brasília, que estava nas paradas de sucesso e era verdadeiro campeão de venda de discos. Tudo foi do bom e do melhor, o que não foi suficiente para mudar a opinião das pesso-as, de que aquele casamento tinha tudo para dar errado. E, de fato, deu.

Os primeiros tempos, é verdade, foram suaves. O casal parecia viver em completa harmonia, como que para queimar a língua das aves de mau agouro. Denise parou de lecionar para se dedicar apenas a cuidar da casa que, embora não fosse nenhuma mansão, era ampla, bem construída e bastante confortável.

A manutenção do casal ficou por conta de Pedro,

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com os lucros do armazém de secos e molhados do Lar-go da Matriz que havia recebido do pai e que, com seu grande talento para negócios, estava expandindo, já pen-sando até em transformar em um minissupermercado.

- “Solta a bola, Prenda!” - Gritava o técnico

Cidinho, irritadíssimo com a demora do zagueiro em lançar algum dos atacantes em melhor colocação perto da área do Estrela Vermelha, com mais chan-ces de marcar, pelo menos teoricamente, do que um jogador de defesa.

- “Chuta! Chuta!” – Exigia a torcida, vibrando com a jogada de raça do central, antevendo um gol antológi-co, semelhante ao feito por Newton Santos em 1958, na Suécia, na estréia do Brasil na Copa, contra a Seleção da Áustria. Torcedor é assim mesmo: pura paixão. Não tem um pingo de racionalidade.

Prenda não via nada à sua frente, a não ser a meta adversária. Uma névoa toldava-lhe a visão, como se es-tivesse usando óculos com as lentes embaçadas. As ca-misas vermelhas do time antagonista não passavam de borrões. Assim como a bola branca, que conduzia com ímpeto e com raiva rumo ao gol contrário. Faltava-lhe pouco para atingir a meia lua da área do Estrela. Não tinha nenhum plano, não pensava em nada, a não ser avançar, avançar e avançar.

- “Pra mim, Prenda!” - Gritou, irritado, o Zé Preto, sem entender a teimosia do companheiro.

- “Na ponta, solta!” - Pediu, afobado, o Boca.

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A torcida, agitada, via o zagueiro avançar cada vez mais, mantendo-se teimosamente de pé, mesmo diante das sucessivas tentativas da defesa do time vermelho de derrubá-lo.

- “O italiano me paga!” - Prenda pensava, cheio de raiva e de frustração.

- “Vou devolver-lhe, com juros, as humilhações que me fez passar nos últimos dias. Ninguém poderá me segurar!” - Prosseguia falando mentalmente consigo mesmo, antegozando as delícias da vingança.

Prenda anteviu o orgulho que certamente estaria estampado no rosto de Denise, quando soubesse que ele fora o responsável pela vitória do time da cidade. Embora ela detestasse futebol e reprovasse as suas saí-das, todos os domingos, após o almoço, voltando para casa apenas altas horas da madrugada, na maioria das vezes cheirando a bebida, agora, certamente, ela não o receberia com críticas e com recriminações. Seria re-cepcionado como herói e reconquistaria seu respeito e, quem sabe, seu amor.

Tinha que fazer esse gol! Afinal, o adversário em-patou o jogo por culpa sua. Entregou a bola de presente para o centroavante contrário, na marca do pênalti. O goleiro Roberto, apesar dos esforços para fechar o ângu-lo, nada pôde fazer. O chute do atacante foi indefensável. Nem Taffarel, na sua melhor fase, pegaria essa bola.

Os colegas de equipe, embora aborrecidos com o erro fatal, não o recriminaram. Interpretaram como acidente normal de um jogo. Pelo contrário: vieram consolá-lo. E isso doeu muito mais do que se houves-

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sem se voltado contra ele. Mas iria se redimir. Faria o gol da vitória e seria uma celebridade em Serra Azul, um herói da cidade.

No intervalo do jogo, no vestiário, Cidinho não disse nada sobre a sua ridícula falha. Era isso o que estava doendo tanto em Prenda: a confiança que os companhei-ros depositavam nele e que fora traída. Principalmente a solidariedade do quarto-zagueiro Marinho, querendo as-sumir a culpa, que era apenas dele, e de mais ninguém.

Prenda escapou de nova sarrafada do volante con-trário e atingiu o bico da grande área, em posição frontal ao gol. O retângulo, próximo à meta do Estrela, estava con-gestionado. Era um mar de pernas que não acabava mais. O time inteiro do adversário estava procurando garantir o resultado e o tempo estava se esgotando rapidamente.

Pouco antes do Prenda ter passado do meio-cam-po, o técnico da equipe da cidade de Água Preta havia feito um sinal com os dedos, para os seus jogadores, in-dicando que faltavam apenas três minutos para o final do jogo e para a consagração.

Denise, com os seus luxos e extravagâncias, ha-

via, em pouco tempo, conseguido fazer com que o casal ficasse atolado em dívidas. Economia, para ela, era um palavrão. Agia como se dinheiro desse em árvore ou se fosse capim. Comprava compulsivamente tudo o que via, fosse necessário ou supérfluo, não importa.

A nova casa, construída com enorme sacrifício, recentemente, era uma afronta à cidade. Destoava das