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VERIFICAÇÃO DA PUNÇÃO EM LAJES CONFORME A REVISÃO DA NB-1/99
ACCETTI, Kristiane M. (1); PINHEIRO, Libânio M. (2)
(1) Mestre em Engenharia de Estruturas, EESC-USP. E-mail: [email protected](2) Prof. Dr., Depto. de Eng. de Estruturas, EESC-USP. E-mail: [email protected]
RESUMO
Este trabalho trata do sistema estrutural lajes lisas, considerando suas vantagens e
desvantagens em relação às lajes convencionais em concreto armado, incluindo aí o
problema da punção. É sabido que as revisões da NB-1 recomendam que se combata a
punção através do emprego de armaduras de cisalhamento, de preferência do tipo
conectores. Sendo assim, julgou-se oportuno fazer um breve resumo do critério de
dimensionamento adotado na revisão da NB-1, versão de 1999, juntamente com um
exemplo de aplicação. Entretanto, este artigo faz parte de uma pesquisa de doutorado
recentemente iniciada, que tem por objetivo avaliar a contribuição de fibras de aço no
combate aos esforços de cisalhamento presentes nas ligações laje-pilar. Não se têm
resultados no momento, pois ainda não foram realizados os ensaios experimentais. O artigo
propõe-se analisar a possibilidade de substituição de parte da armadura necessária por
fibras de aço, mostrando suas vantagens com relação ao uso da armadura de punção. Além
disso, são mostrados alguns dados relativos ao aumento de resistência ao cisalhamento e
melhoria de ductilidade da ligação, que podem ser obtidos com o emprego das fibras.
1 INTRODUÇÃO
As lajes lisas pertencem ao grupo das lajes-cogumelo, as quais se apoiam
diretamente sobre pilares, sem o uso de vigas, estando a eles rigidamente ligadas. O termo
‘lisa’ refere-se à ausência de capitéis, ou engrossamento de pilares, conforme pode ser
observado na Figura 1.
De acordo com FIGUEIREDO FILHO (1989), os sistemas de lajes sem vigas
apresentam várias vantagens em relação ao convencional. Entre elas, citam-se:
adaptabilidade a diversas formas ambientais;
simplificação das fôrmas;
simplificação das armaduras;
simplificação da concretagem;
diminuição de revestimentos;
redução do consumo de materiais e de mão-de-obra;
redução da altura total do edifício;
simplificação das instalações;
melhoria das condições de habitabilidade;
redução do tempo de execução da obra.
Figura 1 – Lajes lisas (cortesia do Eng.º José Luiz Pinheiro Melges)
No caso das lajes lisas, pode-se incluir a vantagem do ponto de vista arquitetônico,
de se obterem tetos planos.
Apesar das inúmeras vantagens desse sistema, a eliminação das vigas introduz
algumas desvantagens, as quais devem ser lembradas. As flechas apresentadas pelas lajes
lisas são, em geral, maiores que as de lajes tradicionais, para os mesmos vãos. Além disso,
a eliminação das vigas provoca a diminuição da estabilidade global do edifício com relação
às ações horizontais, tornando-se necessário vincular as lajes em núcleos rígidos ou
paredes estruturais.
A redistribuição de momentos, em combinação com tensões de membrana,
garantem uma considerável reserva de capacidade à flexão nas lajes-cogumelo em geral.
Por esse motivo, a capacidade resistente dessas lajes é, geralmente, ditada pelo
cisalhamento, e não pela flexão.
2 PUNÇÃO
A ligação entre a laje e o pilar é geralmente a região mais crítica desses sistemas
estruturais em termos de resistência, pois aí atuam forças cortantes de alta intensidade, que
podem ocasionar a ruína por punção dessas lajes. De acordo com FIGUEIREDO FILHO
(1993), esse problema é agravado quando há transferência de momentos não balanceados
da laje para o pilar, tornando-se crítico nos casos de pilares de borda e de canto, quando o
momento não balanceado é máximo e a seção em torno do pilar em contato com a laje é
menor.
Segundo BRANCO (1989), na ruína por punção, sendo a força cortante a ação
predominante, a laje rompe antes que a armadura de flexão atinja sua tensão de
escoamento, sendo uma ruína frágil, abrupta, por não fornecer qualquer aviso prévio.
A ruína por punção ocorre nas regiões próximas a forças concentradas, como é o
caso da ligação laje-pilar, e se caracteriza pela formação de uma superfície troncônica ou
tronco-piramidal, cujas arestas possuem inclinação de aproximadamente 30 em relação ao
plano da placa (Figura 2).
Figura 2 – Superfície de ruína (MELGES, 1995)
Durante os ensaios de punção, para ações de utilização, SHEHATA1 apud MELGES
(1995) observou a formação de fissuras radiais, que começaram aproximadamente no
centro das lajes e se estenderam na direção de seus perímetros, dividindo-as em
seguimentos radiais (Figura 3a). Em instantes antes da ruína, apareceram algumas fissuras
tangenciais na região da punção (Figura 3b). Em todos os casos, a ruína por punção foi
brusca, com perda de quase dois terços da força máxima atingida.
Na punção, além da alta concentração de esforços cortantes e momentos fletores,
existem outros fatores que exercem influência na ruína das lajes. BRANCO (1989) e
MELGES (1995) citam os seguintes:
resistência característica do concreto;
taxas de armadura de flexão;
espessura da laje;
1 SHEHATA, I. A. M. (1993). Punção em lajes. In: COLÓQUIO SOBRE ESTRUTURAS DE CONCRETO, 6.
Figura 3 – Fissuras para ações de utilização e na ruína
existência ou não de armadura de combate à punção;
dimensões e formas das seções transversais dos pilares;
relação momento fletor / força cortante na ligação laje-pilar.
Existem algumas maneiras de se aumentar a resistência à punção em ligações com
lajes lisas, tais como: aumentar a resistência do concreto, utilizar armadura de cisalhamento
ou utilizar fibras.
Segundo MELGES (1995), o aumento da resistência do concreto pode não ser
suficiente para elevar o nível da resistência da ligação aos valores desejados, além do que
não lhe fornece ductilidade.
O emprego de armaduras de punção, como estribos ou conectores tipo pino,
proporciona maior ductilidade à ligação, uma vez que a ruína se dá por escoamento da
armadura longitudinal de flexão, com grandes deformações. Dentre os tipos utilizados em
lajes lisas, destacam-se os estribos, as barras dobradas, os “shearheads” (perfis metálicos
embutidos na laje e posicionados na cabeça do pilar) e os conectores tipo pino. Segundo
MELGES (1995), estes últimos possuem a vantagem de não interferirem na colocação e no
posicionamento das armaduras dos pilares e de flexão das lajes, além de possibilitarem
ancoragem satisfatória nas duas extremidades. De acordo com a ABNT (NB-1/1999), as
armaduras de combate à punção somente poderão ser constituídas de estribos verticais ou
conectores (“studs”), com preferência por estes últimos.
3 CRITÉRIO DA REVISÃO DA NB-1/1999
3.1 Modelo de cálculo
a) Caso em que o efeito do carregamento pode ser considerado simétrico
(a) (b)
Sd = tensão atuante de cálculo
Rd1 = tensão resistente de cálculo
FSd = força ou reação concentrada de cálculo
d = altura útil da laje ao longo do contorno crítico C’ (vide Figura 4)
d = (dx + dy) / 2
u = perímetro do contorno crítico C’
Figura 4 – Perímetro crítico em pilares internos
b) Caso em que, além da força vertical, existe transferência de momento da laje para
o pilar
K = coeficiente que fornece a parcela do Msd transmitida ao pilar por cisalhamento, que
depende da relação c1/c2 (vide Tabela 1)
c1 = dimensão do pilar paralela à excentricidade da força
c2 = dimensão do pilar perpendicular à excentricidade da força
Tabela 1 - Valores de K
c1/c2 0,5 1,0 2,0 3,0
K 0,45 0,60 0,70 0,80
MSd = momento de cálculo aplicado pela laje ao pilar
Wp = parâmetro referente ao perímetro crítico u, definido como módulo de resistência
plástica do perímetro crítico. Pode ser calculado desprezando a curvatura dos
cantos do perímetro crítico
d = comprimento infinitesimal no perímetro crítico u
e = distância de d ao eixo que passa pelo centro do pilar e sobre o qual atua o
momento fletor MSd
Para um pilar retangular:
Para um pilar circular: , onde D é o diâmetro do pilar
3.2 Estado Limite Último
a) Verificação da compressão diagonal do concreto
Esta verificação visa quantificar a máxima resistência que uma ligação, protendida ou
não, pode atingir. Ela deve ser feita no contorno C, tanto para lajes sem armadura de
punção, como para lajes com essa armadura.
fcd = resistência de cálculo do concreto à compressão
Sd = calculado conforme 3.1, com uO, perímetro do contorno C, em lugar de u.
b) Verificação de trechos sem armadura de punção
d = altura útil (mesma do item 3.1)
= taxa geométrica de armadura de flexão aderente
= , sendo x e y as taxas de armadura nas duas direções ortogonais, calculadas
com a largura igual à dimensão do pilar, ou da área carregada, mais 3d para cada um
dos lados (ou até a borda da laje, se esta estiver mais próxima)
c) Verificação de trechos com armadura de punção
sr = espaçamentos radiais entre linhas de armadura de punção, não maior do que 0,75d
(Figura 7)
ASW = área da armadura de punção num contorno completo paralelo a C' (Figura 5)
Essa armadura deve ser preferencialmente constituída por três ou mais linhas de conectores
tipo pino com extremidades alargadas, dispostas como indica a Figura 5. Cada uma dessas
extremidades deve estar ancorada fora do plano da armadura de flexão correspondente.
fywd = resistência de cálculo da armadura de punção, não maior do que 300 MPa para
conectores ou 250 MPa para estribos (CA50 ou CA60)
= ângulo de inclinação entre o eixo da armadura de punção e o plano da laje
u = perímetro crítico ou perímetro crítico reduzido no caso de pilares de borda ou canto
Figura 5 -Disposição da armadura Asw
No caso em que foi prevista armadura de punção, devem ser feitas três verificações:
I. Verificação da compressão do concreto no contorno C.
II. Verificação da punção no contorno C’ considerando a armadura de punção.
III. Verificação da punção no contorno C”, conforme definido na Figura 6, sem armadura
de punção.
Contorno paralelo a C’ com armadura total Asw
Conector
Figura 6 - Disposição da armadura de punção em planta
C'' C''
Figura 7 - Disposição da armadura de punção em corte
d) Colapso progressivo
Para garantir a ductilidade local e a conseqüente proteção contra o colapso progressivo,
a armadura de flexão inferior, que atravessar o contorno C, deve estar suficientemente
ancorada além do perímetro C', conforme Figura 8, e deve ser tal que:
As = somatória das áreas de todas as barras que cruzam cada uma das faces do pilar
C”
C”
Figura 8 - Armadura contra colapso progressivo
4 EXEMPLO DE CÁLCULO
Este exemplo foi adaptado de MELGES (1995), sendo agora calculado com base nas
recomendações da revisão da NB-1/1999.
Seja o pilar interno representado na Figura 9, juntamente com a direção do momento
fletor aplicado e a malha da armadura de flexão da laje:
Figura 9 – Representação do pilar interno e da armadura de flexão da laje
Dados:
seção do pilar: 15 cm x 20 cm
espessura da laje: 10 cm
cobrimento: 1 cm
fck = 25 MPa
reação de apoio no pilar:
Fsd = 135 kN
momento fletor: Mx = 1000 kN.cm
armadura negativa de flexão da laje:
aço CA-50A
bitola: 10 mm / área: 0,80 cm2
malha: 5,6 cm x 4,5 cm
dx = 8 cm ; dy = 9 cm
armadura de punção:
conectores tipo pino
disposição radial (Figura 10)
bitola: 6,3 mm
área do pino (Asy): 0,32 cm2
fywd = 434,78 MPa
Figura 10 – Disposição da armadura de punção
4.1 Verificação da compressão diagonal do concreto
Deve ser feita no contorno do pilar.
a) Cálculo da tensão atuante
d = (dx + dy) / 2 = 8,5 cm
u0 = perímetro do pilar = 2 (c1 + c2) = 70 cm
K = 0,633 (c1 / c2 = 1,333)
b) Cálculo da tensão resistente
c) Comparação da tensão atuante com a tensão resistente
O fck especificado para o concreto da ligação é suficiente para garantir o não
rompimento do concreto por compressão diagonal.
4.2 Verificação do cisalhamento numa superfície crítica
Deve ser feita no perímetro crítico u, localizado a uma distância de 2d do contorno do
pilar (Figura 11).
Figura 11 – Perímetro crítico u
a) Cálculo da tensão atuante
u = perímetro crítico = 2c1 + 2c2 + 2(2d) = 40 + 30 + 106,81 = 176,81 cm
b) Cálculo da tensão resistente
sr = 6,5 cm (vide Figura 10)
Asw = 16 Asy = 16 x 0,32 = 5,12 cm2
fywd = 300 MPa (conectores)
= 90
u = perímetro crítico = 176,81 cm
, sendo x e y calculadas com a largura igual à dimensão do pilar, mais 3d para
cada um dos lados (Figura 12).
25,5 20 25,5
71 cm
25,5
1525
,5
66 c
m
13 Ø10 c/ 5,6
15 Ø
10 c
/ 4,5
3d 3dc1
3dc2
3d
Figura 12 – Disposição da armadura de flexão
= 0,0192
c) Comparação da tensão atuante com a tensão resistente
A armadura de punção utilizada é suficiente para combater os esforços de
cisalhamento desta ligação.
4.3 Verificação da região além da armadura de punção
Deve ser feita em um novo perímetro crítico u’, localizado a uma distância de 2d do
contorno que passa pela armadura de punção mais distante do pilar (Figura 13).
Figura 13 – Perímetro crítico u’
a) Cálculo da tensão atuante
Para o cálculo do novo perímetro crítico u’, é necessário verificar se a distância entre
os conectores mais externos ultrapassa o limite 2d. Caso isso ocorra, deve-se desprezar
parte do perímetro crítico.
distribuição radial adequada
l’2
l’ = 26,02 cm
u’ = 278,16 cm
Para facilitar o cálculo de Wp’, o perímetro crítico u’ foi dividido em trechos, conforme
pode ser visto na Figura 14.
Figura 14 – Esquema de cálculo para Wp’
Tem-se, então:
b) Cálculo da tensão resistente
Será utilizada a expressão para verificação de trechos sem armadura de punção.
c) Comparação da tensão atuante com a tensão resistente
Garante-se com esta verificação que a superfície de ruína não ocorrerá além da
região armada da laje.
4.4 Proteção contra o colapso progressivo
A armadura de flexão inferior da laje (Asy) que atravessar o contorno do pilar deve
estar suficientemente ancorada além do perímetro crítico u’ (Figura 15), e deve ser tal que:
As = somatória das áreas de todas as barras que cruzam cada uma das faces do pilar
Tem-se, portanto:
139,13 > 135 ok!
AsxAsy
89
Asy
4 Ø10 c/ 5,6
15
17 38
2d lb
C'C'
Figura 15 – Detalhe da armadura contra colapso progressivo
5 FIBRAS
Pesquisas mais recentes têm mostrado a melhoria de desempenho devido à
introdução de fibras em elementos de concreto submetidos a solicitações tangenciais, seja
pelo aumento da capacidade resistente ou pela alteração da forma de ruína. O interesse
despertado por esse estudo pode ser explicado pela economia de tempo para o preparo do
concreto com fibras, em face ao tempo necessário para montagem e execução da armadura
da laje, ou mesmo pela vantagem das fibras proporcionarem maior ductilidade à ligação.
Baseado nisso, está sendo desenvolvida uma pesquisa de doutorado no
Departamento de Engenharia de Estruturas da EESC-USP, que analisará
experimentalmente a contribuição das fibras de aço no fenômeno da punção, cujo tema deu
margem à elaboração deste artigo.
De acordo com HARAJLI et al (1995), adicionando-se aproximadamente 2% de fibras
de aço tipo gancho por fração de volume numa mistura de concreto, obtém-se um aumento
de 36% na resistência ao cisalhamento da ligação laje-pilar.
Conforme ZAMBRANA VARGAS (1997), além de aumentar a ductilidade e a
resistência ao cisalhamento das lajes, a adição de fibras de aço pode modificar o tipo de
colapso, passando de punção pura para flexão pura, ou para um tipo combinado de punção-
flexão.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pelo apoio financeiro.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1999). Texto para revisão da NB-1
e comentários.
BRANCO, A. F. C. (1989). Contribuição para o projeto de lajes-cogumelo. São Carlos.
Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São
Paulo.
FIGUEIREDO FILHO, J. R. (1983). Estudo experimental da ruína de ligações laje-pilar em
casos característicos de cantos de lajes-cogumelo. São Carlos. Dissertação (Mestrado) -
Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.
FIGUEIREDO FILHO, J.R. (1989). Sistemas estruturais de lajes sem vigas: subsídios para
o projeto e execução. São Carlos. Tese (Doutorado) - Escola de Engenharia de São
Carlos, Universidade de São Paulo.
HARAJLI, M. H. et al. (1995). Effect of fibers on the punching shear strength of slab-column
connections. Cement & Concrete Composites, v.17, n.2, p.161-170.
MELGES, J.L.P. (1995). Punção em lajes: exemplos de cálculo e análise teórico-
experimental. São Carlos. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São
Carlos, Universidade de São Paulo.
ZAMBRANA VARGAS, E. N. (1997). Punção em lajes-cogumelo de concreto de alta
resistência reforçado com fibras de aço. São Carlos. Dissertação (Mestrado) - Escola de
Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.