KAVAFIS, Konstantinos - Reflexões Sobre Poesia e Ética
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Ko N STA NT I NOS KAVÁ FI S
Reflexõessobre poesia
./ .e enca
Apresentação , tradu ção direta do grego e notas
JOSÉ PAULO PAES
Desenhos
GERMANA MO NT E-MOR
São Paulo
1998
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Um jovem poeta veio visitar-me . Era muito
pobre, vivia do seu trabalho literário e me parecia
pesaroso de ver a boa casa em que eu morava, o
meu criado que lhe trazia um chá bem servido, os
meus trajes cortados por um bom alfaiate . Disse:
"Que coisa terrível é ter de lutar para ganhar a vi
da , andar à cata de assinantes para a tua revista,
de compradores para o teu livro".
Não o quis deixar nessa ilusão e lhe disse umas
palavras , mais ou menos estas . Incômoda e difí
cil, de fato , a situação dele - mas como me cus
tavam caro os meus pequenos luxos . Para garan
ti-los , eu abandonara meu pendor natural e metornara um funcionário público (quão ridículol ),
que gastava em pura perda horas preciosas do seu
dia , às quais cumpria acrescentar as horas de de
sencorajamento e fadiga que se lhes seguiam. Que
malbarato! Que malbarato e traição! Já ele, o po-
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bre, não perdia tempo algum; estava sempre a postos, fiel e cumpridor filho da Arte .
Quantas vezes, durante o horário de trabalho,não me vem uma bela idéia, uma imagem inusitada , uns versos imprevistos já prontos, que mevejo compelido a negligenciar porque o serviçonão pode ser adiado. De volta a casa, depois derepousar um pouco, tento lembrá-los, mas em vão.E é justo que assim seja . Como se a Arte me dissesse : "Eu não sou uma criada para que me dispenses quando me apresento e me apresentequando me chames. Sou a maior Senhora do mundo. Se me negaste - abjeto traidor - por causade tua deplorável bela casa, tuas deploráveis belas roupas , tua deplorável bela posição social, contenta-te então com elas (mas como o poderias?);e nos raros momentos em que eu te apareça, cuida de estar pronto para me receberes, esperandome à porta, onde deverias estar todo dia".
Junho de 1905
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