Karl valentin-conversa-no-chafariz

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CONVERSA NO CHAFARIZ De Karl Valentin Personagens A B ATO ÚNICO (A. numa praça de Munique, olhando o jato d’água; B. está ao seu lado). A Afinal de contas esse jato d´água é maravilhoso. B É muito bonito quando ele esguicha. A Esguichar, esguichar. O que quer dizer isso? Se ele não esguichasse não seria um jato d’água. B Que tipo de jato seria? A Não seria jato nenhum. B Ah. Não? A Não seria jato nenhum. Seria apenas um jato que não es-

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CONVERSA NO CHAFARIZ

De

Karl Valentin

Personagens

A

B

ATO ÚNICO

(A. numa praça de Munique, olhando o jato d’água; B. está ao seu lado).

A Afinal de contas esse jato d´água é maravilhoso.

B É muito bonito quando ele esguicha.

A Esguichar, esguichar. O que quer dizer isso? Se ele não

esguichasse não seria um jato d’água.

B Que tipo de jato seria?

A Não seria jato nenhum.

B Ah. Não?

A Não seria jato nenhum. Seria apenas um jato que não es-

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guicha.

B Sim, mas ele está ai.

A Claro que ele está ai.

B Mas, a gente não pode vê-lo.

A Quando ele não esguicha, não.

B A gente também não pode escuta-lo.

A Quando ele esguicha, a água murmura.

B Ele murmura e ao mesmo tempo ele esguicha.

A Não é o jato que murmura, é a água!

B Sem o jato?

A Não, com o jato.

B A gente pode comprar um jato desses?

A Não.

B Então, como a Prefeitura fez para conseguir um jato des-

ses?

A É um donativo.

B. - Entregaram esguichando?

A Não. Primeiro é preciso esburacar o chão, depois instalar

o encanamento, fazer o lago, botar as flores, e então se

coloca uma grade protetora em volta.

B E depois?

A Depois terminou.

B Mas a gente ainda pode vê-lo.

A Quem?

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B O jato em si.

A Não, só quando se abre a água é que o jato começa a

esguichar pro alto.

B De alegria?

A Bem, é uma lei da natureza, da física, sei lá! Quando se

abre uma torneira, a água esguicha pro alto.

B Nem sempre. Na cozinha lá de casa, quando se abre uma

torneira, a água sai pra baixo.

A Uma cozinha e uma praça pública são duas coisas bem

diferentes.

B Sim. Mas não se pode dizer que um jato d’água como es-

ses seja uma coisa útil.

A Ele não tem nenhuma utilidade.

B Então, por que se constróem esses esguichos?

A Pra enfeitar, pra olhar!

B Quem?

A Os habitantes da cidade.

B Há quanto tempo que esse chafariz existe?

A Desde 1860, eu acho. Quer dizer, há quase cem anos.

B Bem, então todos os habitantes de Munique já devem tê-

lo visto.

A É uma questão de gosto. As coisas belas podem ser vis-

tas duas, três vezes...

B Tá certo... duas, três vezes. Mas os velhos ou mesmo os

que moram perto da praça já devem ter em enchido o sa-

co de tanto olhar.

A Mas ele não foi feito somente para os habitantes da cida-

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de ele foi construido, principalmente para os turistas.

B Não, isso não é verdade. Os turistas não vêm a Munique

por causa de água, eles vêm por causa de cerveja.

A Tá certo...

B Eu nunca vi um turista perguntar: “Por favor, meu senhor,

onde será que eu poderia ver um chafariz que esguicha

água, por aqui?” Mas já vi muitos me perguntarem: “Onde

fica a cervejaria mais próxima?”

A Tá certo, ninguém vem a Munique por causa da água,

nem ninguém pode encher a cara com a água da fonte.

B Então, porque botaram essa grade protetora em volta?

A Para quando alguém chegar muito perto do chafariz, não

se molhar.

B E no inverno?

A No inverno? Mas ele não funciona no inverno.

B Mas se um turista quiser ver o chafariz no inverno?

A Ele não vai poder. Terá de esperar o verão.

B Ele vai ter que ficar esse tempo todo em Munique?

A Não, ele vai embora e volta no verão.

B E se ele não voltar?

A Ele aí não vai ver.

B É mais fácil então pro pessoal aqui de Munique. Eles po-

dem ver quando quiserem.

A Não no inverno.

B Por que ele não funciona no inverno?

A O jato d’água ficaria congelado.

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B Ah, isso não pode ser verdade. A água corrente não con-

gela nunca.

A Você tem razão. Uma vez um encanador me disse isso.

Vai ver que as autoridades públicas não estão a par disso.

B É preciso então avisar a eles. Eles vão ficar contentes e

vão economizar o trabalho de ter que fechar o jato d’água.

A Claro. É ai que a gente vê que os leigos também podem

ter boas idéias de vez em quando.

B A única coisa certa pra mim é que a água espirra pro alto,

desce, cai no laguinho e escapa pelo ralo.

A Mas é certíssimo. Porque se a gente observar bem o ralo

é a coisa mais importante que tem; mais importante mes-

mo que o próprio jato d’água, porque se não houvesse o

ralo para escorrer e se a água não pudesse escapar por

ele desde 1860, Munique inteira, a Baviera inteira, toda a

Europa estariam, talvez, completamente inundadas. E o

que você está dizendo é que haveria uma catástrofe des-

comunal se, por acaso alguém resolvesse, para se diver-

tir, entupir o ralo do chafariz.

B Ah, agora eu sei por que é que eles botaram uma grade

protetora em volta do chafariz.

FIM