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Joseph Louis Lagrange e o desenvolvimento da Mecˆanica Cl´assica Dario F. Sanchez 2 de dezembro de 2007 Resumo Tem-se como objetivo apresentar aqui a grande importˆancia no desenvolvimento da Mecˆanica Cl´assica por parte de Joseph Louis Lagrange, grande matem´atico e f´ ısico-matem´atico da segunda metade do s´ eculo XVII e come¸co do s´ eculo XVIII. A natureza deste trabalho ´ e puramente did´atica, tratando-se de uma revis˜aobibliogr´afica. Para os mais interessados, recomendo a leitura do trabalho de Sarton [2], onde o leitor vai encontrar uma biografia muito mais completa. 1 Introdu¸c˜ ao Joseph Louis Lagrange (1736-1813) foi um matem´atico e f´ ısico-matem´ atico italiano (francˆ es segundo muitos autores) que, juntamente com Leonhard Euler (1707 -1783), foi um dos grandes matem´aticos do s´ eculo XVII. Dizer qual dos dois foi o maior do s´ eculo XVII ´ e uma mera quest˜ ao de opini˜ao: o primeiro foi o sucessor do segundo na Academia de Berlim. Seu trabalho ecanique Analytique (Mecˆ anica Anal´ ıtica) foi sua obra-prima. Seu conte´ udo claro, de elegante nota¸ c˜ao, cobre quase todas as ´ areas da matem´atica pura. Foi o primeiro livro sobre mecˆ anica publicado sem um simples diagrama (motivo de grande orgulho para Lagrange). Figura 1: Alguns retratos de Joseph Louis Lagrange. Seu objetivo principal na matem´atica - e na suavida, aparentemente - n˜ao eraadicionar mais uma aplica¸ c˜ao do c´alculo de Newton e Leibniz (como fazia a maioria dos matem´aticos de seu tempo) `a lista, mas sim, revisar seus fundamentos e oferecer uma explica¸ c˜ao mais rigorosa do porquˆ e e de como o c´alculo funciona. Antes de Lagrange, n˜ao existia um formalismo de limite. Lagrange acreditava que explica¸ c˜oes conceituais ou intuitivas n˜ao tinham lugar em uma demonstra¸ c˜aorigorosa,da´ ı ent˜ ao o esfor¸ co de reduzir os fundamentos do c´alculo ` a ´ algebra. Lagrange introduziu o c´alculo variacional na mecˆ anica, o qual mais tarde foi mais desenvolvido por Weier- strass (1825-1897). Lagrange tamb´ em estudou a teoria das equa¸ c˜oes diferenciais: `a ele deve-se o fato de a teoria das equa¸ c˜oes diferenciais ter sua posi¸ c˜ao como uma ciˆ encia ao inv´ es de simplesmente uma cole¸ c˜aodeestratage- mas engenhosos para a solu¸ c˜ao de problemas particulares. Em seu cl´assico Th´ eorie des fonctions analytiques estabeleceu alguns dos fundamentos de teoria dos grupos, antecipando Galois. Lagrange tamb´ em inventou o 1

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Joseph Louis Lagrange

e o desenvolvimento da Mecanica Classica

Dario F. Sanchez

2 de dezembro de 2007

Resumo

Tem-se como objetivo apresentar aqui a grande importancia no desenvolvimento da Mecanica Classicapor parte de Joseph Louis Lagrange, grande matematico e fısico-matematico da segunda metade do seculoXVII e comeco do seculo XVIII. A natureza deste trabalho e puramente didatica, tratando-se de umarevisao bibliografica. Para os mais interessados, recomendo a leitura do trabalho de Sarton [2], onde oleitor vai encontrar uma biografia muito mais completa.

1 Introducao

Joseph Louis Lagrange (1736-1813) foi um matematico e fısico-matematico italiano (frances segundo muitosautores) que, juntamente com Leonhard Euler (1707 -1783), foi um dos grandes matematicos do seculo XVII.Dizer qual dos dois foi o maior do seculo XVII e uma mera questao de opiniao: o primeiro foi o sucessor dosegundo na Academia de Berlim. Seu trabalho Mecanique Analytique (Mecanica Analıtica) foi sua obra-prima.Seu conteudo claro, de elegante notacao, cobre quase todas as areas da matematica pura. Foi o primeiro livrosobre mecanica publicado sem um simples diagrama (motivo de grande orgulho para Lagrange).

Figura 1: Alguns retratos de Joseph Louis Lagrange.

Seu objetivo principal na matematica - e na sua vida, aparentemente - nao era adicionar mais uma aplicacaodo calculo de Newton e Leibniz (como fazia a maioria dos matematicos de seu tempo) a lista, mas sim, revisarseus fundamentos e oferecer uma explicacao mais rigorosa do porque e de como o calculo funciona. Antes deLagrange, nao existia um formalismo de limite. Lagrange acreditava que explicacoes conceituais ou intuitivasnao tinham lugar em uma demonstracao rigorosa, daı entao o esforco de reduzir os fundamentos do calculo aalgebra.

Lagrange introduziu o calculo variacional na mecanica, o qual mais tarde foi mais desenvolvido por Weier-strass (1825-1897). Lagrange tambem estudou a teoria das equacoes diferenciais: a ele deve-se o fato de a teoriadas equacoes diferenciais ter sua posicao como uma ciencia ao inves de simplesmente uma colecao de estratage-mas engenhosos para a solucao de problemas particulares. Em seu classico Theorie des fonctions analytiquesestabeleceu alguns dos fundamentos de teoria dos grupos, antecipando Galois. Lagrange tambem inventou o

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metodo de resolucao de equacoes diferenciais conhecido como “variacao de parametros”, e tambem introduziuo sistema de coordenadas esfericas. Recentemente um escritor relatou que Lagrange teve uma proeminenteparticipacao no avanco de quase todas as areas da matematica pura. Como Diophantus e Fermat, ele tinha umbrilhantismo especial para a teoria dos numeros, e neste assunto obteve solucoes para muitos dos problemasque tinham sido propostos por Fermat, alem de adicionar mais alguns teoremas proprios. Mas, sobretudo,imprimiu na mecanica (considerada por ele um ramo da matematica pura) essa generalizacao e universalidadea que seus trabalhos invariavelmente sempre tenderam.

2 Biografia

2.1 Turim (1736 - 1766)

Joseph Louis Lagrange nasceu como Giuseppe Lodovico Lagrangia, ou Giuseppe Luigi Lagrange, em Turim,regiao do Piemonte, na Italia, em 1736. Provinha de uma outrora abastada famılia de estirpe franco-italiana(seu avo tinha emigrado do distrito de Touraine, na Franca, com a funcao de dirigir o Treasure of Constructionand Fortification sob ordens de Charles Emanuel II, duque da Savoia, Franca). Foi o unico a atingir a idadeadulta, de uma prole de onze filhos. Sua educao e o inıcio de sua carreira teve lugar na cidade de Turim, ondeele passou os primeiros trinta anos de sua vida. Nao mostrou gosto pela matematica ate ate ler, com dezesseteanos de idade, um trabalho de Edmund Halley sobre o uso da algebra na optica (1693). Sozinho e sem ajudaentregou-se aos estudos na matematica, estabelecendo correspondencia, aos dezoito anos de idade, com Eulere Giulio di Fagnano (1682 - 1766; matematico italiano). Ao final de um ano de trabalho arduo e constantetornou-se professor, ainda bem jovem, na academia militar local.

O primeiro fruto dos trabalhos de Lagrange nessa epoca foi uma carta, escrita quando ainda tinha somentedezenove anos, para Euler, na qual apresentou a resolucao de um problema conhecido como isoperimetral,problema este que ja era discutido ha mais de meio seculo pelos estudiosos da area. Euler reconheceu ageneralidade do metodo adotado nesse trabalho, e sua superioridade com relacao aquele usado por ele mesmoe, com rara cortesia, reteve a publicacao de um trabalho escrito por ele previamente, que tratava de algo sobreo mesmo tema, de modo que o jovem italiano pudesse ter tempo para terminar seu trabalho e reivindicar ainvencao do novo calculo: o calculo variacional. Euler havia declarado antes da publicacao deste trabalho deLagrange que nao estava conseguindo resolver o problema de modo puramente analıtico. Lagrange, trinta anosmais jovem, conseguiu. Euler disse a Lagrange: “... I am not able to admire you enough...”. O nome destanova area da analise foi sugerido por Euler. Este fato colocou imediatamente Lagrange entre os principaismatematicos que viviam entao.

Nove anos de incessante trabalho afetaram seriamente a sua saude, e seus medicos o advertiram paraque fizesse exercıcios e nao trabalhasse tanto, ou nao viveria muito mais. Embora tenha conseguido algumasmelhoras, nunca conseguiu recuperar-se completamente, sofrendo, durante sua vida, constantes ataques deprofunda melancolia.

Por volta de 1759, em colaboracao com o quımico Saluzzo de Monesiglio e o anatomista Gian FrancescoCigna, fundaram a Academia de Ciencias de Turim. Rapidamente a Academia comecou a publicar jornais (oMiscellanea Taurinenisia, que apareceu pela primeira vez em 1759), sendo que o primeiro numero continhatres trabalhos de Lagrange (sobre a propagacao do som, sobre o movimento da Lua e sobre os satelites deJupiter). Seu trabalho de 1764 sobre a Lua explicava porque sempre a mesma face ficava voltada para a Terra,problema este que tratou com ajuda de trabalho virtual. Sua solucao e de especial interesse por conter o germeda ideia de equacoes generalizadas de movimento, equacoes estas que so provou formalmente em 1780. Estestrabalhos, entre outros, garantiram-no alguns premios pela Academia Parisiense1, assim como reconhecimentoem toda a Europa.

Quando tentou viajar a Londres foi obrigado a reter-se em Paris por motivo de doenca. Nesta cidade foirecebido com grandes honrarias, e conheceu Jean le Rond d’Alembert (1717 - 1783) em 1763 (amizade estaque durou para o resto de sua vida). Foi com pesar que regressou a provinciana vida de Turim, apesar de naopermanecer por muito mais tempo no Piemonte.

2.2 Berlim (1766 - 1787)

Em 1766, quando Euler deixou a Academia de Berlim (para assumir uma posicao em Sao Petersburgo,Russia), Frederico II, o grande, escreveu a Lagrange dizendo que “o maior dos reis da Europa” desejava ter emsua corte “o maior matematico da Europa”. Lagrange aceitou o convite para ir a Prussia, onde ocupou porvinte anos o mesmo lugar outrora de Euler. Foi importante a influencia de d’Alembert neste convite. Lagrange

1Vide secao 2.4: Lagrange e a Astronomia.

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aceitou a oferta e passou os proximos vinte anos na Prussia, onde ele produziu seu trabalho monumental, oMecanique Analytique, que so publicou mais tarde, em Paris.

Foi Leibniz quem fundou a Academia Prussiana, para onde foi Lagrange, em 1700. Sob a administracao deFrederico II, a Academia se tornou uma das mais importantes da Europa, abrigando grandes personalidadescomo Euler, D’Alembert, Johann H. Lambert (matematico alemao), Kant e Diderot.

Figura 2: Estatua de Lagrange em Turim (as duas primeiras imagens) e Frederico, o grande (ou simplesmenteFrederico II).

Lagrange foi ainda mais produtivo em Berlim. Sua dieta e rotina diaria eram rigorosas e um tanto quantopouco convencionais. Cada dia seu era preenchido por pelo menos oito ininterruptas e isoladas horas de estudo.

Pouco tempo apos aceitar sua nomeacao na academia de Berlim em 1766, Lagrange se casou com umamulher jovem a quem era relacionado. Em sua correspondencia com seu amigo e colega d’Alembert, referiu-sea uniao como “inconsequente” e conveniente. Poucos anos apos o casamento, sua esposa foi acometida deuma doenca persistente e definhadora, a qual sucumbiu. Lagrange, devotando todo seu tempo e consideraveisrecursos em conhecimentos medicos, cuidou dela durante sua enfermidade. Lagrange, segundo relatos, ficoumuito abatido. Nao se casou outra vez antes de ir a Paris. Sofria entao de depressao.

2.3 Paris (1787 - 1813)

Poucos anos depois de deixar Berlim (com a morte de Frederico II, a mudanca de comando na Prussianao havia sido muito favoravel a ele), numa epoca em que a Europa atravessava uma caotica situacao polıtica,aceitou uma catedra na recem criada Escola Normal (Ecole Normal), a qual posteriormente, seria a hoje famosaEcole Polytechnique de Paris (criada em 1794 por Carnot e Monge, estando Lagrange entre seus fundadores).Sem duvida, deve-se muito a Lagrange pelo desenvolvimento de uma cultura matematica tradicional elevadana Ecole Polytechnique. Em Paris Lagrange completou, editou e publicou seu magnum opus, o MecaniqueAnalytique (1788).

Depois da publicacao do Mecanique, Lagrange estava mentalmente exausto e suas contribuicoes diminuiram.Sua inatividade era devida, em parte, a nova comissao formada de Pesos e Medidas, assim como a RevolucaoFrancesa2.

Lagrange se revoltou com as crueldades do “Regime do Terror”3. Quando o grande quımico Lavoisier foiexecutado na guilhotina, ele expressou sua indignacao nos seguintes termos: “Bastou a turba um momentoapenas para decepar-lhe a cabeca; um seculo nao sera o suficiente para que surja outra igual”.

Com a idade, foi acometido de grandes acessos de solidao e melancolia. Tirou-o desse estado, quandoja estava com cinquenta e seis anos de idade, uma jovem quase quarenta anos mais jovem que ele, filha do

2A queda da Bastilha se deu em 1789, data esta tomada oficialmente como o inıcio da Revolucao Francesa.3Conturbado perıodo que se seguiu a Revolucao Francesa durante aproximadamente uma decada, quando diferentes grupos

polıticos-ideologicos peleavam pelo poder da “nova nacao”. Ficou conhecido por esse nome devido ao grande numero de execucoes,sob pretextos polıticos-ideologicos, quase sempre na guilhotina.

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Figura 3: A Ecole Polytechnique (L’Ecole polytechnique : l’entree des elves (fin XIXe s.)). Appuye parl’astronome Delambre, remarque par le mathematicien Lagrange, Ampre est nomme en 1804 repetiteurd’analyse l’Ecole polytechnique. Il y devient professeur en 1807. Cet enseignement l’ennuie et il finit par endemissionner en 1828.

astronomo Pierre-Charles Lemonnier, seu amigo. Tocou-a tanto a infelicidade de Lagrange que insistiu nocasamento com ele. Lagrange, encontrando a maioria de seus colegas casados, e assumindo, por suas esposas,que o unico caminho para se encontrar a felicidade era o casamento, se casou. A uniao mostrou-se ideal. Elaera uma companheira devotada e prestativa, conseguindo tirar o esposo da prostracao e reacendendo nele odesejo de viver. Ela fez com que ele voltasse a se entusiasmar com a matematica. De todos os premios desua vida, proclamava Lagrange com honestidade e franqueza, aquele a que dava mais valor era sua meiga edevotada esposa.

Lagrange morreu em 1813 na cidade de Paris. Em seu funeral, a oracao foi feita por Laplace no Pantheon.Ele viveu 77 anos.

2.4 Lagrange e a Astronomia

Quando, em 1772, a Academia de Paris propos - pela segunda vez - um premio para qualquer um queconseguisse apresentar uma solucao para a aceleracao media do movimento da Lua, Lagrange ganhou, emassociacao com Euler. Eles nao resolveram o problema, mas ganharam o premio com um ensaio sobre oproblema de tres corpos (problema este que permanece sem solucao analıtica ate hoje).

A academia ofereceu um premio com o mesmo topico em 1774, e novamente Lagrange ganhou. Indicou queas formas da Lua e da Terra causavam um certo efeito nos seus movimentos, mas nao deu uma solucao parao movimento medio observado. De fato sugeriu que a ideia toda fosse esquecida.

Lagrange se achava na obrigacao de ganhar premios desse tipo, o que o mantinha afastado dos trabalhosque realmente queria fazer e, em 1780, ganhou seu ultimo premio sobre a perturbacao do movimento doscometas pelos planetas.

Lagrange aperfeicoou enormemente o metodo de Euler para calcular perturbacoes, que foi usado paradeterminar as perturbacoes nos asteroides. Ainda assim era um processo laborioso, que foi eventualmentesimplificado por Encke.

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3 Principais Conceitos Tratados por Lagrange na Mecanica4

3.1 Deslocamentos Virtuais

Os deslocamentos infinitesimais de cada partıcula que levam de uma configuracao possıvel a outra con-figuracao possıvel infinitesimalmente proxima no mesmo instante de tempo t sao chamados deslocamentosvirtuais. As caracterısticas definidoras dos deslocamentos virtuais sao:

1. Sao infinitesimais;

2. Ocorrem num instante t fixo;

3. Nao violam os vınculos.

t1

t2

dr→

Figura 4: Figura representando um deslocamento virtual.

Na figura 4, δ−→r representa um deslocamento infinitesimal entre t1 e t2, onde

t2 = t1 + δt (1)

Supondo que

δt = 0 ⇒ t2 = t1 (2)

define-se entao δ−→r como sendo um deslocamento virtual.

3.2 Princıpio de d’Alembert

Com grande genialidade o matematico e filosofo frances d’Alembert estendeu a aplicabilidade do princıpiodo trabalho virtual da estatica a dinamica. Partindo da lei fundamental do movimento de Newton

−→F =

d−→p

dt= m−→a (3)

e reescrevendo a equacao como

−→F = m−→a = 0 (4)

Definimos agora o vetor−→I como

−→I = −m−→a (5)

O vetor−→I pode ser considerado como uma forca criada pelo movimento. Chamaremos essa forca de forca

de inercia. Com esse conceito a equacao de Newton pode ser reformulada como

−→F +

−→I = 0 (6)

4Toda esta secao esta fortemente baseada nas referencias [5, 12, 13, 14].

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Aparentemente nao mudou muita coisa, mudando simplesmente o nome do produto negativo da massa pelaacelercao. E e exatamente essa aparente trivialidade que faz do princıpio e d’Alembert tanto uma engenhosainvencao quanto um princıpio tao facilmente aberto a distorcoes e de difıcil entendimento.

A importancia da equacao 6 esta no fato de ser mais do que uma reformulacao da lei de Newton: essaexpressao e um princıpio. Sabemos que o anulamento da forca resultante na mecanica newtoniana resulta emequilıbrio. Por essa razao a equacao 6 diz que a adicao das forcas de inercia com as forcas atuantes produzequilıbrio. Mas isso significa que qualquer que seja o criterio que tenhamos para o equilıbrio de um sistemamecanico, podemos estender esse criterio de imediato para um sistema em movimento, sendo que tudo queprecisamos fazer e adicionar uma nova “forca de inercia” a forca do problema. Com essa “tatica” podemosreduzir a dinamica a estatica.

Isso nao significa necessariamente que podemos resolver um problema de dinamica via um metodo deestatica. Como resultado deste metodo, temos equacoes diferenciais que devem ser resolvidas, ou seja, teremos

apenas deduzido essas equacoes diferenciais via consideracoes de estatica. A adicao da forca de inercia−→I a

forca atuante−→F muda a situacao de um problema de movimento para um problema de equilıbrio.

Podemos interpretar este tratamento do seguinte modo: o princıpio de d’Alembert foca a atencao nas forcasenvolvidas no problema, e nao no movimento (de um corpo por exemplo), e o equilıbrio de um sistema deforcas pode ser tratado sem fazer referencia ao estado do movimento de um corpo no qual este atua.

3.3 Princıpio do Trabalho Virtual

O principal princıpio variacional com o qual nos deparamos na mecanica e o princıpio do trabalho virtual(intimamente ligado ao princıpio de deslocamento virtual), que controla o equilıbrio de um sistema mecanicoe e fundamental para o posterior desenvolvimento da mecanica analıtica.

Assim como os deslocamento virtuais, o trabalho virtual ocorrem num instante de tempo fixo, e e definidocomo produto das forcas generalizadas do sistema pelos seus respectivos deslocamentos virtuais, de modo queambos tem a mesma direcao.

3.4 O Calculo Variacional na Mecanica

Desde que Newton estabeleu um solido fundamento da dinamica pela formulcao das leis do movimento,a mecanica se desenvolveu seguindo duas linhas: (1) a chamada “mecanica vetorial”, que parte diretamentedas leis de movimento de Newton (conhecidas as forcas dependentes do tempo sobre todas as partıculas doproblema encontram-se as equacoes – vetoriais – de movimento); e (2) a “mecanica analıtica” (introduzidapor Leibniz), onde deve-se conhecer duas grandezas escalares – a energia potencial V e a energia cinetica T –,sendo que soma destas e uma constante5 E (o que resulta em apenas uma equacao, T + V = E, ao inves detres). Trata-se do princıpio de conservacao de energia.

3.4.1 O Princıpio da Mınima Acao

A primeira preferencia de Lagrange durante seus primeiros anos de estudo em Turim, foi o princıpiode mınima acao, formulado por Maupertuis (1698 - 1759) e Euler, como “a chave universal para todos osproblemas tanto da estatica quanto da dinamica”.

A acao S e definida como

S =

t2

t1

L(q, q, t)dt (7)

onde q sao as coordenadas generalizadas (a serem melhor definidas na secao 4.4.2) e q suas derivadas temporais.A integral S e mınima se for calculada segundo a trajetoria fısica, ou seja, aquela que satisfaz as leis do

movimento. Dito de outra forma, o princıpio de mınima acao e equivalente as leis de mecanica newtoniana. Afuncao L e chamada de funcao de Lagrange e contem toda a informacao dinamica.

As formulacoes de Euler e Lagrange estao restringidas a caminhos virtuais de mesma energia. Essa restricaofoi removida apenas em 1834 pelo irlandes William Hamilton, que considerou caminhos que terminam nomesmo ponto e no mesmo tempo. Chegou ao chamado princıpio de Hamilton: “Um sistema muda de umaconfiguracao para outra de tal maneira que a variacao da integral

Ldt entre um caminho real e um vizinho,terminado pelo mesmo ponto no espaco e no tempo, e nula” (equacao 8). A partir deste princıpio obtem-sefacilmente as equacoes de Lagrange.

5Ao menos segundo o tratamento feito pelo proprio Lagrange, que nao considerou a existencia de dissipacao.

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δ

Ldt = 0 (8)

3.4.2 O Procedimento de Euler - Lagrange

Para ilustrar o procedimento de Euler - Lagrange, imaginemos um caso particular: uma partıcula estana posicao P1 no instante t1, e consideraremos que e conhecida a sua velocidade neste instante de tempo.Suporemos que esta partıcula sofre um deslocamento e, no instante t2, a partıcula esta na posicao P2. Noentanto, nao e sabida a trajetoria seguida pela partıcula e, em princıpio, esta pode ter passado por qualquerposicao com qualquer velocidade entre t1 e t2.

Foram Euler e Lagrange os primeiros a demonstrar o princıpio de mınima acao de modo exato, sendo que aexplicacao deste e a seguinte: “conectamos” os pontos P1 e P2 por um caminho (ou curva) arbitrario qualquer,ainda que este nao corresponda ao caminho real seguido na natureza. O que se faz, usando calculo variacional,e corrigir gradualmente este caminho de modo a este se aproximar do real.

Para isso, fazemos com que nossa partıcula siga um caminho (nossa tentativa arbitraria) que esteja deacordo com o princıpio de conservacao de energia: podemos escolher um caminho qualquer, desde que apartıcula obedeca a este princıpio.

Calcula-se a integral de acao. O valor desta “acao” varia de caminho para caminho, sendo maior para algunse menor para outros. Matematicamente, podemos imaginar que de todos os caminhos possıveis tentados, existeum caminho cuja acao assume um valor mınimo, sendo este o seguido pela natureza.

4 Mechanique Analytique

Sobre seu livro, Lagrange declarou: “Nao ha nenhuma figura em todo este livro. O metodo que eudemonstrei nao requer nenhuma construcao do tipo geometrica ou raciocınio mecanico, mas apenas operacoesalgebricas sujeitas a um procedimento regular e uniforme. Os que amam a analise terao o prazer de ver amecanica tornar-se um novo ramo dela e me agradecerao por te-la estendido ao seu domınio.”.

Entre 1772 e 1788 Lagrange escreve seu grande tratado, o “ Mechanique Analytique ”, onde reformulou amecanica classica de Isaac Newton para simplificar formulas e facilitar os calculos. Esta mecanica se chamamecanica Lagrangiana ou mecanica analıtica. Foi neste trabalho que fundamentou o trabalho virtual, e desteo faz um princıpio fundamental, e com o auxılio do calculo variacional, deduziu toda a mecanica, tanto parasolidos quanto para fluidos.

O objetivo do livro e mostrar que o assunto e implicitamente incluıdo em um so princıpio, que permite darformulas gerais das quais qualquer resultado particular pode ser obtido. O metodo de coordenadas generaliza-das que obteve e, talvez, o resultado mais inteligente de sua analise. Ao inves de seguir o movimento de cadaparte individual de um sistema material, como D’Alembert e Euler haviam procedido, Lagrange mostrou que,se determinarmos sua configuracao utilizando um conjunto de variaveis tal que seu numero e igual ao numerode graus de liberdade, e utilizando um numero de variaveis cujo numero e igual aos graus de liberdade queo sistema possui, entao escrevendo as energias cinetica e potencial do sistema nessas variaveis, as equacoesdiferenciais de movimento se deduzem por diferenciacao.

Toda a analise e tao elegante que William Rowan Hamilton disse que este trabalho “ so poderia ser descritocomo um poema cientıfico”. Pode ser interessante observar que Lagrange comentou que a mecanica realmenteera um ramo da matematica pura analoga a uma geometria de quatro dimensoes, a saber, o tempo e astres coordenadas do ponto no espaco. Em princıpio nenhuma editora queria publicar o livro mas Legendrefinalmente persuadiu uma empresa de Paris a faze-lo, em 1788.

4.1 O Conceito de Forca

No Mecanique Analytique constam duas nocoes de forca: (1) a forca e a causa do movimento e/ou equilıbrio.De acordo com uma tradicao milenar (dos seguidores de Euler), forca e uma nocao primitiva e sua medida edada pelo peso que e capaz de mover. A otra nocao e que (2) a forca e medida pelos seus efeitos. De acordocom outro ponto de vista (dos seguidores de D’Alembert), a forca e meramente definida pela multiplicacao damassa m pela aceleracao −→a = d2−→r /dt2.

Lagrange dividiu seu livro em duas partes: estatica (paginas 1-157) e dinamica (paginas 158-512)6. QuandoLagrange se refere a forca na secao de historia da Estatica, usa o primeiro conceito de forca (denominando

6Numeracao referente a primeira edicao, de 1788.

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Figura 5: Segunda edicao de 1811 do Mecanique Analytique, e da edicao de 1813 do Theorie des FonctionsAnalytiques.

puissance), e quando se refere a forca na secao de historia da dinamica, usa o segundo (chamando simplesmentede force).

4.2 A Estatica de Lagrange

Ao apresentar os conceitos da estatica, Lagrange primeiramente expoe em ordem cronologica as leis que eleconsidera de fato como os princıpios dessa disciplina: a lei da alavanca, a regra do paralelogramo e o princıpiode trabalho virtual (que mais tarde aplica a dinamica).

4.2.1 A Lei da Alavanca e a Regra do Paralelogramo

Na introducao historica desse trabalho, Lagrange cita Arquimedes, Stevin, Galileo e Huygens. Nessapassagem fala que uma alavanca retilınea e horizontal, que suporte dois pesos iguais em cada extremidade,tem como ponto de equilıbrio seu centro. Isso para Lagrange parecia evidente por si so. Segue seu raciocınioextendendo o problema ao princıpio da superposicao de equilıbrio, que o leva em sua analise ao princıpio dosmomenta, onde Lagrange cita entao Guido Ubaldo.

O primeiro princıpio tratado foi a lei da alavanca. Partindo de Arquimedes, Lagrange cita uma serie decientistas modernos que tentaram apresentar demonstracoes da lei da alavanca: Stevin, Galileo e Huygens.Para Lagrange, tal princıpio nao podia ser deduzido somente a priori, mas sim tratava-se tambem de umprincıpio de natureza empırica.

A exposicao de Lagrange para a regra do paralelogramo ja e mais elaborada. Primeiro faz mencao ao“teorema de Stevin”, que estabelece que as forcas ou acoes, causadas pelos pesos ao longo das alavancas,somam-se umas com as outras seguindo a regra do paralelogramo. Na sequencia, Lagrange refere-se a umperıodo mais recente, sobre a composicao de forcas, consideradas grandezas dinamicas. Analisando a historiado princıpio de composicao e decomposicao de forcas, Lagrange faz referencia a Newton e Varignon, focandosua atencao aos resultados obtidos pelo ultimo.

Ao final da exposicao historica sobre o tema, Lagrange faz referencia a prova da regra do paralelogramo porDaniel Bernoulli, em 1726, e expressa seu ceticismo com relacao a prova, por ela ser completamente baseadanos princıpios da razao, o que evidencia uma atitude antimetafısica de Lagrange.

4.2.2 O Prinıpio do Trabalho Virtual

Lagrange usou o princıpio de trabalho virtual (PTV) pela primeira vez em 1764, no artigo “Recherchessur la libration de la Lune, onde obteve as equacoes diferenciais de movimento da Lua, tendo como princıpios

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utilizados o PTV e o princıpio de D’Alembert. No entanto, Lagrange ja ponderava sobre o metodo do PTVdesde 1759, como se pode comprovar por cartas que escreveu a Euler, onde afirmava ter sido o autor umaverdadeira metafısica aplicada a Mecanica. So em 1788 (na primeira edicao), e depois em 1811 (na segundaedicao) ele apresenta no Mecanique Analytique o PTV e todas suas frutıferas aplicacoes.

Na primeira edicao do Mecanique, Lagrange so introduz o PTV apos uma descricao historica onde Galileo,Descartes e Wallis sao mencionados. Apresenta em seguida, com grande clareza, a capacidade do PTV emresolver problemas em mecanica com simplicidade. Ja na segunda edicao, Lagrange foi mais “economico” naintroducao ao PTV. Isso deve-se provavelmente ao surgimento de calorosos debates sobre o tema e sua validadecomo um princıpio da natureza. Lagrange apresenta uma prova do PTV na segunda edicao do Mecanique.

4.3 Lagrange e a Historia da Dinamica

4.3.1 Dinamica de um Ponto Material

Depois de ter apresentado Galileo como o fundador da dinamica, Lagrange ilustrou os princıpios domovimento de um ponto material ou partıcula. O primeiro princıpio e a inercia, e o segundo a composicaode movimentos. Lagrange faz mencao a mecanica de Stevin e Galileo quando trata do problema do planoinclinado.

No decorrer da descricao, Lagrange cita ainda D’Alembert (nocao de forca como sendo meramente ma),Huygens (nocao de forca centrıfuga) e Newton (apresentou a solucao de um problema envolvendo forcacentrıfuga). Na Secao 3 do Mechanique apresenta a decomposicao de movimentos (direcoes de deslocamento)e de forcas (direcoes de aceleracoes) ao longo de 3 direcoes ortogonais:

md2x

dt2, m

d2y

dt2, m

d2z

dt2(9)

Ele faz mencao ainda a Aristoteles, Arquimedes, Nicomedes e tambem a alguns outros mais modernos,como Descartes, Wallis e Roberval, que usaram a composicao de movimentos. Foi Galileo o primeiro a usaresse conceito na dinamica, ao tratar do movimento de projeteis. Mas, por uma boa razao, Lagrange atribui acomposicao das forcas, nesses termos propriamente, a Newton, Varignon e Lamy. Uma conexao direta existeentre a teoria dos momentos e o princıpio da alavanca, a qual foi demonstrada por Varignon.

No que se refere a parte historica do Mecanique, percebe-se que Lagrange confere a Newton uma importanciamuito menor do que atualmente, o que pode causar surpresa a um leitor contemporaneo. As razoes para essa“escolha” de Lagrange podem ser varias. Apesar de concordar com seus resultados, ele rejeitava a metafısicade Newton. Alem do mais, a matematica de Newton nao era tao desenvolvida como muitos acreditam. Noentanto, isso ainda nao justifica nao conferir a Newton um lugar mais importante nessa historia. Outras razoesainda podem ser apontadas, como ideologicas e nacionalistas. Lagrange era um cientista continental, o quepoderia explicar uma certa relutancia de sua parte em admitir tao grande importancia a um britanico comoNewton.

4.3.2 Dinamica de Corpos

Lagrange diz ser preciso a adicao de um novo princıpio: o da conservacao de momento, para aplicar aoimpacto dos corpos. Cita entao Descartes e Wallis. Em seguida, ele nao usa esse princıpio para o estudo domovimento dos corpos, mas apresenta um problema muito estudado por cientistas do seculo XVIII conhecidocomo “problema do centro de oscilacoes” (problema do pendulo composto).

4.3.3 Princıpio de d’Alembert e o Princıpio do Trabalho Virtual

Enumerando varios princıpios usados no estudo da mecanica em seu tempo (tais como conservacao demovimento, conservacao das “living forces” – pelo conceito de Leibniz, vis viva –, conservacao do centrode gravidade dos movimentos, etc...), Lagrange chega ao princıpio de d’Alembert, usando-o no estudo domovimento dos corpos. Afirmou entao que usando esse princıpio mais o PTV, todos os princıpios anteriorespreviamente listados poderiam ser deduzidos. Com relacao ao princıpio de mınima acao (PMA), Lagrangeafirma te-lo generalizado.

Sao dedicadas tres secoes para o prinıpio de d’Alembert. Lagrange sugere uma interpretacao para o princıpiosimilar a atual: as “forcas acelerativas” (ou efetivas, resultantes)

m−→a sobre uma partıcula, quando somadasa −

m−→a (com sinal invertido, ou seja, se e aplicada tal forca resultante sobre o sistema), resulta num sistemaem equilıbrio. Mas o raciocınio so e valido se essas forcas agirem independentemente das velocidades, ou se,neste caso, os corpos estiverem em repouso. Essa “falha” de Lagrange pode ser “perdoada”, pois em seu tempotodas as forcas eram consideradas conservativas, assim como independentes da velocidade.

9

4.4 A Mecanica Lagrangiana

4.4.1 As Equacoes de Lagrange - 1a Parte

A seguir, primeiramente algumas definicoes e deducoes da dinamica, sob a concepcao de Lagrange7.

Sobre o Trabalho e Deslocamento Virtuais Lagrange chamou a estatica de “ciencia das forcas emequilıbrio”. Considerando um caso estatico de um sistema de part’ıculas, sendo que cada uma esta sobinfluencia de sua respectiva forca aplicada P , Q, R, ... , e dada uma pequena perturbcao, de modo que cadapartıcula sofre um respectivo deslocamento virtual δp, δq, δr, ... Para que o sistema esteja em equilıbrio, arelacao

Pδp+Qδq +Rδr + ... = 0 (10)

deve ser satisfeita.

Decomposicao das Forcas Para cada elemento de massa m do sistema, define-se como forca paralela aoseixos de coordenadas usadas (cartesianos no caso), aos quais se da o movimento, como

md2x

dt2, m

d2y

dt2, m

d2z

dt2(11)

O Uso do Princıpio de d’Alembert Relacionando a cada elemento de massa m do sistema sob uma forcasimilar a da equacao 11, e conclui-se que a soma dos momentos8 dessas forcas devem ser igual a soma das“forcas acelerativas” ou “atuantes” (equacao 11) que agem em cada elemento do sistema. Tal afirmacao podeser expresso pela equacao 12.

(

md2x

dt2δx+ m

d2y

dt2δy + m

d2z

dt2δz

)

+∑

(mPδp+mQδq +mRδr + ...) = 0

m

(

d2x

dt2δx+

d2y

dt2δy +

d2z

dt2δz

)

+∑

m (Pδp+Qδq +Rδr + ...) = 0 (12)

Sendo que P , Q, R, ... agem sobre cada elemento ao longo de δp, δq, δr, ... (sao respectivamente paralelosentre si).

Se mudamos o sinal usado por Lagrange, e tomarmos as forcas P , Q, R, ... no sistema cartesiano, entao alei geral fundamental de Lagrange para a dinamica toma a seguinte forma “modernizada”

n∑

i

[(

Xi −mi

d2xi

dt2

)

δxi +

(

Yi −mi

d2yi

dt2

)

δyi +

(

Zi −mi

d2zi

dt2

)

δzi

]

= 0 (13)

sendo n o numero de partıculas de massa mi na posicao (xi, yi, zi). Sendo os deslocamento virtuais δxi, δyi eδzi arbitrarios, encontram-se facilmente as seguintes equacoes diferenciais

Xi = mi

d2xi

dt2, Yi = mi

d2yi

dt2, Zi = mi

d2zi

dt2(14)

No caso do sistema estar equiıbrio, a equacao 13 torna-se

n∑

i

(Xiδxi + Yiδyi + Ziδzi) = 0 (15)

que equivale a equacao 10.Transformando o primeiro somatorio da equcao 12 usando a identidade

d2xδx+ d2yδy + d2zδz = d (dxδx+ dyδy + dzδz) −1

2δ(

dx2 + dy2 + dz2)

(16)

e usando mudancas de variaveis, onde cada diferencial dx, dy e dz e expressa como uma funcao linear dasdiferenciais dξ, dψ, dφ, ..., Lagrange estabeleceu que se Φ e a transformada da quantidade

7Infelizmente, devido a relativa baixa profundidade do presente trabalho, a exposicao a seguir nao e apresentada de formasuficientemente clara. Este tipo de trabalho competiria a um pesquisador em historia da Fısica.

8No sentido usado na estatica de Lagrange.

10

1

2

(

dx2 + dy2 + dz2)

(17)

entao e verdadeiro que

d2xδx+ d2yδy + d2zδz =

(

−∂Φ

∂ξ+ d

∂Φ

∂dξ

)

+

(

−∂Φ

∂ψ+ d

∂Φ

∂dψ

)

+ ... (18)

Assumindo que as forcas P , Q, R, ... sao tais que a quantidade

Pδp+Qδq +Rδr + ... (19)

seja integravel (Lagrange declarou que “e provavelmente verdadeiro na natureza”). Isso o habilitou a suporque

m (Pδp+Qδq +Rδr + ...) = δ∑

mΠ(ξ, ψ, φ, ...) (20)

As equacoes gerais da dinamica sao escritas na forma

Ξδξ + Ψδψ + ... = 0 (21)

sendo

Ξ = d∂T

∂dψ−∂T

∂ψ+∂V

∂ψ

Ψ = d∂T

∂dξ−∂T

∂ξ+∂V

∂ξ(22)

...

onde

T =1

2

m

(

d2x

dt2+

d2y

dt2+

d2z

dt2

)

(23)

e

V =∑

mΠ (24)

As equacoes particulares

Ξ = 0

Ψ = 0 (25)

...

servirao para determinar completamente o movimento do sistema, desde que o numero dessas equcoes sejamiguais ao numero das variaveis ξ, ψ, ... das quais a posicao do sistema a um dado tempo depende.

4.4.2 As Equacoes de Lagrange - 2a Parte

Para um leitor contemporaneo desavisado, uma primeira leitura da secao 4.4.1 pode parecer bastante confusa.A seguir apresenta-se uma releitura mais contemporaneada secao 4.4.1. Ha varias referencias excelentes parao estudo do assunto [12, 13, 14].

11

Sobre o Trabalho e Deslocamento Virtuais A formulacao newtoniana da mecanica caracteriza-se peloconjunto de equacoes diferenciais

mi−→r =

−→F i , i = 1, ..., N (26)

onde−→F i e a forca total ou resultante sobre a i-esima partıcula. A forca total sobre a partıcula admite a

decomposicao

−→F i =

−→F

(a)i

+−→f i (27)

onde−→F

(a)i

e a forca aplicada e−→f i e a forca de vınculo.

Considerando um caso estatico, e valida a relacao

i

−→F i · δ

−→r i = 0 (28)

e, usando a decomposicao 27 resulta

i

−→F

(a)i

· δ−→r i +∑

i

−→f i · δ

−→r i = 0 (29)

Limitando-nos ao conjunto suficientemente grande amplo de circunstancias em que o trabalho virtual dasforcas de vınculo e zero, somos conduzidos ao chamado princıpio dos trabalhos virtuais:

i

−→F

(a)i

· δ−→r i = 0 (30)

Vemos aqui que as grandezas P , Q, R, ... e α, β, γ, ... no tratamento de Lagrange, equivalem respectiva-

mente as grandezas−→F

(a)i

e δ−→r i no tratamento moderno.

O Princıpio de d’Alembert Estamos interessados na dinamica, que pode ser formalmente reduzida a

estatica escrevendo a segunda lei de Newton na forma−→F i −

−→p i = 0, com −→p i = mi−→r i. Agora, em lugar de

28, temos

i

(

−→p i −−→F i

)

· δ−→r i = 0 (31)

e usando novamente a decomposicao 27 e que o trabalho virtual das forcas de vınculo e zero temos

i

(

−→p i −−→F

(a)i

)

· δ−→r i = 0 (32)

Vemos aqui que as grandezas

m

(

d2x

dt2δx+

d2y

dt2δy +

d2z

dt2δz

)

(33)

e

m (Pδp+Qδq +Rδr + ...) (34)

no tratamento de Lagrange, equivalem respectivamente as grandezas

i

−→p i · δ−→r i = 0 (35)

e

i

−→F

(a)i

· δ−→r i = 0 (36)

Este princıpio representa uma extensao do princıpio dos trabalhos virtuais a sistemas mecanicos em movi-mento. No caso de sistemas vinculados, o princıpio de d’Alembert constitui um avanco relativamente aformulacao newtoniana porque exclui qualquer referencia as forcas de vınculo. Em suas aplicacoes concretas,no entanto, e preciso levar em conta que os deslocamentos virtuais δ−→r i nao sao independentes, pois tem queestar em harmonia com os vınculos.

12

Assumindo que

−→ri = −→ri (q1, ..., qn, t) , i = 1, ..., N (37)

onde q1, ..., qn sao as chamadas coordenadas generalizadas, podemos expressar os deslocamentos virtuais δ−→r i

em termos dos deslocamentos virtuais independentes δqk mediante

δ−→r i =

n∑

k=1

∂−→r i

∂qkδqk (38)

e a velocidade fica

−→v i =

−→dri

dt=

n∑

k=1

∂−→r i

∂qkδqk +

∂−→r i

∂t(39)

Usando 38, o trabalho virtual das forcas aplicadas torna-se

N∑

i=1

−→F

(a)i

· δ−→r i =

N∑

i=1

n∑

k=1

−→F

(a)i

·∂−→r i

∂qkδqk ≡

n∑

k=1

Qkδqk (40)

onde

Qk =

n∑

k=1

−→F

(a)i

·∂−→r i

∂qk(41)

que e por definicao a k-esima componente da forca generalizada. Os termos qi nao tem necessariamentedimensao de comprimento, e os termos Qk tambem nao tem necessariamente dimensao de forca, e cada termoQkδqk tem dimensao de trabalho.

Outra quantidade envolvida no princıpio de d’Alembert e

N∑

i=1

−→p i · δ−→r i =

N∑

i=1

mi−→v i · δ

−→r i =N∑

i=1

n∑

k=1

mi−→v i ·

∂−→r i

∂qkδqk (42)

A seguinte identidade sera util

N∑

i=1

mi−→v i ·

∂−→r i

∂qk=

N∑

i=1

{

d

dt

(

mi−→v i ·

∂−→r i

∂qk

)

−mi−→v i ·

d

dt

(

∂−→r i

∂qk

)}

(43)

No ultimo termo de 43 podemos usar o resultado

d

dt

(

∂−→r i

∂qk

)

=

n∑

l=1

∂ql

(

∂−→r i

∂qk

)

ql +∂

∂t

(

∂−→r i

∂qk

)

=∂

∂qk

(

n∑

l=1

∂−→r i

∂qlql +

∂−→r i

∂t

)

=∂−→v i

∂qk(44)

onde utilizamos 39 e passamos a tratar os q’s e os q’s como grandezas independentes, de modo que as derivadasparciais em relacao aos q’s tratam os q’s como constantes e vice-versa. Alem disso, de 39 deduz-se imediate-mente

∂−→v i

∂qk=∂−→r i

∂qk(45)

permitindo escrever 43 na forma

N∑

i=1

mi−→v i ·

∂−→r i

∂qk=

N∑

i=1

{

d

dt

(

mi−→v i ·

∂−→v i

∂qk

)

−mi−→v i ·

(

∂−→v i

∂qk

)}

=

N∑

i=1

{

d

dt

[

∂qk

(

1

2miv

2i

)]

−∂

∂qk

(

1

2miv

2i

)}

=d

dt

(

∂T

∂qk

)

−∂T

∂qk(46)

onde

13

T =1

2

N∑

i=1

miv2i

(47)

e a energia cinetica do sistema. Podemos supor que tanto T quanto as componentes Qk so dependem de qk ede qk. Levando 40, 42 e 46 em 32 somos conduzidos a

n∑

k=1

{

d

dt

(

∂T

∂qk

)

−∂T

∂qk−Qk

}

δqk = 0 (48)

e como os δqk’s sao mutuamente independentes e arbitrarios, esta ultima igualdade so pode ser satisfeita se ocoeficiente de cada δqk for nulo. Temos entao n equacoes

d

dt

(

∂T

∂qk

)

−∂T

∂qk= Qk , k = 1, ..., n (49)

Considerando

−→F

(a)i

= −−→∇iV = −

(

∂V

∂xi

i+∂V

∂yi

j +∂V

∂zi

k

)

(50)

temos que

Qk =N∑

i=1

−→F

(a)i

·∂−→r i

∂qk= −

N∑

i=1

(

∂V

∂xi

∂xi

∂qk+∂V

∂yi

∂yi

∂qk+∂V

∂zi

∂zi

∂qk

)

= −∂V

∂qk(51)

Com o emprego das equacoes 37, os potenciais V exprimem-se como funcao exclusiva dos q’s, nao depen-dendo das velocidades, ou seja que ∂V/∂qk = 0. Desse modo podemos escrever

d

dt

(

∂T

∂qk

)

−∂

∂qk(T − V ) = 0

d

dt

[

∂qk(T − V )

]

−∂

∂qk(T − V ) = 0

d

dt

(

∂L

∂qk

)

−∂L

∂qk= 0 , k = 1, ..., n (52)

Onde L = T − V e a chamda funcao de Lagrange.Vemos aqui que esta ultima equacao (linguagem contemporanea) equivale as equacoes 22, quando Ξ = 0,

Ψ = 0, ..., definidas pelo prorpio Lagrange.

5 Discussoes Finais

Lagrange era um genio universal na matematica que conseguiu facilmente “infiltra-se” na mecanica. Alemde sua indiscutıvel importancia no desenvolvimento da mecanica, a historia da mecanica apresentada noMecanique e o primeiro trabaho detalhado e minuncioso sobre o tema. Segundo Capecchi e Drago [4], dos doismotivos principais pelo qual Lagrange ter apresentado tao detalhado trabalho sobre a historia da mecanica, elesescolhem o primeiro: (1) uma abrupta mudanca no desenvolvimento da ciencia em seu tempo, que modificaramradicalmente seus horizontes (assim como dos demais cientıstas da epoca); neste caso, faz-se necessario umanova perspectiva e uma nova maneira de se pensar em ciencia. (2) A segunda razao pode ser uma insatisfacaodo cientısta com um processo de pesquisa exaustivo e inconclusivo.

5.1 Mecanica Vetorial versus Mecanica Analıtica

Apresentamo aqui as quatro principais caracterısticas da mecanica vetorial e da analıtica, segundo [12]:

1. Na mecania vetorial isolam-se as partıculas, e estudam-se estas individualmente; na mecanica anaıticaestuda-se o sistema como um todo.

2. Na mecania vetorial se estuda o problema analisando as forcas que agem sobre cada partıcula separada-mente; na mecanica analıtica considera-se uma unica funcao: a funcao de Lagrange. Essa funcao contemtoda a informacao necessaria sobre as forcas envolvidas no problema.

14

3. Se as forcas tem uma relacao com as coordenadas do sistema, e essa relacao e empırica, no tratamentovetorial ha de considerarem-se as forcas como mantendo essa relacao. No tratamento analıtico, dada agarantia destas relacoes, trata-se o problema sem requerer conhecimento das forcas que as mantem.

4. No metodo analıtico, todas as equacoes de movimento podem ser encontradas partindo de um princıpiounificador que inclui implicitamente todas essas equacoes. Esse princıpio diz que ha uma certa quantidadeque deve se minimizada, a acao. Sendo este princıpio independente do referencial do sistema, as equcoesna mecanica analıica podem ter qualquer sistema de coordenadas, o que permite ajustar o problema aosistema de coordenadas mais conveniente.

Nota Sobre Importancia do Estudo da Historia Possivelmente, a mudanca mais significativa da cienciaAristotelica ou medieval para a mecanica de Newton tenha sido a passagem da visao de Aristoteles, de quetodo corpo que se move tem como causa alguma forca que age sobre este, para a visao de Newton, maisespecificamente referente a sua primeira lei (prinıpio da inercia), de que todo corpo que esta em repouso ouem movimento retilıneo uniforme, continuara nesse estado inicial, a nao ser que alguma forca aja sobre este.

Mas tal mudanca nao se deu de forma repentina, sendo errado supor que desde a Grecia Antiga, durantetoda a idade media, os intelectuais da epoca se mantinham fieis as ideias de Aristoteles e, de repente, por voltados seculos XVI e XVII, alguns pares de brilhantes pensadores protagonizaram a brusca quebra conceitual.O que realmente ocorreu foi uma longa e gradual crıtica durante o perıodo medieval a F’ısica de Aristotelespor parte de grandes pensadores como Buridan, Oresme, entre outros, que infelizmente nao recebem a devidaconsideracao em cursos introdutorios de mecanica e afins.

Referencias

[1] Rene Dugas, “A History of Mechanics”, Dover Publications, New York, 1988;

[2] George Sarton. “Lagrange’s Personality (1736-1813)”, Proceedings of the American Philosophical Society,Vol. 88, No. 6 (Dec. 28, 1944), pp. 457-496 (1944);

[3] Ernst Mach, “Desarrollo Historico - Crıtico de la Mecanica”, Espasa - Calpe Argentina, Buenos Aires,1949;

[4] Danilo Capecchi, Antonino Drago, “On Lagrange’s History of Mechanics”, Meccanica, 40: 19 - 33 (2005);

[5] Helmut Pulte, capıtulo 16 (“Joseph Louis Lagrange, Mecanique Analytique, first edition (1788)”) do livro“Landmark Writings in Western Mathematics, 1640 - 1940” (editor: I. Grattan-Guinness), Elsevier, 2005;

[6] Craig G. Fraser, capıtulo 19 (“Joseph Louis Lagrange, Theorie des Fonctions Analytiques, first edi-tion (1797)”) do livro “Landmark Writings in Western Mathematics, 1640 - 1940” (editor: I. Grattan-Guinness), Elsevier, 2005;

[7] Penha Maria Cardoso Dias, “F = ma?!! O nascimento da lei dinamica”, Revista Brasileira do Ensino deFısica, v. 28, n. 2 , p. 205 - 234, (2006);

[8] Allan Franklin, “Principle os intertia in the Middle Ages”, American Journal of Physics, Vol. 44, No. 6,Junho (1976);

[9] Christopher Moore, “A History of Mechanics”, University of Aberdeen, Aberdeen, 2003(www.abdn.ac.uk/physics/px4006/histmech.pdf);

[10] Ross F. Macpherson, “A History of Astronomy”, University of Aberdeen, Aberdeen, 2004(www.abdn.ac.uk/physics/px4006/histastron.pdf);

[11] Howard Eves, “Introducao a Historia da Matematica”, Editora Unicamp, Campinas, 2004;

[12] Cornelius Lanczos, “ The Variational Principles of Mechanics”, University of Toronto Press, Toronto,1949;

[13] Herbert Goldstein, Charles Poole e John Safko, “ Classical Mechanics”, Addison Wesley, 3a edicao, 2006;

[14] Nivaldo A. Lemos, “Mecanica Analıtica”, Editora Livraria da Fısica, 2a edicao, Sao Paulo, 2007.

15