José Valle de Figueiredo
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José Valle de Figueiredo29 de Março de l942
Tondela
Uma produção da Biblioteca
Da Escola Secundária de Tondela
E de se esperar desespera
A noite que adia
Tanta sorte dada
Às palavras que escrevi:
Perdidas, desencontradas
Na difícil partilha da alegria.
A luz que se gravaNas mãos que se levantam,
Não alcança o rostoQue procuro.
A luz que se grava
Nas mãos que se levantam,
Não alcança o rosto
Que procuro.
Como se poema a poema
As palavras fossem morrendo
E ficassem mortas
Dentro de mim
A escada que subo
É a escada que desço.
A vida muda-se,
muda-se a poesia
-mas não se muda
nada,
não se muda a
agonia.
Na mesa em que me escrevo
Já só tenho restos de mim:
Cousas passadas, alegrias perdidas,
Encantamentos desfeitos, caminhos não percorridos,
Uma viagem que outra por fazer.
E a morte iluminada cresce
Na orla dos poemas que vivi.
Inertes jazem
Na fronteira da claridade.
Asperamente acolhem
As penas que devolvi
Ao duro, seco, estéril mundo
Onde vivi.
Recolhem-me, apenas,
E extinguem outro dia.
Onde estivesse no princípio,
Seguindo poema a poema
As palavras mais sofridas,
Diria que alumiasse os dias
Com sombras também,
Mas com versos de outras poesias.
Com as mãos nas sílabas,
Punha-as na boca
E lentamente as comia:
Assim principiavam os poemas ao fim do dia,
Indo de boca em boca
Com ardor a maresia.
E tudo com alguma melancolia.
Com as mãos nas sílabas,Punha-as na boca
E lentamente as comia.
Prosseguia o caminho dolorido,
As penas iam e voltavam,
Havia palavras presas ao final dos versos
Que já não sabiam onde regressar.
Se tivesse dito coisas simples,
Um pouco silenciosamente,
Em que porto ficavam?
Em que abrigo? A que praia
Viriam já tão cansadas?
Vozes quase inaudíveis
Seguiam o rasto dos poemas,
E eu ficava ali parado,
As mãos vazias cheias de penas.
José Valle de Figueiredo
Fulguravam casas entre os dedos
Que procuravam a carícia de um rosto…
…Ardiam, também as mãos.
Não tinha onde pousar a cabeça,
Deitava-me por entre os versos
Que nasciam ao fim do dia.
Aves e estrelas crescem
Nas paredes nuas do poema.
Mudam-se versos, mudam-se penas,
Rotas, linhas, navegações,
Agulhas, cartas de marear,
A vida muda-se, muda-se a poesia
-mas não se muda nada,
Não se muda a agonia.
Onde fica longe o que está perto?
Onde é a praia do mar secreto?
Não consigo ver dragões a voar
Nem juncos no poema deserto.
Exilado junto ao poema,
Vivia só de versos,
Comia sílabas e dias,
Cresciam mais estrelas na boca,
Já só era tema do poema;
Quanto este morria,
Mais ele vivia:
Versos reencarnados em nova poesia.
E assim continuamente,
Vivia com poemas a comer novos poemas
-mas já não morria.
Havia um fogo a arder
Dentro dos versos,
E nada era de morrer.
Onde o texto ficou mais secreto
Procurei as coisas mínimas.
Encontrei naus e roteiros de viagem,
Sentei-me entre nomes antigos,
Corri mares e continentes.
Ficaram ilhas por descobrir,
Que a tanto não chegou o coração.
Mudaram-se tempos e
vontades,
Estrelas e achamentos,
Vieram novos sofrimentos.
Ficou mais perto
O Espírito que anda sobre as Águas.
E tudo mui saudosamente.
Que sabemos de outro dia
Que se junta à noite obscura,
Neste país deserto?
O regresso marcava os dias
Que havia dentro dos versos.
Cada casa onde chegava
Já não era a casa onde chegava.
….
….
E cada vez que parava,
já não parava.
Queria ir mais além:
Que poesia me retém?
Na imagem de um rio chinês
Busco a água de tanta mágoa:
Um verso de cada vez
Vem ao poema como um navio
Que vai ao largo
E não volta mais.
Na imagem de um rio chinês
Busco a água de tanta mágoa.
Anda qualquer coisa dentro de mim
Que vai e vem, sem fim:
Poemas e versos cantam assim,
Por fora vivem dentro de mim.
Anda qualquer coisa, sim,
A pátria a doer dentro de mim.
Comíamos as flores mais raras,
E era um jardim de segredos
Que nascia.
Comia-se o poema,
E crescia toda a poesia.
Há um olhar claríssimoA nascer dos meus dias
Mais antigos.
Seguimos a viageme a nau onde embarco
Já só tem saudadesDa vida que há-de vir.
Entre poemas sem mote
Edificara casas e reinos
Que oceanos e mares avisara
De longas navegações,
E entre essa gente outros versos armara
De remoto fogo santo
Ardendo mais além de outra cabana;
Entre perigos e terras
De esforçadas acções alguns poemas juntara,
E de tão secreta trama
Armara de poesia o seu programa.
Entre perigos e terras
De esforçadas acções alguns poemas juntara,
E de tão secreta trama
Armara de poesia o seu programa.
Sentados à mesa ao fim do dia,Já só de poemas se consumia.Lídia, coroemo-nos de poesia.
José Valle de Figueiredo