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Press Release CD NOVIDADE| RE-EDIÇÃO Art!Orfeu Media // 21 771 32 00 1/4 José Afonso “Fados de Coimbra e Outras Canções” Orfeu 35.030 – Digifile CD *Edição remasterizada a 24bits a partir dos masters originais. *Inclui textos exclusivos da autoria de Gonçalo Frota e Camané. À venda dia 20 de Maio Fados de Coimbra e Outras Canções José Afonso, 1981 Coimbra, vista de longe “Uma espécie de Mediterrâneo da música portuguesa”. O fado de Coimbra, desenhado no mapa da geografia mental de Janita Salomé, encontramo-lo neste mar interior. Este lugar imaginado, explique-se, deve a sua localização precisa à assimilação de peças vindas de origens díspares e que são suavemente sugadas por essa peça maior, centrípeta, que é Coimbra, uma cidade ligada umbilicalmente a quem nela vive de passagem, a quem lhe pede uma cama de empréstimo por uma, duas, vinte, duzentas, duas mil noites e depois segue viagem. A estudantada marcha depois rumo às suas vidas, mas fica quase sempre um fio inquebrantável de ligação a uma canção que já antes circulava pelas ruas estreitas serpenteando a partir da Sé Velha e por lá continuará a cirandar, a romantizar os anos tradicionalmente de boémia que antecedem o mergulho abrupto na vida adulta, no redemoinho imparável das responsabilidades. Mediterrâneo, assim, pela confluência. A Coimbra chegam estudantes vindos de todo o país, desemalando não apenas projecções de futuro, mas também as suas culturas de origem. O fado de Coimbra, sobretudo na viragem para o século XX, é um íman que atrai estilhaços de outras tradições musicais, mais audivelmente a açoriana, ainda que a nenhuma vede a entrada – tal como antes acolhera a guitarra portuguesa, alegadamente trazida, por volta de 1870, por Jayme Guitarrista (Jaime d’Abreu), um estudante regressado das férias na sua terra. Em grande parte, a fixação dessa matriz de várias cabeças cantando uma mesma canção com diferentes sotaques deve-se, então, a Augusto Hilário, autor do famoso “Fado Hilário”, popularizado por Amália Rodrigues e Maria Teresa de Noronha.

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José Afonso

“Fados de Coimbra e Outras Canções”Orfeu 35.030 – Digifile CD

*Edição remasterizada a 24bits

a partir dos masters originais.

*Inclui textos exclusivos da

autoria de Gonçalo Frota e

Camané.

À venda dia 20 de Maio

Fados de Coimbra e Outras Canções

José Afonso, 1981

Coimbra, vista de longe

“Uma espécie de Mediterrâneo da música portuguesa”. O fado de Coimbra, desenhado no mapada geografia mental de Janita Salomé, encontramo-lo neste mar interior. Este lugar imaginado,explique-se, deve a sua localização precisa à assimilação de peças vindas de origens díspares eque são suavemente sugadas por essa peça maior, centrípeta, que é Coimbra, uma cidade ligadaumbilicalmente a quem nela vive de passagem, a quem lhe pede uma cama de empréstimo poruma, duas, vinte, duzentas, duas mil noites e depois segue viagem. A estudantada marcha depoisrumo às suas vidas, mas fica quase sempre um fio inquebrantável de ligação a uma canção que jáantes circulava pelas ruas estreitas serpenteando a partir da Sé Velha e por lá continuará acirandar, a romantizar os anos tradicionalmente de boémia que antecedem o mergulho abrupto navida adulta, no redemoinho imparável das responsabilidades.

Mediterrâneo, assim, pela confluência. A Coimbra chegam estudantes vindos de todo o país,desemalando não apenas projecções de futuro, mas também as suas culturas de origem. O fadode Coimbra, sobretudo na viragem para o século XX, é um íman que atrai estilhaços de outrastradições musicais, mais audivelmente a açoriana, ainda que a nenhuma vede a entrada – talcomo antes acolhera a guitarra portuguesa, alegadamente trazida, por volta de 1870, por JaymeGuitarrista (Jaime d’Abreu), um estudante regressado das férias na sua terra. Em grande parte, afixação dessa matriz de várias cabeças cantando uma mesma canção com diferentes sotaquesdeve-se, então, a Augusto Hilário, autor do famoso “Fado Hilário”, popularizado por AmáliaRodrigues e Maria Teresa de Noronha.

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A canção de Coimbra será depois parcialmente expurgada do tom romântico, alcandorando-senuma ambição poética investida por gente como Edmundo Bettencourt, na época de ouro do fadode Coimbra – o mesmo que dizer durante os anos 1920 e 30. Bettencourt – membro do grupoPresença ao lado de Miguel Torga, Branquinho da Fonseca, José Régio e outros – seria nãoapenas um intérprete de excepção como igualmente autor inspirado de letras e músicas, valendo-se dos talentos de Artur Paredes para revolucionar o estilo coimbrão. Aos poucos, com a rádio aservir igualmente de sedimento, os estudantes começam a fazer circular o fado de Coimbra nosentido contrário. A tradição local é então devolvida numa “forma final” às suas fontes. NoAlentejo, são vários os pontos em que o fado de Coimbra se instala, graças a estudantes e ex-estudantes regressados com ensinamentos para além dos estritamente académicos. Um deles,recorda Janita Salomé, “era bastante mais novo que os intérpretes dessa geração de oiro, mastinha-os acompanhado e ficou com essa memória”. Tal figura seria fundamental no despontar navila alentejana de Redondo de uma série de cantores que não precisavam do berço original paraencenar a canção coimbrã. “No Redondo havia uma forte tradição de cantar fados de Coimbra e omeu pai era um dos cantores que pontificava”.

Sem espanto, quando Janita começa a iniciar-se nas cantorias, os fados de Coimbra não lhe sãomenos familiares do que as modinhas alentejanas e, quando chega a altura de gravar o seu discode estreia, Melro, vira-se com naturalidade para aquilo que conhece: “Era o que trazia das minhasexperiências – os fados de Coimbra e, por outro lado, a música tradicional, da qual sempre estivepróximo”. Mas sabendo-se, ainda assim, um estranho em terras musicais beirãs que conhecia emprimeira mão por via do tal refluxo migratório, o alentejano pede ajuda a Zeca – que conheceraainda na adolescência como “dr. José Afonso”, quando Janita cantava num conjunto de baile naépoca balnear algarvia e Zeca por lá dava aulas e cantava uns fados – na selecção dos temasescritos por António e Francisco Menano. “Depois, na casa da minha mãe, no Redondo, eleensinou-me, introduziu-me na técnica de colocar a voz mais correctamente, mas não deixei decantar os fados à alentejana, pouco fiel”, lembra Janita. “O Zeca nunca pôs isso em causa, porquenão era um purista do fado de Coimbra, pelo contrário”.

É Zeca também quem sugere a Janita os dois acompanhadores para a metade do disco que deviasoar às noites beira-Mondego: Durval Moreirinhas (viola) e Octávio Sérgio (guitarra portuguesa).Ambos seus velhos conhecidos. Octávio começara a acompanhar Zeca quando este era professorno Algarve e o jovem guitarrista realizara por lá uma digressão com o Coral de Letras de Coimbra:“Na altura eu sabia os fados todos, estava muito bem documentado e qualquer fado que elecantava eu fazia logo o acompanhamento. Ele gostou muito e ficou admirado, porque estavahabituado a uma série de complicações com os tons”. Durval, por seu lado, saíra do liceu quandoZeca entrara, mas o caminho de ambos não demoraria a cruzar-se nos encontros do Orfeon e daTuna. Criariam, inclusivamente, uma confiança e uma cumplicidade tais que Moreirinhasacompanharia com frequência o cantor nas ausências de Rui Pato.

De regresso a 2013 de olhos postos em 1980: Octávio Sérgio ainda hoje pensa que a suapresença em Melro se deve a um convite feito a Durval Moreirinhas que o teria levado poracréscimo. Daí que tenha bem presente o contentamento de ver surgir “o Zeca a reger uma daspeças que o Janita cantou”, “Fado do Alentejo (Maria Teu Lindo Nome)”. “Ele queria dar umandamento rápido, porque o Menano cantava aquilo muito lento e então esteve a reger”. No finalda gravação, tem a certeza, foi então que Zeca se virou para os músicos e anunciou “Vocês é queme vão acompanhar”. Fados de Coimbra, num certo sentido, começa então num longínquoRedondo.

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Durval quer ir atrás. Alentejo e Coimbra, uma vez mais. “No grupo de fados do António Portugal edo António Brojo, a que o Zeca pertencia, pontificava um cantor dos Açores, o dr. MachadoSoares, que eu também acompanhei”. Machado Soares, caso a ligação não se estabeleça, é oautor da famosa “Balada da Despedida” (conhecida por “Coimbra tem mais encanto”), mas não éesse o encanto que preenche as memórias de Moreirinhas, preferindo recordar que os dois“passavam a vida a cantar melodias alentejanas a duas vozes”. “Se alguém puxasse de umgravador, que não havia na época, e gravasse aquilo... Era das coisas mais espectaculares queouvi na minha vida”. No entanto, gosta de frisar, “o Zeca começou por ser um cantor de fado deCoimbra – parece que têm medo de dizê-lo, que era um fadista de capa e batina, trupista, faziapraxe e jogava futebol na Académica”. O desvio, segundo o próprio Zeca ao jornal Se7e em 1981,dever-se-ia a “um intenso período de actividade antifascista e tudo o que fosse tradição tinha deser rejeitado”. “Foi uma atitude absolutista, de certo modo despótica, que foi necessário corrigircom o tempo e hoje está a ser corrigida. [Mas] nunca tive a atitude condenatória de dizer que ofado de Coimbra é uma grande merda por isso acabou, ponto final”. Durval acrescenta que o alvoda incompatibilidade de Zeca Afonso não era tanto o fado de Coimbra quanto a guitarra que traziaatrelada. “O Portugal e o Brojo eram violentos a tocar e aquilo abafava o Zeca completamente”.Octávio concorda que “a guitarra o atrofiava porque era muito batida, muito marcada; com a violaestava mais à-vontade, não o espartilhava. Havia muito arame na guitarra”. E o arame, já se sabe,não aperta com parcimónia.

Durval Moreirinhas estava lá, na fila mais primeira que pode haver, quando Zeca encetou oprimeiro abanão na sua carreira. Foi à sua viola e à de José Niza que se encostou, em 1962, paragravar a “Balada Aleixo”. “As baladas são uma música do século XIII, da Provence”, defende oviola. “Na Europa, houve uma altura em que as baladas eram consideradas banais e atéinsultuosas, era uma musicalidade menor. O Zeca aproveita a parte romântica das baladas emete-lhe as letras que nós sabemos – com uma agitação política e social. Aí é que ele brilha”.Durval diz ainda que nunca os seus ouvidos voltaram a escutar uma tão flagrante capacidadeinventiva, uma base tão estreita para tanto mundo nela florescida. “Ele só sabia aquelas duas outrês posições na viola e isso deu-lhe para fazer aquela panóplia de coisas. Conseguia estar namesma posição e fazer todos aqueles ornamentos com a voz, uma coisa espantosa”. Como Zeca,acredita, terá havido Jacques Brel e pouco mais.

Ao mesmo tempo que lamenta o esquecimento em que caiu esta faceta fadista de Zeca, Durvalvolta ao futebol, lembrando um outro homem, o Cerqueira (como o cantor era conhecido dentro decampo), “jogador extraordinário, de uma habilidade brutal mas sem fôlego, só aguentava meiahora”. Em 1981, por alturas de Fados de Coimbra e Outras Canções, o fôlego estava anda maiscomprometido, a doença já a atrapalhar-lhe o básico da vida. “Já só respirava de meio do peitopara cima”, descreve Octávio Sérgio. Durval, por seu lado, garante que a memória não lhe preganenhuma partida e que, por vezes, como tantos anos antes acontecera no futebol, havia maispalavras do que reserva de ar e via-se obrigado a parar. “Para este disco”, diz o viola, “trouxe comele um fisioterapeuta japonês, que tinha uma solução. Quando lhe faltava o ar, deitava-se no chãoe o fisioterapeuta metia-lhe um joelho no tórax, dizendo que o diafragma era como uma régua.Resultava: o Zeca levantava-se e cantava aquilo maravilhosamente”.

Fados de Coimbra e Outras Canções, gravado nesse ano de 1981, funcionaria como homenagemde Zeca a Edmundo Bettencourt, de quem o seu pai fora amigo. Para o disco, Zeca recupera doisdos temas que gravara originalmente em 1960, com o grupo de fados e guitarradas de Coimbra,cujo 45 rotações seria baptizado com o primeiro tema saído da sua imaginação: “Balada doOutono”. Para Moreirinhas, essa primeira versão – sucedida, pouco depois, por outra gravadaapenas com a viola de Rui Pato – nunca teria sido do inteiro agrado de Zeca, incomodado com o

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forte cunho imposto pela guitarra de António Portugal. A outra música resgatada a esse passado,“Vira de Coimbra”, apareceria numa versão bastante diferente, única excepção noacompanhamento de Moreirinhas e Sérgio, trocados pela viola de Janita Salomé e pelocavaquinho de Júlio Pereira. “O Zeca estava muito ligado à música tradicional das Beiras, masesse vira tem sobretudo que ver com as memórias dele de estudante”, diz Janita.

Ainda e sempre, Zeca falaria ao Se7e numa leitura política válida da gravação do disco: “O fadode Coimbra não é de direita nem de esquerda, é um depósito de carácter cultural, é um produtoque tem a sua época e se justifica em determinado contexto coimbrão. Então, eu resolvi – emparte porque sempre tive uma grande admiração por Edmundo Bettencourt e para tentar dar aideia de que o fado de Coimbra não é exclusivo da direita – gravar este disco”. Zeca Afonso,revolucionário, inquieto, insubmisso, deixou o fado devido ao conservadorismo e não podereternizar-se num mesmo lugar, e a ele voltou quando o sentiu ameaçado, ali detectando uma“memória histórica” colocada em perigo, abafada pelo crescente contágio do imperalismo culturalanglo-saxónico.

Acompanhando Zeca no mítico concerto no Coliseu dos Recreios, em 1983, Octávio Sérgio – queresume a sua relação musical com Zeca na frase “Quem ganhou fui eu, não foi ele” – ainda seemociona ao transportar-se novamente para essa noite. “Saí de lá arrasado de emoção”,confessa. Em palco, ao ouvir-lhe uma vez mais “Balada de Outono”, esbarrou num dos tantosversos da noite e quase se lhe escapou furtivamente uma lágrima. “Ó ribeiras chorai que eu nãovolto a cantar” tinha ali um outro peso, traído, violento, de quem se sabia numa despedida.

Zeca Afonso gravaria ainda dois discos de estúdio. Mas Fados de Coimbra e Outras Canções,último para a Orfeu de Arnaldo Trindade, carrega consigo uma reconciliação com os seusprimeiros anos, uma forma de se desembaraçar de amarguras e de lançar, naturalmente, amarrasaté ao seu pai. Guarda uma fortíssima simbologia: de uma não recusa do passado, de voltar afazê-lo presente, de nos lembrar subtilmente que nada do que está para trás deve ser deixadodesamparado. As canções daquele que foi o maior autor da Música Popular Portuguesacontinuam aí vivas, de sangue fervido a descer as ruas. Porque sempre que ao povo falha a vozou precisa de outra mais forte para se ouvir, sempre que falta o equilíbrio, tremem as pernas e aluta se impõe, as vozes e as mãos procuram onde se agarrar e encontram Zeca Afonso. Comouma parede, como uma rocha. Não, não vai a lado algum. Fica ali, à espera que o reclamemoscomo nosso, como parte de nós.

Gonçalo Frota, Abril de 2013

Alinhamento:

1 - Saudades de Coimbra 2!56”

2 - Fado D!Anto 2!23”

3 - Senhora do Almortão 3!09”

4 - Mar alto 2!50”

5 - Fado da sugestão 3!36”

6 - Balada de Outono 4!11”

7 - Inquietação 3!13”

8 - Fado dos olhos claros 2!46”

9 - Vira de Coimbra 3!53”

10- Não é meu bem 2!51”