JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR KADAFI: Uma análise dos Jornais El País e o Estado...

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Cinthia Lopes Henriques JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR KADAFI: Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images Belo Horizonte Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) 2012

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A relação da internet com a Primavera Árabe está muito além do jornalismo participativo. O “fenômeno” que tomou conta do mundo árabe foi organizado pela rede e tomou proporções inacreditáveis e impensáveis sem a contribuição das TIC. O jornalismo participativo foi obviamente importante na divulgação das informações sobre a morte do ex-ditador líbio, Muammar Kadafi. Mas o que chama atenção é a forma como o processo aconteceu.

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Cinthia Lopes Henriques

JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR

KADAFI:

Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2012

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Cinthia Lopes Henriques

JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR

KADAFI:

Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images

Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação e Design

(ICD) do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), como

requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Jornalismo

Orientadora: Lorena Tárcia

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2012

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AGRADECIMENTOS

Enfim, chegou o momento! Foram quatro anos de muitas coisas sérias, mas também de muitas

brincadeiras e descontração. O meu muito obrigado aos meus pais, que me deram o apoio

necessário para que eu pudesse investir nessa empreitada. A minha mãe, Maria Tereza, por toda

paciência e dedicação. Ao meu pai, João, um abraço especial de dever cumprido!

Aos meus queridos amigos, Clésio, Fê, Lucas, Cleiton, Mateus o meu agradecimento por

entenderem a minha ausência e por fazerem parte de tantos momentos especiais. Quantas brejas

eu deixei de compartilhar com vocês? Ah que saudade! A Lô, metade do diploma é seu! A minha

amiga Rá, que sempre me fez dar boas gargalhadas e me ajudou com bons conselhos. Ao Marco,

simplesmente por me receber de braços abertos quando eu mais precisei e por acreditar nos meus

sonhos. Ao Bruno, pelas palavras mágicas e sóbrias. Ao Bê, por ser o FDP mais gente boa que eu

conheço. A minha amiga Vanessa Seixas, por compartilhar o desespero de laudas e laudas. E

quantas foram? Perdi a conta! Ao Bruno Frade, pelas horas e horas de desabafo! Ao Glaydston,

por compartilhar suas nerdices, me dar o apoio técnico necessário e mais que isso ser o parceiro

ideal em projetos ousados.

A coisa mais bonitinha e graciosa do mundo, meu sobrinho Bernardo, que no meio dessa

empreitada resolveu que estava na hora de nascer. Aos meus irmãos e cunhadas, pela

compreensão.

A minha querida orientadora, Lorena Tárcia, que me ajudou nos momentos de apuros. Pela

paciência, delicadeza e cordialidade com que sempre me tratou. O meu muito obrigado. Sigo com

a certeza de que você é um grande exemplo na minha vida. Aos meus mestres, que me

acompanharam durante toda esta caminhada, em especial a Angela Moura, por embarcar junto

nos projetos mais malucos, ao Maurício Guilherme pelas sutilezas e a Virgínia Palmerston pelo

carinho.

Na delicadeza, na suavidade e na vontade de quem quer voltar eu encerro mais uma etapa. A

todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste momento,

OBRIGADA. Um caminho novo está começa a ser desenhado agora e eu sigo com a certeza de

que valeu a pena. A todos esses que eu citei acima, mais uma vez OBRIGADA, conto com cada

um nas próximas expedições. SALUDOS!!!

Enfim, formei! Vamos comemorar?!

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Página informado captura de Muammar Kadafi ............................................................ 41

Figura 2 - Página do jornal O Estado de S. Paulo com primeiras fotos do corpo de Muammar

Kadafi ............................................................................................................................................ 43

Figura 3 - Detalhe da primeira imagem de kadafi divulgada em que é possível perceber os ícones

do dispositivo de câmera Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional, kadafi-morre-

de-ferimentos-na-captura-diz-governo-provisorio, 787987,0. htm ............................................... 44

Figura 4 - Galeria de fotos sobre a queda de Kadafi ..................................................................... 45

Figura 5 - Vídeo do colunista Lourival Sant’Anna na página do jornal O Estado de S. Paulo ..... 47

Figura 6 - Vídeo mostra corpo de Kadafi exposto na página do jornal O Estado de S. Paulo ...... 48

Figura 7 - Matéria da página do O Estado de S. Paulo sobre o uso de celulares no registro da

morte de Kadafi ............................................................................................................................. 49

Figura 8 - Primeira matéria sobre a morte do ex-ditador líbio na página do El País .................... 50

Figura 9 - Vídeo postado na página do El País sobre os últimos momentos de Kadafi................ 51

Figura 10 – Primeira notícia sobre a morte de Muammar Kadafi divulgada através do twitter ... 52

Figura 11 Matéria do jornal El País reprodudiza da agência Reuters ........................................... 53

Figura 12 - Matéria do El País sobre as últimas horas de vida de Muammar Kadafi ................... 54

Figura 13 Vídeo do YouTube mostra últimos minutos de vida do ex-ditador Líbio ..................... 57

Figura 14 - Artigo opinativo sobre morte do ex-ditador da Líbia ................................................. 59

Figura 15 - Depoimento do jornalista líbio Mohamed al Seguir sobre o envio de informações à

imprensa internacional ................................................................................................................... 60

Figura 16 - Galeria de fotos sobre a captura de Kadafi ................................................................. 61

Figura 17 - Foto de Muammar Kadafi utilizada no Google Images .............................................. 62

Figura 18 - Fotos de Kadafi postadas em blog americano ............................................................ 63

Figura 19 - Fotos sobre a queda de Kadafi em fotoblog ............................................................... 64

Figura 20 - Cobertura do site Global Post sobre a morte de Kadafi .............................................. 65

Figura 21 - Cobertura da morte de Kadafi no site do jornal inglês The Guardian ........................ 66

Figura 22 - Cobertura do Daily Mail da morte de Kadafi ............................................................. 67

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 7

1 JORNALISMO PARTICIPATIVO E/OU COLABORATIVO .................................................. 9

1.1 Sociedade em Rede e autocomunicação de massa .................................................................... 9

1.2 Webjornalismo ......................................................................................................................... 12

1.3 Jornalismo participativo, internet e ciberativismo ................................................................... 14

1.4 Jornalismo Participativo e os critérios de noticiabilidade ....................................................... 18

2 GLOBALIZAÇÃO E JORNALISMO INTERNACIONAL .................................................... 21

2.1 Tecnologias, identidades e informação ................................................................................... 21

2.2 Jornalismo internacional e Internet ......................................................................................... 23

3 PRIMAVERA ÁRABE E O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO .............................................. 27

3.1 Primavera Árabe ...................................................................................................................... 27

3.2 Os levantes no Oriente Médio e as redes sociais ..................................................................... 28

3.3 Confrontos na Líbia ................................................................................................................. 31

3.3.1 Breve história Líbia .............................................................................................................. 31

3.3.1 Muammar Kadafi .................................................................................................................. 33

4 JORNALISMO PARTICPATIVO E A COBERTURA DA MORTE DE MUAMMAR

KADAFI ........................................................................................................................................ 36

4.1 Metodologia ............................................................................................................................. 36

4.2 Apresentação do objeto ........................................................................................................... 38

4.3 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal O Estado de S. Paulo .................... 39

4.4 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal El País .......................................... 49

4.5 Google Images ......................................................................................................................... 62

CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 68

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 70

ANEXOS ....................................................................................................................................... 73

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INTRODUÇÃO

A comunicação talvez tenha sido a área do conhecimento que mais tenha se transformado nas

últimas décadas. As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) mudaram a forma como

nos relacionamos. Como resultado desse fator, os paradigmas das relações sociais foram

alterados. A noção de tempo, espaço e sociedade projeta o nascimento de uma nova identidade

global. Fatos que antes eram isolados ao local do acontecimento, agora ganham repercussão

mundial mobilizando pessoas em diversos países.

Foi assim que em 2011, o mundo árabe passou por profundas transformações, a Primavera Árabe,

um fenômeno novo bastante disseminado através da internet. As rebeliões começaram depois que

imagens de Mohamed Bouazzi ateando fogo ao próprio corpo em protesto ao regime do seu país,

a Tunísia, circularam pela internet, como consequência três ditadores caíram

O movimento que começou na Tunísia tirou do poder Ben Ali, em seguida, atingiu o Egito,

levando a expulsão de Hosni Mubarak. E em outubro de 2011, o ex-ditador Muammar Kadafi foi

capturado e morto por insurgentes. Minutos depois da morte, imagens dos seus últimos minutos

de vida e do seu corpo foram publicadas na internet. Em uma espécie de pedagogia da mídia

várias pessoas registraram o momento e compartilharam através da rede.

Uma das imagens mais utilizadas pela imprensa mostra várias pessoas com celulares em torno do

corpo do ex-líder tirando fotos. A partir daí, nosso objetivo de pesquisa é buscar entender através

da cobertura da morte de Muammar Kadafi nas versões online do jornal espanhol El País, do

jornal brasileiro O Estado de S. Paulo e de resultados obtidos através do Google Images se houve

uma contribuição significante do jornalismo participativo. Afinal, foram os cidadãos que deram

repercussão ao caso, ou foi a lógica das grandes mídias que prevaleceu?

Para tanto, nosso estudo foi dividido em quatro capítulos. O primeiro trata do jornalismo

participativo e as mudanças de paradigmas que a colaboração de usuários trouxe para a

comunicação. No segundo capítulo entramos na discussão sobre a globalização, as identidades e

o jornalismo internacional.

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Ao chegarmos ao terceiro capítulo nossa discussão está voltada para a Primavera Árabe,

passamos aqui pela origem dos levantes; pela história líbia até chegarmos à história de Muammar

Kadafi. Tentamos entender, a partir deste capítulo, quais foram às motivações para o surgimento

dos levantes e qual a efetiva contribuição das redes sociais para a eclosão de revoltas.

Ainda que as TIC se apresentem como ferramenta de potenciais mudanças de paradigmas para a

comunicação existe um protocolo no jornalismo que barra o acesso efetivo do cidadão as

coberturas midiáticas. No quarto e último capítulo, buscamos analisar quais foram às fontes de

informação utilizadas pelos veículos. Buscamos compreender qual a proporção de utilização do

jornalismo participativo na cobertura dos grandes veículos de massa e também por veículos não

oficiais.

É impossível traçarmos na totalidade os rumos do jornalismo participativo, uma vez que suas

implicações ainda são muito recentes e apresentam dificuldades pontuais ao trabalho do

pesquisador. Avaliar a origem das informações é um dos principais empecilhos ao trabalho, uma

vez que a grande mídia ainda impõe restrições ao uso de material fornecido por cidadãos. Muitas

vezes existe apenas a citação de que determinado material foi cedido ou fornecido, mas não

existe uma contextualização dos fatores de que como isso teria ocorrido.

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1 JORNALISMO PARTICIPATIVO E/OU COLABORATIVO

1.1 Sociedade em Rede e autocomunicação de massa

Manuel Castells (1999, p. 353) discorre sobre o surgimento do alfabeto na Grécia em meados do

ano 700 a.C. e afirma que “essa tecnologia conceitual, segundo os principais estudiosos clássicos

como Havelock, constituiu a base para o desenvolvimento da filosofia ocidental e da ciência

como a conhecemos hoje.”

Essa tecnologia permitiu o desenvolvimento da comunicação humana, ocupando o espaço vago

que existia entre a comunicação oral e a escrita. Entretanto, esse processo não aconteceu de uma

única vez. De acordo com Havelock (apud CASTELLS, 1999, p. 353) foram pelo menos três mil

anos para que a sociedade se tornasse alfabética.

Sobre a evolução da comunicação, Castells afirma que estamos passando por uma transformação

tecnológica parecida com a do surgimento do alfabeto:

[...] ou seja, a integração de vários modos de comunicação em uma rede interativa. Ou, em

outras palavras, a formação de um Supertexto e uma Metalinguagem que, pela primeira vez na

história, integra no mesmo sistema as modalidades escrita, oral e audiovisual da comunicação

humana. (CASTELLS, 1999, p. 354)

A transformação da nova mídia influencia as relações sociais e culturais dos indivíduos. O

aspecto multimídia está modificando o “caráter da comunicação” e a partir deste aspecto surge a

cultura da virtualidade real.

O crescimento da televisão depois da Segunda Guerra modificou os outros meios de

comunicação. A rápida expansão da televisão se deve ao fato de que “as pessoas são atraídas para

o caminho de menor resistência”. (Castells, 1999, p. 355) A televisão representa um rompimento

com a Galáxia de Informação de Gutenberg e apresenta-se como uma grande mídia.

Aconstelação da internet é o alicerce da comunicação globalizada.

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As “culturas são formadas por processos de comunicação e todas as formas de comunicação são

baseadas na produção e consumo de sinais” (CASTELLS, 1999, p. 358), não ocorrendo, portanto,

separação entre “realidade” e representação simbólica.

Ainda analisando as mudanças da era da informação, em Comunicación y Poder, Castells (2009)

afirma que as novas lutas sociais apresentam-se em uma nova forma, o uso das tecnologias de

comunicação e as redes sociais mudaram as táticas de luta no mundo todo. Articuladas pela

internet as reivindicações ecoam por todo o mundo e mobilizam um número muito grande de

pessoas.

O ponto central para entender as transformações que as novas tecnologias trouxeram é passar

pela compreensão de como surge e estrutura-se o poder. A detenção do monopólio das forças de

repressão pelos Estados é uma das formas de ostentar o domínio, mas a construção de

significados é outra maneira utilizada pelas nações. “Cuanto mayor es el papel de la construcción

de significado en nombre de interes e valores específicos a la hora de afirmar el poder de uma

relación, menos necesidad hay de recurrrir a la violência (legítima o no).” (CASTELLS, 2009, p.

35)

É nesse sentido que Castells (2009) avalia como os mecanismos de dominação passaram por

transformações e entraram em uma nova fase, a esfera pública foi ampliada e como consequência

houve um aumento da atividade política.

O termo “autocomunicación” é evidenciado para retratar uma comunicação feita sem

intermediários (mídia). A expansão do número de computadores foi um fator decisivo para a

evolução desse processo, que se caracteriza pelo uso de uma plataforma massiva, mas que é cada

vez mais utilizada para produção de conteúdo em caráter pessoal.

A definição de comunicação, que é compartilhar significados, depende do contexto em que

acontecem as relações sociais e que acionam a informação e a comunicação. Assim, ao cunhar o

termo “autocomunicación de masas”, Castells (2009) afirma que essa nova forma de

comunicação é de massa, porque potencialmente pode chegar a uma audiência global.

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La comunicación de masas tradicional es unidirecional (el mensaje se envía de uno a muchos,

en libros, periódicos, películas, radio y televisión). Obviamente, algunas formas de

interactividad pueden incorporarse a la comunicación de masas através de otros médios de

comunicación. [...] No obstante, la comunicación de masas suele ser predominante

unidireccional. Sin embargo, com la difusión de Internet, ha surgido uma nueva forma de

comunicación interactiva caracterizada por la capacidad para enviar mensajes de muchos a

muchos. (CASTELLS, 2009 p. 88)

O “sistema de comunicação digital global” é um reflexo das relações de poder, mas não

representa o ponto de vista de uma cultura dominante. Existe aqui um sistema aberto às

tecnologias de autocomunicação.

No obstante, y precisamente porque el processo es tan diverso y porque las tecnologias de

comunicación son tan versátiles, el nuevo sistema de comunicación digital global se vuelve más

inclusivo y compreensivo de todas las formas y contenidos de la comunicación social.

(CASTELLS, 1999, p. 123)

Pierre Levy (1999) fala da relação entre a construção da realidade e a comunicação, destacando a

vocação para construir um universo cultural. De acordo com o autor, a sociedade está

condicionada pela técnica. O processo de virtualização pode ser entendido como tudo aquilo que

gera mobilização concreta sem estar preso a um local e tempo. Ele define assim a cultura da

universalidade:

Grande parte das formas culturais derivadas da escrita tem vocação para a universalidade, mas

cada uma totaliza sobre um atrator diferente: as religiões universais sobre o sentido, a filosofia

(incluindo a filosofia política) sobre a razão, a ciência sobre a exatidão reprodutível (os fatos),

as mídias sobre uma captação em um espetáculo siderante, batizado de "comunicação". Em

todos os casos, a totalização ocorre sobre a identidade da significação. Cada uma à sua maneira,

essas máquinas culturais tentam recolocar, no plano de realidade que inventam uma forma de

coincidência com elas mesmas dos coletivos que reúnem. (LEVY, 1999, p. 118)

Levy (1999) discorre sobre os conceitos de totalidade da cibercultura:

Por meio dos computadores e das redes, as pessoas mais diversas podem entrar em contato, dar

as mãos ao redor do mundo. Em vez de se construir com base na identidade do sentido, o novo

universal se realiza por imersão. Estamos todos no mesmo banho, no mesmo dilúvio de

comunicação. Não pode mais haver, portanto, um fechamento semântico ou uma totalização.

(LEVY, 1999, pp. 120, 121)

O autor afirma que “a cibercultura inventa uma outra forma de fazer advir a presença virtual do

humano frente a si mesmo que não pela imposição da unidade de sentido.” (Levy, 2009, p. 248)

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1.2 Webjornalismo

A atividade jornalística teve seu início antes da Revolução Industrial, mais precisamente entre os

séculos XV e XVI, mas é apenas durante a Revolução Francesa que o jornalismo destaca-se

como ferramenta de divulgação do que é de interesse público para a sociedade.

O jornalismo passa por sua segunda revolução com a ascensão das novas tecnologias. A primeira

aconteceu a partir da década de 1950 com a invenção da rotativa e da industrialização do

jornalismo.

As novas tecnologias rompem com o padrão de comunicação vertical que existia no jornalismo

tradicional. No novo modelo, a principal característica é uma comunicação horizontal, de muitos

para muitos. A principal característica desse modelo é a quebra de paradigma com o modelo

“emissor-meio-mensagem-receptor”, levando-se em consideração que o receptor passa a ser

também produtor e mediador das informações. . Prado (2011) afirma que se a primeira Revolução

Industrial foi britânica, a primeira revolução tecnológica é americana, mais precisamente

localizada no Vale do Silício.

Magaly Prado (2011, p.182), defende que não existe mais a separação entre “produtor de mídia e

consumidor”. De acordo com a autora, no final dos anos 1990 o rápido crescimento da internet

ampliou a cultura do “faç@ você mesmo”, que permitiu aos usuários se tornarem produtores de

conteúdo. A autora faz um levantamento das várias fases da web até a contemporaneidade.

A primeira fase – web 1.0 – é a da publicação com browser, portais, sites, homepages,

linguagem HTML, e-mail, livros de visita, fóruns, chats, álbuns de fotos, os primeiros sistemas

de busca etc. A segunda fase é a da cooperação, com redes de relacionamento, blogs, marketing

viral, social bookmarking (folksonomia), webjornalismo participativo, escrita coletiva,

velocidade e convergência. (PRADO, 2011, p. 189)

Targino (2009, p. 135) faz a categorização do webjornalismo em três gerações. Sendo a primeira,

a fase de transposição ou reprodução em que os “mass media se limitam a disponibilizar a versão

do material impresso, a cada dia”. A segunda geração é a fase da metáfora em que os sites ainda

reproduzem conteúdo da versão impressa, mas já existem ferramentas de interatividade. Já a

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terceira geração, é designada de hipermidiática, pois os recursos de interatividade aumentam com

o uso da hipertextualidade.

A adesão ao webjornalismo reduz custos e diminui burocracia nos grandes veículos e como

consequências disso as redações estão cada vez menores e o perfil dos jornalistas mudou

completamente. É necessário que o webjornalista saiba administrar as mais variadas mídias

disponíveis, o que Prado (2011) nomeia de profissional “multimídia e multitarefeiro”.

O desafio desses novos profissionais é em linhas gerais saber lidar com as mídias e qual

tratamento aplicar para cada uma delas, sem cair na superficialidade das informações. Com as

novas ferramentas móveis, as notícias podem ser acessadas em qualquer lugar, a qualquer hora e

sendo atualizadas em tempo real. Além disso, as fontes de informação se multiplicam a cada dia.

O desafio dos veículos tradicionais é entender como despertar o interesse do usuário pelo seu

conteúdo.

A cultura digital se transformou nos últimos anos, a evolução das ferramentas de

compartilhamento de dados e a convergência de mídias proporcionaram que o usuário passasse a

gerar informação. “O usuário comum participando e gerando conteúdo começou com o

surgimento das ferramentas amigáveis, ou seja, mais fáceis de publicação e distribuição, como a

dos blogs”. (PRADO, 2011, p. 184)

Prado (2011) afirma que os sistemas de tagueamento, a introdução de palavras chaves que

sintetizam o assunto tratado, ajudaram na formação de “comunidades” ou grupos online que se

juntam para discutir um assunto de interesse comum.

A vantagem das tags é que são personalizáveis, isto é, não precisam ser palavras

institucionalizadas ou rótulos controlados ou predefinidos. Por esse motivo, são sistemas de

folksonomia, criado por Thomas Vander Wal, um designer da informação e expressam um tipo

de organização criada por pessoas. (PRADO, 2010, p.184)

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1.3 Jornalismo participativo, internet e ciberativismo

De acordo com Lindemann1 (2006, apud PRADO, 2011, p.45): a “idéia de transformar

internautas comuns em repórteres surge, no mundo, em iniciativas como Slashdot, Ohmy News,

Wikinews”. Prado (2011) afirma que em algumas plataformas de jornalismo colaborativo existe

uma edição das informações enviadas pelo público. Mas o objetivo desses sites é ser uma opção

para o usuário às já conhecidas mídias.

O envio de vídeos pelos usuários se tornou cada vez mais comum no jornalismo participativo. De

acordo com Prado (2011), a partir de 18 de novembro de 2009, o YouTube criou o YouTube

Direct, um canal que permite que qualquer usuário inclua vídeos nas páginas dos jornais, sem que

seja necessário fazer cadastro. Essa ferramenta possibilita que os veículos escolham quais são os

vídeos relevantes de acordo com o assunto.

O webjornalismo participativo pode ser definido como hipertexto cooperativo de interação

mútua: não há apenas um produtor, como nas mídias de massa, mas todos os usuários podem

vir a ser produtores de notícias. Esse tipo de interação ainda é pouco explorada e, por suas

características, gera questionamentos quando comparadas ao jornalismo clássico. (FONSECA;

LINDEMANN, apud PRADO, 2010, p. 88).

O processo de identificação, mobilização e articulação de causas sociais que ocorre no cotidiano

é potencializado nas redes sociais digitais. Os indivíduos ampliam o debate e os canais de difusão

reforçando, sensibilizando e projetando problemáticas.

Na dinâmica das redes, os fenômenos que popularmente conhecemos como “efeitos cascata ou

em cascata” são exemplos de ação coletiva que pode ser induzida pelo poder público,

principalmente em situações onde a resolução do problema comum depende de uma adesão do

maior número de atores sociais possível. A importância dos fluxos de informação para a

realização de ações coletivas coordenadas também aparece claramente em regimes totalitários,

onde o direito à reunião e ao trabalho dos jornalistas são normalmente diminuídos ou

eliminados, como estratégia de combate aos opositores. A sequência de eventos conhecida

como “Primavera Árabe”, onde em vários países, ditaduras antigas tem enfrentado oposição nas

ruas, é um exemplo das possiblidades de análise com um olhar interdisciplinar que envolva

teorias de Rede e de Comunicação. A utilização de redes sociais para contornar as restrições de

comunicação nesses cenários e potencialmente gerar mudanças em escala e velocidade inéditas

também reforça o interesse desse tipo de abordagem e sua utilidade para a compreensão de

situações e sistemas de considerável complexidade. (SANTOS, 2012, p.68)

1 LINDERMANN, Cristiane. (livro) In: PRADO, Magaly. Webjornalismo. Rio de Janeiro: LTC, 2011. p.33.

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O ciberativismo parte da esfera pública para a privada. As relações são construídas através de

interesses em comum que criam e unem grupos dispostos a mobilizaram-se em favor de uma

causa.

É importante ressaltar o papel dos mecanismos automatizados de busca e seleção de pessoas

que compartilham interesses ou amigos comuns. Em plataformas como o Facebook e o Twitter

tais mecanismos estão presentes e potencializam o crescimento das redes pessoais bem como a

quantidade de usuários dessas plataformas a um ritmo intenso e em curtos períodos de tempo.

Em fevereiro de 2012 o Facebook já tinha mais de 845 milhões de usuários ativos. (SANTOS,

2012, p. 59)

O desenvolvimento das mídias sociais digitais alterou o comportamento dos indivíduos nas

relações humanas. As ferramentas tecnológicas permitem a formação de redes em defesa de um

interesses em comum estruturadas em uma nova forma de cidadania da era globalizada.

Diferentemente dos anos 60, quando a circulação da informação era monopólio das grandes

organizações, atualmente, o avanço das tecnologias tem possibilitado o envolvimento dos

indivíduos na produção e compartilhamento de conteúdo midiático alterando os padrões de

consumo e permitindo que se configure a noção de cultura participativa. A convergência de

diferentes mídias tem servido a estratégias de um número crescente de movimentos sociais,

uma vez que os usuários aprenderam novas formas de interagir com o conteúdo que encontram.

Essa cultura participativa acompanha o desenvolvimento tecnológico que sustenta a

convergência midiática e cria demandas que as mídias de massa ainda não estão aptas a

satisfazer. (GREGOLIN, 2012, p. 12)

A construção da notícia ganhou um novo formato mais interativo e “democrático”. Os usuários

abandonaram o papel de receptores e participam do ciclo de criação, repercussão e reprodução de

informações de forma ativa e fundamental, inclusive para os veículos tradicionais.

Com a expansão das redes sociais, o fluxo de informação inverteu-se de forma considerável. As

notícias até então saíam das redações de veículos tradicionais, chegavam ao público final e eram

repercutidas em um ciclo que passava do espaço público para o espaço privado. Concomitante

com o crescimento das plataformas convergentes ocorreu uma inversão do fluxo de informações,

que trouxe uma reorganização no consumo de notícias. A partir deste momento, os veículos

tradicionais buscam pautas nas redes sociais.

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O modelo transmissionista (emissor>mensagem>canal>receptor), que parecia para alguns ser o

modelo natural da comunicação de massa, ganha nova maquiagem. O fluxo jornalista > notícia

>jornal >leitor, por exemplo, renova-se em jornalista>notícia>site> “usuário”. (PRIMO,

TRÄSEL, 2006, p. 2)

Dentro dessa perspectiva, as mídias online agregaram algumas características à produção de

noticias, a saber, a ampla cobertura; a informação não tem limite geográfico; o acesso de milhares

de usuários à rede mundial de computadores; e o aspecto de simultaneidade e instantaneidade.

Castells (2006) destaca ainda a formação de redes de comunicação alternativas, que surgiram na

efervescência da participação dos usuários em plataformas digitais e tornaram-se ferramentas de

circulação e atualização de informações.

A constituição de redes de comunicação autônomas chega também aos meios de comunicação

mais tradicionais. As televisões de rua e as rádios alternativas – como a TV Orfeo em Bolonha,

a Zaléa TV em Paris, a Occupen las Ondas em Barcelona, a TV Piqueteros em Buenos Aires – e

uma enorme quantidade de mídias alternativas, ligadas em rede, formam um sistema de

informação verdadeiramente novo. (CASTELLS, 2006) 2

O papel do profissional de jornalismo neste novo contexto do novo fluxo de informação deixa de

ser exclusivo como filtro para as informações. Com essas novas características, a apuração dos

fatos depende fundamentalmente das relações entre cidadãos e jornalistas.

Historicamente encarregados de informar os sistemas democráticos, seu futuro dependerá não

de quão bem informam, mas, sobretudo, de quão encorajam e mantêm diálogos com os

cidadãos, em alusão à cidadania e a temas de interesse do indivíduo como eixo central do

noticiário, em que o papel de selecionar e produzir conteúdos noticiosos deixa de ser privilegio

de uma classe profissional. (TARGINO, 2009, p. 170)

A internet democratizou o acesso às fontes e, além disso, criou um novo espaço onde

potencialmente qualquer usuário, desde que, preparado tecnicamente, pode ser utilizado como

fonte. Mais uma vez, quebrando o paradigma de fontes oficiais e da posição dos jornalistas como

únicos e exclusivos mediadores das informações.

2 CASTELLS, 2006. A era da intercomunicação. Diplô Brasil. Disponível em http:<//diplo.org.br/2006-08,a1379>.

Acesso em 23. Set. 2012.

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17

A novidade do jornalismo digital reside no fato de que, quando fixa um entorno de arquitetura

descentralizada, altera a relação de forças entre os diversos tipos de fontes porque concede a

todos os usuários o status de fontes potenciais para os jornalistas. Se cada indivíduo ou

instituição, desde que munido das condições técnicas adequadas, pode inserir conteúdos no

ciberespaço devido a facilidade de domínio de áreas cada vez mais vastas, fica evidenciada

tanto uma certa diluição do papel do jornalista como único intermediário para filtrar as

mensagens autorizadas a entrar na esfera pública, quanto das fontes profissionais como

detentoras do quase monopólio do acesso aos jornalistas. A possibilidade de dispensa de

intermediários entre as fontes e usuários implode com a lógica do predomínio das fontes

profissionais porque transforma os próprios usuários em fontes não menos importantes.

(MACHADO, 2002, p. 6)

Retomando à questão dos veículos tradicionais, com a ascensão das novas mídias, cidadãos,

ONG’s e movimentos sociais conseguem atrair espaço entre os mass media para questões de seus

interesses. Utilizando o ciberativismo, cidadãos emplacam pautas nos veículos, criando um

processo de repercussão ainda maior e acrescentando o “valor” credibilidade as informações

repassadas. Uma vez que os veículos tradicionais ainda são vistos como referência. Os

desdobramentos de tais tendências ainda são recentes e é impossível de se fazer uma avaliação

completa. É o que avalia Santos (2012).

As redes e as tecnologias de informação e comunicação têm gerado impactos sociais, culturais e

políticos que provavelmente ainda não possamos avaliar na totalidade, basicamente por

estarmos no meio do processo e fazermos parte dele, estando cientes disso ou não. (SANTOS,

2012, p. 67)

Newman (2009) destaca pelo menos três características que fazem com que o jornalismo

participativo contribua para que as empresas de comunicação abram espaço para este segmento

de jornalismo.

• Contar histórias melhores: construção de uma visão Dan Gillmor: há sempre alguém que sabe

mais do que você, organizações de notícias estão utilizando o crowdsourcing de comentários,

fotos, vídeos e ideias. Esses suplementos e complementos aliados as suas próprias fontes de

obtenção de notícias enriquecem a saída da informação.

• Fazer um relacionamento melhor: usuários engajados tendem a ser mais leais e passar mais

tempo, tornando-os mais valiosos para os anunciantes ou para a promoção e venda de serviços

de outras empresas.

• Obter novos usuários: com o público gastando mais e mais tempo com redes sociais, estes se

tornaram o lugar mais óbvio para procurar o "difícil acesso" ou se reconectar com os partidários

anteriores. (NEWMAN, 2009, p. 7, tradução nossa)

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Newman (2009) destaca ainda a necessidade dos veículos prepararem seus profissionais para

lidar com o jornalismo participativo, pensando assim em uma lógica de cooperação produtiva e

responsável com os leitores e usuários. “Um desafio fundamental para muitas organizações de

notícias é incentivar mais jornalistas a se envolverem com essas ferramentas, e usá-los para fazer

contatos, por crowdsourcing e como um canal para suas reportagens.” (NEWMAN, 2009, p. 38,

tradução de nossa)

1.4 Jornalismo Participativo e os critérios de noticiabilidade

O jornalismo participativo trouxe uma nova lógica de valores-notícia para a comunicação. A

informação circula de forma diferente e estabelece novos paradigmas. O leitor também participa

do processo de “apuração” e demonstra seus interesses, interferindo diretamente na práxis

jornalística. Targino (2009) define o conceito de ciber-cidadão, aquele que exercita a cidadania

utilizando o ciberespaço.

A multiplicação dos difusores altera as relações entre os jornalistas e as fontes porque

transforma os usuários do sistema em fontes. Enquanto no jornalismo convencional em que

muitas vezes declarações são transcritas como notícias predomina o uso das fontes oficiais, no

jornalismo digital a participação dos usuários contribui para a utilização de fontes

independentes, desvinculadas de forma direta dos casos publicados. Com a descentralização da

redação ocorre uma inversão no fluxo de notícias, antes muito dependente das fontes

organizadas. O próprio jornalista necessita rastrear nas redes os dados antes de redigir a matéria

solicitada ou mesmo quando apura a veracidade dos conteúdos das matérias enviadas pelos

colaboradores. O alargamento do conceito de fontes coloca na ordem do dia a reflexão sobre as

consequências para o jornalismo da incorporação dos usuários no circuito de produção de

conteúdos. (MACHADO, 2002, p. 10)

Os critérios de noticiabilidade em jornalismo participativo são bastante variados. A questão é

focada na descentralização do emissor de informações, ou seja, a democratização no processo de

informações que circulam pelo espaço público. Experiências obtidas através das insurreições

iniciadas pelas plataformas digitais, como a Primavera Árabe, sugerem que os temas que ganham

notoriedade são aqueles voltados para o interesse coletivo. Neste sentido, reivindicações sociais,

denúncias de abuso de poder, corrupção e irregularidades administrativas tornam-se as principais

informações a ganhar repercussão.

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Robert Fisk (2011), correspondente do jornal inglês The Independent, ao relatar as revoltas árabes

no Egito destacou a importância que as redes sociais tiveram para burlar a censura dos jornais

que apoiavam o regime de Hosni Mubarak.

Esta é uma revolução pelo Twitter e pelo Facebook e há muito que a tecnologia derrubou as

normas caducas da censura. Os homens de Mubarak parece terem perdido toda iniciativa. Os

jornais de seu partido estão cheios de autoengano: jogam as notas sobre as manifestações para

os pés da primeira página, como se com isso fossem tirar as multidões das ruas; como se, de

fato, pelo apequenamento das notas os protestos jamais tivessem ocorrido. Mas não se precisa

ler os jornais para saber o que se tem falado. A sujeira e as cidades perdidas, confusas, os

esgotos a céu aberto e a corrupção de todo funcionário público, as prisões superlotadas, as

eleições risíveis, todo o vasto e esclerosado edifício do poder levou, por fim, os egípcios às

ruas. 3 (FISK, 2011)

O relato de experiências como essa apontada por Fisk (2011) não são novos. O que diferencia os

últimos protestos é a intensidade com que os usuários utilizaram a rede para se mobilizarem e

projetarem as informações em nível global. Em artigo publicado pela revista Veja em 2011, Jady

Pavão Júnior e Rafael Sbarai (2011) fazem um levantamento histórico do uso das TIC no mundo

todo.

2001- Filipinas - Milhares de pessoas trocam mensagens de texto no celular (SMS) para

coordenar protestos que culminam no impeachment do presidente Joseph Estrada.

2004 - Espanha - Mensagens de texto acusando o premiê José María Aznar de mentir sobre o

atentado ao metrô de Madri influenciam a eleição e impõem derrota ao primeiro-ministro nas

urnas.

2006 - Bielorrúsia - A tentativa de revolução começa por e-mail, mas não vai longe: o protesto

não tem força para derrubar o ditador Aleksandr Lucashenko, que em seguida tenta controlar a

rede.

2009 - Irã - Ativistas usam celulares e redes sociais para coordenar protestos contra fraudes nas

eleições. Em resposta, o governo bloqueia o acesso ao Twitter e ao Facebook.

2009 - Moldávia - Ações na web reúnem mais de 10.000 manifestantes anti-governo, que

responde com perfis falsos no Facebook para atrapalhar os manifestantes.

2010 - Tailândia - O movimento Red Shirt, que se opõe ao governo militar que comanda o país,

usa redes sociais para coordenar suas ações. A ação é esmagada e dezenas de pessoas morrem.

2011 - Tunísia - O ditador Zine El Abidine Ali cai após convulsão popular. As redes sociais são

usadas como meio de comunicação entre os manifestantes.

3 FISK, Robert. Esta é uma revolução pelo twitter. Carta Maior,jan./2011. Disponível em

<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17341>. Acesso em 16. Abr. 2012.

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2011 - Egito - Motivados pelos acontecimentos da Tunísia, os egípcios saem às ruas contra o

ditador Hosni Mubarak, que tenta bloquear o Twitter, ferramenta de coordenação do

movimento. (PAVAO JR. e SBARAI, 2011)

Irene García Medina e Pedro Álvaro Pereira Correia (2011) destacam o papel da simultaneidade

que as TIC trouxeram para a comunicação e relata que o processo de atualização de informações

tornou-se um processo infinito.

Internet, telefones, celulares, PDAs, televisão digital terrestre e outras tecnologias interativas

têm democratizado as comunicações de mercado. Seja qual for à mensagem que a empresa

deseja transmitir é cada vez mais necessário superar as barreiras de acessibilidade, relevância,

contexto e sedução da mensagem para se conectar ao receptor. O surgimento das redes sociais

revive a arte de contar histórias, qualquer que seja o conteúdo (filmes, publicidade, informação

comercial, apresentação da empresa). Uma boa história é divertida, sensual e emocional,

carregada de significados, é instrutivo, porque é não intrusiva. Por convite promove a

participação, a coesão e a interatividade de seus destinatários. As imagens da comunicação da

marca e organizações são correspondidas ou se desenrolam contra o pano de fundo de um tele

series com um número ilimitado de capítulos. (CORREIA, Pedro; MEDINA, Irene 2011, p.130,

tradução nossa)

Mais importante do que a forma como as matérias são produzidas é a colaboração do cidadão

com o processo de produção das notícias. Targino (2009) chama atenção para o processo de

mutação que o jornalismo vem passando nos últimos anos.

A trajetória do jornalismo nos regimes democráticos, decerto, incluindo o Brasil, mostra o

jornalismo em constante mutação e em busca de um novo fazer jornalístico, em que

invariavelmente, tanto a pretensão de vigiar os governantes ou ser por eles vigiados, como a

proteção aos cidadãos contra os abusos do poder estão presentes. (TARGINO, 2009, p. 75-76)

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2 GLOBALIZAÇÃO E JORNALISMO INTERNACIONAL

2.1 Tecnologias, identidades e informação

O fenômeno da globalização ganhou novos desdobramentos na última década com o advento das

TICs. A formação das identidades culturais no ambiente do novo espaço global é um dos pontos

mais discutidos. Com a evolução das plataformas tecnológicas, noções de espaço, tempo e

sociedade perderam seu significado original, passando a ganhar novas características mais

efêmeras, com o estímulo ao consumo unificado, que desperta em pessoas de diferentes países e

até então diversas culturas a necessidade de consumir os mesmos produtos e serviços. De acordo

com Hall (2006, p. 73), as “identificações globais” são fixadas acima da cultura nacional e criam

um fluxo de deslocamento e até extinção das “identidades nacionais”.

Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de

“identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os

mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão

bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. (HALL, 206, p. 74)

Hall (2006) defende que os fluxos da globalização são desequilibrados, tornando-a um processo

que parte do Ocidente para as periferias do mundo, o que a torna um processo essencialmente

ocidental. Entretanto, o autor destaca que se de certa forma as identidades globais estão

substituindo as identidades nacionais, as periferias também participam do efeito equalizador da

globalização.

As sociedades da periferia têm estado sempre abertas às influencias culturais ocidentais e,

agora, mais do que nunca. A ideia de que esse são lugares “fechados” -etnicamente puros,

culturalmente tradicionais e intocados até ontem pelas rupturas da modernidade – é uma

fantasia ocidental sobre a “alteridade” : uma “fantasia colonial” sobre a periferia, mantida pelo

Ocidente, que tende a gostar de seus nativos apenas como “puros” e de seus lugares exóticos

apenas como “intocados”. Entretanto, as evidências sugerem que a globalização está tendo

efeitos em toda parte, incluindo o Ocidente, e a “periferia” também está vivendo seu efeito

pluralizador, embora num ritmo mais lento e “desigual.” (HALL, 2006, p. 80)

Anthony Giddens (1991) propõe uma discussão focada nos novos processos de relações sociais

que a globalização permite.

A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala

mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são

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modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo

dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção inversa às relações

muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização

quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim, quem quer

que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre

numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores — tais como dinheiro mundial e

mercados de bens — operando a uma distância indefinida da vizinhança em questão.

(GIDDENS, 1991, p.60 – 61)

Ao analisar o fluxo de informação na sociedade globalizada, Giddens afirma que as “notícias”

desempenham um papel fundamental nas relações sociais culturais, ou seja, os sujeitos têm hoje

uma noção mais ampla dos acontecimentos globais.

A questão aqui não é que essas pessoas estejam contingentemente conscientes de muitos

eventos, de todas as partes do mundo, dos quais, antes, elas permaneceriam ignorantes. É que a

extensão global das instituições da modernidade seria impossível não fosse pela concentração

de conhecimentos que é representada pelas "notícias". Isto é talvez menos óbvio na consciência

cultural geral do que em contextos mais específicos. (GIDDENS, 1991, p.71)

A visão de uma globalização que atinge a todas as civilizações que é compartilhada por Giddens

(1991) e por Hall (2006) é contestada por Samuel Huntington (2001), que rejeita a ideia de uma

“civilização universal”, que compartilha práticas e crenças comuns em diferentes lugares do

mundo. Para ele, mesmo as TICs provocando uma maior interação entre as pessoas do mundo,

elas não conseguem “criar” uma “cultura universal”.

O conceito de uma civilização universal é um nítido produto da civilização ocidental. No século

XIX, a ideia do “fardo do homem branco” ajudou a justificar a expansão do domínio político e

econômico ocidental sobre as sociedades não-ocidentais. No final do século XX, o conceito de

uma civilização universal ajuda a justificar o predomínio cultural do Ocidente sobre outras

sociedades e a necessidade para essas sociedades de imitar as práticas e as instituições

ocidentais. O universalismo é a ideologia do Ocidente para confrontações com culturas não-

ocidentais. (HUNTINGTON, 2001, p. 78)

Castells (2000, p. 257) afirma que, “de modo geral, a globalização/localização da mídia e da

comunicação eletrônica equivale à descentralização e desestatização da informação, duas

tendências que, por ora, são indissociáveis”.

Esse fatores da globalização afetaram o jornalismo internacional. Com a disseminação das novas

tecnologias, as informações globais ganharam canais mais flexíveis de comunicação. Este

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sentimento de pertencimento a uma mesma nação global, endossado por Hall (2006) e por

Giddens (1991), cria um processo de inversão no jornalismo internacional.

Pragmaticamente, para o Jornalismo Internacional, isto significa o advento de novos fluxos de

informação que abandonam a rigidez hierárquica e centralizadora dos sistemas das agências

(apuração redação central clientes) e a concentração da pauta em um número limitado de fontes

e assuntos. Em outras palavras, o fluxo de informação em redes estende o leque de opções que o

repórter-redator de Inter tem à sua frente e permite que ele, na prática profissional, liberte-se de

todos os níveis prévios de filtros e gatekeepings e vá direto à origem primária das informações,

conferindo plena manuseabilidade sobre a matéria-prima das notícias. (AGUIAR, 2008, p. 60)

2.2 Jornalismo internacional e Internet

O jornalismo internacional é a especialidade que trata de assuntos exteriores à localização

geográfica que o jornalista está inserido. Sendo assim, essa é uma das áreas do jornalismo que

mais agregam conteúdo.

Jornalismo Internacional é, assim, uma especialização jornalística cuja definição é, por

natureza, relativa. Ao contrário do que ocorre com as definições de tipo temáticas (Jornalismo

Econômico, Político, Cultural, Esportivo...), de suporte (Telejornalismo, Radiojornalismo,

Webjornalismo, de Revista...) ou de linguagem (Literário, Investigativo, de Precisão, de

Resistência...), que têm – a princípio – descrições universalmente válidas, o Jornalismo

Internacional conta com a particularidade de variar seu objeto de interesse de acordo com a

procedência nacional do repórter que apura e com a localização (física; geográfica) do veículo

ao qual a matéria se destina. É desta forma que, nesta área, o que for exterior para uns não o

será para outros; e o assunto que é “doméstico” para um país é “internacional” para todos os

demais. (AGUIAR, 2008, p. 17)

Natali (2004) faz um resgate do surgimento do jornalismo internacional e aponta que a origem do

segmento teria ocorrido durante o século XVI, após um banqueiro alemão ter criado um

newsletter, que trazia informações voltadas para o setor de negócios como cotações de

mercadorias e “notícias” sobre política dos países europeus. O autor aponta que, já no século

seguinte, as publicações que traziam um panorama sobre a situação política e econômica dos

países europeus cresceram significativamente no continente e com isso as trocas de informações

tornaram-se fundamentais para o mundo dos negócios.

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Assim como em todas as editorias, o trabalho jornalístico na editoria internacional passou por

grandes transformações nas últimas décadas. Talvez pela questão do acesso a informação, a seção

internacional tenha sido uma das que mais teve seu trabalho facilitado pela evolução das TIC.

As agências de notícias foram durante muito tempo as principais fontes de divulgação do

noticiário internacional. Era através das agências de notícias que veículos de comunicação do

mundo inteiro noticiavam os acontecimentos mais importantes do globo. De acordo com Natali

(2004), foram as agências de notícia que deram viabilidade econômica ao jornalismo

internacional. As notícias produzidas pelas agências têm um custo inferior daquelas produzidas

por correspondentes exclusivos. Quando vários veículos pagam pela informação, como acontece

com as informações vendidas por agências de notícias, o custo é repartido.

Assim, a dinâmica da informação em uma agência de notícias de grande porte, como as já

citadas, gera um fluxo de informações sistêmico, linear e centralizado: a informação é inserida

no sistema interno da empresa pelo correspondente no exterior, transmitida para a redação

central e, de lá, redistribuída para os escritórios locais e regionais que, por sua vez, encaminham

a notícia (que é a informação depois de “manufaturada”) para os respectivos clientes. Na

prática, e fundamentalmente, o sistema de uma agência funciona mediando o contato entre as

fontes primárias e o cliente. (AGUIAR, 2008, p. 28)

Os jornalistas do noticiário internacional têm uma rotina um pouco diferente das outras editorias.

A primeira etapa é a seleção das notícias que entrarão naquela edição. Esse processo exige um

conhecimento vasto sobre a política internacional e uma capacidade de análise ao verificar o que

merece ser publicado, levando em consideração fatores como o que é relevante dentro do

contexto de cada país, a linha editorial e a importância que será atribuída a cada informação.

Na discussão sobre os critérios de noticiabilidade na editoria internacional, Natali (2004)

acrescenta que alguns fatores são privilegiados, a saber, guerras, eleições em países vizinhos,

epidemias e tragédias inesperadas, levando em consideração tanto a localização geográfica

quanto política do fato ocorrido.

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Outra figura marcante dentro do jornalismo internacional é o correspondente internacional. Esse

profissional é aquele que ou foi enviado para acompanhar uma situação especial ou vive no país e

repassa as informações do país em que vive e de territórios vizinhos para seu veículo. Os

jornalistas que residem no país são preferencialmente nomeados de correspondente internacional

e os jornalistas que vão acompanhar algum evento específico são nomeados como enviados

especiais.

Aproximando o fato para nosso objeto de pesquisa o correspondente ou enviado especial que

cobre guerras tem uma dificuldade ainda maior para ter acesso às informações uma vez que a sua

própria vida está em risco e é necessário um aparato mínimo para que ele consiga exercer sua

função. Entre esses fatores podemos destacar o idioma, a falta de conhecimento físico do local, as

particularidades e peculiaridades, levando em consideração cultura, religião e tradições. Todos

esses pontos apresentam-se como um dificultador do trabalho do jornalista. Os correspondentes

internacionais apresentam-se como filtro das informações, privilegiando uma visão de quem pode

presenciar os acontecimentos in loco.

Clóvis Rossi (2000) destacou como o roteiro de informações no jornalismo segue uma lógica dos

países capitalistas através das agências de notícias que estão em sua maioria sediadas na Europa

ou nos Estados Unidos.

Vejamos alguns números ilustrativos: a Associated Press, com sede central em Nova York, tem

8.500 assinantes em mais de cem países; a Reuters, britânica, está estabelecida em 69 países e

vende seu material para 6.500 clientes (dos quais 4.700 são jornais); a France Presse, com suas

92 sucursais no Exterior, atinge 12.400 assinantes. (ROSSI, 2000, p. 83)

A produção jornalística passou por grandes transformações com o aumento do acesso às redes

nas últimas décadas. Com o desenvolvimento das TIC, a produção de conteúdo na editoria de

jornalismo internacional mudou estruturalmente seus paradigmas na forma de transmitir

informações. É importante analisarmos que as mudanças demonstram, não apenas, uma evolução

das TICs, mas uma alteração dos modelos econômicos e sociais das comunidades modernas.

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A forma como recebemos a notícia foi alterada. Este processo marca o fim da dependência,

mesmo que não completamente, dos veículos de imprensa com as agências de notícia e

acrescenta novas características à editoria: aumento do volume de informações, memória

ilimitada (atualizações em tempo real), multimidialidade, acesso rápido e facilitado as fontes de

informação e pesquisa. A convergência é tendência predominante no paradigma tecnológico pós-

industrial. Na prática, isso significa que as ferramentas de trabalho do jornalista estão agora

integradas e se complementam para a articulação do fluxo informativo em redes. (AGUIAR,

2008, p. 76)

As ferramentas que estão inseridas no contexto da internet facilitaram muito a vida dos jornalistas

da editoria internacional. O e-mail revolucionou a forma de contatar as fontes, como destaca

Aguiar (2008, p. 78) o “e-mail veio representar um grande facilitador para atingir pessoas em

outros países, incluindo o fato de não depender da sincronia (a pessoa lê e responde quando

puder, o que ajuda no caso de fusos horários distantes)”.

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3 PRIMAVERA ÁRABE E O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO

3.1 Primavera Árabe

O movimento denominado Primavera Árabe, que atingiu os países do norte da África e do

Oriente Médio no final de 2010, começou após a autoimolação do jovem tunisiano Mohamed

Bouazizi, em protesto contra a situação política da Tunísia. De lá pra cá, três ditadores já caíram.

O último deles foi Muammar Kadafi, ditador líbio por 42 anos, deposto depois que rebeldes

apoiados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte - (OTAN) tomaram Trípoli.

Países como Tunísia, Egito, Líbia, Marrocos, Bahrein, Iêmen e Iraque entraram em estado de

caos após diversas manifestações contra a situação política e econômica, reivindicando direitos

democráticos e enfrentaram graves crises estruturais após o início das insurreições. Autores como

Joffe (2011) e Ramonet (2011) atribuem diferentes causas para a explosão de revoltas que tomou

conta desses países. Para Joffe (2011), a própria característica autoritária dos Estados árabes

impulsionou as crises.

[...] a recusa em tolerar a participação popular activa no processo de governação viria a servir

como impulsionador das crises que os regimes enfrentaram a partir do momento em que foi

encontrado o agente catalítico apropriado. E, claro, a natureza do agente catalítico explica a

cronologia das crises. Essa natureza, em si mesma, é um reflexo das consequências da repressão

e, ironicamente, das concessões de abertura política que os governantes demonstraram nos

últimos anos. Com efeito, a evolução das crises em cada Estado deu-se em função das naturezas

políticas dos próprios regimes, uma vez que apesar da sua intensa repressão política, os regimes

de Ben Ali e de Mubarak, na Tunísia e no Egipto – à semelhança do regime de Bouteflika na

Argélia, e ao contrário do regime líbio –, tinham vindo progressivamente a abrir espaço para um

certo grau de autonomia de expressão e de acção social e económica. Esse fenómeno estava

ligado a processos de liberalização política com o propósito de assegurar que o controlo do

regime nunca seria ameaçado. (JOFFE, 2011, p. 86-87)

Existem muitas discussões sobre quais teriam sido as causas atribuídas para o início das revoltas.

Os protestos tiveram diferentes catalisadores em cada país. Entretanto, as próprias características

autoritárias desses Estados provocaram as crises. Ainda que a falta de democracia e a forte

repressão sejam apontados como estopins comuns para as eclosões de movimentos de revolta,

outros fatores, como aponta Ramonet (2011)4, contribuíram para a eclosão das revoltas.

4 RAMONET, Ignacio. Cinco causas de la insurrección árabe. Le Monde Diplomatique (en Español), nº 185, Março

2011. Disponível em: <http://www.mondediplomatique.es/?url=editorial/0000856412872168

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Mohamed Habib (2012)5 chama atenção para o fato de que “uma análise coerente dessas revoltas

e suas perspectivas para 2012, deve considerar duas questões: a geopolítica e a econômica. Além

disso, as interferências externas, em especial as do Ocidente dominante, que influenciam cada

país do mundo árabe”.

O Oriente Médio, como lembra Habib (2012), sempre foi alvo dos interesses ocidentais. A

localização estratégica de muitos países juntamente com a propriedade de recursos energéticos,

tornaram esses países o alvo da cobiça americana e europeia. Nos últimos anos, os países

capitalistas apoiaram as ditaduras árabes em prol do desenvolvimento dos seus interesses nos

continentes árabes.

A fase atual, é resultado dos interesses do Ocidente pós Primeira Guerra Mundial e envolve a

localização e os recursos energéticos do mundo árabe. Os EUA, 3º maior produtor de petróleo e

2º maior de gás natural do planeta, não é visto como produtor e sim como grande consumidor,

pois precisa do dobro da sua produção para garantir seu padrão de vida. A Europa, por sua vez,

depende fortemente do gás e do petróleo árabes, principalmente da Líbia. (HABIB, 2012)6

3.2 Os levantes no Oriente Médio e as redes sociais

A Primavera Árabe trouxe uma nova discussão sobre o uso das TIC como ferramenta de

mobilização e visibilidade para "movimentos sociais organizados ou de livre manifestação cidadã

na sociedade da informação." (FÁTIMA, sd, p.1)

[...] A Primavera Árabe foi e ainda é uma revolução de povos insatisfeitos com modelos de

governos instaurados e que se utilizaram das redes sociais como ferramentas de organização e

mobilização de protestos que culminaram na ocupação pacífica, na maioria dos casos, de ruas

praças, bairros e espaços públicos das maiores cidades e pequenas vilas do Norte da África e

Oriente Médio. (FÁTIMA, sd, p. 3.)

186811102294251000/editorial//?articulo=8ca803e0-5eba-4c95-908f-64a36ee042fd>. Acesso em: 16 abr. 2012

5 HABIB, Mohamed. Primavera Árabe de 2012: mais tempestades do que flores. Carta Maior, 2012. Disponível em:

<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19373>. Acesso em: 16 abr. 2012. 6 Idem 4.

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29

Entretanto a importância das plataformas digitais nos países árabes ainda é bastante discutida e

relativizada. De acordo com Fátima (s.d.), a grande mídia atribuiu a queda dos ditadores da

Tunísia e do Egito à internet. Mas, importantes fatores geográficos, políticos e/ou religiosos não

foram contextualizados pela imprensa.

É importante darmos atenção às causas que são atribuídas às origens das manifestações. Para

muitos autores (FATIMA, s.d. e RAMONET, 2011) a onda de rebeliões no Oriente Médio e na

África não é legítima e foi provocada por uma série de interesses históricos, políticos,

econômicos, climáticos e sociais dos países capitalistas ocidentais.

Ignacio Ramonet (2011) afirma que Estados Unidos e Europa apresentavam inúmeros interesses

em derrubar os ditadores dessas nações. Entre eles, o controle do petróleo e a proteção a Israel.

Outro fator levantado pelo autor é o acesso da população às redes sociais e as motivações à que

levaram a população a difundir os protestos pela internet.

El Fondo Monetario Internacional (FMI) impuso, a Túnez, Egipto y Libia, programas de

privatización de los servicios públicos, reducciones drásticas de los presupuestos del Estado,

disminución del número de funcionarios... Unos severos planes de ajuste que empeoraron, si

cabe, la vida de los pobres y sobre todo amenazaron con socavar la situación de las clases

medias urbanas (las que tienen precisamente acceso al ordenador, al móvil y a las redes

sociales) arrojándolas a la pobreza. (Ramonet, 2011)7

Ferramentas como Twitter e Facebook foram fundamentais no processo de mobilização das

manifestações. As redes sociais funcionaram como um projetor de reivindicações de povos

insatisfeitos. O que não significa dizer que as revoltas não teriam acontecido sem as plataformas

digitais. As redes sociais formaram um canal de disseminação de informações e repercussão de

ideias, que acabaram resultando na ocupação de vários espaços públicos. Isso Castells (2011)

define ao dizer que:

En la sociedad red la batalla de las imágenes y los marcos mentales, origen de la lucha por las

mentes y las almas, se dirime en las redes de comunicación multimedia. Estas redes están

programadas por las relaciones de poder incorporadas en ellas. [...] Es decir, el processo de

cambio social precisa de la reprogramación de las redes de comunicación en cuanto a sus

códigos culturales y los valores e interesses sociales y políticos implícitos que transmiten.

(CASTELLS, 2009, p. 396)

7 idem 4.

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30

Ramonet (2011) afirma ter sido determinante para o desenrolar da Primavera Árabe. Uma

população instatisfeita, um evento tido como estopim, que, neste caso, foi a imolação do jovem

tunisiano e a repercussão gerada através das redes sociais. Esses três fatores foram fundamentais

para desencadear a reação que culminou na onda de protestos e na deposição de três ditadores.

Añádase a lo precedente: una población muy joven y unos monumentales niveles de paro. Una

imposibilidad de emigrar porque Europa ha blindado sus fronteras y establecido

descaradamente acuerdos para que las autocracias árabes se encarguen del trabajo sucio de

contener a los emigrantes clandestinos. Un acaparamiento de los mejores puestos por las

camarillas de las dictaduras más arcaicas del planeta...

Faltaba una chispa para encender la pradera. Hubo dos. Ambas en Tunez. Primero, el 17 de

diciembre, la auto-immolación por fuego de Mohamed Buazizi, un vendedor ambulante de

fruta, como signo de condena de la tiranía. Y segundo, repercutidas por los teléfonos móviles,

las redes sociales (Facebook, Twitter), el correo electrónico y el canal Al-Yazeera, las

revelaciones de WikiLeaks sobre la realidad concreta del desvergonzado sistema mafioso

establecido por el clan Ben Alí-Trabelsí. El papel de las redes sociales ha resultado

fundamental. Han permitido franquear el muro del miedo: saber de antemano que decenas de

miles de personas van a manifestarse un día D y a una hora H es una garantía de que uno no

protestará aislado exponiéndose en solitario a la represión del sistema. El éxito tunecino de esta

estrategia del enjambre iba a convulsionar a todo el mundo árabe. (RAMONET, 2011)8

Entretanto, é preciso destacar que se por um lado as redes foram utilizadas como ferramentas de

mobilização, por outro serviram como mecanismos de vigilância. É o que destaca Branco di

Fátima (s.d, p. 4), ao analisar o papel da internet na Primavera Árabe. Quando analisamos os

processos de vigilância utilizados pelas ditaduras árabes, percebemos que as plataformas se

transformaram em um “sofisticado mecanismo de coerção social”.

A rede foi amplamente utilizada como mecanismo de controle e vigilância de cidadãos.

Denúncias feitas por organizações internacionais revelaram a existência de processos de

vigilância sistemática, de massa e personalizada aos opositores políticos dos regimes no norte da

África e Oriente Médio. Com a ajuda de softwares e equipamentos desenvolvidos por empresas

multinacionais e transnacionais do Ocidente, ativistas da Primavera Árabe tiveram suas ações

rastreadas e terminaram presos e assassinados. (FATIMA, s.d, p.4) 9

8 idem 4.

9 FÁTIMA, di Branco. Primavera Árabe: vigilância e controle na sociedade da informação. Disponível

em:<http://bocc.ubi.pt/pag/fatima-branco-primavera-arabe-vigilancia-e-controle.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2012.

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3.3 Confrontos na Líbia

Os levantes árabes se concretizaram como o maior acontecimento no âmbito da política

internacional. De acordo com Ignácio Ramonet:

a queda do muro do Medo nas autocracias árabes é o equivalente contemporâneo da queda do

muro de Berlim. Um autêntico terremoto mundial. Por produzir-se no epicentro do “foco

perturbador” do planeta (este marco de todas as crises que vai do Paquistão ao Saara Ocidental,

passando pelo Irã, Afeganistão, Iraque, Líbano, Palestina, Somália, Sudão e Darfur) sua onda de

expansão modifica toda a geopolítica internacional. (RAMONET, 2011)10

O movimento que começou na Tunísia e tirou do poder Bem Ali, em seguida, atingiu o Egito,

levando à expulsão de Hosni Mubarakk. E em outubro de 2011, o ex-ditador Líbio Muammar

Kadafi foi capturado e morto por insurgentes.

Foi em Benghazi que os conflitos na Líbia ganharam repercussão. No dia 15 de fevereiro,

famílias líbias foram às ruas pedir a libertação do advogado Fathy Terbil, ativista na luta das

famílias pelo direito de recuperar o corpo de pessoas executadas. A polícia, junto com forças

aliadas do governo de Muammar Kadafi, reprimiu as manifestações com violência e as imagens

das agressões circularam pela internet e pela rede Al Jazeera. Após o episódio, manifestações

surgiram em outras cidades.

3.3.1 Breve história Líbia

Com 6,5 milhões de habitantes, a Líbia se divide em três grandes regiões, controladas por clãs

familiares que estabeleceram núcleos de poder próprios, assim como culturas e reivindicações

distintas. A história da Líbia é uma história de ocupações e desencontros de povos com

interesses, culturas e costumes diferentes tentando ocupar o mesmo território, o que gerou

inúmeros conflitos causados por esse choque cultural.

A região que hoje é denominada Líbia foi durante alguns anos assentamento de povos fenícios,

romanos e turcos. No século II a.C. colonos gregos deram o nome ao país. Em séculos seguintes,

os gregos e fenícios estabeleceram várias colônias pelo país. Basicamente, os gregos ocuparam a

10

idem 4.

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região chamada de Cirenaica e os fenícios na região de Tripolitânia. Já no século I a.C o Império

Romano conquistou a região inserindo a influência latina no território conquistado.

A Líbia foi província romana até aproximadamente 455 d.C. , quando uma tribo germânica

oriental dominou o território, mas foi conquistada pelo Império Bizantino nos anos que se

seguiram. Em 643 d.C. a região passou pelo domínio dos árabes. A Tripolitânia foi por mais de

três séculos dominada por Berberes Almoadas e a Cirenaica foi dominada pelo Egito.

No século XVI, os otomanos tomaram a região da Cirenaica e em 1551 o Imperador Solimão,

conhecido como o magnífico dominou a região da Tripolitania ao Império Otomano,

conquistando assim o poder central em Tripoli.

Em 1880, o reinado de Karamanli que havia dominado Tripoli por 120 anos, ajudou a assentar as

regiões de Fezã, Cirenaica e Tripolitânia. Essas regiões pertenciam assim, apenas nominalmente

ao Império Otomano, pois tinham bastante autonomia entre si. Durante o período de 1801 a 1805,

ocorreu a Primeira Guerra Berbere, motivada pelos Corsários, piratas que atacavam navios de

outros países, o conflito teve a interferência americana. Em 1835, o Império Otomano mais uma

vez domina o território líbio.

Quando a Primeira Guerra Mundial estourou a Líbia já havia sido dominada pela Itália. Esse

processo retirou o país do domínio do Império Otomano. Durante o período do fascismo, a Líbia

resistiu contra a Itália. Entretanto, em 1931, o líder da Libia Omar al-Mukhtar, foi morto e os

italianos retomaram o controle da ex-colônia.

Já na Segunda Guerra Mundial, a Líbia foi palco de confronto do Afrika Korps, forças da

Alemanha comandadas pelo general nazista Rommel que atuaram em território líbio com o apoio

de tropas inglesas. Após o fracasso do exército nazifascista, França e Inglaterra dominaram o

território até 1952, quando a ONU outorgou a independência Líbia. A partir daí, o país passa a

ser comandado pela monarquia do rei Idris I. Simpático ao Ocidente, permite intervenções e

benefícios a países capitalistas.

Em 1959, a descoberta de petróleo no país aprofunda a dominação de outros países e a

consequente dependência do país. Em 1969, militares oficiais movidos pelos ideais nacionalistas

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do líder egípcio Gamal Abdel Nasser, derrubam governo de Idris I. O coronel anti-imperialista

Muammar Kadafi assume o poder e adota uma postura anti-imperialista e defensora das tradições

islâmicas.

3.3.1 Muammar Kadafi

Kadafi nasceu em 1942, na cidade de Sirte, oriundo de uma família de influentes beduínos,

concluiu seus estudos na Academia Militar de Benghazi e foi presidente e chefe do Conselho

Revolucionário da Líbia. Além disso, participou da Real Academia Militar, na Inglaterra, na

cidade de Sandhurst.

Kadafi se apoiou em Mahmud Sulaiman AL-Maghribi para tomar o poder Líbia e em 1º de

setembro de 1969, os dois invadiram Trípoli e depuseram o rei Idris, quando ele fazia uma visita

à capital grega. Após o golpe de estado, o ex-ditador tornou-se líder da revolução líbia, com a

patente de coronel e adotou uma série de medidas contra americanos, que até então eram

apoiados pela monarquia de Idris, chegando a expulsá-los do país.

Durante a década de 1970, Kadafi publicou o Livro Verde, um compilado de normas para a Líbia

que defendia o que ele chamava de democracia islâmica como alternativa aos sistemas

capitalistas e socialistas. O ex-ditador foi presidente do Conselho de Comando da Revolução até

1977, e proclamou a República Árabe Líbia mudando o nome do país para Grande Jamahiriya

Árabe Popular Socialista da Líbia.

Quando os Oficiais Livres tomaram o poder, em 1º de setembro de 1969, a Líbia – muito rica

em petróleo e gás – tinha 2,5 milhões de habitantes, uma sociedade tribal composta por 75% de

beduínos. Apenas três cidades apareciam então: Trípoli, Benghazi e Misurata. As principais

mudanças operadas pelos novos governantes foram a abolição da monarquia, a instauração da

República Árabe e a consagração do “poder do povo”, num congresso realizado em março de

1973. Em 1972, a Lei nº 17 baniu o pluralismo político e proibiu a criação de partidos políticos,

como afirma o lema: “Todo membro de partido é um traidor”. (KHECHANA, 2011) 11

11

KHECHANA, Rachid. As origens da Insurreição. Le Monde Diplomatique Brasil, abr./2011. Disponível em <

http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=919>. Acesso em 16. Abr. 2012.

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Em 1977, passou a ocupar o cargo de secretário-geral do Congresso Geral do Povo e presidente

pela União Socialista Árabe, único partido reconhecido pela Constituição Líbia, que havia sido

promulgada no mesmo ano.

Durante o governo de Muammar Kadafi, a Líbia apresentou altos índices de desenvolvimento

econômico e passou a ter o maior Indíce de Desenvolvimento Humano (IDH) da África. Fatos

polêmicos marcaram o governo de Kadafi.

Após a morte de Saddam Husseim, em 2003, o ditador anunciou que desistiria de continuar a

investir em armas de destruição em massa e que apoiaria a Guerra ao Terror, iniciativa do

governo de George W. Bush contra o terrorismo. Em 2010, conversas de diplomatas americanos

publicadas pelo site Wikileaks denominavam o ex-presidente líbio como excêntrico, cheio de

manias e volúvel. “O regime líbio era brutal e impiedoso com seus opositores. Tortura e

execuções sumárias refletiram a excentricidade, a loucura assim como a inteligência de Kadafi.”

(RAMADAN, 2011) 12

O regime de Kadafi era uma ditadura. Isto é incontestável. Não havia a mais mínima liberdade

de expressão, de organização, de manifestação, de formar sindicatos. Nada. Na “Jamayria” não

havia partidos. Ao simular um sistema político que seria uma espécie de “assembleia

permanente”, o que o coronel impunha de fato, com mão de ferro, era uma ditadura policial

onde quem mandava era ele e os filhos. Um bom teste que proponho aos defensores de Kadafi:

seria ou não possível formar na Líbia um partido que defendesse as vossas ideias? Já sabem a

resposta: em poucas horas estariam todos presos se o tentassem, por mais que se desfizessem

em elogios ao “Grande Líder”.

Há muito que Kadafi tinha deixado de ser independente do imperialismo. A revolução de

Kadafi fez parte das revoluções nacionalistas árabes dos anos 50 e 60, que se inspiraram na de

Gamal Abdel Nasser do Egito. Durante alguns anos, apesar das suas excentricidades e

megalomania, o “líder da revolução” aplicou uma política que em nada agradava aos Estados

Unidos. Mas depois mudou. ( LEIRIA, 2011) 13

Em 20 de outubro de 2011, rebeldes capturaram o ex-ditador em Sirte, sua cidade natal, onde ele

havia passado os últimos meses fugindo de insurgentes e acabou sendo capturado em um buraco

12

RAMADAN, Tariq. Sobre a Líbia e a Síria. Carta Maior, ago./2011. Disponível em:

<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18356>.

13

LEIRIA, Luis. Kadafi, Assad e a esquerda. Esquerda.net, ago./2011. Disponível em: < http://www.esquerda.net/opiniao/khadafi-assad-e-esquerda>.

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de esgoto. Os rebeldes retiraram o ex-líder do esgoto ainda com vida e seguiram com ele pela

cidade torturando-o até a morte.

Vídeos e fotos, que circularam pela internet, do momento da captura mostram Kadafi ferido, mas

ainda com vida. Kadafi chega a questionar os rebeldes sobre o que ele teria feito contra eles. As

imagens que aparecem na sequência desse são as do corpo do ex-ditador já morto em exposição.

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4 JORNALISMO PARTICPATIVO E A COBERTURA DA MORTE DE MUAMMAR

KADAFI

4.1 Metodologia

Esta pesquisa foi desenvolvida por meio de análise bibliográfica sobre Jornalismo Participativo

e/ou Colaborativo, Jornalismo Internacional e Primavera Árabe. Em um primeiro plano, foram

analisados o conteúdo das versões online dos jornais El País e O Estado de S. Paulo, no período

de 20 a 21 de outubro de 2011, que se configura como o dia da morte de Muammar Kadafi e dia

posterior, respectivamente.

Em segundo plano, foram analisados, também por meio de análise de conteúdo, os cinco

primeiros resultados obtidos através de uma busca realizada na plataforma Google Images

americana, com uma das imagens mais “midiáticas” da morte do ex-ditador, ou seja, uma das

fotos mais utilizadas pelos veículos de imprensa de todo o mundo, durante os dias 20, 21 e 22 de

outubro de 2011.

São três eixos teóricos que fundamentam a pesquisa de análise na cobertura da morte do ex-

ditador líbio Muammar Kadafi. O objetivo é verificar se houve a utilização de jornalismo

participativo na cobertura feita pela “grande” imprensa, aqui representada pelos jornais El País e

O Estado de S. Paulo. Através do resultado obtido pela busca no Google Images traçamos um

paralelo, observando e analisando em quais veículos essa imagem aparece e observando se está

vinculada à grande imprensa ou a canais alternativos. A metodologia utilizada nas duas etapas é

análise de conteúdo.

No caso dos jornais El País e O Estado de S. Paulo, o recorte das datas foi escolhido porque é o

período que compreende desde a primeira notícia da morte do ex-ditador, no calor dos

acontecimentos, até a repercussão com atualização de novas informações sobre a morte. Ele é

importante para perceber como a mídia creditou suas fontes e perceber qual foi à contribuição do

jornalismo participativo na cobertura dos jornais, verificando a origem creditada das informações

contidas nas matérias.

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A busca pelas matérias foi orientada pelo recorte de tempo do dia 20 e 21 de outubro e pelos

marcadores Khadafi, Kadafi, Gaddafi, Gadafi e Qaddafi, em razão das várias grafias utilizadas na

tradução do nome para as línguas latinas e germânicas. A coleta de material foi realizada em

período retroativo buscando material do dia da morte do ex-ditador, 20 de outubro de 2011, e do

dia posterior, 21 de outubro de 2011. Foram excluídas postagens, matérias e notícias que apenas

citavam o nome de Kadafi nesse período, pois nosso objetivo é analisar efetivamente a cobertura

de sua morte.

Já no caso das mídias obtidas através do Google Images o recorte dos dias 20 a 22 de outubro tem

a intenção de traçar um micro panorama da cobertura da morte de Kadafi em canais de

comunicação de outras partes do mundo. Os veículos foram obtidos através de uma busca

realizada com uma imagem aplicada a ferramenta Google Images, que busca através de sua

tecnologia de pesquisa todas as imagens que têm características iguais a que está sendo dada

como modelo e apresenta os resultados por ordem de relevância levando em consideração

aspectos como número de acesso das páginas e similaridade das imagens.

Para Fonseca (2006) o método da análise de conteúdo é estruturado em três fases, a préanálise, a

exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Fonseca (2006)

chama atenção para o caráter híbrido da análise de conteúdo, que varia entre a pesquisa

qualitativa e quantitativa. Neste sentido Fonseca diz que:

No contexto dos métodos de pesquisa em comunicação de massa, a análise de conteúdo ocupa-

se basicamente com a análise de mensagens, o mesmo ocorrendo com a análise semiológica ou

analise de discurso. As principais diferenças entre essas modalidades são que apenas a análise

de conteúdo cumpre com os requisitos de sistematicidade e confiabilidade. (FONSECA, 2006,

p. 286)

Para melhor compreensão do corpus (anexos), ele será dividido em duas categorias de análise,

sendo:

Categoria da análise quantitativa:

- Ferramentas utilizadas para interagir com os leitores;

- Número de comentários

Categoria de análise qualitativa:

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- Critérios de noticiabilidade;

- Como se dá a participação dos usuários na construção da notícia;

- A fonte das informações da matéria;

- Análise dos atores e do contexto no qual são postados os conteúdos dos jornais;

4.2 Apresentação do objeto

O El País é um jornal espanhol do grupo Prisa - Grupo Promotora de Informaciones - foi

fundado em 1976 por José Ortega Spottorno e é o jornal de maior circulação na Espanha. A

primeira tiragem foi de 180 mil exemplares. Na década de 1980, o jornal é o segundo periódico

de informações, atrás apenas do La Vanguardia. Em 1996, durante o aniversário de 20 anos do

periódico nasce o El País Digital. Em 2011, o jornal passou por uma grande reformulação

focando sua atuação no ambiente multimídia. O periódico espanhol se define como um diário

global, independente, de qualidade e defensor da democracia pluralista. A sede do jornal está

localizada em Madrid, mas mantém redações em Barcelona, Bilbao. Sevilla, Valência e Santiago

de Compostela. Já na década de 1990, o jornal demonstrava sua postura inovadora ao lidar com

as novas tecnologias e foi o segundo jornal da Espanha a implantar uma edição eletrônica. Já em

2002, passou a cobra pelo acesso as páginas do jornal. Mas em 2005, liberou o acesso novamente

o acesso a maior parte das informações. Em 2009, atingido pela crise mundial o jornal passou

por uma redução de custos a proposta do veículo foi integrar as redações para atender uma

proposta de jornalismo convergente e atender as exigências do orçamento.

O jornal O Estado de S. Paulo foi fundado em 1875 com o nome A Província de São Paulo. É o

mais antigo jornal paulista ainda em circulação. Fundado por um grupo de 16 pessoas entre eles

Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense, o objetivo de sua criação era ser um

diário republicano. A história do jornal acompanhou o crescimento da capital paulista. A tiragem

inicial do jornal era de 2.000 exemplares, um número expressivo comparado com a população da

capital que era de 31 mil habitantes. Em 1902, Júlio Mesquita tronou-se o único proprietário do

jornal. A partir de então o jornal reforça sua postura republicana e adota campanhas de oposição

ao governo. No ano 2000, os sites da Agência Estado, o Estado de S. Paulo e do extinto Jornal da

Tarde tornam-se um único site o Estadao.com.br, voltado para atualizações em tempo real.

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Atualmente, apresenta forte apoio à centro-direita brasileira e tem reforçado sua atuação no

ambiente digital.

O Google Images é uma ferramenta que pesquisa na web todos os tipos de conteúdo relacionado

a uma imagem específica. Quando a imagem é aplicada a busca o resultado traz imagens

similares, páginas relevantes e outros resultados. Os robôs do Google analisam dezenas de fatores

nas páginas como legendas, descrições e outras informações contextuais. A ferramenta aplica

algoritmos para evitar que imagens duplicadas apareçam no resultado e garantir que os resultados

mais relevantes levando em consideração alguns critérios como número de acesso das páginas e

componentes similares das imagens.

4.3 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal O Estado de S. Paulo

Durante o dia 20 de outubro de 2011, data da morte de Kadafi, o portal do jornal O Estado de S.

Paulo criou uma página exclusiva que atualizava as informações sobre a morte do líder líbio em

tempo real com a apuração das informações. A primeira atualização da página intitulada “AO

VIVO: A captura e morte de Muammar Kadafi” foi às 9h05min e a última aconteceu às

13h53min. Entretanto, o jornal já havia noticiado à captura de Kadafi algumas horas antes. Essa

página reuniu as primeiras informações, mas à cobertura continuou com novas atualizações

durante todo o dia.

O Estadão noticiou em sua página online a tomada de Sirte às 7h34 do dia 20 de outubro de 2011,

por meio da reprodução da Reuters. Com o título “Forças do governo líbio anunciam tomada de

Sirte” vem acompanhada de uma foto com o crédito Maurício Lima/NYT e é apenas o relato da

dominação da cidade, não cita em momento algum a captura de Kadafi. As notícias relacionadas

a Kadafi foram colocadas em uma página especial exclusivamente dedicada à Primavera Árabe.

Às 8h58, a notícia “Forças do novo regime da Líbia capturam Sirta” traz mais informações sobre

a tomada da cidade natal do ex-ditador e elementos interessantes para esta análise. A matéria cita

que “Um correspondente da France Presse ouviu disparos esporádicos no bairro durante a

manhã” (O Estado de S. Paulo, 20/10/2011). Com esta informação temos a noção de que

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correspondentes de agências internacionais também acompanharam a derrubada de Kadafi, que

seria confirmada no noticiário internacional pouco tempo depois. As informações na rede muitas

vezes dão a impressão de que não havia jornalistas no local.

A primeira notícia sobre a captura de Kadafi foi postada no site do O Estado de S. Paulo às 9h29,

através de uma pequena nota de aproximadamente cinco linhas, reproduzida da Reuters com a

informação de que um oficial da alta patente do Conselho Nacional de Transição (CNT) teria

informado à agência, por telefone, sobre a captura de Kadafi. “Ele foi capturado. Ele está ferido

nas duas pernas... Ele foi levado pela ambulância, disse o oficial de alta patente do CNT à

Reuters por telefone”.

Às 9h30, o jornal publicou mais uma notícia sobre a captura. Dessa vez, a fonte era dada como

uma “televisão líbia”. A notícia “Televisão Líbia anuncia captura de Kadafi” é curta, com apenas

duas linhas e de acordo com a página foi postada diretamente de Sirte.

Em um primeiro momento, podemos perceber que o jornal privilegiou noticiar os fatos e somente

depois ir atualizando as informações com uma apuração mais detalhada. Neste momento da

cobertura, apesar de ter um correspondente na Líbia, o jornalista Andrei Netto, o jornal

privilegiou as informações das agências de notícias. Essa é uma tendência citada por Rossi

(2000) ao falar do monopólio das agências no noticiário internacional.

Nesse caso as fontes eram os canais de comunicação locais e as agências. Atualizando as

informações que foram publicadas anteriormente, às 9h39 foi publicada uma notícia de Trípoli,

onde estava o correspondente do jornal. A postagem trouxe o título “Líbia: comandante rebelde

diz que Kadafi foi capturado” (Figura 1), reunia informações de três veículos, a Al-Jazeera, a

Lybia lil Ahrar e a France Presse e afirmava que o ministro da informação do governo líbio

também havia sido capturado. Além disso, a matéria levanta pela primeira vez a possibilidade de

Kadafi estar morto, em razão de uma batalha, mas afirma não existir nenhuma confirmação.

A notícia ainda traz a fala de um comandante do CNT, desta vez foi citado o nome da fonte,

Mohamed Leith, creditado através da agência de notícias France Presse. De acordo com a fonte

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da agência de notícias francesa, citada na matéria, que teria visto o ex-ditador, ele estava muito

ferido, mas ainda “respirando”. A matéria diz que não existem informações do local exato da

captura e da então localização de Kadafi e tem uma foto de Kadafi com créditos dados a

Alessandro Di Meo/EFE e com a seguinte legenda: Ex-líder da Líbia Muammar Kadafi pode

estar morto.

"Ele foi capturado. Está gravemente ferido, mas ainda respirando", afirmou o comandante do

CNT Mohamed Leith à France Presse. Ele afirmou ter visto Kadafi, que usava um uniforme

cáqui e um turbante. O canal de TV "Libya lil Ahrar" também afirmou que o ex-líder estava sob

custódia. Não foi informado o local exato da captura, nem se sabe onde Kadafi se encontra

agora. (O ESTADO DE S. PAULO, 20 de outubro de 2011)

Figura 1: Página informado captura de Muammar Kadafi

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional, Líbia-comandante-rebelde-diz-que-kadafi-foi-capturado,

787976,0. htm

Alguns minutos depois, às 9h45, um podcast de 06h54min, com o mesmo título da matéria citada

acima, trazia o comentário em áudio do colunista de internacional do Grupo Estado Lourival

Sant’Ana. De acordo com o podcast, “a fonte primária da informação é o Conselho Militar de

Misurata [...] mas ainda não existe uma imagem do Kadafi.” Portanto, não há uma prova

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definitiva de sua captura14

Um dos fatores elencados por Targino (2009), na terceira geração do

webjornalismo, a fase hipermidiática é a interatividade, ou seja, o uso de recursos que ampliam o

contato dos usuários como os podcasts.

A primeira foto do corpo de Kadafi aparece no jornal juntamente com a confirmação da notícia

de sua morte. Com uma notícia reproduzida pela Reuters, de Sirte, a postagem “Kadafi morre de

ferimentos na captura, diz governo provisório” (Figura 2) traz duas fotos com créditos para

Philippe Desmazes/AFP. 15

É interessante ressaltar que essas fotos foram feitas de outro

dispositivo, uma foto de vídeo (Figura 3). Podemos perceber isso ao observarmos os ícones que

aparecem na tela do equipamento como bateria, tempo de gravação e número de arquivos na

memória do equipamento, etc.

14 Líbia: comandante rebelde diz que Kadafi foi capturado. Disponível em:

<http://radio.estadao.com.br/audios/audio.php?idGuidSelect=FA2A7C999E864DE38A04F62B1F852A83>. Acesso em 16.

set./2012.

15

Como já foi citado na página 47, Philippe Desmazes é fotografo da agência France Press e tirou foto de um vídeo produzido por

um rebelde, minutos depois da morte de Kadafi. Esta foi à primeira imagem a circular pela internet do corpo de Kadafi.

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Figura 2 - Página do jornal O Estado de S. Paulo com primeiras fotos do corpo de Muammar Kadafi

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional, kadafi-morre-de-ferimentos-na-captura-diz-governo-provisorio,

787987,0. htm

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Figura 3 - Detalhe da primeira imagem de kadafi divulgada em que é possível perceber os ícones do dispositivo de câmera

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional, kadafi-morre-de-ferimentos-na-captura-diz-governo-provisorio,

787987,0. htm

Essa constatação aponta que os canais de comunicação de massa foram mais rápidos para dar

visibilidade às informações. Entretanto, a fonte primária das imagens foram os cidadãos, que

neste caso, estavam presentes juntos, ao grupo de rebeldes que capturaram Kadafi. Um dos

fatores que retomam a discussão de Targino (2008) para uma comunicação obtida através de uma

relação horizontal em caráter colaborativo, entre jornalista cidadão e repórter.

Uma das características marcantes da cobertura realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo é a

convergência de mídias como destaca Prado (2011), uma das principais características do

webjornalismo. Após a confirmação da morte de Kadafi através da reprodução da agência

Reuters, o jornal publicou às 10h59 a seguinte postagem: “Andrei Netto: "A Líbia enfim está

livre de Muammar Kadafi"”, que reunia em um audioslideshow um mapa com a localização do

repórter Andrei Netto, fotos de Kadafi e imagens dos rebeldes líbios nas ruas e a narração do

jornalista do Grupo Estado sobre a confirmação da morte de Kadafi.

O correspondente volta a participar da cobertura às 11h10 em um podcast. O título “Líbios

celebram morte de Kadafi nas ruas de Trípoli” traz o depoimento ao vivo de Andrei Netto

diretamente de Trípoli, em que é possível ouvir ao fundo as comemorações dos líbios pela morte

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do ex-líder. O jornalista relata a situação do país com um depoimento entusiasmado: “é incrível a

atmosfera de festa em Trípoli neste momento”.16

O jornal privilegiou uma cobertura multimidiática com a publicação de podcasts,

audioslideshows e vídeos e às 14h26 publicou um especial intitulado “Morte de Kadafi” (Figura

4) com oito fotos sobre a queda de Kadafi. Entretanto, é interessante observar que não há neste

momento a publicação de fotos do corpo do ex-ditador.

Figura 4 - Galeria de fotos sobre a queda de Kadafi

Fonte: http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-kadafi/muammar-kadafi-esta-m, 5188c815-0a29-4eff-ba66-bc3c9902ff01

A matéria “Morte de Kadafi 'é nova era' para a Líbia, dizem líderes internacionais” reuniu

informações de quatro agências de notícias, Associated Press, Reuters, ANSA e Efe. No caso

dessa notícia, foram utilizadas diversas agências devido à localidade de cada uma delas, uma vez

que a postagem apresenta os pronunciamentos de alguns líderes internacionais.

16

Líbios celebram morte de Kadafi nas ruas de Trípoli. Disponível em:

<http://radio.estadao.com.br/audios/audio.php?idGuidSelect=3EE9E80F494A42D6A383250E6787E4C2>

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O periódico brasileiro privilegia a divulgação de informações das agências e traz ao final das

notícias publicadas nos sites as fontes utilizadas. Novamente o jornal utilizou agências de notícias

como fonte para suas matérias. Uma das características salientadas por Natali (2004) é a

preferência por reproduzir das agências de notícias por uma questão de credibilidade das

informações.

Ás 16h04 o jornal publicou a matéria “Vídeo mostra Kadafi capturado na Líbia antes da morte”

sobre o vídeo em que Kadafi aparece em poder dos rebeldes. Entretanto, curiosamente, o veículo

não publicou o vídeo. O texto traz a seguinte informação:

Várias emissoras por satélite do mundo árabe difundiram um vídeo no qual o líder deposto da

Líbia Muammar Kadafi aparece capturado vivo pelas forças revolucionárias. A gravação mostra

Kadafi ferido, com o rosto e a camisa ensanguentados, enquanto é deitado sobre o capô de uma

caminhonete, segurado por integrantes das forças do novo regime. (O ESTADO DE S. PAULO,

20 de outubro de 2011)

O jornal também abriu espaço para uma cobertura mais analítica. Ainda no dia 20 de outubro, o

jornal publicou um vídeo do colunista de internacional Lourival Sant’Anna fazendo uma análise

da queda de Kadafi e projetando o futuro político da Líbia. (Figura 5)

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Figura 5 - Vídeo do colunista Lourival Sant’Anna na página do jornal O Estado de S. Paulo

Fonte: http://tv.estadao.com.br/videos, O-FIM-DA-ERA-KADAFI, 150105,259,0.htm

Já no dia 21 de outubro os primeiros vídeos de Kadafi morto começaram a aparecer na cobertura

do jornal. A postagem “Exclusiva: Opositores comemoram em torno do corpo de Kadafi” (Figura

6) traz um vídeo que mostra o corpo do ex-líder em exposição e diversas pessoas com telefones,

filmadoras e câmeras para registrar o acontecimento. A legenda do vídeo diz: “Imagens gravadas

por celular mostram opositores comemorando em torno dos corpos de Muammar Kadafi e um de

seus filhos, Mutassim. O correspondente Andrei Netto recebeu o vídeo de um rebelde em

Misrata”. Essa citação é importante para compreendermos o caráter do jornalismo colaborativo,

em que os cidadãos e usuários participam do processo de captação das informações como cita

Castells (2009), entretanto ressalta também a utilização do jornalista enquanto agente mediador,

aquele que dará visibilidade às imagens.

Podemos perceber nesta postagem a dificuldade do trabalho do correspondente internacional

voltando à relação que Natali (2004) cita de que a cobertura de guerras é dificultada por vários

fatores. Mesmo estando no país o correspondente do Grupo Estado só conseguiu as imagens

através de uma relação horizontal construída com a fonte, que nesse caso era um dos rebeles que

filmou Kadafi.

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Figura 6 - Vídeo mostra corpo de Kadafi exposto na página do jornal O Estado de S. Paulo

Fonte: http://tv.estadao.com.br/videos,EXCLUSIVO-OPOSITORES-COMEMORAM-EM-TORNO-DO-CORPO-DE-

KADAFI,150161,259,0.htm

É interessante percebermos que os próprios veículos ressaltaram a importância das imagens feitas

pelos rebeldes. O Estado de S. Paulo postou em sua página a matéria “Imagens de celulares viram

registro importante da morte de Kadafi” (Figura 7). A notícia traz a reprodução de um vídeo da

BBC Brasil, que reúne imagens divulgadas pela internet de Kadafi sendo capturado. Neste ponto,

já se percebe uma inversão de atores. O jornalista já não é o agente mediador e as fotos e vídeos

são capturados pela imprensa a partir das publicações dos cidadãos na internet.

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Figura 7 - Matéria da página do O Estado de S. Paulo sobre o uso de celulares no registro da morte de Kadafi

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,imagens-de-celulares-viram-registro-importante-da-morte-de-

kadafi,788540,0.htm

4.4 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal El País

No caso do jornal espanhol El País a primeira matéria sobre a captura de Muammar Kadafi foi

postada às 11h54, do dia 20 de outubro de 2012, e já trazia a confirmação da morte do ex-ditador.

A postagem “Libia acelera La transición tras la muerte de Gadafi” (Figura 8) relata como foi a

morte de Kadafi e traz a informação de que “casi en el mismo momento empezaron a circular por

Internet una fotografía y un par de vídeos en los que se ve el cuerpo ensangrentado del dictador”.

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Figura 8 - Primeira matéria sobre a morte do ex-ditador líbio na página do El País

Fonte: http://internacional.elpais.com/internacional/2011/10/20/actualidad/1319104472_834719.html

A matéria traz vários hiperlinks, entre eles um vídeo que de acordo com o jornal, foi postado pelo

periódico francês Le Monde. O título do vídeo está em árabe, em português a tradução fica

próximo de “A prisão do tirano Muammar Kadafi por rebeldes de Misrata” e quando

visualizamos a página do vídeo no Youtube percebemos que o vídeo foi postado pelo usuário

Free Misurata Group, um site de notícias da Líbia. O vídeo tem apenas 54 segundos e mostra

Kadafi ainda vivo em poder dos rebeldes. Ressalta-se o fato do Le Monde não ter baseado em

fatos reproduzidos pelas agências de notícias e ter buscado uma fonte da própria Líbia, algo que

não foi feito pelo jornal brasileiro.

Entretanto, a notícia da captura de Kadafi já estava repercutindo nas redes sociais desde as 09h47

quando o periódico publicou no Eskup (Figura 9), uma espécie de rede social exclusiva do jornal

espanhol criada para repercutir os assuntos mais comentados. Um post que informava sobre a

captura do ex-ditador e citava como fonte a rede BBC.

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Figura 9 - Vídeo postado na página do El País sobre os últimos momentos de Kadafi

Fonte: http://eskup.elpais.com/1319135937-92f7e6889fd98a7c5978d6d920f10a8d

Ao longo das atualizações pela rede social, o jornal contextualizava os leitores sobre a

repercussão dos acontecimentos nas redes sociais (Figura 10). A primeira cogitação da morte do

ditador surgiu às 09h55 com a atualização do jornalista Pablo Ximénez de Sandoval dando como

fonte para a informação a agência Reuters. Uma das possibilidades que Prado (2011) cita que o

webjornalismo abre é o espaço para a opinião dos usuários.

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Figura 10 – Primeira notícia sobre a morte de Muammar Kadafi divulgada através do twitter

Fonte:

A postagem posterior aconteceu às 13h41, e é uma nota com o título “El dictador será enterrado en 24

horas”, que traz informações sobre o enterro de Kadafi. Em seguida, às 13h46, traz uma matéria

sobre a excentricidade de Kadafi. A matéria “Muammar el Gadafi, el tirano más cínico” apresenta traços

da peculiar personalidade do ex-líder líbio. O jornal dá sequência à sua cobertura trazendo uma

retrospectiva dos principais momentos do ex-líder no poder, que foi postada às 14h49 do mesmo

dia, com o título “El dictador sera enterrado en 24 horas”.

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Figura 11 Matéria do jornal El País reprodudiza da agência Reuters

Fonte: http://internacional.elpais.com/internacional/2011/10/20/actualidad/1319110898_010219.html

No dia 20 de outubro de 2011, às 19:17, o jornal El País postou em sua página uma matéria que

trazia a confirmação da morte de Muammar Kadafi, “Las ultimas horas del dictador”(Figura 12).

A matéria é uma reprodução da agência Reuters, cita como fonte a rede de televisão árabe Al

Arabiya e faz referência à postagem de um vídeo no YouTube que mostrava o momento da

captura do ex-ditador pelos rebeldes líbios. Entretanto o vídeo é apenas citado e não foi colocado

na página, além disso não existe menção à fonte do vídeo. “Horas después un vídeo colgado en

YouTube mostraba a Gadafi, herido, sangrando, pero claramente vivo en manos de un grupo de

rebeldes”.

No final da matéria, o jornal aborda a questão da difusão das fotos de Kadafi e aponta que a

agência France Press teria sido a responsável por difundir a primeira foto de Kadafi morto pela

internet. Entretanto, afirma que a foto distribuída pela France Press é reprodução de um vídeo

feito a partir do celular de um dos rebeldes. Não existe aqui referência ao nome do rebelde ou

qualquer outra informação sobre o vídeo.

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La primera foto de Gadafi muerto la ha difundido France Press. La imagen es parte de un vídeo

filmado por un rebelde con su teléfono móvil. Un fotógrafo de la agencia, Philippe Desmazes,

que cubría el conflicto en la ciudad, en Sirte, ha podido fotografiar con su cámara la pantalla de

ese móvil minutos después. El canal panárabe Al Yazira ha emitido otras imágenes que

mostraban el cadáver y cómo alguien le daba la vuelta para mostrar el rostro a la cámara. Horas

después, un vídeo difundido en You Tube le mostraba vivo en manos de los rebeles. (EL PAIS,

20 de outubro de 2011)

Figura 12 - Matéria do El País sobre as últimas horas de vida de Muammar Kadafi

Fonte: http://internacional.elpais.com/internacional/2011/10/20/actualidad/1319131038_249772.html

Um detalhe que chama atenção é que ao final desta mesma matéria existem três hiperlinks. O

primeiro está no termo “primera foto”, que direciona os usuários para a página poynter.org, que é

o site de um instituto americano de pesquisa em jornalismo. A página traz o nome do autor da

foto, Philippe Desmazes, e um breve relato dado à AFP, que divulgou a foto de como ele

conseguiu fazer a imagem. Targino (2008) defende que o jornalismo participativo caracteriza-se

pela efetiva contribuição do usuário para a mídia ou no processo de produção e

compartilhamentos das informações. Sendo assim, apesar de ter ocorrido uma participação do

cidadão ao permitir o acesso, a lógica que prevaleceu nesta foto não pode ser encarada como

jornalismo cidadão, uma vez que a repercussão ficou por conta de um veículo tradicional.

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"Um pouco mais adiante, eu notei que alguns combatentes se reuniram em torno de um

telefone. Eu tive sorte porque eu fui o único a notar. O dono do telefone me mostrou a prisão de

Kadafi, que havia filmado alguns minutos antes. Dada a luz ambiente, era muito difícil fazer

uma captura de tela. Os rebeldes se reuniram ao redor e fizeram bastante sombra para tirar a

foto. Eu tive muita sorte", disse ele. (ALDEMAN, 2011) 17

Ainda na página, há o relato do diretor de relações com a Mídia da Associated Press (AP),

agência americana que também divulgou fotos e vídeos da morte de Kadafi. O depoimento de

Paul Colford aponta como as agências foram cuidadosas ao divulgar as imagens que estavam

recebendo. “As imagens da Associated Press vieram de vídeos fornecidos por Al Jazeera e Al

Arabiya, diz Paul Colford, diretor de relações com a mídia. AP tem sido muito cuidadosa para

usar o material. Analisamos e só publicamos se nos sentirmos confortáveis a respeito, afirmou

Colford.” (ALDEMAN, 2011, tradução nossa) 18

O seguinte trecho destaca quais foram às fontes utilizadas pelas agências para conseguirem as

fotos.

Ao meio-dia, o serviço de telegrama tinha oferecido duas fotos, tanto de vídeo. "Uma delas é

uma captura do quadro da Al Jazeera, que nós creditamos. Além disso, a Al Arabiya tem o

vídeo da operação em que o ex-ditador foi baleado por um combatente rebelde. Eles forneceram

uma imagem fixa do combatente rebelde (oposição ao regime Kadafi). As imagens da Al

Jazeera chegaram por volta das 10:30 da manhã. Foi só depois que ficamos confortáveis, depois

de ver o vídeo a partir do qual foi tomada a imagem que nós publicamos a foto. Espero que

venha mais material vindo por meio da Al Jazeera conforme o dia na Costa Leste se desenrola.

"Ele também acredita que haverá imagens adicionais próximos de fontes regulares da AP.

Vídeos prestados à AP estão disponíveis em seu site YouTube com avisos para os

telespectadores sobre o conteúdo gráfico, incluindo vídeos de telefones celulares com imagens

de Kadafi, fornecidos pela Al Jazeera. (ALDEMAN, 2011, tradução nossa) 19

Targino (2009) aponta que essa é uma das características do jornalismo participativo. A mídia de

massa trabalha com a colaboração do cidadão, daí o termo jornalismo colaborativo. Essa

característica é bastante evidenciada na cobertura do jornal El País, que utilizou como fonte

agências de notícias, que por sua vez, utilizaram imagens dos canais locais e de cidadãos.

17

ANDELMAN, Bob. AFP, AP transmit graphic photos of dead Gadhafi. 2011. Disponível em

<http://www.poynter.org/latest-news/mediawire/150263/ap-transmits-gaddafi-death-images-video/> . 18

idem 16. 19

idem 16.

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Entretanto, o próprio jornal recorre a fotos e vídeos divulgados na internet, as chamadas fontes

não oficiais.

O segundo hiperlink da matéria está no termo “otras imágenes”. Ao clicarmos no termo somos

direcionados para a página da Al Jazeera. O conteúdo do site traz um vídeo de Kadafi morto,

abaixo do vídeo há o seguinte texto: “Al Jazeera adquiriu imagens exclusivas do corpo de

Muammar Gaddafi depois que ele foi morto em sua cidade natal, Sirte.” (FOOTAGE, 2011. Al

Jazeera, tradução nossa)20

A menção “Al Jazeera adquiriu imagens” faz referência a uma prática comum nas agências como

evidencia Natali (2004) que é a compra de imagens. Ou seja, a rede televisão árabe comprou as

imagens de pessoas que estavam no local. Essa prática aponta como os cidadãos contribuíram

para a cobertura, mesmo que nesse caso não tenha sido os próprios usuários que divulgaram as

imagens, foram eles que captaram as fotos. Não há novidade neste tipo de colaboração. A

novidade estaria na facilidade para as testemunhas tirarem as fotos com seus celulares e o fato de

terem tornado este conteúdo público por meio da internet, o que chamou a atenção da imprensa.

Já o terceiro hiperlink está localizado no termo “un vídeo” (Figura 12), que direciona para a

página do YouTube em que há um vídeo de 21 segundos. A primeira menção é de que o conteúdo

foi identificado pela comunidade como “sendo potencialmente ofensivo ou inapropriado”, devido

ao conteúdo violento das imagens. O título está em árabe, a tradução feita pelo aplicativo Google

Translator, serviço de tradução gratuito do Google que traduz instantaneamente textos e páginas

da web, revela que em português o título seria algo próximo da frase: “Kadafi no momento de sua

prisão”. O vídeo teve aproximadamente sete milhões de visualizações. De acordo com dados do

próprio YouTube, o vídeo teria sido postado pela primeira vez por um portal da Finlândia, atitude

comum nos países árabes, onde há restrições ao uso da web.

20

FOOTAGE shows gaddafi's body. Al Jazeera. 2012. Disponível em:

<http://www.aljazeera.com/video/middleeast/2011/10/2011102014201566639.html>. Acesso em: 23 de agosto de

2012.

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Figura 13 Vídeo do YouTube mostra últimos minutos de vida do ex-ditador Líbio

Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=NVIkck02qao&feature=share&bpctr=1353633168

Com o passar das horas no dia 20 de outubro a morte de Kadafi era um fato confirmado,

inclusive, com provas como os vídeos e fotos do corpo. Entretanto, a morte de Kadafi continuou

sendo o destaque no jornal. Mas, o enfoque das matérias e postagens mudou. As repercussões

sobre a morte de Kadafi tratavam do assunto sob o ponto de vista político abandonando,

parcialmente, o caráter noticioso e elencando características de análise. Na postagem das 19h50,

“Gadafi: El tirano excéntrico que sedujo a Occidente”, apresenta uma pequena biografia política

de Kadafi e fala sobre a estranha relação estabelecida por interesses políticos do ex-líder líbio

com líderes democráticos de todo o mundo. A matéria abre o texto com o seguinte paragrafo.

La foto del cadáver ensangrentado de Muammar el Gadafi difícilmente va a borrar la imagen de

gobernante excéntrico que el tirano se construyó durante sus 42 años en el poder. Ahora es fácil

que los primeros ministros del mundo democrático comparezcan ante las cámaras para

congratularse de la desaparición del dictador de los mil disfraces. Pero hace apenas un par de

años, los mismos políticos le recibían con los brazos abiertos esperando conquistar sus

petrodólares. Y los medios de comunicación nos entreteníamos hablando de la jaima, la camella

y la guardia personal de 30 vírgenes, que le acompañaban en sus viajes. (EL PAÍS, 20 de

outubro de 2011)

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Ao longo do dia o El País trouxe várias notícias sobre a morte de Kadafi. Às 20h07, houve uma

postagem com o título “Obama y Europa respiran por la muerte de Gadafi”, que trazia o

panorama da morte de Kadafi do ponto de vista político avaliando os problemas que a morte do

ex-ditador traria para o Ocidente caso fosse capturado e mantido vivo pelos rebeldes. Existe aqui

uma comparação com o caso de Saddam Hussein.

A última matéria do dia 20 de outubro sobre Kadafi foi publicada às 22h26, “El dividendo de la

paz Líbia”, é um questionamento sobre os desafios que o país deve enfrentar para conseguir

consolidar uma democracia. Entre os muitos problemas, um dos principais é lidar com os

interesses dos países que apoiaram os rebeldes e que agora esperam suas recompensas. Como dito

anteriormente, após a confirmação da morte de Kadafi o jornal El País privilegiou uma cobertura

analítica e podemos notar uma mudança das características da página que em um primeiro

momento trabalhavam com vários elementos multimidiáticos e depois passaram a privilegiar

apenas o conteúdo do texto.

Em 21 de outubro, dia posterior à morte de Kadafi, o jornal abriu a repercussão sobre o caso com

um artigo publicado às 07h25, “Um país sin cultura democrática” (figura 14), a análise fala da

dificuldade de estabelecer uma democracia perante a dificuldade de articulação da sociedade civil

às demandas da população. A postagem é composta apenas por texto, não tem nenhuma foto ou

vídeo.

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Figura 14 - Artigo opinativo sobre morte do ex-ditador da Líbia

Fonte: http://elpais.com/diario/2011/10/21/internacional/1319148010_850215.html

Dando sequência à cobertura sobre a morte de Kadafi e adotando uma postura mais analítica do

fato às 07h31 foi publicado mais um artigo, “La primavera árabe abate su tercera ficha”, com

observações importantes sobre a repercussão da Primavera Árabe no norte da África e no Oriente

Médio. A análise não traz elementos multimidiáticos como fotos e vídeos. Entretanto no espaço

reservado para os comentários foram postados vários vídeos por usuários e opiniões que ou

endossavam a postura adotada pelo autor do artigo ou que divergiam. Um dos comentários da

página assinada pelo usuário que utiliza o login ricardin dizia que:

La "primavera arabe" es un movimiento que derriba dictadores, pero no tiene rumbo alguno.El

autor de este articulo, al igual que la mayoria de los medios de Occidente, piensa que el destino

es un estado de derechos y libertades,con igualdad de la mujer,etc. Este modelo occidental

puede imponerse si es acompañado de una fuerte presencia militar americana/europes.Si no

fuera asi, a los dictadores depuestos, seguiran otros clanes de mafiosos, algunos mejores, otros

peores. La democracia es extraña al Islam, al igual que la separacion entre poder politico y

religion, o la igualdad femenina. (EL PAÍS, Comentário de usuário na matéria La primavera

árabe abate su tercera ficha, 21 de outubro de 2011)

A cobertura da morte de Kadafi no jornal El País caracteriza-se pela publicação de notícias e de

matérias e artigos analíticos. Sendo assim, o periódico espanhol traz uma cobertura que evidencia

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os fatos noticiosos sem deixar de lado o caráter analítico. A postagem “La ONU pide una

investigación sobre la muerte de Gadafi”, do dia 21 de outubro, às 11h41, tem caráter noticioso.

A página é aberta com uma foto da agência Reuters do cadáver de Kadafi em seguida vem o texto

noticioso com informações do aviso da ONU de que abriria uma investigação para apurar as

circunstâncias da morte de Kadafi.

É interessante perceber que o próprio jornal postou informações sobre as fontes de informação.

Às 14h44 do dia 21 de outubro o jornal publicou a seguinte postagem “Quedan muchas cosas por

aclarar en este país” (figura 15), que traz o relato do jornalista líbio Mohamed al Seguir sobre as

torturas que sofreu por enviar matérias para a rede de televisão Al Jazeera. A página traz em

vídeo o depoimento do jornalista, com legenda em espanhol. O depoimento de Seguir revela que

os próprios jornalistas líbios divulgaram a situação do país para a imprensa internacional. Fátima

(s.d.) relata que o governo monitorava as redes em sofisticado mecanismo de correção social.

Figura 15 - Depoimento do jornalista líbio Mohamed al Seguir sobre o envio de informações à imprensa internacional

Fonte: http://internacional.elpais.com/internacional/2011/10/21/actualidad/1319201091_201383.html

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O jornal deu destaque às fotos da morte do ex-líder líbio e reuniu no dia 21 de outubro de 2011,

um especial intitulado “La Captura de Kadafi” com 21 fotos sobre a captura (figura 16). A foto

que abre a sequência é focada no rosto do ex-ditador e mostra duas pessoas com celulares nas

mãos. Em seguida, temos uma foto que mostra a quantidade de pessoas ao redor do corpo que

estava exposto. É clara a opção de evidenciar a morte de Kadafi, no sentido de mostrar a derrota

dele e a vitória do Conselho Nacional de Transição.

Essa publicação foi uma das que mais tiveram repercussão na página do jornal com 296

comentários de usuários. As discussões traziam questionamentos sobre as motivações para a

morte de Kadafi. Alguns adotaram uma postura favorável à queda enquanto outros simplesmente

desacreditavam os últimos acontecimentos, afirmando ser resultado de interesses capitalistas. Os

usuários participaram dos comentários postando fotos e vídeos que endossavam suas opiniões

sobre a morte de Kadafi. Retomando o que foi dito por Prado (2011), ao elencar as possibilidades

abertas pelos comentários com o aumento da interatividade.

Figura 16 - Galeria de fotos sobre a captura de Kadafi

Fonte:http://internacional.elpais.com/internacional/2011/10/20/album/1319110850_981346.html#1319110850_981346_1319

139269

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Um comentário publicado na página sob a identificação urdangorron traz o seguinte texto: “No

ponen las fotos de la OTAN bombardeando con fósforo blanco y uranio a la población libia.

Arrasar un país es la labor humanitaria de la OTAN. ¿y que "democracia" han dejado en Irak y

Afganistán?”, seguido de um vídeo que fala dos ataques do CNT na Líbia.

4.5 Google Images

A foto aplicada ao Google Images foi realizada com a imagem abaixo:

Figura 17 - Foto de Muammar Kadafi utilizada no Google Images

Fonte: https://www.google.com/search?hl=pt-

BR&tbo=d&q=%D8%AC%D8%AB%D8%A9+%D9%85%D8%B9%D9%85%D8%B1+%D8%A7%D9%84%D9%82

%D8%B0%D8%A7%D9%81%D9%8A&tbm=isch&tbs=simg:CAQSZRpjCxCo1NgEGgIIPQwLELCMpwgaPAo6CAE

SFNwE5ASHBeIEgwXvBIIF-wT6BPwEGiD1mydkCNF1d6BMNpVms7qiZtpcbIbAipu5Oo-

dimmmuAwLEI6u_1ggaCgoICAESBHBhtO8M&sa=X&ei=kMmuUPKACIaA9QSc_4HYDg&ved=0CCQQwg4&biw=19

20&bih=930

Ao aplicarmos a imagem à busca do Google Images, obtemos em um primeiro momento páginas

em árabe, que obviamente postaram as fotos e vídeos de Kadafi morto em primeira mão.

Entretanto, devido à barreira do idioma optamos por selecionar as páginas em inglês para esta

análise.

A primeira página analisada é um blog americano nomeado Jewlicius (figura 18). Não há

informações sobre o autor, uma vez que na parte destinada à apresentação do proprietário do blog

o autor diz que é um blogueiro anônimo de Nova York. A postagem “Libyan Dictator Muammar

Gaddafi is Dead” traz uma imagem de Kadafi, seguido de um vídeo que mostra o ex ditador líbio

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em poder dos rebeldes. O vídeo foi reproduzido da rede de Al Arabiya e é narrado em árabe. O

blog reúne as informações de veículos como Al Jazeera e The New York Times e traz fotos

creditadas como fonte do site Live Leak. O fato de blogs noticiarem e divulgarem informações

são um dos pontos discutidos por Targino (2009) ao tratar dos novos paradigmas da comunicação

com a ascensão das TIC e o aumento do número de ferramentas. O nível de produção de

informações agora é de muitos para muitos retomando a discussão de Gregolin (2012) ao afirmar

que as tecnologias permitiram o envolvimento dos usuários compartilhando conteúdos e

estabelecendo uma nova ordem de cultura participativa. Porém pode-se perceber que a maioria

dos blogs apenas reproduz, sem maiores critérios, as notícias publicadas na mídia, não podendo

ser considerado como jornalismo cidadão.

Figura 18 - Fotos de Kadafi postadas em blog americano

Fonte: http://www.jewlicious.com/2011/10/libyan-dictatormuammar-gaddafi-is-dead/

O fotoblog P Log (figura 19) também divulgou a morte de Kadafi. O blog reuniu 82 fotos sobre a

captura de Kadafi. A abertura da página é a reprodução de uma nota da agência AP. Em seguida

vêm as fotos que têm como fontes diferentes agências. Especificamente a foto de Kadafi aplicada

à busca é creditada como Mahmud Turkia/AFP.

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Figura 19 - Fotos sobre a queda de Kadafi em fotoblog

Fonte: http://blogs.denverpost.com/captured/2011/10/20/the-seige-of-sirte-libya-and-the-death-of-

gadhafi/5046/?doing_wp_cron=1353005177.8403620719909667968750

O site de notícias Global Post (figura 20) também aparece no resultado de busca do google e traz

uma matéria com o título Who killed Gaddafi? Why we should care. Na tradução para o

português seria algo próximo de Quem matou Kadafi? Por que devemos nos importar. Os

créditos da foto foram dados a (Mahmud Turkia / AFP / Getty Images). Um hiperlink colocado

na matéria redireciona para um vídeo em que Kadafi aparece capturado. O vídeo não traz

nenhuma referência de fonte.

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Figura 20 - Cobertura do site Global Post sobre a morte de Kadafi

Fonte: http://www.globalpost.com/dispatches/globalpost-blogs/africa-emerges/gaddafi-execution-who-killed-gaddafi-who-

cares

Já o jornal inglês The Guardian (figura 21) deu os créditos da foto para Mohamed Messara/EPA.

A matéria do jornal britânico foi postada com o título: Gaddafi's death: growing revulsion at the

treatment of the dictator's body. Na tradução para o português a frase fica próxima de “Morte de

Kadafi: crescente repulsa ao tratamento do corpo do ditador”. A matéria que é do dia 22 de

outubro traz informações sobre as investigações das circunstâncias de morte de Kadafi. A

postagem traz informações de várias fontes como a BBC e o jornal italiano Corriere della Sera.

Além disso, o jornal inglês utiliza hiperlinks que redirecionam o usuário para uma página

especial que reúne todo o conteúdo sobre Kadafi.

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Figura 21 - Cobertura da morte de Kadafi no site do jornal inglês The Guardian

Fonte: http://www.guardian.co.uk/world/2011/oct/22/libya-gaddafi-dead-body-treatment

A cobertura do Daily Mail (figura 22) reuniu várias fotos sobre a morte de Kadafi eles utilizaram

fotos da Reuters, da AFP, da AP e vídeos postados no Youtube. No seguinte trecho temos a fala

de uma fotógrafa freelancer que viu Kadafi ensanguentado em poder dos rebeldes e que nos dá a

dimensão dos acontecimentos. Podemos perceber aqui que o que ocorre é uma multiplicação dos

difusores como salienta Machado (2002).

A fotojornalista freelancer Holly Pickett foi incorporada a uma ambulância. Ela disse que viu

outra ambulância que transportava Gaddafi. Tão perto que ela estava da ação, ela era capaz de

visualizar o corpo ensanguentado de Gaddafi. Ela diz que ele estava vestindo calças de ouro.

Ela twittou: “Da porta lateral, eu podia ver um peito nu com ferimento de bala e uma mão

sangrenta. Ele estava usando calças dourados.” (DAILY MAIL, 21 de outubro de 2011,

tradução nossa.)

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67

Figura 22 - Cobertura do Daily Mail da morte de Kadafi

Fonte: http://www.dailymail.co.uk/news/article-2051361/GADDAFI-DEAD-VIDEO-Dictator-begs-life-summary-

execution.html

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CONCLUSÃO

Talvez seja no jornalismo participativo que o jornalismo cumpra definitivamente seu papel

cidadão. O contato com os cidadãos coloca os jornalistas em uma posição de interlocutores,

quebrando a lógica da imprensa tradicional. Quem mais capacitado para falar dos seus problemas,

das suas necessidades do que o indivíduo que vivencia aquela realidade em seu quotidiano? O

jornalismo cidadão é por definição colaborativa.

Entretanto, quando ampliamos as lentes do jornalismo participativo para uma situação como a

Primavera Árabe, entramos em um campo minado. Através do corpus analisado e das nossas

referências, temos noção de que a situação em que ocorreu a morte de Muammar Kadafi foi um

ambiente de caos. O que nos interessou nessa pesquisa é que ainda assim as informações

circularam e chegaram a boa parte do mundo. Ora, por meio de jornalistas que conseguiram

material como aquele que tinha imagens e fotos do corpo do ex-ditador e reportaram a seus

veículos; ora, pelos próprios jornalistas líbios, que em um ato de coragem arriscaram a própria

vida e foram torturados, como é o caso do jornalista Mohamed AL Seguir, citado na matéria do

jornal El País; ora, pelos próprios cidadãos que estavam presentes no momento da captura e já

“alfabetizados” pela mídia fizeram fotos e vídeos da captura e do corpo do ex-ditador líbio.

Em um plano de incertezas sobre a morte de Muammar Kadafi, os veículos internacionais

privilegiaram uma cobertura baseada nas informações das agências de notícias. O que chama

atenção na cobertura dos dois jornais é a forma como trataram o uso do jornalismo participativo.

Ainda preocupados com a apuração das informações, que nos primeiros instantes da morte do ex-

ditador líbio eram incertas, quando a primeira imagem do corpo de Muammar Kadafi começou a

circular pela internet através da agência AFP, a foto era uma reprodução de um vídeo feito por

um rebelde como revelou o fotógrafo da agência Philippe Desmazes. O nome do rebelde não foi

divulgado ou citado em nenhum dos jornais, ou nos veículos analisados pelo Google Images.

A participação dos usuários é uma realidade nas redações. Entretanto, no caso da morte de

Muammar Kadafi a situação foi um pouco diferente. Atropelados por especulações sobre a

captura do ex-ditador, as imagens do corpo que comprovavam a morte só começaram a circular

algumas horas depois.

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A relação da internet com a Primavera Árabe está muito além do jornalismo participativo. O

“fenômeno” que tomou conta do mundo árabe foi organizado pela rede e tomou proporções

inacreditáveis e impensáveis sem a contribuição das TIC. O jornalismo participativo foi

obviamente importante na divulgação das informações sobre a morte do ex-ditador líbio. Mas o

que chama atenção é a forma como o processo aconteceu. Sabendo das inúmeras dificuldades

para conseguir as imagens, os próprios jornalistas que estavam na Líbia estreitaram seus

relacionamentos com as fontes e as imagens como foi o caso do fotógrafo da agência AFP e do

jornalista Andrei Netto, do Grupo Estado.

O que torna interessante a pesquisa é a forma como a contribuição dos cidadãos quebra a lógica

tradicional da imprensa, que coloca os jornalistas em uma posição de único e exclusivo

divulgador das informações. Através dos resultados do Google Images podemos perceber que

blogs e outras páginas fora das mídias de massa também repercutiram as imagens e vídeos de

Muammar Kadafi, porém pautados pela grande imprensa, reproduzindo também eles, fotos e

vídeos das agências internacionais.

Apesar de todo potencial que as tecnologias projetaram para o jornalismo participativo a lógica

do monopólio das agências de notícias permanece no noticiário internacional. A grande mídia

ainda é resistente em aceitar a participação de usuários e a recorrer ao material divulgado através

da internet.

Esse trabalho é apenas uma primeira conclusão sobre o caso. A Primavera Árabe foi um dos

assuntos mais comentados durante o último ano, mas seus desdobramentos ainda são impossíveis

de serem previstos em sua totalidade. Outros estudos precisam ser feitos para avaliar os

resultados desses movimentos. Quanto ao jornalismo participativo o amadurecimento do cidadão

repórter surgirá como resultado de um processo de amadurecimento do jornalismo e a mídia.

Page 70: JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR KADAFI: Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images

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ANEXOS

El País

20/10

Una nueva era arranca en líbia

La captura de Gadafi

El dictador será enterrado en 24 horas

Muammar el Gadafi, el tirano más cínico

El gran secreto que se ocultaba en Sirte

Y van tres dictadores caídos

Una familia en descomposición

Libia después de Gadafi

Así fue la caída final de Sirte

¿Es viable una democracia en Libia tras la guerra y la muerte de Gadafi?

Las cuatro décadas de Gadafi en el poder

Las últimas horas del dictador

Gadafi: el déspota extravagante

Obama y Europa respiran por la muerte de Gadafi

Lo más difícil en Libia viene ahora

Obama celebra el fin de Gadafi como una oportunidad para la democracia en Libia

Francia se toma su tiempo para reaccionar a la noticia

El dividendo de la paz líbia

21/10

Un país sin cultura democrática

La primavera árabe abate su tercera ficha

“Quedan muchas cosas por aclarar en este país”

“Solo ahora me atrevo a contar mis historia a los amigos”

La ONU pide una investigación sobre la muerte de Gadafi

De la justicia al ajusticiamiento

O Estado de S. Paulo

20/10

Kadafi foi capturado e ferido, diz fonte do governo provisório

Televisão líbia anuncia captura de Kadafi

Líbia: comandante rebelde diz que Kadafi foi capturado

Líbia: comandante rebelde diz que Kadafi foi capturado (podcast)

Kadafi morre de ferimentos na captura, diz governo provisório

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Com fama de excêntrico e de orientação nacionalista, Kadafi chegou ao poder em 1969

Governo dos EUA não confirma prisão de Kadafi

Kadafi morreu após a captura de Sirta, diz Al Jazeera

Corpo de Kadafi está em lugar secreto, diz governo provisório da Líbia

Filho de Kadafi é encontrado morto em Sirta, diz CNT

Após notícia sobre Kadafi, Brasil diz esperar fim da violência na Líbia

A morte de Kadafi

Corpo de Kadafi está em mesquita de Misrata, diz Al-Jazira

Kadafi está morto, afirma Mahmoud Jibril

Polêmico, Kadafi ficou 42 anos no poder

Famílias de vítimas de Lockerbie: alívio com fim de Kadafi

Morte de Kadafi 'é nova era' para a Líbia, dizem líderes internacionais

Com morte de Kadafi, presidente de Angola vira africano há mais tempo no poder

Vídeo mostra Kadafi capturado na Líbia antes da morte

Vaticano: morte de Kadafi acaba luta 'longa e trágica'

Morte de Kadafi encerra capítulo longo e doloroso na Líbia, diz Obama

Chávez diz que Kadafi foi 'mártir' e sua morte, uma 'afronta'

Jibril diz que Kadafi foi morto por um tiro na cabeça

Sem Kadafi, nasce a 'Líbia livre'

21/10

Kadafi ganhou tempo com ajuda de rede subterrânea

Capturados em ações históricas

Nas ruas, surpresa e euforia após vitória em Sirte

Morte de líder amplia festa na Faixa de Gaza

Nova abordagem sobre a guerra dá vitória a Obama

Sarkozy, senhor da guerra

Washington celebra triunfo com discrição

Um líder tão excêntrico quanto brutal

Sem Kadafi, nasce a 'Líbia livre'

Circunstâncias da morte embaraçam novo regime

Imagens chocantes de Muammar Kadafi morto

ONU pede inquérito sobre a morte de Kadafi

Destino de Kadafi é um sinal para ditadores, diz Sarkozy

Circunstâncias da morte de Kadafi permanecem nebulosas

Imagens de celulares viram registro importante da morte de Kadafi

Irã elogia morte de Kadafi e pede fim da missão da Otan

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Google Images

20/10

Libyan Dictator Muammar Gaddafi is Dead

Photos: The Siege of Sirte, Libya and the Death of Gadhafi

Gaddafi's death: growing revulsion at the treatment of the dictator's body

Who killed Gaddafi? Why we should care.

Who shot Gaddafi? New video shows blood pouring from dictator immediately before death

but mystery surrounds coup de grace