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    JORNALISMO GONZO HUNTER S. THOMPSON

    Introduo

    Em meados dos anos 60, a imprensa norte-americana comeou a dardestaque a uma srie de textos que no se encaixavam na maneira pura esimples de noticiar um fato. As redaes, que antes possuam apenas doistipos de jornalistas aquele que buscava os furos e aquele que escrevialongas reportagens (Wolfe, 1973, p. 13) -, nutriam agora um novo tipo deprofissional, voltado para a vivncia do fato em si e usando uma abordagemliterria.

    Essa transformao na maneira de se fazer jornalismo acabou por criar umaexpresso que representava esse estilo e seus profissionais, o New

    Journalism O Novo Jornalismo, considerado uma vertente do j existenteJornalismo Literrio. No se tratava de um movimento, mas sim de uma

    reforma no padro clssico de jornalismo, que parecia no atrair mais osleitores.

    Os chamados novos jornalistas procuravam passar ao leitor toda umaimagem do fato, para que ele se sentisse parte integrante daquela cena. Adescrio de ambientes, o registro de dilogos completos, a procura poresmiuar o personagem central da reportagem, eram caractersticas quetornavam o texto jornalstico-literrio atrativo para muitos leitores e davamvisibilidade a esses novos profissionais. Era como uma descoberta de quetalvez o jornalismo pudesse ser lido como um romance, (Wolfe, 1973, p. 19),

    o que acabaria com a previsibilidade do jornalismo bege, ou tradicional,guiado por recursos como lide e pirmide invertida. No captulo 1 destetrabalho, analisaremos o New Journalism e seus principais representantes,por meio de exemplos e caractersticas j determinadas por autoresconceituados.

    Entre esses jornalistas, um americano de Kentucky chamado HunterStockton Thompson chamou a ateno por criar reportagens que, aomesmo tempo que possuam esse estilo literrio, eram mal vistas por usarhumor negro, atacar o chamado American Way of Life, muitas vezesrepudiando a moral e colocando em xeque a verdade. A esse estilo

    especfico foi dado o nome deJornalismo Gonzo , e seu criador e principalrepresentante atuou em diversos veculos como as revistas NationalObserver, The New York Times Magazine, Rolling Stone at a sua morte,em 2005.

    O captulo 2 deste trabalho ser inteiro dedicado ao estudo dascaractersticas do estilo Gonzo, bem como elaborao de uma pequenabiografia do autor. Uma vez que o estilo Gonzo est intimamente ligado vida intima e pessoal do autor, faz-se necessria a histria de seu autor esua trajetria profissional. Tambm dedicamos esse captulo a exemplificar

    as caractersticas do estilo atravs de trechos de textos variados.

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    A obra de Hunter Thompson o objeto de estudo desse trabalho, que buscaanalisar o estilo Gonzo de se fazer jornalismo, desde suas origens at acomparao com outros tipos de arte. O captulo 3 busca aproximar o estilocom a caricatura e a crnica, que possuem caractersticas em comum com oGonzo.

    Um dos maiores motivos para a realizao deste trabalho a observao deque dificilmente o estilo Gonzo abordado em escolas e universidades. Noentanto, ele tem sua importncia quando observamos a poca em quesurgiu, envolto pelo movimento de contracultura, at os dias atuais(Thompson escreveu at 2005). Principalmente no Brasil, a obra de

    Thompson foi pouco explorada e pouco divulgada. Recentemente a EditoraConrad resolveu republicar algumas de suas obras, porm, ainda assim, difcil acharmos bibliografia sobre o assunto, bem como revistas e jornaiscom textos relevantes sobre o mesmo.

    Nos Estados Unidos, entretanto, a cultura gonzo amplamente divulgadaat hoje. A obra mais conhecida de Thompson Medo e Delrio em LasVegas foi duas vezes retratada em filmes recentes e seus livros at hojepossuem edies atualizadas. Em Wood Creek, Colorado, onde Thompsonmorava, foi criada a Fundao Hunter Thompson, dedicada a ensinar eajudar pessoas que vivem em sistema carcerrio. H tambm monumentose museus em sua homenagem. Este trabalho busca tambm desmistificaruma possvel imagem negativa do estilo, tentando mostrar que o no-convencional tambm pode servir como objeto de estudo acadmico.

    1. O New Journalism

    A dcada de 60 do sculo XX, nos Estados Unidos e no mundo, foi marcadapor revolues. No meio das artes, Andy Warhol transformava latas de sopaem pop art carssima; Jimi Hendrix incendiava sua guitarra no festival deWoodstock enquanto parte do movimento hippie protestava, ao mesmotempo que outros viviam alheios Guerra do Vietn. O chamadoAmericanWay of Life[1], considerado o pice de tica e felicidade de uma sociedade,era colocado em xeque e parecia perdido em meio a revolues sexuais,artsticas e polticas da poca.

    Agitaes estudantis conturbavam at os mais tranqilos campiuniversitrios; o movimento negro e as demais minorias buscavam espao eclamavam por reformas; influenciados pelo filme Sem destino, com PeterFonda e Jack Nickolson, bandos de motoqueiros saam estrada afora semdestino; parte dos norte-americanos ousava, como nunca antes, refletirsobre seus problemas tentando redefinir a imagem que tinham de siprprios. Passaram a questionar, por exemplo, a tica puritana, a f notrabalho rduo como fonte de enobrecimento e o poder onipotente datecnologia. (Ferreira Leite, 2001).

    Em meio a esse esprito livre, o jornalismo parecia querer algo mais. Osprofissionais que habitavam as redaes da poca se dividiam basicamente

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    em dois grupos: aqueles que buscavam os furos, as notcias mais quentes,que faziam o jornal vender; e aqueles que eram conhecidos comoescritores de grandes reportagens (Wolfe, 2004, p. 13), reportagens essasque escapavam da categoria de notcia pura e simples. O que havia decomum entre esses dois tipos de profissional, segundo Tom Wolfe, era um

    desejo final. Todos estariam ali em busca de um s sonho, uma cartadacerta, um triunfo extremo: escrever um Romance.

    O emprego em uma redao era, para muitos, uma cena passageira, que oslevaria um dia a escrever um grande sucesso literrio. Para Wolfe, essavontade era coletiva, um enxame de fantasias fervendo, proliferando nohmus do ego da Amrica (Wolfe, 2004, p.17).

    Esse ltimo grande feito apreciado por todos era ao mesmo tempo de difcilacesso. Todos os jornalistas aspiravam um status literrio, porm a idia deabandonar a imprensa popular, viver em uma cabana isolada a espera dagrande sacada teria, no mnimo, um custo. E como custear essa vida semtrabalho?

    No entanto, no comeo dos anos 60, algo aconteceu na esfera dasreportagens especiais. De incio modesta, ganhando fora com o tempo,surgiu a idia de que talvez fosse possvel escrever grandes reportagenssem se desvencilhar do sonhado Romance. Essa descoberta era que talvezfosse possvel escrever jornalismo para ser lido como um romance.(Wolfe, 2004, p. 19).

    Ao dizer lido como um romance, Wolfe acentua que no era intenoroubar o status dos romancistas, mas sim uma sincera forma dehomenage-los, homenagear O Romance. O que ele e seus companheirosno imaginavam que nos prximos dez anos jornalistas se veriam tofamosos quanto os romancistas e que suas grandes reportagens formariamuma nova maneira de se fazer jornalismo. A essa maneira se convencionouchamar de New Journalism, ou Novo Jornalismo.

    Duvido que a maioria dos craques que vou exaltar nesse texto tenhamentrado para o jornalismo com a mais remota idia de criar um novo

    jornalismo, um jornalismo superior, ou mesmo uma variedade

    ligeiramente melhorada. Sei que eles nunca sonharam que nada que fossemescrever para jornais e revistas provocasse tamanho toverlinho no mundoliterrio causasse pnico, tirando do romance o trono de gnero literrionmero um, inaugurando a primeira novidade da literatura americana emmeio sculo No entanto, foi isso que aconteceu. (Wolfe, 2004, p.9)

    A afirmao acima mostra como um movimento se iniciou acidentalmente,quando caractersticas comuns eram vistas em textos jornalsticos,provocando assim uma nova maneira de se reportar um fato.

    Essa nova maneira, esse novo jornalismo, comeou a aparecer em diversasrevistas americanas como Esquire, Time e jornais como o Herald Tribune.

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    Eram reportagens longas, porm com textos leves, que soavam comohistrias simples. Muitas vezes continham dilogos, divagaes a respeitode temas que normalmente no se encaixavam em grandes jornais tidoscomo srios. Fatos de no-fico, notcias propriamente ditas, eram escritasde maneira diferente, quase como um conto, ou almejando parecer um

    romance. Para muitos, era difcil acreditar na veracidade dos fatos quandoeram contados dessa maneira. Para Wolfe, algumas dessas caractersticasfizeram com que o pblico e o meio jornalstico desconfiassem do que seriaaquele novo estilo. A reportagem realmente estilosa era algo com queningum sabia lidar, uma vez que ningum costumava pensar que areportagem tinha uma dimenso esttica (Wolfe, 2004, p. 22).

    Porm, em meio a criticas, os novos jornalistas gritavam: tudo bem!Digam o que quiserem! Ali estava: um conto, repleto com seu simbolismo etudo, no entanto, vida-real. (Wolfe, 2004, p. 26). As crticas dos literatos

    que ignoravam o Novo Jornalismo no costumavam abalar esses novosprofissionais. Para eles, o estilo que surgia era apenas uma luz para mostrarque jornalismo e literatura sempre andaram juntos (basta pensar em Balzac,

    Tolsti, Dostoievski, etc.). Segundo Tom Wolfe, foi preciso o NovoJornalismo para trazer para primeiro plano essa estranha questo (2004, p.27). A descoberta principal era a de que o jornalismo pode utilizar tcnicasantes consideradas literrias, sem deixar a verdade factual de lado. Essastcnicas no eram explcitas. Com o passar dos anos, Tom Wolfe observouque certas caractersticas sempre permeavam o texto dos novos jornalistase as reportou no ensaio The New Jounalism. Entre essas caractersticas,

    quatro eram principais: a construo cena a cena, o dilogo, o ponto devista da terceira pessoa e o detalhamento do status de vida. Serodiscutidas mais profundamente nos captulos seguintes.

    A partir de ento, os textos jornalsticos passaram a gerar maior interesseentre aqueles leitores que antes no se importavam em ler jornais, poracharem a linguagem demasiadamente objetiva, provocando uma sensaoentediante no ato da leitura. Enquanto isso, no Brasil, os versos as notciasque leio conheo/ j sabia antes mesmo de ler, j eram cantados porGilberto Gil. Os leitores choravam de tdio, sem entender por que (Wolfe,2004, p. 32), at que, ao fugirem desse esteretipo, os chamados novos

    jornalistas conquistaram o pblico, contando suas histrias de maneira maispessoal, como se estivessem envolvidos na cena, fazendo com que o leitorfizesse parte dela tambm. Para Wolfe e seus amigos era comum imaginaro que estariam pensando os leitores de jornais ao encontrarem textosescritos como nunca antes haviam visto, no suplemento dominical. Atmesmo para eles, esse tipo de reportagem parecia uma empreitadaambiciosa. Wolfe relata: Eu tinha a sensao, certa ou errada, de fazercoisas que ningum havia feito antes no jornalismo (2004, p.37). EmGates of Eden: American Culture in the sixties, oPhDe professoruniversitrio americano Morris Dickstein conta que essa mudana se deu

    somente pela chegada de uma nova gerao de reprteres, melhoreducados, mais conscientes e liberais (1977, p. 133). Enfim, um movimento

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    havia se formado. E mesmo que nunca tenha surgido ou tido a inteno dese concretizar como tal, virou um fenmeno e todos queriam fazer partedele.

    [1] Segundo definio do Cambridge Dictionary, Sonho Americano acrena de que qualquer cidado americano tem a chance de ser bem-sucedido, rico e feliz, se trabalhar duro. A expresso se tornou popularquando, em 1867, Horatio Alger lanou o livro Ragged Dick, que contava ahistria de um rfo trabalhador que poupou seu dinheiro e acaboutornando-se rico. Desde ento, acredita-se que atravs da honestidade,determinao e trabalho, o Sonho Americano est disponvel a qualquer umque o desejasse.

    1.1. Definies e caractersticas

    Mesmo sem a inteno de se tornar um estilo caracterstico ou ummovimento em si, foi assim que o New Journalism passou a ser encarado.Desde seu inicio at os dias atuais, diversos autores passaram a estud-lo econtextualiz-lo, comparando-o com o estilo convencional de se fazer

    jornalismo, que deixa pouca margem de autonomia para o reprter, semprepautado pelo lead, ou lide ou seja, pelas questes O Qu?, Quem?, Como?,Onde?, Quando? e Por qu? deixando pouco espao para experimentaesde estilo. (Lima, 2003) Morris Dickstein relembra outra estrutura clssica do

    jornalismo que segue em vigor at os dias atuais: A melhor matria eraaquela que capturava e distribua o primeiro fato principal seguido por

    outros de ordem invarivel a famosa pirmide invertida o segundoprincipal, o terceiro e assim por diante [1]. (1977, p.129).

    O j existente Jornalismo Literrio, praticado com prestgio por ErnestHemingway, Joseph Mitchell e Lilian Ross, entre outros, teve suas tcnicasde captao e redao provenientes da literatura aperfeioadas erenovadas. No Jornalismo Literrio o foco eram as pessoas que davam vidaaos acontecimentos e o narrador fazia do texto uma espcie deindividualizao da histria, atravs do seu ponto de vista pessoal, semdeixar de lado a veracidade do fato.

    Nanami Sato, doutora em Educao, docente e pesquisadora da FaculdadeCsper Lbero, em So Paulo, diz: O carter ficcional uma das marcasdistintivas mais importantes da literatura; a fidelidade factual, do

    jornalismo (2001, p. 79). Ela complementa: Das narrativas jornalsticasespera-se, afinal, que sejam factuais, de sua linguagem, que seja contida() (2001, p. 81). Segundo Edvaldo Pereira Lima, os novos jornalistasaperfeioaram essas tcnicas j existentes no jornalismo literrio eintroduziram pelo menos duas novas. Por exemplo:

    Tom Wolfe trouxe para o jornalismo a tcnica do fluxo de conscincia,

    enquanto Norman Mailler criou a tcnica do ponto de vista autobiogrfico

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    em terceira pessoa. Assim, o new journalism configura-se como uma versoprpria e renovadora do jornalismo literrio.

    (2003)

    O fenmeno no foi somente norte-americano. O escritor, jornalista eprofessor universitrio argentino Toms Eloy Martinez aponta, no artigoPeriodismo y Narracon: Desafios para el Siglo XXI, outros trs autorespioneiros na Amrica Latina: o cubano Jos Mart, o mexicano ManuelGutierrez Najera, e o nicaragense Rubn Daro. J no sculo XX, GabrielGarcia Mrquez se destacava como jornalista antes mesmo de se consagrarcomo autor de fico. Na Espanha, Rosa Montero, Vasquez Montalbn,Manuel Vicent, entre outros praticavam o chamadoperiodismo informativode creacin. No Brasil, a Revista Realidade e o Jornal da Tarde publicavamgrandes reportagens ao estilo new journalism. Nesse trabalho, porm, nosrestringiremos apenas a autores norte-americanos, assim como suas obrase publicaes nas dcadas de 60 e 70.

    Como j citado anteriormente, o New Journalism distingue-se principalmentepor quatro caractersticas: a construo cena a cena, o dilogo, o ponto devista da terceira pessoa e o detalhamento do status de vida. Iremos a seguirexplicar e exemplificar cada uma delas.

    Construo cena a cena

    Para os novos jornalistas, no bastava uma descrio de lugar, de horrio,de imagens passageiras. Com esse recurso, todo o texto era moldado

    atravs da descrio minuciosa dos acontecimentos em questo. Como umtravelling nas filmagens de cinema, o jornalista passeava pela notcia,contanto caso a caso, literalmente cena a cena, de toda sua experincia decaptao da notcia, recorrendo o mnimo possvel mera narrativahistrica (Wolfe, 2004, p.54). Cada cena acontecida no momento dacaptao da notcia era detalhada como em um roteiro de cinema. Esserecurso fazia com que o leitor tivesse melhor noo da notcia como umtodo, conhecendo todas suas passagens detalhadamente, como nestetrecho de Msica para Camalees, de Truman Capote:

    () Estamos sentados no terrao de sua casa, uma casa arejada eelegante, que parece toda feita de renda de madeira: Lembra certas casasantigas de New Orleans. Estamos tomando ch de hortel gelado,levemente temperado com absinto. Trs camalees verdes perseguem unsaos outros pelo terrao; um deles faz uma pausa aos ps de Madame,exibindo a lngua bfida, e ela comenta: Camalees. Criaturas excepcionais.A maneira como mudam de cor. () Madame passara toda a tarde mecontando muitas coisas curiosas. Como noite seu fardim ficava cheio deimensas mariposas noturnas. ()

    Com essas palavras, Madame ingressa em seu fresco salo caribenho, umaposento sombreado com ventiladores de teto que giram devagar, e se

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    instala num piano bem afinado. Continuo sentado na varanda, onde consigoobservar essa mulher sofisticada e idosa, produto de sangues variados. Elacomea a tocar uma sonata de Mozart.

    Aos poucos os camalees se acumularam; uma dzia, mais uma dzia, na

    maioria verdes, alguns escarlates, outros lils. Trotavam atravs da varandae se aglomeravam porta do salo, uma platia sensvel e atenta musicaexecutada. E que parou, porque, de repente, minha anfitri se levantou ebateu o p, ao que os camalees se espalharam como fagulhasdesprendidas por uma estrela que explodisse. (2004, p. 22).

    Observe como o narrador desliza sua histria parte por parte, desde suaacomodao no terrao, at os movimentos da anfitri, a msica, oscamalees, como se o leitor pudesse se envolver e sentir o momento damesma maneira que o autor sentiu. Para Tom Wolfe, essa era aoportunidade que o jornalista tinha para desenvolver o que ele chama deextraordinrio em reportagens: poder testemunhar de fato as cenas dasvidas das outras pessoas no exato momento em que ocorriam e conseguir,atravs de toda essa descrio, inserir o leitor em seu contexto.

    O Dilogo

    Para enfatizar ainda mais o conceito de construo cena a cena, indispensvel utilizar um recurso que torna a narrativa ainda mais real: atranscrio de dilogos. Quando um reprter transmite na matria umdilogo que teve com seu entrevistado, ou um dilogo observado em uma

    cena, o leitor rapidamente se aproxima do personagem. Suascaractersticas, sua personalidade, so rapidamente definidas eestabelecidas pelo leitor, assim que ele entra em contato com seu modo defalar, como se o j conhecesse, como uma maneira de o entender melhor.Alm disso, o uso de dilogos deixa a leitura mais agradvel, facilitando aidentificao do leitor com o fato, ou a segurana de sua ateno. ParaWolfe, esse o melhor recurso para fazer o leitor entrar em contato com opersonagem em questo na reportagem, com eficcia e realismo. Eleaponta ainda o desprezo dos romancistas e literrios pelo dilogo. Para ele,ao invs de usarem essa tcnica a rigor, ela era deixada de lado ou utilizadaincorretamente.

    Os jornalistas trabalhavam o dilogo em sua mais plena e maiscompletamente reveladora forma, no mesmo momento em que osromancistas o eliminavam, usando o dilogo de maneiras cada vez maiscrpticas, estranhas e curiosamente abstratas (2004, p. 54).

    Um dos mais famosos jornalistas a utilizar esse recurso era Truman Capote.Sem precisar de gravador e com uma memria de dar inveja em seuscompanheiros, Capote era capaz de decorar horas de dilogo, semesquecer nenhuma passagem, e errando pouqussimas vezes. Certa vez

    pediu a um amigo que fizesse um teste: gravou uma longa conversa, e semouvi-la novamente, transcreveu-a num papel. Ao voltar a fita e combinar o

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    resultado, perceberam que havia 90% de exatido no texto. Esse recurso,mesmo sem toda a habilidade de Capote, era vastamente utilizado pelosnovos jornalistas. Neste tpico usaremos um exemplo de dilogo retirado daobra jornalstica do prprio Tom Wolfe. No captulo O ltimo heriamericano do livro The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby[O

    aerodinmico beb floco de tangerina cor de caramelo, em traduo livre],ele descreve uma conversa causal entre o personagem Junior, um piloto decorridas stock-car, e um jornalista esportivo que est no local:

    Meninos sempre se aproximam para pedir autgrafos a Junior, outrossimplesmente ficam olhando, e um good old boy novo vem at ele, deve teruns trezes anos, e Junior diz: Este menino aqui caa guaxinim juntocomigo.

    Um jornalista esportivo est ali perto e diz: Como que vocs atiram noguaxinim?

    A gente no d tiro. Os cachorros assustam eles para a rvore, e a a gentederruba eles da rvore e os cachorros pegam.

    Derruba da rvore?

    . Este menino aqui consegue derrubar melhor que qualquer um. A gentesai de noite com os cachorros, e, assim que sentem o cheiro, eles comeama latir. Eles vo correndo na frente da gente, e, quando espantam oguaxinim para a rvore, a gente sabe, pelo jeito do latido. Comeam a latirgrosso para o guaxinim como , eu no sei, mas a gente escuta uma vez e

    no esquece. A, a gente manda um good old boy subir para derrubar, obicho pula, e os cachorros pegam

    E como o menino derruba o guaxinim da rvore?

    Ah, ele sobre l at o galho onde est o bicho e sacode at o guaxinimpular.

    ()

    Que tipo de cachorro esse?

    Guaxininzeiro, u. Preto-e-bege, chamam s vezes. criado para isso. Se opai e a me no forem guaxininzeiros, ele tambm no no. Quando agente consegue um, tem de treinar. Tem de prender o guaxinim, vivo, botarnum cercado, amarrar com uma corda numa estaca, e a coloca o cachorroali, e ele tem de brigar com o bicho. s vezes, o cachorro no de briga de

    jeito nenhum e no serve pra nada. () (2004, p. 103)

    Percebe-se pelo tom da linguagem que Junior um personagem simples, decriao tranqila e rural, apesar de ser um grande corredor e dolo demuitos. A importncia do dilogo se mostra, na prtica, importante

    exatamente para isso. Atravs dele o leitor tem noo de como opersonagem, como ele se porta, qual seu background. importante notar

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    que esse dilogo foi observadopor Wolfe, e no teve participao nenhumado autor. caracterstica essencial do new journalistsaber observar tudo asua volta e guardar sensaes, falas, acontecimentos em geral, porqueesses atributos tornam a leitura ainda mais agradvel ao leitor.

    O Ponto de Vista da Terceira Pessoa

    Dificilmente o jornalismo convencional apresenta seus personagens deforma pessoal ou tenta passar ao leitor os seus sentimentos em ocasio.Esse recurso passou a ser utilizado pelos novos jornalistas e foi chamado deponto de vista da terceira pessoa, ou seja, o jornalista tentava transmitirao leitor exatamente o que o personagem da matria estaria pensando,sentindo, ou querendo dizer. Visto que impossvel ler pensamentos o

    jornalista s pode levar o leitor para dentro da cabea de um personagem ele prprio Wolfe (2004, p. 54), os profissionais atingiam essa finalidadeatravs de muita conversa e entrevista, at a proximidade com opersonagem ser capaz de fazer com que o jornalista saiba exatamente oque ele quer dizer. E na maioria das vezes, eles acertam. Wolfe d essadica e mostra como muitos de seus parceiros de imprensa faziam o mesmo:

    Como pode um jornalista, escrevendo no-fico, penetrar acuradamenteos pensamentos de outra pessoa? A resposta mostrou-sedeslumbrantemente simples: entreviste-o sobre seus sentimentos eemoes, junto com o resto. Foi o que eu fiz em O teste cido do refrescoeltrico, o que John Sack fez em M e o que Gay Talese fez em Honra teupai. (2004, p. 55).

    Na prtica, mostraremos um trecho de Frank Sinatra est resfriado, deGay Talese:

    Sinatra estava trabalhando em um filme que ele mesmo no gostava, elemal podia esperar que acabasse. Ele estava cansado de toda publicidadeem torno de seu namoro com Mia Farrow, de 20 anos, que no estava vista esta noite, ele estava bravo que um documentrio sobre a sua vida daCBS, a ser exibido em duas semanas, estava entrando demais em suaprivacidade, at mesmo especulando sobre sua suposta amizade com oslderes da mfia; ele estava preocupado com sua apresentao de uma hora

    na NBC, com o show intitulado Sinatra A Man and his Music, no qual iriacantar dezoito musicas com uma voz que, nesse momento, apenas aalgumas noites da estria, estava fraca e incerta. Sinatra estava doente.() Frank Sinatra est resfriado.[2] (1993, p. 173)

    Observe como o jornalista consegue passar os sentimentos do personagemsem que ele precise se manifestar. O ponto de vista em terceira pessoaaparece nesse trecho quando Talese mostra como Frank Sinatra se sentia, oque ele pensava, sem necessariamente inserir palavras atribudas a ele.Essa caracterstica s possvel com a extrema convivncia com o

    personagem, seja ela recheada de entrevistas ou no. Esse convvio com acena, com as pessoas, com o ambiente, faz com que o fluxo em terceira

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    pessoa seja facilmente demonstrado atravs das palavras do autor, mascomo se fossem palavras do personagem em questo.

    Esse recurso faz com que o leitor consiga observar a cena, mesmo sem t-lapessoalmente presenciado. Wolfe diz que era como criar a iluso de olhar a

    ao pelos olhos de algum que estava de fato na cena e envolvido nela,em vez de um narrador bege. (2004, p. 33)

    Detalhamento do status de vida

    Para Wolfe, esse era o recurso menos compreendido por leitores eestudiosos. O status de vida era muitas vezes encarado como uma meradescrio, mas iria muito alm disso. Atravs do detalhamento do status devida, o leitor era capaz de compreender cada detalhe da vida do(s)personagem(ns) em questo. Detalhes que iriam desde o ambiente onde elemora, como seus mveis se ajeitam, como ele caminha, como ele come, se

    veste, conversa; enfim, tudo. Observemos o trecho a seguir:

    Um sino toca, um sino de mesa de jantar, pelo som, do tipo com que sechama a criada da cozinha, e a festa de transfere do salo para a sala deestar. Felicia abre o caminho, Felicia e um homenzinho cinzento, de cabelocinzento, rosto cinzento, terno cinzento e um par de costeletas modernasmas cinzentas. ()

    Felicia estava no extremo da sala de estar, tentando fazer todos entrarem.

    Lenny! disse ela. Diga para o pessoal entrar! Lenny ainda estava nos

    fundos da sala de estar, perto do salo. Pessoal!, disse Lenny, Para c!

    Na sala, a maior parte da moblia, sofs, poltronas, mesinhas, cadeiras, tudofoi afastado para junto das paredes, e trinta ou quarenta cadeiras dobrveisforam colocadas no centro do recinto. uma sala grande, larga, comparedes pintadas de amarelo-chins, sancas brancas, arandelas, espelhoscom aparadores, um retrato de Felicia deitada numa espreguiadeira, enem extremo, onde Felicia estava parada, dois pianos de cauda. ()(Wolfe, 2004, p. 163-164)

    O status de vida mostrava hbitos, costumes, maneiras de tratar o prximo,

    olhares, posturas, detalhes que traziam ao texto realismo, uma espcie deestudo dos ambientes e da sociedade. So detalhes simblicos quemostram a posio que o personagem ocupa, ou que gostaria de ocupar naesfera social. Segundo Wolfe, empilhando esses detalhes toimpiedosamente e, ao mesmo tempo, to meticulosamente, o jornalistadispara lembranas que o leitor possui em seu prprio status de vida. (2004,p. 56)

    1.2. Principais Obras e Autores

    O novo estilo que surgia nas redaes inspirou diversos jornalistas a compornovas reportagens que, posteriormente, viriam a se tornar obras-primas,

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    clssicos do jornalismo. Truman Capote, Gay Talese, Norman Mailer e TomWolfe incentivaram geraes com uma nova maneira de se passarinformao, que dava aos leitores uma maior identificao com a notcia ecom seus personagens.

    Em 1962, a revista Esquire publicou um artigo de Gay Talese que pouco seassemelhava ao estilo clssico de fazer jornalismo. Em Joe Louis: o Reicomo Homem de Meia Idade, Talese empregou todos os conceitosdescritos no captulo anterior descrio cena a cena, uso de dilogos etc.O texto narrava a histria de Joe Louis, um famoso lutador de boxe, quemesmo sendo da categoria peso-pesado, era doce e gentil na vida ntima,em particular com sua esposa. No trecho que segue como exemplo,observa-se como sua narrativa pode ser confundida com uma histria deno-fico, exatamente por conter todas as caractersticas do estilo:

    Ol, querida- Joe Louis disse a sua mulher, ao v-la esperando por ele noaeroporto de Los Angeles.

    Ela sorriu, foi at ele, e estava quase se ponto na ponta dos ps para beij-lo quando, de repente, parou.

    Joe, disse ela, cad sua gravata? perguntou.

    Ah, benzinho, ele disse, dando de ombros. Fiquei acordado a noite inteiraem Nova York e no tive tempo de

    A noite inteira!, ela cortou. Quando est aqui, voc s quer saber de

    dormir, dormir e dormir.

    Benzinho, disse Joe Louis, com um sorriso cansado, eu estou velho.

    , concordou ela, mas quando vai para Nova York, voc tenta ficar moode novo.. (1976, p. 317).

    Ao perceber o dilogo do lutador com sua mulher, em uma pequenadiscusso entre casais, o leitor pode pensar estar lendo uma obra de fico.

    Talese conseguia transmitir, atravs dos dilogos e descries, uma cenacompleta entre seus personagens, os aproximando ainda mais do leitor. Ele

    conta como conseguia extrair o mximo de seus personagens:

    Eu procuro seguir os objetos de minha reportagem de forma discreta,observando-os em situaes reveladoras, atentando para suas reaes epara as reaes dos outros diante deles. Tento apreender a cena em suainteireza, o dilogo e o clima, a tenso, o drama, o conflito, e ento emgeral a escrevo do ponto de vista da pessoa retratada, s vezes revelando oque esses indivduos pensam durante os momentos que descrevo. Esse tipode insight depende, naturalmente, da cooperao total da pessoa sobre aqual se escreve, mas se o escritor goza de sua confiana, possvel, pormeio de entrevistas, fazendo as perguntas certas nas horas certas,

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    aprender e reportar o que se passa na mente de outras pessoas. (1992, p.7)

    No trecho acima, retirado do prefcio do livro Fama e Anonimato, Talesenos explica como colocar em prtica muitas das caractersticas descritas no

    captulo anterior, legitimando a necessidade da convivncia com seusentrevistados. Talese empregou essas tcnicas em todos seus outros textos.Seu livro Fama e Anonimato uma compilao de artigos dividida em trspartes: a primeira sobre o universo urbano e suburbano de Nova York, asegunda sobre a saga da construo da ponte Verrazzano-Narrows (entre osbairros Staten Island e Brooklyn), e a terceira sobre artistas e esportistasamericanos. Na primeira parte do livro, ele participa de uma Nova Yorkesquecida, busca os mais diversos personagens para criar o perfil de umacidade, parafraseando Frank Sinatra, que nunca dorme. Ele constata quenos novaiorquinos piscam em mdia 28 vezes por segundo; que as

    faxineiras do Empire State encontravam por volta de 5 mil dlares por ano,perdidos nas 3 mil salas do edifcio; que as prostitutas promovemanualmente um baile em homenagem aos cafetes, entre outras curiosashistrias. Sobre essa primeira parte, ele diz:

    Para mim, agora ele [o texto dessa primeira parte] representa minha visojuvenil de Nova York, dinamizada por uma mistura de admirao e espanto,e me lembra tambm de quo destrutiva uma cidade pode se tornar,quanto ela promete muito mais do que pode cumprir, e de como estavacerto E.B. White quando escreveu, muitos anos atrs: Ningum deve virmorar em Nova York, a menos que esteja disposto a ter muita sorte.

    (1992, p. oito)

    O prprio Sinatra alvo de sua meticulosa observao. Na terceira parte dolivro, Talese faz um dos perfis mais famosos da histria, intitulado FrankSinatra has a Cold (Frank Sinatra est resfriado). Sem nunca terconseguido entrevistar o cantor, o texto inteiro foi escrito sem uma nicapalavra do personagem ao jornalista. Durante seis semanas, Talese oobservou, acompanhou, conviveu com ele em diversos momentos, masnunca o entrevistou. Ainda assim, seu relato entrou para a histria como umdos perfis mais precisos j escritos.

    Quando estava pesquisando para traar o perfil de Frank Sinatra, descobrique a cooperao ou a falta dela por parte da pessoa a ser retratada noimporta muito, desde que o escritor possa acompanhar seus movimentos,ainda que distncia. Durante o tempo que passei em Los Angeles, Sinatrano se disps a cooperar. Eu cheguei num momento ruim, pois ele padeciade um resfriado e de muitos outros incmodos, e no consegui a entrevistaque me havia sido prometida. Mesmo assim, pude observ-lo durante asseis semanas que passei fazendo pesquisa, assistindo a sesses degravao em estdio, vendo-o no set de filmagem, nas mesas de jogo deLas Vegas, e testemunhei suas mudanas de humor, sua irritao edesconfiana quando achava que eu estava me aproximando demais, e seuprazer e gentileza quando, cercado de gente de sua confiana, conseguia

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    relaxar. Foi mais proveitoso observ-lo, ouvir suas conversas, estudar areao das pessoas sua volta do que me sentar e conversar com ele, casotivesse me concedido a entrevista. (1992, p. 10)

    Esse recurso de imerso na vida do personagem foi amplamente utilizado

    por muitos autores do New Journalism. Para escrever seu renomado ASangue Frio, Truman Capote passou quase seis anos na cidade americanade Holcomb, Kansas, investigando a morte da famlia Clutter. Lendo umapequena nota em um jornal sobre os assassinatos, Truman resolveu seaprofundar no assunto, buscar respostas para um crime no resolvido.Herbert Clutter, sua esposa Bonnie e seus filhos Nancy e Kenyon forambrutalmente assassinados por Perry Smith e Dick Hickcock, que pensavamque iriam achar uma fortuna na residncia dos Clutter. O dinheiro nuncaveio, mas a execuo de ambos ocorreu em 1965, o mesmo ano em quesua histria foi lanada em quatro partes pela revista The New Yorker. Em

    companhia de sua amiga de infncia e tambm escritora Harper Lee,Capote conviveu com os moradores da cidade, que no comeodesconfiavam de sua visita, freqentou a casa do delegado de polcia,pesquisou sobre o passado dos assassinos.

    A histria de A Sangue Frio virou sucesso de pblico e crtica, rendeumilhes de dlares e muita fama ao jornalista. At hoje tido como umclssico na rea jornalstica, um marco, essencial a qualquer estudante ouprofissional. Boa parte do sucesso dessa obra vem justamente da imersodo autor a realidade da cidade, sua convivncia com os criminosos (a quemchamava de meninos) durante o perodo em que estavam presos.

    Novamente vemos em jogo a extrema descrio de detalhes, a transcriode dilogos, o ponto de vista em terceira pessoa, resultado de anos deentrevista. O relato de toda a situao s foi possvel por meio desseintenso convvio. Parte da histria foi levada para as telas de cinema emtrs verses: In Cold Blood (1967), de Richard Brooks, Capote (2005), deBennett Miller, e Infamous (2006), de Douglas McGrath, ainda sempreviso de estria no Brasil.

    Nascido em 1924, em New Orleans, Capote sabia de seu talento, e no secontentou em lanar sua histria antes de saber que ela seria um estouro.

    Sua falta de modstia tambm era reconhecida entre seus amigos eadmiradores. No prefcio da nova edio brasileira de A Sangue Frio, o

    jornalista e escritor Ivan Lessa retrata a seguinte situao:

    Est no lendrio das colunas sociais: Truman Capote, Gore Vidal e NormanMailer, em sarau literrio, discutiam livros. Cada qual, evidentemente,falando de seus prprios livros. Capote, o mais baixinho e fisicamente frgildos trs, assim como de longe o mais venenoso, virou-se e disse (Capoteera uma das poucas pessoas no mundo capazes de virar-se e dizer algumacoisa): Tudo isso que vocs esto dizendo pode ser muito interessante, masa verdade que eu escrevi uma obra prima, e vocs no. (2006, p. 7)

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    Norman Mailer, presente no sarau descrito acima, tambm era um dosrepresentantes desse estilo. Nascido em 1923, em Nova Jersey, cresceu noBrooklyn, famoso bairro novaiorquino. Duas vezes ganhador do PrmioPulitzer (em 1968 e 1979), fez o relato jornalstico A Luta, um de seustextos mais fortes e conhecidos.

    No Zaire, em 1974, o famoso boxeador Muhammad Ali desafia o campeoGeorge Foreman. Sem ser apenas um relato esportivo, A Luta faz o leitorse sentir dentro da prpria narrativa, posto na pele dos boxeadores.Mostrando ao leitor que o maior inimigo sempre o medo, Mailer constri omomento, os bastidores e faz com que o leitor no perceba que j sabe oresultado final da disputa. Para Wolfe, seu trabalho de no-fico eraevidentemente, o melhor que fazia (1973, p. 45).

    Essas reportagens e muitas outras fizeram com que o estilo ganhasse forae notoriedade at os dias atuais. Com recursos como a transcrio dedilogos, descrio cena a cena, ponto de vista da terceira pessoa edescrio de status de vida, os novos jornalistas revolucionaram a imprensaamericana na poca, movimentando ainda mais a as dcadas de 60 e 70.Nos captulos que seguem fazemos uma anlise de outro estilo tambmsurgido nessa poca, intitulado Gonzo Journalism, ou Jornalismo Gonzo. Asrelaes entre os dois estilos, suas caractersticas, diferenas esemelhanas sero abordadas com mais profundidade ao longo do trabalho.

    2. Hunter S. Thompson e o Jornalismo Gonzo

    Em meados da dcada de 60, no pice da explorao dessa nova maneirade se fazer jornalismo, surgiu um jornalista free-lancer do estado deKentucky que levou s ltimas conseqncias o esprito livre do novo estilo.Hunter Stockton Thompson passou a ser conhecido por sua escritaexagerada, sua total imerso notcia e por sua peculiar maneira de, quasesem querer, acabar virando ele prprio o centro de tudo que cobria. Foi tidoat a sua morte, em 2005, como o criador e principal representante de umestilo que recebeu o nome de Gonzo Journalism, o jornalismo Gonzo.Christine Othitis, pesquisadora canadense da obra de Thompson, reconhecetambm o estilo sob outros nomes, como jornalismo fora-da-lei, jornalismoalternativo e cubismo literrio. O estilo Gonzo est intimamente ligado a seuinventor. Para entender suas origens, necessrio conhecer a biografia doprprio autor.

    Nascido em 1937 na cidade americana de Louisville, Kentucky, HunterThompson sempre teve uma personalidade de liderana, que atraapessoas. Com pais alcolatras e sempre alheio a regras, passou a conviverna adolescncia com os mais diversos grupos de pessoas, desde os atletasa escritores, msicos e at mesmo polticos. Participou de jornais pequenos,do bairro e da escola, mas iniciou sua carreia como jornalista na poca emque ingressou na Aeronutica americana, cobrindo esportes para o jornal da

    base local, o Command Courier. Seu comportamento avesso e suadesobedincia s ordens de superiores fizeram com que logo se desligasse

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    da organizao, passando a viver como jornalista free-lancer em jornais erevistas, ora em Nova York, ora em So Francisco.

    Antes de escrever sua primeira grande reportagem, Hunter viajou para aAmrica Latina como correspondente de pequenas matrias para diferentes

    veculos, como El Sportivo e National Observer, cobrindo eventos incomunsem pases como Porto Rico, Colmbia e mesmo no Brasil. No Rio de Janeiro,conta sobre um jornalista provavelmente ele mesmo que presenciou umtiroteio em uma boate em Copacabana, em 1963. De volta aos EstadosUnidos, em meados de 1964, comprou uma propriedade em Woody Creek,Colorado, apelidada de Old Farm, Velha Fazenda, onde morou por toda avida, at sua morte, em 2005.

    Na mesma poca, com o estouro do New Journalism, Thompson tambm viuno estilo uma oportunidade de fazer algo diferente e a curiosidade sobreuma famosa gangue de motociclistas fez com que Hunter tivesse seu nomereconhecido nacionalmente. Os Hells Angels, famosos por aterrorizaremcidades da Califrnia, destruindo, bebendo e perturbando tudo que vissempela frente, passaram a conviver com um jornalista to estranho quantoeles, que os acompanhava dia e noite. Aos poucos Hunter se tornou amigodos chefes da gangue, participando de festas, viajando em bandos com suaprpria motocicleta e trazendo as mais diferentes pessoas para o convviode sua casa, participando inclusive de atividades ilegais que envolviam agangue.

    Dezoito meses de convivncia depois, foi lanado Hells Angels: The Strange

    and Terrible Saga of the Outlaw Motorcycle Gangs (1966), reeditado maisde 35 vezes no Brasil simplificado para Hells Angels: Medo e Delrio sobreduas rodas. A marca medo e delrio iria acompanh-lo por quase toda suabiografia. Fugindo das notcias sensacionalistas que eram lanadas sobre agangue, Thompson deu seu relato sem querer desmoralizar seus membros,mas mostrando como era a vida de pessoas to margem da sociedade. Foinesse perodo junto aos Angels que Thompson inseriu em sua vida, de modomais agressivo, o uso de entorpecentes, caracterstica que seriatranspassada e refletida em seus textos ao longo de sua trajetria.

    Nessa obra inaugural, originalmente publicada em artigos semanais pelarevista The Nation, Hunter conta como chegou a confundir o seu prpriopapel ao imergir to profundamente na situao:

    No meio do Vero, eu tinha me envolvido tanto com o ambiente dosdesordeiros que no tinha mais certeza se estava fazendo uma pesquisasobre os Hells Angels ou se estava, aos poucos, entrando para o grupo(Thompson, 1967, p. 57)

    Hells Angels, o livro, tido como o embrio do que mais tarde viria a setornar o estilo Gonzo de se fazer jornalismo. Seria o nico de sua bibliografia

    a ser citado, inclusive por Tom Wolfe, como uma obra representante do NewJournalism. Sobre isso, Wolfe diz:

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    Em 1966 comeavam a surgir feitos de reportagem extraordinrios,espetaculares. Ali estava uma raa de jornalistas que, de alguma forma,tinha capacidade de penetrar em qualquer ambiente, at nas sociedadesmais fechadas, e lutar pela vida. () Mas, nesse ano, a Medalha de Honrade melhor de todos os escritores freelances foi para um jornalista chamado

    Hunter Thompson, que rodou com os Hells Angels durante dezoito meses como reprter e no como membro, o que teria sido mais seguro a fim deescrever Hells Angels: Medo e delrio sobre duas rodas. (Wolfe, 2004, p.46).

    A pesquisadora Othitis concorda com a viso de Wolfe sobre essa primeiraobra: Hells Angels provavelmente o nico livro de Thompson que poderiaser chamado de new journalism, () o primeiro e nico livro no qualHunter mantm um estilo controlado de se expressar, no sentido deescritura no-gonzo (1994).

    O escritor americano Louis Menand comenta como Hells Angels afetou avida de Thompson:

    Esse livro trouxe a Thompson toda a ateno da mdia popular e ele foirpido ao abraar essa oportunidade. Mas de algum modo ele achou seulugar na mdia alternativa, como Ramparts, Scanlans Monthly e a revistaRolling Stone. Mas foi no jornal Scanlans que em 1970 ele publicou TheKentucky Derby is Decadent and Depraved[1] e o jornalismo gonzonasceu.[2]

    A palavra Gonzo lida, segundo o dicionrio Michaelis, como algo denatureza subjetiva. Jean Carroll, autora da biografia Hunter, de 1993,conta que a palavra Gonzo foi agregada ao estilo por um amigo e tambm

    jornalista, Bill Cardoso. Ambos se comunicavam por cartas e certa vezCardoso teria lido um artigo do amigo e comentado No sei o que vocest fazendo, mas voc transformou tudo. totalmente gonzo (Othitisapud Carroll, 1994). O ttulo entrou para a histria e, nesse artigo inauguraldo estilo, o autor narra, atravs de um olhar peculiar, uma famosa corridade cavalos americana (The Kentucky Derby) e, sobretudo, faz uma cidacrtica ao estilo de vida da populao local. Nesse artigo, Thompson narratambm seu primeiro encontro com Ralph Steadman, cuja relao com oautor e seu estilo sero discutidos mais adiante nesse trabalho. O artigo datado de junho de 1970, e publicado recentemente no Brasil em novaedio da coletnea The Great Shark Hunt, ou A grande caada aos

    Tubares: histrias estranhas de um tempo estranho, que rene seusmelhores artigos publicados em diversos veculos. Sobre o artigo, Wolfe diz:

    O resultado foi um estilo manaco, cheio de adrenalina em primeira pessoa,onde as prprias emoes de Thompson dominavam a histriacontinuamente. Essa histria no Kentucky Derby deu a ele a chance dedominar seu estilo e lev-lo a sua maior obra, Medo e Delrio em Las Vegas

    (Wolfe, 1973, p. 195)[3]

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    A palavra Gonzo tornou-se marca e referncia de toda a obra de Thompson,mesmo sem ter uma explicao ou traduo literal para seu uso. Suas obrasposteriores, como Medo e Delrio em Las Vegas, Screw Jack, Rum, entreoutros, trouxeram caractersticas especficas em comum que fizeram comque o estilo fosse considerado por muitos parte do movimento New

    Journalism.

    Para Christine Otithis, existem sete caractersticas principais que definemesse estilo. Essas caractersticas e suas relaes com o Novo Jornalismosero analisadas ao longo dos prximos captulos. Para o prprio Thompson,ser gonzo era necessitar de um extremo talento jornalstico, ter a viso deum artista ou fotgrafo e os colhes de um grande ator, j que a imerso nofato era essencial para o resultado de sua obra.

    Depois do reconhecimento de um novo estilo atravs de The KentuckyDerby, Thompson aceita um convite da revista Sports Illustrated paracobrir outra corrida, desta vez de motos, chamada Mint 400, no deserto deNevada. Em companhia de um amigo advogado e com dinheiro dado peloeditor da revista, Thompson segue em direo a Las Vegas e o produto finalacaba sendo uma anlise sobre a vida em torno dos cassinos, assim comotodas as oportunidades de jogos, drogas e aventuras que a cidade prope. Arevista acaba recusando o artigo, afinal, ele no tinha nada da corrida, maso mesmo ganhou destaque em duas edies da prestigiada revista RollingStone, em novembro de 1971.

    Thompson foi publicado sob o pseudnimo Raul Duke e a histria tambm

    foi transformada em livro, sob o ttulo de Fear and Loathing in Las Vegas: ASavage Journey to the Heart of the American Dream. Medo e Delirio em LasVegas se tornaria um clssico culte inspiraria dois filmes: o primeiro, de1980, traz o comediante Bill Murray no papel de Thompson e em 1998

    Johnny Depp faz interpretao adorada pela crtica e aplaudida pelojornalista em pessoa.

    Durante todo o percurso de sua vida, ele continuou com um estilo crtico ecido, escrevendo para veculos como Playboy, Rolling Stone, San FranciscoChronicle, Esquire, Vanity Fair, entre outros. Terminou sua vida escrevendo,para o site do canal esportivo ESPN, uma coluna intitulada Rey Rube!. Emfevereiro de 2005, suicidou-se em sua propriedade em Colorado, com umtiro na cabea, deixando esposa e um filho, Juan.

    Durante sua carreira como jornalista, Thompson se revelou como umpersonagem. Utilizava pseudnimos em seus textos, vestia-se sempre damesma maneira, usava sempre os mesmos pares de culos escuros emtodos os lugares que estivesse, aparecia sempre fumando cigarros em umapiteira, tinha fala mole, sotaque arrastado e um pouco caipira. Criou para siumapersona, uma aparncia que o permitia interagir e mostrar-se sociedade com mais facilidade. Tornou-se ele prprio uma caricatura, assim

    como seus textos se tornaram caricaturas da sociedade americana,exagerando, expondo ao mximo suas fraquezas. Para Edvaldo Pereira

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    Lima, essa foi a maior contribuio particular de Thompson, por ter umafelina e impiedosa leitura crtica da hipocrisia da sociedade norte-americana, desmascarando instituies e comportamentos, expondopatologias. No texto, um estilo repleto de subjetividades que implode de veza herana da objetividade jornalstica (Lima, 2005).

    Essa fora em desrespeitar regras e desobedecer a padres fez com quelogo Hunter se tornasse um cone da contracultura[4]. Ele afrontava tabus,mostrando como o campo jornalstico ainda era dominado por tmidosclichs (Dickstein, 1977 p.133). A fim de se diferenciar ainda mais,

    Thompson ia a campo acompanhado no de um fotgrafo, mas de umilustrador. O ingls Ralph Steadman ajudou a concretizar o estilo Gonzoatravs de seus desenhos que se encaixavam com perfeio aos textos.Nenhum fotgrafo, por melhor que fosse, conseguiria enxergar da maneiracomo Thompson enxergava os acontecimentos sua volta. Steadman

    conseguia traduzir os acontecimentos em figuras exageradas e nadacombinaria melhor com o estilo de Hunter. Essa relao de imagem e textogonzo ainda ser discutida mais profundamente nos captulos que seseguem, assim como as caractersticas do estilo e suas relaes com o New

    Journalism. O escritor americano Louis Menand comenta: Thompsonpertenceu a uma poca em que os jornalistas acreditavam que a falta demedo, o humor e a honestidade fariam a diferena. E to triste lembrarque um tempo com tanta f j provavelmente passou. (Menand, 2005)

    [1] Texto em apndice.

    [2] Site da revista The New Yorker, 7 de Maro de 2005. Traduo Livre.

    [3] Traduo livre.

    [4] O termo Contracultura foi inventado pela imprensa norte-americana,nos anos 60, para designar um conjunto de manifestaes culturais novasque floresceram, no s nos Estados Unidos, como em vrios pases,especialmente na Europa e, embora com menor intensidade, na AmricaLatina. Na verdade, um termo adequado porque uma das caractersticasbsicas do fenmeno o fato de se opor, de diferentes maneiras, cultura

    vigente e oficializada pelas principais instituies das sociedades doOcidente. (Maciel apud Pereira, 1983, p. 13)

    Publicado em 2. Hunter S. Thompson e o Jornalismo GonzoEtiquetas: hunter thompson

    2.1. Caractersticas e Modelos

    06/13/2009 Deixe um comentrio

    2.1. Caractersticas e Modelos

    Os textos de jornalismo Gonzo de Hunter tinham sempre as mesmascaractersticas, mesmo que s vezes algumas sobressassem. A

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    pesquisadora Christine Othitis, em seu artigo The Beginnings and Conceptof Gonzo Journalism, de 1994, aponta sete delas como sendo principais doestilo.

    So elas:

    Temtica repetida

    Durante toda sua trajetria, Thompson caracterizou-se por abordar sempreos mesmos assuntos em seus textos. Observando que suas curiosidadeseram muitas vezes as mesmas de seus leitores, passou a concentrar-se emtemas especficos, que agradavam no somente ele, mas uma grande parteda populao. Sendo assim, optou por restringir-se a quatro temticas:sexo, drogas, esporte e poltica. De certa forma, todos seus textos estavamrelacionados a esses temas no por acaso. Thompson observou com otempo que esses eram seus interesses e tambm os interesses de seus

    leitores, e mais ainda: temas como sexo, drogas, esportes e poltica erampraticamente obsesses do povo americano.

    Uso de citaes e epgrafes

    No raramente, Thompson abria seus textos citando frases que introduziamao leitor o clima de toda a narrativa. Podiam ser frases famosas, de outrosautores, ou mesmo suas, usadas com pseudnimos.

    Como exemplo, no captulo 21 de Hells Angels ele atribui a Ma Barker aseguinte citao: Mentira! Voc est mentindo! Vocs esto todos

    mentindo para prejudicar os meus rapazes! (Lying! Youre all lying againstmy boys!) (p.29). De certa forma, a frase d sentido a toda a histriacontada no livro, j que o autor tenta o todo tempo desmistificar a imagemsensacionalista sobre a gangue de motociclistas. Acaba por morrer na praia,

    j que seu ltimo relato sobre essa experincia acaba sendo traduzido emuma nica frase, que mostrou seus sentimentos ao terminar a experincia:Exterminem todos os brutos!.

    J em Medo e Delrio em Las Vegas, ele comea com Aquele que faz umabesta de si, livra-se da dor de ser um homem, atribuda simplesmente a Dr.

    Johnson. Essa frase tambm se torna muito apropriada ao texto, j que anarrativa que se segue mostra a experincia do autor com o uso de diversosentorpecentes, tornando-se o prprio uma besta. De certa forma, suascitaes davam o clima do que estaria por vir em seus textos, e talvez atinteragindo mais com o leitor. Othitis completa:

    Ele usava citaes de todo mundo. Desde Bonnie Parker, F.Scott Fitzgerald,Horatio Alger, at filmes, msicas, apenas para nomear algumas fontes. Eletambm usava suas prprias frases, sob os pseudnimos Raul Duke, F.X.Leach e Sebastian Owl. De alguma forma at irnica, sua marca registradamedo e delrio acabou virando citao no Bartletts Book of Modern

    Quotations (1994) [1].

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    EmA Grande Caada aos Tubares, o autor inicia com a seguinte frase deJoseph Conrad: A arte longa, a vida curta, e o sucesso fica longedemais (p. 9). No texto, que o prefcio da edio, o autor fala de comoselecionou os artigos para esse livro, que rene alguns de seus melhoresartigos, publicados em diversos veculos. antevspera de Natal, e ele est

    em um escritrio na Quinta Avenida de Nova York, sozinho com suamquina de escrever. A frase se encaixa em suas palavras quando ele d aentender no merecer um livro de Obras Reunidas, como o que preparavaento. Como se ainda achasse, realmente, que o sucesso fica longedemais. Ele diz:

    Sinto-me como se pudesse muito bem estar aqui talhando as palavras daminha prpria lpide e quando eu acabar, a nica sada apropriada serde cima desse terrao direto para dentro da fonte, 28 andares abaixo epelo menos 180 metros de queda livre sobre a Quinta Avenida.

    (Thompson, 1977, p. 9)E mais adiante:

    Eu provavelmente no vou fazer isso (), e provavelmente vou terminaresse sumrio, ir para casa comemorar o Natal e ter que conviver por maiscem anos com toda essa baboseira que estou reunindo. (Thompson, 1977,p. 10)

    De fato, Thompson sabia de seu sucesso, mas nunca lidou bem com isso,haja vista o pensamento suicida 28 anos antes de sua morte. Ele prprio

    parecia no acreditar que seu sucesso chegaria, ou que ele estaria vivo parapresenci-lo.

    Referncia sem pudores a figuras pblicas

    Muitos jornalistas tinham, e tm, medo de citar nomes de figuras pblicasem seus textos, mas esse no era um problema para Thompson. Ele teciacomentrios sobre todos os tipos de personalidades, falava de poltica edrogas abertamente e essa sua caracterstica fez com que ele sepopularizasse ainda mais. Principalmente entre os jovens, ele se tornou umcone da cultura pop. O smbolo que foi criado para ilustrar o estilo Gonzo

    um punho em forma de adaga cuja mo segura um boto depeiote,conhecido alucingeno indgena extrado de algumas espcies de cacto ilustrava camisetas, adesivos e revistas jovens da poca. Na revista RollingStone, em 72, ele dava sua opinio descompromissada sobre o embateeleitoral de Nixon vs. McGovern, que acabou sendo editado como mais umlivro da srie Medo e Delrio (Fear and Loathing: On the campaign trial72). Por no ter filiao partidria especfica, Thompson se via no direito decriticar ambos os lados da poltica americana. Othitis completa dizendo quepoucos polticos no passaram pela ponta incerta de sua canetaenvenenada (1994).

    Tendncia para mover o tpico central da narrativa

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    Essa pode ser a caracterstica mais marcante da escrita de Thopmson. Suaforte tendncia de mudar o rumo da narrativa vista em quase todos seusartigos. Essa tendncia talvez seja explicada pelo fato de Thompsonescrever sobre o que ele achava que seus leitores gostariam de ler. Nemsempre seus artigos eram sobre o assunto ao qual ele era enviado a cobrir.

    Muitas vezes, o assunto principal era deixado de lado, e ele focava suanarrativa em descries de lugares, pessoas, feelings. Por exemplo, noartigo O Kentucky Derby Decadente e Degenerado, a corrida de cavalosacaba sendo o assunto menos importante, j que ele concentra-se emdescrever o comportamento das pessoas, principalmente a buscaincessante por bebidas alcolicas, o encontro com o ilustrador RalphSteadman, entre outros assuntos desconexos com a corrida em si. De fato,o ganhador da corrida nunca mencionado.

    Medo e Delrio e Las Vegas deveria ser uma narrativa sobre a corrida de

    motos Mint 400, no deserto de Nevada, para a revista Sports Illustrated. Emvez disso, Thompson leva um amigo para Las Vegas e descreve uma sriede fatos ocorridos enquanto experimentava entorpecentes, fazia amizadecom turistas, garons, reprteres. O artigo acabou sendo recusado pelarevista em questo, porm deu mais visibilidade a seu autor ao serpublicado em livro.

    Em The Curse of Lono, sem traduo em portugus, uma famosa corridahavaiana, Honolulu Marathon, deixada de lado para entrar em cena aabordagem de outros temas, como a cultura local, histrias de turistas ouat mesmo pescaria. No seria diferente, sendo o prprio Thompson um

    amante de caa e pesca. (Othitis, 1994).

    Uso de sarcasmo ou vulgaridade como humor

    No incomum o uso de sarcasmo e humor no New Journalism. Gay Talesee Tom Wolfe sempre usaram esse recurso em seus textos. O que diferenciaa obra de Hunter que muitas vezes o seu humor era sarcstico, maschegava a ser vulgar. O linguajar que inclua muitos palavres tambmcolaborava para essa vulgaridade. Em Medo e Delrio em Las Vegas, oadvogado amigo de Thompson conhece uma garota religiosa no avio.Fugindo de casa e sem saber para onde ir, ela os acompanha durante umaparte da viagem. Em um dado momento, Thompson descreve a seguinteconversa:

    Bem Eu disse. Quais so seus planos?

    Planos?

    Espervamos o elevador.

    Lucy Eu disse.

    Ele sacudiu a cabea, tentando manter o foco na questo. Merda, eledisse finalmente. Eu a encontrei no avio e tudo que eu tinha era esse

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    cido Ele murmurou. Voc sabe, aquelas plulas azulzinhas. Jesus, ela uma fantica religiosa. Ela est fugindo de casa, tipo, pela quinta vez emseis meses. terrvel. Eu dei as plulas a ela antes de me dar conta.. elanunca tinha nem bebido!

    Bom, Eu disse, provavelmente dar tudo certo. Ns podemos mant-ladrogada e prostitu-la na conveno de drogas.

    Ele me encarou.

    Ela perfeita para este servio,Eu disse. Estes policias pagariam 50 pauspor cabea para cobri-la de porradas e depois fazer uma suruba. Nspodemos coloc-la em um daqueles motis de segunda, pendurar imagensde Jesus por todo o quarto e depois soltar estes porcos em cima dela ela toda forte, e sabe se cuidar (1971, p.114-115)[2]

    Depois da estagnao de seu amigo, Thompson ri de sua piada vulgar. Esseestilo de narrativa se repete diversas vezes em seus textos. quase comose o leitor tivesse que perceber em quais momentos ele pode confiar no queest lendo.

    Uso criativo da lngua inglesa

    Esse recurso descrito por Othitis como um aspecto nico de sua escrita,mas feito de maneira natural. Thompson usa sentenas longas ecomplexas, com vocabulrio mais agressivo que o normal. Por exemplo,ainda em Medo e Delrio em Las Vegas, Thompson descreve uma

    experincia de alucinaes sob efeito de substancias txicas:

    The room service waiter had a vaguely reptilian cast to his features, but Iwas no longer seeing huge pterodactyls lumbering around the corridors inpools of fresh blood. The only problem now was a gigantic neon sign outsidethe window, blocking our view of the mountains ()(1971, p. 27).[3]

    Nesse pargrafo percebemos algumas caractersticas de seu estilo deredao. A sentena vaguely reptilian cast to his features feita sob umaconstruo incomum na lngua inglesa. Ele usa palavras e construesvocabulares que poderiam muito bem ser substitudas por outras de uso

    mais comum, especialmente por seu texto ter uma abordagem coloquial.Para descrever as formas faciais (feautures) do garom que para ele, nomomento, eram vagamente reptlicas ao invs de usar waiter had avaguely reptilian cast to his features, poderia ser aplicar uma forma maissimples e de melhor compreenso, como por exemplo the waiter lookedlike a reptile. A palavra lumbering aplica-se bem ao contexto, porm no de uso comum na lngua inglesa. Podemos notar tambm que o pargrafo formado por poucas e longas frases, legitimando a caracterstica descritapor Othitis. Percebemos tambm o trmino da frase com reticncias, outracaracterstica da escrita do autor.

    Descrio extrema das situaes

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    Assim como no New Journalism, o Gonzo tambm se caracteriza pordescrever minuciosamente o ambiente, as pessoas e situaes, mas nosegue o critrio de construo cena a cena usada por seus colegas. Anarrativa de Thompson nem sempre segue o padro cronolgico e suasdescries se passam nos momentos de necessidade. Em The Kentucky

    Derby ele descreve a chegada ao ambiente:

    Caladas cheias de gente, todas com o mesmo destino, indo para ChurchillDowns. Molecada arrastando caixas trmicas e cobertores, garotas comshorts rosas e apertados, muitos negros Caras ngros usando chapus defeltro branco com faixas de oncinha, guardas sinalizando para o trnsitoprosseguir.

    A multido era densa por muitos quarteires ao redor da pista. Muito lentoandar pela multido, muito quente. No caminho para o elevador docamarote de imprensa, assim que se entrar no prdio da sede, demos comuma fileira de soldados carregando cassetetes brancos e compridos,daqueles usados para conter tumultos. Mais ou menos dois pelotes, comcapacetes. Um homem perto de ns disse que eles estavam esperando pelogovernador e seu sqito. Steadman olhou para eles nervoso. Por que elestm esses porretes?. Panteras Negras, eu disse. (1970, p.30)

    A descrio feita por Thompson possui cortes rpidos, e muitas vezes oautor deixa transparecer seus pensamentos no momento, como se quisessemostrar ao leitor um pouco mais de si mesmo.

    Panteras Negras, eu disse. Ento me lembrei do bom e velho Jimbo noaeroporto e fiquei imaginando o que ele deveria estar pensando agora.Provavelmente estaria muito nervoso. O lugar estava forrado de policiais esoldados (1970, p.30).

    Alm das caractersticas j citadas podemos notar ainda no jornalismoGonzo outras to importantes quanto as definidas por Othitis. Essascaractersticas, claramente notadas em seus textos, so: a captaoparticipativa, o consumo de drogas, a dificuldade de discernir o real doimaginrio e o uso do narrador em primeira pessoa.

    Neste captulo abordaremos duas delas, sendo as outras duas abordadas nocaptulo seguinte, j que estas nos levam a outro tipo de anlise da obra de

    Thompson, que indica a sua proximidade com a caricatura e a crnica.Tentaremos mostrar no captulo final como o estilo Gonzo de Thompson seassemelha a essas duas vertentes das artes escritas e visuais. No momento,nos concentraremos nas duas primeiras:

    Captao Participativa

    O jornalismo gonzo e o New Journalism utilizam essa tcnica de maneirasdiferentes. Para os novos jornalistas, a imerso na reportagem era feita de

    maneira superficial, ou seja, observada a distncia, conseguindoentrevistas, observando, pesquisando. Como exemplo j citado

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    anteriormente, em Frank Sinatra Est Resfriado, Gay Talese se insere nouniverso do cantor, em sua rotina. Observando dia e noite, consegue traarum perfil histrico, sem ao menos fazer uma pergunta ao personagem.

    Diferentemente disso, Hunter Thompson se inseria de maneira to profunda

    no fato da matria, chegando muitas vezes a fazer parte dela no s comoum reprter observador, mas como um personagem. Em Hells Angels, elepassa 18 meses sendo um dos membros da gangue de motoqueiros; emMedo e Delrio em Las Vegas, ele se faz passar por todos os tipos decidados encontrados na cidade, desde jogadores viciados em cassinos atum dos policiais vindos cidade para uma conveno sobre narcticos.Como um camaleo, ele eleva mxima sua prpria teoria de que necessrio ser um bom ator para ser um bom jornalista gonzo.

    O jornalista gonzo no se contenta em capturar depoimentos de pessoasque viveram determinadas experincias. Ele prprio precisa viver a situaopara transcrever ao leitor todos os seus sentimentos no momento devivenciar cada episdio, passando assim uma maior dimenso dos fatos einformaes. Com isso, muitas vezes o jornalista acaba por interferir mesmo que involuntariamente no rumo da narrativa, que poderiaacontecer de outra maneira, caso no houvesse sua intromisso.

    Consumo de drogas

    Essa caracterstica no uma obrigatoriedade para determinar um textogonzo, mas o uso de entorpecentes est claramente descrito em boa parte

    da obra de Thompson. Alguns textos de Hunter so declaradamenteinfluenciveis e notavelmente feitos sob o abuso de drogas, sejam elaslegais como o lcool ou ilegais como maconha e LSD. Em seu textomais famoso, Medo e Delrio em Las Vegas, Thompson dedica um captulointeiro ao uso do andrenochrome, que diz ser uma droga rarssima eincrivelmente potente. Porm, preciso deixar claro que essa no acaracterstica mais forte do estilo, como mais tarde alguns acadmicosconservadores convencionaram denominar.

    Apesar de muitos new journalists serem envolvidos com lcool e drogas,essas atitudes nunca eram explcitas nos textos. Diferentemente, Thompson

    no s fazia uso dessas substncias, como relatava em seus textos amaneira como elas afetavam seu corpo e sua mente. J os new journalistseram observadores, nunca sendo protagonistas de suas prprias matrias.

    Mesmo com todas essas caractersticas, ainda difcil identificarmos umtexto de jornalismo Gonzo, visto que seu maior representante tambm ocriador do estilo. Mas importante notar que mesmo com todas essascaractersticas, a principal delas era que o jornalismo gonzo no possuaregras. O principal objetivo de Thompson era mostrar a histria atravs deseu prprio olhar, como espectador e participante do fato em si, quase

    como um personagem de seu prprio enredo. De certa forma, ele era otema principal e a notcia principal de suas matrias. Com o passar dos

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    anos, Thompson adquiriu maior popularidade, e o jornalismo gonzo, sempreassociado ao seu nome, virou sinnimo de grandes excessos e relatosinconseqentes. Mesmo com mais idade, seus textos no deixavam de falara um pblico mais jovem, exatamente por possuir um carter confessional esem censura. O New Journalism e o Jornalismo Gonzo possuem

    caractersticas semelhantes, mas ao mesmo tempo, outras so gritantes. o que faz com que os dois, mesmo tendo surgido na mesma poca e sob asmesmas circunstncias, sejam tidos como dois estilos diferentes.

    Como os dois estilos surgiram na mesma poca e possuam, de certa forma,caractersticas semelhantes, muitos achavam que o gonzo era uma formade New Journalism. O prprio Tom Wolfe chama Hunter Thompson de new

    journalistem diversos textos, chegando inclusive a inserir trechos de umdos textos de Hunter em sua coletnea The New Jourmalism, que traz acontextualizao do estilo, seguido por textos de diversos autores da poca

    como exemplo. O livro Hells Angels de Thompson ainda classificado poralguns autores como um exemplo de New Journalism, como j citadoanteriormente nesse trabalho.

    Essa aproximao entre os dois estilos pode ser facilmente confundida, umavez que ambos surgiram numa poca em que o jornalismo estava emprofundas transformaes, logo tudo que surgisse de inovador, no sentidode transformar a regra vigente, podia ser chamado de Novo. Percebemosque ambos os estilos usam o dilogo como forma de aproximar o leitor dacena, tornando mais fcil a imerso na leitura e o conhecimento depersonagens. Alm disso, os dois estilos tambm usam a descrio para

    mostrar ao leitor o clima do ambiente, ou mesmo acolher o personagemjunto ao leitor. Ambos os estilos utilizavam tambm a tcnica de imersona realidade, para atravs da convivncia com os personagens da matria,passar veracidade aos seus leitores. Porm a imerso Gonzo era diferenteda imerso dos novos jornalistas.

    O que vamos perceber ainda que o Jornalismo Gonzo possui, sim, essassemelhanas, mas que tambm suas caractersticas prprias mostram comclareza como esse estilo no pode ser chamado de New Journalism, e aindamais, que seu ttulo de Jornalismo, muitas vezes, colocado em xeque.

    Tendo sido agora identificadas as principais caractersticas do estilo Gonzo,na maioria das vezes bem diferentes das do new journalism, passaremos auma nova etapa desse trabalho. No captulo seguinte discutiremos como oestilo de Thompson se assemelha a outras formas de arte como o gneroliterrio da crnica e como o gnero de arte visual da caricatura. Essaaproximao que nos guiar na discusso dos prximos captulos.

    [1] Traduo Livre

    [2] Traduo livre

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    [3] Traduo livre: O garom do servio de quarto tinha feies vagamentereptlicas, mas eu no via mais imensos pterodtilos deslizando peloscorredores encharcados de sangue fresco. O nico problema era um giganteanncio em non do lado de fora da janela, bloqueando nossa viso dasmontanhas -.

    3. Relaes com outras formas de expresso

    O que buscamos neste captulo mostrar que o estilo gonzo de fazerjornalismo pode muito bem se assemelhar a outras formas de arte. Ostextos de Thompson sempre foram encarados como jornalismo, maspodemos ainda, atravs da observao das caractersticas acentuadas noscaptulos anteriores, classific-lo de diferentes maneiras.

    O que faremos a partir de agora analisar sua proximidade com a artegrfica, especialmente com a caricatura, atravs de seu trabalho em

    conjunto com o ilustrador Ralph Steadman. Analisaremos, ainda, como ojornalismo gonzo de Thompson pode se assemelhar com o estilo literrio dacrnica, atravs do uso do personagem em primeira pessoa e da dificuldadede diferenciar o real do imaginrio em seus textos.

    3.1. A proximidade com Ralph Steadman, a Caricatura e a Arte

    Gonzo

    Essa pode ser a caracterstica que mais tenha marcado o estilo Gonzo, etenha ajudado a deixar sua marca no hall das artes e da contracultura.Sempre que ia a campo, Hunter Thompson no costumava, como todos os

    reprteres costumam, ser acompanhado de um fotgrafo. Em vez disso, seuacompanhante era, sempre que possvel, Ralph Steadman, um exmiocartunista e ilustrador.

    Nascido em 1936, Steadman comeou sua carreira como cartunista,passando mais tarde a explorar outras tcnicas de pintura e desenho. Comoartista, ilustrou edies de clssicos da literatura como Alice no Pas dasMaravilhas, de Lewis Caroll; A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevensone A Revoluo dos Bichos, de George Orwell. Tambm fez versesprprias de famosas biografias como as de Leonardo Da Vinci e Sigmund

    Freud. Mas foi em sua parceria com Thompson que seu trabalho ganhoumaior notoriedade.

    Se fossem utilizados os servios de um fotgrafo, provavelmente oresultado final da juno texto-imagem no seria to satisfatrio como era oresultado da juno dos textos de Hunter com as ilustraes de Steadman.O texto de Hunter combinava perfeitamente com as caricaturas feitas porSteadman, j que seus estilos eram exagerados. Sabemos que a principalespecialidade da caricatura exagerar os pontos fracos, ou fortes, daqueleque o retratado. Assim como Steadman exagerava em caracterizar ospersonagens descritos por Thompson, esses eram por sua vez exageradosem sua prpria descrio. O estilo de texto de Hunter virou sinnimo de

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    excesso, apontava abertamente as feridas do povo americano, dilua aspresunes doAmerican Way of Life, justamente por achar que era umadenominao enfadonha e ultrapassada. Logo, comparando em estilos, o

    Jornalismo Gonzo era uma caricatura da sociedade americana, e seu autorera uma caricatura de si prprio. Joaquim da Fonseca, em seu livro

    Caricatura A Imagem Grfica do Humor, caracteriza a caricatura comouma arte ferina que, atravs dos tempos, tem ridicularizado suas vtimas(p.11). No caso do estilo gonzo a caricatura atuava de duas maneiras: tantonas imagens como nos textos. Fonseca completa:

    Gente de renome, polticos notrios, senhores da guerra, celebridades eoutros poderosos, bem como eventos sociais e polticos em que estoenvolvidos, tm sido alvos, direta ou indiretamente, do comentrio grficoferino e impiedoso na forma dos desenhos e gravuras com que oscaricaturistas os expem opinio pblica (1999, p. 11).

    Danielle de Marchi Tozatti, no estudo Do humor em tempos sombrios aocaricato comtemporneo, de 2005, diz que a caricatura funciona comouma contraposio da fotografia, uma construo contrastiva da imagem.Para ela, desde suas origens, a caricatura configura-se como uma crtica representao realista. Assim como Thompson criticava a sociedadeamericana atravs de seus textos que mostravam sem pudor umasociedade doente e obsessiva, Steadman o acompanhava atravs de suainterpretao visual da cena descrita por Thompson, e muitas vezes ambosestavam presentes no mesmo ambiente para captao de imagens econstruo de texto. Tozatti completa:

    Um nariz demasiado pontiagudo ou um queixo proeminente podem sugerirou mesmo revelar determinados traos de personalidade que seriamindesejveis. At o Renascimento, o caricaturista era considerado umaespcie de aprendiz de feiticeiro, que representava as formas diablicas domal. Mesmo depois de a caricatura se tornar uma expresso integrada vida moderna, essa idia persiste. (2005)

    Muitas caractersticas indesejveis do povo americano eram expressas porThompson em seus textos e aplicadas por Steadman em seus desenhos.Thompson era capaz de flagrar cenas incomuns do cotidiano, outransformar as cenas comuns em relatos impressionantes. Dessa forma, seseu trabalho fosse contrastado com fotografias, dificilmente seus textosobteriam credibilidade, ou no passariam a mesma imagem que acaricatura passa ao leitor. A combinao de exageros de texto e ilustraono que diz respeito a Thompson e Steadman.

    Mais ainda, Thompson faz de seu prprio texto uma caricatura da sociedadeamericana. No texto que tomamos como exemplo aqui, Thompson descreveuma tradicional corrida de cavalos americana, porm sem se apegar aosacontecimentos esportivos, mas sim, tentando retratar a sociedade

    presente no local. Esse retrato feito de maneira exagerada, sempreapontando os pontos negativos daqueles presentes. A imagem do pblico

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    passada ao leitor sempre de uma sociedade que abusa do uso de bebidasalcolicas, sem pudores e preconceituosa. Thompson fala de sua verdadeirainteno ao chegar no local da corrida acompanhado de Steadman:

    E, ao contrrio da maioria dos outros no camarote de imprensa, estvamos

    pouco nos lixando para o que aconteceria na pista. Tnhamos vindo aquipara ver os verdadeiros animais se apresentarem (1970, p.25)

    Ao dizer os verdadeiros animais, Thompson se refere rica sociedade(onde muitos so chamados de coronis) que est ao seu lado no camarotedo evento. A populao presente, tida como de educao rgida etradicional, apontada por Thompson como o que h de mais grotesco noque diz respeito aplicao da falsa moral. Sendo assim, ele exagera suaspeculiaridades, aponta-os como animais, como no dilogo entre ele e oilustrador, transcrito no trecho a seguir:

    Agora, olhando de cima do camarote de imprensa, apontei para o enormepasto gramado cercado pela pista. Tudo isso, eu disse, vai estarcongestionado de gente, umas 50 mil pessoas, a maioria caindo de bbada. uma cena fantstica. Milhares de pessoas desmaiando, chorando,copulando, atropelando os outros, lutando com garrafas de usquequebradas. A gente vai ter que passar um tempo l embaixo, mas difcilcircular, tem muita gente.

    Mas seguro? Ser que a gente consegue voltar?

    Claro, respondi. S vamos ter que tomar cuidado para no pisar na barriga

    de algum e comear uma briga. Fiz pouco caso. () Milhares de bbadoscambaleantes e raivosos, ficando mais e mais furiosos medida queperdem mais e mais dinheiro. L pelo meio da tarde, vo estar virando mint

    juleps[1] com as duas mos e vomitando um no outro entre as corridas.(1970, p. 25-26)

    Podemos observar o exagero de Thompson ao descrever a sociedade queassiste s corridas, e sua preocupao sempre clara em apontar seus errose defeitos. Em um trecho do texto, Thompson compara o cruzamento deespcies de animais, como cavalos e cachorros, com o cruzamento de

    humanos. No caso, os humanos ali presentes, tidos por ele como oresultado inevitvel de muitos cruzamentos entre parentes numa culturafechada e ignorante (p. 27). Nesse trecho, Thompson aproveita paracriticar a sociedade sulista dos Estados Unidos, comentando sobre ocasamento entre parentes, prtica comum na poca entre as famlias rurais.

    Ao falar sobre os desenhos de Steadman para o texto, ele dizia procurar porum rosto especial, que seria usado para a ilustrao da abertura da matria.Nessa busca, ele descreve a faceta do pblico presente, segundo suaobservao:

    Na minha cabea, eu via como a mscara da aristocracia do usque umamistura pretensiosa de bebida, sonhos desfeitos e uma crise de identidade

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    terminal.() Um smbolo de toda a amaldioada cultura retrgrada que fazo Kentucky Derby ser o que . (1970, p.27).

    Sua inteno, na verdade, mostrar a contradio da populao, aoapontar e criticar erros alheios, sem ao menos perceber o quanto ela

    tambm erra. Para Fonseca, a caricatura a representao de algo (umapessoa, tipo, ao, etc.) em forma distorcida, sob seu aspecto ridculo ougrotesco. uma seleo de detalhes que acentua ou revela aspectos dealgo, na maioria das vezes, exagerada. (p. 17). Embora Fonseca atribuaessas caractersticas apenas a representaes plsticas ou grficas,queremos aqui atribu-las tambm escrita, uma vez que o estilo Gonzopossui todas essas semelhanas. Podemos ainda dizer que o texto de

    Thompson era muitas vezes uma caricatura da sociedade americana,exagerada em seus pontos fracos pelo autor. Fonseca define que muitasvezes a caricatura coloca em relevo os costumes ou o comportamento de

    certos grupos humanos, e que ela teve seu nascimento e desenvolvimentoparalelos ao da imprensa, sempre apontando e criticando figuras ou eventosnotrios. No trecho a seguir, Thompson tambm descreve a sociedadepresente de maneira bastante estereotipada:

    Rostos rosados com uma estilosa flacidez sulista, velhos conservadores,casacos quadriculados e colarinhos de boto. Desabrochar da Senilidade(frase do Steadman) esgotada muito cedo ou talvez simplesmente semmuito para esgotar de sada. Rostos sem muita energia, nem um pingo decuriosidade. Sofrendo em silncio, nenhum lugar para ir nessa vida depoisdos trinta anos, s continuar vivendo e entretendo as crianas. Que os

    jovens se divirtam enquanto podem, por que no?

    A morte e sua foice chegam mais cedo para essa gente fantasmasbarulhentos no gramado noite, berrando l fora perto daquele crioulinhode ferro com roupa de jquei. Talvez seja ele que esteja gritando. Deliriumtremens severos e muitos rosnados no clube de bridge. Afundando com abolsa de valores. Oh, Jesus, o garoto acaba de destruir o carro novo, searrebentou no grande pilar de pedra no fundo da rua. Perna quebrada? Olhotorto? Manda ele pra Yale, por l conseguem curar de tudo.

    Yale? Voc viu o jornal de hoje? New Haven est sitiada. Yale est apinhadade Panteras Negras Vou te falar coronel, o mundo ficou louco, louco depedra. Ora, me contaram que uma jqui mulher talvez cavalgue no Derbyhoje. (1970, p. 31)

    Nesse pequeno trecho, Hunter faz um dilogo mental, como se estivesse eleprprio observando essa conversa. Percebemos como ele julga a sociedadecomo sendo infeliz, praticamente sem planos de vida, apenas espera damorte. Ele mostra tambm seu ponto de vista sobre como estariampreocupados com a resoluo de problemas, como se mostram aos vizinhos,como aparentam ser felizes, como se realizaram no Sonho Americano.

    Quando ele diz, manda para Yale, uma tradicional e reconhecidauniversidade americana, como se todos os problemas de personalidade de

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    uma juventude fossem resolvidos, uma vez que agora esto sob umaeducao de confiana. Alm disso, ele observa tambm o medo dasociedade com a ameaa estranha, no caso os Panteras Negras. Essacaracterstica sempre esteve presente na sociedade americana, desde apoca do extermnio indgena, at hoje, com atentados terroristas. Por fim,

    ele comenta o preconceito, ao imaginar o absurdo que seria, em plenadcada de 70, uma mulher competir com homens em uma corridareconhecidamente masculina. Enfim, todas essas observaes so feitas demaneira exagerada, uma vez que fazem parte de um dilogo mental quenunca existiu. Mas mais ainda, reafirmam o carter caricatural com que

    Thompson v a sociedade americana.

    A obra de Thompson ligada caricatura no s pelo texto, mas ainda porsua proximidade com a arte de Ralph Steadman, mais tarde denominadaGonzo Art. Essa parceria ainda renderia notoriedade e ateno s duas

    personalidades O primeiro trabalho dos dois juntos foi justamente nainaugurao do estilo Gonzo. No artigo O Kentucky Derby, Thompsonconta como conheceu Steadman e como foi essa primeira aventura emconjunto. Observemos a ilustrao a seguir:

    Figura 1

    Os pequenos detalhes desta ilustrao demonstram a coordenao entretexto e imagem. Feita especialmente para ilustrar o artigo, o desenhomostra em primeiro plano um homem de binculos e culos escuros, que seassemelha ao prprio Thompson. Atrs, um grupo de pessoas,

    aparentemente apostadores e o dono do cavalo, se revelam com feiesmonstruosas e aterrorizadoras. Ao lado, o cavalo de numero seis, meiopintado, meio sem cor, e seu cavaleiro, quase imperceptvel.

    Ao lermos o texto percebemos que Thompson se coloca sempre emprimeiro plano no enredo, assim como retratado na ilustrao. Ele era quasesempre o centro de suas matrias, escritas, em sua maioria, em primeirapessoa (como discutiremos mais a seguir). Lendo o texto percebemostambm que o retrato das feies dos apostadores a principalpreocupao do autor. Para ele, vendo o pblico no camarote do evento,todos esto ali no para apreciar a corrida, mas para passar uma tarde dedeleite, comendo e bebendo mint juleps. O texto deixa clara a repugnnciado autor com os tipos de pessoas que esto a sua volta e a figura os retratade maneira grotesca e nojenta, como no texto.

    Por ltimo percebemos na figura um imponente cavalo, porm umminsculo cavaleiro, quase imperceptvel. Mais uma vez a combinao detexto e imagem se faz presente, j que o autor se apega a tantos detalhesculturais e sociais do evento, que acaba por no dizer o nome do ganhadorda corrida, citando apensas o nome do cavalo. Vemos novamente a atendncia do autor a fugir do assunto principal da narrativa, e a caricatura

    em questo demonstra de maneira clara o que uma, ou vrias, fotografiasno conseguiriam demonstrar em tamanha concordncia com o texto.

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    Citamos anteriormente tambm como o prprio autor se tornou umacaricatura se si mesmo. Hunter vestia sempre o mesmo estilo de roupa,usava sempre culos escuros, muitas vezes estava de boina ou chapu.Falava de maneira arrastada, com sotaque um pouco caipira, seus lbiosquase no se abriam, sendo s vezes difcil entender as palavras que saam

    de sua boca. Boca essa que estava sempre segurando uma piteira,inseparvel assim como seus culos. A caricatura mais conhecida do estiloGonzo Art justamente a que Ralph Steadman fez de seu companheiro, e aele dedicou uma srie de outras imagens que incluam desde o autorvoando, at o autor transformado em besta e primata.[2] No caso de

    Thompson, Steadman conseguiu criar a caricatura mais prxima daverdade, j que seu alvo j era bastante caricato, como dissemosanteriormente, quase umapersona.

    Apersona, segundo Carl Gustav Jung[3], a forma pela qual uma pessoa se

    apresenta ao mundo. Muitas vezes o carter que uma pessoa decideescolher e atravs dele enfrenta seus relacionamentos com os outros a suavolta. Apersona inclui todos nossos papis, sociais, que tipo de roupausamos, nosso estilo de expresso pessoal. O termo derivado de umapalavra em latim, que significa mscara, que por sua vez, se refere smascaras utilizadas pelo teatro Grego. Ao capturar a imagem de Thompsonem suas caricaturas, Steadman o fez mais prximo realidade, justamentepor ele ser naturalmente uma figura caricata. Observemos as figuras aseguir:

    Figura 2 Figura 3

    A relao entre Thompson e Steadman se estende no s na arte visual,mas em textos tambm. As imagens eram influenciadas pelo texto, mas oprprio Steadman tinha seu lugar nas aventuras de Thompson. Como iam acampo juntos, Steadman presenciava boa parte das aes do autor. Sendoassim, ele virou um personagem presente na obra de Thompson e,curiosamente, foi apresentado ao pblico juntamente com o estilo gonzo, nomesmo artigo O Kentucky Derby Decadente e Degenerado. Nele,

    Thompson narra como encontrou e conheceu Steadman, e desde ento, aparceria era realizada sempre que possvel, diferentemente dos new

    journalists, que utilizavam fotografias para ilustrar e dar veracidade s suasmatrias.

    [1] A bebida tradicional do Kentucky Derby, feita com gua, acar, menta eBourbon.

    [2] Em anexo no final do trabalho.

    [3] www.psiqweb.med.br

    3.2. A proximidade com a Crnica

    http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftn2http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftn3http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftnref1http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftnref2http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftnref3http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftn2http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftn3http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftnref1http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftnref2http://hunterthompson.wordpress.com/page/2/#_ftnref3
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    Como citado anteriormente, tentaremos mostrar neste captulo que o estiloGonzo de se fazer jornalismo se assemelha, muitas vezes, ao gneroliterrio da crnica. Para tanto, podemos a essa altura explicar as duasltimas caractersticas encontradas no estilo Gonzo, a saber: o uso donarrador em primeira pessoa e a dificuldade de diferenciar o real do

    imaginrio. Buscaremos mostrar como essas caractersticas podem ajudar aresumir o jornalismo Gonzo como uma forma semelhante crnica.

    Em O Jornalismo Como Gnero Literrio, Alceu Amoroso Lima j descreveo jornalismo como sendo um gnero da literatura. Ele aponta algumas dascaractersticas naturais do jornalismo como sendo em si gnero literrio,como a objetividade, a importncia de manter contato com o fato e ainformao. J vimos nos captulos anteriores que a objetividade e o contatocom a informao principa