Jornal Psicossocial

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Jornal do Curso Profissional de Técnico de Apoio Psicossocial para saber mais: http://psicossocial-aquelabase-blogspot.com Sobre a violência. «O que dói não é a dor, mas a irredutível humanidade de quem nos ofende»; poder-se-ia contestar, claro, que tem de haver humanidade em falta no indivíduo que nos ofende agride, abusa, viola, bate, insulta, tortura, mata, eu sei lá. Bem, diz-se que qualquer efeito tem uma causa: talvez tal indivíduo tenha alguma «avaria no processador central»; talvez a «lotaria genética» lhe tenha sido madrasta; talvez a pobreza do meio ou da situação ou da educação tenha causado défices irre- cuperáveis no seu desenvolvimento; talvez seja simplesmente uma pessoa má; talvez seja a (má) sorte que não o larga ou (o que vai dar ao mesmo) talvez tenha o diabo no corpo (ou um deus irado e absurdo, se for Job). Ainda assim resta um facto que resiste a todas estas hipóteses comuns de «expli- cação»: ele é uma pessoa como nós, um ser humano e por vezes damo-nos conta que também somos nós, ou até que o desejamos, ou que poderíamos ter sido nós. Mas será que quem agride, maltrata, violenta ou mata é mesmo como qualquer um de nós? Afinal, nós reconhecemos que por vezes nos excedemos, que temos desejos incon- fessáveis de dar umas estaladas a certo «anormal» que nos tira do sério, que damos (ou ameaçamos dar) uma palmada ao infante lá de casa quando a paciência se esgo- ta perante o desrespeito descarado e se reconhecemos, é porque somos capazes de evitar fazê-lo (se sei que devo, então é porque posso, lá dizia o outro), e sobretu- do de reconhecer que, se o fizemos, errámos, porque o rosto ferido do outro é o espelho da nossa humanidade também ferida (há quem lhe chame culpa, remorso, arrependimento). A existência dessa diferença não anula a estranheza da maldade humana, o facto de haver alguém que trata outrem como um objecto ou um instrumento para os seus fins (prazer, poder, riqueza), mas ajuda-nos a perceber que a prática de um acto violento parece estar associado a certas condições sociais de desenvolvimento nas quais a percepção e atenção às necessidades dos outros não foram interiorizadas e a certos traços de personalidade, nomeadamente o egocentrismo, a impulsividade, a ausência de empatia, a agressividade, a incapacidade de diferir o desejo e a labilida- de; como refere o criminologista Jean Pinatel, «é necessário abandonar a ideia de que existe uma diferença de natureza entre o delinquente e o não delinquente; que, pelo contrário, não existe entre eles senão uma diferença de grau, desde o criminoso ocasional (o mais ligeiro) até ao reincidente mais endurecido.» (Pinatel, 1995: Dalloz) No trabalho deste terceiro período, no Curso TAP, procurámos estudar a violência intencional e interpessoal, que alguém definiu como «um comportamento voluntá- rio, directo ou indirecto, que surge num contexto de interacção ou relação entre duas (ou mais) partes envolvidas, em situação de desigualdade de poder, e que se caracteriza pelo uso da força, coacção ou intimidação, de carácter individual ou colectivo, comportando vários graus de gravidade e atingindo a vítima nas suas necessidades, integridade física e moral, nos seus bens e, ou, nas suas participações simbólicas e culturais, causando prejuízo, dano e sofrimento.» (Magalhães, 2010: IUC) Fizemo-lo porque a violência é um problema social grave, que um profissional cujo trabalho consiste em apoiar outrem tem de compreender e saber como enfrentar, mas também porque a aceitação da violência que nos cerca no trabalho, na televi- são, em casa, na rua, na escola nos torna cúmplices das circunstâncias sociais, eco- nómicas, culturais e psicológicas que a causam e, sobretudo, que nada nos leva a fazer para combatê-la. Mas o estudo da violência não tem de ter apenas um âmbito teórico ou conceptual (em Psicopatologia, por exemplo): a expressão plástica ou a expressão dramática permitem-nos aprender a escutar o olhar e o corpo alguns dos trabalhos dos formandos em Expressão Plástica e Dramática visaram precisamente realizar esta finalidade; apresentamos aqui alguns exemplos desse trabalho. Mas houve outros aspectos, mais felizes, que também nos ocuparam neste último período lectivo fica aqui uma breve amostra desse trabalho; não sabemos se tor- námos a escola melhor por isso, mas seria suficiente que nos tivéssemos tornado a nós um pouco melhores como que fizemos.

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Sobre a violência. «O que dói não é a dor, mas a irredutível humanidade de quem nos ofende»; poder-se-ia contestar, claro, que tem de haver humanidade em falta no indivíduo que nos ofende – agride, abusa, viola, bate, insulta, tortura, mata, eu sei lá. Bem, diz-se que qualquer efeito tem uma causa: talvez tal indivíduo tenha alguma «avaria no processador central»; talvez a «lotaria genética» lhe tenha sido madrasta; talvez a pobreza do meio ou da situação ou da educação tenha causado défices irre-cuperáveis no seu desenvolvimento; talvez seja simplesmente uma pessoa má; talvez seja a (má) sorte que não o larga ou (o que vai dar ao mesmo) talvez tenha o diabo no corpo (ou um deus irado e absurdo, se for Job). Ainda assim resta um facto que resiste a todas estas hipóteses comuns de «expli-cação»: ele é uma pessoa como nós, um ser humano e por vezes damo-nos conta que também somos nós, ou até que o desejamos, ou que poderíamos ter sido nós. Mas será que quem agride, maltrata, violenta ou mata é mesmo como qualquer um de nós? Afinal, nós reconhecemos que por vezes nos excedemos, que temos desejos incon-fessáveis de dar umas estaladas a certo «anormal» que nos tira do sério, que damos (ou ameaçamos dar) uma palmada ao infante lá de casa quando a paciência se esgo-ta perante o desrespeito descarado – e se reconhecemos, é porque somos capazes de evitar fazê-lo (se sei que devo, então é porque posso, lá dizia o outro), e sobretu-do de reconhecer que, se o fizemos, errámos, porque o rosto ferido do outro é o espelho da nossa humanidade também ferida (há quem lhe chame culpa, remorso, arrependimento). A existência dessa diferença não anula a estranheza da maldade humana, o facto de haver alguém que trata outrem como um objecto ou um instrumento para os seus fins (prazer, poder, riqueza), mas ajuda-nos a perceber que a prática de um acto violento parece estar associado a certas condições sociais de desenvolvimento nas quais a percepção e atenção às necessidades dos outros não foram interiorizadas e a certos traços de personalidade, nomeadamente o egocentrismo, a impulsividade, a ausência de empatia, a agressividade, a incapacidade de diferir o desejo e a labilida-de; como refere o criminologista Jean Pinatel, «é necessário abandonar a ideia de que existe uma diferença de natureza entre o delinquente e o não delinquente; que, pelo contrário, não existe entre eles senão uma diferença de grau, desde o criminoso ocasional (o mais ligeiro) até ao reincidente mais endurecido.» (Pinatel, 1995: Dalloz) No trabalho deste terceiro período, no Curso TAP, procurámos estudar a violência intencional e interpessoal, que alguém definiu como «um comportamento voluntá-rio, directo ou indirecto, que surge num contexto de interacção ou relação entre duas (ou mais) partes envolvidas, em situação de desigualdade de poder, e que se caracteriza pelo uso da força, coacção ou intimidação, de carácter individual ou colectivo, comportando vários graus de gravidade e atingindo a vítima nas suas necessidades, integridade física e moral, nos seus bens e, ou, nas suas participações simbólicas e culturais, causando prejuízo, dano e sofrimento.» (Magalhães, 2010: IUC) Fizemo-lo porque a violência é um problema social grave, que um profissional cujo trabalho consiste em apoiar outrem tem de compreender e saber como enfrentar, mas também porque a aceitação da violência que nos cerca – no trabalho, na televi-são, em casa, na rua, na escola – nos torna cúmplices das circunstâncias sociais, eco-nómicas, culturais e psicológicas que a causam e, sobretudo, que nada nos leva a fazer para combatê-la. Mas o estudo da violência não tem de ter apenas um âmbito teórico ou conceptual (em Psicopatologia, por exemplo): a expressão plástica ou a expressão dramática permitem-nos aprender a escutar o olhar e o corpo – alguns dos trabalhos dos formandos em Expressão Plástica e Dramática visaram precisamente realizar esta finalidade; apresentamos aqui alguns exemplos desse trabalho. Mas houve outros aspectos, mais felizes, que também nos ocuparam neste último período lectivo – fica aqui uma breve amostra desse trabalho; não sabemos se tor-námos a escola melhor por isso, mas seria suficiente que nos tivéssemos tornado a nós um pouco melhores como que fizemos.

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Uma história de mulheres. Tendo por motivação próxima um convite da Dr.ª Margarida Guedes para parti-

ciparmos nas comemorações do centenário da República, os formandos e a formadora de Expressão Dramática

criaram uma peça performativa que, tendo por motivos organizadores do movimento performativo alguns factos

históricos referentes a história das mulheres em Portugal, se centro sobretudo no discurso de Ana de Castro Osório

em sessão pública de 28 de Agosto de 1908, que constitui o primeiro grande texto que procura pensar a possibili-

dade da igualdade entre homem e mulher e se constitui como uma crítica da discriminação com base no género e

da violência sobre as mulheres; algumas imagens deste evento (que também apresentámos na Semana Aberta do

Agrupamento de Escolas de Condeixa, no dia 9 de Junho e na Festa Psicossocial, dia 7 de Junho). Elenco: Ana Soa-

res, Anabela Cardoso, Andreia Craveiro, Cristiana Carvalho, Rosa Santos e Soraia Palrilha.

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No âmbito do trabalho realizado nas disciplinas de Psicologia, Comunidade e

Intervenção Social e Psicopatologia, os formandos do Curso TAP realizaram uma activi-

dade de formação nos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Coimbra; foram forma-

dores nesta actividade, a Sr.ª Vice-Presidente da Câmara Municipal de Condeixa, Dr.ª

Margarida Guedes, e as Técnicas de Serviços Social, Dr.ª Cristina Póvoa, Dr.ª Graça Mar-

tins e Dr.ª Carla Ribeiro.

A actividade consistiu em dois momentos, o primeiro de natureza informativa e

teórica; o segundo de natureza prática. Na primeira parte a Dr.ª Margarida Guedes esclareceu o enquadramento dos Serviços

Sociais na estrutura da Câmara Municipal e indicou os seus objectivos e funções. A Dr.ª Cristina Póvoa fez uma apresentação

sobre as actividades desenvolvidas pelos serviços sociais e apresentou, de forma esquemática, um diagnóstico dos principais

problemas sociais de Condeixa; a Dr.ª Carla Barbeiro explicou como funciona a rede social de Condeixa, quais as instituições

que a constituem e quais os seus objectivos, tendo dado particular ênfase à Loja Social de Condeixa e às suas valências; a Dr.ª

Graça Martins falou-nos de alguns problemas específicos, nomeadamente a situação de crianças e jovens vítimas de abuso ou

abandono; dada a sua longa experiencia em Condeixa, deu-nos uma visão muito precisa dos problemas dos jovens e das crian-

ças, o que suscitou um interessante debate que permitiu esclarecer diversas questões colocadas pelos formandos.

A última parte da actividade consistiu numa visita às instalações dos Serviços Sociais, nomeadamente aos serviços de

atendimento, às salas de reuniões e à Loja Social de Condeixa, uma valência que, num tempo de graves dificuldades sociais,

tem grande relevância para as pessoas.

Solidariedade com o Centro de Acolhimento de Crianças de Condeixa. A realiza-

ção desta actividade justifica-se porque, em primeiro lugar, é o resultado de uma

iniciativa dos próprios formandos, que assumiram trabalhar para, em Dezembro,

oferecer alguns livros e jogos educativos às crianças do CAT e, em segundo lugar,

porque desenvolve essa intervenção (a que chamámos «Traz um livro também»),

dando-lhe agora um objectivo um pouco mais ambicioso em termos organizacio-

nais e de trabalho.

A ideia fundamental subjacente à actividade que agora se conclui é dar conteú-

do a uma das áreas nucleares do Curso TAP – a relação de ajuda, não simplesmen-

te como uma relação puramente profissional, mas como uma relação de compro-

misso ético para com outrem; não significa isto que o profissional TAP tenha de ser

melhor pessoa que qualquer (embora fosse bom que tal acontecesse: fazer bem o

bem), mas porque para se ser profissional numa área na qual o «instrumento de

trabalho» é o próprio trabalhador e a relação com outras pessoas, o «produto», há

certas características relativas ao perfil pessoal e relacional que têm de ser apren-

didas e desenvolvidas.

Na sua primeira fase (Traz um livro também), a actividade, no que se refere ao

aspecto acima referido, visou sobretudo propiciar aos formandos a possibilidade

de conhecerem uma realidade – o Centro de Atendimento Temporário de Crianças

– e a problemática social que o envolve, além de possibilitar a realização da reco-

lha e oferta de livros e jogos educativos às crianças do CAT; nesta segunda fase, o

objectivo foi mais ambicioso – colocar os formandos na situação de a) criar uma

actividade capaz de recolher donativos para as crianças do CAT (oficina de pintura

em tela, no dia do Patrono) e b) organizar uma actividade lúdica e cultural (visita

ao Portugal dos Pequenitos e teatro no Exploratório de Coimbra).

Ambos os aspectos se concretizaram, sendo esta visita ao Portugal dos Peque-

nitos e ao Exploratório o culminar do trabalho realizado (na recolha de donativos,

obteve-se a quantia de 180 euros, que será entregue, numa modalidade ainda a

definir, à crianças do CAT de Condeixa).

A Direcção do Curso Profissional de Técnico de Apoio Psicossocial

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No nosso Blogue, http://psicossocial-aquelabase-blogspot.com, podem ver (quase) tudo sobre a nossa festa e também

sobre o nosso curso.

Festa Psicossocial 2010. Realizámos no dia 7 de Junho a nossa Festa,

que é uma mostra de algumas das aprendizagens que realizámos ao

longo do ano; neste primeiro ano, no Cineteatro de Condeixa, organizá-

mos uma exposição dos nossos trabalhos de expressão plástica e organi-

zámos um espectáculo, para os alunos da pré-escola e do ensino básico,

no qual colaborou a APPACDM de Coimbra com o «Pote Vazio», uma

adaptação teatral e musical de um conto chinês, que o nosso público –

convidámos os alunos da nossa escola do ensino básico, dos quais estive-

ram presentes os alunos do 1º EI, e os alunos do Agrupamento de Esco-

las de Condeixa, que esteve presente com alunos do Centro Educativo e

da Escola Azul – aplaudiu com entusiasmo.

Mas não esqueçamos o principal…, o Curso TAP! Nós também fizemos a

Festa: apresentámos uma adaptação para Fantoches do Patinho Feio,

que foi a nossa primeira experiência com este género dramático e voltá-

mos a apresentar a nossa «História de Mulheres».

Não foi fácil, trabalhámos durante muitas aulas, os nossos formadores

também, mas as férias estão à vista, Uff! Os que não apareceram podem

apreciar algumas fotos (não chorem, para o ano há mais…).