Jornal Mural Morte por atacado - novembro/2012

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E m forma de homenagem ao colega assassinado brutal- mente na Vila Cruzeiro, em 2002, Percival de Souza retrata como o crime organizado se articu- la para medir forças com o Estado, os dilemas e as contradições ine- rentes ao jornalista investigativo no Brasil. Entre o lirismo e a exatidão jornalística, revela os bastidores da constituição do poder das facções criminosas. Um tributo-desabafo: assim se define o livro Narcodita- dura: o caso Tim Lopes, crime or- ganizado e jornalismo investigati- vo. A execução do jornalista Tim Lo- pes serve como a ponta do iceberg para um problema bem mais pro- fundo. A burocracia , a desorgani- zação e as picuinhas entre setores públicos são alguns dos pilares da ditadura imposta pelos narcotrafi- cantes. O autor ainda fala da dita- dura do medíocre, a Democradura, onde tudo acontece e nenhuma providência é tomada. Com um texto que trafega entre a precisão jornalística com documentos e pro- vas, e a expressão literária com figuras de linguagem, Percival de Souza revela como as facções cri- minosas se sustentam. Inicialmente, o livro não estava nos seus planos. A proposta da obra surgiu do prório autor , com o objetivo de contar as circunstân- cias e as consequências da morte de seu amigo, Tim Lopes em 2 de junho de 2002.O contrato assina- do previa a edição e publicação de sete livros nos moldes do O crime da rua Cuba. O escritor é reconhecido por obras como Autópsia do medo:vida e morte do delegado Sérgio Para- nhos Fleury, Eu, cabo Anselmo e O Prisioneiro da Grade de Ferro e surpreende o leitor ao comparar cenas do Antigo Testamento da Bí- blia com a morte do colega de pro- fissão. O nome verdadeiro de Tim Lopes era Antônio Arcanjo Lopes do Nascimento, o Arcanjo Tim, o qual haveria de cruzar com o Ca- peta, André Capeta, traficante que percebeu a presença do jornalista no baile funk. Foi entregue ao seu algoz, o Elias, Elias Maluco. Pela proximidade com os fatos - menos de um ano de diferença entre o assassinato e o lançamen- to do livro - por ser amigo de Tim Lopes, o autor por certas vezes se deixa levar pela emoção e senso de justiça. Com isso, os capítulos que retomam o jornalismo investigativo e o assassinato de Arcanjo perdem um pouco do ritmo e tornam-se uma espécie de homenagem-de- sabafo. A forma com que o autor des- creve o martírio do jornalista, que foi baleado nos pés, com as mãos amarradas e arrastado pelos becos da Vila Cruzeiro e depois queima- do, é intrigante e detalhada. As cenas mostram a frieza com que Elias Maluco e seus comparsas atuam de acordo com as próprias leis, sem piedade. Bem diferen- te daquela que o traficante pediu quando foi preso no Complexo do Alemão. “Elias Maluco, o presiden- te do tribunal do tráfico, não queria ser julgado pelos mesmos critérios que adotou.” Além da descrição meticulosa da morte de Tim Lopes e da forma com que as facções criminosas se articulam dentro e fora das peni- tenciárias, o livro possui alguns documentos sobre o habeas corpus de Elias Maluco e relatórios sobre o crime organizado em São Paulo. Apesar do assassinato do jornalista da rede Globo ter sido no Rio de Janeiro, Percival de Souza não dei- xa de fazer uma análise criteriosa, com riqueza de detalhes, sobre o Primeiro Comando da Capital, o PCC. A guerra não declarada entre a Polícia Militar e o crime organiza- do em São Paulo continua fazen- do suas vítimas. Em represália às medidas mais rígidas dentro dos presídios paulistas, policiais e ,con- sequentemente viram reféns do poder dos narcotraficantes. O capítulo mais longo e mais curioso é o que o autor descreve a desorganização e a falta de in- teresse do poder público em en- contrar solução e aplicá-las para colocar fim à ditadura imposta pelos traficantes de drogas. De for- ma objetiva e com riqueza de de- talhes e nomes, Percival de Souza não se limita somente ao eixo Rio- -São Paulo. Ele foi além ao esmiu- çar os bastidores das articulações políticas no Espírito Santo para a perpetuação do ciclo com o crime infiltrado nos aparelhos do Estado, onde quem deve fiscalizar fecha os olhos e tudo permanece como está. Sobre o trabalho da mídia nos crimes no Espírito Santo, o autor critica a atitude cega da imprensa. “Querem tudo mastigado, relató- rios sintéticos, descrições razoavel- mente bem escritas. A grande im- prensa tornou-se pequena diante da gravidade dos acontecimentos”, resume o escritor. Além disso, o li- vro é um bom apanhado de técni- cas utilizadas no jornalismo inves- tigativo, uma espécie de manual. No capítulo em que retrata os bastidores dos órgãos responsáveis pelo combate ao crime organiza- do, Percival de Souza nos revela certas malícias da investigação, como manter e se relacionar com as fontes. Quando o questiona- mento sobre a conduta de Tim Lo- pes no dia em que foi assassinato, o autor também expõe uma série de condutas e, de certa forma, dra- mas dos profissionais dessa área. A solidão e a contradição vivida pe- los jornalistas investigativos saltam das páginas do livro aos olhos dos leitores mais atentos. A lição que fica aos colegas de profissão é que Tim Lopes foi um dos poucos que conseguiu se libertar da “gaiola das aspas”, como ressalta o autor. Recomendo a leitura aos jovens de classe média que fumam um baseado ou cheiram uma car- reirinha e depois reclamam da vi- olência das grandes capitais. Esse usuário é tão co-autor dessa bar- bárie quanto os que ganham din- heiro com ela. Conhecer o sistema que sustenta é fundamental para que se tenha uma noção de quão nocivo é a postura pró-droga. Talvez a publicação sirva de in- centivo e, de certa forma, de car- tilha aos jovens jornalistas que se interessam em mostrar as atroci- dades em que o Brasil está imerso. E que os comentários expressos em suas páginas sejam o pontapé ini- cial na carreira de repórteres que ainda estão por vir, tão bons quan- to Tim Lopes. Com a esperança de que “Sim, vai ter mais Tim.” Narcotraficantes medem força com Estado Mãe de detento fala sobre o PCC nos presídios Morte de Tim Lopes é plano de fundo para discussão do poder de facções criminosas no país Florianópolis, 29 de novembro de 2012 - Ano 1 - Edição 1 Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos planejamento e editoração eletrônica: Gabriela Damaceno Serviços editoriais: O Estado de S. Paulo Colaboração: Marcos Damaceno, Madalena Bonfiglioli e Marina L. Empinotti Impressão: Postmix MOR POR ATACADO E 1 “As leis são como teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes rasgam-nas.” Anacarsis Em 2005, Douglas Ferreira* foi preso em fla- grante por roubar um carro na zona leste da capital paulista. Ele foi condenado a 8 anos de prisão e hoje está em regime semi-aberto no presídio de Mirandópolis. Durante todo esse tempo, sua mãe, Vilma Ferreira* o visitou e nos conta como é a abordagem do PCC (Primeiro Comando da Capital) para novos integrantes da facção. Como funciona dentro do presídio? Vilma Ferreira - Lá dentro tem o pátio, que é dividido em barracos. Imagine que você morasse em um quintal bem grande cheio de pequenas casas em volta, é mais ou menos isso. Lá tem os grandões, que são do PCC. Eles que comandam. Alguns deles são responsáveis pela faxina, que são os que controlam os portões, recebem as correspondências. Eles acordam mais cedo e voltam para a tranca mais tarde, por volta das 8 da noite.De manhã o carcereiro entra, faz a contagem e eles vão para o pátio, onde ficam até às 4 da tarde. A senhora já teve que pagar alguma quantia para o seu filho ficar seguro dentro do presídio? V.F. - Quando entra um novo preso, algum traficante pergunta se você quer se batizar, entrar para a facção. A partir do momento que você se batiza, você vira irmão e começa a pagar. Quando um se associa, passa a ser irmão.. Aí, uma vez batizado quando é libertado tem que fazer o que eles querem, trabalhar para a facção. Para ser batizado é necessário um padrinho, que geralmente é um traficante da mesma boca de fumo, por exemplo. Seu filho recebeu alguma proposta para fazer parte do PCC? V.F. - Meu filho não recebeu nem esse tipo de proposta, por que eles querem um típico específico de pessoa Como o Douglas* só roubou um carro, eles nem ofereceram o batismo para ele. Meu filho é considerado ladrão de galinha lá dentro. Eles querem cara que tenha dinheiro, influência, cara que entre droga ali por meio dele. Eles querem ladrão que tem força. Os caras que se associam são os que fazem assalto a banco, que tem da onde tirar dinheiro. Dissem que os irmão que estão presos devem pagar R$50 por mês.Eu já conversei com alguns deles. Um dia um deles veio falar comigo que conversa com o Douglas que ele é jovem, tem pouco tempo aqui e tem família. Pra quando ele sair, trabalhar e se dedicar aos estudos. Mas eles não tem nada a perder. “Eu que já pe- guei 30, 40 anos de cadeia não tenho mais como pensar assim.” Comentou o detento Para esses caras tanto faz ele aqui ou lá, eles não tem mais nada a perder. Alguma vez ele já foi ameaçado? V.F. - O que acontece muitas vezes,é que como o Douglas tem diabetes e precisa ir toda hora para a enfermaria tomar insulina, os detentos do comando não gostam que ele saia. Eles tem receio que o Douglas leve alguma informação do que acontece lá dentro. Já pediram pro diretor da penitenciaria mudar ele de área, pra não ficar entrando e saindo tanto de lá. Essa saída é um rico para eles. Mas foi só isso. *Nomes fictícios a pedido da fonte MOR POR ATACADO E Desabafo sobre a crueldade no caso Tim Penitenciária de Pacaembu/ SP, onde Diogo ficou por um ano preso Felipe Araújo/ Governo do Estado de São Paulo

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Esse foi o trabalho final da disciplina Edição, da 4ª fase do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. A proposta era fazer uma resenha e propor pautas a partir de um livro. A obra escolhida foi "Narcoditadura , do Percival de Souza.

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Em forma de homenagem ao colega assassinado brutal-mente na Vila Cruzeiro, em

2002, Percival de Souza retrata como o crime organizado se articu-la para medir forças com o Estado, os dilemas e as contradições ine-rentes ao jornalista investigativo no Brasil. Entre o lirismo e a exatidão jornalística, revela os bastidores da constituição do poder das facções criminosas. Um tributo-desabafo: assim se define o livro Narcodita-dura: o caso Tim Lopes, crime or-ganizado e jornalismo investigati-vo. A execução do jornalista Tim Lo-pes serve como a ponta do iceberg para um problema bem mais pro-fundo. A burocracia , a desorgani-zação e as picuinhas entre setores públicos são alguns dos pilares da ditadura imposta pelos narcotrafi-cantes. O autor ainda fala da dita-dura do medíocre, a Democradura, onde tudo acontece e nenhuma providência é tomada. Com um texto que trafega entre a precisão jornalística com documentos e pro-vas, e a expressão literária com figuras de linguagem, Percival de Souza revela como as facções cri-minosas se sustentam. Inicialmente, o livro não estava nos seus planos. A proposta da obra surgiu do prório autor , com o objetivo de contar as circunstân-cias e as consequências da morte de seu amigo, Tim Lopes em 2 de junho de 2002.O contrato assina-

do previa a edição e publicação de sete livros nos moldes do O crime da rua Cuba. O escritor é reconhecido por obras como Autópsia do medo:vida e morte do delegado Sérgio Para-nhos Fleury, Eu, cabo Anselmo e O Prisioneiro da Grade de Ferro e surpreende o leitor ao comparar cenas do Antigo Testamento da Bí-blia com a morte do colega de pro-fissão. O nome verdadeiro de Tim Lopes era Antônio Arcanjo Lopes do Nascimento, o Arcanjo Tim, o qual haveria de cruzar com o Ca-peta, André Capeta, traficante que percebeu a presença do jornalista no baile funk. Foi entregue ao seu algoz, o Elias, Elias Maluco. Pela proximidade com os fatos - menos de um ano de diferença entre o assassinato e o lançamen-to do livro - por ser amigo de Tim Lopes, o autor por certas vezes se deixa levar pela emoção e senso de justiça. Com isso, os capítulos que retomam o jornalismo investigativo e o assassinato de Arcanjo perdem um pouco do ritmo e tornam-se uma espécie de homenagem-de-sabafo. A forma com que o autor des-creve o martírio do jornalista, que foi baleado nos pés, com as mãos amarradas e arrastado pelos becos da Vila Cruzeiro e depois queima-do, é intrigante e detalhada. As cenas mostram a frieza com que Elias Maluco e seus comparsas atuam de acordo com as próprias

leis, sem piedade. Bem diferen-te daquela que o traficante pediu quando foi preso no Complexo do Alemão. “Elias Maluco, o presiden-te do tribunal do tráfico, não queria ser julgado pelos mesmos critérios que adotou.” Além da descrição meticulosa da morte de Tim Lopes e da forma com que as facções criminosas se articulam dentro e fora das peni-tenciárias, o livro possui alguns documentos sobre o habeas corpus de Elias Maluco e relatórios sobre o crime organizado em São Paulo. Apesar do assassinato do jornalista da rede Globo ter sido no Rio de Janeiro, Percival de Souza não dei-xa de fazer uma análise criteriosa, com riqueza de detalhes, sobre o Primeiro Comando da Capital, o

PCC. A guerra não declarada entre a Polícia Militar e o crime organiza-do em São Paulo continua fazen-do suas vítimas. Em represália às medidas mais rígidas dentro dos presídios paulistas, policiais e ,con-sequentemente viram reféns do poder dos narcotraficantes. O capítulo mais longo e mais curioso é o que o autor descreve a desorganização e a falta de in-teresse do poder público em en-contrar solução e aplicá-las para colocar fim à ditadura imposta pelos traficantes de drogas. De for-ma objetiva e com riqueza de de-talhes e nomes, Percival de Souza não se limita somente ao eixo Rio--São Paulo. Ele foi além ao esmiu-çar os bastidores das articulações políticas no Espírito Santo para a perpetuação do ciclo com o crime infiltrado nos aparelhos do Estado, onde quem deve fiscalizar fecha os olhos e tudo permanece como está. Sobre o trabalho da mídia nos crimes no Espírito Santo, o autor critica a atitude cega da imprensa. “Querem tudo mastigado, relató-rios sintéticos, descrições razoavel-mente bem escritas. A grande im-prensa tornou-se pequena diante da gravidade dos acontecimentos”, resume o escritor. Além disso, o li-vro é um bom apanhado de técni-cas utilizadas no jornalismo inves-tigativo, uma espécie de manual. No capítulo em que retrata os bastidores dos órgãos responsáveis

pelo combate ao crime organiza-do, Percival de Souza nos revela certas malícias da investigação, como manter e se relacionar com as fontes. Quando o questiona-mento sobre a conduta de Tim Lo-pes no dia em que foi assassinato, o autor também expõe uma série de condutas e, de certa forma, dra-mas dos profissionais dessa área. A solidão e a contradição vivida pe-los jornalistas investigativos saltam das páginas do livro aos olhos dos leitores mais atentos. A lição que fica aos colegas de profissão é que Tim Lopes foi um dos poucos que conseguiu se libertar da “gaiola das aspas”, como ressalta o autor. Recomendo a leitura aos jovens de classe média que fumam um baseado ou cheiram uma car-reirinha e depois reclamam da vi-olência das grandes capitais. Esse usuário é tão co-autor dessa bar-bárie quanto os que ganham din-heiro com ela. Conhecer o sistema que sustenta é fundamental para que se tenha uma noção de quão nocivo é a postura pró-droga. Talvez a publicação sirva de in-centivo e, de certa forma, de car-tilha aos jovens jornalistas que se interessam em mostrar as atroci-dades em que o Brasil está imerso. E que os comentários expressos em suas páginas sejam o pontapé ini-cial na carreira de repórteres que ainda estão por vir, tão bons quan-to Tim Lopes. Com a esperança de que “Sim, vai ter mais Tim.”

Narcotraficantes medem força com Estado

Mãe de detento fala sobre o PCC nos presídios

Morte de Tim Lopes é plano de fundo para discussão do poder de facções criminosas no país

Florianópolis, 29 de novembro de 2012 - Ano 1 - Edição 1

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoEdição, textos planejamento e editoração eletrônica:

Gabriela DamacenoServiços editoriais: O Estado de S. Paulo

Colaboração: Marcos Damaceno, Madalena Bonfiglioli e Marina L. EmpinottiImpressão: Postmix

MORPOR ATACADOE

1“As leis são como teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes rasgam-nas.” Anacarsis

Em 2005, Douglas Ferreira* foi preso em fla-grante por roubar um carro na zona leste da capital paulista. Ele foi condenado a 8 anos de prisão e hoje está em regime semi-aberto no presídio de Mirandópolis. Durante todo esse tempo, sua mãe, Vilma Ferreira* o visitou e nos conta como é a abordagem do PCC (Primeiro Comando da Capital) para novos integrantes da facção.

Como funciona dentro do presídio?Vilma Ferreira - Lá dentro tem o pátio, que é dividido em barracos. Imagine que você morasse em um quintal bem grande cheio de pequenas casas em volta, é mais ou menos isso. Lá tem os grandões, que são do PCC.Eles que comandam. Alguns deles são responsáveis pela faxina, que são os que controlam os portões, recebem as correspondências. Eles acordam mais cedo e voltam para a tranca mais tarde, por volta das 8 da noite.De manhã o carcereiro entra, faz a contagem e eles vão para o pátio, onde ficam até às 4 da tarde. A senhora já teve que pagar alguma quantia para o seu filho ficar seguro dentro do presídio?V.F. - Quando entra um novo preso, algum traficante

pergunta se você quer se batizar, entrar para a facção. A partir do momento que você se batiza, você vira irmão e começa a pagar. Quando um se associa, passa a ser irmão.. Aí, uma vez batizado quando é libertado tem que fazer o que eles querem, trabalhar para a facção. Para ser batizado é necessário um padrinho, que geralmente é um traficante da mesma boca de fumo, por exemplo. Seu filho recebeu alguma proposta para fazer parte do PCC?V.F. - Meu filho não recebeu nem esse tipo de proposta, por que eles querem um típico específico de pessoa Como o Douglas* só roubou um carro, eles nem ofereceram

o batismo para ele. Meu filho é considerado ladrão de galinha lá dentro. Eles querem cara que tenha dinheiro, influência, cara que entre droga ali por meio dele. Eles querem ladrão que tem força. Os caras que se associam são os que fazem assalto a banco, que tem da onde tirar dinheiro. Dissem que os irmão que estão presos devem pagar R$50 por mês.Eu já conversei com alguns deles. Um dia um deles veio falar comigo que conversa com o Douglas que ele é jovem, tem pouco tempo aqui e tem família. Pra quando ele sair, trabalhar e se dedicar aos estudos. Mas eles não tem nada a perder. “Eu que já pe-guei 30, 40 anos de cadeia não tenho mais como pensar assim.” Comentou o detento Para esses caras tanto faz ele aqui ou lá, eles não tem mais nada a perder.

Alguma vez ele já foi ameaçado?V.F. - O que acontece muitas vezes,é que como o Douglas tem diabetes e precisa ir toda hora para a enfermaria tomar insulina, os detentos do comando não gostam que ele saia. Eles tem receio que o Douglas leve alguma informação do que acontece lá dentro. Já pediram pro diretor da penitenciaria mudar ele de área, pra não ficar entrando e saindo tanto de lá. Essa saída é um rico para eles. Mas foi só isso.

*Nomes fictícios a pedido da fonte

MORPOR ATACADOE

Desabafo sobre a crueldade no caso Tim

Penitenciária de Pacaembu/ SP, onde Diogo ficou por um ano preso

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PCC ordena mortede dois PMs a cada bandido executadoSalve GeralPara todos [irmãos] da rua, em cima das execuções covardes realizadas pela polícia militar, par-tindo diretamente da ROTA aonde de uma forma covarde forão executados os nossos [irmãos]; Ti-grão, Bexiga, Téia e muitos outros. Deixamos todos [irmãos] de todas regiões ciente que não iremos admitir mais deste tipo de covar-dia, essas ações covardes deve ser dado um basta, sendo assim a partir desta data 08.08.2012 fica determinado como missão que a quebrada que varrer a morte de um [irmão] de uma forma covar-de, sendo o mesmo executado caberá a sintonia geral juntamen-te com os demais [irmãos] daquela região cobrar a morte do [irmão] á altura executando 2 policial, ou seja, se for executado um [irmão] será executado 2 policial sendo os mesmos da mesma corporação que cometer o ato de covardia. Fica determinado o prazo de 10 dias para ser concluída a cobran-ça, caso não for tomado a atitude neste prazo e cobrado à morte do [irmão] caberá punições rígidas diretamente para a sintonia geral da região. OBS: no caso se a injustiça for cometida pela polícia forjando drogas e arrumar para mandar o [irmão] para prisão a nossa cobrança será executando o policial na mesma corporação na mesma região.Esclarecemos que não foi nós que buscamos esse caminho ao contrário estamos sendo executa-dos na maior covardia na mão da Polícia Militar, sendo a ROTA.Essas medidas estão sendo toma-das no intuito de nos defender, pois somos homens e não iremos se intimidar diante de tal covardia, não estamos mexendo com estes eixos, mais se vierem mexer com nós tomaremos nossas atitudes e a resposta será a altura, pois sangue derramado se cobra do mesmo modo. Sendo assim, esta deter-minação deve ser acatada pela sintonia Geral e toda Irmandade de todas regiões, pois somos um por todos e todos por um, a união faz a força em cima de cada ação cabe a reação.

Boa sorte a todos.

Policiais militares em horário de folga perto de casa ou nos locais onde faziam bico nos

horários de folga são principais alvos dos ataques comandados pela facção Primeiro Comando da capital (PCC), desde o dia 8 de junho, no estado de São Paulo. A ordem para execução partiu da Favela de Paraisópolis,zona sul da capital paulista, em represália à morte de bandidos.Em 2011, 56 PMs foram mortos, sendo 30 dos crimes ocorreram enquanto os policiais estavam em serviço e 26 foram assassinados fora do expe-diente, de acordo com o Coman-do geral da PM de São Paulo.

No dia 30 de outubro, a PM en-controu em uma casa utilizada pelo PCC cerca de 100 páginas com anotações feitas por inte-grantes do grupo. Em 30 delas, havia a descrição física, nomes e endereços de 10 policiais, civis e militares, que moravam na zona sul e leste de São Paulo marcado para morrer. Diante da lista, o comandante –geral da PM assume que a situação é preocupante mas que os policiais estão sendo ori-

entados sobre condutas de segu-rança em horário de folga e pro-cedimentos quando o profissional se sente ameaçado. Segundo a Secretaria de Segurança, esse pa-pel continha descrições como “sargento, frequenta um boteco às quartas e mora em tal lugar”.

Para o presidente da Associação da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar de São Paulo (ASSPM), Ângelo Criscuolo, a resposta dado pelo comando não é satisfatória. “O PM quer ter condições de trabalhar e ex-ercer a sua função. Não adianta a polícia prender e a Justiça soltar, colocando a vida do policial em risco novamente”, afirma Criscu-olo. Hoje, um soldado da Polícia Mili-tar de São Paulo ganha em média R$2.814,50, incluindo adicionais como o de insalubridade e tempo de trabalho, por exemplo. O sol-dado Wagner Renato dos Santos foi vítima de assalto em 2007. Os bandidos acharam a funcional em sua carteira e descarregaram sobre ele balas de seis pistolas e dois revólveres. Ter se tornado um

alvo é a maioria dos motivos dos pedidos de demissão. Desde o in-ício desse ano, já foram recebidos 400 pedidos de baixa.

Dos 93 policiais militares mortos esse ano, 18 eram aposentados e 69 não estavam de serviço. Esse número fez com que fosse criado um curso reciclagem de tiro para aposentados. Para se proteger al-guns policiais não saem mais de casa em dias de folga e nem visi-tam familiares para não colocá-los em risco, já que a sensação de estar sendo observado se tor-na ainda mais aflitiva quando os policiais pensam nos parentes.

Em 2006 A diferença entre os

ataques que aconteceram em 2006 é a forma de atuação dos bandidos. Esse ano, a maioria dos ataques foi contra policiais que não estavam no horário de tra-balho nem vestiam farda. Há três anos, os maiores alvos foram as bases da PM. Na época, era co-mum o bloqueio de uma das faix-as das ruas que possuíam algum prédio da polícia. No bairro do Bom Retiro, onde estão locados o comando da ROTA (grupo de elite da PM), da Polícia Montada e do grupo de operações especiais, as ruas do entorno foram total-mente bloqueadas para evitar os ataques. .

São Paulo tem um PM morto a cada 3 diasDesde o início do ano, mais de 93 policiais militares foram assassinados

Percival de Souza analisa os atentados dos últimosanos e propõe integração entre os órgãos públicos

2“As estatísticas mostram que só na Grande São Paulo você tem mais gente assassinada, do que num ataque desses [na Palestina]” ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho

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Carta descoberta em Paraisópolis/SP

Florianópolis, 29 de novembro de 2012 - Ano 1 - Edição 1

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Jornalista na redação da rede Record/ SP

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoEdição, textos planejamento e editoração eletrônica:

Gabriela DamacenoServiços editoriais: O Estado de S. Paulo

Colaboração: Marcos Damaceno, Madalena Bonfiglioli e Marina L. EmpinottiImpressão: PostmixPOR ATACADO

MORPOR ATACADOE

Jornalista especialista em segurança pública e crimi-nalidade, Percival de Souza trabalhou para as revistas Época, Veja e Isto É e foi um dos fundadores do Jornal da Tarde. Com mais de 40 anos dedicados à profissão, hoje ele é comentarista de segurança na rede Record, em São Paulo.

Mortes por atacado - A resposta dada pelos governo estadual e

federal já surtiram algum efeito?Se não, quais seriam as provi-dências que se espera?Percival de Souza - Nesta última semana de novembro, ainda não. O diagnóstico passa por fatores endógenos e exógenos, a polícia investi-gativa (Civil) e a ostensiva (Militar). Mapeamento rigoroso de cada caso, estabelecimento de prioridades de capturas, confinamento eficaz para portadores de periculosidade, entendimento entre Judiciário, Ministé-rio Público e Polícia (definindo especificamente as responsabilidades de cada instituição) e esclarecimento transparente de tudo isso para a so-ciedade.

MpA - Qual a sua avaliação na cobertura da imprensa desses ataques?P.S. - Somos alvo permanente de interpretações político-ideológicas. Confunde-se, dolosamente, divulgar os fatos, o que vem a ser nosso trabalho, com provocar fatos. Amadores, palpiteiros e aventureiros pretendem ditar regras em tudo, inclusive sobre nós. Estudei Direito e Criminologia, complementarmente, para não depender de certas cate-gorias que se imaginam pedantemente com o monopólio do saber, que obviamente não possuem. Não me deixo instrumentalizar por ninguém. A sociedade quer que sejamos suas bocas, seus ouvidos e seus olhos. E não teleguiados. Os fatos são chocantes – ataques, tiros, mortes, ônibus incendiados, arrogância e prepotência do crime. Temos que revelar, de-

nunciar, exibir. O bandido Francisco Cesário da Silva, conhecido como “Piauí”, autor de uma lista de quarenta PMS para serem executados em São Paulo, foi preso em Santa Catarina. Uma juíza do interior paulsita autorizou-o a passar o Dia das Mães em casa. Claro, ele não retornou. Presume-se que “Piauí” fosse considerado inofensivo. Recapturado pela Polícia Federal, em Itajaí ( numa investigação sobre tráfico internacio-nal), foi recentemente recambiado para um presídio federal em Rondô-nia, porque é um dos chefões do PCC. Pergunto: e a responsabilidade nisso tudo da juíza?

MpA - Desde o início do ano, o comando-geral da PM recebeu 400 pedidos de baixa. Isso mostra que a PM está perdendo sua força, e está amedrontada?P.S. - Faço contato com familiares de policiais vítimas. Percebo: ficam abandonados e contemplam com dor acentuada a indiferença da socie-dade. Não é medo, exatamente. É a constatação de que estão expostos, vulneráveis, à mercê. Precisam preocupar-se com suas próprias peles. São homens e mulheres com família, esposas e esposos, filhos, paren-tes. Órfãos e viúvas. Perguntam-se: vale a pena?

MpA - Em 2006, os ataques foram basicamente contra as bases da polícia. Esse ano, a maioria dos atentados foram contra po-liciais fora do expediente e próximo de suas residências. O que você acha que causou essa mudança de estratégia?P.S. - Isso significa que assim como a segurança pública tem serviço de inteligência, o crime organizado também criou o seu. Fazem levan-tamentos sobre vida pessoal, familiar, hábitos e rotinas. Como obtém essas informações? Apurando por conta própria e corrompendo para ter os dados privilegiados. Existem “Judas” contemporâneos, traidores na Polícia. O crime organizado quer concorrer com as forças do Estado, mostrar-se forte e poderoso. Esse Estado, segundo Nietszche, é o mais frio dos monstros frios. Assiste a essas cenas com passividade. Não per-cebe que o crime organizado montou até “tribunal”, para “julgar” os membros do próprio crime. Fazem justiçamentos, implantaram a pena de morte. Em certos momentos, são o poder de fato e o Estado é que se transforma no poder paralelo. Isso é gravíssimo. Escrevi Narcoditadura com dor na alma, numa homenagem post-mor-tem ao trucidado amigo Tim, abrangendo no livros temas crime orga-nizado e jornalismo investigativo. Dias atrás, aqui em SP, o PCC matou cinco pessoas de uma vez só, com tiros calibre 12. Os cartuchos ficaram no local, com uma inscrição: “É nóis, Percival”. É o deboche mortal.