Jornal das Ciências - número 18

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PROJETO EDUCACIONAL CTC FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO CENTRO REGIONAL DE HEMOTERAPIA Um minúsculo animal que possui exatamente 959 células somáticas - um homem adulto possui alguns trilhões de células-, é utilizado em pesquisas sobre genes e morte celular, e sua relação com doenças como o câncer. Da família da lombriga, o Caenorhabditis elegans é um nematóide que vive na superfície da terra, encontrado em todo o mundo; de vida livre, não é parasita, nem transmite doenças. É difícil visualizar este animal, pois mede 1 mm quando adulto - para observá-lo é necessária a utilização de microscópio óptico. Dentre os poucos pesquisadores no país que trabalham com este pequeno verme, está o professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, José César Rosa, do Centro de Química de Proteínas. Os primeiros estudos com C. elegans surgiram em 1963, com o pesquisador sul-africano Sydney Brenner, que o estabeleceu como um novo modelo experimental de organismo - o qual lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2002, juntamente com outros cientistas. Os motivos da escolha como modelo para estudos de biologia são as suas características, tais como: curto ciclo de vida, tamanho pequeno, corpo transparente, a facilidade de cultivo e de cruzamento. “É um animal multicelular e possui os mesmos mecanismos biológicos de um animal tão complexo como o homem”, afirma César Rosa, que possui formação em Farmácia e Bioquímica. Ele se alimenta de bactérias do solo, ou quando cultivado em laboratório é alimentado com Escherichia coli, uma cepa de bactéria que é depositada como um filme na superfície do meio de cultura - composto por agar (obtido de algas marinhas) e sais minerais. Desenvolvimento Este nematóide vive de 11 a 20 dias e seu desenvolvimento embrionário dura 11 horas. Seu organismo é envolto por uma película transparente (rica em colágeno) o que permite acompanhar todo o seu desenvolvimento e observar as diferentes linhagens de células que Ribeirão Preto, Maio de 2008 - N°18 Ano 08 Elegante e versátil C. elegans: verme usado como modelo em pesquisas. Escala 0,7 μm Hermafrodita Mutação Fenótipo - organismo que possui órgãos sexuais masculino e feminino no mesmo indivíduo. - mudanças estruturais que ocorrem nos genes. Pode ter origem casual ou induzida na informação genética. A mutação só é passada para os descendentes de organismos complexos se ocorrer em células germinativas. - constituição e aparência física que varia entre indivíduos, como a cor dos olhos. É determinado até certo ponto pelo genótipo, conjunto de genes de um indivíduo. compõem seu corpo. Estudos mostram que, eliminando uma determinada célula do embrião, em um determinado tempo da embriogênese, o animal adulto será deficiente ou deformado naquela estrutura específica, a qual, a célula embrionária destruída, dará origem. Desta forma, é possível estudar mecanismos biológicos envolvidos no desenvolvimento do animal e compará- los com os de animais superiores, como o homem. Os estudos de mutações em genes específicos também são facilitados. “Geralmente induzimos uma mutação para verificarmos características fenotípicas que, em C. elegans, podem ser um aumento ou uma diminuição da longevidade, uma descoordenação dos movimentos, ou uma menor resposta a odores”, explica o professor. Quanto ao sexo, C. elegans são hermafroditas e 0,5% da população são machos. Os hermafroditas carregam mil células germinativas e, por autofecundação, podem gerar milhares de novos indivíduos similares. É muito utilizado em pesquisa genética, pois dos cruzamentos entre si, é possível reduzir a variabilidade genética, conseguindo- se manter uma população homogênea ao longo do estudo. “É um modo de manipular geneticamente uma população e em três dias já se tem uma prole muito grande”, explica. Outra curiosidade é que, de suas 959 células somáticas (formam tecidos e órgãos do corpo), 302 são neurônios ligados a placas motoras e células sensoriais. Como não possui olhos, 'enxerga' por meio dos odores. Ele possui um movimento de cenosóide, como da minhoca, e traça seu caminho de uma forma coordenada e elegante, daí o adjetivoem seu nome cientifico (elegans). Morte celular Todas as células do nosso organismo um dia morrem e são programadas para isto, fenômeno chamado de apoptose. E C. elegans mostra isso de maneira muito clara: de suas 959 células somáticas, 130 são programadas para morrer durante o ciclo de vida do animal. Conhecer os mecanismos que determinam esse destino ajuda as pesquisas de alguns tipos de câncer, como melanoma (de pele) e leucemias (do sangue). “Nas pesquisas, desejaríamos que as células cancerosas tivessem a morte programada acelerada, interferir nos genes que vão produzir proteínas -que disparam toda cascata de apoptose- que acabaria com aquela célula que está anormal, não-funcional”, afirma o professor. Também para entender qual o papel de genes e seus produtos -as proteínas- que agem na intercomunicação celular, e comandam

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Esta edição fala sobre pequenos animais usados como modelos para pesquisas. O C. elegans é um deles, um verme que é encontrado em todas as partes do mundo, na superfície da terra, possui uma membrana transparente e os mesmos mecanismos biológicos do homem, Já a mosca Bradysia hygida é pesquisada no Laboratório de Morfologia (FMRP), cuja história é publicada com exclusividade pelo JC. Na página 2 resgatamos um texto da pesquisadora Iara Bravo, formada na FFCLRP, sobre mais um inseto modelo. Para fechar com chave de ouro, uma entrevista com o pesquisador Dr. Dimas Tadeu Covas, sobre o livro recém-lançado e premiado, sobre células tronco. O Jornal das Ciências é uma publicação da Casa da Ciência do Hemocentro de Ribeirão Preto distribuído gratuitamente aos professores da rede básica de ensino de Ribeirão Preto e região.

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Page 1: Jornal das Ciências - número 18

PROJETO EDUCACIONAL CTCFACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO

CENTRO REGIONAL DE HEMOTERAPIA

Um minúsculo

animal que possui

exatamente 959 células somáticas - um

homem adulto possui alguns trilhões de

células-, é utilizado em pesquisas sobre

genes e morte celular, e sua relação

com doenças como o câncer. Da família

da lombriga, o Caenorhabditis elegans

é um nematóide que vive na superfície

da terra, encontrado em todo o mundo;

de vida livre, não é parasita, nem

transmite doenças. É difícil visualizar

este animal, pois mede 1 mm quando

adulto - para observá-lo é necessária a

utilização de microscópio óptico. Dentre

os poucos pesquisadores no país que

trabalham com este pequeno verme,

está o professor da Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto, José

César Rosa, do Centro de Química de

Proteínas.

Os primeiros estudos com C.

elegans surgiram em 1963, com o

pesquisador sul-africano Sydney

Brenner, que o estabeleceu como um

novo modelo exper imenta l de

organismo - o qual lhe rendeu o Prêmio

Nobel de Medicina e Fisiologia em

2002, juntamente com outros cientistas.

Os motivos da escolha como modelo

para estudos de biologia são as suas

características, tais como: curto ciclo de

vida, tamanho pequeno, corpo

transparente, a facilidade de cultivo e de

cruzamento. “É um animal multicelular e

possui os mesmos mecanismos

biológicos de um animal tão complexo

como o homem”, afirma César Rosa,

que possui formação em Farmácia e

Bioquímica. Ele se alimenta de

bactérias do solo, ou quando cultivado

em laboratório é alimentado com

Escherichia coli, uma cepa de bactéria

que é depositada como um filme na

superfície do meio de cultura -

composto por agar (obtido de algas

marinhas) e sais minerais.

Desenvolvimento

Este nematóide vive de 11 a 20 dias

e seu desenvolvimento embrionário

dura 11 horas. Seu organismo é envolto

por uma película transparente (rica em

colágeno) o que permite acompanhar

todo o seu desenvolvimento e observar

as diferentes linhagens de células que

Ribeirão Preto, Maio de 2008 - N°18 Ano 08

Elegante e versátil

C. elegans: verme usado como modelo em pesquisas. Escala 0,7 µm

Hermafrodita

Mutação

Fenótipo

- organismo que possui órgãos sexuais

masculino e feminino no mesmo indivíduo.

- mudanças estruturais que ocorrem nos genes.

Pode ter origem casual ou induzida na informação genética.

A mutação só é passada para os descendentes de

organismos complexos se ocorrer em células germinativas.

- constituição e aparência física que varia entre

indivíduos, como a cor dos olhos. É determinado até certo

ponto pelo genótipo, conjunto de genes de um indivíduo.

compõem seu corpo. Estudos mostram

que, eliminando uma determinada

célula do embrião, em um determinado

tempo da embriogênese, o animal

adulto será deficiente ou deformado

naquela estrutura específica, a qual, a

célula embrionária destruída, dará

origem. Desta forma, é possível estudar

mecanismos biológicos envolvidos no

desenvolvimento do animal e compará-

los com os de animais superiores, como

o homem.

Os estudos de mutações em genes

específicos também são facilitados.

“Geralmente induzimos uma mutação

para verificarmos características

fenotípicas que, em C. elegans, podem

ser um aumento ou uma

d i m i n u i ç ã o d a

l o n g e v i d a d e , u m a

descoordenação dos

movimentos, ou uma

menor resposta a odores”,

explica o professor.

Quanto ao sexo, C.

elegans são hermafroditas e 0,5%

da população são machos. Os

hermafroditas carregam mil células

germinativas e, por autofecundação,

podem gerar milhares de novos

indivíduos similares. É muito utilizado

em pesquisa genética, pois dos

cruzamentos entre si, é possível reduzir

a variabilidade genética, conseguindo-

se manter uma população homogênea

ao longo do estudo. “É um modo de

manipu lar genet icamente uma

população e em três dias já se tem uma

prole muito grande”, explica.

Outra curiosidade é que, de suas

959 células somáticas (formam tecidos

e órgãos do corpo), 302 são neurônios

ligados a placas motoras e células

sensoriais. Como não possui olhos,

'enxerga' por meio dos odores. Ele

possui um movimento de cenosóide,

como da minhoca, e traça seu caminho

de uma forma coordenada e elegante,

daí o adjetivoem seu nome cientifico

(elegans).

Morte celular

Todas as células do nosso

organismo um dia morrem e são

programadas para isto, fenômeno

chamado de apoptose. E C. elegans

mostra isso de maneira muito clara: de

suas 959 células somáticas, 130 são

programadas para morrer durante o

ciclo de vida do animal. Conhecer os

mecanismos que determinam esse

destino ajuda as pesquisas de alguns

tipos de câncer, como melanoma (de

pele) e leucemias (do sangue). “Nas

pesquisas, desejaríamos que as

células cancerosas tivessem a morte

programada acelerada, interferir nos

genes que vão produzir proteínas -que

disparam toda cascata de apoptose-

que acabaria com aquela célula que

está anormal, não-funcional”, afirma o

professor. Também para entender qual

o papel de genes e seus produtos -as

p r o t e í n a s - q u e a g e m n a

intercomunicação celular, e comandam

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Ribeirão Preto, Maio de 2008 - N°18 Ano 08

Esta edição do Jornal das

Ciências fala sobre pequenos

animais, usados como modelos

para pesqu isas , os qua is

provavelmente você nunca ouviu

falar. O C. elegans é um deles, um

verme que é encontrado em todas

as parte do mundo, na superfície

da terra, possui uma membrana

transparente e os mesmo

mecanismos biológicos do homem.

Já a mosca Bradysia hygida é

pesquisada no Laboratório de

Morfologia (FMRP), cuja a história

é publicada com exclusividade pelo

Jornal das Ciências. E na página 02

r e sga tamos um tex to da

pesquisadora Iara Bravo, formada

na FFCLRP, ex-aluna do professor

Maurílio, sobre mais um inseto

modelo.

E para fechar com chave de

ouro, uma entrevista com o

pesquisador Dr. Dimas Tadeu

Covas, sobre o livro recém-

lançado, e premiado, sobre

células-tronco. No Trilha, os

alunos, como sempre, nos

surpreendem. A peça de teatro

“Agonia de uma Célula”, criada em

2002 pelos alunos, juntamente

com sua professora, foi encenada

em Brasília, na IV Semana

Nacional de Ciência e Tecnologia,

em outubro.

Boa leitura!

O Jornal das Ciências é uma publicação da Casa da Ciência do Hemocentro de Ribeirão Preto/USP e distribuído gratuitamente nas escolas. É parte do Projeto Educacional CTC/CEPID/FAPESP. Coordenadores: Dimas Tadeu Covas, Marco Antonio Zago, Marisa Ramos Barbieri. Coordenadora Casa da Ciência e MuLEC: Marisa Ramos Barbieri. Redação e edição: Gabriela Zauith (MTb: 31.145) e Mara de Lima Alem (MTb 49.134). Revisão: Alzira Soares Sene. Diagramação: Mara de Lima Alem (MTb 49.134), Sandra Navarro e Vinícius Moreno Godói. Equipe Casa da Ciência: André Perticarrari, Eliana Cristina da Silva, Flávia Fulukawa do Prado, Fernando Trigo, Francisco A. da Silva Jr., Maria José de Souza G. Vechia, Vinícius Moreno Godoi. Apoio: Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, Fundação Vitae, Fapesp e BT- Coseas/USP. Fotos: Divulgação/Casa da Ciência. Endereço: Rua Tenente Catão Roxo, 2501. CEP: 14051-140. Ribeirão Preto-SP. Telefone: (16) 2101-9308. Internet: http://ctc.fmrp.usp.br/casadaciencia. Email: [email protected]. Tiragem: 3.500 exemplares. Distribuição Gratuita. É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

Editorial

02

Como ocorre em outros adultas.

animais, vários insetos É na fase adulta que

escolhem os parceiros com ocorre a seleção sexual. Os

quem vão se acasalar. Isso em machos se agregam em folhas

biologia se chama seleção das árvores, exalam um

sexual e tem conseqüências feromônio (cheiro) e exibem

importantes para a ecologia e um comportamento de corte

evolução das espécies. Em (batendo as asas em diferentes

muitos insetos são as fêmeas ritmos) para atrair as fêmeas.

quem fazem essa escolha, Essas, por sua vez, ao se

b a s e a d a s e m d i f e r e n t e s aproximarem do grupo de machos

características dos machos. escolhem alguns deles para

Uma espécie interessante e acasalar. Nos vários estudos

que pode servir de modelo para realizados para saber que

esse tipo de estudo é a mosca- características dos machos

das-frutas, Ceratitis capitata, que são importantes para a escolha

pertence à família Tephritidae. das fêmeas, têm-se visto que o

Essas moscas, em sua fase tamanho, a boa nutrição e a idade

imatura (larvas) são pragas de d o s m a c h o s s ã o f a t o r e s

frutas. As fêmeas adultas essenciais.

ovipositam logo abaixo da casca Essas moscas são facilmente

de frutos semi-maduros e quando criadas e suas características

as larvas eclodem se alimentam físicas, como o tamanho, e suas

da polpa destes. No final da fase características fisiológicas, como

larval elas “saltam” dos frutos e a nutrição e a idade podem ser

pupam no solo e, após um artificialmente manipuladas,

determinado período nesse adequando-se a diferentes testes

estágio, emergem as moscas em laboratório. Sendo

assim, estudos sobre

seleção sexual podem ser

realizados com sucesso e

baixo custo utilizando-se

e s s e s i n s e t o s c o m o

modelo.

* Iara Sordi Joachim -

B r a v o I n s t i t u t o d e

Biologia (Universidade

Federal da Bahia)

ErrataNa última edição do Jornal das Ciências, as fotos dos alunos Kelvin Henrique Souza de Oliveira e Eduardo Henrique da Silva Fernandes, no encarte Trilha da Ciência, saíram com os nomes dos alunos trocados.

M o s c a C e r a t i t i s capitata , ut i l izada como modelo em pesquisas.

Page 3: Jornal das Ciências - número 18

1

2A B

Ribeirão Preto, Maio de 2008 - N°18 Ano 08

Nas décadas de 50 e 60, no Brasil começaram a ser

desenvolvidas pesquisas com insetos-modelo, como as

abelhas, as drosófilas e a Rhynchosciara. Naquela mesma

época, em Ribeirão Preto, pesquisadores descobriram um

pequeno inseto que foi usado para vislumbrar os mistérios de

cromossomos gigantes e a regulação dos genes. Hoje, essa

descoberta pode ser comparada à descoberta das células-

tronco.

O inseto em questão é a Bradysia hygida, coletada no

Campus da USP de Ribeirão Preto pelo professor Maurílio

Antônio Ribeiro Alves, no final de 1965, época em que era

aluno do curso de Biologia (Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras) e estagiário no laboratório de Biologia Celular

(departamento de Morfologia da Faculdade de Medicina de

Ribeirão Preto), orientado pelo professor Heni Sauaia.

Maurílio coletou duas fêmeas, próximo à faculdade, e as levou

para o laboratório. Colocou-as em caixas, esperando que

botassem ovos e que, a partir delas, surgisse uma criação. “E

por lá ficaram. A cada vez que olhávamos, estavam passando

para as fases de larva e pupa, e assim iam se disseminando -

mesmo com a comida não sendo renovada”, afirma Maurílio.

O inseto de uma vida inteira

Algum tempo depois, ao consultar a literatura, para saber

de que inseto se tratava, Maurílio verificou que a espécie não

estava descrita. A descrição foi publicada em 1968, na revista

Papéis Avulsos de Zoologia- número 22. O nome hygida foi

escolhido porque este inseto era mais forte e resistente do que

sua companheira de pesquisas, a Rhynchosciara angelae. Os

estudos com a Rhynchosciara duraram quatro

anos, pois os pesquisadores enfrentavam

dificuldades para mantê-las no laboratório. “Para

estimulá-las a se acasalar, apelamos para o som de

bolero para ouvirem”, conta Maurílio. No final, não

se acasalaram mais, e a espécie deixou de ser

utilizada para pesquisas. Mas, estava ali, ao

alcance do pesquisador, a Bradysia hygida.

A equipe do professor Sauaia trabalhou, por

cerca de 30 anos, com a espécie

e até hoje a cultura está mantida

no Laboratório de Morfologia,

servindo para pesquisas. As moscas

adaptaram-se facilmente às condições

do laboratório, como conta o técnico em

laboratório, Luiz Alberto Martins de

Andrade que, por três décadas, foi o

responsável pela manutenção dos

inse tos : “Pr ime i ramente , fo ram

alimentadas com rama de batata doce,

que estava difícil de se encontrar. E, após várias tentativas,

descobri pelo cheiro similar que a rama exalava, que o

chimarrão, fermentado, poderia dar certo. Deu, e é assim até

hoje”.

A visão de um cromossomo

Assim como a Rhynchosciara, a Bradysia tece seu casulo

com a saliva e, por isso, as glândulas salivares são muito

desenvolvidas - nelas estão localizados os cromossomos

politênicos (cromossomos gigantes), “os mais lindos”,

segundo Maurílio. E completa: “normalmente o cromossomo

politênico, no núcleo, está emaranhado. Na Bradysia, após o

esmagamento (técnica que faz com que as células se

espalhem), os quatro cromossomos politênicos ficam

facilmente separados. E isso não é uma coisa fácil de se

conseguir.”

Com os cromossomos politênicos são estudados os pufes

de RNA e DNA, sendo os últimos locais de amplificação

gênica, fenômenos hoje estudados com técnicas do DNA

recombinante (leia mais abaixo). “Podíamos dizer a hora em

que o pufe ia aparecer, o que permite estudar a regulação

gênica, o principal objetivo do laboratório”, diz o professor.

Morfologia

Durante as pesquisas a Bradysia, devido as suas

características morfológicas, mostrou-se também como um

excelente material didático. A fase larval possui quatro

estágios, facilmente identificados pela alteração da cor de sua

cabeça (quando ocorre a muda da larva) e ainda por ter uma

membrana quase “transparente”, possibilitando uma visão

interna de sua constituição.

Os cromossomos politênicos são encontrados nos insetos, protozoários e em células

vegetais; e quase sempre são relacionados a uma grande atividade funcional. Nesses

cromossomos há replicações sucessivas do genoma, permanecendo os filamentos reunidos, e

cada vez que determinada região precisa tornar-se ativa, são formados os pufes, onde há

síntese de RNA -denominados pufes de RNA. Na família Sciaridae (dos insetos) em regiões

específicas dos cromossomos politênicos se desenvolvem os pufes de DNA em que ocorre

amplificação do DNA - múltiplas cópias do segmento gênico antes do início da transcrição gênica.

A técnica de DNA recombinante permite combinar pedaços de DNA de diferentes

organismos. Isso significa que uma célula pode ser reprogramada para sintetizar uma proteína

particular, que normalmente não seria produzida nesta célula. Quando colocada em meio cultura,

a célula multiplica-se e as células-filhas, que possuem o mesmo material genético da célula-mãe,

podem também sintetizar a proteína desejada.

M o s c a d o g ê n e r o B r a d y s i a s p .

A . C r o m o s s o m o P o l i t é n i c o e B . C r o m o s s o m o a u t o s s o m i c o d e B r a d y s i a h y g i d a . 1 e 2 a c o m p a r a ç ã o e m e s c a l a .

03

Page 4: Jornal das Ciências - número 18

04

EntrevistaRibeirão Preto, Maio de 2008 - N°18 Ano 08

Os insetos são animais-m o d e l o

usados nas pesquisas em biologia molecular, em especial o DNA (material genético da célula). Atualmente, as técnicas de DNA recombinante possibilitam interferir na atividade gênica e replicar o gene de interesse. Para falar um pouco sobre esses conceitos complexos, conversamos com Aparecida Maria Fontes, bióloga e pesquisadora do CTC (Centro de Terap ia Celu lar da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto - SP), que durante dez anos participou dos estudos com a Bradysia hygida, iniciados quando era aluna da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP/ RP.

Jornal das Ciências - Qual a importância da Bradysia sp, como inseto modelo para as pesquisas em biologia molecular?

Aparecida M. Fontes - A Bradysia hygida é um organismo muito interessante pois apresenta uma característica rara entre os organismos eucariotos: os Pufes de DNA localizados nas suas glândulas salivares. Eles são as regiões especializadas dos cromossomos politênicos que apresentam genes cujo DNA é amplificado (possui várias cópias do mesmo gene) de maneira r e g u l a d a , a o l o n g o d o desenvolvimento. Isso significa que o nível de proteína dos genes localizados nos Pufes de DNA é controlado por dois mecanismos distintos: amplificação gênica (controle a nível de DNA) e transcrição gênica (controle a nível de RNA) . Para compor ta r essas 'maquinarias' de amplificar o DNA e transcrever o RNA, a cromatina sofre uma expansão, conhecida como Pufe de DNA.

J.C. - E as técnicas de DNA recombinante?

Saiba maisSíntese de uma nova

fita de DNA a partir de uma fita-mãe.

Síntese do RNA a

partir do DNA.

- Replicação de DNA:

- Transcrição gênica:

Sabemos que as principais maquinarias

das células, entre elas, as de

replicação, transcrição e tradução, são

conservadas ao longo da evolução. A

elucidação das mesmas, em um

organismo eucarioto modelo, que

permite detectar - por uma alteração

morfológica da cromatina -, os sítios de

amplificação e transcrição gênica,

poderá trazer importantes informações

para a ciência.

A.M.F. - Como o próprio nome diz, DNA recombinante é uma molécula híbrida. Um gene de interesse é colocado em um DNA circular, denominado plasmídeo. O plasmídeo possui a propriedade de se replicar em uma célula bacteriana ou eucariota e nos permite obter grandes quantidades da molécula recombinante relativa ao gene de interesse.

J.C. - Qual a importância do DNA recombinante para a ciência?

A.M.F. - Pretendemos elucidar, a nível molecular, de que modo as proteínas essenciais participam dos mecanismos de amplificação e transcrição gênica. Isso é possível c o m a t e c n o l o g i a d o D N A recombinante pois, desta maneira, um gene específico pode ser amplificado in vitro, isto é, podemos repeti-lo em um tubo de ensaio no laboratório, mas em uma escala muito maior. O que pode ocorrer em um organismo, por exemplo, durante o desenvolvimento do pufe de DNA? Muitas cópias de um mesmo gene. Esse gene amplificado in vitro pode ser seqüenciado para definirmos a proteína codificada por esse gene. Por fim, conforme a complexidade da proteína, podemos optar pela produção da mesma em uma célula procariota (núcleo não organizado) o u e u c a r i o t a ( c o m n ú c l e o organizado).

Se a proteína apresenta sítios de glicolisação (adição de açúcar) a mesma requer a produção em um sistema eucarioto. Caso contrário, pode ser produzido usando-se uma célula procariota para obtermos grandes quantidades de proteína, e tendo em mãos grandes quantidades de proteína, podemos proceder à sua p u r i f i c a ç ã o p a r a f u t u r a s caracterizações bioquímicas e funcionais do gene previamente isolado do pufe de DNA. Outra maneira elegante de realizarmos a caracterização funcional de um gene ser ia in t roduzi rmos em uma Drosophila sp porque essa mosca possibilita avaliarmos como se dá a

regulação do pufe ao longo do seu desenvolvimento e verificarmos em quais tecidos ele é expresso de maneira regulada, entre outras questões.

J.C. - Durante o período em que trabalhou no laboratório com a Bradysia sp, qual foi a contribuição que trouxe para o seu ambiente de trabalho atual?

A.M.F. - O conhecimento de um ambiente científico, mais os desafios a que somos submetidos no dia-a-dia e a alegria quando encontramos a resposta para nosso questionamento inicial. A contribuição que cada um de nossos trabalhos pode trazer para futuras investigações em um campo específico ou em outra área do conhecimento.

J.C. - No universo da ciência, quais são os conceitos importantes que um professor deve trabalhar com os alunos em sala de aula?

A.M.F. - Replicação de DNA; Transcrição Gênica; Cromossomos; Cromossomos Politênicos; Dogma Central: DNA RNA Proteína.

* Aparecida Maria Fontes foi estagiária de IC, fez mestrado e doutorado no Laboratório de Biocélulas com a professora Maria Luíza Paçó Larson . Desde 2001, é pesquisadora na Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (SP), ligada ao CTC pelos programas do Fator VIII, para pacientes com hemofilia e, também, às pesquisas sobre célu la- t ronco mesenquimal.

Page 5: Jornal das Ciências - número 18

01Ribeirão Preto, Maio de 2008 - N°18 Ano 08

Um espetáculo

Diálogo do Vírus com dois

alunos:

V:Quem sou eu?

A:O Vírus.

V:O que eu faço?

A:Comanda a Célula.

V:Depois que o vírus

comanda a célula, o que ele

faz com ela?

A: Mata e depois o vírus se multiplica.

V: Depois que o vírus se multiplica,

Quem vem para salvar as outras céluas?

A: Os macrófagos!

Ensaio da peça “Agonia de uma célula”

Apresentação da peça “Agonia de uma célula” no Museu Nacional, em Brasília. (Fotos: Carlos Cruz)

Vocês estão lembrados daquela dramatização apresentada aqui no Trilha, em 2003? Estamos falando de “Agonia de uma célula”, esta apresentação, que já foi premiada em Ribeirão Preto (veja mais no boxe da página seguinte), foi convidada a se apresentar na IV Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em outubro de 2007 (04

a 0 7 ) r e a l i z a d a B r a s í l i a , D F. A dramatização aborda temas relacionados à c é l u l a , v í r u s e

s i s t e m a - i m u n o l ó g i c o , estudados pelos jovens da Casa da Ciência.

Eles fizeram seis apresentações: duas em escolas nas cidades satélites de Brasília (Paranoá e Taguatinga), e quatro no Museu Nacional. Após cada espetáculo, alguns personagens (Núcleo, Macrófagos, Vírus e a narradora Ana) esclareciam os assuntos abordados durante a peça, exemplificando com fatos do nosso dia-a-dia e relatados na mídia, que muitas vezes provocam dúvidas não esclarecidas, como, por exemplo, as relativas às células do sangue e às suas funções.

Os quinze alunos, quando não estavam no palco, passeavam pelas exposições da IV Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, no Museu Nacional, com cartazes que indicavam os horários das apresentações. Essa foi uma forma que os alunos encontraram para estender a peça para outros locais da feira. Vestidos com fantasias (figurino) e maquiados, despertavam a curiosidade do público, pois o objetivo era convidá-lo para ver a apresentação. Além disso, com algumas entrevistas realizadas pelos próprios atores, com crianças, pais, donos de escola, alunos de graduação, do ensino infantil, eles puderam comprovar a compreensão dos conceitos apresentados em palco, mesmo por crianças de cinco, seis anos, que provavelmente nunca tinham tido contado com temas de ciência.

A representação da “Agonia de uma célula” em Brasília foi uma realização múltipla para os alunos, que trouxeram experiências novas na bagagem de volta. Na feira, durante os poucos momentos de lazer, eles puderam trocar idéias com estudantes de lá e adquirir novos conhecimentos, além do passeio ao Museu Juscelino Kubitschek e Palácio do Planalto.

“Foi uma experiência única principalmente porque, além de levarmos as informações sobre as células para as

crianças através do teatro, tivemos a oportunidade de conhecer outras pessoas, outras culturas e ainda visitar alguns dos pontos turísticos de Brasília. O que eu mais gostei foi do Congresso Nacional, da construção e da arquitetura do local”, afirma o estudante Kelvin Henrique S. de Oliveira, 14 anos.

BastidoresAceitar o desafio de Brasília, a convite do CNPq

(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) dependeu do apoio da Fundação Hemocentro e da equipe da Casa da Ciência. Os componentes da peça, que vinham do primeiro elenco (2003), tiveram liberdade para selecionar o novo grupo, organizar os horários, montar a coreografia das danças, escolher os figurinos, a trilha sonora de cada cena, cuidar das compras e da produção da maquiagem. Dividiram as tarefas até para dirigir os ensaios, com responsabilidade e seriedade, o que os levou ao sucesso. Tudo em perfeita sintonia. No grupo havia cinco alunos da cidade de Luís Antônio (60 km de Ribeirão Preto), escolhidos entre os que vêm toda semana participar de programas da Casa da Ciência.

A preocupação e o compromisso dos alunos não ficaram restritos às apresentações, mas incluíram dramatizar e relacionar os conceitos que gradativamente foram aprendendo. A peça, sob a orientação dos pesquisadores, representa a missão dos jovens no avanço dos estudos; o texto está atualizado e adaptado aos novos conteúdos adquiridos, pensando no público, que se reveza, e no próprio elenco, que sente a necessidade de expor os conceitos que aprende.

(Fotos: Carlos Cruz)

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Núcleo - Mara Elisama da Silva“Os ácidos nucléicos são moléculas

capazes de armazenar e expressar informações genéticas, existem dois tipos: o DNA e RNA. O DNA armazena informações genéticas dos pais - genótipo e fenótipo. Fenótipo são as características externas: formato de nariz, cor dos olhos, da pele etc. O genótipo é a estrutura molecular dos ácidos.

O DNA é formado por nucleotídeos, moléculas que possuem um grupo fosfato, uma pentose e uma base nitrogenada: adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C).

A estrutura do DNA é uma dupla fita helicoidal, ligada por pontes de hidrogênio.

O RNA é uma fita simples, também formada por nucleotídeos, e as bases nitrogenadas: adenina, guanina, citosina e uracila (U), ao invés de timina. O RNA expressa informações que o DNA armazena em forma de proteínas”.

Macrófago - André F. CamargoA nossa pele, os cílios, os olhos que

lacrimejam, a cera do ouvido, tudo isso faz parte do nosso sistema imune-inato, que nasce com a gente. Mas, depois que o vírus atravessa essas barreiras inatas e caem na corrente sanguínea, os macrófagos e neotrófilos englobam o patógeno e os exterminam. E, quando eles falham, vem a nossa resposta imune específica, que a nossa amiga Ana, já explicou”.

Macrófago - Paulo C. Teodoro Júnior“No processo de síntese de proteína, o RNA

sai do núcleo para ir até o ribossomo, que é uma proteína ligada ao RNA-Ribossômico. A fita de DNA abre e a informação genética armazenada “é transferida” ao RNA. Depois de fazer essa cópia, ele sai do núcleo e vai ao hialoplasma. O RNA se liga ao ribossomo, que traduz a informação produzindo proteínas. Esse é o processo da síntese que acontece

em qualquer célula do nosso corpo”.

Vírus – Ádamo D. Diógenes Siena“Se alguém tiver contato com o vírus, vai

produzir células de memória e na reinfecção a resposta imunológica será mais rápida e a pessoa não desenvolverá sintomas. Geralmente, quando somos picados por cobras, escorpião, aranha, o veneno, que pode ser uma proteína, pode espalhar muito rápido pela corrente sanguínea e o organismo não ter tempo de gerar uma resposta imediata.

O veneno da cobra é inoculado no cavalo porque o cavalo consegue produzir ant icorpos que, posteriormente, são retirados do cavalo, filtrados para a produção do soro é, então, usado em caráter emergencial. Por outro lado, a vacina é para desenvolver no corpo humano a resposta imunológica e gerar anticorpos”.

Vírus - Felipe O. Baptista e Danilo L. Mazzocato Pedro

“O vírus é formado por um capsídeo (corpo do vírus) e dentro é armazenado o material genético - DNA ou RNA. Essa variação difere em cada tipo específico de vírus. Mas, como o

vírus consegue sobreviver e se multiplicar? Ele tem afinidade com a membrana plasmática das células, por isso o capsídeo viral, ao chegar próximo de uma membrana plasmática, adere a essa membrana deixando seu material dentro dessa célula”.

Narradora - Daianne Maciely A. de Carvalho

“Se por acaso os macrófagos e neotrófilos não forem suficientes, o macrófago pode

agir como uma APC (Célula Apresentadora de Antígeno) e enviar um sinal para ativar células do sistema imune. O antígeno é como se fosse o “RG” do microorganismo que invadiu. Ele é apresentado a uma outra célula, que pode ser o linfócito T (uma das células do sistema imune). Se o linfócito reconhecer o antígeno e for específico, começa a se dividir e a liberar citocinas. Mais células são recrutas para ajudar a terminar o trabalho que já havia começado, como macrófagos, neotrófilos, ou ele pode também ativar uma célula chamada linfócito B - célula que produz anticorpos”. (Fotos: Carlos

Cruz)

Acompanhe, abaixo, os trechos das aulas dos nossos jovens:

02Ribeirão Preto, Maio de 2008 - N°18 Ano 08

“Agonia de uma célula” foi

criada e apresentada pela

primeira vez, há cinco anos, por

alunos de 14 anos, da 8ª série

do Ensino Fundamental da

Escola Estadual Dom Romeo Alberti, de Ribeirão Preto.

Junto com a professora de Ciências, Leonízia Maria

Nakamura, eles participavam

do curso de especialização

para professores: “As células,

o genoma e você, professor”

( C T C - C e p i d / F a p e s p /

Fundação Hemocentro).

O primeiro rascunho foi

elaborado pela aluna Pâmela Cristina da Silva, com 10

minutos de duração, revisto e modificado pelos alunos

Ádamo Davi Diógenes Siena (Vírus) e Daianne Maciely A.

de Carvalho ( narradora - Ana), que adaptaram para 40 e

20 minutos.

A dramatização foi sendo

modificada à medida que os

alunos conviviam com os

pesquisadores da Fundação

Hemocentro de Ribeirão Preto.

No início, foram realizadas

mais de três apresentações,

uma delas, no Segundo Festival de Dança, Música e

Teatro de 2004, promovido pela

Diretoria de Ensino da cidade.

“Agonia de uma célula” foi

premiada em segundo lugar.

Trajetória:

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