Jornal das Ciências - número 22

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Ribeirão Preto, outubro de 2012 - nº 22 Ano 12 PROJETO EDUCACIONAL CTC FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO CENTRO REGIONAL DE HEMOTERAPIA Prateleira ou condomínio residencial? Será que nas Ciências o conhecimento é produzido apenas no laboratório, no tubo de ensaio? Ou uma observação com teorias e hipóteses também seria um bom caminho? No “Férias com Ciência” de janeiro deste ano, evento promovido pela Casa da Ciência do Hemocentro de Ribeirão Preto, os alunos encontraram ninhos de abelhas dentro de uma prateleira, e, com isso, um novo jeito de fazer e entender a ciência. Com olho se faz uma iniciação científica Cerrado: desvendando a riqueza do bioma Pág. 2 e 3 Pág. 4 A estrutura do ninho diz muito sobre o ciclo de vida da abelha, que passa boa parte da vida den- tro desse espaço e depende das flores para sua sobrevivência. Foi surpreendente quando os alunos observaram uma abelha de colo- ração verde (Euglossini) trazendo pólen grudado no terceiro par de pernas para depositar esse mate- rial no interior do ninho. Os estudantes também notaram outros ninhos feitos nas frestas da prateleira. Um deles, feito de folhas, já estava fechado, o que significa que houve nascimen- to. Mas como ainda havia pólen, um segundo ovo ainda estava lá. Esse ninho foi retirado e coloca- do num tubo para que pudesse ser observado em microscópio. Com isso os alunos acompanha- ram se uma abelha nasceria nos próximos dias. A atividade atiçou a curiosidade dos estudantes para saber mais sobre a vida das abelhas. A aluna Yasmin Lázaro Pereira, por exemplo, interessou- -se pelos hábitos alimentares do inseto. “Então, quando estiver sem pólen é porque a larva já comeu e saiu do ninho!”. Com base nessas informa- ções, responda: será que outros insetos seguem esse modelo de desenvolvimento? Ninho de surpresas O fechamento do ninho foi feito com resina que a própria abelha produz Abelha Euglossini As células de cria dos ninhos são rígidas, feitas com resina e material vegetal Ninho-armadilha aberto pelos alunos revelou a dieta (aracnídeos) da larva, que ajudou a identificar o inseto (vespa) Ninho-armadilha de vespa emergida Ninho de abelha Megachilidae As Megachilidae utilizam folhas e uma espécie de secreção, formando pequenos tubos Trilha da Ciência/Pág. 1 e 2 Curiosidade e investigação no Mural da Casa da Ciência Casa da Ciência

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A 22º edição do Jornal das Ciências tem como foco os resultados da parceria entre professores, pesquisadores e seus alunos nos programas desenvolvidos pela Casa da Ciência. Para isso, convidamos a professora e pesquisadora Valéria Gimenez para falar sobre seu objeto de estudo, o Cerrado; durante a entrevista ela fala das peculiaridades e também das consequências da ação humana nesse bioma. Na página 4 é possível conhecer a investigação dos alunos de Dumont-SP, que - orientados pela pesquisadora Carolina Módulo e pelo professor Willian Sampaio - desenvolveram no “Adote um Cientista” uma linha de investigação teórica, baseada na acomodação ou deslocamento do cristalino na formação de imagens.O suplemento “Trilha da Ciência” traz os trabalhos de investigação dos alunos realizados junto aos seus professores e apresentados na 14º edição do Mural, realizado em dezembro de 2011.

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Ribeirão Preto, outubro de 2012 - nº 22 Ano 12

PROJETO EDUCACIONAL CTCFACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO

CENTRO REGIONAL DE HEMOTERAPIA

Prateleira ou condomínio residencial?Será que nas Ciências o conhecimento é produzido apenas no laboratório, no tubo de ensaio? Ou uma

observação com teorias e hipóteses também seria um bom caminho? No “Férias com Ciência” de janeiro deste ano, evento promovido pela Casa da Ciência do Hemocentro de Ribeirão Preto, os alunos encontraram ninhos de abelhas dentro de uma prateleira, e, com isso, um novo jeito de fazer e entender a ciência.

Com olho se faz uma iniciação científica

Cerrado: desvendando a riqueza do bioma

Pág. 2 e 3 Pág. 4

A estrutura do ninho diz muito sobre o ciclo de vida da abelha, que passa boa parte da vida den-tro desse espaço e depende das flores para sua sobrevivência. Foi surpreendente quando os alunos observaram uma abelha de colo-ração verde (Euglossini) trazendo pólen grudado no terceiro par de pernas para depositar esse mate-rial no interior do ninho.

Os estudantes também notaram

outros ninhos feitos nas frestas da prateleira. Um deles, feito de folhas, já estava fechado, o que significa que houve nascimen-to. Mas como ainda havia pólen, um segundo ovo ainda estava lá. Esse ninho foi retirado e coloca-do num tubo para que pudesse ser observado em microscópio. Com isso os alunos acompanha-ram se uma abelha nasceria nos próximos dias. A atividade atiçou

a curiosidade dos estudantes para saber mais sobre a vida das abelhas. A aluna Yasmin Lázaro Pereira, por exemplo, interessou--se pelos hábitos alimentares do inseto. “Então, quando estiver sem pólen é porque a larva já comeu e saiu do ninho!”.

Com base nessas informa-ções, responda: será que outros insetos seguem esse modelo de desenvolvimento?

Ninho de surpresas

O fechamento do ninho foi feito com resina que a própria abelha

produz

Abelha Euglossini

As células de cria dos ninhos são rígidas, feitas

com resina e material vegetal

Ninho-armadilhaaberto pelos alunos revelou a dieta (aracnídeos) da larva,

que ajudou a identificar o inseto (vespa)

Ninho-armadilhade vespa emergida

Ninho de abelhaMegachilidae

As Megachilidae utilizam folhas e uma espécie de

secreção, formando pequenos tubos

Trilha da Ciência/Pág. 1 e 2

Curiosidade e investigação no Mural da Casa da Ciência

Casa da C

iência

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EditorialA 22º edição do Jornal das

Ciências tem como foco os re-sultados da parceria entre pro-fessores, pesquisadores e seus alunos nos programas desen-volvidos pela Casa da Ciência. Para isso, convidamos a pro-fessora e pesquisadora Valéria Gimenez para falar sobre seu objeto de estudo, o Cerrado; durante a entrevista ela fala das peculiaridades e também das consequências da ação huma-na nesse bioma.

Na página 4 é possível conhe-cer a investigação dos alunos de Dumont-SP, que - orienta-dos pela pesquisadora Carolina Módulo e pelo professor Willian Sampaio - desenvolveram no “Adote um Cientista” uma linha de investigação teórica, basea-da na acomodação ou desloca-mento do cristalino na formação de imagens.

O suplemento “Trilha da Ciência” traz os trabalhos de investigação dos alunos realiza-dos junto aos seus professores e apresentados na 14º edição do Mural, realizado em dezem-bro de 2011.

Não deixe de conferir na capa a ilustração da atividade de ob-servação vivenciada por alunos durante o evento “Férias com Ciência”, realizado em janeiro de 2012.

Boa Leitura!

A participação do professor sempre foi valorizada nos programas da Casa da Ciência e, para celebrar essa parceria de sucesso, dedicamos esta página do Jornal das Ciências à professora e pes-quisadora Valéria Gimenez. Mestre em Biologia Comparada, com foco em bo-tânica pela USP e professora efetiva da Escola Estadual Tomás Alberto Whatelly de Ribeirão Preto, ela participou em 2002 do curso de especialização “As Células, o Genoma e Você, Professor”. A profes-sora também leciona no ensino superior em cursos de graduação em biologia da rede particular.

Valéria aceitou nosso convite e falou em agosto de 2011 com os alunos do “Adote um Cientista” sobre o Cerrado. Instigados, os jovens participaram com várias perguntas e também conheceram as peculiaridades desse bioma obser-vando sementes e flores trazidas por ela. Durante o encontro, a professora res-saltou a importância do Cerrado e cha-mou atenção para as consequências da ação humana nesse cenário, pois hoje o Cerrado paulista conta com apenas 0,84% de seu território original. Devido à complexidade do tema e ao limite de tempo, resolvemos retomar e aprofundar o assunto em uma entrevista exclusiva:

Jornal das Ciências: É possível que a extinção do cerrado possa levar à degeneração em cadeia dos outros biomas que dependem dele?

Valéria Gimenez: Sim, essa é a maior preocupação para quem estuda o cerrado. O cerrado é uma região consi-derada seca e o aspecto morfológico de suas plantas não é o mais agradável: são de porte baixo e muito retorcidas, com menos folhas que as espécies de mata atlântica. No entanto, essa morfologia é consequência do solo que é muito ácido, com alta concentração de alumínio. Isso influencia a fisiologia celular. Apesar de acharem que o cerrado é seco, suas águas são muito profundas, e as plantas precisam de um sistema radicular mais profundo; A estrutura que as plantas do cerrado desenvolveram é única no mun-do: não é raiz, nem caule, é um xilopó-dio. Então, o que temos na superfície do solo, que são aparentemente herbáceas ou apenas arbustivas, na realidade, fa-zem parte da copa de uma árvore sub-terrânea. Como o cerrado é uma região de águas profundas, dizemos que é o berço de todos os grandes rios brasilei-ros: São Francisco, Jaguaribe, Parnaíba, Tocantins, Araguaia, Xingu, Madeira, os formadores do Paraguai (Pantanal), Paranaíba, Grande e Rio Doce. Todos eles nascem no cerrado.

Isso atingiria diretamente o ser hu-mano e sua interação com a natureza?

Quando alguém destrói o cerrado e impermeabiliza o solo, a recarga dessas

águas não acontecerá. Sendo assim, se esse bioma desaparecer, a primeira consequência que poderíamos observar seria em relação aos recursos hídricos dos biomas que circundam o cerrado.

O tipo de solo pode interferir ou influenciar na formação de biomas?

Dependendo do tipo de matriz, você tem um tipo de solo. E esse tipo de solo vai ter alguns nutrientes que são neces-sários para algumas plantas. Nem todas as plantas vão se desenvolver em uma determinada região. O solo é o fator li-mitante que vai levar famílias botânicas a se instalarem ali e ocorrer a sucessão ecológica, originando uma cobertura ve-getal típica dali a algum tempo. Existem dezenas de nutrientes que são vitais para alguns tipos de plantas e se não estiverem presentes, ou a planta não se instala, ou ela terá que competir com outra planta por aquele nutriente. Essa competição vai fazer com que apenas algumas plantas sobrevivam, que se-rão as espécies que vão caracterizar o ambiente. É preciso um solo bastante íntegro, tanto para recompô-lo, quanto para o próprio bioma se formar. E para ser íntegro, é preciso haver fauna no solo; os decompositores, que vão fazer todas as fixações de gases, bem como a metabolização de resíduos orgânicos, nitritos e nitratos. Isso tornará o ambien-te propício para o desenvolvimento das raízes. Então, se o solo estiver estéril, não haverá plantas típicas daquele bio-ma; as que sobrevivem, geralmente são as espécies ruderais, que conhecemos como pragas urbanas, típicas de solos antropizados.

Valéria em atividade de campo no Parque Estadual de Intervales (SP)

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Desvendando a riqueza do Bioma

1 cmO Jornal das Ciências é uma pu-blicação da Casa da Ciência do Hemocentro de Ribeirão Preto/USP distribuída gratuitamente nas escolas. É parte do Projeto Educacional CTC/CEPID e INCTC - Fapesp e CNPq. Coordenadores: Dimas Tadeu Covas, Marco Antonio Zago e Marisa Ramos Barbieri. Coordenadora da Casa da Ciência e MuLEC: Marisa Ramos Barbieri. Jornalista respon-sável/diagramação: Gisele Oliveira - MTB 61.339. Equipe da Casa da Ciência: Ádamo D. D. Siena, André Perticarrari, Danielle Castro, Fernando Trigo, Gisele Oliveira, Lorimeri Côrtes, Marisa Ramos Barbieri, Pedro Leopoldo Borges, Ricardo M. Couto, Rosemeire R. Tritola e Valéria Costa .

Apoio: Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, Fapesp, CNPq e USP. Endereço: Rua Tenente Catão Roxo, 2501. CEP: 14051-140. Ribeirão Preto. Telefone: (16) 2101-9308. E-mail: [email protected] Tiragem: 3.500 exemplares. Distribuição Gratuita. É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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Quer saber mais sobre o cerrado? Você pode ver outras perguntas respondidas pela professora Valéria no

site da Casa da Ciência: www.hemocentro.fmrp.usp.br/casadaciencia

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Existe algum animal nativo do cerrado que tenha hábito alimen-tar restrito?

Sim, esse é o maior risco da ex-tinção do cerrado. Existem algumas espécies de plantas que só são po-linizadas por uma espécie de inse-to; existem alguns insetos solitários (abelhas, por exemplo) que, tendo hábitos de obtenção de alimentos muito restritos, apenas algumas espécies fornecem alimentos para eles. Não uma única, mas poucas espécies. Quando observamos o desaparecimento de uma planta, com certeza, a população de polini-zadores vai desaparecer; e o contrá-rio também acontecerá.

É possível que as alterações climáticas causadas pelo efeito estufa possam prejudicar (ou fa-vorecer) os seres que vivem nes-se ambiente?

Essa pergunta vem sendo feita por pesquisadores e cientistas há muito tempo. E algumas evidências são claras: hoje sabemos que se a temperatura de um ambiente se alte-rar muito, as plantas são os melhores bioindicadores dessa alteração. Por exemplo, na superfície das folhas de uma planta, existem os estômatos

que são estruturas que se abrem durante o dia, e é as-

sim que a planta vai capturar

Valéria acompanha os alunos em bancada com frutos, sementes e flores do Cerrado.

Casa da C

iênciaAlguns frutos curiosos do

CerradoMultiuso

Fruto de TinguiFamília: Sapindaceae

Nome Científico: Magonia pubescens

Morfologia da árvore: Altura de 5m a 9m, com tronco

de 20 a 30 cm de diâmetro. Fruto cápsula globosa deis-

cente de cor marrom.A árvore floresce em agosto e

setembro, com frutos matu-rando quase simultanemente. A

madeira é utilizada em esquadrias, batentes de portas, além de lenha e carvão. Já o

fruto serve de cuia ou objeto decorativo.Remédio natural

Fruto de Pau-TerraFamília: Vochysiaceae

Nome Científico: Qualea grandiflora

Morfologia da árvore: Altura de 6m a 10m, com tronco de

30cm a 40cm de diâmetro. É uma árvore tortuosa,

protegida por casca grossa, rica em tanino,

substância adstringente que inibe o ataque de patógenos herbí-

voros. Tecelões utilizam corantes extraídos de seus frutos, e, na medicina popular, as cascas

são usadas em infusão para a limpeza de feridas e contra inflamações.Os frutos são cápsulas que

abrigam sementes aladas, facilitando a dispersão pelo vento.

Árvore com orelhasOrelha-de-Nego (fruto da timbaúva)

Família: Leguminosae-Mimosoideae Nome científico: Enterolobium

contorstisiliquumMorfologia da árvore: Altura de 20m

a 35m e 80cm a 160cm de diâmetro de tronco.

A madeira é utilizada na fabricação de pequenos barcos, compensa-

dos e caixas. O fruto é preto e tem forma de orelha; ele surge verde e se torna preto em junho e julho, quando amadurecem. As saponi-nas, substâncias que formam es-

pumas, são encontradas nos frutos e casca, e , são aproveitadas para produção de

sabão.

CO2 para realizar a fotossíntese. Ao mesmo tempo em que os estômatos se abrem, a planta perde água por evaporação; se houver um problema de efeito estufa, as plantas, que apre-sentam enormes quantidades de estô-matos, vão perder muita água e entrar em um estresse hídrico. Tem sido ob-servado que quando ocorre uma altera-ção climática muito grande, as plantas tendem a diminuir a quantidade de es-tômatos por cm², e aumentar a área ra-dicular. Então, imaginemos que o efeito estufa possa aumentar absurdamente, as plantas podem se adaptar a esses efeitos diminuindo a área foliar. Só que nós dependemos da área foliar que é responsável pela produção de oxigênio (fotossíntese).

A interação entre agricultura e na-tureza, no cerrado, é possível? Se sim, quais agriculturas você acha que dariam certo, pensando em sustentabilidade?

Primeiramente, o cerrado não é con-siderado um solo muito fértil para cul-turas que dão lucro garantido e rápido, mas comumente ele se estabelece em regiões planas, o que é muito bom para a agricultura; seu solo é arável e você pode agregar tecnologia para torná--lo muito fértil. Agora, para não trazer tantos danos, essa agricultura não deve explorar áreas extensas, afinal, já temos o mínimo possível do cerra-do. Outra coisa que seria fundamental para tornar a agricultura sustentável é se utilizar policultura ao invés de mo-nocultura, porque onde você entra com monocultura, as chances do ambiente se recompor é muito menor, há perda de diversidade e de interações ecoló-gicas. Então, primeiro: por um aspecto cultural; temos que agir com educação ambiental para mostrar que existe uma grande quantidade de frutos e materiais do cerrado que podem ser usados para alimentação humana e são desconhe-cidos ou subutilizados. O segundo: te-mos que abolir a ideia de monocultura, porque na policultura é possível plantar algo que se tenha interesse junto com outras culturas que são adaptadas ali. Além disso, na policultura você evita o problema das pragas, pois, os inse-tos que seriam considerados praga na monocultura, contribuem com outras atividades, como a de polinizadores e dispersores.

“Quando observamos o

desaparecimento de uma planta, com certeza,

a população de polinizadores vai

desaparecer; e o contrário também

acontecerá”.

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Mostrar a complexidade do olho foi a proposta da aluna Carolina Módulo, que participou da disciplina “Ação docente na iniciação científi-ca”, oferecida na pós-graduação do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP e coordenada pela Casa da Ciência. Carolina, que é bióloga e doutoranda em oftalmologia pela FMRP, após ser convencida que sua pesquisa com glaucoma seria um bom tema, passou a orientar, acompanhada pelo professor Willian Franklin, um grupo de dez jovens da E.E. Professor Nestor Gomes de Araújo e da E. M. Arlinda Rosa Negri, ambas da cidade de Dumont.

Nos encontros, o grupo discutiu a ação de drogas na recuperação de

cirurgias de glaucoma até questões evolutivas do sistema visual e per-cebeu que o olho dos vertebrados tem imperfeições, pois a visão tem

distorções que degradam a qualidade da imagem. Como a luz, que ao atra-vessar os corpos celulares e fibras nervosas da retina (imagem abaixo) sofre desvios antes de atingirem os cones e bastonetes. Além disso, há vasos sanguíneos que se espalham pela superfície interna da retina, provocando distorções. Entretanto, o sistema nervoso interpreta de for-ma adequada as imagens captadas. Com essas informações em mãos, os jovens seguiram duas linhas de estudo teórico: uma focou em visão no ambiente aquático e terrestre; ou-tra investigou o daltonismo e a visão dos cães. As conclusões dos traba-lhos foram apresentadas durante o Mural de dezembro de 2011.

Apesar de serem mamíferos, será que os sistemas visuais do homem e do golfinho funcionam da mesma forma?

Um dos eventos mais importantes na formação de imagens nítidas é o ajuste sobre a retina, processo co-nhecido como focalização. O princi-pal responsável é o cristalino – uma lente natural biconvexa localizada abaixo da córnea – que direciona os feixes de luz até a retina. Ao passar pelo cristalino, os feixes sofrem refra-ção (desvio resultante da variação de velocidade sofrida ao se passar de um meio para outro) e são projetados sobre células fotossensíveis (cones e os bastonetes) localizadas na retina.

Na terraEm mamíferos terrestres esse des-

vio depende da curvatura do crista-lino que é constantemente alterado por um anel de pequenos músculos ciliares, permitindo ajustar a visão para objetos próximos ou distantes. Isso se chama acomodação do olho à distância do objeto.

Edgar Bacallini, um dos alunos orientados, encontrou em sua pes-quisa informações de que na visão terrestre, quando o objeto está muito próximo, o músculo ciliar se contrai

O cão é daltônico?Os cães apresentam olfato e au-

dição muito aguçados e também utilizam a visão com precisão, mas com um detalhe: eles enxergam melhor à noite. Qual será a dife-rença de uma boa visão noturna no cão e uma boa visão diurna, co-mum nos humanos?

Se compararmos a nossa visão com a de um cão, é possível iden-

tificar que a quantidade de células especia-lizadas da visão, bastonetes (visão

monocromática) e cones (visão co-lorida), é diferente. “Os cães apresentam uma quantidade me-nor de cones em rela-ção aos humanos, é por essa razão que

Com olho se faz uma iniciação científica

Carolina Módulo durante orientação dos alunosC

asa da Ciência

Homens e golfinhos: como focalizam suas imagens?

eles enxergam numa escala de co-res mais opaca que a nossa; com relação à profundidade e ao cam-po de visão, nos cães é de 100º e nos humanos é de 140º”, afirmou a aluna Damaris da Silva Jardim, que participou da investigação sobre os olhos desses animais na Casa da Ciência.

Como os cães enxergam so-mente alguns espectros de luz (vi-são limitada para as cores), eles não distinguem as cores vermelho e verde. Quais são as cores que eles são capazes de visualizar? O cão enxerga muito bem os tons de amarelo e azul (veja no box lateral).

DaltonismoSerá que podemos chamar esse

animal terrestre com boa visão no-turna de daltônico?

O grupo de alunas estudou o daltonismo a fim de explicar a visão dos cães e verificar que os homens daltônicos não conseguem identifi-car as cores próximas das verme-lha e verde, assim como os cães. A aluna Noemi da Silva Jardim, no entanto, afirmou que o daltonismo é uma patologia humana e, por isso, os cães não são daltônicos. “Foi o ambiente que selecionou es-ses animais. Essa é a visão normal deles, diferente dos seres huma-nos”, constatou.

Cores visualizadas pelo cão

Cores visualizadas pelo homem

e as fibras do cristalino relaxam, au-mentando seu diâmetro. Já, quando o objeto está longe, o músculo ciliar relaxa e as fibras ficam tensionadas, diminuindo o diâmetro do cristalino.

Na águaNos peixes e maioria dos verte-

brados aquáticos essa acomodação é feita através do deslocamento do cristalino, que fica mais próximo ou

se afasta da retina. No golfinho, que é um mamífero que vive em ambien-te aquático, houve uma adaptação. A aluna Luciana Silva, baseada em estudos realizados por seu grupo, contou que o cristalino desse animal é esférico e, como na maioria dos vertebrados aquáticos, espesso e denso. “Porém, ele não sofre deslo-camento, pois manteve a caracterís-tica dos mamíferos; e também não sofre acomodação, porque não preci-sa, pois seu cristalino é amplo e capta o máximo de luz possível”, justificou. Questionada pela professora Marisa Barbieri, coordenadora da Casa da Ciência, sobre a razão do cristalino do golfinho não se deslocar, a aluna afir-mou que essas características favore-cem o animal dentro da água, mas o prejudicam fora:“É toda uma adapta-ção para captar luz, mas quando ele está em cima da água tem muita luz, acaba tendo que fechar a pupila”.

A focalização da imagem pelo gol-finho é realizada com deslocamento do cristalino e com os músculos re-fratores modificando a sua posição, aproximando-o ou afastando-o da retina. Com isso consegue captar o máximo de luz e concentrá-la sobre um espaço pequeno, a retina, possi-bilitando a visão submersa.

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No dia 13 de dezembro de 2011 aconteceu o 14º Mural da Casa da Ciência, no qual alunos do pro-grama Adote um Cientista apre-sentaram os diferentes projetos investigados durante um semes-tre, contando suas hipóteses, ca-minhos e resultados alcançados.

O Adote um cientista, principal programa da Casa da Ciência, tem uma programação semestral que culmina no Mural, evento rea-lizado duas vezes ao ano, normal-mente em julho e dezembro. Este evento - que é um momento de apresentação e avaliação dos pro-jetos de investigação dos jovens - tem evidenciado a crescente pre-sença do professor e a parceria com escolas. Isso tem possibili-tado conhecer desdobramentos na sala de aula, melhorando a in-terpretação dos resultados alcan-çados. O 14° Mural foi um evento importante para muitas decisões

Curiosidade e investigação marcam Mural da Casa da Ciência

“Preocupados que nós so-mos, de dar ao ensino a condi-ção de investigação, ou seja, um caminho parecido ao do pesqui-sador, todo trabalho tem uma pergunta, ou outra, básica (...) a partir da pergunta, você conse-gue fazer observações, uma ex-ploração, uma visita aos livros, uma consulta, volta, observa de novo, então define sua hipótese”.

Divididos em 13 grupos te-máticos, os alunos participa-ram do evento falando temas

Procura-se um besouro

Jean Morais da Silva, Edson Sala Augusto e Fabricio Fernandes de Jesus; alunos da EMEB Olympio Pereira Conceição - Santa Cruz da Esperança - SP

Esse foi um dos grandes desafios encontrados por este grupo: localizar o besouro aquático (Dytiscus sp) que, a partir da observação do aluno Jean, estimulou um estudo de morfologia e hábitos comportamentais deste pequeno invertebrado.

Da primeira observação, realizada em uma repre-sa, criou-se o desejo de estudar o animal e compre-ender como ele consegue ficar debaixo da água e capturar suas presas. Após estudos teóricos e insu-cessos na busca do besouro, os alunos trabalharam com a hipótese de que a ação antrópica interferiu no ciclo de vida. Persistentes, eles encontraram algu-mas larvas na raiz de aguapé e que questionaram ser de besouros aquáticos, pois “a parte final dela (larva) corresponde ao do besouro”.

Jean: “Os pelos ajudam a segurar a bolha de ar”. (observação do aluno ao falar dos pelos hidrofóbicos presentes no escutelo do besouro). “...servem como

remos, ajudando no ambiente aquático a nadar rápido”.Casa da Ciência: Em todas as pernas?Apenas nas traseiras (3° par).E nos outros pares?Não. No 1°par dos machos tem uma espécie de “ganchinho” que ajuda na reprodução.Mas essa especialização poderia ser para predação?Acho que sim. Poderia ser para segurar a presa.

de 2012, como a implantação do programa Pequeno Cientista na rotina da Casa.

Durante a apresentação de abertura, a professora Marisa Ramos Barbieri, coordenadora da Casa da Ciência, destacou o pa-pel da investigação nos projetos desenvolvidos pelos alunos:

como Abelhas mandaçaia; Bioindicadores da qualidade da água, Cigarrinha-das-raízes na cana-de-açúcar; Vespas e figuei-ras; Crescimento de tilápia e qua-lidade da água; Besouros aquá-ticos; Mata ciliar do Rio Pardo. Além destes, foram apresentados quatro projetos do programa Pré-Iniciação Científica USP, que têm parte dos trabalhos disponíveis no site da Casa da Ciência, além dos projetos sobre daltonismo e crista-lino, desenvolvidos durante a dis-ciplina “Ação Docente na Iniciação Científica” e apresentados na pá-gina 4 deste jornal.

Uma única tarde não foi sufi-ciente para abordar, da forma que todos gostariam, os diversos eixos de investigação, mas alguns “re-cortes” permitem que um pouco dos conceitos apresentados se-jam divulgados. Vamos conhecer alguns destes trabalhos?

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Abelhas MandaçaiaDe que forma os pesticidas apli-

cados em monoculturas podem afetar o equilíbrio de um ecos-sistema? Como outras espécies podem ser prejudicadas? Estas e outras relações foram investiga-das pelos alunos que, a partir de um problema com a produtividade de um apicultor, pai de Leonardo, decidiram ir mais a fundo.

“Os enxames não estavam indo pra frente por causa dos pestici-das. A gente notou que elas es-tavam indo para o canavial, e as canas-de-açúcar tem pesticidas”, explica Leonardo.

Quando analisaram o enxame, perceberam que o pesticida “deixa a cera mais seca”, prejudicando a pro-dutividade e a vida das abelhas. Para tentar resolver a

situação, Leonardo levou as caixas de abelhas para cidade.

“Essa matriz já estava se acabando, por causa desses pesticidas. Agora com muito custo, conseguimos mon-tar na minha casa. Por ser na cidade, achei que não ia dar certo. Porque (no sítio) estava cheia de árvore em volta com uma mata gigante, e na cidade saiu melhor do que no sítio. No sítio é rodeado de cana.”

Bioindicadores da qualidade da água

Os alunos, orientados pelo professor Willian Franklin, coletaram amostras de água e compara-ram as formas de vida encontradas em três cór-regos da cidade de Dumont. Algumas espécies de microalgas foram identificadas e, em especial uma, chamou a atenção: a microalga Volvox sp, que é uma colônia de algas verdes que pertencem à divisão Chlorophyta, que em alta incidência indi-ca águas limpas.

A partir de uma tabela, os alunos compararam a diversidade de cada ambiente, confrontando-as com o grau de poluentes de cada área. Em uma

segunda coleta, realizada no inverno, o grupo per-cebeu mudanças nos resultados:

“O que aconteceu com os organismos no inver-no? Pois não os encontramos!Quando fizemos a coleta no inverno, antes de julho, só achamos um tipo de alga, um bioindicador”.

Como explicar essa variação? Será que a tem-peratura e o pH da água influenciaram esses orga-nismos, em especial as algas? Os bioindicadores foram bem selecionados para a investigação?

Cigarrinha-das-raízes na cana-de-açúcarEste projeto foi orientado pela pro-

fessora Larissa Cardoso de Lima. Anteriormente, as alunas tinham fo-cado no ciclo de vida, morfologia e o controle biológico da cigarrinha da cana (Mahanarva fimbriolata). “Mas agora queremos coletar exemplares para acompanhar o ciclo de vida e a ação parasitária do fungo sobre elas”.

Casa da Ciência: O que o fungo faz?

Damaris: Ele parasita a cigarrinha, libera uma substân-cia de coloração verde que a “mumifica”.

Esse fungo já é utilizado para o controle de cigar-rinhas? Ou não?

Pelo que estudei, ele já é usado para esse controle. Ele

reduz bastante a população da cigarri-nha, em um período muito curto, levan-do à produção de uma cana-de-açúcar de melhor qualidade.

O estudo das alunas mostrou que, apesar da cigarrinha ser uma praga agrícola destruidora, há medidas efica-zes de seu controle com uso de inseti-cidas e organismos biológicos.

Leonardo da Silva Costa e Alex Santo da Silva; alunos da EMEB Olympio Pereira Conceição – Santa Cruz da Esperança - SP

Carlos Augusto Jardim Chiarelli, Carlos Henrique Jardim Chiarelli, Luciana Souza da Silva, Thaís Ribeiro Vitorino, Otavio Luiz Daneze; alunos da EMEF Profa. Arlinda Rosa Negri e EE Prof. Nestor Gomes de Araújo - Dumont - SP

Damaris da Silva Jardim, Noemi da Silva Jardim, Patrícia Gabriele Tavares da Silva, Tais Gomes Soares; alunos da EMEF Profa. Arlinda Rosa Negri e EE Prof. Nestor Gomes de Araújo - Dumont - SP

Abelha mandaçaiaMelipona quadrifaciata

As apresentações dos grupos de Interações ecológicas entre as vespas e as figueiras, Impactos da mata ciliar do Rio Pardo e Desenvolvimento de tilápia x qualidade de água estão disponíveis em nosso

site. Confira: www.hemocentro.fmrp.usp.br/casadaciencia

Cigarrinha da canaMahanarva fimbriolata

Córrego 1 Córrego 2 Córrego 3

Córregos estudados pelos alunos